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2018
Direis ouvir
estrelas
(antologia de poesia)
3
Parte 1
SONETOS
4
Via Láctea
(Olavo Bilac)
Ouvir estrelas
(Bastos Tigre)
Língua portuguesa
(Olavo Bilac)
A um poeta
(Olavo Bilac)
Flores da lua
(Cruz e Sousa)
O meu palhaço
(Silvino Olavo)
Acrobata da dor
(Cruz e Souza)
Budismo moderno
(Augusto dos Anjos)
Psicologia de um vencido
(Augusto dos Anjos)
Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Versos íntimos
(Augusto dos Anjos)
O morcego
(Augusto dos Anjos)
O idealismo
(Augusto dos Anjos)
A Carolina
(Machado de Assis)
Círculo vicioso
(Machado de Assis)
Natal
(Glauco Mattoso)
Spik(sic)tupinik
(Glauco Mattoso)
Soneto escatológico
(Glauco Mattoso)
Soneto do pássaro
(Carlos Drummond de Andrade)
Encontro
(Carlos Drummond de Andrade)
Soneto da loucura
(Carlos Drummond de Andrade)
A uma dama
(Gregório de Matos)
À cidade da Bahia
(Gregório de Matos)
Soneto de fidelidade
(Vinícius de Moraes)
Soneto de separação
(Vinícius de Moraes)
O muro
(Pedro Kilkery)
Cetáceo
(Pedro Kilkerry)
Parte 2
POESIA CONCRETA
24
Augusto de Campos
cidade
(Augusto de Campos)
atrocapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimultipliorganiperiodipl
astipublirapareciprorustisagasimplitenaveloveravivaunivoracidade
city
cité
25
Augusto de Campos
26
Augusto de Campos)
27
Augusto de Campos
28
Augusto de Campos
29
Augusto de Campos
30
Augusto de Campos
31
Augusto de Campos
32
Augusto de Campos
33
Décio Pignatari
34
Décio Pignatari
35
Décio Pignatari
36
Décio Pignatari
37
Ronaldo Azeredo
38
Ronaldo Azeredo
cinco
(José Lino Grünewald)
2 2
3 3 3
4 4 4 4
c i n c o
39
AC
DC
WC
José Paulo Paes
40
Economia política
(Glauco Mattoso)
PO R
DE
PO R
41
Pedro Xisto
42
Pedro Xisto
43
Parte 3
OUTROS POEMAS
44
As sem-razões do amor
(Carlos Drummond de Andrade)
Amar
(Carlos Drummond de Andrade)
Ausência
(Carlos Drummond de Andrade)
Canção final
(Carlos Drummond de Andrade)
Para sempre
(Carlos Drummond de Andrade)
Quadrilha
(Carlos Drummond de Andrade)
No meio do caminho
(Carlos Drummond de Andrade)
Caso do vestido
(Carlos Drummond de Andrade)
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
O passarinho dela
(Carlos Drummond de Andrade)
O passarinho dela
é azul e encarnado.
Encarnado e azul são
as cores do meu desejo.
O passarinho dela
bica meu coração.
Ai ingrato, deixa estar
que o bicho te pega.
O passarinho dela
está batendo asas, seu Carlos!
Ele diz que vai-se embora
sem você pegar.
54
Pneumotórax
(Manuel Bandeira)
Andorinha
(Manuel Bandeira)
Os sapos
(Manuel Bandeira)
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — ―Meu cancioneiro
É bem martelado.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…‖
Poética
(Manuel Bandeira)
Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.
O último poema
(Manuel Bandeira)
Consoada
(Manuel Bandeira)
O anel de vidro
(Manuel Bandeira)
Porquinho-da-índia
(Manuel Bandeira)
Desencanto
(Manuel Bandeira)
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida,
inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos.
Bandeira de Pernambuco
(Éverton Francisco Araújo)
lágrima de bandoneón
ora
não
e juntas
o que tenho eu
de mais colorido e repões numa forma nova
- aqui o azul
ali o vermelho
cá o lilás e muito
muito de amarelo-caju, que me enternece
Autopsicografia
(Fernando Pessoa)
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Tabacaria
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem
pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
O guardador de rebanhos
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
..........................................................................
.................................................................................
....................................................................................
Perdoe-
me,
camarada Kostróv,
com sua habitual
largueza de vista,
se eu desperdiço
as minhas estrofes
de Paris
em lírica imprevista.
Imagine:
uma beleza
entra na sala
vestindo
peles e adereços.
A essa
bela presa
a minha fala
(não sei se
bem ou mal)
eu endereço:
Sou russo,
camarada,
e sou famoso em meu país.
Já tive muitas namoradas
bonitas
- todas que eu quis.
As mulheres
amam os poetas.
Sou vivo,
minha voz é de bom timbre.
Tonteio como éter.
Basta
ouvir-me.
Não me fisgam
com armas
sem valor.
Não caio
por qualquer charme.
Eu fui
para sempre
ferido pelo amor -
mal e mal
posso arrastar-me.
77
Não meço
o amor
pelo matrimônio.
Deixou de amar -
passe bem!
Para mim,
camarada,
as cerimônias
valem
menos que um vintém.
Para que ficar palrando?
Deixe de onda,
formosura,
eu não tenho mais vinte anos,
mas trinta...
e outros tantos
fora da conta.
O amor
não está
em ferver bruscamente,
nem está
em acender uma fogueira,
mas no que há
por trás
das montanhas do peito
e acima
da jângal-cabeleira.
Amar
é ir ao fundo
do cercado
e até que a noite
- corvo negro -
chegue
cortar lenha
com chispas
no machado
e a nossa própria força
pôr em xeque.
Amar
é desfazer-se dos lençóis
que a insônia desarruma
e com ciúme
de Copérnico,
a ele,
não ao marido
da Maria dos Anzóis,
considerar rival eterno.
O amor
não é
paraíso nem geena.
78
Para nós
o amor
é o atestado
de que
outra vez
se engrena
o coração -
motor enferrujado.
Você
rompeu o fio
com Moscou.
Os anos
criam
distância.
Como
explicar o que passou
assim de relance?
Na terra
há luzes - até o céu...
No céu azul
estrelas
a granel.
Se eu
não fosse poeta
seria astrônomo
por certo.
A praça já se apinha.
Os coches rodam.
Eu passo
anotando linhas
no meu livro de notas.
Correm
os carros
rente.
mas não me atropelam.
Entendem,
de repente:
Está em êxtase
por ela.
Sonhos,
visões,
excursos
enchem-no
até os ossos.
Aqui
até os ursos
ganhariam asas.
E agora,
quando acabo de fervê-las,
num restaurante barato,
79
as palavras
soletram
das letras
às estrelas
um cometa dourado.
Deixando
pelo céu
um longo rastro,
brilha
a plumagem do cometa,
para que os namorados
vejam os astros
de seus quiosques
de violetas.
Para acordar
e atrair
o apreço
desses
a que a visão já falha.
Para cantar
aos inimigos
a cabeça
com a longa cauda
luminosa
navalha.
Ouço
em meu peito
até o último pulsar
como se o estivesse
esperando
para um encontro:
o amor
a ressoar
simples e humano.
O furacão,
o fogo,
o mar
vêm vindo
furiosamente.
Quem
os pode
domar?
Você pode?
Experimente...
80
Balalaica
(Maiakóvski; tradução de Augusto de Campos)
Balalaica
(como um balido abala
a balada do baile
de gala)
(com um balido abala)
abala (com balido)
(a gala do baile)
louca a bala
Entre escritor
e leitor
posta-se o intermediário,
e o gosto
do intermediário
é bastante intermédio.
Medíocre
mesnada
de medianeiros médios
pulula
na crítica
e nos hebdomadários.
Aonde
galopando
chega teu pensamento,
um deles
considera tudo
sonolento:
- Sou homem
de outra têmpera! Perdão,
lembra-me agora
um verso
de Nadson...1
1
O poeta S. I. Nádson (1862-1887). A mudança de acento é do próprio Maiakóvski.
81
O operário
não tolera
linhas breves.
(E com tal
mediador
ainda se entende Assiéiev). 2
Sinais de pontuação?
São marcas de nascença!
O senhor
corta os versos
toma muitas licenças.
3
Továrich Maiakóvski,
por que não escreve iambos?
Vinte copeques
por linha
eu lhe garanto, a mais.
E narra
não sei quantas
lendas medievais,
e fala quatro horas
longas como anos.
O mestre lamentável
repete
um só refrão:
- Camponês
e operário
não vos compreenderão.
O peso da consciência
pulveriza
o autor.
Mas voltemos agora
ao conspícuo censor:
Camponês só viu
há tempo
antes da guerra,
4
na datcha ,
ao comprar
mocotós de vitela.
Operários?
Viu menos.
Deu com dois
uma vez
por ocasião da cheia,
dois pontos
numa ponte
contemplando o terreno,
vendo a água subir
2
O poeta N. N. Assiéiev (1889-1963), amigo de Maiakóvski.
3
Camarada.
4
Casa de veraneio.
82
de chuchotar
versos para os pobres.
A classe condutora,
também ela pode
compreender a arte.
Logo:
que se eleve
a cultura do povo!
Uma só,
para todos.
O livro bom
é claro
e necessário
a mim,
a vocês,
ao camponês
e ao operário.
Nalgum lugar
(E. E. Cummings; tradução de Augusto de Campos)
Hotel Fraternité
(Hans Magnus Enzensberger; trad. de Aldo Fortes)
meu inimigo
debruçado sobre o balcão
na cama em cima do armário
no chão por toda parte
agachado
olhos fixos em mim
meu irmão
Depois do começo
(Vasko Popa; trad. de Aleksandar Jovanovic)
No final
(Vasko Popa; trad. de Aleksandar Jovanovic)
Osso eu osso tu
Por que me engoliste
Não me vejo a mim também
Ouço a ti e a mim
O canto do galo canta em nós
Se
(Rudyard Kipling – Trad. Guilherme de Almeida)
Kipling revisitado
(José Paulo Paes)
se etc
se etc
se etc
se etc
se etc
se etc
se etc
serás um teorema
meu filho
as cigarras
(Sérgio de Castro Pinto)
plugam-se/se/se
nas árvores
em dós sustenidos.
gargarejam
vidros
moídos.
luta de classes
(Paulo de Toledo)
Catar feijão
(João Cabral de Melo Neto)
2.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não quanto ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
Tecendo a manhã
(João Cabral de Melo Neto)
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretecendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão
91
Graciliano Ramos:
(João Cabral de Melo Neto)
para JC
(Verbo e verba:
pragas velhas.)
Triste é depender
94
de relatos carolas,
acadêmicos, cartolas.
Triste é depender
da leitura alheia,
fáceis falácias: farsas.
Triste é depender
dos olhos dos outros,
de voz de falsas sereias.
Mas
um aqui, João.
incerto, grita
e insiste em não crer
na sua crença repentina,
que a morte (sua) desminta a obra (sua) vida.
Um aqui, João,
o tem por certo:
é mais fácil o não
crer, não
ceder, não
descer, não
conceder. Não.
na noi te eu te mo eu te
(Arnaldo Antunes)
Na noi te eu te mo eu te
amo e te ch
O te lefone do ho tel l me
-te me-
do.
Do escuro so negro do breu da voz da noite vem
a tua voz.
Nas estrelas eu ter-
mo e me
a ti ro
a ti só a ti e a
tu: do
95
Dúvida
(Arnaldo Antunes)
As coisas
(Arnaldo Antunes)
Nome
(Arnaldo Antunes)
razão nenhuma
(Lau Siqueira)
o que escrevo
é apenas parte
do que sinto
a outra parte
finjo que minto
e acredito
candura
(Lau Siqueira)
preciso morrer
de morte natural
estribilho
(Lau Siqueira)
sempre tranquilo
na hora da morte
direi
licença
vou dar um cochilo
97
dentro de mim
morreram muitos tigres
os que ficaram
no entanto
são livres
grafite
(Lau Siqueira)
morrer é quase
um imprevisto
morro sempre
quando penso
que não existo
?
(Lau Siqueira)
Não-sei-o-que-é
(Raimbaut d’ Aurenga – Trad. Augusto de Campos)
Farmácia
(Marco Lucchesi)
Farmácia
Eu nada sei
do mal de que padeço
e todavia o confesso
o que me aflige
a beleza me fere
espanta e fascina
o passar do tempo
me dá vertigem
e me prende
em suas teias de irreversão
os pássaros me deixam
intranquilo no ocaso
preciso de um remédio
para curar-me do mal de ter nascido
O elixir do pajé
(Bernardo Guimarães)
(...)
A outra freira, que satirizando a delgada fisionomia do poeta lhe chamou Pica-flor
(Gregório de Matos)
Se Pica-flor me chamais,
Pica-flor aceito ser,
Mas resta agora saber
Se no nome, me que me dais,
Meteis a flor, que guardais
No passarinho melhor!
Se me dais este favor,
Sendo só de mim o Pica,
E o mais vosso, claro fica
Que fico então Pica-flor.
Décimas
1.
Bela Floralva, se Amor
Me fizesse abelha um dia,
Em todo o tempo estaria
Picando na vossa flor:
E quando o vosso rigor
Quisesse dar-me de mão
Por guardar a flor, então,
Tão abelhudo eu andara,
Que em vós logo me vingara
Com vos meter o ferrão.
2.
Se eu fora ao vosso vergel
E na vossa flor picara
Um favo de mel formara
Mais doce que o mesmo mel:
Mas vós como sois cruel,
E de natural castiço,
Deixais entrar no caniço
101
Um zângano comedor,
Que vos rouba o mel e a flor,
E a mim o vosso cortiço.
o elefante
(Sérgio de Castro Pinto)
lapidar
(Sérgio de Castro Pinto)
em cada verso
que escrevo,
eu me parto.
a folha é lousa.
poemas, epitáfios.
exílio
(Sérgio de Castro Pinto)
desarvorada,
a madeira
do móvel
desata
os seus nós e estala
recado a pound
(Sérgio de Castro Pinto)
eu sou a pane
e a interferência
dos meus fantasmas
a máquina
é o revólver ao inverso:
os objetos-bala não saem,
eles entram, se internam.
da máquina
(se acionado o gatilho),
os objetos-bala a engravidam
de um festival colorido.
do revólver
(se acionado o gatilho),
apenas existe uma cor:
a mesma cor de um grito.
na máquina
a paisagem é intestina
(o fora está dentro),
não pode mostrar-se ainda.
103
a máquina
guarda o que havia fora
e o homem a conduzindo
conduz duas memórias:
a morte de lampião
(Sérgio de Castro Pinto)
a morte
sem ponto cardeal
(morte por grau)
via-se maior
na forma horizontal.
lentes invertidas
são matemáticas:
lampião dorme
maior que a vida,
sem altura, enorme.
o paraíba, o mamanguape,
o tigre, o eufrates
o tejo, o sena,
desjejum
(Líria Porto)
Liberdade
(Líria Porto)
Antigas tardes
sentavam-se nas calçadas:
por-dos-sós
(Saulo Mendonça)
Pintassilgo no terraço
cantando ao amanhecer.
Meu relógio de parede
(Saulo Mendonça)
Escrever memórias:
até os pirilampos
reacendem suas luzinhas
(Saulo Mendonça)
À tardinha, no Sanhauá
o velhinho fitava o rio
com seu olhar poente
(Saulo Mendonça)
Copa do Mundo:
O coração perde a forma
quando em bola se transforma
(Saulo Mendonça)
Chuva passando
tarde escurecendo...
É tempo de tanajura
(Saulo Mendonça)
106
Frondoso tamarindo.
Em seu lugar vazio
verdes lembranças
(Saulo Mendonça)
(Saulo Mendonça)
Estalactites.
Lágrimas da terra
quando chora por dentro
(Saulo Mendonça)
Monges orando!
Silêncio cristalino
de cardume na água
(Saulo Mendonça)
Noite de primavera.
Um fruto caiu no lago
e amassou a lua
(Saulo Mendonça)
107
Lazaro
(Alberto Lins Caldas)
1
● lazaro ●
● abre os olhos abre e respira ●
● como gatos cães e cavalos ●
● vem lazaro ●
● vem como se vai pra amante ●
● vem como se vai pra guerra ●
● deixa a morte deixa isso ●
● q vai devorando sem saber ●
● ate não restar nada de nada ●
● abre as mãos abre as pernas ●
● respira suspira e pragueja ●
● nessas ruas nesse deserto ●
● correr brincar rir e odiar ●
● como todos os homens ●
● como todos os vivos lazaro ●
● esquece isso de morrer ●
● isso da morte q nos afasta ●
● isso q não pode se dizer ●
● lazaro ●
● tira essa roupa da rua ●
● vem vestir a nudez de dormir ●
2
● depois há os queijos ●
● as lentilhas os arenques ●
● os pães as trutas defumadas ●
● as postas de carne e sangue ●
● batido com vinagre ate coalhar ●
● os porcos as galinhas os bois ●
● a boca lazaro as coxas lazaro ●
● das mulheres os peitos os dedos ●
● dos pes das mulheres lazaro ●
● as horas de leseira as festas ●
● lembra das festas lazaro ●
● o sono o desejo e a alegria ●
● ouve o silencio lazaro ●
● raro aqui dessas palavras ●
● a bruta 107iolência e o ritmo ●
● mas sei q a morte lazaro ●
● seduz muito mais q a vida ●
● e mais q qualquer palavra ●
● então fica lazaro ●
● porqso a morte faz gozar ●
● a vida é feita pra não bastar ●
108
Pronominais
(Oswald de Andrade)
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
109
3 de maio
(Oswald de Andrade)
Vadiagem mística
(Oswald de Andrade)
Música de manivela
(Oswald de Andrade)
Cabo Machado
(Mário de Andrade)
Viuvita
(Mário de Andrade)
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a
frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói
o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando
seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos
inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da
idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de
secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha
alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito
humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se
considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
112
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
o paulo leminski
(Paulo Leminski)
o paulo leminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover
no nosso piquenique
não discuto
(Paulo Leminski)
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
os sem-terra afinal
estão assentados na
pleniposse da terra :
de sem-terra passaram a
com-terra : ei-los
enterrados
desterrados de seu sopro
de vida
aterrados
terrorizados
terra que à terra
torna
pleniposseiros terra-
tenentes de uma
vala (bala) comum :
114
afogueando os
agrossicários sócios desse
fúnebre sodalício onde a
morte-marechala comanda uma
torva milícia dejanízaros-ja-
gunços :
somente o anjo esquerdo
da história escovada a
contrapelo com sua
multigirante espada po-
derá (quem dera!) um dia
convocar do ror
nebuloso dos dias vin-
douros o dia
afina sobrevivente do
j u s t o
a j u s t e de
contas
Galáxias (fragmento)
(Haroldo de Campos)
circuladô de fulô ao deus ao demo dará que deus te guie porque eu não posso guiá eviva
quem já me deu circuladô de fulô e ainda quem falta me dá
soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um cabo e uma lata
velha num fim de festafeira no pino do sol a pino mas para outros não existia aquela
música não podia porque não podia popular aquela música se não canta não é popular se
não afina não tintina não tarantina e no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa
da mais megera miséria física e doendo doendo como um prego na palma da mão um
ferrugem prego cego na palma espalma da mão coração exposto como um nervo tenso
retenso um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao sol
circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie porque eu não posso guiá eviva
quem já me deu circuladô de fulô e ainda quem falta me dá o povo é o inventalínguas na
malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tenteando a
travessia azeitava o eixo do sol e não peça que eu te guie não peça despeça que eu te
guie desguie que eu te peça promessa que eu te fie me deixe me esqueça me largue me
desamargue que no fim eu acerto que no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o
fim me reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito e se verá que está feito
que pelo torto fiz direito que quem faz cesto faz cento se não guio não lamento pois o
mestre que me ensinou já não dá ensinamento
116
Iniciação amorosa
(Drummond)
E como eu não tinha nada que fazer vivia namorando as pernas morenas da lavadeira.
Um dia ela veio para a rede,
se enroscou nos meus braços,
me deu as maminhas
que eram só minhas.
A rede virou,
o mundo afundou.
Bato na pedra,
ouço o estampo
as mãos
me identificando.
Boca estopada,
118
o branco agrava:
no espaço da página,
— Nada é pouco,
o tiro asserta.
— Se magro o livro,
aproveita-se
até o focinho.
Sebenta
(Zuca Sardan)
Reitor Finel
escreve de perfil
com pincenez azul
a Sebenta Divina
Sybila
(Zuca Sardan)
Ápice
(Zuca Sardan)
Éden
(Zuca Sardan)
Capivaras
(Zuca Sardan)
Cosmos
(Zuca Sardan)
Estudos
(Zuca Sardan)
Estampas
(Zuca Sardan)
Vista aérea
(Expedito Ferraz Jr)
a certa altura,
a vista de um cemitério
se afigura
como a visão
de uma única
sepultura
acerta altura,
já a toda uma cidade
se mistura
essa impressão,
e a arquitetura
de alamedas,
letreiros e ladrilhos
faz ver canteiros,
lápides,
jazigos
a certa altura,
impossível distinguir
entre ruína e criação;
entre o milagre
da civilização
e o terremoto:
tudo quernos parecer
destroços
a certa altura,
resta aprender
a carregar os mortos
na vala comum
dos nossospróprios
ossos
Desconcerto
(Expedito Ferraz Jr)
um quarteto
de cordas
um arranjo
de flores
um solo
infinito
121
Os limites do inverno
(Daniel Francoy)
alguém explique
como persiste
uma memória tão vívida
de uma pessoa
que já não existe?
(Ademir Assunção)
fim de festa
o vento entra
pelas frestas
(Ademir Assunção)
tanto caminhar
tantas luas tantos sóis
até nenhum lugar
(Ademir Assunção)
Caderno de carnações
(Anna Apolinário)
poema
artefato do diabo
macambira
na
garganta
labaredas,
libélula delirante
esporão na goela
fera
que golpeia
musas, lâmina
malévola
trespassando-me
terrífica
antilírica maquinaria
123
sismograficamente, eu
gozo
Deus autofágico
O poema aniquila
Cabíria
(Daniel Sampaio)
a vida são sempre mambos & mambos pra putas & putas
(menos tu)
àquela
(Daniel Sampaio)
belozebu
(Edypo Pereira)
o sino daaam/daaam/daaam
plackthplockth voam as freiras num
zoooooooooooom
meu poema é belozebu
no convento
da língua
fazendo catacrisma
124
for mar
(Flavio Castro)
arar
(Éverton Francisco)
a ave lavra:
bico branco à enxada
sachando as nuvens-daninhas.
azul
feixes
(Éverton Francisco)
Segredo
(Moama Marques)
da concha
do seu ventre
ecoa
em ponteio
Redemoinho
(Moama Marques)
Na rua
no meio do redemoinho
o Diabo
Riobaldo
O Diabo
nos olhos de Diadorim
O Diabo
no ódio de Diadorim
O Diabo
no amor de Diadorim
duro, sério
tão bonito
Diadorim
Amo tanto
(Renálide Carvalho)
* * *
vassoura em punho
o monge varre
a própria mente
* * *
128
Raimbaut: 97
Renálide Carvalho: 125
Ronaldo Azeredo: 37 – 38
Saulo Mendonça: 105-106
Sérgio de Castro Pinto: 89 – 101 – 102 – 103 – 104
Vasko Popa: 84 – 85
Vinícius de Moraes: 21
Zuca Sardan: 118 – 119