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Sônia Maria Ferreira de souza

soniasouza3@terra.com.br
HP07816191176724

Octávio Nassur
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
HP07816191176724

Octávio Nassur
Agradecimentos
São inúmeras as pessoas que fizeram parte desta composição
de saberes. Uns envolvidos com dança; outros, com ginástica.
Uns com a música e outros apenas estimulando a criatividade
nos mais madrugueiros cafés. Não existem critérios para
numerar a importância de cada um, visto que a soma de todos
é que torna esse livro uma unidade, mas preciso retribuir o
Sônia Maria Ferreira de souza
carinho e atenção de alguns que vão representar outros em
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suas instâncias.
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Ao Rhony Ferreira, iniciador de tudo. “Amigão, sempre vou
querer ser você quando crescer! Obrigado por tudo”.
Aos grupos da Família Heart, que desde o Júnior até o Beat, me
deram as maiores alegrias e ensinamentos da vida.
“Meninas, somos feitos de nossas lembranças.
Obrigado por comporem em mim a parte mais linda.
Tatuagens são para sempre”.
Ao Heart Company, que me apresentou os extremos.
“Obrigado pela deliciosa aventura de vivenciar o único, de se
tornar a experiência mais intensa, de construir as conexões
mais importantes, as gargalhadas mais altas e os choros mais
úmidos. Vocês serão para sempre o que pulsa em mim”.
Ao Airton Rodrigues, Thiago Nascimento, Carlinhos de Jesus, Rodrigo Negri, Ray
Fernandes, Renata Furtado “Queridos, Santos, Priscila Yokoi, Luiz Arrieta, Ivonice Satiê,
minha admiração, crescimento Cristina Helena, Edy Wilson, Ady Addor, Andrea
pessoal e profissional com vocês ficou Tomioka. “Sei que devo estar cometendo a gafe de
marcado pelos intermináveis cafés esquecer alguém próximo, mas independentemente
nas madrugadas e ideias impossíveis. de nomes, dos que ainda são presentes aos que já
Ainda tenho tudo anotado! Obrigado nos deixaram, agradeço o crédito e o conhecimento
pelo crédito, parceria e amizade”. partilhado em algum dos eventos em que
trabalhamos juntos no Brasil. Vocês representam a
A Cristiane Wosniak, que, desde o
dança, me inspiram e fazem parte disso tudo”.
início da busca pelo saber, se fez
presente, atuante e disposta a ajudar. A uma pessoa que desafiou o calado, instigou o
“Cris, você não é apenas detentora
Sônia Mariaconhecimento
Ferreira ede acreditou
souza que relógio tem mais
de uma propriedade fantástica de que 28h por dia. Ela se ofereceu para transformar o
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semear o saber, mas uma referência vídeo em cores diagramadas, o áudio em texto, as
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importantíssima na dança para todos teclas do teclado em gramaturas e texturas. Com
nós. Obrigado por me permitir e uma refinada paciência, me deu tempo para refletir
estimular alçar voos mais altos”. e transcrever as relações de sabores de minha
vida para este manual de desmedidas. “Bruna, não
A Marcelo Cirino, Roseli Rodrigues,
apenas pelas recordações que me trouxe, mas pela
Carlota Portela, Toshie Kobayashi,
oportunidade de poder compartilhar um pouco deste
Ricardo Scheir, Caio Nunes, Cristina
caminho. Entro em uma nova fase e gostaria que
Cará, Erika Novachi, Jhean Alex,
soubesse que foi uma das grandes responsáveis por
Augusto, Beto Vasconcelos, Wanderley
isso. Obrigado pelo crédito e desafio”.
Lopes, Tíndaro Silvano, Jorge Teixeira,
Bia Matar, Steven Harper, Oswald
Berry, Fly, Carlos Nunes, Eva Schul,
Tânia Agra, Janaína Jorge, Eduardo
Menezes, Caminha, Luciana Paludo,
Carlos Moraes, Jair Moraes, Vera
Bublitz, Ismael Guiser, Mário
Dedicatória
Este livro é dedicado: Obrigado ao meu pai por ser
analítico; à minha mãe, por ser
Aos que fazem e aos que me apoiaram a fazer.
intuitiva; à minha irmã, por
O primeiro remete aos artistas em geral. Ao ser torcedora e à minha filha,
bailarino, ao professor, ao coreógrafo, ao dono Sofia, que é o motivo de toda
da escola de dan- ça que, mesmo frente à falta inspiração a cada manhã; ela me
de apoio e incentivo do governo,
Sôniadefiniram
Maria queFerreira de souza
instiga, questiona, incentiva e é
esse é o seu trabalho, é o seu fardo e assumiram
soniasouza3@terra.com.br a grande responsável por cada
essa delicada e importante tarefa com muita minuto dedicado à reedição
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responsabilidade. Adoro viajar pelo Brasil, para as deste livro; desperta todos
mais longínquas distâncias e conhecer pessoas os meus canais de percepção
que, embora sozinhas, fazem parte deste grande quando brinca; me apaixona a
coro silencioso da dança. Continuem gritando, cada movimento; me emociona a
ou melhor, movendo-se e possibilitem mais e cada olhar; e é com quem quero
mais pessoas a sen- tirem o prazer que é dançar! experimentar os mais diversos
O segundo diz respeito às pessoas que nunca sabores do mundo.
me dei- xaram encontrar a solidão e, mesmo Só posso dizer que sou um
ausentes, me com- pletavam e me confortavam. homem afortunado por, de olhos
Ofertaram seus ombros e colos sem a fechados, poder contar com
expectativa de algo em troca durante a chuva; vocês. Obrigado por tudo.
comemoraram da forma mais pura e sincera
Para estes digo: “Diante da
du- rante sol. Aqueles que são insubstituíveis,
imensidão do espaço e da
que cabem em uma ou duas mãos no máximo,
vastidão do tempo, é um prazer e
e você percebe ser afortunado pelo simples fato
honra compartilhar uma mesma
delas fazerem parte de sua vida:
época e mundo com vocês”.
Minha Família.
Sumário
Introdução
Capítulo 1
o que servir – pensamento pré-coreográfico

Jantar natalino na Vovó – Como agradar a todos


Batendo as panelas – O começo de tudo

Capítulo 2
a cozinha e seus utensílios – palco e seus elementos

Cambuquinhas de 100gr – Os ingredientes


Sônia Maria Ferreira de souza
Capítulo 3
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a colher – criatividade
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Todo dia é dia de feira – Trabalhando a memória
Uma receita, vários pratos – Pensamento convergente e
divergente

Capítulo 4
os ingredientes – elementos da dança

Laban e seus elementos

Capítulo 5
o sabor – variação de dinâmicas

Desmedindo as quantidades – Descentralização espacial


Capítulo 6
a ordem dos pratos – estrofes musicais

Entrada - Introdução coreográfica


Prato Principal – Desenvolvimento da proposta
Sobremesa – A expectativa

Capítulo 7
controlando a temperatura do forno –

Sônia entradas
Maria eFerreira
saídas
de souza
Arrumando o prato
soniasouza3@terra.com.br– Leitura ocidental
Decorando a mesa – Leitura de imagem
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Capítulo 8
colocando a mesa – preparando o ambiente

Capítulo 9
hora de comer – desliguem seus celulares,
vai começar

Bibliografia
Sobre o autor
Durante alguns deliciosos anos, dediquei minha vida a ensinar
dança, unir pessoas em grupos e coreografar. Trabalhei em di-
versas escolas e também tive o meu próprio Studio. Assumi po-
sicionamentos diferentes para a época, como grupos femininos
quando só se viam masculinos, interpretações de músicas mui-
to lentas quando só se ouviam as muito rápidas e coordenar 35
bailarinas (Street Heartbeat) em viagens por todo o país e par-
tes do mundo quando eu tinha 18 anos. Estudei música, enge-
nharia da computação, educação física e marketing, mas nada
se compara ao projeto – “Heart Company” – onde 16 bailarinos

Introdução
Sônia Maria Ferreira de souza
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vindos de todas as partes do país moraram por 18 meses dentro


da minha escola de dança em busca de um sonho; e eu mes-
mo morei junto com eles por 7 meses. Diante de tudo o que fiz,
afirmo que esse verdadeiro Reality Show foi uma grande lição
e a experiência mais intensa que já vivi. Foi ali que entendi que
conhecimento não é o que a gente sabe, mas como aplicar o que
a gente sabe. E eu me aproprio ainda da frase de Immanuel Kant
– filósofo – que tem me acompanhado dia a dia: "Avalia-se a inte-
ligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele
é capaz de suportar".
Eu realmente não tenho dúvida de que todos que passaram por
ali, de alguma maneira, deixaram e levaram lembranças impor-
tantes para toda a vida. É essa relação humana que hoje me traz
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aqui – o simples tempero da vida!
“Avalia-se a inteligência de um
indivíduo pela quantidade de
incertezas que ele é capaz de suportar”.
Entender o comportamento humano e aceitar que nunca va-
mos conseguir predizê-lo com exatidão sempre me despertou
muito interesse. Meu trabalho com a dança evoluiu para uma
relação diferente, a de entender o mundo e as pessoas. Ensinar
a pensar pela arte, ajudar a encontrar respostas e, por vezes,
fortalecer as dúvidas me faziam acreditar cada vez mais que
eu não estava trabalhando apenas com a plástica, mas com o
que eu considero
Sônia Mariao Ferreira
tempero principal desse banquete, as emo-
de souza
ções.soniasouza3@terra.com.br
O bailarino e seus anseios, a música e sua intenção, a vida
real e o personagem que muitas vezes interpretamos no pal-
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co... tudo sempre foi motivo de estudo a partir da ideia de que
nunca deixamos de ser nós mesmos, em nenhum momento.
E isso faz com que aqueles 3, 5 ou 45 minutos de apresentação se
tornem únicos. Eu posso estar bem em um dia e ser um príncipe
mas, no dia seguinte, posso receber uma notícia que descontrua
meu controle emocional e não ter rendimento algum.
Entender que cada bailarino é um instrumento em uma or-
questra e, para uma grande sinfonia, é preciso saber como
se extrai o melhor som de cada um. Esse é nosso primeiro
e mais básico ingrediente – a sensibilidade. Como cada bailarino
Nossas performances só tem relação com aquele fragmento de tempo.
respira, de que forma ele se move, qual a sua velocidade quando
anda. Quanta energia ele aplica para dar um simples “oi”, para
falar, para correr. Que música gosta de ouvir, qual seu estilo de

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roupa fora da sala... tudo isso é avaliado para Dizer a coisa certa
descobrir quem realmente produz que “tipo de à pessoa certa no
som”. Partindo desse princípio humano, temos, momento certo.
então, como ir para a cozinha cênica trabalhar Descobrir aquilo que
as melhores combinações entre os sabores e a Nasa, em Houston,
dissabores da vida.
chama de uma “Janela
Estar compartilhando histórias nesse livro é do Espaço”. Ela se
apenas o resultado de informações colhidas baseia no conceito
durante toda e qualquer experiência que tive de que a comunicação
até esse momento. Quando falo “esse mo- somente pode ocorrer
mento” refiro-me exatamente ao “ponto final” no tempo certo e nas
desta frase, pois aceito o processo evolutivo
circunstâncias certas.
da vida e, quem sabe,Sônia
quandoMaria
eu chegar ao
Ferreira de souza
último capítulo, minha relação com o mundo já seja outra e "Posicionamento"
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minhas conclusões também. Mas também compreendo que La Ries – Jack Trout
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crenças e princípios fazem o homem, e que toda fruta sem-
pre cai perto da sua árvore. Por isso, sempre olho para trás
e revejo quem fui e de onde vim, o que minha família significa
para mim e no que eu sempre acreditei. Hoje, antes de entrar
em uma sala de aula e coreografar, defino que existem passos
importantes que devem preceder ao movimento em si, e um
deles é saber quem realmente é o elenco fora da sala de aula,
despido da técnica... qual é o verdadeiro sabor de cada um.
A partir daí, todos os outros processos, que vamos aplicar
durante o livro, serão ingredientes para ressaltar esses sabo-
res e experimentar quais as possibilidades de combinações.

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Dona Emília, minha avó por parte de pai, teve 10 filhos. Nasceu em
Uraí, uma cidade pequena no norte do Paraná onde reside até hoje.
Já escreveu alguns livros sobre a cidade, a sua história e, consequen-
temente, a minha também. Sempre que posso, vou até lá dar um
alô na época do Natal e encontrar o restante da família que, mes-
mo morando em Belo Horizonte, Amapá, Manaus, Rio de Janeiro,
Estados Unidos e outros tantos lugares, faz todos os esforços para
se encontrar lá, nessa data, na casa da vovó.

Sônia Maria Ferreira de souza

Janta natalina
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na casa da vovó
Como agradar a todos
Meu pai, seus 9 irmãos, eu, minha irmã, mais primos e sobrinhos,
pasmem.. parei de contar no 15. Vamos imaginar agora minha avó
preparando almoço para todo mundo comer ao mesmo tempo;
e mais, algo que agrade a todos que, mesmo nascidos em uma
mesma casa, hoje repartem diferentes culturas. Buscar um paladar-
base para esse momento é instintivo, inconsciente e nada fácil.
Então, vai minha Vó Emília para a criação: começa pelo macarrão,
que pode ser acompanhado por diversos molhos, mas a grande
panela é dele. Temos ainda os charutinhos enrolados por folhas
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e recheados com carne moída, comida
tipicamente árabe, e um tradicional
yakisoba, japonês. Antes de o macarrão
ser servido, já estamos saboreando, como
aperitivo, as famosas coxinhas de galinha
fritas na hora, outra especialidade de
minha avó. Uma materna sensibilidade
e lembranças a fizeram resolver, com
sabedoria, como satisfazer a todos. Pode-
se ter mais trabalho ou menos trabalho
mas, coreograficamente, qual é nossa

t o é f á c i l ; d i f í c i l
Inventar um pra a ele.
preocupação com quem vai saborear
nosso “prato”? Propor um prato com

é dar um nome
um novo sabor também pode ser bem
interessante, mas essa proposta cabe em
qualquer lugar? Caberia Sônia Maria Ferreira de souza
nessa grande
reunião de família? Guarde essa resposta
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em uma Tupperware, quem sabe HP07816191176724
a gente a use mais tarde.
Duas semanas antes de viajar até Uraí, recebi um sentada ao seu lado. Para
telefonema de uma tia, irmã de meu pai, dizendo minha surpresa, meu pai,
que era para eu levar algo que representasse como o filho mais velho, se
uma lembrança da minha avó (seria feita uma levantou com um ônibus de
surpresa para ela). Comprei então um sapo brinquedo na mão. Iniciou
verde de pelúcia que foi a primeira coisa que sua fala, explicando o
vinha na minha memória de infância. Sempre porquê daquele ônibus e o
que minha avó ia lá em casa e me colocava para pendurou na árvore.
dormir, contava a história do “Sapo com boca Em seguida foi a minha
grande que queria entrar no céu”. Bem, já em mãe que colocou a sua
Uraí, após a janta em família, nos reunimos todos lembrança na árvore,
– tios, primos, sobrinhos, netos, genros, noras e seguida por mim, minha
agregados – em uma varanda da casa onde havia, irmã, meu cunhado, minha
ao centro, uma árvore de natal vazia e minha avó esposa, minha sobrinha...
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Todas as nossas lembranças
possuem uma carga emocional.
E assim, irmão por irmão, família deve significar algo verdadeiro para o
por família. Ao final da última intérprete e contribuir para a construção
lembrança pendurada, aquela do todo. É preciso que a definição do
árvore recheada e coberta de tema dê possibilidades de o elenco
objetos foi a que mais significou contribuir além da plástica e também
uma história de Natal para todos trazer, em seu movimento, uma carga
os que estavam ali.Hoje, entendo emocional particular. Se você, coreógrafo,
que um trabalho coreográfico conseguir trazer seu elenco, com sabores
deve ser conduzido dessa maneira, e histórias tão distintas, para dentro
criando conexões com lembranças dessa grande panela, com certeza vai
vividas. O que cada um pode também conseguir atingir o paladar da
trazer e pendurarSônia
na “árvore-tema” tão distinta
Maria Ferreira de plateia.
souza
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Antes de começarmos um trabalho, é muito importante saber
claramente para quem ele está sendo criado e onde vai ser
apresentado. Imaginem um grande chef de cozinha francesa
comandando um fast food por duas semanas. Dificilmente ele
Antes de cozinhar, vai conseguir extração de qualidade da equipe, que não está
deixar separadas acostumada com seu vocabulário e nem com seus temperos
algumas respostas:
(movimentos), e muito menos vai agradar às pessoas que estão
Qual o sabor de na fila do caixa, de pé, esperando o prato ser servido. E agora
cada um do seu
imaginem o contrário, o cozinheiro do fast food comandando
elenco? Quais suas
propriedades em a cozinha do restaurante francês... Vou deixar o resto por sua
destaque e fraquezas? criatividade.
Onde vai ser servido
esse prato?
Por último, mas não menos importante, é saber se sua proposta é
levar algo típico para circular em outras culturas (como apresentar
a cozinha mineira em Porto Alegre ou trazer um acarajé para
Curitiba) ou, ainda, se faz sentido, na semana do Japão no Brasil,
14 você aparecer com esfirras de vários sabores. culinária coreográfica
Desde muito cedo, fui estimulado na área das Artes. Com 5 anos,
ganhei meu primeiro violão e depois desse vieram mais 23 ins-
trumentos entre os de cordas e os percussivos. Sem perceber
que esse “treino subconsciente rítmico” poderia, um dia, me
ajudar a identificar que existe uma cadência na qual as coisas
e pessoas vivem, comecei a reparar desde o simples caminhar
até o som dos carros passando pelos bueiros da cidade. Tudo
era produzido em uma velocidade, e tudo produzia um som.

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Batendo as panelas
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Música para os ouvidos


O próprio silêncio, que em sua raridade me visitava, me despertava para
outros ruídos internos seguindo uma pulsação rítmica reverberados pelo
coração. Hoje, me sinto preparado e com o ouvido desperto a todo o som
que me rodeia, pois sei que um dia ele me será útil. Não falo da reprodu-
ção do mesmo, mas da interpretação de sua frequência, da intensidade
e precisão de tempo, da sua densidade. Refiro-me, por exemplo, à forma
como as pessoas andam, que força aplicam ao caminhar e como inter-
rompem esse andar. Falo a respeito de como as árvores se inclinam juntas
e do som produzido pelas folhas que, mesmo pequenas em relação ao
caule, são as que respondem à força do vento. Falo de como ficamos mar-
cando ritmos com os pés, mesmo com as pernas cruzadas, demonstrando
nossa tranquilidade ou a falta dela ou posso falar, ainda, de como estabe-
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lecemos uma velocidade unís- visual o que você estava sentindo em um certo dia,
sona em um “parabéns a você” numa certa hora. É registrar, em algum lugar, um
num aniversário, sem nunca fragmento do que você viveu por alguns instantes,
termos ensaiado com todos capturou e perpetuou em forma de imagem. A
juntos. Do particular ao cole- música, assim como a coreografia, são registros de
tivo, a cadência, ou a descons- épocas de artistas e intérpretes. Quem vivenciou
trução dela, é a base para você a época dos Beatles, da criação da Bossa Nova, do
reconhecer a sua identidade álbum “Virgin” de Madonna, “Thriller” de Michael
e o momento pelo qual você Jackson ou “New York, New York” cantada por Frank
está passando. Coreografar é Sinatra, pode dizer por que período o mundo passa-
contar aos outros por meio va, quais as mudanças e anseios daquelas épocas.

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Mais ainda, se você escolher um simples artista e
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acompanhar sua trajetória, poderá também dizer o
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que se passava em sua vida em determinado mo-
mento. A escolha de coreografar uma música pode
ser apenas um gosto pela sua harmonia e ritmo ou,
na maioria das vezes, uma relação emocional sub-
consciente criada entre o momento da criação dela
e a sua atual. Essa sinergia gera uma sensível in-
terpretação e tradução do som em movimento. Eu
sempre digo que um bom intérprete faz com que
o público ouça pelos olhos. Consegue transpor o
som da frequência auditiva para a visual, por vezes,
interpretando; outras agregando, floreando, incor-
porando. O importante é que, de uma forma ou de
outra, ele consegue trazer o público para dentro de

16 culinária coreográfica
sua coreografia. Eu o chamo de condu-
tor, quem faz o link, quem preenche os
espaços, quem dá o poder da lembrança
para o público. Uma boa escolha musi-
cal, entre harmonias, ruídos e silêncios
é o primeiro passo para começar uma
bela receita e depois é só seguir com o
restante dos ingredientes. Saber se vai
se utilizar de alguma memória emocio-
nal sonora ou criar um posicionamento
novo de sua coreografia na plateia vai
depender muito da música escolhida.

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Por Bia Matar


A música pode ser uma página em branco tanto
quanto o início do seu trabalho. Penso que seria muito
interessante se os coreógrafos começassem a produzir
suas trilhas. Hoje existem muitos programas bons de
computador, de fácil acesso. Convidem um músico para
começar a escrever isso juntos que, com certeza, sua
criação vai conhecer novas fronteiras.

17 culinária coreográfica
Curiosidade
Hoje existe uma explosão de produtos na mídia. Vamos pensar
nos livros. Todos os anos publicam-se aproximadamente 30 mil
livros nos Estados Unidos. Mais 30 mil livros a cada ano. Até não
parece muito, a não ser quando você pensa que, para dar con-
ta da produção de um ano, teria de ler 24 horas por dia, durante
17 anos. Vamos ver agora os jornais. Em cada ano, os jornais ame-
ricanos utilizam mais de dez milhões de toneladas de papel
impresso. Isso significa que uma pessoa comum consome
42,5 kg de mensagens
Sôniaimpressas
MariaporFerreira
ano. A edição
de dominical
souza
de um grande jornal metropolitano como The New York Times pesa
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2 kg e contém aproximadamente 500 mil palavras. Ler tudo isso,
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a uma velocidade média de 300 palavras por minuto, levaria
quase 28 horas. Isso não apenas pode acabar com o seu domin-
go, mas também com uma boa parte do resto de sua semana.
E como uma pessoa lida com essa quantidade de informação?
Não muito bem. Estudos sobre a sensibilidade do cérebro humano
estabeleceram a existência do fenômeno “sobrecarga sensorial”.

Os cientistas descobriram que uma pessoa é capaz de receber ape-


nas uma quantidade limitada de sensações. Além de certo ponto,
o cérebro tem um branco e se recusa a funcionar normalmente (os
cientistas andam brincando com algumas dessas descobertas; eles
colocam fones de ouvido nos pacientes e aumentam o nível do som
até que o paciente não sinta mais dor).

Fonte: “Posicionamento” , La Ries - Jack Trout.

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A cozinha e
seus utensílios
Palco e seus elementos
19 culinária coreográfica
Muitas pessoas pensam que existe uma receita para se fazer uma co-
reografia. Até deve existir, mas que tempero você vai usar? Ou vai me
dizer que o feijão da sua casa feito com a mesma receita do restau-
rante tem o mesmo sabor? No decorrer do livro, vou mostrar alguns
“condimentos cerebrais” que podem ajudar a transformar seu arroz,
de acompanhamento, em prato principal. Vamos entender qual a
função da mente analítica e da mente intuitiva e como ficar desperto
para o mundo virtual em que vivemos.

Sônia Maria Ferreira de souza

Cambuquinhas de 100 g
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Os ingredientes
Trabalhar com sua criatividade somada à da plateia são,
com certeza, ingredientes que vamos usar. Entender que
a coreografia é o resultado de complexas emoções de sua
vivência e que ela vai ser interpretada por várias outras pessoas,
com as mais diferentes experiências, também já é um bom
começo. Ler um livro e depois assistir ao seu filme nunca vai ser
a mesma coisa porque a construção de um mundo, quando nos
dão liberdade, sempre vai ter relação com nossas experiências,
sendo assim mais interessante do que a tela do cinema. Saber
que precisamos entender sobre os “paradigmas do mundo” e
sobre “comunicação” são outras cambuquinhas especiais.

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Vamos pensar que essas cambuquinhas sejam experiências particulares, algo
que você pode acrescentar a gosto, mas pense que o seu paladar não é igual
ao de todo mundo. Muitos gostam da música romântica e outros, do rock and
roll; alguns de pimentas e outros de vinagre; alguns ao ponto e outros mal
passado. Tudo isso nós precisamos saber usar e pensar em para quem servir.
Encontramos aqui já uma situação corriqueira no mundo da dança: montamos
coreografias para serem apresentadas em praticamente todos os lugares e
para todas as culturas, talvez mais preocupados
em apresentar o “prato principal” do que saber se o
público queria realmente saborear aquilo, naquele
momento, naquele dia. Servir sopa quente ao meio-
dia e no verão pode ser tão indesejado quanto levar
uma coreografia de dia das mães, feita na escola,
SôniaPara
para um festival competitivo. Maria Ferreira
as mães, naquele de souza
dia especial, a coreografia tinha um significado
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que ultrapassava a plasticidade. Eu realmente
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conseguiria atingir a emoção. Esse mesmo trabalho
coreográfico, apresentado em outro mês, em um
festival de dança, pode não ter significado nenhum
para o público presente. Sempre que assisto a algo
assim, lembro-me de uma frase do publicitário
Duda Mendonça que diz:

"Comunicar não é aquilo que você quer


dizer, é o que os outros entendem."
Então, partindo desse princípio de compreensão
e de que forma compreendemos as coisas, vamos
entender alguns processos culturais e de raciocínio.

21 culinária coreográfica
Pesos e Medidas
ou Percepção
e Paradigmas
Um entendimento mais amplo da percepção
Quando coloco água até a metade
Sônia de um
Maria copo e pergunto
Ferreira de souzaa várias
pessoas o que estão vendo, algumas dirão que
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cheio; outras, metade vazio. Todas viram o mesmo copo, mas cada
uma o percebeu de uma forma.
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Quando o professor chega à sala de aula e diz que todos terão de ler
um livro de 100 páginas, alguns se sentirão pressionados pela ‘árdua’
tarefa, enquanto outros ficarão aliviados por ser o livro tão pequeno.
Outros, ainda, poderão achar que livro com tão poucas páginas deve ser
inconsistente em suas informações... Foi a percepção de cada um diante
da solicitação do professor.

Um entendimento mais amplo sobre paradigmas


Fisicamente falando, como dito no início deste capítulo, é pouco provável
que o amarelo que enxergo seja idêntico ao amarelo que você enxerga.
Imagine, então, quando se fala em termos culturais! Os referenciais ou
padrões culturais de cada pessoa funcionam como uma lente colorida
através da qual ela enxerga o mundo. Para evitar que existam tantas lentes
ou percepções diferentes de uma mesma realidade quanto é o número
22 culinária coreográfica
de pessoas sobre a Terra, é que Os paradigmas partem do geral
existem os paradigmas, que são para o particular. Primeiro, existem
lentes padronizadas através das os grandes paradigmas aceitos
por toda a humanidade. A terra
quais se olha para uma mesma
é redonda é um deles e, nessa
realidade. mesma esteira, incluem-se todos os
Paradigmas são os filtros paradigmas científicos. Tanto faz
em que parte do mundo você afirme
de percepção que criam a nossa
isso, todos vão concordar com você
realidade subjetiva. Apenas por esta teoria ser de conhecimento
podemos ver (entenda-se e reconhecimento universais.
perceber) o mundo de outra
forma se modificarmos nossos Depois, existem aqueles aceitos por
paradigmas. toda uma sociedade: são os valores
morais, a hierarquia de poder.
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Em seguida, encontramos outros, um
pouco menores, que se inserem nos
paradigmas da sociedade para dar-
lhes características específicas: são as
regras que regem cada família, as leis
que regem o estado, os conceitos que
regem a moral e os bons costumes de
cada grupo social, etc.

Finalmente, ainda mais


particularizados, encontramos
os paradigmas pessoais, que
formam os sistemas de crenças de
cada pessoa. Refiro-me aqui se a
pessoa gosta de chocolate branco
ou preto, se torce para o Flamengo
ou o Vasco, ou até se não gosta de
chocolate nem de futebol.
23 culinária coreográfica
Adam Smith diz que paradigma é a forma como as pessoas
percebem o mundo, muito embora a relação delas com os
paradigmas seja a mesma que o peixe tem com a água:
não se dá conta da existência da água até que o tirem dela.
Em continuidade, ele diz que:

"Os paradigmas nos


explicam como é o mundo
e nos ajudam a predizer
o seu comportamento."
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
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Curiosidades
1. No Alasca, a primeira noite de um visitante precisa ser passada
com a esposa do anfitrião, sob pena de este sentir-se ofendido.
Em contrapartida, em alguns países árabes, é crime olhar para o
rosto das mulheres.

2. Aqui, apreciamos a carne bovina. Na Índia, a vaca é sagrada, e


uma das carnes mais apreciadas é a de rato. Na Coréia do Sul,
come-se – e é muito apreciada – a carne de cachorro. No Vietnã,
a carne de cavalo é uma iguaria sem igual.

24 culinária coreográfica
Um entendimento mais amplo sobre paradoxos
O crescimento da inteligência está estreitamente
relacionado à mudança de paradigmas.
O mesmo mecanismo que, no construtivismo de
Piaget, nos coloca na situação de ter que encontrar
uma solução e depois nos permite retornar ao
equilíbrio com mais inteligência é o que se configura
na presença de um paradoxo: o paradoxo nos coloca
diante de uma situação “sem saída” em que a única
chance de progredir é mudar de paradigma.
Inevitavelmente, saímos de situações
Sônia Mariaparadoxais
Ferreiracom
de souza
novas perspectivas e issosoniasouza3@terra.com.br
nos faz progredir pois,
quando um paradigma HP07816191176724
muda, as possibilidades se

i m p o r t a n t e s n ã o
multiplicam.

“ O s p r o b l e m a s
Albert Einstein dizia que

l v i d o s n o m e s m o
“os problemas importantes
não podem ser resolvidos no
p o d e m s e r r e s o
mesmo nível de pensamentos

p e n s a m e n t o s e m
nível de
em que formam criados”. Com


isso, ele estava dizendo que,

r a m c r i a d o s .
que fo
muitas vezes, a única forma
que temos para resolver um
problema é mudando de
paradigma.

Albert Einstein
25 culinária coreográfica
Por que ter falado tudo isso? Para pensarmos
na relação espetáculo – plateia. Entender que
nem sempre vamos agradar ou propor. Por vezes,
o mais complexo entendimento e ludicidade
trazidos pela dança podem ter significados
diferentes se usados em uma cultura diferente
daquela onde foram criados. Esse trânsito, sendo
compreendido ou não, também é uma das
funções da dança. Certa vez eu li uma frase de
Álvaro Lins, crítico pernambucano:

"TodaSônia
arte há
Maria de
Ferreiraconter
de souza mais

perguntas do que respostas. "


soniasouza3@terra.com.br
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Por Ricardo Scheir


A essência da coreografia vem da verdade. Verdade
na história ou na não história, verdade no movimento
ou no não movimento. Se soubermos o que queremos
contar, saberemos como. Para iniciar uma coreografia,
precisamos de muitas informações sobre o que estamos
propondo, para não nos perdemos no meio do caminho.
O movimento vai do talento de cada coreógrafo.
26 culinária coreográfica
Resolva este exercício agora mesmo!
Unir as estrelas dispostas em quadrado, traçando apenas
quatro linhas retas, sem tirar o lápis do papel.
Obs.: O traço só pode passar uma vez por cada estrela.*

Sônia Maria Ferreira de souza


soniasouza3@terra.com.br
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*Resultados na próxima página

27 culinária coreográfica
Por que tivemos dificuldade em
encontrar a solução? Porque fomos
criados com estímulos limitadores e
geométricos e não instigados a encontrar
soluções fora dos padrões. Pensar em
romper um padrão seria um “erro”,
como pensar em ultrapassar o limite
do “quadrado” também. O que nunca
pensamos é que, por vezes, algumas
respostas só existirão se rompermos
alguns paradigmas culturais.

Sônia Maria Ferreira de souza


soniasouza3@terra.com.br
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Fique atento às alternativas que aparecem em seu


caminho. Elas são como a sorte: existem para todo
mundo, mas só as consegue enxergar quem está
preparado para vê-las.

28 culinária coreográfica
Por Tíndaro Silvano
A condição número 1, para se começar a coreografar, é você saber
com quem você vai lidar, não só em termos técnicos, mas também
o tipo de temperamento dessas pessoas e suas ansiedades
artísticas, ou seja, o estado de fome em que essas pessoas vão
estar. Você precisa saber o que se pode oferecer a elas para saciar,
pelo menos, por um tempo aquele desejo. Os grandes coreógrafos
são os que entendem esse momento e perpetuam para outras
Sônia
instâncias, pois os bailarinos Maria Ferreira
amadurecem, evoluem ede seussouza
anseios
soniasouza3@terra.com.br
mudam também. O bom trabalho é aquele que, mesmo dançado
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anos depois, ainda realiza intérpretes e público.

29 culinária coreográfica
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
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A colherCriatividade

30 culinária coreográfica
Penso que não exista uma melhor definição sobre criati-
vidade do que essa: “É uma colher”. Ela é responsável por
mexer tudo aquilo que você tem em sua memória a fim
de criar algo exclusivo e pessoal. Ela vai ser muito citada a
cada capítulo, e saber qual e como utilizá-la nas diferentes
formas serão o toque especial para os grandes pratos. Para
tanto, vamos conhecer algumas de suas definições.

A criatividade
Sônia tem sido abordada
Maria de maneiras
Ferreira de souzadistintas, através dos
tempos. Em tempos passados, chegou-se a considerar a criatividade
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inspiração divina – o criador é um ser divinamente inspirado – ou até
HP07816191176724
como loucura – o ato de criação provém de um acesso de loucura.
As teorias psicológicas modernas em muito contribuíram para uma
melhor compreensão do complexo fenômeno da criatividade, ten-
tando encontrar melhores explicações, definições operacionais,
instrumentos de avaliação, seus fatores condicionantes, entre outros.
Para Sigmund Freud, pai da psicanálise, ela origina-se de um conflito
dentro do inconsciente. Criatividade é uma forma de reduzir tensão,
onde o indivíduo cria para aliviar certos impulsos. É a tese da “catarsis
criadora”. Segundo Freud, criatividade e neurose têm a mesma fonte
de origem: os conflitos do inconsciente.
A criação é uma forma de sublimação, de se atingir indiretamente
algo que, conscientemente, não se teria condição de fazê-lo. Parando
de brincar ao se tornar adulto, o indivíduo só aparentemente desiste
desta grandiosa fonte de prazer. Ao perder a ligação com os objetos
reais das brincadeiras, passa a fantasiar. Suas fantasias podem ser
31 culinária coreográfica
a d e s u b l i m a ç ã o ,
ç ã o é u m a f o r m
A cria m e n t e a l g o q u e ,
s e a t i n g i r i n d i r eta
tanto desejos eróti-
cos quanto desejos de de n ã o s e t e r i a
engrandecimento. O
conscientement e ,
artista ou criador, como

d i ç ã o d e f a z ê - l o.
con
não possui os meios de
alcançar determinadas
satisfações, foge da reali-
dade e passa a elaborar de-
sejos imaginários. Segundo d Freud
Sigmun
Freud, o artista não está
longe de ser um neurótico;
criar é o seu consolo,
Sônia Maria Ferreira de souza
é a gratificação do seu pró-
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prio inconsciente inacessível. dade de o indivíduo reverter a relação figura/fundo,
HP07816191176724
parte/todo. Esta habilidade modifica-se nas dife-
A teoria gestaltista, cujos
líderes são M. Wertheimer, K. rentes idades.
Koffka e W. Kohler, considera O pensamento criador é, primariamente, uma
a criatividade como a habili- reconstrução de configurações, “insight”.

O insight envolve a percepção


ou reconhecimento súbito da
associação entre duas unidades
de pensamento – anteriormente
separadas, estabelecendo-se, desta
forma, uma nova conexão.
32 culinária coreográfica
Insight é a reconstrução do campo perceptivo do indivíduo.
A percepção busca, no seu ambiente, novas possibilidades
de ação que levam quase que instantaneamente à solução
do problema.
Existem inúmeras definições para a criatividade, mas eu
continuo acreditando que a melhor delas, para todo bom
“cozinheiro coreográfico”, ainda é a colher. É com ela que
misturamos tudo que temos em nossa memória. É com
ela que conseguimos separar um lado do outro, raspar
o fundo, retirar impurezas e por vezes esfriar o que está
muito quente. Saber como utilizar a “colher” é um dos pon-
tos mais importantes na cozinha. Ela dá a dinâmica e con-
dução do processo, consegue
Sôniadissolver
Mariacoisas com incrível
Ferreira de souza
simplicidade e tem a simples função de misturar.
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Para entender como podemos tirar o máximo de proveito da co-


lher, precisamos dar um passinho para trás e saber que quanto
maior a possibilidade de ingredientes, ou informações armaze-
nadas na memória, melhor a sua função. Cito isso porque, para
compor várias cambuqinhas com diferentes opções, precisamos
estar abertos para experimentar o maior número de sensações
possíveis. Falo sensações porque o fator memória está direta-
mente ligado ao emocional.

33 culinária coreográfica
Estar aberto a experimentar significa não desperdiçar
nada do que está ao nosso redor. Tudo é fonte de infor-
mação para uma futura mistura particular. Criar seu
banco de ingredientes, ou biblioteca cerebral, como
eu costumo me referir à memória nos cursos que dou,
é o primeiro passo. Saber olhar, prestar atenção no
simples é um exercício diário que, com o tempo, se
torna automático e prazeroso.

Sônia Maria Ferreira de souza


soniasouza3@terra.com.br

Todo dia é dia de feira


HP07816191176724

Trabalhando a memória
Lembro-me de uma época que eu praticava exercícios de me-
mória. Entrava em um lugar e contava quantas janelas havia
ali, quais seus formatos e quais as suas cores (geometria e
temperatura). Quando chegava em casa, tentava reproduzir
aquele lugar em desenho num caderno. Passado um tempo,
quando isso já se tinha se tornado mecânico e fácil, como um
jogo de memória, eu comecei também a contar o número de
ventiladores e cores de toalhas nas mesas dos restaurantes.
Mais um tempinho e eu já estava contando quantas pessoas
usavam calça jeans e cores dos tênis. Teve um período em
que, quando eu viajava para dar cursos, entrava na sala e já
34 culinária coreográfica
marcava na memória tudo o que com os braços ou com os pés em
tinha dentro: colchonetes (de que cor deslocamento, girava feito o venti-
e onde estavam na sala), ventilado- lador ou criava um movimento que
res, cor do chão, marca do aparelho representasse isso, imitava acertos e
de som, quantos alunos, cores de erros de alunos na aula, mas agora
roupas, quem prendia cabelo, quem interpretados pela minha leitura...
trazia garrafinha de água e assim por E fui percebendo que essa “loucura”
diante. Achei que estava começan- estava me dando um formato de
do a enlouquecer, mas ficava muito criação, utilizando nada mais que
feliz quando chegava em casa ou ao meu simples cotidiano. Estava tudo
hotel e, em vez de anotar as formas ali. Eu antes olhava e não sabia ver.
Sônia
assistidas, eu estudava comoMaria
trans- Ferreira
Hoje vou deabastecer
souzaminha biblioteca
por para o corpo. Desenhava a janela cerebral, ou banco de ingredientes,
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visitando museus, vendo exposições de artes, assistindo a filmes, tirando fotos


(ingrediente do qual depois vamos tratar com mais detalhes, como isso ajuda
em montar uma perspectiva) ou olhando para as pessoas e para os desenhos
das lojas enquanto estou sentado no shopping ou na praça de alimentação. Um
dos melhores lugares de todos: lojas de decoração (se você estava achando que
eu era louco, agora então tem certeza). Fico maravilhado com design de móveis:
todas as formas, cores, texturas, densidades, tamanhos, suavidades: artigos que
se movimentam e linhas estáticas. Um complementa o outro: alguns não são
nada sozinhos. Tenho verdadeira loucura quando entro nessas lojas. Sinto-me
completamente conectado com aqueles objetos. Imaginar que todo movimento
que realizamos é um desenho no espaço: se pudéssemos marcar por onde con-
duzimos os braços, tronco, pernas, pés ou cabeça daria ao final uma grande tela

35 culinária coreográfica
e se cada parte de nosso corpo fosse uma
cor pintando esse espaço, essa obra se tor-
naria incrível. Sou apaixonado pela criação
e pelo criador. Conectar tudo isso, para criar
um você-autor, só depende da quantidade
de ingredientes, que você adquiriu durante
sua vida, e uma “colher”.

Sônia Maria Ferreira de souza


soniasouza3@terra.com.br
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Por Airton Rodrigues
Coreografar é muito mais perceber
do que sair à procura do movimento.
É perceber os corpos, as possíveis
dramartugias que cercam o assunto.
Na dança que faço, os corpos
são humanos, e assim deve
ser a coreografia.

36 culinária coreográfica
Curiosidade
Em sua epistemologia, Piaget (1975) discute o pensamento matemá-
tico (1º volume), pensamento físico (2º volume) e pensamento bioló-
gico, psicológico e sociológico (3º volume). Seria de se perguntar por
que o pensamento plástico (ou visual) não foi incluído. A esse res-
peito, o próprio Piaget apontou que o terceiro volume de sua epis-
temologia constitui um marco geral, uma primeira aproximação ao
problema e uma incitação ao trabalho interdisciplinar, já que não se
fecha sobre si mesma, mas abre novos campos para a investigação
epistemológica. PorSônia
esse motivo,
Mariaacredito na consideração
Ferreira do pen-
de souza
samento plástico (possibilidade de pensar a partir de linhas, pontos,
soniasouza3@terra.com.br
cores etc), notadamente nos termos propostos por Francastel (1973)
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que, aliás, não deixa de chamar a atenção para a grande contribui-
ção dos trabalhos de Piaget.

Os estudos piagetianos têm nos mostrado que as mudanças nas


respostas criativas estão ligadas mais que tudo ao desenvolvimento
cognitivo. O campo da criatividade ainda apresenta muitas dúvidas
e resiste ao tratamento experimental por envolver muitos fatores,
mas reforça o ponto de vista de que a educação artística deve ser
um meio de informar o real ou, dito de outra forma, de ser uma
atividade que envolve também a inteligência e não apenas as emo-
ções e os sentimentos.
Artigo EDUCAÇÃO E ARTE – Ed. Temática Digital, v.6, n.2, p.69-78, jun. 2005

37 culinária coreográfica
A pesquisa mais ampla desenvolvida sobre o pen-
samento criativo foi feita por J.P. Guilford, um
eminente psicólogo que soube definir a diferença
entre o pensamento divergente e convergente e foi
um dos primeiros a destacar algumas habilidades
do pensamento criativo.

Uma receita,
Sônia Maria Ferreira de souza

vários pratos
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Pensamento convergente e divergente

Segundo Guilford (apud kneller, 1999, p. 53):


"[...] as capacidades produtivas são de duas espécies, convergentes e
divergentes. A primeira é acionada pelo pensamento que se move a
favor de uma resposta determinada ou convencional. A segunda, pelo
pensamento que se move em várias direções em busca de uma dada
resposta. Podemos concluir que o pensamento convergente ocorre
onde se oferece o problema, onde há um método padrão para resolvê-
-lo, conhecido do pensador, e onde se pode garantir uma solução dentro
de um número finito de passos. O pensamento divergente tende a

38 culinária coreográfica
ocorrer onde o problema ainda está
por descobrir e onde não existe ainda
meio assentado de resolvê-lo. O pen-
samento convergente implica uma
única solução correta, ao passo que o
divergente pode produzir uma gama
de soluções apropriadas".

e n t e i m p l i c a u m a
o c o n v e r g
“O pensament rreta, ao passo que
Sônia Maria Ferreira de souza

c o
soniasouza3@terra.com.br

ún i c a s o l u ç ã o HP07816191176724
g a m a
d e p r o d u z i r u m a
o divergen t e p o
a p r o p r i a d a s . ”
de soluções
lGuilford
Joy Pau

A criatividade é considerada uma produção divergente,


o oposto da produção convergente, que se caracteriza
como o produto do raciocínio, onde existe uma resposta
correta ou uma solução esperada.
39 culinária coreográfica
Guilford considerou ainda como habilidades criativas, segundo Alencar:

Fluência, especialmente a fluência ideacional – habili-


dade de gerar quantidades de ideias e respostas a situ-
ações-problema – e a fluência associativa, habilidade de
produzir muitas relações ou associações significativas a
uma dada idéia;
Sônia Maria Ferreira de souza
Flexibilidade,soniasouza3@terra.com.br
a mudança de pensamento na resolução
de problemas; HP07816191176724

Originalidade, respostas raras ou incomuns;

Elaboração, facilidade para acrescentar variedade de de-


talhes num produto, partindo de um esboço vago até
uma estrutura organizada.

40 culinária coreográfica
Refletindo sobre as aptidões intelectuais e sua relação com a criatividade,
Guilford (1964 apud lowebfeld, 1970, p. 65) afirma:

"Uma teoria sobre a estrutura


do funcionamento intelectual da
pessoa supõe a existência de cinco
operações diferentes no processo
mental: cognição, memória, produção
convergente, produção divergente
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
e avaliação." HP07816191176724
Proponho aqui que se pense a respeito das di- São essas questões que eu
vergências a serem criadas. Normalmente temos costumo chamar de identi-
respostas espaciais ou de movimento que já são pré dade coreográfica. A digital
estabelecidas em nossa mente. Com o passar dos do coreógrafo se faz em
anos e hábito de repetição, incorporamos a ideia de soluções particulares. Todos
que a princípio era nova, divergente, e a tornamos conhecem e podem usar os
convergente. É importante para a evolução core- números cadenciados e as
ográfica sair do estado de controle, estabilidade, formas geométricas. O que
conhecimento, receita. É preciso arriscar um novo você propõe de novo neste
passo, ou melhor, um passo a mais... ou seria um mesmo espaço? É isso que
passo a menos? Tanto faz! O importante é fazer estamos procurando: sua
algo que você não faria dentro do habitual, mas que intelectualidade cênica.
o levará a um paradoxo e a outras respostas.

41 culinária coreográfica
Certa vez me solicitaram um trabalho co- começamos, da forma mais simples:
reográfico rápido, tipo fast food, para ser bolo central. Uma coisa geométrica, le-
dançado na porta dos cinemas, divulgan- vando a outra... De repente, um menino
do o lançamento de um filme de dança. fica intercalado “errado” em uma fila,
O tema era a história de uma bailarina e não respeitando a ordem, menino, me-
um dançarino de hip hop que se conhe- nina, menino, menina, e se coloca ao
ceram em uma escola. lado de outro menino. Pronto. Estava
O parceiro dela tinha se machucado nos levantada a questão. Reorganizamos
ensaios, e o dançarino fazia trabalhos co- ou assumimos? O reorganizar me tra-
munitários no mesmo espaço. Resultado, ria novamente o controle das figuras e
ele entrou para substituir o bailarino na padrões. Eu teria segurança e seguiria
apresentação final, mas claro que não foi rapidamente para o seguinte, mas não
tão simples assim. Tínhamos 2 minutos foi o que aconteceu. Esse simples “erro”
para retratar tudo isso:Sônia Maria
uma história de Ferreira de souza
de ocupação deu uma excelente opor-
amor, encontros, desencontros, meninos
soniasouza3@terra.com.br
tunidade de romper com o comodismo
e meninas, uniforme americano, 2 técni- e pensar em realmente o que podería-
HP07816191176724
cas distintas. Poderíamos fazer, e por aí mos fazer a partir dali.

O que poderia ser simples, em segundos,


foi todo o diferencial dinâmico
da coreografia, destacando os sabores
de cada integrante, desconstruindo
a uniformidade, o peso. Descentralizou,
alterou velocidades, conduções e planos.
Tudo isso não durou mais que
20 segundos, mas com certeza
foi a melhor parte de todas.
42 culinária coreográfica
Menina

Visualize o exemplo: Menino

Todos começam de frente para o público.


Formação circular de fácil compreensão.
A disposição intercalada permite a
visualização de todos.

O primeiro movimento é circular,


fortalecendo o desenho e avançando
apenas uma posição.

Finalizamos o deslocamento,
possibilitando também outras
Sônia Maria Ferreira de souza
frentes com cada bailarino virado
soniasouza3@terra.com.br
para o lado que parou.
HP07816191176724
Logo na sequência, estabilizamos 3 e
geramos mais uma troca de posição dos
outros 3, configurando um triângulo em
movimento e um outro estático.

A chegada é pontuada com todos


virados de frente, já iniciando o
deslocamento para o próximo desenho.

Pontuamos a menina da direita como


matriz e trazemos os outros bailarinos
na mesma linha. Como estavam em
diferentes distâncias, fica interessante
a velocidade e espaçamento utilizado
para chegarem ao mesmo tempo.
43 culinária coreográfica
O elenco se alinha, acentuando o
“erro” de colocação intercalada.

Depois de alguma coisa feita em grupo,


se aproveitando da ocupação em fila,
isolamos as meninas com deslocamento
suave à frente.
Até aí, tudo bem. Seria natural.

Com a separação de elenco em duas filas, ficou clara a


possibilidade de criar um movimento de contato entre
os 2 meninos
Sônia Maria próximos,
Ferreira dea souza
fim de gerar uma plástica, que
sozinho seria impossível, e deslocamos o menino isolado
soniasouza3@terra.com.br
para compor um trio com as duas meninas a sua frente.
HP07816191176724
Enquanto o duo ainda acontecia, desenvolvemos
um trio rápido, dando espaço para a bailarina-
destaque mostrar suas qualidades particulares.
Em poucos segundos, essa cena foi montada,
valorizando a música e o elenco.

Todos começam a recuperar os movimentos


e planos. Quem estava no chão se levanta;
quem estava elevado começa a descer e todos
recuam para um mesmo ponto de encontro.

E a cena finaliza com o elenco,


retomando a unidade.
Lembro ainda que tudo isso não durou
mais que 20 segundos, mas elevou a 100
a dinâmica espacial nesse momento.

44 culinária coreográfica
Volte a ler a frase de Immanuel Kant no
1º parágrafo da introdução deste livro.
Ela irá acompanhá-lo para toda a vida.

Sônia Maria Ferreira de souza


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45 culinária coreográfica
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
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Os ingredientes
Elementos da dança

46 culinária coreográfica
Estando na nossa cozinha, tudo é fácil. Sabemos onde está o
açúcar, onde liga o fogão, como mexer no microondas, mas...
e na cozinha dos outros? Coreografar é estar permanente-
mente utilizando os objetos dos outros. Se não quiser per-
guntar tanto, procure definir os principais pontos de partida
e torne-os padrão do conhecimento culinário.

Sônia Maria Ferreira de souza

Laban e seus
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4 elementos
Rudolf Laban nasceu no dia 15 de dezembro de 1879, em Bratislava, na
Hungria. Por ser filho de general do exército, teve a oportunidade de
viajar muito e viver em outros países desde a sua infância.
Embora a família tenha se empenhado para que ele seguisse a carreira
do pai, matriculando-o na Academia de Cadetes de Wiener Neustadt,
Laban resolveu seguir suas inclinações artísticas e foi estudar pintura,
escultura e arquitetura, em vez de teatro e dança, pelo fato de aquelas
artes serem mais bem conceituadas.

47 culinária coreográfica
Nos sete anos em que viveu em Paris, teve a opor-
tunidade de absorver a atmosfera cultural da cida- o artista explorasse, ao má-
de, envolvendo-se com muitos atores, dançarinos ximo, as suas possibilidades
e diretores. Estudou os princípios de Delsarte en- de movimentação, desenvol-
veredando gradativamente para a área da dança vendo a criatividade.
e do teatro.
Não estava interessado na
Ao voltar para Alemanha, em 1910, dedicou-se aos superação dos limites fí-
estudos de alguns métodos de escrita da dança sicos, nem se preocupava
além de observar o treinamento dos dançarinos, com a cultura do físico, mas
obtendo assim mais subsídios para o desenvolvi- sim com o desenvolvimen-
mento de sua pesquisa sobre o movimento e de to artístico, acreditando que
sua atividade artística e pedagógica. Apesar desses somente por meio da explo-
novos contatos, Laban não se tornou um professor ração dos limites do corpo e
de ginástica ou de técnica de dança;
Sônia MariapeloFerreira
contrário, dedosouza
poder da arte, o homem
em vez de tentar fazer com que o dançarino adqui-
soniasouza3@terra.com.br poderia alcançar a sua liber-
risse e mantivesse, por meio HP07816191176724
do treino constante, dade individual, do espírito
um padrão de habilidade e destreza, almejava que sem limites.

O sonho de Laban era formar indivíduos em uma sociedade que dançasse, reno-
vando desta maneira a civilização corrompida. Por isso, ao criar a Escola de Artes
do Monte Veritá, Laban pretendia montar muito mais que uma escola, queria
formar uma espécie de comunidade artística visando desenvolver o potencial do
corpo e da expressão de forma mais completa.
Em vez de ensinar uma técnica de dança, Laban procurava apresentar, nas suas
aulas, exercícios de coordenação, flexibilidade, controle e versatilidade rítmica. A
importância não era desenvolver a habilidade para virar inúmeras piruetas ou dar
saltos altíssimos, mas a capacidade de criar e recriar e explorar ideias por meio da
improvisação; compreender e usar o corpo expressivamente. Logo, tal treinamen-
to voltava-se muito mais a questões estruturais do movimento, procurando fazer

48 culinária coreográfica
que o aluno se tornasse consciente das relações entre o
seu corpo e o espaço, das diferentes rítmicas, da fluência,
experimentando essas descobertas não apenas no âmbito
das ideias, mas também segundo a própria experiência prá-
tica. Com isso, de acordo com Laban, as suas aulas serviam
tanto para o artista profissional como para o amador. Desta
maneira, já nesse período, é possível ver o esboço bem tra-
cejado do que seria a Teoria do Movimento, visto que Laban
sempre se preocupou em estabelecer bases para que a
dança pudesse ser finalmente compreendida, tornando-se
tão valorizada quanto a música e as artes plásticas.
(Fonte: guimarães).

Sônia Maria Ferreira de souza


soniasouza3@terra.com.br
HP07816191176724

Como vimos, Laban descreve alguns


pontos importantes para análise os
quais eu adaptei para minha cozinha
com os seguintes nomes: corpo, espaço,
tempo e força.

49 culinária coreográfica
O corpo é o nosso principal elemento
na dança. Tudo precisa estar integrado com
consciência, pois é o ponto de partida para
quaisquer movimentos e passos. O corpo pode
ser subdividido em:

Partes Cabeça, ombro, quadril, costas, braços,


pernas, pés, joelho, cotovelo...

Corpo Sônia Maria Ferreira de


Movimentos
Alongar,
souzadobrar, circular, cair,
recuperar, balançar, oscilar e sacudir.
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Passos
Andar, correr, saltar, pular, saltitar,
galopar e deslizar.

Vamos entender que passos são deslocamentos que obrigatoriamente


apresentam a retirada de um ou os dois pés do contato com o chão, po-
dendo ser para frente, para trás, para os lados ou para cima. Movimen-
to é a variação de posição espacial no decorrer do tempo. Precisamos
saber da importância da nomenclatura como professores e coreógrafos.
Quanto mais o intérprete ou aluno conseguir distinguir sua direção
verbal, melhor e mais próximo do que você procura ele vai encontrar.
Técnica é a qualidade de consciência corporal aplicada ao movimento. O
discernimento nessa interpretação já é um bom começo.

50 culinária coreográfica
a d e d e c o n s c i ê n c i a
i c a é a q u a l i d
Técn a o m o v i m e n t o .
cor p o r a l a p l i c a d a
Vamos compreender que nosso cor-
po consegue, nominalmente, realizar
pelo menos 8 tipos de movimentos e
7 tipos de passos. Suas combinações
são infinitas, mas precisamos saber
que partimos sempre do simples para
o complexo. Sinto-me um afortunado
quando me lembro do início de tudo

Sônia Maria Ferreira de souza


soniasouza3@terra.com.br
HP07816191176724
isso: eu ainda com 14 anos, em uma de me treinar para campeonatos. Em pou-
academia fazendo ginástica aeróbica. co tempo, saí da condição de aluno para
Naquela época, nos anos 80, os cam- professor substituto e, mais rápido ainda,
peonatos da “Rainha” eram famosos e para assumir minhas primeiras turmas.
desejados por todos no meio das aca- Essa vivência com olhar e estudo físico
demias. Quando falo em “afortunado” me ajudaram bastante a entender sobre
me refiro à “sorte” de estar no momen- movimentos, qualidades em finalizações,
to certo, no lugar certo e talvez com um formas de condução, especificidades de
diferencial musical que me destacava dinâmicas e valências motoras.
em meio a outras 40 pessoas na sala
Esses primeiros esclarecimentos, como
de ginástica. Meu professor na época,
todo bom chef, me instigaram a estudar
e ainda hoje, era Rhony Ferreira, co-
um pouquinho mais sobre nomenclaturas
reógrafo da Delegação Brasileira de
e definições, a fim de refinar minha culiná-
Ginástica Olímpica Feminina, Campeão
ria didático-coreográfica, me levando para
de Aeróbica durante anos e com uma
o seguinte esclarecimento e compreensão
paciência incrível ao me escolher, a fim
maior sobre corpo:
51 culinária coreográfica
Como visto anteriormente, entendemos que o corpo apresenta uma
composição de distintas qualidades que são interconectadas e relacionadas.
A disfunção de apenas uma, duas ou cinco, nunca chegará à consciência
corporal atingida pela elevação da simultaneidade entre todas. Toda a
coreografia parte desta compreensão sobre corpo, pois sabendo as melhores
combinações e de que forma extrair o melhor de seu bailarino, o sucesso do
seu prato coreográfico terá mais chance de surpreender.

Força
Noção
Flexibilidade
corporal
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
HP07816191176724 Percepção
Velocidade espaço-

Corpo
temporal

Contrologia Equilíbrio

Coordenação
Postura
motora
Lateralidade

52 culinária coreográfica
Temos ainda a mais importante de
todas as valências físicas: a força. "A
força muscular é, das capacidades
físicas, a mais importante de todas,
pois ela é elemento indispensável
na realização de qualquer tipo de
movimento. Do mais elementar ao
mais complexo." (ROCHA, 2000).

Todo movimento pode ser alterado por


mudança na força, dependendo destas
quatro manifestações:

Sônia Maria Ferreira de souza


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Ataque
HP07816191176724 Forte e suave

Peso Pesado e leve

Força
Resistência Apertada e frouxa

Fluxo Contínuo e interrompido

53 culinária coreográfica
Ataque Resistência
Pode ser considerada toda atitude, Pode ser apertada ou frouxa. Normalmen-
desde deslocamento total a um te é avaliada uma resistência pela quanti-
simples recuo da cabeça. dade de força desprendida para a manu-
tenção e controle do movimento. Se muita,
Peso
é considerada apertada; se pouca, frouxa.
O peso vai depender do quanto o
corpo se conecta com o chão atra- Fluxo
vés da força da gravidade. Pode ser Refere-se à manifestação dinâmica e
pesado ou leve. É pesado quando contínua da força e pode ser contínuo ou
utiliza a gravidade a seu favor, interrompido. Iniciar e retroceder, pausar e
e normalmente se apropria de continuar podem ser considerados inter-
acentos para baixo; é leve quando rompidos. Contínuos são os movimentos
confronta a gravidade.Sônia Maria Ferreira de souza
sem intervalos, seguindo uma força fluída.
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t o d o m o v i m e n t o,
é u m a s p e c t o o cul
"O espaço a s p e c t o v i s í v e l d o e s p a ç o "
t o é u m
e o movimen Laban
Rudolf

54 culinária coreográfica
O espaço é um local onde o movimento se apresenta. O mo-
vimento é parte integrante do espaço. Mesmo quando não
estamos nos movendo, nossos corpos estão ocupando um
determinado espaço, ou seja, estamos fazendo formas está-
ticas no espaço. Quando nos movemos, cada movimento tem
nível, direção, tamanho, lugar, foco e trajetória.

Forma Direção
A forma no espaço é definida pelo seu de- É designada para onde está sen-
senho unitário ou em conjunto; se é algo do conduzido meu movimento.
Sônia Maria Ferreira
geométrico ou abstrato. de de
Difere souza
foco e apresenta uma
É uma sequência de microfotografias que característica de apontamento,
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possuem certa fluência e condução. deslocamento.
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Nível Tamanho
São as alturas utilizadas enquanto Diz respeito à amplitude do meu
se dança. Se estamos saltando, de pé, movimento como intérprete ou
de joelhos, ou deitados. Chamamos ao tamanho utilizado cenica-
de níveis: alto, médio e baixo. É importante, mente pelo meu grupo.
como grupo, saber utilizar essas alturas
simultâneas, descontruindo a unidade e
ampliando as possibilidades de diferentes Lugar
interpretações musicais. Representa onde espacialmente
eu ou integrantes do meu grupo
estamos localizados..

55 culinária coreográfica
Foco
É a direção do seu olhar durante o de formações, desenhos, em 4 tempos
movimento. Eu posso ir para diago- e normalmente na contagem de 5, 6,
nal fundo, mas manter o foco, olhar, 7 e 8. Isso é o mais básico e comum a
para frente. Normalmente temos um ser aplicado. Por fazer sempre assim,
problema no que diz respeito a core- simétrico, também é normal realizá-la
ografias frontais. São aquelas em que em linha reta, de um ponto a outro, e
os alunos desenvolveram um ponto de todo grupo junto, como se descons-
referência nos ensaios marcado pelo truísse uma cena e montasse outra,
espelho e, mesmo na hora da apresen- sempre utilizando esse mesmo tempo.
tação, sem o mesmo, já têm condicio- As sugestões aqui são experimentar
nado o olhar para frente. sair da contagem padrão e, também,
Trajetória utilizar deslocamentos em curva,
Sônia Maria Ferreira de souza
aproprando-se mais do que 4 tempos
Esse ponto é muito importante. Mes-
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ou então menos e, assim, rompendo a
mo falando sobre transições nos pró- cadência já esperada e óbvia. Realizá-
HP07816191176724
ximos capítulos, vamos pincelar sobre -la dançando ou com algum argumen-
esse tema rapidamente. Temos, como to além de caminhar em cena pode ser
de costume, o hábito de utilizar trocas muito interessante também.

Procure evitar iniciar trocas de formações nos


números 1 e 5 da contagem musical. Não é proibido
fazê-lo, mas fica muito sistemático, se repetidas vezes,
e é identificado, perdendo a expectativa da surpresa.

56 culinária coreográfica
Forma O desenho do corpo
no espaço

Nível Alto, médio, baixo

Direção Para a frente, para trás,


para o lado e em torno
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Espaço Tamanho
HP07816191176724 Grande e pequeno

Lugar Um setor determinado


no espaço

Foco Direção do olhar

Trajetória Curva e reta

57 culinária coreográfica
Por último, mas não menos importante, vamos em determinada velocidade
abordar um pouco a noção de tempo. (lenta ou rápida) e com uma
duração definida (longa ou cur-
Tempo é a duração cronológica de uma ação
ta). A combinação desses ele-
ou evento. Na dança, assim como na música, o
mentos de tempo produz um
tempo está relacionado ao ritmo.
padrão rítmico, caracterizado
O ritmo consiste na combinação de durações
pelo acento, que é a ênfase dada
iguais ou de diferentes unidades de tempo
em determinado momento
produzidas pelos movimentos corporais. Po-
do movimento, acompanhan-
dem ser representadas pelas notações musi-
do a marcação forte no ritmo,
cais de valores de tempo.
e pela pausa, medida de tempo
Os movimentos do corpo sempre se dão em durante a qual uma ação corpo-
um tempo delimitado, obedecendo a um com- ral é interrompida e reiniciada.
passo (unidade rítmica marcada
Sônia pelo Ferreira
Maria pulso), (Fonte:
de souza
Unidança).
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Compasso Marcação e pulso

Velocidade Rápida e lenta

Tempo
Acento Marcação do tempo forte

Padrão Longo e curto

58 culinária coreográfica
Curiosidade
A dança Grega nasceu em Creta, e sua origem e arte lírica surgiu na
“ilha ascendente”.

Os deuses ensinavam a dança aos mortais para que estes “os honras-
sem” e também “alegrassem” Omero.

A dança tinha um papel importante para a cultura cretense; intervi-


nha na liturgia oficial e nos grandes atos da vida particular. Era essên-
cia religiosa, dom dos imortais e meio de comunicação com eles.
Sônia
A dança Dionisíaca Mariamais
é a dança Ferreira de souza
antiga conhecida na Grécia. O prin-
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cípio da dança sagrada, dança de loucura mística, se tornou cerimônia
HP07816191176724
litúrgica – mais tarde cerimonial civil – antes de se tornar ato teatral e
dissolver-se na dança de diversão.

A dança intervinha em todos os momentos da vida dos gregos: dança


de nascimento e pós-parto, onde dançarinas recebiam como agradeci-
mento pãezinhos redondos de milho temperados com grãos de sésa-
mo; danças nupciais, na noite de núpcias e na manhã do dia seguinte,
e danças de banquetes, conhecidas como danças provocantes.

Isadora Duncan baseava-se em modelos estéticos gregos e dançava


de acordo com seu próprio temperamento. Para ela, a dança era a ex-
pressão de sua vida pessoal.

59 culinária coreográfica
Por Oswald Berry
Você não pode apenas gostar da dança, porque isso não é
suficiente. Precisa amar e ter paixão. Se você não estiver muito
apaixonado e amando realmente, você não resiste. O caminho da
criação é prazeroso, porém muito árduo, pois sempre temos um
tempo para cumprir. Essa é a crueldade com que precisamos saber
Sônia Maria Ferreira de souza
lidar. Disciplina, dignidade e humildade, são 3 ingredientes
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que sempre devemos ter à mão.
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60 culinária coreográfica
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O sabor
Variações de dinâmicas

61 culinária coreográfica
Vamos imaginar um prato de almoço em que primeiro você
tenha que comer só o arroz, após o feijão, depois a farofa
e, por último, a carne; cada sabor, inteiro e sem misturar. A di-
nâmica da alimentação e da vida está nas combinações, que
instantaneamente propõem novos sabores e possibilidades.
Já sabemos qual é o sabor do que vamos comer dentro dos
padrões de cozinha doméstica. A variação vem da mistura
e do tempero.

Quando montamos um prato no restaurante, ele é colorido e dese-


Sônia Maria Ferreira de souza
quilibrado. Cada alimento tem sua temperatura, cor, forma e tama-
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nho. Procuramos criar um equilíbrio ao compor no garfo o que que-
remos, naqueleHP07816191176724
momento, ingerir. Um pouco de arroz com feijão me
dará certa satisfação, mas, seguramente, na segunda garfada, você
mudará para o tomate com um pouco de cenoura ralada. Pode até
voltar para o arroz e feijão, que entendo como base de sua coreogra-
fia, mas agora seu paladar não quer algo neutro, quer mais sal, então
cutuca somente batatas fritas juntas e satisfaz seu desejo. Normal-
mente depois de muito sal, procuramos neutralizar novamente, tal-
vez com uma salada mais suave, de alface, que já possui sua água, ou
então um pedaço de carne, que também tem um sugo. Esse trânsito
entre sabores, cores, quantidades, tamanhos e formas é que compõe
nossa rotina e, mesmo assim, ainda salivamos ao pensar na comi-
da. Conseguimos diariamente alterar a forma de comer os mesmos
ingredientes e produzir novas possibilidades de sequências ingeri-
das, espaços e intervalos de tempo entre as garfadas e quantidade
de comida no garfo.

62 culinária coreográfica
Nós estamos falando de um prato preparado com base em
4 ou 5 ingredientes. Agora imagine as possibilidades com
um grupo de 10 ou 15 bailarinos!

o m e t r i c a m e n t e .
s a r a c i o n a r ge
m o s h a b i t u a d o r a d a e l i n e a r.
Es t a f o r m a e q u il i b
, p e n s a m os d e
L o g o
Sônia Maria Ferreira de souza
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É muito comum, quando se acendem as luzes do palco,
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observarmos um grupo igualmente uniformizado, pre-
parado para o início da coreografia. Já nesse momento,
deduzimos: "vão se mover igual também." Foi retirada
sua personalidade, e o todo virou um só. A sequência da
história já é prevista: todos juntos, dançando a mesma
sequência, transitando ao mesmo tempo e configuran-
do desenhos no palco equilibradamente bem no centro.
Explico por meio das ilustrações a seguir:

63 culinária coreográfica
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Esse grupo trocou 9 vezes de desenhos em 2 minutos,


mas continuou sendo linear. Por quê? Equilíbrio
centralizado. Todas as figuras apresentam o mesmo
número de bailarinos nos dois lados do palco.

64 culinária coreográfica
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Imagine toda a plateia, colocando a visão no centro do


palco como ponto fixo e assistindo às pessoas trocarem
de lado, deslocarem-se para frente e para trás, mas
sempre tendo o mesmo número de bailarinos nos dois
lados... Tenho a certeza de que, com menos de 3 minutos,
sua atenção se desprenderá, e seu cérebro, sempre
ativo, será desviado para outras tarefas, agendas ou
lembranças do dia, em vez de se entreter e acompanhar
o que está sendo “observado”. Esse equilíbrio, sendo
rápido ou lento nas transições, tornará seu trabalho
cênico dinâmico, porém linear.

65 culinária coreográfica
Como podemos saber se tendemos para essa
linearidade? Avalie e observe, pelo menos,
4 pontos iniciais:

Foco Avaliar Observar Objetivos


principal

Exploração Utiliza-se todo


Gerar dinâmica
espacial espaço cênico

Não deixar criar


Utiliza-se o centro um ponto fixo,
Descentralização
como ponto matriz evitando energia
central e equilíbrio
Centralização Sônia Maria Ferreira de souza
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Deixa-se
Variar planos,
gerando dinâmica
Frontalidade a coreografia
HP07816191176724 e desprendimento
“chapar
frontal

Criar possibilidades
Trabalha-se com
Desconstrução de transições
base nas formas
de figuras e composição
geométricas
de leituras

Tenho certeza de que a, partir de agora, você vai começar a colorir mais seu pra-
to – quer dizer, seu palco. Vai perceber o sabor e o valor de cada bailarino e com
que formas eles podem se combinar, sem necessariamente terem que ser servidos
como apenas arroz ou feijão, além de nem todos precisarem estar no meio ou sen-
do divididos por igual, partindo do meio. Na próxima vez em que for almoçar em um
restaurante, segure o prato com 3 dedos bem no meio e veja se é possível equilibrá-
-lo enquanto se serve. Depois tente isso assistindo à sua coreografia e, assim, vai
entender o que é dinâmica espacial.

66 culinária coreográfica
Em certo momento, eu percebi que estava sendo
redundante em alguns inícios de conduções coreo-
gráficas. Assistia seguidamente aos últimos trabalhos
e acabava encontrando uma “receita” ou pré disposi-
ção de raciocínio sobre como ocupar os espaços, o que
me levava a um formato de estrutura padrão.

Desmedindo Sônia Maria Ferreira de souza

as quantidades
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Descentralização espacial

Se seguidamente você almoça em um mesmo restaurante, embora al-


terne alguns alimentos, já tem uma disposição de apresentação defini-
da, e acaba desenvolvendo também medidas aproximadas de montar
o prato dia a dia. Sempre uma mesma porção de salada – mesmo que
com ingredientes diferentes –, duas colheres de arroz, o feijão por cima...
e sem perceber é quase o mesmo peso do dia anterior. Agora imagi-
ne entrar nessa mesa do buffet pelo lado contrário da fila. Tenho cer-
teza de que as quantidades serão alteradas assim como os alimentos.

67 culinária coreográfica
Imagine ainda se você estabelecer que, durante uma semana,
não comerá arroz. Fará a substituição por outro carboidrato,
por quantidades diferentes de outros alimentos ou o espaço
ficará vazio?

Brincadeiras como essa foram me fazendo pensar em como


desconstruir a forma de montar meu prato coreográfico com
meu grupo, em como desconstruir o raciocínio padrão. Uma
das maneiras que encontrei foi fazer uma brincadeira com
fotografias. Adoro fotografar e aprendi muito com o olhar
Sônia Maria Ferreira de souza
feito através de uma câmera, observando como as coisas se
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compõem, como a profundidade pode ser valorizada, como
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posso trabalhar com planos, destacando o que eu quero valo-
rizar mais e de que maneira posso apresentar pesos diferen-
tes ao olhar uma foto.
O exemplo, a seguir, mostra a fotografia de um barco:

68 culinária coreográfica
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Eu queria encontrar uma maneira de ocupar os


espaços sem me prender à natural geometria
equilibrada que nosso subconsciente propõe.
Então peguei meus 13 bailarinos e dispus sob
alguns elementos da fotografia. Depois retirei
a foto e pensei no palco.
Eu me surpreendi ao ver como ficou curio-
sa a forma assimétrica da estrutura inicial.
Ao mesmo tempo, pensei em como poderia
sugerir movimentos em linguagens diferentes
para os grupos criados, talvez por afinidade ou
ainda por aproximações de estilos corporais.

69 culinária coreográfica
A partir daí, a utilização deste tipo de recurso para
desconstrução de ideias e formas geométricas se tornou
contínua em meus trabalhos, e comecei a aprofundar o
estudo de transições e espaços não ocupados.

Utilizo as linhas que me


chamam a atenção por algum
motivo e aplico bailarinos
Sônia Maria Ferreira dedistribuídos
souza sem métrica.
O
soniasouza3@terra.com.brobjetivo é ter um novo
argumento que não parta
HP07816191176724
de princípios criativos já
predispostos.

Por vezes, utilizo os


desenhos para visualizar
as transições e novas
ocupações, medindo
também as distâncias e
relacionando a dinâmica
aplicada para os diferentes
trajetos a serem realizados.
70 culinária coreográfica
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Aproveito o visual das anotações para


observar os espaços ainda não ocupados e o
que posso melhor utilizar como opção para
um próximo momento. Analiso as dinâmicas
de ocupações espaciais do elenco e como,
após o desequilíbrio, posso equilibrar ou
expandir a ideia para outro setor.

71 culinária coreográfica
A análise de fotos e de como tirá-las
passou a ser um exercício de criação
coreográfica. Começou a ser impos-
sível olhar paisagens e formas e não
imaginar o elenco disposto nos con-
tornos dos desenhos, preenchendo as
figuras, separando objetos e texturas..
Eu comecei com paisagens naturais,
depois fui procurando explorar as lu-
zes, as sombras, o clima, a temperatu-
ra, as lentes, um tema, as cores e, em
seguida, fui procurar um padrão nas
fotos do dia, da semana ou período
em que eu estava vivendo. Focava o
meu olhar para determinado ponto
ou conjunto de coisas. Isso tudo co-
Sônia Maria Ferreira de souza
meçou muito naturalmente até che-
soniasouza3@terra.com.br
gar ao ponto de análise emocional.
Essa conexão criada no momentoHP07816191176724
do
clique da foto talvez nunca retorne
ou talvez seja corriqueira. O impor-
tante é que você reforçou, em sua
memória, algo que com certeza ainda
vai utilizar. Talvez nem saiba quando
ou como, mas lhe garanto que como
dito no capítulo 3, da colher, o funda-
mental é o abastecimento; afinal,
todo dia é dia de feira.
Agora imagine as possibilidades em
todas as formas já existentes! Desde
os carros nas ruas às flores no parque.
Da louça suja na pia à feira de móveis.
Das nuvens no céu ao ponto arroz
nos fios do blusão de lã. Abra sua
72 cabeça, memorize as formas, culinária coreográfica
reconheça as texturas.
Sônia Maria Ferreira de souza
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HP07816191176724

73 culinária coreográfica
Compreenda as cores e temperaturas,
admire o incompreensível. Se revolte com
sujeira nas ruas, arrume seu cabelo vaido-
samente no reflexo de uma vitrine, mas
nunca, nunca deixe de prestar atenção
além dos seus olhos.
Reviva a cena toda, não limite a sua pupi-
la. Vincule os segundos com o que pensa,
gere sensações e auxilie sua memória.
Olhe por outro ângulo o que sempre viu
da mesma forma. Circule em volta de uma
árvore e preste atenção às diferentes ma-
neiras de como ela pode ser vista. Trabalhe
sua inteligência emocional.
Sônia Maria Ferreira de souza
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74 culinária coreográfica
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75 culinária coreográfica
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A ordem
dos pratos
Estrofes musicais

76 culinária coreográfica
Sabemos que, em um restaurante, você sempre en-
contra no cardápio a entrada – que eu chamaria de
ambientização inicial – o prato principal – desenrolar
da coreografia – e, por fim, a sobremesa – a conclusão
da proposta. Vamos tentar entender cada parte e por
que elas juntas se completam.

Sônia Maria Ferreira de souza


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Entrada
Introdução coreográfica
Sempre temos, no início da música, um período de introdução, algo que
vai dar o tom e o “aroma” da sequência. Neste momento, estamos prepa-
rando a plateia para o que queremos contar ou propor. É algo como quan-
do o Brasil jogar futebol às 16h, mas a TV começar a transmitir desde às
15h 45min. Todo mundo se prepara no sofá para o jogo que vai começar.
Esse é o momento que precisa ter o que eu chamo de “apelo de expecta-
tiva” – criar suspense, não entregar o todo, mostrar algumas partes a fim
de despertar o interesse da plateia a permanecer no sofá e ver o restante.

77 culinária coreográfica
Normalmente é anunciado o nome da em um livro já lido anteriormente. É difí-
coreografia ou tema coreográfico. As cil competir com a criatividade do leitor,
pessoas escutam o apresentador ou pois ele constrói um mundo da melhor
leem no programa. Nesse momento, maneira possível dentro de sua máxi-
elas ficam na expectativa da apresen- ma criação. Pode ser bem divertido esse
tação e tentam fazer uma rápida aná- desafio. O outro é apresentar um tema
lise em sua biblioteca de memória para inusitado, podendo ter sua história ou
verificarem se sabem do que se trata e, condução até com reconhecimentos
assim, preestabeleceram uma relação musicais ou visuais (como o cenário),
com o que será visto. mas cuidando para que o diálogo com
quem assiste seja interessante a ponto
Se o público já ouviu falar sobre o tema
de ele querer construir junto com você.
ou sabe do que se trata, você provavel-
mente terá que superar suas expectati-
Sônia Maria Ferreira de souza
vas. É como assistir a um filme baseado
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ã o a b s o l u t a m e n t e
a s as m a n e i r a s s s .
N a d a n ç a t o d c o m o c o n d u z i - l a
d i f e r e n ç a e s t á e m
interessa n t e s , a

78 culinária coreográfica
Eu iniciei minha caminhada coreográfica na dan- que já haviam construído
ça com um grupo chamado Street Heartbeat, for- em suas cabeças, tendo al-
mado por 32 meninas. Foi um choque nacional gumas ideias semelhantes
quando só mulheres apresentaram um trabalho e outras sugeridas após as
de Dança de Rua em um festival competitivo. Em apresentações. Outras pes-
meados de 93, montamos esse grupo para preen- soas, sem noção do que se
cher uma lacuna no evento de um amigo, o que tratava, eram conduzidas a
acabou durando 11 anos. Não tem como não me conhecer algo novo e, quem
lembrar de forma mais Sônia Maria
carinhosa Ferreira
dessas meni- desabe,
souzaprocurar saber mais
nas com as quais tenhosoniasouza3@terra.com.br
contato até hoje. Tudo o depois. Outras ainda eram
que descobrimos juntos foi lição e, com certeza, é
HP07816191176724 levadas pela plasticidade,
aplicado em algum momento de nossas vidas. Fo- indiferentes ao tema e aos
ram inúmeras histórias que merecem não um ca- seus conceitos. Tudo isso e
pítulo, mas um livro inteiro. Para o momento, vou muito mais é dança e sua
contar sobre um trabalho apresentado em 2000. infinita relação com a mente
Chamava-se “Antítese”. Foi uma pesquisa a respei- dos outros através dos olhos
to de todas as coisas que conseguimos relacionar e ouvidos. Tudo se permite e
com seus opostos, visto que a palavra significa é apresentado na entrada
isso – contrário. Partimos do volume de integran- do jantar.
tes, entre uma dançando sozinha e, em seguida,
todas as outras; em outro momento, uma de nos-
sas bailarinas entrava nas pontas dançando Balé
Clássico; o restante do elenco, Dança de Rua. Ex-
ploramos o branco e o preto, o alto e baixo, o lento
e o rápido... e constatamos que as pessoas, saben-
do do significado da coreografia, esperavam algo

79 culinária coreográfica
16h – começa o jogo propriamente dito. São as es-
trofes iniciais, refrões e estrofes finais. Essa é nossa
maior estrutura da coreografia, em que jogos, pau-
sas, velocidades, intensidades, todas as qualidades
e explorações corporais, são aplicadas para compor
e conduzir seu tema.

Sônia Maria Ferreira de souza


soniasouza3@terra.com.br

Prato principal
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Desenvolvimento da proposta
Ao se trabalhar com música, é importante entender algumas
coisas. Uma delas é a métrica.
Métrica, em música, é a divisão de uma linha musical em
compassos marcados por tempos fortes e fracos, representada
na notação musical ocidental por um símbolo chamado de
fórmula de compasso. Apropriadamente, métrica descreve o
inteiro conceito de medição de unidades rítmicas, mas pode
ser usada como um descritor específico de uma obra individu-
al, conforme representado pela fórmula do compasso: "Esta

80 culinária coreográfica
música está num compasso 4/4" equivale 1 ou 2 estrofes de
a dizer que "Esta música está em anda- ambientização inicial;
mento 4/4" ou "É uma música em 4/4". 2 ou 4 estrofes de refrão;
As músicas não possuem regras, mas têm
2 estrofes de refrão;
uma linha que permeia sua composição.
Se prestarmos atenção, a maioria 2 ou 4 estrofes da segunda parte;
é formada por:
2 estrofes de refrão;
1 ou 2 estrofes finais.
Por que é importante saber isso?
Porque toda sua estrutura – tra-
balho de peso, volume, dinâmica,
entradas e saídas, transições, inten-
sidade, leitura de movimento – está
Sônia Maria Ferreira de souza
diretamente ligada à música ou
soniasouza3@terra.com.br
à ausência dela.
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Por Eva Schul


O processo de criação é o de fazer escolhas, o de assumir a responsabilidade pelos
caminhos e pela condução do todo para o resultado final esperado, ou mesmo
para a realização do diálogo sobre o tema proposto com a plateia, de forma que
possibilite a fruição necessária para que a alteridade e o diálogo aconteçam.
Creio, cada vez mais, numa obra que dialogue, elimine a quarta parede e, sem
espetacularidade, consiga ser tão verdadeira e natural, além de poder estabelecer
esse diálogo com a platéia frente a frente, de pessoa a pessoa, sem postular,
discursar ou impingir.
81 culinária coreográfica
i s s i o n a i s d a á r e a
a o s o l h o s d o s p rof
Existe algo que, s, é incontestável quando
e dos espectadore ilidade musical.
ib
ep rcebido – a sens

Saber que, supostamente, depois da 3ª


estrofe, vem o refrão me faz antenar que
essa é a parte mais forte da música. Para
tanto, preciso ou diminuir o número de
bailarinos em cena ou diminuir a inten-
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
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sidade dos movimentos para que, na de leitura extremamente apurados que
hora do crescimento musical do refrão, levam a inegável alcance de aceitação
eu tenha recursos para colocar mais de todos. Não estou falando do simples
bailarinos no palco, o que chamamos belo, que merece uma página do cardápio
de “volume”, ou aumentar a dinâmica, para resolver quem ele é e para quem ele
tamanho e velocidade dos movimentos, é, mas do “sensivelmente belo”. Por vezes,
o que chamamos de "intensidade”. me peguei lendo e tentando definir o que
poderia ser técnica quando não temos
Existe algo que, aos olhos dos profis-
comparativos e nomenclaturas envolvidas.
sionais da área e dos espectadores, é
Uma definição que me levou à aproxi-
incontestável quando percebido – sen-
mação do que eu acredito é “O equilíbrio
sibilidade musical. Estamos falando
entre sensibilidade e consciência corporal”,
de pessoas que traduzem de forma
basicamente o controle da força e sua apli-
harmoniosa e corporal a frequência
cação em distintas partes do corpo através
musical em visual. Elas possuem um
de uma condução consciente.
vocabulário de movimentos e condição
82 culinária coreográfica
É onde conectamos todas nossas estruturas.
Temos que procurar deixar para essa última
parte as respostas às questões levantadas, os
Sônia Maria Ferreira de souza
links das ideias iniciais, a conclusão do tema
soniasouza3@terra.com.br
ou a proposta de uma nova questão.
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Sobremesa
A expectativa
Apresentar soluções precipitadamente pode comprometer seu trabalho
quanto à expectativa e, quando perdemos isso, desprendemos a atenção
de todos. Temos sempre que fazer com que o cérebro de quem assiste
esteja procurando algo no seu trabalho, mas não podemos dar a certeza
para eles tão facilmente. Se você sabe qual é a sobremesa antes do final,
é capaz de não jantar, esperando a hora do doce.

83 culinária coreográfica
Ao contrário do ditado popular, na dança,
a última impressão é a que fica. Se um
espetáculo começa mal e termina bem, ele
será comentado positivamente, porque re-
cuperou e acabou crescente. Se ele começa
muito bem e termina mal, será comentado
que não sustentou e decaiu. Por mais que
ambos tenham uma parte boa e uma mais
fraca, a ordem dos fatores aqui altera o
comentário final.
Sônia Maria Ferreira de souza
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s t á n a e x p e c t a t i v a
A s e d u ç ã o e Não antecipe a sobremesa.

da descoberta.
A expectativa valoriza
os pratos anteriores.

84 culinária coreográfica
Sônia Maria Ferreira de souza
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Controlando
a temperatura
do forno
Entradas e saídas
85 culinária coreográfica
Saber preparar o forno na temperatura certa para depois
colocar o alimento ou a que horas é preciso baixar o fogo
para não queimá-lo é conhecimento também necessário na
dança. A que horas colocar mais bailarinos, que horas estes
devem sair pelas coxias, por que retirá-los e de que forma
isso fará sentido, vai depender simplesmente da necessida-
de e temperatura do forno.

Por vezes, fazemos trocas de elenco gratuitas, sem justificativas


musicais
Sônia ou necessidades
Maria Ferreiraclaras.
deInversões
souzade 2 por 2 ou retirar 3 e
colocar
soniasouza3@terra.com.br As trocas, entradas ou
3 ficam muito vagas cenicamente.
saídas, normalmente seguem umas dicas:
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Preste atenção na música. Podemos iniciar com poucos ou mui-
tos bailarinos em cena, mas precisamos sentir a necessidade do
movimento e sua amplitude. Quero dizer se o início é suave e a
opção são todos do meu elenco em cena, evito movimentação
brusca, dinâmica e periférica. Procuro trabalhar pequenos grupos
isolados, com movimentação suave e alternar planos, para não
gerar linearidade, unidade e volume. À medida que a música cres-
ce, posso então acrescentar mais pessoas em cena ou aumentar o
movimento e velocidade de quem já está presente.
Utilizar planos simultâneos em leituras diferentes é sempre muito
interessante. Desta maneira consegue-se perceber uma fluência
harmômica musical de alguns instrumentos, como violino, piano,
outros de sopro (que consideramos condutores). Podemos, então,
estabelecer um tipo de movimentação, enquanto outro grupo
pode valorizar mais os percussivos e vocálicos, aproveitando as
86 culinária coreográfica
Foco Avaliar Composição Observar
principal

Entradas e saídas Ambientação inicial,


(volume) refrão, frases musicais
e final

Transições
(deslocamento)
Interpretação
musical
Composição de leitura
(utilização simultânea
de vários sons)

Placas de alturas
Dinâmica interna
compostas
(intensidade)
(isolar no chão)

Imprevisíveis
Sônia Maria Ferreira de souza (sair do tradicional
início de sequência no 1)
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separações de sílabas que, em algumas tiva do público. 2) Normalmente, quan-


músicas, são sincopadas e interessan- do isso acontece, nem todos do elenco
tíssimas. chegam aos seus lugares ao mesmo
tempo, tendo aqueles que chegam um
Evitar inícios de sequências no número
tempo antes e têm de esperar para o
1 ou 5 após deslocamentos. Duas coi-
início de sequência. Isso é chamado de
sas são importantes: 1) normalmente,
tempo de preparação e, deste jeito, per-
quando isso é facilmente percebido,
dem-se completamente a harmonia e
você utilizou caminhadas ou descons-
condução.
truiu o movimento para deslocamento.
Perde-se, assim, fluência; fica parecen- Não percebemos que entrar pelo lado direi-
do sequências de aulas engajadas em to não é a mesma coisa do que entrar pelo
qualquer música e perde-se a expecta- esquerdo. Vamos entender isso.

87 culinária coreográfica
É natural, entre nós, de origem cultural judaico-cristã oci-
dental, que desde cedo aprendemos que uma página se
lê da esquerda para a direita e de cima para baixo (ocorre
o oposto no Japão, por exemplo) e achamos que o olhar
do observador vai naturalmente partir do topo da pági-
na e descer ao pé ou fazer uma leitura diagonal do canto
superior esquerdo ao canto inferior direito (vestergaard
& schroder, 2004:63).
Sônia Maria Ferreira de souza
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Arrumando o prato
Leitura ocidental
É por essa razão que a grande maioria dos anúncios tem a assinatura ao
pé da página, geralmente no canto inferior direito. É uma técnica para
reafirmar a marca, a fim de o consumidor se lembrar dela no momento
em que for ao mercado; é o último incentivo à ação.

88 culinária coreográfica
1 3
5
6

4 2
Sônia Maria Ferreira de souza
Os pontos 1 e 2 correspondem 4 zona morta terminal – seguimos nos-
soniasouza3@terra.com.br
às zonas nobres: so olhar ao setor quatro, procurando
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1 zona primária – dentro de uma leitura novos elementos de interesse.
ocidental, área onde procuramos em
O ponto 5 corresponde
primeiro lugar quando olhamos para
ao centro ótico:
uma página impressa;
Situado um pouco acima do centro
2 zona terminal diagonal – área em que geométrico, o centro ótico é o ponto
corremos os olhos rapidamente, se- onde paramos realmente, atentando
guindo a linha diagonal e visualizando, para os detalhes. Por isso, esta zona
de forma geral, os elementos/assuntos central tem força maior natural para
da página. prender nossa atenção.
Os pontos 3 e 4 correspondem
às zonas mortas: O ponto 6 é o centro geométrico:
3 zona morta – setor que necessita ser Depois de uma rápida olhada pela
valorizado com elementos de des- página, focalizamos a vista no ponto
taque para um maior equilíbrio dos central.
elementos, colocando fotos ou textos
em destaque;
89 culinária coreográfica
Agora vamos utilizar esse estudo e aplicá-lo no
palco, não observado por cima, mas imaginado
frontalmente.

1 3
5
6
4 2

Sônia Maria Ferreira de souza


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Se apresentamos um solo, precisamos entender que


deslocar da direita para a esquerda (visto pelo público)
chamará muito mais atenção do que deslocar da esquerda
para a direita. Isso ocorre porque nossa leitura é ocidental
e já estamos acostumados com o fluxo do olhar. Algo que
interrompa a natureza da leitura atrairá mais atenção.
Saber disso pode ajudar a utilizar esse artifício de leitura
a seu favor. Por vezes, colocamos um bailarino entrando
de cada lado do palco pensando que estamos equilibrando
uma cena, mas esquecemos que, por força de leitura, quem
entra pelo lado direito chamará muito mais atenção do
que quem entra pelo lado esquerdo.
90 culinária coreográfica
Há dois níveis de leitura da imagem: o da denota-
ção e o da conotação. O primeiro atende à simples
descrição ou enumeração dos seus elementos; o
segundo é de raiz subjetiva, depende do contexto,
da intencionalidade com que é utilizada e das pos-
síveis sugestões que a interpretação da imagem
veicula.

Decorando a mesa
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Leitura de imagens
Na leitura da imagem, são mobilizadas experiências
não apenas cognitivas e culturais, mas também afeti-
vas, de sensibilidade ou psicomotoras. Para a concreti-
zação dessa leitura, é necessário atender:
Percepção do que a imagem representa, levando em
consideração o seu assunto e projeção da forma de ser
e de pensar do púbico;
Identificação dos elementos (bailarinos e/ou cenários)
que compõem a imagem;
Interpretação do que a imagem significa, atendendo
ao seu poder evocativo e simbólico.

91 culinária coreográfica
Percepção
A realidade imediata representada
(personagens, cenários, objetos,
formas, linhas, entre outros).

O tema, o motivo e as aparências.


O que o primeiro contato sensorial
revela do que está representado.
O tipo de imagem.

Identificação
A Composição: representação As cores:de souza
Sônia Maria Ferreira
do espaço e da luz através:
Primárias: vermelho, amarelo, azul.
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De linhas e pontos de fuga (que
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Secundárias (formadas por duas cores
criam um efeito de perspectiva
e de profundidade); primárias em partes iguais): verde,
Da cor e dos seus diversos matizes laranja e violeta.
ou reflexos. Terciárias ou mistas (intermediária en-
Da representação do movimento atra- tre uma secundária e uma primária):
vés das reações entre a luz e as formas. as restantes.
Dos elementos morfológicos: pontos,
textura, linhas horizontais, verticais, Quentes: vermelho, laranja, amarelo.
curvas e oblíquas, formas geométricas. Frias: azul, anil, violeta.
Neutra: verde.

92 culinária coreográfica
Curiosidade
A escolha de luz e o figurino são diretamente remetidos ao estado de espíri-
to e intenção emocional coreográfica. Pode ser apenas uma parte, como por
completo. O importante é saber que subjetivamente as cores já possuem
determinações preestabelecidas que podem ser usadas ao seu favor:
Branco – síntese de todas as cores. Representa a pureza de alma. É a cor da
paz e da perfeição. Pode simbolizar a claridade, mas, ao mesmo tempo, pali-
dez, frieza e esterilidade.
Sônia Maria Ferreira de souza
Preto – cor que absorve as demais; símbolo da escuridão, da interrupção da
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vida, do sofrimento, da dor, do silêncio, do abismo, do medo, do luto.
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Vermelho – cor do fogo, do perigo, da paixão; símbolo da coragem, da vitali-
dade; cor da felicidade (no Oriente).
Laranja – cor do aconchego e do bem-estar; símbolo do otimismo e da gene-
rosidade. Representa o equilíbrio entre a sexualidade e o espírito.
Amarelo – cor do sol, da luz; símbolo de riqueza e de alegria.
Verde – símbolo do equilíbrio. Relaciona-se com a natureza – princípio e fim
de tudo. Representa esperança, juventude, prosperidade.
Azul – cor da purificação e da busca da verdade interior. É a cor do mar e
do céu. Pode exprimir distanciamento e aproximação. Simboliza serenidade,
harmonia, amor e fidelidade.
Anil – cor da espiritualidade em sintonia com a matéria; remete para a racio-
nalidade; exprime reserva e introversão. Simboliza, como o azul, fidelidade.

93 culinária coreográfica
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Se observarmos esse desenho
temos a certeza que as linhas
estão tortas. Não cabe aceitar
que são paralelas.

94 culinária coreográfica
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Agora, conseguimos perceber que realmente
são paralelas, mas por quê?

Algumas combinações de cores nos figurinos,


quando colocados em profundidade, podem
criar confusões visuais. A distância entre um
e outro, sem uma iluminação ou ponto de
referência que apresente uma possibilidade
de relação visual, pode prejudicar tudo
o que pensamos estar “alinhado”.

95 culinária coreográfica
Existe um outro exemplo clássico para
perceber que nosso cérebro trabalha numa
velocidade maior que a compreensão
do intelecto:

Neste gráfico, percebemos luzes


que piscam nas linhas brancas,
indicando que, se ligarmos as
pontas dos quadrados negros,
Sônia Maria Ferreira
teremosdemaissouza
um quadrado
ocupando aquele espaço. Isso
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ocorre, porque a velocidade em que
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pensamos é maior que a velocidade
em que codificamos o pensamento.

Se esse mesmo gráfico possuir


linhas curvas, fará com que levemos
mais tempo para conduzir a nossa
leitura e interpretação, e não
identificaremos os quadrados
negros piscantes da figura anterior.

96 culinária coreográfica
Interpretação
Polissemia
Os diversos temas e mundos sugeri- Valor utilitário: interesse comercial,
dos pelas mensagens; didático, documental, narrativo,
Relações com o cultural e civilizacio- crítico...;
nal; a formação do público; O sentido das cores: a representação
Valores temporais (do passado, do do real; a tradução de estados de alma,
presente ou de projeção do futuro) a relação com o todo.
que afirmam estados de alma repre-
sentantes beleza, tristeza, depressão,
angústia, euforia...;

Sônia Maria Ferreira de souza


Função soniasouza3@terra.com.br
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As imagens possuem um enorme Função informativa (ou referencial) –
potencial graças à sua linguagem, que a imagem fornece informações con-
pode ser entendida em qualquer lugar. cretas sobre acontecimentos e ele-
Com a globalização que a tecnologia mentos da realidade. É testemunha
tem favorecido e incentivado, há um dessa realidade, como sucede com
sistema de produção industrial, in- os retratos e as fotos das reporta-
formação e publicidade centrado na gens, na comunicação social, ou pode
imagem que procura, por um lado, apresentar um universo imaginário,
apresentar os acontecimentos, mas, como acontece com as pinturas ou
por outro lado, seduzir, argumentar e as imagens de ficção. Há quem prefi-
convencer. Por ser polissêmica, a ima- ra denominar função representativa,
gem pode ter várias funções de acordo uma vez que a imagem imita uma
com as diversas interpretações: realidade, tentando mostrá-la o mais
objetivamente possível, como na arte
figurativa.

97 culinária coreográfica
Função explicativa – a imagem tem como acusadora para alertar consciên-
por objetivo explicar a realidade cias. As caricaturas e desenhos humo-
através de sobreposição de dados. rísticos privilegiam esta função crítica.
Isso o que acontece nas ilustrações
que ajudam a explicar os textos ou Função estética – a imagem visa à
em diagramas que ajudam a mostrar satisfação e ao prazer do belo, valori-
graficamente um processo ou uma zando as repetições, alternâncias ou
relação. Pode ser designada por fun- contrastes dos elementos que a confi-
ção descritiva – a imagem contribui guram, como as linhas, formas, cor, luz...
para apresentar em detalhe a realida-
de (pessoa, paisagem...). Enquanto a Função simbólica – a imagem orienta-
função informativa (representativa) é se para significados sobrepostos à
sintética, a função explicativa (descri- própria realidade (como acontece com
tiva) é analítica. Sônia Maria bandeiras
Ferreira dee imagens
souza convencionais,
como
soniasouza3@terra.com.bro coração com uma flecha...).
Função argumentativa – a imagem
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procura influenciar comportamentos,
persuadir, convencer, tornando-se um Podemos ainda destacar outras diver-
importante instrumento na publicida- sas funções, que normalmente combi-
de e na propaganda. Ao centrar-se no nam entre si, como as seguintes:
receptor e ao ter a intenção de influen-
ciá-lo, esta função junta-se à função
Função narrativa – a imagem conta ou
conativa ou apelativa da linguagem,
sugere histórias, cenas, ações (como
que tenta exportar, suscitar ou pro-
sucede em desenhos, filmes);
vocar estímulos, promover e mudar
comportamentos.
Função expressiva – a imagem revela
sentimentos, emoções e valores do
Função crítica – a imagem não apenas
próprio autor ou daquilo que repre-
informa, mas procura desvendar e
senta (expressões faciais, posturas do
denunciar situações. Tanto pode ser
corpo, perspectivas de enquadramento,
apenas desveladora de uma realidade
jogos de luz, relação com o cenário);
ou processo, apontando caminhos,

98 culinária coreográfica
Função lúdica – a imagem
orienta-se para o jogo, o
entretenimento, incluindo o
humor, a caricatura;
Existem muitas coisas que podem ser envolvidas
Função metalinguística – em seus estudos para uma composição coreo-
a imagem interessa-se pelo gráfica como pensamento, elaboração, criação
código visual, como sucede e condução. A cada minuto, entendo que o me-
com a utilização de modelos lhor aprendizado é estar atento ao nosso dia a dia.
para representar algo ou de A quantidade de informações cotidianas que nos
autorretrato a serem pintados. circunda e que podemos trazer para dentro da
dança é infinita. Essa é nossa maior contribuição
para a arte. A criação está diretamente relacionada
Sônia Maria“quem
a você é”
Ferreira dee “para
souza quem você cria”. A cone-
xão necessariamente precisa existir para tornar a
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codificação da coreografia e a descodificação pelo
HP07816191176724
público em algo orgânico, verdadeiro.

Por Caio Nunes

A essência da coreografia está no equilíbrio das coisas.

Em musicais, fazemos muito isso. Precisamos contar uma história com o corpo, com a voz,
com dramaticidade, e esse conjunto de coisas não pode derrubar um ao outro. Precisamos
cuidar para ver se o figurino não vai brigar com a proposta do tema, se não vai atrapalhar sua
movimentação, se o cenário não vai ficar demais. A harmonia de todos os elementos juntos
precisa estar equilibrada para se tornar um todo significativo e não fragmentos de partes.

99 culinária coreográfica
Sônia Maria Ferreira de souza
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Colocando
a mesa
Preparando o ambiente

100 culinária coreográfica


No Capítulo 1 comentei o tema “Para quem vai ser servido o pra-
to”. Essa é uma questão primária que, muitas vezes, por força
do tempo, não percebemos: utilizamos uma mesma coreogra-
fia nas 10 apresentações que, em média, fazemos durante um
ano. Quando recebemos um convite, não perguntamos qual
será o público presente; resolvemos, depois, que trabalho levar.

A verdade é que, na maioria das vezes, levamos o trabalho da vez, o que


estamos ensaiando. Sem perceber, vamos diminuindo a expectativa dos
bailarinos quanto ao “sonho” de se apresentar, tornando isso mecânico.
Utilizei a palavra
Sônia “sonho”,
Maria porque acredito
Ferreira deque todos os artistas sonham
souza
– entenda-se esperam – por esse momento. A expectativa gerada no elen-
soniasouza3@terra.com.br
co é tão importanteHP07816191176724
quanto a que vai ser gerada no público. Temos duas
mentes importantes que devem fazer parte deste conceito de preparar
o ambiente: a intuitiva e a analítica.

Mente intuitiva
O sonho é um projeto pessoal, mas as outras pessoas são fun-
damentais para alcançá-lo. Ninguém o realiza sozinho. Walt
Disney afirmou certa vez: “Você pode sonhar, projetar, criar
e construir o lugar mais maravilhoso do mundo. Mas precisará
de pessoas para tornar o sonho realidade.” A grande realização
de Walt Disney não foi o Mickey nem a Branca de Neve. Seu ato
mais genial foi ter moldado uma organização capaz de “dar
vida” a esses e a tantos outros personagens.

101 culinária coreográfica


Como Walt Disney, tantos outros perceberam
e evoluíram no que diz respeito à sensibilidade
dos canais de percepção das pessoas: Steven
Spielberg, Steve Jobs e Guy Laliberté. Vamos
contar um pouco mais sobre este último “desco-
nhecido” nome, mas mundialmente conhecido
pelo seu produto.
Uma ideia maravilhosa começou a se concreti-
zar no começo dos anos 80 em Baie-Saint-Paul,
um charmoso vilarejo na costa norte do rio
São Lourenço, a leste da cidade de Quebec. Les
Échassiers de Baie-Saint-Paul
Sônia ("os Equilibristas
Maria de de souza
Ferreira
pernas-de-pau de Baie-Saint-Paul") é um grupo
soniasouza3@terra.com.br
teatral fundado por Gilles Ste-Croix, cujos com-
HP07816191176724
ponentes andavam em pernas-de-pau, faziam
malabarismo, dançavam, cuspiam fogo e toca-
vam música. Esses jovens artistas, entre os quais
o fundador do Cirque du Soleil, Guy Laliberté,
sempre impressionavam e intrigavam os mora-
dores de Baie-Saint-Paul.
Em 1984, durante a comemoração do 450º ani-
versário da descoberta do Canadá por Jacques
Cartier, a província de Quebec procurava um
evento para comemorar essa data. Guy Laliberté
convenceu os organizadores de que a melhor
escolha seria uma turnê dos artistas do Cirque
du Soleil pela província. Dali em diante não
parou mais!

102 culinária coreográfica


Desde então, a história do Cirque du Soleil fortaleceu-
-se através de laços extraordinários entre artistas e es-
pectadores de todo o mundo. E é isso que atiça o fogo
sagrado do Cirque du Soleil.
Cirque du Soleil é uma companhia com sede em Quebec
e reconhecida em todo o mundo pelo entretenimento
artístico de alta qualidade que promove. Desde a sua
fundação, em 1984, o Cirque du Soleil procurou evocar a
imaginação, invocar os sentidos e provocar emoções em
pessoas de todo o mundo.

Sônia Maria Ferreira de souza


Em 1984, 73 pessoas trabalhavam Os artistas da companhia
soniasouza3@terra.com.br
para o Cirque du Soleil. Atualmente, representam cerca de 50
HP07816191176724
a empresa tem 5000 funcionários nacionalidades e falam 25
em todo o mundo, incluindo mais idiomas diferentes.
de 1300 artistas.
Mais de 100 milhões de espectadores
Só na sede internacional de Montréal assistiram a um espetáculo do Cirque
trabalham cerca de 2000 funcionários. du Soleil desde 1984.
(Fonte: Cirque du Soleil).
Existem mais de 100 tipos de cargos
no Cirque.

103 culinária coreográfica


O Cirque du Soleil é uma força criativa
multifacetada. Eis 8 características-chave
que ajudam a definir quem são:

Performance acrobática;
atuação; mundos imaginários;
formas desoniasouza3@terra.com.br
arte pelo mundo;
Sônia Maria Ferreira de souza

ousadia; destreza;
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graça e dança.

Eles consideram a dança uma parte intrínseca do nosso mun-


do. É uma forma de arte anatômica, poética e física que trans-
forma as emoções em movimentos.
O “sonho” do Cirque du Soleil também é parte integrante de
sua filosofia: levar a aventura ainda mais longe, além dos so-
nhos e, acima de tudo, acreditar que a equipe é o motor da
empresa. Oferece aos seus artistas e criadores a liberdade ne-
cessária para imaginar e realizar os sonhos mais incríveis.

104 culinária coreográfica


Citei um pouco da história deste incrí- mais sobre o que realmente era so-
vel gerador de arte por me lembrar do nhar, como eu planejava para alcançar
quanto eu falava para professores que os meus sonhos e também, muito im-
trabalhavam junto comigo e, também, portante, o que atrapalhava a sua rea-
para os próprios integrantes de meu lização. Isso desencadeou uma série de
grupo de dança, sobre a importância bailarinos intérpretes que desponta-
de sonhar. Era instintivo o valor que eu ram como coreógrafos, evoluindo toda
aplicava a este tópico e me despertou a inteligência cênica do grupo.
a curiosidade para procurar entender

r a z o á v e i s ,
p r e c i s a m s er
Sônia Maria Ferreira de souza

s o n h o s n ã o c e r t
soniasouza3@terra.com.br
r o ” .
“O s e p o d e m d a
HP07816191176724

p o r i s s o q u
é
Albert Einstein não sabia falar até os
4 anos de idade, só aprendeu a ler aos
Souza
Cezar 7, chegou a ser expulso da escola onde
estudava e não foi admitido na Escola
Michael Jordan, o astro do basquete Politécnica de Zurique.
mundial, foi cortado do time da escola;
Em 1944, a diretora da agência de
Winston Churchill repetiu o 7º ano do modelos Blue Modeling disse a Norma
Ensino Fundamental e só aos 62 anos Jean Baker: “É melhor você fazer um
de idade tornou-se primeiro ministro curso de Secretariado ou arrumar um
da Inglaterra; marido.” Norma ficou conhecida mais
tarde como Marilyn Monroe.
105 culinária coreográfica
É importante sabermos que quando lidamos com pessoas,
mesmo em dança, existem muitas outras coisas envolvidas.
Vou contar um fato que me chamou atenção:

Tenho uma produtora de eventos vol- fariam. Saímos do teatro e fizemos de


tados à dança e, talvez por isso, minha conta que acabávamos de descer de um
ótica sobre o assunto tenha expandido. ônibus vindo de outra cidade. Logo no
Sempre preciso me colocar no lugar do corredor de acesso, que tinha uns 20
espectador e do participante para en- metros, tivemos que desviar de todo
tender suas expectativas e amenizar tipo de sujeira que tinha ficado do pri-
suas frustrações. No início, pensei que meiro dia, desde restos de cenário até
coreografar era apenas entrarMaria
Sônia lixo residual
na sala,Ferreira de comida. Nesse corre-
de souza
criar sequências, ordenar pessoas e de- dor, os
soniasouza3@terra.com.br elencos permaneciam um bom
senhos espaciais interpretando uma tempo até fazer o cadastramento para
HP07816191176724
música, desenvolver um conceito sobre entrar no teatro. Já comecei a me sentir
o tema e apresentar. Com o tempo fui mal. Após passarmos a porta, fizemos o
percebendo que meu trabalho começa caminho para o camarim, que era úni-
no minuto em que o bailarino e o espec- co e acomodava umas 50 pessoas. Ele
tador saem de casa. estava tão sujo da noite anterior que
não tinha espaço para alguém sentar
Durante um festival que realizamos em
no chão ou nas laterais da sala. Quan-
uma determinada cidade, aconteceu
do continuamos a percorrer o acesso ao
uma reunião diferente. No segundo dia
palco, vimos mais sujeira nas coxias, e
do evento, minha equipe chegou ao te-
o palco estava sem varrer. O caminho a
atro às 7h para iniciarmos os trabalhos
percorrer por trás do palco estava escu-
de credenciamento, e o ensaio estava
ro, sem sinalização e perigoso. A reposi-
marcado para às 7h 30min. Na reunião
ção de água não tinha sido feita na sa-
matinal, às 7h 05min, convidei a equipe
ída, e o fato se estendeu para o público
a percorrer o caminho que os bailarinos
quando andamos pela plateia.

106 culinária coreográfica


As horas de viagem para um grupo sempre anda ao seu lado, a frustração.
chegar até ali, os transtornos de en- Um mínimo detalhe como esse e seu tra-
saios em finais de semana, a distância balho de um ano como coreógrafo é com-
dos pais e a alienação dos amigos em pletamente desvalorizado por uma sen-
época de festival, os gastos com ônibus, sação gerada que não é culpa sua, porém
alimentação e hospedagem, inscrição existe e precisa de muito esforço para ser
e figurino, além de todo o resto que sa- revertido. Coreografar é mais do que o
bemos como é, possuem um custo alto, movimento; é estar um passo a frente da
que, em relação ao seu sonho, torna-se expectativa para sempre estar gerando
pequeno, pois depois de tudo isso, você uma nova. É prever e atender os anseios
chegou na cidade, no teatro. Mas logo de seu elenco antes e depois de dançar. É
você se percebe sem atenção, na sujei- propor, é desafiar, mas também é manter
ra, sem atenção e tudo mais que você acesa a vontade de continuar sonhando.
não esperava. Consequentemente en-
Ao fazer o mesmo com relação ao público,
tra uma grande expectativa
Sôniae algo
Mariaque Ferreira de souza
concluímos a mente intuitiva.
soniasouza3@terra.com.br
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Sabemos preparar a mesa para


os espectadores a fim de que
o trabalho seja valorizado? Seu
trabalho realmente começa
e termina em cima do palco?

107 culinária coreográfica


Mente analítica
Estive, nestes últimos dias, lendo um livro chamado O preço de
todas as coisas, de Eduardo Porter, que me despertou para pen-
sar com o outro lado da cabeça. Tudo, e historicamente tudo,
tem um preço. O que não percebemos é que esse valor nem
sempre é pago com moeda. Desde as primeiras comunidades
registradas no mundo, o comércio da troca conduziu povos e
construiu civilizações através dos tempos.
Não quero entrar no mérito de quanto
vale sua arte ou de que forma esse valor
poderia ser calculado ou pago, talvez no
próximo livro. Para oSônia
momento, quero
Maria Ferreira de souza
pensar sobre o conflito entre criadores e
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consumidores de informação.
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O historiador americano Adrian Johns argumenta que, as-


sim como a indústria-chave do século xix foi a manufa-
tureira e a indústria central do século xx foi a energia, o
poder do século xxi vai gravitar em torno dos que forem
melhores em produzir e administrar conhecimento e in-
formação.
As pessoas, que exaltam os benefícios sociais da informa-
ção on-line gratuita, veem a si mesmos como revolucio-
nários da contracultura dispostos a libertar a era dos gri-
lhões opressivos do capitalismo, livrá-la da opressão das
corporações ávidas de lucro e conduzir todos de volta às
nossas raízes supostamente comunitárias.
108 culinária coreográfica
Os presentes desempenham um grande papel em muitas
sociedades. Há o potlatch entre os nativos do noroeste
americano e o kula entre os melanésios das ilhas Trobriand,
que participam de rituais de entrega de presentes entre tribos
próximas. Bronislaw Malinowiski, o antropólogo que estudou
nativos das ilhas Trobriand ao largo de Papua – Nova Guiné –,
na década de 1910, presenciou fazendeiros levando montes de
inhame e raiz de taro para a aldeia dos pescadores. Depois viu os
pescadores retribuindo, levando montes de peixe para a aldeia
dos fazendeiros.
Sônia Maria Ferreira de souza
Mas esses presentes não são em troca de nada. O sociólogo
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francês Marcel Mauss argumentou que tais atos de generosidade
conspícua são destinados a promover um senso de dívida no
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grupo que recebe, criando pressão social para que este retribua
com um presente no mínimo de igual valor.
Sabe quando a vizinha lhe dá um pratinho de sobremesa com
um pedaço de bolo que acabou de fazer? Como você devolve
esse prato? Vazio? Acho que não. Isso tende a funcionar como
liga social. Quando Malinowski pensou ter descoberto um
presente definitivo sem nenhum encadeamento a ele associado
– pequenos presentes que os maridos davam a suas esposas
– Mauss objetou que esses presentes, chamados buwana ou
sebuwana, eram “uma remuneração/presente pelo serviço
prestado pela esposa quando ela fornece o que, segundo as leis
do Alcorão ainda chamam de "terra para cultivo".

109 culinária coreográfica


Curiosidade
Paul Krugman, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2008, certa
vez sugeriu que a comida inglesa era tão horrível que a industrialização
inicial empurrou o povo para longe da terra e para dentro das cidades,
afastando-as dos ingredientes naturais, antes que as pessoas dispuses-
sem de boas tecnologias para produzir, estocar e transportar a comi-
da fresca por longas
Sôniadistâncias
Maria eFerreira
sem custo
demuito
souzaelevado. A Londres
vitoriana tinha mais de um milhão de pessoas, contudo seu alimento
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chegava numa barcaçaHP07816191176724
puxada a cavalo. Assim, os londrinos tinham
de depender de comidas que mantinham por longos períodos de tem-
po: legumes e carnes em conserva ou raízes que não requeriam refri-
geração. Quando a tecnologia permitiu aos londrinos se alimentarem
decentemente com alimentos frescos, eles já estavam acostumados
à sua dieta vitoriana. Assim, a comida ruim se tornou parte integrante
da cultura inglesa.

110 culinária coreográfica


Sônia Maria Ferreira de souza
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Hora
de comer
Desliguem seus celulares,
vai começar

111 culinária coreográfica


Sentado na sala de espera do dentista, peguei uma re-
vista Época para ler. Correndo os olhos sobre propagan-
das e escândalos de governo, me deparo com uma ma-
téria com o seguinte enunciado: “Emocionar funciona
melhor que informar”. Tratava-se de Chip Heath, pro-
fessor da Escola de Negócios da Universidade de Stan-
ford, doutor em psicologia e colunista da revista ame-
ricana de negócios Fast Company. Ele estuda psicologia
dos grupos, como as pessoas tentam transmitir ideias
umas às outras, como o “mercado de ideias” se organiza
e como indivíduos e grupos decidem e erram.
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
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A entrevista, do repórter Maurício Meireles, dizia:
“Todo o tempo, os seres humanos estão tentando convencer as
pessoas a seu redor de alguma coisa – que os filhos gastem me-
nos ou estudem mais, que o companheiro aja de outra forma,
que seu colega de empresa trabalhe de outro jeito. Mas, se esse
esforço se baseia só em argumentos racionais e informação, é
bem provável que fracasse. Há 20 anos Heath estuda a vida das
ideias, como algumas são aceitas pelo grupo e resultam em
mudanças, enquanto outras morrem rapidamente. Sua con-
clusão: mudanças, no trabalho ou em outros aspectos da vida,
só acontecem quando motivadas por emoção. Se o objetivo é
convencer e envolver os outros, deixe os números em segundo
plano e invista num discurso capaz de fazer uma criança dizer
“Uau!”

112 culinária coreográfica


revista – Mas emoções são
difíceis de controlar e nem
sempre são duradouras.
a e m o ç ã o p a r a
Como garantir que o conven-
f ó r m u l a é u sar
cimento de alguém com base “A m a i d e o l o g i a ,
em emoções vai durar?
r t a r p a i x ã o p o r u
heath – Há paixões que du- des p e r o t i n a
e r u m a
mudar, estabelec minho”
ram o suficiente para impul-
sionar uma longa jornada,
como no caso do cientista

u i r p e l o n o v o c a
obstinado em encontrar uma
resposta para um fenômeno. e seg
Mas, normalmente, a emo-
ção apenas dá o ponto de Heath
Chip
partida em uma jornada. É o Maria Ferreira de souza
Sônia
gatilho. O importante ésoniasouza3@terra.com.br
que
ela nos coloque no caminho
certo. Com a rotina estabele-
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Cada vez, que eu lia uma nova pergunta
cida depois da mudança, va-
desta entrevista, me convencia de que
mos seguir por esse caminho
instintivamente procuramos fazer isso
mesmo quando estivermos
na dança.
cansados. A fórmula é usar a
emoção para despertar pai- A cada coreografia montada, a cada
xão por uma ideologia, mu- apresentação feita, o maior legado que
dar, estabelecer uma rotina e podemos deixar é o gatilho apertado,
seguir pelo novo caminho". tanto do bailarino, que se tornando um
profissional ou não, vai ser um eter-
no admirador apaixonado pela dança,
como do público, que certamente voltará
para dentro de um teatro assistir outros
espetáculos e levará seus filhos e amigos
para repartir o que sentiram na primeira
vez. Precisamos atingir o “senso de iden-
113 culinária coreográfica
tidade” das pessoas para promover mudanças. Mas
o que seria isso? Heath conta que uma atitude
tomada pelo senso de identidade exige que você
pense: “Quem sou eu? Se sou esse tipo de pessoa,
como agir nessa determinada situação?”. É o que
fazemos na criação dos filhos. Quando nos sacri-
ficamos por eles ou abrimos mão de certas coisas,
estamos pensando: “O que um bom pai ou uma
boa mãe faria nessa situação por sua família?”

Sônia Maria Ferreira de souza


Tradicionalmente, tenta-se convencer uma fábrica de latas em que os funcioná-
soniasouza3@terra.com.br
as pessoas no trabalho sem usar o sen- rios começaram a se ver como inventores.
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so de identidade, apenas mostrando as Quando pensavam “Quem sou eu?”, a res-
consequências objetivas de seus atos: posta era “Um inventor”. E um inventor pen-
“Se você fizer isso, vai receber tanto; se sa todo dia como pode melhorar as coisas.
for bem nessa apresentação, vai ganhar Hoje, eles recebem, em média, 245 ideias
um solo”. Mas bons grupos conseguem por ano, por funcionário, desde suges-
instigar o senso de identidade em seu tões sobre como melhorar a eficiência até
elenco. Costumo citar o exemplo de a forma de descartar lixo.

E o seu grupo? Normalmente


distribui prêmios ou paixão?

114 culinária coreográfica


Pensar em arte hoje, pensar em coreografar, precisa ser algo muito mais
lento e reflexivo do que o mundo em que estamos adentrando. Comentei
sobre o “emocionar” no texto anterior, porque essa é uma relação exclu-
sivamente humana e precisamos ser o veículo de comunicação que trans-
mite algo. Esse algo pode ser duradouro, alegre, diferente, prazeroso, ins-
tigante, esquisito, belo, mas principalmente deve ser uma opção à crítica.
Eu vejo um trabalho coreográfi-
co como algo que precisa, ao seu
término, ser discutido dentro
de um café e gere vontade de
“compartilhar” de forma crítica
e agradável. No mundo de hoje,
estamos enfrentando algumas
Sônia Maria Ferreira de souza
mudanças e é sobre isso que eu
quero comentar. soniasouza3@terra.com.br
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A partilha de informações ganhou propor-


ções nunca imaginadas com a populariza-
ção das redes sociais. Ganhamos agilidade
na troca de informações e estamos mais
próximos. Mas a troca indiscriminada de
informações descontextualizadas e humor
portátil deixa uma questão em aberto:
estamos perdendo o senso crítico?

115 culinária coreográfica


Eu tenho meus sites favoritos que normalmente
acompanho, mas por vezes me sinto estranho ao
perceber que, a cada viagem para eventos e con-
venções em que trabalho, a dinâmica da internet
sendo aplicada é outra. Vejo pessoas que, quando
embarcam em um aeroporto e descem em outro,
sentem que já perderam notícias e “informações”
e seus feeds já estão muito defasados.

Essa dependência pela informação


minutoSônia
a minuto e necessidade
Maria Ferreira de souza de
falar algo, mesmo que seja muito
soniasouza3@terra.com.br
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mais sábio menter o silêncio, me
incomoda e preocupa.
Colaborador e ativista do Greenpeace há anos Outro site que indico e diaria-
(www.greenpeace.org/brasil/pt), tenho muita cla- mente acompanho é o ted – ide-
reza quando assino documentos via internet para as worth spreading (www.ted.
participar de mobilizações em defesa de um pro- com) –, uma entidade sem fins
pósito maior. Não é possível depender de velocida- lucrativos. Ela começou em 1984
des para essas ações, porque todas levam tempo como uma conferência reunin-
para realizar a mudança. O pensamento precisa ser do pessoas de três áreas: Tecno-
coletivo e bem defendido por argumentos sólidos. logia, Entretenimento e Design.

116 culinária coreográfica


As ideias que valem a pena espalhar são de-
poimentos em vídeo, de pessoas que estão fa-
Por Cristina Cará zendo algo muito maior para o mundo do que
podemos imaginar ser feito por apenas uma
Coreografar é relatar o seu estado
pessoa. São atitudes que iniciaram mudanças
de espírito naquele momento de
em relação a inúmeros temas. Quando assisto
vida. Sentir a música, se arrepiar
aos primeiros acordes e dali sentir
a um vídeo desses que, em média, duram 15 mi-
uma paixão enlouquecedora do que nutos, fico pensando como foi possível contar
se quer falar e transmitir. Não tem tanta atitude concretizada em prol de um pen-
fórmula ou receita concreta, e sim se samento coletivo nesse ínfimo tempo. Quisera
deixar emocionar por aqueles corpos eu um dia ser convidado para falar nesta con-
que estão trabalhando, traduzindo venção por um ato importante, a fim de criar
com gestos e movimentos as suas uma inteligência coletiva e mobilizar pessoas
mais verdadeiras emoções... Sônia Maria Ferreira de souza
de todo o mundo para um mesmo objetivo.
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Acompanhando um outro site chamado Obvious
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– um olhar mais demorado (www.obviousmag.
org), encontrei uma matéria com o seguinte
chamado: Redes sociais e colaboração extrema:
o fim do senso crítico?, publicada por Eugênio
Mira. Reproduzo, a seguir, essa reflexão:

“Conectados. Essa palavra nunca fez tanto sentido quanto agora.


A internet mudou definitivamente a maneira como nos comunica-
mos e percebemos o mundo. Graças a ela temos acesso a toda in-
formação do mundo à distância de apenas um toque de botão. E
quando começaram a se popularizar as redes sociais, um admirável
mundo novo abriu-se ante nossos olhos. Uma ferramenta colabora-
tiva extrema, que possibilitaria contato imediato com outras pes-
soas através de suas afinidades, fossem elas políticas, religiosas ou

117 culinária coreográfica


mesmo geográficas. Projetos co- lugar. Copia-se sem o menor bom senso,
laborativos, revoluções instantâ- sem créditos. Pensar e refletir, e depois fa-
neas... Tudo seria maior e melhor lar, são coisas do passado. O importante
quando as pessoas se alinhassem agora é copiar e colar, e depois partilhar.
na órbita de seus ideais. O tempo Se a redes sociais se transformarem em
passou, e essa revolução não se uma rede neural de apoio à preguiça de
instaurou. pensar, a humanidade estará fadada ao
processo antinatural de regressão.
A situação é ainda mais grave
quando um dos poucos entes O advento das redes sociais trouxe para
criativos restantes na Inter- perto das pessoas comuns os amigos dis-
net produz algum comentário tantes, os ídolos e os ideais consumistas
curto, espirituoso ou refletivo, mais arreigados, mas aparentemente
a respeito de Sônia
alguma Maria está levando
situação Ferreira para longe algo muito mais
de souza
atual ou recente... Em minutos humano e essencial na vida em socieda-
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pipocam cópias da frase por todo de: o senso crítico. Será uma troca justa?”
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O resgate da humanidade e sensibilidade precisa da mesma força e popu-


laridade que as rasas notícias lidas minuto a minuto, porém ecoar perpetu-
amente, não de um dia ao outro ou de um ano ao outro, e sim de geração a
geração. A tarefa do artista nunca vai ser rápida nem fácil e por isso é para
poucos. Talvez os frutos desta árvore em terreno árido nem sejam para sus-
tento próprio; entretanto precisamos regá-la todos os dias até que gere
flores, frutos e sementes pensando nas gerações futuras. Essa inteligência
coletiva, democrática e de doação é o que nos faz artistas.

118 culinária coreográfica


Sabemos que sempre vai existir um macarrão instantâ-
neo no armário se precisar, mas é importante assumirmos
a postura de um “chef culinário” quando intitulados “co-
reógrafos”. Pense em superar expectativas, conectar hu-
manamente através de outros canais de percepção além
do intelecto, emocionar. Construa memória nas outras
pessoas, ofereça argumentos para boas conversas, inter-
fira na velocidade do mundo por poucos minutos. Faça
parte da história do seu elenco, seja referência, seja odia-
do, amado, desafie, instigue, provoque. Apresente um
leque de novas possibilidades e respostas dentro e fora
dos palcos. Crie oportunidade para eles próprios se co-
nhecerem e definirem quem são. Seja a soma de todas as
melhores coisas que viveu e aceite seus erros como parte
disso. Seja crítico, adore a crise,Maria
Sônia se apaixone pela rotina
Ferreira e
de souza
fique inquieto com acomodações. Num mundo em que as pes-
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soas procuram se reconhecer em comunidades preestabelecidas,
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criar a opção do novo é corajoso, audacioso e digno de admiração.
Crie sua própria receita com seus melhores e mais peculiares sa-
bores sem medo de agradar. O desconforto por não reconhecer
algo é importante para a evolução de toda a espécie. Proponha
experimentar e não tenha medo de se expor.

v a s p o s s i b i l i d a d e s
m l e q u e d e n o
Apresente u tro e fora dos palcos.
e respostas den
119 culinária coreográfica
Por Cristiane Wosniak

Quem são os coreógrafos? Caule do problema: o coreógrafo trabalha


São pessoas que reúnem potenciais com criatividade:
e qualidades, tais como: Criatividade não é um dom!
Percepção; A criatividade pode ser desenvolvida pela
Intuição; aprendizagem, pelo experimento, dia a
Imaginação criativa; dia, obra a obra;
Sensibilidade; Não há indivíduo criativo que se possa
Capacidade de assumir riscos; coragem. privar de experiências (cotidiano);
Quais são seus requisitos? Não se inventa com o vazio ou no vazio;
Gosto pelo inusitado, pelo novo;
Frutos dode
Sônia Maria Ferreira problema:
souza as conexões criativas:
Organização, disciplina e método;
Criatividade é um processo deliberado de
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Consciência da função desta arte;
combinação e integração;
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Desenvolvimento de estudos constantes
O indivíduo criativo vive fazendo
sobre as demais áreas artísticas;
associações para integrar suas ideias e
Aperfeiçoamento de métodos de pesquisa;
descobrir novas possibilidades.
Aprimoramento de capacidade de
improvisação, seleção de movimentos,
organização e formatação;
Conhecimento de noções básicas sobre
comunicação e semiótica.

Raiz do problema: o coreógrafo cria:


Criar consiste em formar novas estruturas
e novas combinações a partir de
informações preexistentes ou aplicar
relações comuns a novas situações;
lavoisier: “Na natureza nada se cria,
nada se perde... Tudo se transforma.”

120 culinária coreográfica


Proponha experimentar e não
tenha medo de se expor. Suas
coreografias vão representar
fragmentos de instantes de sua
vida, escrevendo, sem nenhuma
palavra, deliciosos capítulos da
Sônia Maria Ferreira de souza
sua história. Mãos à massa,
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ou melhor, ao ensaio!
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121 culinária coreográfica


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124 culinária coreográfica


Sobre o autor
Octávio Nassur é curitibano, teve contato com o estudo musical aos 5 anos e com a ginástica aeróbi-
ca aos 13. Sua ascensão profissional foi rápida haja vista a sua sensibilidade musical e a forma como
apresentava alternativas para o corpo.

Em um evento internacional teve seu primeiro contato com as danças urbanas e se apaixonou.
Aprofundou suas pesquisasSônia Maria
em Los Angeles, Ferreira
grande expoentede souza
do Hip Hop, com o qual se identificou
com linguagens e leituras. Sem perder o contato com a raiz do movimento e sua história, idealizou no
soniasouza3@terra.com.br
Brasil o Festival Internacional de Dança Hip Hop, um encontro com mais de 1500 bailarinos de todo o
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mundo, com a presença dos criadores da cultura e dos maiores destaques da dança na atualidade.

Paralelo ao estudo contemporâneo desta modalidade, sempre foi um apaixonado por arquitetura, de-
coração, filosofia, fotografia, cafés e viagens. Desenvolveu o Dance Progress System, sistema de ensino
através das danças urbanas, em um programa musical, que facilita a compreensão sobre o movimen-
to. Sua metodologia despertou interesse por inúmeras Secretarias de Educação, sendo aplicada por
professores em escolas Estaduais e Municipais.

Foi diretor e coreógrafo do grupo de dança Heartbeat, de 1993 a 2004, tornando-o reconhecido na-
cionalmente por suas diferenciadas criações espaciais e levando-o a ser palestrante e consultor em
Composição Coreográfica de inúmeras universidades, escolas de dança e congressos.

Em 2001, Octávio bate um recorde mundial, ministrando 27 aulas de Hip Hop em 27 horas ininterrup-
tas para argumentar a forma de trabalho corpo-mente.

Hoje, além de trabalhar com a Cia. de Dança Heart Company, é Coordenador do mba em dança da
faculdade Inspirar em Curitiba. É proprietário da Dance & Concept Brasil, agência e produtora, reali-
zando eventos na área da dança em toda a América Latina e Europa.
125 culinária coreográfica
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

(Biblioteca Pública do Estado do rs, Brasil)

n268c Nassur, Octávio


Sônia Maria Ferreira de souza
Culinária Coreográfica: Desmedidas de receitas para inician-
soniasouza3@terra.com.br
tes na Cozinha Cênica. / Octávio Nassur – Porto Alegre: ed. do
autor, 2012. HP07816191176724
144 p. il.

Contém fotografias.

i. Coreográfica 2. Dança – Composição coreográfica. I. Título.

cdu 792.8
revisão ortográfica Ana Paula Guida Tavares e Fátima Natividade

design gráfico Bruna Paz de Carvalho

fotografias Octávio Nassur

formato 18 mm × 21 mm

Thesis (TheSans,
tipografia Sônia MariaTheSerif e TheMix)
Ferreira dee souza
Honey Script

papel Cartão Supremo 250 g/m2 – capa; Offset 90 g/m2 – miolo


soniasouza3@terra.com.br
número de páginas 142 HP07816191176724
tiragem 1000 unidades

impressão Gráfica e Editora Pallotti

Santa Maria, rs, 2012.

O projeto gráfico deste livro foi realizado como Trabalho de


Conclusão II da acadêmica Bruna Paz de Carvalho, do curso de
Desenho Industrial – Programação Visual, da Universidade
Federal de Santa Maria, sob orientação do professor Mário
Lúcio Bonotto Rodrigues.
Sônia Maria Ferreira de souza
soniasouza3@terra.com.br
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