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TRAVESSIA

Da Educação Infantil ao Ensino Superior através da

ARTE EDUCAÇÃO E TERAPIA

Neide Zamboni

Uma travessia sugere que possamos trilhar caminhos que levem de um


ponto ao outro. Esse trabalho propõe algo maior. Apresenta um desejo de que
possamos sair de um ponto conhecido e estabelecermos condições de
vivenciarmos uma trilha em direção ao infinito.

Ao mesmo tempo em que isso possa parecer viajante demais, pretendo


ao longo dessas páginas ir tecendo um mapa possível cujas trajetórias tem
razão de ser.

Desde a mais remota idade sabemos que nossos ancestrais nômades


saiam atravessando territórios a fim de garantir a oferta de condições
satisfatórias de sobrevivência. Todas as trilhas, caminhos, direções seguidas a
esmo, ditadas somente pela intuição é que fizeram com que hoje, nós
estejamos aqui.

Esse aqui representa o pedaço onde vivemos, nossa cidade, nosso


estado, nosso país, nosso continente, tudo isso dentro desse nosso planeta
Terra.

Como todo viajante, estamos durante toda linha do tempo da história da


humanidade, acumulando bagagem. Quando realizamos uma boa viagem é
natural que possamos ir acumulando souvenirs, ou sejam, fotos, objetos,
lembranças dos lugares por onde passamos e que deixaram marcas em
nossas vidas que ficarão guardadas com carinho em nossa memória,
enriquecendo nosso passar por esses tempos e terras. Elas passam a fazer
parte de nossas vidas, contribuindo para a demarcação de nossa identidade. E
assim caminhamos nós, cada qual com seu destino, como resultados de
escolhas, com rotas de acertos e erros.

Partindo dessa experiência única de viajantes pelo tempo e pelos


espaços, vamos nos agregar às experiências dos demais seres humanos,
nossos companheiros de existência. Através de um estudo de nossa árvore
genealógica, se esses estudos forem realizados de forma extremamente
aprofundada, chegaremos com nossos parentes ancestrais aos primórdios da
civilização. Os ramos dessa árvore estarão estendidos através do planeta,

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cruzando com os ramos de todos os nossos irmãos terráqueos, algumas vezes
mostrando que pertencemos ao mesmo galho, outras vezes que galhos
estranhos em determinado momento foram agregados à nossa árvore como
enxertos mágicos da natureza e dessa forma, vamos pertencendo às mais
diversas etnias que agregam cores e sabores ao nosso corpo e à nossa alma.

Essa magia deveria por si só garantir finais felizes. Afinal, somos todos
um. A organização sistêmica do universo nos prova isso. Pela dança
imperceptível de partículas invisíveis, o universo foi se constituindo e está em
absoluta e permanente mudança desde que o mundo é mundo e até que quem
sabe, um dia deixe de ser. Principalmente deixará de ser se esses finais nada
felizes, desencadeados pelo viajante mor, o ser humano, continuar a ignorar
esses vínculos intrínsecos que fazem com que eu, você, o japonês, o negro, a
água, o ar, o gato, o cachorro, o mato e a cidade sejam tudo uma coisa só.

Não pretendo elucidar nessa travessia o enigma que me acompanha


desde criança: Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Para não sair da
rota, vou somente puxar a sardinha pra minha brasa no tocante à minha grande
paixão que se relaciona aos estudos da Arte, Educação e Terapia.

Nessa altura da minha vida, estando nesse planeta desde 1948, já tive
meus filhos, já plantei inúmeras árvores e já escrevi muito. Meus escritos são
meus diários de bordo. Acredito que começaram a existir desde que fui
alfabetizada e esse encantamento que as letras me proporcionam vai desde os
meus primeiros registros à leitura prazerosa de tantos livros que fizeram parte
da minha bagagem através dessa nossa viagem compartilhada.

Muitas vezes temos a oportunidade de fazer escolhas em nossas vidas.


As vezes, acertamos, às vezes damos com os burros nágua! Em outras
situações, vamos simplesmente seguindo em frente, sem lenço e sem
documentos e parece que é a vida que nos escolhe para representarmos
determinados papeis, figurantes que somos desse cenário eterno, ou até
quanto dure!. Não estou pessimista. É que escrevo em plena pandemia,
quando a terra toda parece que quer inventar uma nova órbita. Pois bem:
nasci, primeira filha, primeira neta, primeira sobrinha em meio a um cenário
representado pelos livros maravilhosos da Oficina de Encadernação, ofício que
existia nos anos cinquenta, quando os livros eram finamente encadernados,
capas com letras douradas e era o trabalho da minha família, herdado de meu
avô. Herdei deles a paixão pelos livros. Menina de trança que pode brincar de
bonecas até os doze anos e acreditar em um mundo de fantasia, onde
geralmente o final era feliz. A trança continua comigo. Quanto aos finais felizes,
às vezes acerto o alvo, na maioria é o alvo que me acerta. Foi assim a respeito
da escolha daquilo que eu queria ser quando crescer! Como era moda naquela
época, as meninas aprendiam a tocar sanfona ou piano. Meus ancestrais
tinham dons artísticos. Alguns tocavam instrumentos, alguns pintavam quadros.

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Esses dons continuam na família, atravessando gerações. Prova de que o DNA
não determina só a cor dos olhos ou do tamanho do nariz .Foi através das
aulas de piano que começou a minha aventura pela Arte. Que desastre!
Acredito que o dom da música é um dos mais sutis. Ou você é bom ou é
medíocre. Ninguém aguenta escutar quem canta mal ou toca mal. Como todos
sabem, na Idade Média criança não tinha vez. Cada família tinha mais de dez
filhos, muitos morriam e isso era natural para aqueles tempos e continua assim
nos rincões desse Brasil. São tantos filhos que os pais às vezes nem
conseguem se lembrar dos nomes. Mesmo porque nesses rincões existe uma
criatividade enorme na hora de se batizar os filhos! Nasci bem depois da Idade
Média, mas também no meu tempo criança não chiava. Bastava um olhar para
compreendermos que era hora de sair da sala.Lembro da frase: Isso não é
assunto para criança. Dessa forma, na melhor das intenções meus pais fizeram
um enorme sacrifício para manter minhas aulas e até de comprar um lindo
piano, que ganhei de presente quando fiz quinze anos! Só que ninguém
perguntou se eu queria aquilo, mesmo porque naqueles anos dourados, nem a
criança tinha contato consigo mesma para saber se queria ou não algo. Os pais
agiam dentro dos padrões educacionais da época. Eu percebia isso nos meus.
Como criança que não ousava desobedecer, cursei o Conservatório até a
formatura. Ensaiei muito para apresentar-me no palco sob o olhar de pânico da
minha professora que sabia que como pianista eu era uma ótima sabe se lá o
quê! Resultado: Nunca mais voltei a tocar. Não é meu dom natural. Hoje sei
que nada que você faz que não te envolva em prazer é sofrimento! Entretanto
naqueles tempos foi assim. Existem planos que só vamos entender depois de
muitos anos de estrada! Apesar de zero em dom musical, os caminhos da Arte
sempre me apaixonaram. Afinal, Arte não é só desenho, música ou teatro. Arte
é a conexão do humano ao divino, através do tempo, do espaço, sem
necessidade de tecla SAP. A Arte atravessa fronteiras e com ela todo mundo
se entende. Através do curso de Piano, descobri as portas para esse mundo
mágico. Devido ao que sofri pedagogicamente durante esse curso, pude
desenvolver alguma força para dizer não, quando todas as minhas amigas
estudavam para serem professoras. Isso também era moda. Os pais ficavam
felizes quando suas filhas tocavam algum instrumento, bordavam as peças do
enxoval e eram professoras até que o príncipe encantado aparecesse para que
através da perpetuação da espécie, a vida transcorresse calma e sem sustos.
Consegui mudar o rumo da prosa. Não fiz magistério. Fui fazer Secretariado.
Curso de vanguarda nos anos sessenta. Daí surgiu o príncipe que queria que
eu fosse do lar. Quem aprendeu a obedecer ao pai, continua obedecendo ao
marido. Parei de trabalhar e cuidava da minha vidinha como quando brincava
de casinha, até que um belo dia, bateram na minha porta para que eu pudesse
substituir uma professora de Educação Musical, disciplina que fazia parte do
currículo do então Ginásio, hoje Ensino Fundamental. Essa substituição era só
por quinze dias e me consideravam habilitada pela formatura no curso de
piano. La fui eu. Isso aconteceu em 1972. A substituição foi prorrogada por

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sete meses. Quando terminou os alunos fizeram um abaixo assinado para que
eu continuasse com eles. Graças a Deus nunca precisei tocar piano em minhas
aulas! E daí, magicamente o currículo escolar foi alterado! Acabaram as aulas
de Educação Musical e surgiram as de Educação Artísticae a partir disso, foi
uma linda e bem aventurada trajetória! Parece que entrei no mundo da Arte,
pulando pela janela da música, mas ao fazer isso, descobri o encantamento
das múltiplas linguagens artísticas e com elas, ser professora foi um presente
que se renova infinitamente até o presente momento em que escrevo esse
registro. Virei mãe, virei professora, virei coordenadora, virei diretora de escola,
virei professora do ensino superior. O tempo passou rápido. Já me aposentei
duas vezes de jornadas às vezes estressantes, mas que graças à Arte, sempre
apaixonantes. A Arte e suas linguagens foram meu passaporte no cenário
educacional. A ludicidade, a criatividade, a vanguarda ditada pela minha
intuição são responsáveis por uma carreira que espero durar o quanto dure
minha vida. Dela fazem parte um número que não tem mais como medir de
crianças, jovens, adultos, idosos que compartilham comigo essa busca pelo
conhecimento. Aprender é maravilhoso! Nosso corpo reage de uma forma
peculiar quando incorpora essa aprendizagem. Incorporar. Fazer parte do
nosso corpo, da nossa cabeça, da nossa mente, da nossa alma. Transitando
por todos os nossos corpos sutis. Isso é aprender. È a percepção de que algo
passou a nos pertencer e esse pertencimento nos agrega aos movimentos sem
fim da vida. Quando você aprende, automaticamente, você ensina. Ensina com
seu modo de falar, ouvir, agir, ser. Esse tipo de professora nasceu para mim e
foi partejado dia após dia pelos meus próprios alunos. E tenho certeza de que
será sempre assim. Do livro encadernado do meu avô, às apostilas dos meus
filhos, aos sites dos meus netos e sabe se lá aonde chegaremos!

Hoje sou professora de professores. Feliz. Eles sabem que sou a chata
do pedaço. Consigo antever que ser professora é agir em escala geométrica.
Cada aluno meu terá influência na vida de milhares de crianças, adolescentes,
jovens, adultos, idosos. Como já senti na pele os efeitos de uma educação à
moda antiga, onde a decoreba e os sem sentido das lições se transformavam
em letras mortas, acredito que essa subversão que a Arte nos traz é antídoto
para uma escola possível. Uma escola que mais do que nunca se faz
necessária. Onde criança possa ser criança. Onde brincar rime com estudar.
Onde o adolescente descubra dentro de si os canais de libertação e de plenas
possibilidades. Hoje ele busca nas drogas a adrenalina que deveria obter
naturalmente da escola e da melhor fase de sua vida, Os adultos que não
conseguiram estudar em época mais apropriada, na maioria das vezes,
simplesmente suportam os bancos escolares. A necessidade de um diploma
faz com que engulam sapos pedagógicos e quanto aos idosos, analfabetos
desse nosso Brasil, que ao descobrirem o mundo tardio das letras, possam
fazer isso com a alegria da criança que ficou lá atrás! A magia de ler e escrever
nos conecta ao melhor dos mundos e a Arte nos ensina desde os primeiros

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símbolos registrados nas cavernas. Até hoje me pergunto: Como estão lá até
hoje? Só pode ser mágica.

Mágica ou sabedoria da própria vida que sabe da importância do registro


da passagem do ser humano pelo planeta. As tintas que pintamos nossas
casas devem ser renovadas quase que anualmente. Desbotam. Empalidecem.
As gravuras rupestres permanecem firmes e fortes.

Em pleno século XXI temos como coadjuvantes das nossas ações


educativas, os recursos das ciências humanas que se renovam dia após dia.
Mestres como Piaget, Vygotsky, Montessori, Lauro de Oliveira Lima, Freire,
Freud, Jung. Ciências que vão da pedagogia à psicologia, psicanálise,
neurolinguistica e sabe se lá quantas mais surgirão. Que sejam muito bem
vindas!. Afinal, esse ser que dizemos humano é mesmo uma caixa de
surpresas. Melhor que seja assim. Que todas as ciências possam ser
acessadas quando o assunto for ensinar. Caso contrário, as desigualdades
sociais, as infelicidades humanas, o estresse, a desilusão, a depressão
continuarão a dar vida à essa caixa de pandora universal.

Meu objetivo com essas considerações é sinalizar que através da Arte,


Educação e Terapia, educar para que cada um possa ser o melhor de si
mesmo é possível. Trata-se de uma travessia com pontos de encontro, de
descobertas, com direito a lindas fotos sensoriais que nos recordem que corpo,
mente e alma, como já diziam os educadores da Grécia antiga, são uma coisa
só.

PARA QUE SERVEM AS ESCOLAS?

Depende do tipo de escola. Depende do ano em que estamos falando.


Depende das nossas próprias intenções a respeito das respostas que
esperamos.

Por várias vezes comentei em minhas aulas do Curso de Pedagogia que


poderia parecer paradoxal, afinal sou professora desde 1972 e se dependesse
de mim, de Freire e de seu contemporâneo Ivan Illich, talvez devêssemos estar
vivendo dentro do livro do último citado: Sociedades sem escola. É cruel ter
que admitir isso. Mas ao longo de toda minha carreira, o que mais fiz foi brigar.
Brigar nos antigos Conselhos de Classe onde nos anos oitenta, nas antigas
quintas séries. os alunos eram obrigados a cursar umas oito disciplinas. Se
acontecesse dele ir mal no último exame, por exemplo, Matemática, então ele
repetia toda série novamente. No outro ano, ele ficava esperto em Matemática ,
então era reprovado em Português. No próximo, ótimo aluno em Português e
Matemática. Mas odiava Geografia .Adorava História, mas Geografia era cruel

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para ele. Também não simpatizava com o professor e então, era reprovado
mais um ano. Teve um momento na escola pública que para esse tipo de aluno
o termo era “ ser jubilado”. Ou seja, repetiu três vezes a mesma série, perdia o
direito de estudar em escolas públicas. Depois isso caiu de moda. Quando fui
diretora pela primeira vez, encontrei vários históricos escolares que registravam
que o aluno levava em média oito anos para concluir o antigo ginásio que ia da
quinta à oitava série. Alguém consegue compreender a extensão desse dano?
Dano na autoestima do aluno, dano para a escola que passava a contar com
um aluno que a detestava, e danos financeiros. Indo para o ralo muito dinheiro
público destinado à educação. Vamos supor se isso acontecesse em uma linha
de montagem de uma fábrica de automóveis. Na esteira de produção, de cada
dez, cinco seriam descartados porque não ficaram bons. Em se tratando dessa
linha de montagem eu até posso concordar. Não ficaram bons devido a um
padrão de qualidade pré-determinado. Nas escolas, o “não está bom”
dependeu muitas vezes da TPM das professoras, que aliás, naqueles tempos,
também nem sabiam o que era isso!

Antes a escola era para poucos. Para os que podiam pagar ou para os
que conseguiam uma vaga em escola pública. O acesso aos níveis de
escolarização das escolas mantidas pelo governo era restrito. Exames
rigorosos de admissão e depois disso, o desenvolvimento de um currículo sem
sentido, baseado na crença de que a escola “tem que ser forte” e que dependia
dela a única chance de promoção social para as classes menos favorecidas.
“Se você não estudar, não será ninguém na vida”. Esse estudar na grande
maioria das vezes favorecia aquele tipo de aluno com memória de elefante. Ele
decorava tudo. Respondia feito papagaio nas chamadas orais ou nas provas,
exatamente o que tinha recebido do professor. Ai dele se ousasse trocar uma
palavra. Repetia o ano. Dessa forma, durante os anos cinquenta, sessenta,
setenta e oitenta, apesar da LDB, apesar da constante mudança no panorama
social do Brasil, com as cidades fervendo de tanta gente que saiu da roça e
veio pra “cidade grande” ganhar a vida, as escolas permaneceram
conteudistas, sendo que os conteúdos “transmitidos” geralmente não
apresentavam nenhum significado na vida do aluno. Vamos incluir também os
anos noventa, a passagem para o século XXI e até os dias de hoje. As
gerações passaram dos Baby Boomers, X, Y, Z, Indigo, Cristal e sabe-se lá o
que está por vir, mas concordando com nosso filósofo Mário Sergio Cortella,
escola é um lugar do Século Dezenove, com professores do Século Vinte,
tentando ensinar alunos do Século Vinte e Um! Poderia dar certo? A resposta
está estampada na rotina de nossos dias e na nossa convivência com uma
violência desenfreada nas salas de aula, no trânsito, na periferia, em plena
Avenida Paulista, no Rio de Janeiro, enfim, em todo Brasil e sua realidade
social injusta. Regiões dessa terra tão rica, classificadas como da mais extrema
pobreza.

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Acredito sim que a justiça social passa pela escola. Mas uma escola
formadora, saudável, que prepare cada um para o melhor de si mesmo, com
um currículo instigante, cujo termômetro de “escola boa” seria aquele onde o
aluno e professores adorassem estar nela todos os dias.

Mesmo com toda nossa desgraça educacional, essa escola pode existir.
Basta querer. Se pesquisarmos, encontraremos modelos fantásticos. Simples,
mas significativos e que são transformadores. Não vou me estender nessa
pesquisa. Ela é uma excelente lição de casa. Nem vou puxar a sardinha pra
minha brasa, mas sei que por onde passei e onde consegui trabalhar com
projetos e com um mínimo de educadores entusiastas, a realidade mudou. A
minha, a dos alunos, a dos professores, a da escola e seu entorno. Acredito
que mudamos o mundo quando conseguimos mudar pelo menos uma célula.
Quando salvamos uma célula desse organismo apodrecido, adormecido,
injusto e cruel, mudamos o nosso mundo e dos que nos cercam. Isso tem um
efeito na pedra jogada no lago. Vai se abrindo, vai crescendo, envolvendo,
transformando, deixando saudades, reformulando vidas, criando possibilidades,
estabelecendo condições de vida mais digna. Mas...alguém tem que atirar a
bendita pedra! Tem os que se contentam em ficar na beira do lago, falando do
mal cheiro e acreditando que um dia chegará um super herói pra nos salvar.

Por sorte minha e dos que convivem comigo, achamos esse super herói!
Ou seria uma heroína? A mais antiga, a mais nobre, a eterna, a que tem vida
própria, a que fala sem palavras, que faz rir, chorar e crescer, que transforma,
que humaniza, que iguala na grandeza, que amplia horizontes e tão forte que
ninguém nunca vai conseguir matar. Catastroficamente, quem sabe, o ser
humano suma do planeta, mas talvez ela e seus vestígios ficará para contar
nossa história: a Arte.

A ARTE E SUAS MÚLTIPLAS LINGUAGENS

A Arte é a grande responsável pela História que se conta da


humanidade.

Desde que o homem se deu conta de si, provavelmente se deu conta


também de que não estava solto no mundo e que era de extrema importância
registrar sua passagem, deixando “seu recado” para a posteridade.

É a criatividade dos povos, inventando ou percebendo as múltiplas


linguagens artísticas, falando através do tempo e dos espaços, sendo talvez o
único traço de união entre tudo isto.

Cada período histórico tem retratado o seu estilo artístico e hoje os


recursos tecnológicos se multiplicam em outras formas de fazer Arte para
continuar comunicando. Vale dizer também do caráter de vanguarda que

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representa cada movimento artístico, sempre à frente de sua época, contando-
nos de um vir a ser. A ousadia de pensar diferente traz alegria, realização, e,
ao mesmo tempo, muita dor de cabeça para o autor do fato ou da obra.

A Linha do Tempo, nunca estará completa. Sempre existirão pontos


obscuros. Nem tudo foi revelado a todos e em cada revisitação, novas
explorações e novas descobertas de um novo jeito de ver o que estava posto.
É o amadurecimento tardio desta humanidade, movida inúmeras vezes por
jogos de interesse, crenças religiosas, facções políticas e tudo que existe na
vida e que tem na ARTE o seu canal de expressão. Quando nada mais pode
ser dito, a Arte faz o papel de denunciar, de criticar, de provocar reflexões e
mudanças.

Qual a razão de se ensinar Arte nas escolas

O Ensino de Arte nas escolas também tem sua linha do tempo. Houve
um tempo em que a escola acadêmica, “ensinava” Arte, também desta forma.
Exigia-se “perfeição”, em todas as linguagens artísticas e principalmente ela
era dirigida às elites sociais.

Muitos talentos verdadeiros ficavam fora da escola, enquanto, os que


tinham acesso à ela, eram obrigados a fazer algo sem alma, simplesmente
cumprindo normas.

Hoje, felizmente, acreditamos que ao mesmo tempo em que


buscamos uma escola mais verdadeira em termos de educação, o Ensino de
Arte também está sendo focado dentro de uma perspectiva emancipadora dos
anseios da alma humana.

Atualmente são desenvolvidas várias linguagens artísticas,


possibilitando que cada talento tenha seu canal de expressão. Desta forma, as
escolas não consideram só o desenho como expressão artística. A dança, a
escultura, a expressão corporal, toda gama das artes visuais, o teatro, a
música, enriquecem os currículos escolares e são as grandes responsáveis
pelo que fica no imaginário do aluno, quanto a “escola legal”, ou seja, os alunos
encontram nestas linguagens motivos para gostarem da escola e verdadeiros
elos de ligação entre outras pessoas , atuando como válvula de escape para
situações de conflitos de uma forma geral.

Existem inúmeros projetos sociais, ligados às escolas, às igrejas, às


comunidades, desenvolvidos por educadores, muitas vezes com incentivo de
ONGs, nos quais, as linguagens artísticas são abordadas como trilha de
atuação. Jovens em situação de risco social, muitas vezes se descobrem como
pessoas de talento e esta descoberta, sustenta mudanças positivas que podem
alterar, para melhor, muitos destinos.

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Se Arte não se aprende na escola, é lá que ela pode ser desenvolvida..
Feliz daquele que como aluno teve a felicidade de contar com um educador
cujo dom foi o de “descobrir” talentos.

Um talento descoberto, traz valorização, identidade própria e todas as


consequências positivas destes atributos.

Ana Mae Tavares B .Barbosa em A Imagem no Ensino da Arte, Anos


oitenta e novos tempos, afirma que o ensino da Arte deve seguir o que ela
denomina de Metodologia Triangular que engloba a História da Arte, a leitura
da obra de Arte e o fazer artístico. Desta forma, fica estabelecida uma
organização que vai bastante além do fazer pelo fazer. Trata-se de
contextualizar movimentos artísticos, propiciar elos de ligação na linha do
tempo, compreensão de olhares que vão além do senso comum, enfim, criando
sentido para o que está sendo estudado ou para o que está sendo criado. A
técnica da expressão artística é importantíssima podendo e devendo ser
ensinada. Mas Arte é muito mais que pura técnica. Exige Alma. É quando
transforma linguagem artística em expressão de sentimentos.

É importante mostrarmos para o aluno que a Arte acompanha o homem.


Que toda cultura tem sua expressão artística própria. Que a Arte Popular é o
retrato da sensibilidade de cada povo. Está representada na música, na dança,
na pintura, na arquitetura, na poesia, na literatura. Hoje todas as ciências estão
passando por descobertas onde as fronteiras do conhecimento chegam a se
esbarrar. Existem muitas experiências na medicina onde se tenta resgatar a
sabedoria popular para que novos remédios sejam fabricados. Na Arte está
acontecendo o mesmo fenômeno. Temos conhecimento de inúmeras
apresentações artísticas onde o erudito e o popular cruzam-se em busca de
um verdadeiro fazer artístico.

Em se falando do ensino de Arte no Brasil, não podemos nunca deixar


de fora o Movimento da Semana de Arte Moderna, em 1922.

Este movimento deu voz às mudanças sociais que ocorriam no país e


que delineavam o nosso “jeito brasileiro”, rompendo com padrões estrangeiros.
Desta forma, este movimento é importantíssimo e não pode ficar centralizado
na “mania” que se desenvolveu na escolas de se fazer “re-leituras” de obras,
principalmente as de Tarcilla do Amaral. Esta mania, contradiz o próprio
espírito livre dos artistas de 22 que ousaram inovar e serem eles mesmos,
muitos sofrendo por isto, portanto, cada aluno é um aluno. Deve cultivar,
aprender este movimento e não só fazer cópias, às vezes tão tristes, dele.

Sabemos que no domínio da linguagem escrita, muitos alunos, para


desespero dos professores, escrevem maravilhosamente bem, com caligrafia
perfeita. Mas são só copistas. Não decodificaram o código da escrita. Não
produzem nenhuma linha com autonomia. Sabemos do sofrimento desses

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alunos. Eles camuflam o não saber, com letra bonita. Enfim...Escrevem sem
alma. Ensinar Arte com reprodução endossa a crença de que o outro, o artista,
é melhor que o aluno. Quem nos garante que em nossa frente, não está
sentado um gênio? O ensino de Arte deve humanizar as relações. Mostrar o
que os outros fizeram. Valorizar cada feito, ir além do “gostei, não gostei”.
Instigar a descoberta do que está contido na obra e até no que não está
explícito. Muito aluno consegue ver além da visão do crítico de Arte. É quando
alma conversa com alma.

Com relação à linguagem musical , nossas escolas atuais estão em


dívida mortal com a boa música. Desde as cantigas de roda ou de ninar dos
tempos da criança de outrora, desde as figuras simbólicas que faziam parte
dos folguedos infantis, isto sem citarmos a riqueza do folclore musical nacional
e da música erudita de todos os povos. Tudo isto virou língua morta nas
escolas. Em seu lugar, todo o besteirol lançado pela mídia que transforma
meninas de seis anos em mulheres vulgares e são o único canal de percepção
musical. Nossas crianças são filhas de pais e netas de avós que nunca tiveram
música boa em suas escolas.

Os professores que tiveram pais ou avós que escutavam boa música


sentem-se desestimulados em propiciar uma boa aula musical. Ficam
parecendo bichos estranhos perante os demais colegas. A única maneira de se
enfrentar isto é conscientizando que música boa lava a alma. Por esta razão,
paga-se caro por sessões de musicoterapia. Quando as escolas começarem a
desenvolver projetos musicais, perceberão que os alunos ficarão mais calmos,
mais respeitosos e até aprenderão melhor.

Por outro lado, o ensino de Arte, quando bem desenvolvido, fornece o


melhor material de sobrevivência para o ser humano dos dias atuais:
Desenvolvimento da Criatividade.

Basta acionarmos esta possibilidade em nossas salas de aula para


percebermos que maravilha que é o nosso aluno. Ele é extremamente criativo.
Cada um na sua linguagem de expressão. Infelizmente, nossas escolas não
sabem lidar com seres criativos. Não seria esta uma das razões de estarem
pichadas, arrebentadas e com tanto índice de violência?

Será que alguém já percebeu que professor criativo desenvolve um


ambiente mais acolhedor em suas turmas?

Se pensarmos em preparar nosso aluno para o futuro, então,


mais do que nunca deveríamos só desenvolver seu potencial empreendedor,
criativo, além dos valores sociais de boa convivência. Quem sabe como será o
futuro?

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O que podemos antever é que sem Arte, em nosso tempo, nada
funciona. Ela está no mundo do trabalho, nas relações profissionais, nas
propagandas, em todos os meios de comunicação, sem falar dos avanços
tecnológicos. Que seria de tudo isto, sem o poder de criar?

Outro segmento que não deve ser esquecido é do aluno com


deficiências físicas e/ ou intelectuais. Sabemos de Salas de Apoio à Inclusão
que fazem trabalhos valorosos. Quantos pais sentem-se abençoados quando
conseguem ver seus filhos, sempre tão rejeitados socialmente, livres, felizes,
expressando-se através das múltiplas linguagens artísticas. Cada um canta do
seu jeito, aprende a se relacionar através de jogos artísticos, participam de
teatro e conseguem se inserir no mundo dos “perfeitos” à medida que
aprenderam a desenvolver toda potencialidade que estava embutida e que só a
Arte consegue fazer aflorar. Trata-se de uma nova concepção de educação.
Através do desenvolvimento da criatividade, este aluno sai do rótulo de
incapaz, pois consegue surpreender, expressando o quanto é capaz. Ele pode
ser limitado em determinados aspectos, mas supera nos dons que possui. É
como se a própria natureza se encarregasse de realizar este equilíbrio.

Finalizando: O mundo, as Pessoas são Obras de Arte.

Existia uma expressão antiga que dizia:” Deixa ver se as crianças não
estão fazendo arte”.

Os antigos eram felizes e não sabiam. Que será que as crianças de


hoje estão fazendo?

RELAÇÕES HUMANAS:

OS ADULTOS E AS CRIANÇAS E VICE E VERSA

A MULHER E A LINHA DO TEMPO

Já falamos que durante os períodos históricos que antecederam à Idade


Média, a criança não tinha muita vez no contesto social. Conviviam com os
adultos e se pertencessem às classes menos favorecidas economicamente
falando, eram obrigadas a trabalhar desde muito cedo. Devido ao “Crescei e
multiplicai-vos” e principalmente à ausência de controles de natalidade
eficazes, as famílias eram bastante numerosas. Muitos nasciam, muitos
morriam. Era a realidade da vida naqueles tempos. Os que sobreviviam e
chegavam à adolescência logo se casavam e tratavam de aumentar a
população.

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Mesmo assim, as crianças viviam em meio à natureza e cercadas de
uma infinidade de primos, tios, avós. No início dos tempos, nômades com suas
tribos, aprendiam com a própria vida e com os mais velhos e pescar e a caçar.
O sol ensinava a todos qual a hora de dormir e a de acordar. Muitos sóis e
muitas luas depois, as tribos transformadas em civilizações continuaram a
desenvolver o tipo de relação social pertinente a cada cultura. Curioso notar
que as crianças e as mulheres, mesmo com muitas páginas dos calendários já
trocadas, continuaram a ser tratadas da mesma forma. Criança não chiava e
mulher, menos ainda.

Desenhando uma realidade da Idade Média, temos nos próprios Contos


de Fadas uma infinidade de exemplos das mensagens subliminares que
apareciam nas histórias. Essas histórias atravessaram séculos, civilizações,
acredito que fazem parte do que Jung chama de “Inconsciente Coletivo” porque
é curioso notar que mitos, tabus, medos, sonhos, desejos são representados
nas mais diversas culturas e hoje, mesmo com os conteúdos ocultos dessas
histórias revelados pela Psicologia e pela Psicanálise, continuam fazendo as
vezes de pano de fundo para os cenários do século XXI.

Tanto a criança, quanto a mulher e o homem encontram padrões


estereotipados nessas histórias. Sempre haverá a criança para ser
domesticada, a mulher que ficará à espera do príncipe encantado e o homem
que deverá ser corajoso, valente, destemido. Afinal...Homem não chora!

Nesse universo de bruxas, fadas, duendes, porcos, esquilos e


passarinhos que falam, príncipes e piratas aventureiros, vamos que vamos,
tentando sobreviver nessas águas turbulentas que a cada século que passa,
parecem que ficam ou mais violentas ou correndo o risco de secarem e nos
deixarem a “ver navios!” provavelmente encalhados ou aportados no alto de
alguma montanha como nos diz a lenda da Arca de Noé!

Voltando às relações da criança com o adulto e vice versa, percebemos


nos dias de hoje que a criança de ontem, domesticada, castrada, emudecida,
está se transformando em um tirano mirim. Demerval Saviani e a Teoria da
Curvatura da Vara nos inspira a entender isso. Pela sua teoria, quando
seguramos uma vara de bambu durante muito tempo presa em uma
extremidade, quando ela escapa vai diretamente na direção oposta e até que
seu movimento faça com ela se fixe no centro, a coisa não é tão automática
assim.Dessa forma, convivemos atualmente com muitas famílias onde o
reizinho ou a princesinha da casa é que dominam o cenário. Presenciamos
cenas diárias nas praças, nos bancos, nas escolas, no meio das ruas onde não
conseguimos identificar quem é o adulto da relação. Crianças fazem birra e
pais não tomam nenhuma atitude educativa. Nesses momentos o antigo
chinelo é substituído rapidamente pelo celular.

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Na relação professor aluno, uma tática de manutenção da paz
representada pela criança quieta e de boca fechada é entupi-la de lição.
Material programado muitas vezes sem nenhum significado para o
desenvolvimento da criança. Retrato da formação que os professores tiveram
porque não deixaram que eles fossem crianças e hoje como educadores que
não tiveram acesso a esse tipo de aula, não conseguem ensinar através da
ludicidade, da brincadeira, do espírito de descoberta, das pesquisas.

Escola é coisa chata para a criança e para o professor. Férias são


bênçãos de Deus!

Vou acrescentar aqui um texto que escrevi há algum tempo, como um


convite: VOLTANDO PARA A TRIBO!

A linha do tempo da humanidade caminhou a passos largos no que diz


respeito às relações humanas.

Temos em nosso imaginário que no tempo da organização das pessoas em


forma de tribos, as coisas deveriam ter sido mais claras e mais tranquilas.
Afinal, o objetivo da organização em tribos era a proteção grupal para que
individualmente todos pudessem sobreviver e, acredito compartilharem do que
chamamos hoje de FELICIDADE.

Estou viajando em minhas memórias ancestrais para escrever este texto.


Acredito que cada uma das células do nosso corpo humano possua memórias
e é a elas que estou tentando recorrer.

Como teria sido nossa vida no tempo das tribos? Neste momento faço um
esforço sobre humano para ultrapassar as barreiras do tempo e tentar me
conectar à minha origem primária. Como teriam sido as relações pessoais
originais? Aquelas que não eram influenciadas pela mídia, pela política, pela
opinião dos vizinhos, dos concorrentes, das rivais, dos formadores de opiniões,
ou será que também recebiam influências? Do líder da tribo, talvez?

Será que o sentimento de liberdade de poder ser quem realmente a gente


é, viver plenamente a nossa essência, ser feliz à nossa moda, existiu ou
existirá em alguma época planetária?

Muitos filósofos, psicólogos, psicanalistas, escritores, educadores tanto do


ocidente quanto do oriente, desde a mais remota idade até os nossos dias tem
se preocupado com o pensar do ser humano e no que isto tem a dizer sobre a
evolução ou não da humanidade. Sócrates, Freud, Jung, Spinoza, Piaget,
Wallon, Vygotsky, Osho, Winnicott, Daniel Goleman, Howard Gardner, Rubem
Alves, Demerval Saviani, Paulo Freire, enfim, citando os que me vem na
mente, pois impossível seria citar a todos. Quantas pessoas pensaram e
pensam no ser humano e no tipo das relações pessoais que podem fazer com
que sejam mais ou menos felizes?

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O que me leva a fazer estas considerações é na realidade um grande
cansaço. Ao longo desta minha carreira de educadora que teve início em 1972
tenho visto muita coisa que deu um sentido maravilhoso ao meu viver e
também coisas que me entristecem até hoje.

As que me entristecem dizem respeito ao rumo que as escolas tomaram e


que pela minha percepção, estão cada vez mais distantes do sentido de
educar. Este EDUCAR para mim é fazer nascer em cada aluno, o seu melhor.

Acredito que cada ser humano é tão único quanto sua impressão digital.
Que cada um é uma potência. Que talentos fazem parte da natureza humana.
Que como já diziam os gregos, cada um de nós já nasce sabendo. Trazemos
gravadas em nossas células ancestrais, arquivos únicos que falam do nosso
“EU”, de nossa individualidade. Caberia então ao professor, dar o “toque” que
despertariam essas memórias e com isto, conduzir o educando a
prazerosamente ir construindo sua aprendizagem ao longo de toda sua vida.
Pois assim é: Aprendemos a cada dia desde que nascemos até nosso último
suspiro. A Maiêutica nos fala disto. Ato de gerar, dar à luz. O professor seria
então, um parteiro. Aquele que traz à vida do aluno, conhecimentos, talentos
latentes, adormecidos.

A razão do meu cansaço e consequente tristeza é olhar para traz: de 2020


a 1972, quando pela primeira vez “virei professora” e perceber que sempre
estive na contramão da história e que hoje, em plena era da informação, as
escolas continuam as mesmas. Teimando em “dar aulas” em seguir
planejamentos que alguém planejou, em manter-se em estressante estado de
alerta para que seus alunos fiquem quietos, que não façam barulho para não
incomodar as outras salas, em cumprir prazos, em aplicar provas que na
maioria das vezes apresentam baixo rendimento escolar.

Esta permanente tensão tem um preço muito alto. Como hoje a informação
está a um toque do dedo, a “aula dada” geralmente não corresponde às
expectativas da alma do aluno. Ele não tem interesse em aprender o que está
sendo “ensinado” e muito menos cobrado nas provas. Os resultados mostram
as consequências disto: Professores desestimulados, crianças que adoram ir
para a escola, mas que ficam felizes só no recreio ou quando o professor falta.

Acredito que os conteúdos escolares continuam sendo importantes. Em


nenhum momento estou defendendo a quebra de todos os paradigmas
educacionais. O que estou tentando plantar é que há muito tempo a escola
deixou de ensinar o que realmente deve ser ensinado: VALORES HUMANOS.

Uma das quebras de valores que identifico como a mais significativa é com
relação ao desrespeito ao próprio aluno. Durante séculos a escola tenta
ensinar a todos da mesma forma, como se fossem “pão de forma” todos iguais.
A ludicidade está fora do ambiente escolar e como nos afirma Carlos Cipriano

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Luckesi, somente quando a pessoa está envolvida com o ato criativo é que ela
está inteira. Mergulhada em sua inspiração. Isto é um estado de graça que
poderia estar acontecendo em todas as aulas, através dos próprios conteúdos
tradicionais, envolvidos com a magia das descobertas.

No momento em que a escola perceber que na nossa era não vai mais
poder contribuir com a tarefa de informar, talvez volte ao seu papel principal: a
de formar. Formar para a Ética, para os valores humanos que promovam
justiça social, para os valores que defendam a própria vida do planeta.

Voltando à tribo: Algo dentro de mim me diz que existe um sentimento


natural da pessoa que busca por afeto, aceitação, liberdade de expressão,
curiosidade pela aprendizagem, trocas salutares.

Refiro-me à tribo como única: a tribo dos seres humanos. Guardadas as


devidas proporções de ordem cultural, percebemos principalmente nos filmes
dos mais diversos países, das etnias mais diversas: todo mundo ama, todo
mundo tem raiva, todo mundo quer atenção, todos querem ser amados, todos
querem ter direito ao seu lugarzinho ao sol.

Os orientais mostram isto. Os acidentais também. Os sentimentos humanos


estão dentro de cada um e quando contrariados transformam-se em armas
poderosas. Da indisciplina em sala de aula, à depressão dos que não
conseguiram ser indisciplinados, dos suicidas que não suportaram a pressão
social ou dos assassinos que vão do marginal da esquina à Hitler, passando
por tudo de ruim que vemos na mídia e que não tem a menor necessidade de
ter foco neste texto.

Este sofrimento que acomete desde a criança até as fases da pessoa


adulta tem origem geralmente na baixa autoestima que se instala quando
valores são quebrados e em seu lugar surge a competição. Toda competição
acaba em guerra.

Que guerra é esta? Com certeza não é a do bom combate. Vejo alunos
perdidos, professores exaustos, semestres após semestres que se somam sem
um final feliz. Percebo isto nas escolas públicas de ensino fundamental, nas do
ensino médio e nas faculdades. Eterno caminhar do nada ao nada. O que fica
disto tudo? Uma parcela enorme da população que não consegue viver na
plenitude da dignidade humana.

De acordo com a publicação da revista Coaching, ano 1, edição1, “a baixa


autoestima pode ser apresentada em todas as faixas etárias, contudo é na
adolescência que o jovem precisa se reconhecer e se autoafirmar, diante do
grupo familiar e social, para poder se fortalecer e seguir seu caminho de
independência emocional dos pais. Por isso, nessa época manifestam-se muito

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mais as consequências da estima enfraquecida, já que os níveis de desafios e
exposição são maiores.”

Devemos desenvolver um olhar clínico que nos aponte para os sinais


corporais que demonstram a baixa autoestima: Ombros e corpo encurvados,
não sustentar o olho no olho, voz engasgada, mãos trêmulas, frio na barriga,
nervosismo. Jung nos alerta que toda manifestação extremamente exarcebada
pode denotar exatamente o contrário: extrema agressividade encobrindo
extrema timidez, perfeccionismo encobrindo o extremo medo de falhar,
arrogância encobrindo a sensação de mediocridade.. Devemos ficar alertas
também quando denotarmos muita ansiedade, insegurança, necessidade de
aprovação constante. Esses sintomas podem determinar que estamos perante
um sujeito levemente chato ou de um suicida em potencial. Dependendo do
grau de estresse que será gerado e suportado.

A criança deve brincar. É assim que ela aprende. O adolescente deve estar
envolvido em todas as áreas de conhecimento que são importantes, cujos
conteúdos abrirão portas para novas descobertas. Os alunos dos cursos
superiores também. Minha pergunta: Qual a razão da escola, em seus vários
níveis tornar tudo isto maçante, massacrante, desestimulante?

É fácil para cada um de nós lembrarmos dos nomes dos professores que
fizeram a grande diferença positiva em nossas vidas. Nossos olhos brilham
nessas lembranças. Como eu disse acima, nossas células tem memória e
acordam felizes com estes registros. Eles não se apagam com o tempo.
Embora a montanha de coisas que tivemos que suportar sejam bem maiores
do que estas lembranças, são elas, as lembranças boas, as responsáveis pela
nossa autoestima elevada.

Autoestima elevada é responsável pela nossa saúde. Ela protege nosso


sistema imunológico. Tristezas trazem o enfraquecimento deste sistema
responsável pela manutenção da nossa força vital.

Receitas? Voltarmos para a nossa tribo, onde todos aprendam com todos,
onde TUDO está no TODO , onde a intuição nos conecta ao sentido da vida e
que os próprios mistério ou sua magia, sejam suficientes para nossas reflexões
e nosso crescimento.

A tribo de hoje, cosmopolita, tropeça no sentido de uma vida sem sentido.

A verdadeira tribo apoia. O brilho de uma boa ideia faz milagres.


Consegue juntar pessoas que embora timidamente, pensam da mesma forma.
Jung fala disto quando nos ensina sobre a sincronicidade e o inconsciente
coletivo e Bakhtin, pensador russo, nos diz:” O poeta não busca palavras no
dicionário, retira-as do contexto da vida, quando estão embebidas de sentidos
de valor. Outra afirmação deste escritor é que uma boa ideia não precisa

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necessariamente ser assinada pelo seu autor. A boa ideia toma corpo, passa a
existir no tempo e no espaço, uma boa ideia, muda o mundo. Não é a pessoa
que muda o mundo. São suas ideias! Uma aula construtiva, que traga em si
seu próprio sentido, traz a sensação de que a aprendizagem ocorreu. Fica
feliz o aluno, fica feliz o professor, fica feliz a família, fica feliz a direção da
escola, um pedacinho do mundo, fica mais feliz!

Que possamos juntar estes pedacinhos como um quebra cabeça que ao


se completar possa trazer um novo sentido à vida!

Essa volta à tribo me remete novamente à importância da Arte. Tenho


absoluta certeza de que os pais que educam seus filhos através dos momentos
de presença física real onde a conversa corre solta, onde são resgatadas as
poesias da vovó, as cantigas de roda, onde alguém toque um violão, onde a
sujeira colorida das tintas tomam conta das paredes, do chão e da cara das
crianças, são minutos mágicos responsáveis pela formatação de caráter
saudável. Podem ter certeza de que esses minutos são Arteterapeuticos.
Acreditem. Tudo é uma questão de planejamento. Os pais de hoje estão
terceirizando a educação de seus filhos. Quem fala isso é a Terezita da Te
Arte. Ela está com 87 anos de idade, mas mantém nos olhos o brilho e o
encantamento que vejo em seus alunos, pela benção que a vida me deu, dois
deles, meus netos! Assim como os pais de hoje conseguem planejar o horário
de sair de casa e enfrentar um trânsito terrível para chegar ao trabalho e
conseguem também planejar uma produtividade que os mantenham
empregados, será que não conseguem se planejar para guardar ao menos
meia hora para que sejam simplesmente pais?As cenas que vejo me remetem
a robôs: organizam as crianças para que rapidamente escovem os dentes,
arrumem seu material, engulam qualquer coisa e corram para não chegar
atrasados na escola. A criança ainda nem acordou direito e quando percebe já
está em uma sala de aula e com um adulto que não é sua mãe e nem seu pai,
mas que continua robotizando as ações: Hora de cortar e colar, hora de ler,
hora de fazer os exercícios, hora de ir para o parque sem barulho e sem se
sujar. O sol já está se pondo, hora de voltar pra casa, tomar banho, jantar e
dormir porque o sol vai nascer de novo e tudo deve continuar até que você
criança, vire adulto e faça tudo isso que aprendeu direitinho e ajude a
transformar essa raça humana nos seres tão tristes que precisam de remédios
para depressão, drogas para a alegria e dos outros como muletas.

A MULHER E A LINHA DO TEMPO

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Antes a mulher não podia nada. Desde os primórdios da civilização que
se convencionou que ela cuidaria da prole e da elaboração da caça que o
marido, forte e corajoso, trouxesse para casa.

Parece que a linha do tempo demorava mais para passar. Ela ficou
nessa posição durante séculos. Era considerada como propriedade dos pais,
dada com dote para o marido em casamento. Não podia aprender a ler, depois
que aprendeu, não podia votar e apanhava calada.

Os valentões desde que o mundo é mundo escreveram suas histórias de


guerras e conquistas. Hoje a internet nos conta em tempo real, quantas
pessoas morreram porque os valentões continuam guerreando,
bombardeando, sucateando, invadindo terras, patentes científicas, campos de
petróleo, segredos da industria farmacêutica. Antigamente povos inteiros
sumiam do mapa e ninguém ficava sabendo.

A linha andou, a revolução industrial inventou botões para serem


apertados e facilitarem a vida. Durante a segunda guerra mundial, os homens
estavam guerreando e alguém que soubesse ler deveria apertar os botões das
industrias para que o progresso continuasse a existir. Chegou a vez da mulher!
Ela fez isso tão bem que nunca mais parou de fazer. Sonhando com um mundo
melhor, onde homens e mulheres poderiam ser só seres humanos, deram
origem ao Dia Internacional da Mulher e a guerra dos sexos continuou.
Enquanto houver Dia da Mulher e dia do Homem, não existirá Dia do Ser
Humano. Mesmo porque isso é tarefa de uma existência inteira e não de um
dia só. A mulher se emancipou, mostrou do que é capaz. Sua jornada de
trabalho se estendeu pelo dia todo. Menor tempo para ser mãe. Pai ainda está
aprendendo a ser pai. Antes era mais fácil, tudo que acontecia com os filhos
ele dizia: Vai pedir para sua mãe e em seguida dizia: Tá vendo o que SEU
filho/filha fez? A culpa é sua! Geralmente quando a filha engravidava, o filho se
drogava e só mudava o discurso na hora do “MEU filho se formou”.

Memórias atávicas estimulam os homens a espancarem suas mulheres


até os dias de hoje. Feminicídio em alta. Lei Maria da Penha em ação. Lares
destruídos, filhos amedrontados, sequelas nos corpos, nas mentes, no
coração, na alma, marcas que também serão atávicas nas futuras gerações.

E O QUÊ A ESCOLA TEM A VER COM ISSO?

Após várias reflexões e conclusões vamos fazer uma pequena viagem


sobre o panorama educacional do Brasil e do Mundo que envolve estudos
sobre a definição das Gerações Baby Boomer, X, Y e Z que sem dúvida
alguma apresentam uma radiografia da situação educacional ligada às

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questões das escolas que em sua grande maioria continuam estáticas,
refratárias ao passar do tempo, organizadas como pilares únicos e
indestrutíveis., embora constem na maioria das pesquisas como ineficientes
para a educação do aluno contemporâneo. Conteúdos são desenvolvidos de
forma tradicional, sem conexão com a realidade de vida dos estudantes, suas
histórias, suas pretensões para a vida adulta, enfim,.aulas sem significados
construtivos e com intenções indeléveis da manutenção de valores
distanciados do que hoje poderíamos chamar como educação humanitária,
justa, ampla quanto aos direitos e deveres de todos os seres.

Podemos a partir disto falar um pouco sobre este PARADIGMA que se


perpetua. As escolas repetem padrões tidos como importantes, ditados
filosoficamente por um período que já passou, que se apresenta como falido e
esgotado, criando o PARADOXO de que mesmo sabendo disto, a maioria dos
educadores continuam repetindo a antiga receita. Criticam esta realidade, mas
a reproduzem diariamente com seus alunos.

Os termos PARADIGMA e PARADOXO que empreguei, tomei


emprestado de um aluno brilhante de nossas aulas de Filosofia da Educação.
Não são muitos, mas existem os que conseguem botar o nariz para fora da
mesmice pedagógica e apresentarem essa consciência. Devo registrar que a
mãe desse aluno era professora, logo, formação crítica é tudo!

A autora brasileira contemporânea, Terezinha Azeredo Rios, a respeito


dos índices de baixo aproveitamento dos alunos, causados principalmente por
problemas de indisciplina nos alerta: “A indisciplina não é o problema e sim
sinal de problemas.”

Mais uma vez a questão dos paradigmas e paradoxos. Aulas


desestimulantes ditadas por um planejamento sem sentido, repetidas
diariamente ao longo de tantos anos letivos fazem com que os alunos não
sejam motivados e alunos que não são envolvidos pela natural necessidade de
aprender, na maioria das vezes causam problemas de indisciplina. Isto os que
ainda não perderam o ímpeto da indignação. O contrário destes são os alunos
apáticos que tanto faz como tanto fez ter ido a uma aula. Nas provas
respondem a o que os professores querem escutar e assim vai a educação
deste nosso país, cujas consequências tem tudo a ver com a desigualdade
social que nos rodeia, com a perpetuação de valores machistas, pela ausência
de boas oportunidades para todos.

Lendo o livro “Filosofia na Escola – o prazer da reflexão” da autora


acima citada e de Marcos Antonio Lorieri, logo no início nos deparamos com o
sentido de que os pais não escolhem seus filhos e vice versa, tampouco, os
professores escolhem seus alunos e vice versa.. Estas relações de convívio
vão sendo pautadas ao longo da vida, com direito a altos e baixos, como a

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maioria das relações humanas. Entretanto, quando escolhemos ser
professores, optamos por uma série de situações que envolvem esta profissão.
Infelizmente o que percebemos no dia a dia é que a maioria dos professores
continua alimentando a ilusão do aluno ideal. Ao longo de muito tempo
enquanto educadora detecto este choque entre o imaginário do professor
(aluno ideal) e a realidade do aluno que responde presente diariamente nas
salas de aula. Isto é bastante desgastante e produz resultados
assustadoramente nefastos ao desenvolvimento escolar. Refiro-me
principalmente às escolas públicas. Não generalizando, muitas fazem um
trabalho bonito e construtivo, embora em exemplos isolados e não efetivos ao
longo dos anos. A grande maioria consta da atual estatística promovida pelo
Ministério da Educação, divulgada nos meios de comunicação neste ano de
2020 e que aponta um resultado de que 80% dos alunos matriculados em
escolas públicas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio não dão conta de
satisfatoriamente ler, escrever e resolver cálculos matemáticos elementares.

É muito difícil sendo brasileira e educadora assistir a um desfecho


desse.

Quebrar paradigmas dá um trabalho enorme. Exige que sejamos


verdadeiros conosco mesmos. Exige que tenhamos força de remar contra a
maré. Nessa maré vocês encontrarão infelizmente MUITOS que não
escolheram ser professores, mas que por motivos mil foram ficando e
aguardam desesperadamente o dia de suas aposentadorias, sem perceber que
esta atitude aposenta, ou melhor, aborta o sonho, a dignidade e a esperança
dos alunos. Precisam receber da escola o impulso que necessitam para a
condução de uma vida com sucesso.A escola deveria ser o cenário ideal para
que valores éticos fossem desenvolvidos a tal ponto que passassem a fazer
parte individual de cada aluno. A consciência é irreversível. Fazemos o errado
quando nem sonhamos de como seria o certo. Quando aprendemos isso,
geralmente nos educamos para o melhor que conseguiremos ser.

Com relação às mudanças que ocorrem nas gerações desde o período dos
Baby Bommers, pessoas que nasceram entre 1946 e 1964, que viam na escola
um direito de todos, passamos pela geração X, pessoas que nasceram de 1965
até 1981 onde o sentido era: “estudar para ser alguém na vida”, observando a
geração Y, de 1982 a 1993, onde estudar já era considerado “um mal
necessário” e desembocamos na geração Z, de 1994 a 2010, onde a escola já
perdeu quase todo o significado. Essa geração é ligada à mídia social sem
fronteiras e plugada na era da informação. Ir à escola torna-se uma obrigação
única e exclusivamente pela busca de certificação, diplomas, sem os quais
ainda não conseguimos avançar em direção às universidades, aos cargos mais
elevados nas empresas, aos cursos de aperfeiçoamento, aos intercâmbios.

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Me parece que o que a escola perdeu ao longo destas décadas foi o seu
sentido original que pode ainda ser buscado em Sócrates que afirma “Tudo que
sei é que nada sei”. A escola de hoje se arvora em uma utopia de que é a única
fonte do saber e o resultado disto é que não consegue mais sustentar essa
pretensão.

Ainda falando da escola na antiga Grécia, citamos a Maiêutica, palavra


que significa “dar à Luz” neste sentido, filosoficamente Sócrates trabalhava
com seus alunos de forma com que eles buscassem dentro de si próprios o
conhecimento latente, pois acredita-se que tudo que precisamos saber está
dentro de nós, cabendo ao professor ir apresentando questões que levem o
aluno a pensar e chegar às suas próprias definições.

Paradoxalmente a escola de hoje ao invés de apresentar


questionamentos, fornece respostas prontas e estanques e pobre do aluno que
não responder nas provas do jeito que o professor “ensinou”....

A Paideia também vem da escola grega. É um conceito que preconiza a


educação integral do ser humano. “Corpo são e mente sã”, ou seja, corpo e
mente integrando a pessoa como um todo indivisível.

A escola de hoje pensa desta forma? Quando o aluno é obrigado a


decorar conceitos que ele não entende está sendo levado a cultivar o sentido
de educação integral humanística?

BRASIL DOS BRANCOS, NEGROS, MESTIÇOS E DA DOCILIDADE DO


SEU POVO

Além das características do título, esse país tem também lugar de


destaque no que se refere às incontáveis expressões religiosas que acolhe e
transforma. Transforma não só as pessoas através da Fé, mas pela grande e
rica diversidade da formação de nosso povo,. Tenho quase certeza de que o
Catolicismo daqui é diferente do que está no Vaticano, o Protestantismo bem
diferente do original, as expressões religiosas de origem africanas, todas
sincretizadas ao jeito brasileiro de ser. O Espiritismo com um leque
diferenciado das normas originais ensinadas por Kardec, enfim, vem dos
evangelhos espíritas a frase que considero linda: Brasil, pátria do Evangelho,
celeiro do mundo. Quando eu escutava isso quando era bem pequena, sentia
muito orgulho e segurança de ser brasileira. Hoje com muita fé no coração,
vibro para que assim seja para quando meus netos forem adultos. Por hoje,
agradeço ter nascido aqui quando percebo todos os seres que vieram de
outras nações, obrigados a enfrentar o mar e as incertezas, deixando para traz
parentes e sonhos e que através dos anos, conseguem fazer acontecer uma

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realidade menos cruel. Foi assim com meus avós maternos, húngaros e
paternos que vieram da Itália. Imigrantes para ajudar na lavoura, assim como
de tantos outros lugares e idiomas diferentes. Japoneses, Chineses, Coreanos,
Poloneses., Portugueses, Espanhóis. Cada qual aqui se instalou, da lavoura ao
desenvolvimento de suas profissões originais. Enriqueceram essa terra de
novas tecnologias. Em cada pedacinho desse país gigante, a reprodução e
reconstrução do que ficou para traz. Temos cidades, bairros inteiros que
retratam cenas, paisagens, moradias, comidas, vinhos com o sabor da origem
distante.

Acredito que essa aculturação é maravilhosa. Parece que estamos em


um caldeirão morno que produz cores, sabores, filosofias. Verdadeira alquimia.
Entretanto “esse morno” nos ensina a empurrar a vida com a barriga.
Socialmente estamos muito longe de uma sociedade justa, equilibrada.
Politicamente falando, paro por aqui: melhor nem falar! Fico.nas farpas
pontiagudas das consequências disso e que agora em tempos difíceis da
Pandemia, afinal estamos em 2020, somos acordados com uma realidade da
pobreza brasileira que estourou a tentativa de socorro através de auxílio
emergencial. Empurramos com a barriga até ontem a realidade de que muitas
pessoas moram em lugares insalubres, sobrevivem de bicos, em um barraco,
mães que sustentam muitos filhos, cada um de um homem que prometeu que
seria o príncipe encantado e ela acreditou, sendo que todos viraram sapos
especialistas em dar no pé quanto às suas responsabilidades.

Difícil de acreditar que em pleno século XXI surgiram MUITOS


brasileiros que nunca foram registrados. Não existem como pessoas para
estudar, trabalhar, votar. Mas são vidas. Quando afinal seremos o celeiro do
mundo?

Estatisticamente falando, população constituída em sua grande maioria


por negros e mestiços. Povo pardo. Que não se reconhece desse jeito. Afinal,
nas escolas até a Arte só é ensinada, quando ensinada, a partir de expressões
europeias. Todos loiros de olhos azuis! Sonho das meninas quando plasmam
seus príncipes e então passam anos alisando seus cabelos, não no sentido do
afago e sim na utilização de químicas pesadas que mudam o visual por fora,
pois deixar desabrochar a negritude interior maravilhosa nunca foi ensinado
nas escolas!

Devemos à mama África a herança cultural acumulada durante 400 anos


de escravidão. Cada vez que penso nisso, eu fico atordoada. Quatrocentos
anos! E estão ainda tão perto de nós no tocante à “libertação” . Somos lindos,
fortes, pacíficos porque muitos de nós teve a mãe preta que sabia contar
histórias, fazia os quitutes da nossa infância e até dava de mamar. Mães
brancas ainda hoje não sabem lidar muito bem com isso. Precisamos de
campanhas que falem da importância do aleitamento materno, tanto quanto à

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questão da constituição das defesas imunológicas do bebê, quanto ao adulto
que ele será, provavelmente mais calmo, focado, otimista e feliz do que os que
foram criados em chocadeiras humanas, com aleitamento artificial e celular
aclopado ao bercinho. As ciências da Psicologia já falam do “Autismo”
fabricado pelo constante estímulo causado pelas tecnologias que
disponibilizam celulares que passam a fazer parte do enxoval da maternidade.
As fraldas e as chupetas perderão o sentido conforme o bebê for crescendo,
mas os celulares acompanharão os reizinho e princesas durante toda sua vida
como utensílios de primeira necessidade.

Quando loiros assinaram a Lei Áurea se esqueceram de pagar a divida


ancestral aos que ajudaram a criar seus filhos, fizeram comidas maravilhosas e
deixavam suas casa um brinco. As mulheres negras até o século passado
continuaram a desempenhar esses papeis como empregadas domésticas sem
nenhum registro que pudesse garantir suas aposentadorias. Hoje algumas leis
estão reconhecendo esses direitos. Quanto aos homens negros até hoje são os
representados por Chico Buarque em sua obra “Operários em construção”.

A escola regular nunca fez nada pelas crianças descendentes desses


brasileiros. Currículos escritos por brancos cujos descendentes também não
se saíram muito bem nos bancos escolares.Não importa se o aluno é branco
ou negro. Nos últimos tempos escola se transformou em obrigação chata. A
vantagem dos que não precisaram pegar no batente cedo, foi suportá-la até
que se formassem em alguma área que desse dinheiro.

Escola excludente, sociedade injusta. Ano 2020, Brasil longe de ser o


celeiro do mundo!

Arte nos bancos escolares de acordo com pesquisas que realizei com
alunas do curso de Pedagogia, limitou-se ao caderno de desenho livre e às
apresentações nas datas comemorativas para que a escola fizesse bonito para
os pais, comunidade e diretorias de ensino. Afinal, escola é coisa séria e
ninguém será alguém sem ela. Arte é para quem não tem o que fazer.

Políticos de hoje, percebendo que o Brasil faz vergonha lá fora, fabricam


currículos que darão conta de Português e Matemática. Afinal, Arte, Sociologia,
Filosofia são artigos de luxo perigosíssimos! Pior que isso, nós da Arte,
Sociologia e Filosofia pacificamente ajudamos a empurrar a realidade com a
barriga e quando não aguentamos mais, às vezes procuramos a mãe preta
para nos benzer.

Sociedade desigual. Cidades mega desenvolvidas margeadas por


barracos construídos aonde sobrou lugar. Tanto os que moram nos
apartamentos de luxo como os favelados se degladiam em busca de emprego.
Após conseguirem um, deixam de viver. Para que não sejam mandados
embora, passam horas infinitas de suas existências só trabalhando. Essas

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horas extras ficam fazendo falta nos lares. Mamãe e papai trabalhando.
Escolas sem diretrizes humanitárias exigindo a padronização das aparências e
dos sentimentos, afinal, o diferente atrapalha! O celular alienando. Não existem
mais quintais onde primos e vizinhos descobriam o sentido da vida sob o olhar
atento das avós e das tardes com café com leite e bolinho de chuva.

DOS SENTIMENTOS DE ABANDONO, DE INSEGURANÇA, DO MEDO, DAS


FOBIAS, DAS SÍNDROMES DO PÂNICO, ÀS CIÊNCIAS DA PSICOLOGIA E
A ARTE EDUCAÇÃO E TERAPIA

 A CAIXINHA DE SURPRESAS QUE É O SER HUMANO


 A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
 A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

Existe um universo que eu considero encantado: ciências que nos


ajudam a compreender um pouco mais esta caixinha de surpresas que é o ser
humano.

Um alerta: Cada caixinha é única. É muito bom que possamos conhecer


o pensamento dos autores que dedicaram suas vidas a estes estudos. Eles
poderão nos ajudar em nossa trajetória de educadores, entretanto, alerto
também que além de cada caixinha ser única, ela, do dia do nascimento até o
último suspiro estará em constante mudança. Portanto conclusões que
chegaremos após o estudo de teóricos que muito nos ajudarão a compreender
um indivíduo, provavelmente não auxiliarão com indivíduo diferente e mesmo
que tenha servido em determinado momento, com a constante mudança na
vida e no comportamento das pessoas, poderá acontecer que tenhamos
necessidade de novos estudos. Cada caso é um caso. Mudanças são sinais de
vida.

Com relação à INTELIGÊNCIA EMOCIONAL, podemos dizer que:

 Inteligência é a capacidade de resolver problemas,


 Inteligência emocional, de acordo com o que nos descreve a Psicologia,
é a capacidade de reconhecer e avaliar os próprios sentimentos e os
dos outros, assim como a capacidade de lidar com eles, isto é: disto
pode depender o grau de sucesso de cada ser humano nas várias fases
de sua vida.
 Howard Gardner no livro Estruturas da Mente – a Teoria das
inteligências múltiplas- nos fala da necessidade do indivíduo
compreender a si mesmo, entender seus medos e motivações ao
mesmo tempo em que consiga entender o mesmo no outro.

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 A partir do ano de 1990 o cenário da psicologia passou a ter um novo
recurso de estudos através dos trabalhos de Daniel Goleman que nos
revelou os aspectos da denominada Inteligência Emocional.
 “E somente conhecendo o que acontece na sua cabeça que você
consegue controlar o que você sente.” – Daniel Goleman.
 Goleman dedicou anos de sua vida para elaborar a teoria revolucionária
que redefine o que é ser inteligente.Ele nos explica que temos duas
mentes: uma que raciocina e outra que sente. A mente racional é a do
modo de compreensão de que temos consciência: É mais atenta e
capaz de ponderar e refletir. A mente emocional, ao contrário, é
impulsiva, imediatista.
 Na maior parte do tempo, essas duas mentes trabalham em harmonia,
entrelaçando os seus modos de conhecimento para que possamos
encontrar o nosso caminho no mundo. Mas nem sempre é assim. Cada
tipo de emoção que vivenciamos nos predispõe para uma ação imediata
e quando são as emoções que tomam conta do nosso ser, o intelecto se
abala e não consegue nos levar a lugar nenhum. De acordo com
Goleman “Isso indica que nossos mais profundos sentimentos, as
nossas paixões e anseios são diretrizes essenciais e que nossa espécie
deve grande parte de sua existência à força que eles emprestam nas
questões humanas.”
 Essas duas mentes e a capacidade ou incapacidade de andarem juntas
em equilíbrio é o que pode determinar o sucesso das pessoas em suas
vidas. Goleman nos diz que de nada adiante um altíssimo QI, ou seja,
uma grande inteligência e capacidade de raciocínio intelectual se o
indivíduo não consegue controlar a sua ansiedade, seus estados de
humor, sua natureza ao se relacionar com as demais pessoas.
- As ideias que citei acima foram baseadas no livro de Daniel Goleman
Inteligência Emocional – A teoria revolucionária que redefine o que é ser
inteligente – e na matéria da Revista Coaching – Ano I – Edição I.-

Agora vamos estudar um pouco sobre as Múltiplas Inteligências, que chegaram


até nos graças aos trabalhos de Howard Gardner:

 Baseando-me na página 3 de seu livro Estruturas da Mente – a Teoria


das Inteligências Múltiplas, Editora Artes Médicas – temos: “Uma menina
passa uma hora com um examinador. Faz-se a ela várias perguntas
que investigam seu cabedal de informações: - Quem descobriu a
América? – O que o estômago faz? O que significa campanário? Em
aritmética: A oito centavos cada, quanto custarão três doces? O exame
testa sua capacidade de dedução lógica: 5,1,7 e 4,2,8, qual seria a série
com o número 3? Algum tempo depois o examinador pontua as
respostas e chega à nota da aluna. Esta nota que representaria o seu
Q.I , será revelada a ela e tende a exercer um considerável efeito sobre

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seu futuro, influenciando a maneira como seus professores pensarão
sobre ela e estabelecendo sua elegibilidade para determinados
privilégios. A importância vinculada à nota não é inteiramente
inadequada, afinal, o escore em um teste de inteligência de fato prevê a
habilidade da pessoas haver-se com matérias escolares embora preveja
pouco sobre o sucesso na vida posterior.
 A cena acima descrita e resumida por mim a fim de não nos determos
demasiadamente em minúcias é repetida milhares de vezes ao dia no
mundo inteiro. Muita importância é dada até nos dias de hoje à nota
obtida, mas, felizmente muitos estudiosos nos mostram que este tipo de
aprendizagem bem pouco pode auxiliar na construção do conhecimento
do indivíduo, responsável para que ele tenha sucesso na vida, sendo o
melhor dele mesmo.
 Os testes acima que dizem presente até nas universidades, são meros
treinamentos de memória e ainda por cima, podem acabar com a
autoestima do indivíduo porque costuma compará-los como melhores ou
piores dependendo da nota que cada um conseguir tirar.
 Howard Gardner através do livro citado nos fala, assim como Daniel
Goleman que de nada adianta medirmos Q.I. Que o importante é o que
fica para cada um dos estudos que fez, dos caminhos escolares que
decidiu seguir e como conseguirá equacionar conhecimento intelectual e
inteligência emocional em cada inúmero conflito que encontrará na vida.
 Aprendemos com Gardner que não existe só um tipo de inteligência.
Cada ser humano possui desde o seu nascimento, dentro das
combinações hereditárias representadas pelo seu D.N.A, um tipo de
inteligência, ou uma combinação de tipos de inteligências que o situarão
na vida já como perspectiva do seu tipo de personalidade. Naturalmente
que através de suas experiências, aprendizagem com o meio ambiente,
com as pessoas de sua convivência, com os cursos que escolherá fazer,
vários outros tipos de inteligência poderão ser desenvolvidos
acrescentados aos que já trouxe ao nascer. Podemos enumerar as
seguintes formas de inteligência: Inteligência Linguística, Musical,
Pictórica, Lógico Matemática, Espacial, Corporal Cinestésica,
Naturalista, Interpessoal,Intrapessoal
 Inteligência Linguística – Aparece na criança por volta dos dois anos e
vai se desenvolvendo ao longo da vida. As pessoas que tem este tipo de
inteligência conseguem falar bem, organizar seus pensamentos, mesmo
não sendo cultas. Apresentam este tipo de inteligência os poetas,
escritores, publicitários, jornalistas, apresentadores de programas
televisivos, entre outros.
 Inteligência Musical- Aparece nas pessoas que tem facilidade para
dançar, cantar, aprender música, compor melodias. São pessoas com
bastante sensibilidade sonora. A música faz parte do seu corpo.

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 Inteligência Pictórica – São desta forma de inteligência, os artistas
plásticos, as pessoas que sabem e gostam de desenhar, fazer
esculturas, arquitetos. Crianças com este tipo de inteligência são
bastante criativas.
 Inteligência lógico-matemática – facilidade em realizar cálculos
matemáticos, lidar com formas geométricas, resolver problemas que
envolvam raciocínio, sucesso com novas tecnologias, informática, são
os químicos, físicos, pedreiros, mestres de obras, engenheiros e outros
com as mesmas características.
 Inteligência Espacial – Pessoas que apresentam facilidade em se
localizar no tempo e no espaço. Tem bom sentido de direção, facilidade
em entender mapas. Crianças com este tipo de inteligência costumam
ter amigos imaginários. Geralmente tem este tipo de inteligência os
esportistas de várias modalidades, indo do futebol ao automobilismo,
jogadores de xadrez, navegadores, pilotos.
 Inteligência corporal cinestésica – São pessoas com extrema
sensibilidade corporal e coordenação motora fina – cirurgiões médicos,
dentistas, mecânicos, bailarinos, esportistas.
 Inteligência Naturalista – pessoas que sabem pertencer à organização
sistêmica da vida. Se identificam e sentem-se parte da cadeia de vida
planetária, de todo ser vivo, animal, vegetal, mineral.
 Inteligência Interpessoal – facilidade nas relações humanas. São bons
vendedores, professores, políticos, religiosos.
 Inteligência Intrapessoal- pessoas que nutrem boa autoestima, cultivam
o auto respeito, geralmente otimistas. Geralmente são psicólogos,
místicos, filósofos, romancistas.

Acredito que ser professor exige muito de cada ser que optou por
esta profissão. Nos dias de hoje, em plena era da informação é
inadmissível de acordo com a minha opinião e não estou sozinha com
ela, posto que muito autor que admiro também a externam, que não
existe mais o “dar aulas”. Isto atualmente para mim esbarra na
arrogância. Ninguém consegue saber tudo de tudo. O conhecimento se
processa na troca, na soma, na vivência. Nesse momento que escrevo,
sinto-me como aquela pessoa que tem a função de abrir portas em um
edifício. Tem nas mãos uma grande argola, cheia de chaves e vai
abrindo portas e mais portas para que o visitante consiga se decidir em
qual ambiente entrará. Meu desejo é que essa sopa de letrinhas aponte
chaves certeiras para que portas sejam abertas para que educadores
possam se transformar em pesquisadores. Que cada um perceba que
uma porta escolhida leva a inúmeras outras que deverão às vezes ser
arrombadas porque nem tudo ainda nos foi revelado sobre essa caixa de

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surpresas que é a alma humana. Tenho certeza de que os que forem
motivados por estes assuntos conseguirão pesquisá-los nas mais
diversas fontes. Irão busca-los em livros, revistas, na internet, na mídia,
nas palestras, nos seminários, nas apresentações de trabalhos e talvez
muito mais no bate papo informal que vocês terão com cada pessoa que
fizerem parte de suas vidas.
A vida é a verdadeira escola. Tudo que vivenciamos nos ensina e tudo
que servir de “aperitivo” significa que caiu na sua alma e está apontando
para novas chaves, novas portas, novas descobertas! Boa travessia!

LUZ DURANTE O TÚNEL

O que é que eu estou fazendo na educação desde 1972? E eu mesma


me respondo: Enxugando gelo! É essa minha sensação nos momentos em que
percebo situações de arrepiar os cabelos. Pior é quando escuto: Você é
vanguardeira! Nem todos tem o seu pique. Poderia ser um elogio, mas o dia a
dia me mostra que não sou eu quem enxerga longe, é a rotina escolar que
parou no tempo graças à falta de visão dos que a fazem acontecer.

Tais afirmações tem origem na realidade. Até a bem pouco tempo atrás
eu era uma entusiasta da Educação Infantil, principalmente das escolas que
pude acompanhar enquanto orientadora de turmas da Pós Graduação.
Vivenciei trabalhos fantásticos onde a maestria do regente da classe em
parceria com a direção e o total envolvimento dos alunos, me mostravam um
cenário promissor. Meu pensamento: Se existem tantas queixas a respeito da
família que “deposita” seu filho quase que recém nascido nas escolas, que o
deixa lá, mesmo quando poderiam ficar com ele em casa, isto para a criança
deve ser benéfico. Afinal, estão sendo educados por pessoas que estão
preparadas, com alegria, capacidade e foco no que estão fazendo. Ainda hoje
esta é a minha visão da Educação Infantil nas escolas públicas desta cidade.
Hoje sabendo o que ocorre em algumas escolas particulares de Educação
Infantil, fico assustada. Não é só os pais carentes financeiramente que
“depositam” seus filhos nas escolas. Muitos pagam uma mensalidade bastante
salgada para que eles fiquem nestas escolas das sete horas da manhã às sete
da noite, com câmeras espalhadas por toda parte, onde de casa ou de seus
trabalhos podem ser acessadas, quando então estes pais, dão pitácos na
educação de seus filhos. Que seres estarão sendo formados deste jeito?

Saindo da Educação Infantil, o que me preocupava era o desrespeito, a


vergonha, o descaso, enfim, tudo de ruim que ocorre nas escolas do Ensino
Fundamental e Médio, com meu foco ainda nas escolas públicas. Há muito que
a escola apresenta um cenário desses. Escutei de professoras da Educação

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Infantil que a criança desta fase ama a escola. Tem brilho no olhar. Brilho este
que se perde com o passar dos anos e às promoções para as séries mais
avançadas.

Será que os estudos sobre as gerações Z e Alpha, crianças índigo e


cristal não farão parte dos currículos escolares? Por enquanto só Baby
Boomers, X e Y é que respondem presente?

Com olhar de pesquisadores, em nossas aulas, nas rodas de conversa e


nas apresentações dos trabalhos, pudemos constatar que à medida em que a
tecnologia avança, alterando o ritmo de trabalho e da vida das pessoas,
mudanças drásticas acontecem e que influenciam comportamentos diferentes,
principalmente nos países onde a globalização se faz presente.

É impossível segurar o progresso. A cada dia surgem novas máquinas, a


ciência descobre novos remédios para doenças antes incuráveis, os modelos
dos celulares se renovam freneticamente, os padrões de comunicação e de
tratamento entre as pessoas são alterados, Se por um lado, hoje podemos
através das redes sociais resgatar amigos da nossa infância, por outro, não
mais conversamos fisicamente com nossos entes queridos. Ficou prático nos
comunicarmos pelo whatsapp Crianças com dois anos de idade acessam os
aplicativos dos celulares automaticamente. E a escola? Continua do jeitinho
que sempre foi. Só que este “foi” teve um tempo de validade. Ela era
inquestionável em termos de valor para as gerações Baby Bommer ate a
geração X. A partir daí, transformou-se em letras mortas, com alunos mais
avançados em termos de domínio tecnológico do que seus professores e com
conteúdos estanques, petrificados nos planejamentos escolares, sem atrativos
e praticamente alheios ao universo do aluno.

O pior da história é que por estarmos filosofando, percebemos que a


escola, já que teima em ser retrógrada, seria muito mais eficiente se voltando
na linha do tempo, se fixasse nos padrões da escola grega, onde percebia a
questão da maturação dos jovens e por esta razão até aos catorze anos eram
privilegiadas as áreas da Educação Física e da Arte, principalmente através da
poesia. Acreditavam na Ética, na formação integral do indivíduo: corpo e
espírito A Paideia .envolve vários conceitos onde o foco seria a constituição do
indivíduo de modo correto e sem falha, nas mãos, nos pés e no espírito. Esta
frase consta do livro: História da Educação e da Pedagogia, de Maria Lúcia de
Arruda Aranha. Vale a pena degustar cada página, principalmente se vocês
estiverem preocupados em entender o que é causa e o que são efeitos na
educação. A linha história apresentada neste livro pode clarear o caminho!
Principalmente para entender bem o mito da Caverna de Platão. Vocês com
este mito poderão perceber porque as pessoas de vanguarda, aquelas que
enxergam além do seu tempo, pagam na maioria das vezes um preço alto por
isto, por não se submeterem à estagnação, ao status quo, às mesmices.

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Conhecendo um pouco de Rousseau, percebemos que antes dele, a
educação era dirigida pelo clero, onde o objetivo era a educação das pessoas
para Deus ou para um aristocrático convívio em sociedade. Com Rousseau
aparece o desejo de que o indivíduo seja” educado para si mesmo:” Viver é o
que desejo ensinar-lhe. Quando sair de minhas mãos, ele não será magistrado,
soldado ou sacerdote, ele será, antes de tudo, um homem.” Trecho que se
encontra na página 178 do livro citado, 3º edição, Editora Moderna.

Transitando pela .Antropologia Filosófica, percebemos várias visões:

 A visão que fala do homem racional. Aquele que pensa, reflete e


que é o único dos animais que consegue premeditar suas ações.
Para esta visão, escola serve para ensinar: desenvolver o
intelecto.
 A visão para a afetividade. Percebeu-se com o tempo que o
homem não é só razão, então surgem correntes onde o
importante é o desenvolvimento das emoções, do lado afetivo,
acreditando-se que com isto, o homem teria encontrado a
educação para a felicidade.
 A visão Estética é onde são privilegiados os dons artísticos.
 A visão Naturalista é onde o corpo e a saúde física imperam
acima da razão, emoção.
 A visão Essencialista – Nesta, a essência humana é o maior
valor a ser desenvolvido. Entretanto, de qual essência estamos
falando? Existem seres essencialmente humanos, preocupados
consigo mesmo e com os outros, como também existiram seres
cuja essência primava pela exclusão dos demais, inclusive os
que acreditavam que a raça branca é superior às demais raças
do planeta.
 A visão Mecanicista refere-se à educação tecnicista, onde de
tempos em tempos tenta-se preparar mão de obra especializada
para cada necessidade econômica de um país.

E então vamos buscar em Paulo Freire os conceitos de que o homem é


um ser inacabado, em permanente estado de formação. Qual seria então a
educação eficaz para a raça humana?

Boa pergunta!

Vou contar outra lenda: Em determinada época, os habitantes da Terra


entraram em estado de choque e em desespero total porque alguém espalhou
o boato de que não adiantaria fazer mais nada porque o planeta iria
desaparecer em meio a uma enorme escuridão que se avizinhava.
Rapidamente formaram-se conselhos de sábios para encontrarem saídas para
o problema. Foram consultar o mar, voltaram molhados. Foram consultar os

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desertos, voltaram assolados pelo vento e calor, percorreram muitas
montanhas, voltaram exaustos, correram para as florestas e perceberam que
em todos estes lugares além de não encontrarem solução, acabavam
espalhando mais medo ainda e o mar ficou revolto, os desertos espalharam
suas areias, as florestas gemeram de medo e enfim,.munidos da maior
coragem, foram perguntar para o astro Rei, o Sol, o que deveriam fazer para
acabar com a escuridão que se avizinhava. Tremendo de medo contaram ao
Sol o que estava acontecendo e este compadecido acalmou os mensageiros
prometendo: Fiquem aqui e esperem: Vou andar por toda Terra e verei onde
está escondida esta escuridão que amedronta a todos. Isto feito, pouco depois
retornou e falou para os sábios: Podem voltar tranquilos. Percorri toda Terra e
por onde eu passei tudo estava iluminado. Não existe nenhum perigo. Foi sé
uma questão de fake news!.

Resumo da ópera: Aprenda a ser luz e iluminar seu próprio caminho.


Não espere que alguém faça isto por você. Durante todo sua trajetória de
educadores, infelizmente posso afirmar por experiência, sempre existirão mais
professores ,diretores e coordenadores, pessoas enfim, que mais espalham o
terror do que os que apaziguam. Por esta razão o planeta está como esta e as
escolas estão do jeito que estão: em crise existencial.

Enquanto isto as crianças e os adolescentes perdem a grande chance


de aprender na escola, a única coisa que só ela poderia estar fazendo:
Ensinando a viver valores.

Comenta-se da crise existencial das famílias. As separações ocorrem


muito mais cedo, não dando tempo para que mãe e pai eduquem seus filhos.
Esta função tem sido relegada aos avós que em termos cronológicos estão
ainda mais distantes das gerações Z e Alpha. Li em algum lugar que a escola é
a segunda e última chance da criança ser feliz. Os professores tão perdidos e
desestimulados, também em crise existencial. Em plena era da informação,
escola não mais informa e está deixando de formar. O que será que ainda
representam as “Formaturas”?

Aprenda a ser luz durante o túnel! Ainda que seja com a lanterna do
celular! Utilize toda tecnologia possível. Esteja ciente que ela muda a cada dia.
Não se surpreenda com isto, porque seu aluno também muda a cada dia. Cada
geração traz a sua marca característica desde que nos foi apresentado o
homens sapiens até os bebês de proveta e tudo que quem estiver vivo verá,
como transformação da raça humana. Alguém nos dirá que esta é a evolução
natural e eu me pergunto: evolução ou involução? Até que ponto um ser que
ficou parado no passado ou aquele que não pensa no futuro, que consome
absurdamente, que esgota recursos naturais, que utiliza a práticas de subir a
qualquer custo, pode ser concebido como “ser em evolução”? E a escola o que
tem a ver com isto? Será que se ela deixar de ensinar o padre nosso para o

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vigário, uma vez que os alunos de hoje conseguem acessar informação muito
mais rapidamente que seus professores, se ela voltar a fazer o que os gregos
faziam:” Ética - Bom e Belo” será que se ela se lembrar de Rousseau ou de
Terezinha Rios, conseguiremos uma escola que pensa? Que reflete? Que
filosofa? Onde Filosofia deva rimar com alegria. Será que o verbo educar não
conseguiria desta forma ser conjugado de forma muito mais humana?

Enfim.,...que cada professor possa, dentro da profissão escolhida, fazer


a diferença positiva. Ao invés de se deixarem envolver pelo clima das trevas
que assolam os sistemas educacionais, que possam tirar de dentro de vocês
algo que sempre existiu: a vontade de ser professor. Com esta vontade,
munirem-se de antídotos contra o desânimo da maioria dos colegas que
encontrarão ao longo de suas trajetórias. Pessoas sem brilho e que são as
responsáveis pela falência da escola. Luz. Sejam luz, como a historinha do Sol.
Onde ele está não existe espaço para escuridão. Sejam luz, sejam faróis,
sejam faroletes, valendo recursos tecnológicos, tanto que possam iluminar,
como diz o do texto de forma irreverente.....ainda que seja pela lanterna do
celular....ilumine seu caminho. As novas gerações precisam de sinalizadores
muito mais do que das sopas de letrinhas indigestas que estão se tornando a
maioria das aulas neste país. Os índices de fracasso escolar, infelizmente me
dizem que estou certa com meus alertas.

O HOME SCHOOLING E A PANDEMIA DO CORONA VIRUS

Enquanto a esquerda e a direita do Planeta inteiro se degladia, corruptos


de ambos os lados, de todas as etnias deixam rastros de roubalheiras
megalomaníacas, pois como diz o ditado, o diabo ajuda a fazer, mas não ajuda
a esconder, de escândalos a escândalos divulgados pelas mídias em tempo
real ou revestidos de fakes news, a Terra agoniza. Nascentes somem, matas
ardem em chamas, espécies da flora e da fauna somem do mapa e a escola?
Continua igual. Aulas são “dadas”, resultados são “cobrados” ricos dão seu
jeito, pobres ficam fora dela e tudo mais que já falei.

Há alguns anos quando eu era diretora de escola, inventei um Home


Schooling à minha moda. Dirigia uma escola de Educação de Jovens e Adultos
para onde eram “convidados” a se matricular, todos os alunos que
completavam quinze anos, sendo que muitos desses anos representados pelas
inúmeras reprovações e por terem conseguido o mérito de infernizarem
professores, diretores que aliviados se livravam deles dessa forma. Desses,
quantas pedras preciosas se revelaram! Milagres de uma simples troca de
metodologia e de didática. Outros estavam tão envenenados do ambiente
escolar que não conseguiam perceber que agora poderia ser diferente. Para
tratar desse “envenenamento” junto com o Conselho Escolar e as famílias, criei

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o Home Schooling de uma forma bastante doméstica. Com a anuência dos
pais, esses alunos teriam uma carga bastante expressiva para realizar lições
de casa em forma de pesquisa, mas que os resultados deveriam ser
apresentados sempre em uma linguagem artística escolhida pelo aluno.
Somente uma vez por semana eles compareceriam à escola para suas
apresentações. Foi mágico! Como eram brilhantes! Como sabiam lidar com o
computador e criar apresentações através da poesia, da música, das telas
pintadas! A escola passou a fazer sentido para eles. Incomodavam nas
anteriores porque talvez eram protagonistas do Mito da Caverna de Platão!

Fiquei com essa imagem de Home Schooling e apaixonada por essa


forma que poderia ser politicamente adotada e quem sabe, promover através
de uma nova didática, uma nova oportunidade de inclusão de um número
significativo de brasileiros, ao mundo do trabalho e da cultura.

Chegou o Carnaval! Acredito que aos brasileiros ainda foi dado o


presente de viver essa fantasial, com toda aglomeração daquela alegria que
dura três dias. Logo após, somos obrigados a ficar em isolamento devido a
Pandemia do Corona Virus e aí, forçados a uma experiência não planejada,
cada um lidando com isso do seu jeito. Muitos nas ruas porque não tem casas,
outros fora dela porque se juntar todos da família no mesmo horário, não
cabem no cômodo único, alguns escolhendo se seria melhor reunir a família na
casa da cidade, na da praia ou na do campo, alguns abençoando esse
momento de reclusão para um possível auto encontro, outros fugindo
justamente disso, enfim, dura travessia que desembocará no anunciado “novo
normal”, pois todos acreditam que a vida no Planeta nunca mais será a mesma
depois disso. E a escola como fica?

EU NÃO POSSO ACREDITAR!!!!! Como não tem para onde fugir, chega
o Home Scholling goela abaixo ou portas adentro de cada casa. Lidar com a
tecnologia, apertar botões, escolher sistemas de transmissão, foi sofrido, mas
todos sobreviveram! Afinal essa era a única tábua de salvação, ninguém teve
outra escolha, a não ser, se professor, ficar desempregado.

Deveria ser esse um momento mágico da escola se reinventar! Mas se


ela nem tinha refletido de como estava sendo ineficaz, o que fez?

Reanimou as múmias das aulas expositivas, do professor catedrático,


senhor do saber, dos exercícios pré-tabulados, do preenchimento de cada
minuto com uma enormidade de tarefas para que os alunos tivessem o que
fazer. Assim as escolas garantem que as mensalidades continuem a ser
pagas, afinal, o ensino está sendo exigente, rigoroso, sério e as unidades
escolares continuam a se comportar como a verdadeira e única fonte do saber!

Resultados? Alguns positivos, outros uma verdadeira revolução: Pais à


beira de um colapso nervoso, crianças pequenas obrigadas a ficar horas na

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frente do computador, adolescentes surtando e alunos adultos se virando nos
trinta!

Triste. Não poderia ter sido diferente. Se na frente do aluno o professor


tem dificuldade em fazer uma escola feliz acontecer, imagine através do olho
mágico de uma câmera!
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

Esse conhecido poema faz parte do longo poema “No caminho com
Maiakóvski” (1968) do brasileiro Eduardo Alves da Costa. Apareceu
tamborilando em minha mente e acredito que tem muito a dizer sobre o que
estamos vivendo nesse momento.

BERNARDO TORO - EDUCAR PARA CRESCER

Bernard Toro também apareceu tamborilando em minha mente com os


seus “ OS SETE CÓDIGOS DA MODERNIDADE”

1. O DOMÍNIO DA LEITURA
2. A CAPACIDADE DE FAZER CÁLCULOS E RESOLVER PROBLEMAS
3. A CAPACIDADE DE ANALISAR, SINTETIZAR E INTERPRETAR
DADOS, FATOS E SITUAÇÕES
4. A CAPACIDADE DE COMPREENDER E OPERAR O SEU ENTORNO
SOCIAL
5. A CAPACIDADE DE RECEBER CRITICAMENTE OS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO
6. A CAPACIDADE DE ACESSAR INFORMAÇÕES
7. A CAPACIDADE DE TRABALHAR EM GRUPO

OS QUATRO PILARES DA EDUCAÇÃO DA UNESCO

Isso também está tamborilando:

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1 – APRENDER A CONHECER

2 – APRENDER A FAZER

3 – APRENDER A CONVIVER

4 – APRENDER A SER

Parece tão simples, tão óbvio! Para que complicar? Infelizmente essa
“Pandemia dos Currículos Sem Sentido” parece que contaminou o ambiente
escolar, da maioria das escolas, da maioria dos países e ainda não se inventou
nenhuma vacina para que ela seja erradicada.

Em meu laboratório humano, durante todos esses anos, essa pandemia


não me contaminou. Graças a Deus nasci vacinada. Imune ao “que será que os
outros vão falar?” e fui tocando a minha trilha feliz, destoando dos cenários,
dos colegas, das opiniões contrárias, dos apelidos de “maluca” e demais
similares. Vacinada pela ARTE!

Poucas são as faculdades que conseguem preparar professores


criativos. Apesar da infinidade de obras literárias consagradas, escritas por
brasileiros e estrangeiros que falam de Metodologias Ativas e dos conteúdos
modernos que fazem parte das Ementas, os alunos acessam essas
informações mas não recebem exemplos reais nem nos momentos dos
estágios, pois as escolas não funcionam na práticas com essas teorias e no
final o que é cobrado desses alunos são os exercícios do banco de dados do
ENADE, do ENEM, dos Concursos públicos, mas em termos de criatividade,
apesar de toda boa vontade, de todo empenho, de toda simplicidade, só as
corujinhas de E.V.A é que conseguem se reproduzir no universo dos futuros
professores.

“A CRIANÇA É FEITA DE CEM”

LORIS MALAGUZZI

ABORDAGEM PEDAGÓGICA REGGIO EMILIA

Após a Segunda Guerra Mundial, em 1947, um ano antes do meu


nascimento, Loris Malaguzzi criou na cidade de Reggio Emilia uma abordagem
pedagógica que pretendia trazer novamente a felicidade às crianças do pós
guerra. Nessa abordagem toda comunidade escolar e as famílias participam e
tem nos Ateliês de Arte, base sólida para desenvolvimento dessa metodologia
Isso aqui no Brasil ficou esquecido. Depois de tanto tempo, hoje sabemos que
algumas escolas empregam “essa novidade” na tentativa de desenvolvimento

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mais exitoso dos currículos escolares. Percebam na poesia o recado que ainda
não chegou na maioria das escolas brasileiras.

A CRIANÇA É FEITA DE CEM

A CRIANÇA TEM CEM MÃOS,

CEM PENSAMENTOS.

CEM MODOS DE PENSAR, DE JOGAR E DE FALAR.

CEM, SEMPRE CEM!

CEM MODOS DE ESCUTAR AS MARAVILHAS DE AMAR.

CEM ALEGRIAS PARA CANTAR E COMPREENDER,

CEM MODOS PARA DESCOBRIR.

CEM MODOS PARA INVENTAR.

CEM MODOS PARA SONHAR.

A CRIANÇA TEM CEM LINGUAGENS.

CEM, CEM ,CEM.

MAS ROUBARAM-LHE NOVENTA E NOVE.

A ESCOLA E A CULTURA LHE SEPARAM A CABEÇA E O CORPO.

DIZEM DE PENSAR SEM AS MÃOS,

DE FAZER SEM A CABEÇA

DE ESCUTAR E DE NÃO FALAR,

DE COMPREENDER SEM ALEGRIAS.

DE AMAR E MARAVILHAR-SE SÓ NA PÁSCOA OU NO NATAL.

DIZEM DE DESCOBRIR UM MUNDO QUE JÁ EXISTE.

E DE CEM, LHE ROUBARAM NOVENTA E NOVE.

O JOGO E O TRABALHO,

A REALIDADE E A FANTASIA,

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A CIÊNCIA E A RAZÃO,

O CÉU E A TERRA

A RAZÃO E O SONHO

SÃO COISAS QUE NÃO ESTÃO JUNTAS.

DIZEM QUE AS CEM NÃO EXISTEM.

MAS A CRIANÇA DIZ:

AS CEM EXISTEM ! “

PSICOLOGIA INFANTIL

Com o caminhar da humanidade, muitas ciências foram sendo


descobertas e estão em permanente desenvolvimento devido ao trabalho de
inúmeros e brilhantes pesquisadores envolvidos nos estudos que possam
desvendar as sutilezas que envolvem os seres humanos.

A Psicologia é uma delas. Através dos estudos da Psicologia estamos


conseguindo desvendar verdadeiros mistérios, principalmente com relação ao
desenvolvimento da criança. Isto é muito bom. Sabemos que a maioria dos
problemas dos adultos teve origem em sua trajetória durante a infância.

A criança de hoje não é a de dez anos atrás, como não eram as do


séculos passado. E as do futuro, como serão?

Na idade média a criança era considerada um pequeno adulto. Nasciam


mais de dez filhos em cada família, a metade morria e era assim mesmo. As
que sobreviviam eram colocadas muito cedo para trabalhar. Estamos falando
principalmente das pessoas que faziam parte do proletariado. Com certeza não
era assim dentro dos castelos.

Pois bem: Voltando aos nossos dias, o que vemos?

Do meu ponto de vista, coisas preocupantes. Ninguém segura o


progresso e isso traz mudanças significativas nos hábitos de vida das pessoas.
Quando eu era criança, sinto saudades: a gente brincava. Tomava conta dos
irmãos menores enquanto as mães cozinhavam, costuravam, faziam bolinho de
chuva para o lanche da tarde. Tinha lugar para brincadeiras até na escola. O
recreio era maravilhoso. Existia o hábito de se contar histórias e de se cantar

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diariamente. A criança podia ser criança. Sempre havia por perto um adulto
para tomar conta delas, tanto em casa, quanto nas escolas. Esta presença
estabelecia limites e as coisas corriam bem.

Hoje existe um desenvolvimento acelerado da tecnologia. Acredito, pelo


que vejo que 99,99% das pessoas não vivem mais sem o celular. Em breve,
como já disse, ele fará parte do enxoval do bebê na maternidade.

Há muito tempo que a música fugiu das escolas. Pelo menos, as


músicas de boa qualidade, aquelas que nos transportam para o melhor de nos
mesmos. Quando existe música, então seria melhor que não existisse. Nas
habituais datas festivas, na maioria das vezes para “agradar as famílias”, são
ensaiadas as músicas da moda. As que foram feitas para vender, distantes de
construções poéticas e que estabelecem valores morais pouco confiáveis.

É uma pena, mas as crianças de hoje são netas das pessoas que já não
tiveram música boa em suas escolas. Se a escola não prezar pela tradição,
quem o fará? Nossos artistas de séculos atrás inventaram a notação musical.
Isto faz com que hoje, um músico formado consiga ler as partituras e reproduzir
na íntegra aquilo que foi escrito há tanto tempo atrás, encantando nossos
ouvidos, elevando nossa alma.

Hoje, batendo palmas para os celulares, a boa música pode chegar


instantaneamente nos ambientes escolares, desde que atrás deste fantástico
aparelhinho exista uma fantástica pessoa de bom gosto musical.

A boa música auxilia no desenvolvimento da fala, na coordenação


motora, na concentração de atenção, no equilíbrio corporal, no estabelecimento
de relações afetivas, enfim, sendo musica boa, não existe nenhuma contra
indicação dos zero aos cem anos de vida do indivíduo, ou mais, pois tudo
indica que a tecnologia também é a grande responsável pelo aumento dos
anos saudáveis em nossas vidas. Que possamos ainda dançar e cantar muito!

Quanto às brincadeiras, são elas as grandes responsáveis pela saúde


do nosso corpo e da nossa alma. As brincadeiras trabalham com a ludicidade.
Com o poder que o ser humano tem de criar, imaginar, sonhar, vislumbrar o
alem.

As escolas precisam garantir às crianças, o direito de brincar . Sem isto,


todas as demais fases do desenvolvimento humano poderão ficar
comprometidas. Não consigo entender as razões pelas quais existe hoje na
maioria das escolas uma espécie de fantasma, com um chicote nas mãos. As
pessoas que lidam com as crianças, professoras, coordenadoras, gestão,
passam noites sem dormir programando atividades para as “crianças fazerem”,
sendo que a parte delas às vezes é só um nada. Tudo já vem recortado,
pintado bonitinho para mostrar serviço para não sei quem.

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É tão mais fácil e mais divertido deixar a própria criança manusear os
materiais para a construção da ideia que a professora trouxe. A grandiosidade
está no produto final, cheio de imperfeições para o fantasma do chicote, mas
inigualável para a criança que participou da elaboração. Ela sabe: Este é o
meu! Bem diferente dos painéis diários das escolas cheios de reproduções
idênticas, pintadas sem prazer, das quais, nem a criança reconhece a sua.

Tristemente observei recentemente em uma delas, umas vinte folhas de


sulfite coladas na parede, cada qual com sua maçã xerocada e todas pintadas
de vermelho. Nenhum aluno ousou pintá-la de verde. Afinal, será que ele já viu
uma maçã verde?

Precisamos tomar cuidado com o excesso de trabalho que normalmente


as escolas trazem para o seu dia a dia. É tanto papel para preencher, é tanta
coisa para anotar que a criança está sendo esquecida.

Os momentos infantis passam logo. Quando menos se espera, a criança


cresceu, levando para a vida adulta as sequelas do tempo que deixou de
brincar. E os papeis administrativos, ficarão nos arquivos por um tempo
enorme, sem que ninguém olhe para eles e um dia com certeza, quando
alguém perceber que não têm sentido algum, serão incinerados.

Quanto a Psicologia, existem hoje vários estudiosos que através destes


últimos anos têm dado grande impulso a essas questões, trazendo luz para
ajudar nossa caminhada como educadores.

Quero citar nomes de autores como PIAGET, VYGOTSKY, AUSUBEL,


BRUNER, WALLON, BAKTIN, WINNICOTT, entre outros que delineiam nossa
trajetória educacional, tornando-a mais precisa e promissora. Falaremos
também das recentes descobertas da Neurolinguística. A cada dia, novos
desafios e novas luzes no fim do túnel! Esta é a mágica da vida. Que tenhamos
flexibilidade, coragem e capacidade de trilharmos nossos dias sendo sempre
um ponto de apoio positivo na vida das inúmeras crianças que farão parte da
nossa lida como professores, coordenadores, gestores. Nada impede muito
pelo contrário, que do meio de vocês, despontem novos talentos de
pesquisadores estudiosos que assim como nossos ilustres mestres citados,
tenham a coragem de perceber diferenças e através de aprofundamentos de
estudos, um dia possam lançar novas ideias e propostas de intervenções que
resgatem a alegria que deveria fazer parte da rotina escolar, o que
infelizmente, nem sempre encontramos.

Com relação à Neurolinguística, ramo bastante novo da ciência do


conhecimento humano, existe um capítulo destinado aos meios de percepção
pelos quais, cada ser consegue melhor se comunicar. Existem pessoas que
são mais auditivas, outras mais visuais, outras sinestésicas. Já nascemos
assim, razão pela qual, ficará mais fácil para os professores das crianças,

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ainda que bem pequenas, perceberem e incentivarem a aprendizagem através
do seu próprio canal de percepção, sem descuidar é claro de incentivar os
demais, porque aprendemos e nos desenvolvemos sempre, durante cada
momento de nossas vidas.

Podemos a partir disso descobrir porque tanto criança não vai bem na
escola? Uma classe tem muitos alunos, cada um com seu canal de percepção.
O professor é um só e também tem o seu canal de percepção e expressão.
Quem está “falando a mesma língua” se entende, os demais? Ficam boiando.

Vamos falar um pouco sobre Jean Piaget e seus estudos que nos
mostraram várias fases do desenvolvimento infantil. Os demais autores citados,
aparecerão em nossos próximos textos, valendo a citação para aguçar o poder
de pesquisador que habita dentro de cada professor.

Através dos estudos de Piaget, outra ilustre estudiosa, Emilia Ferreiro,


trouxe uma verdadeira revolução quanto aos conceitos de como a criança
aprende. Com ela tivemos uma verdadeira quebra de paradigmas, pois até
então, a escola se preocupava só em como ensinar e depois de Emilia Ferreiro,
passou a se preocupar com os fenômenos de “como a criança aprende”.

Piaget nos ensina os conceitos de ASSIMILAÇÃO e de ACOMODAÇÃO


que ocorre em cada episódio de nova aprendizagem da criança. Existe um
desequilíbrio natural cujo mecanismo final é contemplado com as novas
descobertas da criança que podem ser definidas como real aprendizagem.
Para a Teoria da Construção do Conhecimento, o ERRO NÃO EXISTE! O erro
seria a hipótese mais próxima do acerto dentro do caminhar da criança quanto
aos conceitos de desequilíbrio do antes, assimilação do agora e a devida
acomodação do novo.

Fico entristecida quando me lembro das crianças que sofreram na mão


dos professores e os” inseparáveis lápis vermelhos” que assinalam os “erros”.

Dá para avaliar a confusão na cabeça da criança? Ele estava


construindo a nova aprendizagem e o professor que na época não sabia como
isto se processava, via só a produção final e colocava o tal do errado em
vermelho. Muita gente desistiu de estudar e teve sua autoestima comprometida
devido ao tal lápis vermelho. Se você não sabe, não sabe também que está
errando! Só sabemos que sabemos mediante uma referência.Quem está
aprendendo, nem sempre tem essa referência.

Pois bem, voltando a Piaget, citamos: Assimilação e Acomodação


referem-se ao processo cognitivo de colocar novos conhecimentos em
esquemas que já existiam na cabeça da criança.

Segundo Piaget, nenhum professor consegue ensinar. É a criança que


mediante as pistas dadas vai elaborando as novas hipóteses dentro do

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esquema de desequilíbrio, assimilação e acomodação citados, chegando aos
mágicos “clicks” das descobertas.

Para viajar no tempo, podemos nos referir à Maiêutica dos gregos que
também nos fala que todo conhecimento é latente no ser humano. Basta que
alguém o traga à Luz (função de parteiro que o professor deve exercer).

A epistemologia genética nos ensina que o indivíduo passa por várias


etapas de desenvolvimento ao longo de sua vida. Dentro do esquema de
mudanças estruturais do pensamento, o desequilibrar, o assimilar e o
acomodar o novo, traz a adaptação da descoberta que dependendo do assunto
ou da fase da vida, vai repetir infinitamente este ciclo.

Estes ciclos ocorrem no desenvolvimento mental do ser humano no


campo do pensamento, da linguagem e da afetividade.

O desenvolvimento cognitivo ocorre através de estágios, isto é: a


natureza e a caracterização da inteligência muda significativamente com o
passar do tempo.

Antes de passarmos para as fases do desenvolvimento da criança que


Piaget nos trouxe, vamos falar um pouco de DAVID AUSUBEL que defende o
aprendizado significativo, onde a motivação faz a diferença na aprendizagem.
Concordamos com ele e com COMENIUS que perceberam que aprendemos
muito mais facilmente se o que deve ser aprendido nos atrai. A busca por um
conhecimento que naturalmente nos atrai gera a motivação. Motivados
aprendemos e sentimos a sensação de prazer e de satisfação que ocorre após
cada nova descoberta.

David Ausubel incentiva esta maneira natural de aprender que se


contrapõe diretamente à chamada aprendizagem mecânica, quando a
motivação para que ela ocorra é algo externo e sem significado. A motivação
deve ser algo interno para que efetivamente ocorra a aprendizagem, caso
contrário, o que acontece quando mecanicamente nos envolvemos com algo, a
sensação de conhecimento é passageira, ou seja, não ocorre verdadeiramente
a aprendizagem. Se a gente esqueceu é porque não aprendeu!

Jerome Bruner defende a aprendizagem por desafios que leva às


descobertas das abordagens voltadas para a solução de problemas. Uma vez
desafiados, os alunos também se sentirão motivados a aprenderem novos
conceitos em busca de melhores soluções.

Seguem agora as descrições das chamadas fases de desenvolvimento


apresentadas por Jean Piaget:

I – Desenvolvimento Sensório Motor – de 0 a 2 anos de idade da criança

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 A inteligência é anterior à fala
 A estimulação do ambiente ajuda o desenvolvimento através da
exploração manual e visual de objetos
 Ações práticas que denotam o desenvolvimento: agarrar, sugar, bater,
chutar.
 Noção de permanência do objeto.

No final desta fase a criança conquista atividades de natureza sensorial e


motora, percebe o ambiente e age sobre ele.

II – Desenvolvimento Pré operatório – de 2 a 7 anos de idade

 Introdução à linguagem
 Pensamento egocêntrico intuitivo e mágico
 Confusão entre aparência e realidade
 Noção de irreversibilidade
 Características do animismo: vida a seres inanimados (interesse por
desenhos animados com personagens irreais)

Nesta fase ocorre o aparecimento da linguagem que vai influenciar o


desenvolvimento intelectual, afetivo e social da criança.

III – Operatório concreto – de 7 a 11 anos de idade

 Em torno dos 7 anos, o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação


torna-se mais estável.
 Maior capacidade de fazer análises lógicas
 Maior compreensão dos termos de relação: maior x menor, alto x baixo,
longe x perto, etc.
 Construção lógica que coincide com a escolarização. A criança
consegue estabelecer relações, admite pontos de vistas diferentes.
Ocorre o declínio do egocentrismo.

IV – Operatório formal – dos 11 anos em diante.

 Desenvolvimento do pensamento dedutivo- complexo


 Desenvolvimento do pensamento abstrato que se processa sem a
necessidade de referências concretas, ou seja, consegue abstrair
criando conceitos e ideias, processo dedutivo.

Em base a estas teorias deduzimos que a Psicologia é uma ciência que nos
apoia no enfrentamento de problemas e situações do dia a dia, entretanto
não podemos esquecer que para toda criança, o natural desenvolvimento
ocorre mediante uma ação correta e necessária tanto da família quanto da
escola. Ambas são primordiais para a manutenção de condições para que a
criança possa se desenvolver em todos os aspectos, sensorial, físico,

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motor, emocional, intelectual garantindo a formação de estruturas que
regerão o futuro adulto como um ser feliz e equilibrado.

BRINCAR É COISA SÉRIA!

Do livro “O brincar e a criança do nascimento aos seis anos” de Vera Barros de


Oliveira (org.) página73, extraímos:

Períodos evolutivos da primeira infância

Do nascimento até os 4 meses de idade: Nesse período o bebê progride no


sentido de iniciar o controle da cabeça e do tronco, como também da
mobilização dos seus membros, além do despontar do sorriso social e das
vocalizações, interagindo assim com os seus, principalmente com a mãe.

Tais progressos são explicados pelos recursos que já possui ao nascer, os


quais vão se desenvolvendo gradualmente, dependendo em grande parte
daqueles com os quais convive. É nesses meses que o bebê começa a
relacionar-se com a mãe. Tenta virar a cabeça para o lado em que a mesma
lhe “fala”. Passa a reagir de maneira diferente perante as situações de conforto
e desconforto. Quanto ao seu desenvolvimento motor, podemos observar que o
bebê vai aos poucos controlando seus movimentos corporais e utilizando suas
mãozinhas, seus dedinhos de forma a indicar o desenvolvimento de sua
motricidade e das primeiras manifestações cognitivas, de sociabilidade, de
afetividade e nos sinais iniciais de verbalização.

Sugestão de brinquedos apropriados para esta fase: Brincar, sorrir, falar com o
bebê enquanto ele estiver no colo. No berço, pendurar móbiles, objetos
coloridos. No bebê conforto, utilizar chocalhos.

Dos quatro aos oito meses de idade: significativo progresso quanto a


mobilidade corporal, nas habilidades manuais, reação a determinadas
situações de rotina, apego a pessoa de quem recebe cuidados. Quanto aos
brinquedos, já consegue segurá-los, chocalhá-los, retirar os que mais lhe
interesse de dentro de uma caixa aberta. Entende a brincadeira de esconde-
esconde quando os objetos são retirados de seu campo de visão para
alegremente aparecerem de volta. Fica envolvido com os brinquedos na hora
do banho

Dos 8 aos 12 meses de idade: Grande desenvolvimento motor, da oralidade,


do entendimento. Rola e engatinha. Começa a ficar em pé, dar os primeiros
passos.

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Seus brinquedos passam a ser o subir em cadeiras, sofás, abrir e fechar portas
dos armários. Retirar as coisas das gavetas. Reconhece figuras. “fala” com
elas.

De 1 a 2 anos de idade: A criança conquista ampla mobilidade corporal. Maior


precisão em pinçar coisas menores. Rasga papel, etc. Socializa-se nos
ambientes externos tais como as escolinhas, casa dos demais cuidadores,
manifesta prazer ou não nas situações novas.

Algumas sugestões de brinquedos que visam estimulação das diversas áreas


de desenvolvimento do bebê:

Para o desenvolvimento físico e motor: Chocalhos, bolas de diferentes


tamanhos, cubos coloridos, brinquedos de encaixar, brinquedos de abrir,
fechar, puxar, empurrar.

Para a área cognitiva: Sininhos, móbiles, lanternas, bonecos, bichinhos, jogos


musicais, aparelhos sonoros.

Para a área da linguagem: Marionetes de boca móvel, discos e gravações de


músicas, histórias, sons de animais, tambores, livrinhos, fotos, espelhos.

Para a área emocional – bonecos e bichinhos, utensílios domésticos, roupas


com bordados, figuras, fotos familiares.

Fazer parte desde mundo infantil resgata a criança que fomos um dia e isto
é muito bom. Essa nossa criança interna deve ser alimentada por todos os dias
de nossa vida. É ela que vai te acalentar, te fazer sorrir, dançar, acreditar na
vida. Quanto mais perto você estiver de sua criança interior, mais fácil para
você será ser um adulto de sucesso! Esse contato com a criança que você foi
um dia, vai ajudar até a entender Piaget e todos os demais grandes amigos
nossos que com seus ensinamentos nos pegam pelas mãos e nos colocam
frente a frente com a fase na qual, a vida tem início.

E nada mais sério do que estarmos frente a frente com as inúmeras


crianças que cruzarem nosso caminho como nossos alunos. Na realidade elas
é que serão sempre os nossos mestres . A criança de hoje com certeza não é
mais a criança que Piaget estudou. Muito menos as que Comenius conheceu.
Quanto às escolas, em muitas a Psicologia ainda não fala alto. A situação da
Educação Infantil ganhou ares evolutivos há muito pouco tempo. Até então o
importante era o cuidar. Alimentar, vestir, prevenir acidentes.

Quando o educar chegou para esta faixa etária, lamento dizer e assumo
integralmente a minha fala com a pergunta: Educar com qual finalidade?

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A criança é normalmente alegre, viva, feliz. Infelizmente muito disso se
perde em ambientes escolares desestimuladores onde o principal é mantê-las
em ordem e de preferência quietas.

Existem ambientes desfavoráveis tanto nas escolas de educação infantil


públicas como nas particulares. Ser professor da Educação Infantil requer
muita paciência, conhecimento, muito amor e uma dose ainda muito maior de
competência pedagógica e psicológica.

ALGUNS TÓPICOS QUE NOS ENSINAM A PERCEBER O QUE É UMA


CRIANÇA:

 ANA TARDOS – ABORDAGEM PIKLER- INSTITUTO PIKLER


FUNDADO POR EMMI PIKLER – EM BUDAPEST – HUNGRIA -
REPRESENTADO NO BRASIL PELA REDE PIKLER BRASIL – COM
UNIDADES EM OUTRAS PARTES DO MUNDO.

 ABORDAGEM PIKLER – LONGE DE SER UM MÉTODO OU UMA


TÉCNICA É UMA CONCEPÇÃO. É UMA POSTURA ÉTICA DO
CUIDAR.

 “O BEBÊ É UM SUJEITO COMPETENTE QUE NECESSITA


VIVENCIAR A LIBERDADE DE MOVIMENTOS OU SEJA, AS
CONQUISTAS MOTORAS SE DÃO DE “DENTRO PARA FORA”
RESPEITANDO SEU TEMPO E SEU RITMO.”

 IMPORTÂNCIA DA FIGURA DE REFERÊNCIA (ALGUÉM PRESENTE,


NÃO NECESSÁRIAMENTE A MÃE)

 CORPO DO BEBÊ É A PORTA DE ACESSO AO RELACIONAMENTO


COM O OUTRO.

 O CORPO DEFINE OS “CONTORNOS” O QUE VEM DE FORA PODE


SER DESEJADO OU TEMIDO: ACONCHEGO DE PESSOAS
CONHECIDAS NÃO OFERECEM PERIGO, DE ESTRANHAS PODEM
AMEDRONTAR A CRIANÇA.

 PRIMEIROS CUIDADOS PODERÃO TER CONSEQUÊNCIAS PARA O


RESTO DA VIDA.

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 ESTE CUIDADO É COMO UM ALEITAMENTO RELACIONAL –
ESTABELECE CONFIANÇA PARA QUANDO O BEBÊ PRECISAR
FICAR SEM O ADULTO POR PERTO

 CONCEITO DE WINICCOTT –“MÃE SUFICIENTEMENTE BOA” A QUE


SABE O MOMENTO DE IR CORTANDO O CORDÃO UMBILICAL
EMOCIONAL PARA QUE A CRIANÇA DESENVOLVA CONFIANÇA E
INDEPENDÊNCIA.

 CONCEITOS DE PIAGET, VYGOSTYK, WALLON

 NASCIMENTO PSIQUICO: A IMPORTÂNCIA DO BANHO, DA


ALIMENTAÇÃO, DO OLHAR, DA VOZ, DA MEDIDA CERTA DE
ESTIMULAÇÃO.

 ‘AINDA” – TOMAR CUIDADO COM OS “AINDA.: O SEU BEBÊ “AINDA”


NÃO SENTA? O MEU JÁ!...

 EXCESSO DE ESTIMULAÇÃO É TÃO PREJUDICIAL QUANTO A


AUSÊNCIA DELA.

 CRIANÇA TEM CURIOSIDADE NATURAL É NECESSÁRIO QUE O


ADULTO SIMPLESMENTE A CERQUE DE SEGURANÇA, O RESTO
ELA DEVERÁ FAZER SOZINHA

 A POLÊMICA DO “CHIQUEIRINHO” O QUE É CONTORNO SEGURO E


O QUE É PRISÃO

 A POLÊMICA DO CHÃO MACIO DEMAIS (PARA QUE AS CRIANÇAS


NÃO SE MACHUQUEM, OS CERCADINHOS SÃO REPLETOS DE
ALMOFADAS. ISSO TRARÁ DIFICULDADES PARA OS PRIMEIROS
PASSOS..

 O DESENVOLVIMENTO SE INICIA PRIMEIRAMENTE:


 COM O BEBÊ E SUAS AUTO DESCOBERTAS – ELE POR ELE
MESMO.

 ELE COM O OLHAR – A PRESENÇA DO OUTRO

 ESTE OUTRO É IMPORTANTE QUE SEJA ALGUÉM DE REFERÊNCIA

 POR ÚLTIMO, COM O AMBIENTE E OS BRINQUEDOS

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 NECESSIDADE DO BRINQUEDO CERTO PARA A ETAPA
CORRESPONDENTE

 NECESSIDADE DE SE OFERECER PARES DE BRINQUEDOS IGUAIS


PARA SE EVITAR DISPUTAS DESNECESSÁRIAS ENQUANTO O
BEBÊ NÃO SOCIALIZA A BRINCADEIRA COM OS DEMAIS

 CHEGOU A FASE DO BRINCAR JUNTO!


QUAL O PAPEL DO ADULTO A PARTIR DESTE MOMENTO?
DEPENDENDO DA FASE DA CRIANÇA, ELA AINDA NÃO TEM SEUS
CONTORNOS DEFINIDOS. NÃO SABE QUEM É ELA E QUEM É O
OUTRO. NÃO SABE QUE O BRINQUEDO VOLTARÁ MESMO QUE O
TENHA EMPRESTADO.
AO ADULTO DA RELAÇÃO CABE IR COLOCANDO LIMITES
OBJETIVOS. SIM É SIM, NÃO É NÃO. O QUE VALE PARA UM DEVE
VALER PARA TODOS.

 QUANDO A CRIANÇA PASSA DOS LIMITES, CRESCE


ACREDITANDO QUE O MUNDO GIRA EM TORNO DELA,
PROVAVELMENTE QUEM A EDUCOU NÃO FOI EDUCADO
ADEQUADAMENTE!

O QUE A ARTE EDUCAÇÃO TERAPIA TEM A VER COM A


EDUCAÇÃO INFANTIL?

Quando a escola tem uma abordagem humanística, sabe que crianças


são seres frágeis que deverão ser cuidados, alimentados, acalentados,
respeitados em cada fase do desenvolvimento e que por saberem de tudo isso,
conscientemente empregam a Arte e a Psicologia que representam o pano de
fundo da proposta pedagógica e do fazer diário da instituição. Crianças
educadas desde cedo nessa proposta, contarão com uma infância onde brincar
na areia pode, pintar com as mãos pode, dançar, cantar, aprender um
instrumento musical pode, bater no coleguinha não pode, quebrar os
brinquedos, arrancar plantas não pode e assim por diante. Valores vivenciados,
valores incorporados. Prognósticos de que serão adultos com maiores chances
de auto conhecimento e de independência.

Através da ludicidade e deixando a criança ser criança, poderemos


observar se ela está feliz ou se algo está causando medo, estresse ou algum
tipo de conflito. Isso aparece nas atividades artísticas. Cabe ao faro que todo
professor tem de saber analisar, intervir e procurar saber o que se passa. Eu

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disse que esse faro todo professor tem, mas cuidado! Muitos tem medo de agir
em busca da real educação da criança, não porque não sabem, mas porque
isso dá trabalho e muitos se escondem atrás das papeladas burocráticas,
apaziguando suas almas com o “não tenho tempo” e são os reais responsáveis
pela educação do país estar do jeito que está e dessa criança virar um adulto
com síndrome do pânico ou dos que se doparão de remédios para aguentar a
vida, com direito a outros desfechos muito mais sinistros.

O ditado diz: cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Sou
vegetariana e portanto sei que caldo de galinha com certeza faz mal para a
galinha! Perdeu a chance de brincar alegre nos quintais! O mesmo pode
acontecer com as crianças. Portanto: Cautela, Arte e Terapia!

PSICOLOGIA DO ADOLESCENTE

A gente está criança e feliz. Meninas geralmente, brincando de


casinha, meninos nas mais diversas e deliciosas brincadeiras. Nos quintais,
nas pátios escolares, nos playgrounds, nas praças, nas ruas, tanto eles quanto
elas, porque hoje os pais já não choram mais se os meninos brincarem de
bonecas e as meninas de mocinho e bandido. Pelo menos, hipoteticamente
está assim. Seria demais garantir que ao vivo e à cores, seja esse o nosso
panorama.” De repente, não mais que de repente”...a menina percebe dois
botões durinhos que insistem em crescer debaixo da pele dos mamilos. Os
meninos engrossam a voz e percebem irritantes penugens no rosto. Daí cada
um olha para o outro de jeito diferente. As antigas brincadeiras não tem mais
graça. Adolescência! Fervem os hormônios, os ânimos, as primeiras paixões. E
a escola? Continua igualzinha. Já nasceu velha. Não sabe das delícias de ser
adolescente.

Se a criança pode ser criança, que felicidade! Tudo indica que


terá direito ao encantado período da adolescência que se bem vivido, fará
nascer um adulto lindo, equilibrado, responsável por si e pelos demais.

Se a criança pulou essa fase, provavelmente não viverá a


adolescência. Amadurecerá feito as frutas dos hortifrutis que sofrem processos
de amadurecimento rápidos em estufas, para garantir lucro rápido. Com o ser
humano não é diferente. A natureza não dá saltos. Cada fase perdida cobrará
em termos de felicidade esse tempo desperdiçado. A fruta com um processo
violento que vai apressar seu amadurecimento poderá sair diretamente do
verde para o podre. O ser humano antes de se deteriorar, sofrerá processos
amargos de falta de identificação, de desajuste, de vontade de voltar no tempo.
Basta olhar para nossos lados que identificaremos homens de quarenta anos
como se fossem irresponsáveis adolescentes e mulheres de cinquenta anos
que insistem em usar o mesmo estilo de roupas das filhas ou netas.

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Não é só a questão de estilo das roupas, afinal, isso poderá ser
inofensivo e o que é lindo em uma cultura é ridículo em outra. Exemplo disso
são os biquines das brasileiras comparados com os das outras praias da
Europa ou dos Estados Unidos. Lá fora entretanto, usar só a parte debaixo dos
biquines é normal, no Brasil, só nas praias reservadas ao Naturismo. Enfim,
vamos voltar ao ser humano nu e cru!

Com roupa ou sem roupa, nosso corpo revela o que nossa alma
sente. Em se tratando do período da adolescência, então, bota corpo e bota
alma nisso! Tudo é muito exagerado nessa transição. Quando um bichinho
nasce, depois do desmame, a vida corre linda e solta. Um bicho adolescente
segue seus instintos e pronto é vida que segue. Com o ser humano é muito
mais complicado! A criança nasce e vai se tornando gente modulada pelos que
estão à sua volta. Na adolescência muita coisa já foi construída ou destruída,
dependendo da sorte de cada um. Daí,” de repente, não mais que de repente”
ela vai virar gente grande.

SONETO DE SEPARAÇÃO
Inglaterra , 1938

De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma


E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante


Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938

Nosso grande Vinícius de Moraes, com a poesia linda que como tudo em minha
vida que chamo de intuição, aparece tamborilando em meus sentidos e é só segui-los que
“de repente, não mais que de repente”, tudo faz sentido!

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Diferentemente da criança que foi conduzida, agora ela deve escolher
caminhos. Escolhas são momentos difíceis para todo mundo, imaginem para
um ser que geralmente ainda não sabe o que vai ser quando crescer.

Sempre faço com meus alunos o exercício de pegarem no colo a criança


que foram um dia. Acho que preciso fazer isso também com o adolescente que
já foram. Talvez isso encurtaria muito caminho no que se refere à compreensão
das coisas da vida.

O adulto trata o adolescente como criança nas horas que lhe convém e
exige atitudes de adulto, quando o adolescente ainda sente que é criança. Vai
entender! Ainda bem que para isso temos a Psicologia para nos ajuda!

A Arte e a Psicologia são entidades íntimas. A Psicologia se vale da Arte


para a revelação do mundo interno de cada um e a Arte traz à superfície tudo
aquilo que ferve lá dentro.

Assim como o Frevo pernambucano, cujo nome vem de ferver, contribui


artisticamente para a humanidade, em uma expressão popular única e
lindíssima, todos os outros gêneros e linguagens artísticas afloram sempre do
cantinho mais reservado, escondido da alma humana, para que “de repente,
não mais que de repente” nascer e se fazer presente em forma de Arte que
pode encantar, assustar, chocar, acalentar. Para a Arte só não existe o verbo
calar.

O ser humano se expressa através da Arte de acordo com o seu canal


de percepção ou expressão já mencionado nas linhas anteriores. Ai de mim se
não tivesse substituído o teclado do piano pelo do computador. Amo escrever.
Como pianista, fracasso certo, tanto que depois de estudar piano por nove
anos, digito rápido e lindamente usando só dois dedos. No piano hoje eu só
tocaria o Samba de uma nota só e provavelmente, erraria, da mesma forma
quando ao dançar sozinha, piso no meu próprio pé! Acreditem. É sério! Mas
escrever, eu AMO!

O adolescente vai sofrendo mudanças muito rápidas em seu corpo. Isso


o assusta. Ele tenta se esconder, mas não consegue. A barba cresce todo dia
e os seios idem. Os hormônios explodem. O desejo sexual desperta. Hora do
primeiro amor. Que ventura ou que desgraça! Só essa ultima frase daria vários
livros. Assisti nessa semana o filme “Vida invisível” Assistam! Maravilhoso!
Vários artistas com um desempenho espetacular e no final, Fernanda
Montenegro! É lindo. Não vou contar o filme para não perder a graça, mas vou
falar do tema que ele aborda. Inicia a história em plenos anos 50 que eu vivi.
Durante minha adolescência ninguém explicava o que era o sexo, mas soube
de algumas amigas minhas que foram postas grávidas para fora de casa,
porque engravidar antes do casamento era uma vergonha para os pais.
Algumas tiveram a sorte do autor da proeza não se escafeder e posso dizer

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que esses casais deram origem a uma família linda. Talvez a cumplicidade da
entrega tenha sido mais forte para sustentar toda crise de se iniciar um
relacionamento já a três, muitas vezes sem condições financeiras e tudo o mais
que esse conflito desencadeia.Final feliz para uns, drama mexicano para
outros.

Aceleradamente os anos cinquenta ficaram para traz e hoje em 2020 os


pais sentem-se frustrados e perguntando aonde foi que eu errei, se a filha
mantiver a virgindade por muito tempo.

Então entre sexo, drogas e rock and roll, entra a Arte Educação e
Terapia! A adolescência com certeza será um período de transição que deixará
saudades se os dons dos adolescentes forem despertados, incentivados,
direcionados. É muito comum o adolescente ser um desenhista maravilhoso ou
um cantor promissor ou um dançarino de primeira ou um ator de teatro que nos
faça rir ou chorar.

Através das expressões artísticas valorizadas os adolescentes sentirão


um profundo auto respeito e isso ocupará suas horas, seus dias. Todos os
ímpetos hormonais estarão sendo canalizados para fazer com que a Arte
nasça, cresça e se desenvolva com eles, como companheira fiel e infalível.
Atenuando os momentos de crises existenciais, transbordando em criatividade
tudo o que seria embotado pelas drogas. Quantos amores eternos surgirão e
morrerão na próxima semana. O adolescente artista transforma isso em poesia.
Talvez o que não tenha recebido esse apoio, aquele cuja expressão artística foi
considerada pelo adulto como “tempo perdido”, procurará outras formas para
extravasar a emoção.Caminhos sem volta. A Arte poderá levar o adolescente
para a descoberta de inúmeras profissões que não vivem sem ela.As drogas,
não preciso dizer nada sobre.

É comum em cada página do caderno da matéria chata, encontrarmos


muita obra de Arte desperdiçada!

Todos os conflitos pelos quais os adolescentes terão que passar irão


aos poucos definindo o adulto que ele vai ser. Se pais e educadores estiverem
por perto e estimularem os dons artísticos que afloram nas mais variadas
linguagens, conflitos serão transformados em lindas oportunidade de
descobertas e de crescimento.

Melhor lidar com essa veia artística enquanto o jovem estiver


atravessando aquela fase em que o nariz fica maior que o rosto e as espinhas
enlouquecem as meninas. Colocando um foco de luz nas habilidades que a
Arte aflora, o nariz toma seu espaço natural e as espinhas somem no tempo
certo. Gostaria que nessa fase mágica da vida, assim fossem encaradas a Arte
e a Educação.

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Se assim não for, que pelo menos as Terapias possam ajudar para os
que extrapolaram os conflitos, os que perderam o encanto pela vida, os que se
perderam em caminhos tristes. Nessas horas, os terapeutas terão muito mais
trabalho para que esses seres possam fazer algum tipo de Arte. Será com
certeza através dos desenhos, da poesia, das expressões corporais e do teatro
que eles serão resgatados.

Antes que isso seja necessário, pais e professores, deixem que os


adolescentes pintem de roxo as paredes de seus quartos, que usem um tênis
de cada cor, que rasguem a camiseta cara, que se expressem com liberdade e
criatividade. Talentos nascerão talvez para a vida toda e para os que não se
envolverem com a Arte como algo natural ou como tábua de salvação, tudo
passará. Nem todo adolescente será um Vinícius de Moraes ou um Pablo
Picasso. Mas ele tem o direito de experimentar cores e sons à vontade. Senão
talvez ele queira experimentar outras coisas.

MUNDO DE GENTE GRANDE

A adolescência passou. Geralmente rápido demais. Ou os pais, ou a


escola ou a vida se puseram no meio do caminho e nós não conseguimos fazer
tudo o que gostaríamos de ter feito e, novamente “de repente, não mais que de
repetente”, somos gente grande.

Chegamos a idade adulta, cada qual com sua bagagem. Somos o


produto da criança e do adolescente que fomos. Sorte de quem pode ser
criança. Sorte de quem curtiu adoidado os bons tempos da adolescência. A
porta que se abriu agora em nossas vidas parece estar ficando cada vez mais
estreita. Temos que atravessar por montanhas de papeis que deveremos
assumir. Cada qual com seu nível próprio de exigências e compromissos.
Seremos mães ou pais, seremos patrões ou empregados, seremos católicos ou
protestantes, seremos ricos ou pobres, seremos felizes ou infelizes. Para
sempre? Nem sempre.

A mágica da vida coloca à nossa disposição um grande trunfo: o poder


das escolhas. Mas aí é que a porca torce o rabo. Seremos o produto de nossas
escolhas. Poderemos mudar nossos papéis tantas e quantas vezes
desejarmos. Entretanto pagamos um preço por isso. Nem todas as mudanças
ocorrem calmamente. O nível de estresse que as decisões carregam embutido
é tão forte que muitas pessoas preferem ficar infelizes, mas acomodadas no “a
vida é assim mesmo” do que romper a casca do ovo em que se enfiaram e
aflorarem para uma nova vida. Nascer, renascer ou estagnar e morrer.

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Como adultos, em muitas situações será a nossa criança interior ou o
adolescente que fomos que virá nos salvar, principalmente se foram crianças e
adolescentes saudáveis que tiveram o direito de curtir essas fases.

Quando isso não ocorre, buscamos apoio e sustentação externa. O que


também custa bem caro. Ficarmos nos apoiando em pessoas, em expectativas,
em modelos pré fabricados de felicidade geralmente nos faz embarcar em
barcos furados. Desempenharmos um papel para o qual não estamos
preparados é o mesmo que acontece quando o ator sobe ao palco e não sabe
por que está ali. Por mais esforços que possamos fazer para desempenhar um
papel que não deveria ser o nosso, o resultado terá um sabor de: o que é que
eu estou fazendo aqui?

Assim como a infância e a adolescência parecem passar muito rápido,


também a nossa fase adulta repete a receita. Só que nessa fase as cobranças
nossas e a dos outros são muito maiores. Cada decisão errada pode levar a
uns dez anos de estrada que não voltarão mais. Seremos sempre diferentes
quando estivermos com vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos. Por sorte,
devido aos avanços da medicina, a expectativa de nossa vida está otimista.
Poderemos chegar aos cem anos. Mas o que faremos enquanto estivermos
trilhando esses anos todos?

Seria maravilhoso se eu tivesse a resposta!

Enquanto isso não acontece, respostas, bulas, manuais, goggle maps


que orientem a trajetória de nossas vidas, acredito que posso ajudar com um
simples toque: Lembrando de que devemos apertar um botãozinho imaginário
que todos temos: o da nossa intuição.

Esse botão, ao mesmo tempo em que percebo em mim, marcado pelo


uso constante, sabe como as teclas que mais usamos para acionar o controle
remoto da T.V ou a de ligar o micro-ondas? Às vezes já estão gastas de tanto
uso, mas funcionam! Assim deve estar o botão da minha intuição. Mas não
falha nunca. A cada nova oportunidade de enfrentar as encruzilhadas que a
vida nos traz, não assumo nenhuma decisão antes de acioná-lo. E a resposta
nunca falhou. Teve um tempo que eu acionava meu botão e ele
automaticamente me mostrava a rota a seguir. A falta de maturidade fazia com
que eu interferisse, agregando palpites de toda ordem: Afinal, as opiniões
externas importavam. Afinal o que será que vão pensar? Afinal que garantias
eu tenho se seguir o que estou sendo intuída? E a partir dos resultados obtidos
em todas as vezes que sabotei minha natureza, quando geralmente paguei
caro por isso, percebi que besteira estava fazendo. Foi só voltar para mim
mesma e depois disso, magicamente parece que uma fada boa anda atrás de
mim, com sua varinha mágica, abrindo portas e mais portas. Quando elas não
abrem, já aprendi a esperar. Bastam minutos para eu perceber o porquê não

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foram abertas. Parei de brigar com a vida. Afinal, a gente põe e Deus dispõe.
Tudo tem seu tempo. Na sincronicidade e na organização sistêmica da vida,
vale a velha frase: Nada acontece por acaso. Ela é extremamente verdadeira.
Quando sairmos da nossa arrogância de acharmos que sabemos tudo e
recebermos da própria vida os sinais de bem-aventurança que é parte
intrínseca dela, perceberemos essa magia.

Como se faz isso? O único jeito que conheço é através da Arte. Para
mim, Arte, intuição, processo criativo, chama, chamamento, inspiração, sentido
de plenitude, direito às coisas boas, alegria, felicidade, satisfação pessoal,
sucesso, fartura, abundância, energia, realização positiva, vem tudo do mesmo
lugar, da mesma fonte. Está na nossa matriz. Essa matriz, como o nome
sugere, é única. É autêntica. É verdadeira. Está na origem de tudo e o melhor:
é só nossa! Não existe ninguém que não tenha a sua própria matriz. O uso que
fazemos dela é o que faz a diferença.

Na maioria das pessoas percebo essa matriz “matizada” pelas cores,


sabores, odores e vontades dos “outros”. Matrizes desbotadas,
descaracterizadas, moribundas.

Quando a pessoa chega nesse estado, não sabe mais quem é, porque
nasceu ,e nem o que está fazendo aqui. Torna-se o chato de galocha que se
pendura feito vampiro na energia alheia. Que só faz reclamar, chorar, implorar
afeto. Quando alguma alma boa tenta socorrer, como alerta Osho,meu grande
inspirador oriental, acaba correndo o risco de se afogar junto nesse mar de
lamentações. Tem situações em que as pessoas se colocam que fica
realmente difícil de serem ajudadas. É como um precipício ou uma bola de
neve. Começa com o mal humor, caminha pela má vontade, envereda pela
dificuldade em dormir, come mal ou come muito, busca socorro nos remédios,
nas bebidas, no cigarro e segue muitas vezes por caminhos sem volta.

Se tiverem sorte, serão encaminhadas para atendimentos por


profissionais da psicologia, da psicanálise ou até da psiquiatria. Todos esses
tratamentos ou abordagens não são instantâneos e nem milagrosos. As vezes
são necessários muitos anos de investigações e terapias até que se consiga
desfazer o nó que foi dado lá atrás, na maioria das vezes, de forma
inconsciente o que torna o trabalho do profissional muito mais difícil. O pior é
que o caminho de volta à saúde, á alegria e à felicidade só pode ser construído
pelo próprio ser que deverá aprender a fazer isso com as dicas que o
profissional estará mapeando. Não existe para esses casos, receitas prontas.
Não é como ir ao médico com dor de barriga e receber a receita de um remédio
certeiro. Quando a dor é na alma, às vezes são necessários remédios para o
corpo também e daí a situação pode se agravar muito. Todo medicamento tem
suas contra indicações. Nem sempre a dose para uma pessoa pode ser
recomendada para outra. É muito triste lidar com crianças, adolescentes ou

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adultos que precisam ser medicados para curar suas feridas emocionais e
percebermos que eles ficam dependentes dos remédios ou ficam alucinados
ou dopados, enfim sem nenhum brilho no olhar. Quanta energia e tempo de
vida que podem significar o aborto desse ser humano. Triste.

Sinto demais ter que admitir que muita coisa foge de nossa vontade de
que as coisas não deveriam ser assim. Seria maravilhoso o nascer, crescer,
plantar uma árvore, escrever um livro, ter filhos e morrer em paz. Isso não é
para todo mundo.

Vou chegando nos finalmente das razões que me levaram a fazer esses
registro.

Como já disse, ser humano, caixinha de surpresas, cada qual com suas
escolhas e seu destino. #.com.

A única coisa que posso dizer, afirmar, proclamar, jurar de pé junto é


que através da Arte tudo fica mais fácil.

Vai ficar mais fácil para a criança livre rabiscando paredes, cantando,
dançando, imitando, crescendo forte e feliz.

Vai ficar mais fácil para o adolescente rebelde sem causa, quando puder
compor suas músicas, tocar sua guitarra, dançar seus ritmos alucinantes, criar
arte digital, grafites e quando começar a pichar é porque não encontrou
ninguém para conversar., se abrir e poder descobrir-se enquanto ser humano
importante para si mesmo ou para alguém.

Se essas fases forem puladas, ainda dará tempo do adulto se auto


descobrir através das produções artísticas. Conheci muita gente que tinha
talentos internos soterrados e que a Arte conseguiu transformar em força para
viver.

A EDUCAÇÃO, A ARTE E A TERAPIA

Acredito que a EDUCAÇÃO é a porta de entrada. Educação para o


melhor que cada um pode ser. Para o respeito às diferenças, às maravilhas
das especificidades e dos talentos naturais. Educar através de projetos
significativos. Descontaminar a crença de que a escola é a única fonte de
sabedoria. Existem muitos sábios, filósofos famosos, que felizmente nunca
foram à escola. Talvez ela teria feito deles gente comum e infeliz. Educar sem
ludicidade, sem a Arte de sentir, viver e expressar a vida é porta certa para
tudo que vier de ruim depois. A chatice, a mesmice, o fazer por fazer, o deixar
de fazer, o de abandonar, o de abortar projetos, o desencanto, o desalento, a

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preguiça, a má vontade, a violência, a apatia, a anorexia, a obesidade, o
fanatismo religioso, o abuso do álcool, o sexo sem prazer ou responsabilidade,
a vida insossa, trabalhar demais ou de menos, a vulgaridade, a falta de
empatia, a busca frenética por uma razão de viver ou de um significado para a
própria vida.

Coisas que lápis colorido, tinta na cara e nos cabelos, castelos de areia,
cantigas de roda, rodas de conversa, contação de histórias, coreografias,
peças teatrais, grupos de pagode, de danças folclóricas, de orquestra de
violões, fotografias, arte digital, poesia, grafite, projetos de voluntariado, ajuda
a animais abandonados, preservação da natureza, ecologia na prática e ouso
dizer, palpitar, por que não? Incentivo ao vegetarianismo. Grupos organizados
para enfeitar os postes cinzas da selva de pedra, festivais de música ao por do
sol na praça em frente a escola, desfiles temáticos pelo bairro, chá das avós e
das mães nas escolas ao invés das catastróficas reuniões de pais, reunião dos
pais que saibam fazer algum tipo de Arte para dar vida à escola: carpintaria,
jardinagem, murais, mosaicos. FAMÍLIA NA ESCOLA, EDUCAÇÃO PARA A
PAZ!

Atualmente, de uma forma, tímida, torta, improvisada, mesmo dessas


maneiras, a ARTE aparece no dia a dia escolar. São os trabalhinhos escolares,
são as aulas com figuras coloridas, são os filmes educativos, são os ensaios
para os “grandes dias de mostrar serviço”.

Que pena. Só desse jeito. Ninguém consegue perceber o tal botãozinho


mágico da intuição que está intrinsecamente ligado à Arte. Ninguém respira
Arte. Ninguém a percebe na magia do nascer ou do por do sol, na fala poética
do transeunte, no cantarolar do bebê, nas criações dos adolescentes.e no
filosofar dos adultos. Ninguém vê no idoso a soma dos anos revestidos da mais
pura e resiliente obra de arte. Ela está presente em toda publicidade, em toda
capa de livro, em cada cadeira, em cada copo, em cada prato de comida, em
cada fila das hortaliças ou das flores nas fazendas. A Arte de plantar, de colher,
de falar, de ouvir, de ver, de andar, de se colocar, de sentir. A Arte do encontro,
da comunhão, do bem querer. A Arte da expressão livre. A Arte que não admite
censura. A Arte que grita por liberdade, pela garantias dos direitos, que
consegue enfrentar a ditadura. A Arte que se fez voz, de uma forma tão doce e
perfeita, mas que dava recados dos horrores dos anos de chumbo. Arte
extremista que surge quando nada mais faz sentido.

Que não seja mais assim. Que ARTE e INTUIÇÃO se movimente tanto
dentro de você que te faça partejar a cada dia um novo ser. Cada vez mais
autêntico, mais forte e mais feliz.

Quando nada disso for feito e os estragos aparecerem, ainda restam as


TERAPIAS ARTÍSTICAS. Elas vão ajudar a parir uma nova maneira de

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encarar a vida. Tentativas válidas na reconstrução de nossa trajetória em
busca de nós mesmos. Enfim, “Tudo vale a pena quando a alma não é
pequena” grande Pessoa! Só o Fernando não daria conta de tantos recados de
alma para alma, talvez por essa razão, às vezes fala por ele Alberto Caeiro,
Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

A Arte faz isso com a gente. Nos multiplica. A busca pela comunicação
daquilo que importa tem que fazer acrobacias. A intuição abre essas portas.
Podem ter certeza. Se o motivo é importante, a porta se abrirá com a chave
mágica que sairá do além, em forma de dança, de literatura, de pinturas ou da
música. A esperança é que a Arte salve, antes que as terapias tenham que
fazer isso à força. Antes que a vida se despeça dos corpos. Antes que a chama
se apague. Antes que os olhos se fechem ou antes que o último suspiro
aconteça, vamos exercitar a grande magia da ARTE DE VIVER!

“Em caso de dúvidas, escute o seu coração” OSHO

AGRADECIMENTOS

A todos meus mestres citados durante minha escrita. Nunca utilizei uma frase
que não fosse minha, sem reverenciar aquele que me inspirou. Acredito que
essa reverência me faz melhor do que ter que citá-los em forma de referencias
bibliográficas que exigem que eu aperte as teclas “Control C e Control V” e me
enchem de tédio quando tenho que ler tudo que as normas cultas recomendam
como instrução. Não acredito em instrução. Acredito em construção prazerosa
do conhecimento. Isso para mim não se dá, quando estou lendo um texto
importante e o curso das minhas reflexões tem que ser interrompidas pelas
citações hermeticamente ajustadas às normas da ABNT. Elas cortam meu
pensamento igual às propagandas comerciais que aparecem cortando os
filmes encantadores que estamos assistindo.

Não sei se publicarei esse texto ou de que forma farei isso. Minha intenção é
deixá-lo como folhas soltas que distribuídas aleatoriamente seguirão os
impulsos dos ventos para que caiam na hora certa, nas mãos certas..Estou
buscando dentro dos modernos meios de divulgação, uma forma pela qual eu
possa fazer isso com a mesma alegria, prazer e desprendimento que sinto ao
escrever.

Continuando meus agradecimentos, dirijo-me aos meus alunos, meus mais


queridos e verdadeiros mestres. Com eles sou o que sou e sou feliz do jeito
que sou.

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Um dia uma aluna me disse: “Quando leio teus textos eu aprendo
tranquilamente porque parece que estou escutando sua voz.” E em outra
ocasião, daquelas que nos ensinam e das quais a gente não mais se esquece,
um aluno, após ler um texto meu, chegou pertinho da minha mesa e disse:
“Professora, adorei seu texto, você não vai publicar tudo que escreve?”
Respondi que nunca havia pensado nisso. Afinal publicar , exige até as
normas da ABNT das quais tenho alergia, e ele continuou;” Então você vai
morrer e tudo que você escreveu vai ficar perdido?” PERDIDO?

Isso não, mestres queridos. Que a vida de educadores possa ser tão feliz para
vocês quanto está sendo para mim, então, vale esse textão de 58 páginas que
socializo com vocês para que juntos essa TRAVESSIA possa valer a pena!

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