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LINGUAGEM E LUDICIDADE

NA INFÂNCIA

Autora: Patrícia Cesário Pereira Offial

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
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Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Bárbara Pricila Franz
Profa. Cláudia Regina Pinto Michelli
Prof. Ivan Tesck
Profa. Kelly Luana Molinari Corrêa

Revisão de Conteúdo: Profa. Fernanda Germani de Oliveira Chiaratti

Revisão Ortogramatical: Profa. Iara de Oliveira

Revisão Pedagógica: Profa. Bárbara Pricila Franz

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © UNIASSELVI 2015


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

372.41
O32I Offial, Patrícia Cesário Pereira.
Linguagem e ludicidade na infância / Patrícia Cesário
Pereira Offial. Indaial : UNIASSELVI, 2015.
85 p.: il.


ISBN 978-85-6991-004-6

1. Leitura - Educação Elementar.


I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Patrícia Cesário Pereira Offial

Graduada em Pedagogia pela FURB


Blumenau/SC (1999), especialista em
administração escolar pela FAE, Curitiba/PR
(2005), Mestre em Educação pela UNIVALI, Itajaí/
SC (2012) e professora do curso de Pedagogia
da Graduação (UNIASSELVI), professora da
Pós-graduação. Publicou: Formação Estética e
Literatura; Formação Estética e Artística Saberes
Sensíveis; Nas Asas das Gaivotas.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança............... 9

CAPÍTULO 2
A Pedagogia da Escuta e as Implicações no Desenvolvimento
da Criança e no Ato do Brincar........................................... 31

CAPÍTULO 3
Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem................................. 49

CAPÍTULO 4
A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade.. 67
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

Ao observarmos uma criança, podemos perceber que ela é a pura expressão


de suas linguagens. Consegue, sem disfarces, demonstrar o que sente, conforme
as habilidades que possui. Por exemplo, um bebê, ao sentir fome, sua linguagem
é o choro, depois vêm os balbucios, as primeiras sílabas e a fala. A partir do
contexto social da criança, ela poderá desenvolver outras linguagens, como a
arte, o movimento, a escrita, a matemática, a música, porque, conforme Malaguzzi
(1999), a criança tem cem linguagens. E o que a autora quis dizer com isso?

Que a criança tem uma gama imensurável de possibilidades, pois está


aberta ao novo, movida pela curiosidade. Nesse aspecto, o meio poderá ser ou
não um favorecedor do desenvolvimento dessas linguagens. Isso dependerá dos
contextos, das oportunidades e das experiências.

Para compreendermos sobre as linguagens infantis será necessário


explanarmos sobre a cultura e as múltiplas linguagens infantis, apresentadas
no primeiro capítulo; a pedagogia da escuta e as implicações no ato do brincar,
discutidos no segundo capítulo; produções simbólicas da criança: imaginação,
memória e aprendizagem, compondo o terceiro capítulo; e, por fim, a formação do
professor no contexto da ludicidade.

Boa leitura!
A autora.

7
C APÍTULO 1
A Cultura e as Múltiplas Linguagens
da Criança

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Refletir sobre a cultura da infância e sua manifestação nos momentos lúdicos.

33 Identificar e valorizar as múltiplas linguagens presentes na infância.


Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

Contextualização
Antes de iniciarmos a leitura, convido você a adentrar um pouco no
Afirmamos que
universo infantil. Todos nós já fomos crianças e podemos lembrar-nos de
as situações
certos episódios que geram uma gama de emoções. Esses sentimentos vivenciadas na
nos remetem a certas experiências, e essas, boas ou más, constituem infância determinam
a nossa percepção de mundo. Se somos o que pensamos ser, como como iremos
afirmam muitos estudiosos, podemos dizer: a relação estabelecida com compreender e atuar
os acontecimentos que nos cercam são a base para a formação do nosso no mundo.
“ser adulto”. Sendo assim, afirmamos que as situações vivenciadas na
infância determinam como iremos compreender e atuar no mundo.

Isso nos leva a outro fato de grande importância: o


desenvolvimento do pensamento é determinado pela
linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do
pensamento e pela experiência sociocultural da criança.
Basicamente, o desenvolvimento da lógica na criança, como
os estudos de Piaget demonstraram, é uma função direta
de sua fala socializada. O crescimento intelectual da
criança depende de seu domínio dos meios sociais do
pensamento, isto é, da linguagem. (VYGOTSKY, 1998, p. 62,
grifo nosso).

Nesse sentido, Vygotsky (1998) afirma ser no convívio com seus pares que
o homem se constitui, desenvolve o seu EU. Dito de outro modo, aprimoramos
o nosso ser na relação com o mundo externo. Na mesma esteira, Wallon (1975)
também elucida que as atitudes humanas se ressignificam quando abrangidas e
compreendidas por outra pessoa. Afinal, conforme Kramer (1999, p.171), “Olhar o
mundo a partir do ponto de vista da criança pode revelar contradições e dar novos
contornos a realidade”, pois ela dispõe de formas criativas de entender o mundo,
facilitando novos rumos.

Os Saberes e os Contextos da
Criança
A criança é a inocência, e o esquecimento, um novo começar,
um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento,
uma santa afirmação. (NIETZSCHE, 2004, p. 35).

Conhecer o universo infantil é um grande passo para compreendermos


as diferentes formas de a criança se expressar, identificando as suas
diversificadas linguagens. E já que a pauta de nosso conhecimento é a criança,
linguagem e ludicidade, apresentaremos um pouco desse “universo infantil”,
11
Linguagem e Ludicidade na Infância

trazido poeticamente pelo professor e escritor Javier Naranjo (2013), num


livro chamado A casa das estrelas, o qual traz as percepções das crianças
colombianas sobre o mundo. Veremos a seguir os significados das coisas pela
interpretação das crianças:

Adulto: Pessoa que em toda coisa que fala, fala primeiro dela
mesma (É a definição de uma criança de 8 anos, Felipe Bedoya).

Ancião: É um homem que fica sentado o dia todo (Maryluz


Arbeláez, 9 anos).

Água: Transparência que se pode tomar (Tatiana Ramírez, 7


anos).

Branco: O branco é uma cor que não pinta (Jonathan Ramírez,


11 anos).

Camponês: Um camponês não tem casa, nem dinheiro.


Somente seus filhos (Luis Alberto Ortiz, 8 anos).

Céu: De onde sai o dia (Duván Arnulfo Arango, 8 anos).

Dinheiro: Coisa de interesse para os outros com a qual se faz


amigos e, sem ela, se faz inimigos (Ana María Noreña, 12 anos).

Deus: É o amor com cabelo grande e poderes (Ana Milena


Hurtado, 5 anos).

Escuridão: É como o frescor da noite (Ana Cristina Henao, 8


anos).

Guerra: Gente que se mata por um pedaço de terra ou de paz


(Juan Carlos Mejía, 11 anos).

Inveja: Atirar pedras nos amigos (Alejandro Tobón, 7 anos).

Igreja: Onde a pessoa vai perdoar Deus (Natalia Bueno, 7 anos).

Lua: É o que nos dá a noite (LeidyJohanna García, 8 anos).

Mãe: Mãe entende e depois vai dormir (Juan Alzate, 6 anos).

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Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

Paz: Quando a pessoa se perdoa (Juan Camilo Hurtado, 8 anos).

Solidão: Tristeza que dá na pessoa às vezes (Iván Darío López,


10 anos).

Tempo: Coisa que passa para lembrar (Jorge Armando, 8 anos).

Fonte: Disponível em:<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/


130518_dicionario_criancas_colombia_aw_cc />. Acesso em 10 jun.2015.

Nesse contexto, para entender a natureza da criança, devemos


A criança pode
antes de tudo aprender a ouvi-la, olhos nos olhos, a sua altura de
exprimir logo cedo
preferência. Pois conhecer seu mundo é abrir-se para as possibilidades uma sabedoria
infantis. A criança pode exprimir logo cedo uma sabedoria aos aos significados
significados complexos, e quanto mais diversificado e interativo for seu complexos, e quanto
meio de convívio mais oportunidade terá esta criança de avançar nos mais diversificado
conceitos e sentido de mundo. e interativo for seu
meio de convívio
Por isso, quando falamos da cultura da criança e seu contexto, não mais oportunidade
terá esta criança
podemos desconsiderar o significado que o brinquedo tem em relação à
de avançar nos
cultura. Cada comunidade, grupo social carrega um olhar, uma forma de
conceitos e sentido
interagir com o objeto com o qual brinca. Veremos a seguir um exemplo de mundo.
disso, com dados que exprimem a transformação de um objeto em brinquedo
de acordo com cada contexto, segundo pesquisa de Brandão (2010):

Quadro 1- Objetos e suas transformações simbólicas

ELEMENTOS NATURAIS Zona Urbana Zona Rural Zona Litorânea


Areia Comidinha, bolo Bolo
Dedo Arma
Folha Prato
Talo Colher Colher
Casca de coco Prato
UTENSÍLIOS Zona Urbana Zona Rural Zona Litorânea
Caixa de papelão Casas
Pedaço de madeira Arma
Colchonetes Capas de heróis Pranchas
de surf Carro
Camas
Almofadas Bandeja
Bolo
Cubos de tecido Copos

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Linguagem e Ludicidade na Infância

MANUFATURADOS Zona Urbana Zona Rural Zona Litorânea


Carro Robô
Carro voador
Boneca (o) Filha
Amiga
Namorados
Moto Moto voadora
Peças de encaixe Avião Espada
Robôs Robô
Doces Avião
Homem Armas
Cavalo
Comidinha
Mula sem cabeça
Cubos de plástico Copos
Cano de Plástico Arma
Cilindro de plástico Batom
Peças do ábaco Dinheiro
Guitarrinha Vela
Baú Mesa
Tartaruga Filho
Bambolê Carro

Fonte: Brandão (2010, p. 100).

Percebemos, como demonstra o estudo, que a criança é capaz de


O que é uma criar novos significados a partir de um mesmo objeto, de acordo com suas
arma para um experiências, sua percepção de mundo e fantasia. O estudo apresentado
pode significar indica que as transformações simbólicas são ressignificadas de acordo
um utensílio com cada contexto, pois lida com os arquétipos imaginários, como as
doméstico para
peças de encaixe, por exemplo, nas Zonas Urbana e Litorânea.
uma determinada
localidade, para
outra, representa Constata-se que estes brinquedos facilitaram a simbolização
e tornaram-se pivôs na brincadeira, ou seja, eles sofreram
uma ferramenta
transformações no seu significado durante a brincadeira
de construção. imaginativa. As peças de encaixe não representam nada
Essa relação que a sozinhas, isoladas da atividade simbólica, mas quando a
criança estabelece criança utiliza-as, ela planeja o uso que fará delas e então ela
com os objetos cria o brinquedo segundo seus desejos. Assim os brinquedos
revela a sua cultura, foram construídos na e para a brincadeira (BRANDAO, 2010,
seu modo de se p.100).
conectar com
o meio. O que é uma arma para um pode significar um utensílio doméstico

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Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

para uma determinada localidade, para outra, representa uma ferramenta de


construção. Essa relação que a criança estabelece com os objetos revela a sua
cultura, seu modo de se conectar com o meio. O brinquedo também sofre essa
influência cultural.

Brinquedo e Cultura, 2ª Edição – Gilles Brougère.

A proposta de Brinquedo e Cultura é auxiliar


os educadores na compreensão das múltiplas
maneiras de utilização do lúdico por crianças de até
10 anos em instituições educativas. Além disso, os
artigos selecionados ajudam a desmistificar a ideia
de que o brinquedo é próprio da infância e passam a
associá-lo à cultura humana em geral.

Por meio da difusão de modernos conceitos sobre o


brinquedo e sua função na brincadeira, assim como por meio
de exemplos extraídos de investigações acadêmicas, o filósofo
francês Gilles Brougère introduz o leitor em uma nova lógica
sobre o assunto.

Fonte: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/biblioteca-


virtual/brinquedo-cultura-622522.shtml>. Acesso em: 18 jul. 2015.

Nesse sentido, Kramer (2009, p.170) discute que,

O ato de brincar, como ação espontânea da criança


proporciona curiosas descobertas tanto para a criança que
executa esta atividade quanto para o observador desta ação.
Muitos psicólogos e terapeutas utilizam do lúdico como forma
de auxiliar no tratamento comportamental de crianças.

Mas tudo isso poderá passar-nos despercebido se não nos propusermos


a enxergar os detalhes espontâneos da criança, manifestados desde a vida
intrauterina até as fases do desenvolvimento após seu nascimento. Cada
expressão, balbucio, gestos denotam uma forma de se comunicar, e, se bem
observado, já revelam traços da personalidade.

Caro (a) pós-graduando (a), convido você, neste momento, a refletir sobre o
caso a seguir, que trata da relação do lúdico com a afetividade.

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Linguagem e Ludicidade na Infância

O caso é de uma aluna de seis (6) anos de idade, do 1º ano


dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola em que
lecionei durante nove anos. Mal a aluna iniciou o período escolar
e já havia sofrido uma grande perda. Seu irmão, ainda bebê, havia
morrido enforcado pelo cinto de segurança do carrinho enquanto a
mãe retirava as comprar do carro. Após duas semanas sem vir para
a escola, retornou séria e por muito tempo não falou com ninguém,
nem mesmo comigo, sua professora.

Veja acadêmico (a), o fato de a criança ter retornado às suas


atividades não significava que estaria pronta emocionalmente para
lidar com essa realidade. Por um bom período sua comunicação
era restrita, limitava-se ao sim ou não e sua expressão manifestava
apatia. Foi então que resolvi conversar com ela sobre o assunto por
meio de uma estratégia.

Montei um cenário com teatro de fantoches e naquele dia os


bonecos iriam conversar com as crianças.

Todos queriam contar algo para os bonecos, falavam, mexiam,


puxavam o nariz, interagiam com os bonecos como se estivessem
conversando com pessoas. Mas a menina não se pronunciou.

Resolvi por meio do personagem questionar: “E você


Cíntia (nome fictício), quer me contar algo legal ou triste que lhe
aconteceu?” Não consegui ver a sua expressão porque estava
atrás de uma casinha de fantoches, mas senti um grande canal se
abrindo. “Sim” - respondeu a menina, e logo foi dizendo: “eu tinha um
irmãozinho, morreu enforcado no cinto de segurança do carrinho”.
“Puxa” - respondi (boneco) – “isso realmente é muito triste, e como
você se sente?” A menina respondeu: “Meu coração chora sempre
que lembro dele, queria que voltasse.” Questionei (boneco): “Onde
você acha que ele está agora?” Respondeu: “No céu”. Continuei a
questionar (boneco): “e será que ele está feliz?” Respondeu: “Acho
que sim!” Perguntei (boneco): “Então, será que ele gostaria de voltar
se ele está feliz?” Respondeu: “Não sei, mas eu queria ficar com ele.”

E, assim, a conversa foi se estendendo. A menina se abriu,


não comigo, mas com o boneco. Foi uma estratégia lúdica que
desenvolvi para ajudá-la na liberação da emoção. Sabia que esse
seria um primeiro passo para ajudá-la na recuperação da dor. Cíntia

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Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

aos poucos passou a conversar com os colegas, com os professores,


expressava menos apatia ao brincar e ao realizar as atividades.
Evidentemente, esse trauma não seria curado a partir de uma
atividade lúdica, mas seria o início de um trabalho com as emoções.
Como foi para a aluna em questão.

Fonte: A autora (2015).

Trouxe o caso para acentuar a importância de estarmos atentos aos


pequenos detalhes que a criança revela, e que, muitas vezes, camuflam-se ora no
silêncio, ora no barulho.

A maioria dos adultos tem também caixas e gavetas em que


verdadeiras coleções são formadas, dia a dia, como partes de
uma trajetória. A história de cada um vai sendo reunida e só
pode ser contada por quem conhece os significados de cada
uma dessas coisas que evocam situações vividas, conquistas
ou perdas, pessoas, lugares, tempos esquecidos (KRAMER,
2009, 171).

Para compreendermos a criança, é necessário antes de tudo


Para
olhar para ela, com foco em seus múltiplos saberes. E, para tanto,
compreendermos
é indispensável o resgate da nossa infância vivida, a sabedoria
a criança, é
dos sentidos que traz com ela. A riqueza da espontaneidade, das necessário antes de
descobertas, da curiosidade colabora para um amplo olhar do mundo tudo olhar para ela,
infantil. As crianças percebem coisas que nós adultos não enxergamos com foco em seus
mais. É preciso refinar esse olhar. múltiplos saberes.

Esse saber sensível interferirá na forma como o professor


conduz as atividades pedagógicas, pois sua postura frente
ao ato de educar não se resume à transferência dos saberes
científicos, com isso, o aluno será beneficiado. Considerando
que a visão a respeito da maneira de ensinar e do que
ensinar será influenciada pela formação cultural, uma vez
que a profissionalidade docente não é constituída apenas de
conhecimentos científicos, pedagógicos. (NEITZEL;
CARVALHO, 2010, p. 128). Não há como
separar o ato educar
Para Neitzel e Carvalho (2010), estética e ética caminham juntos de uma formação
sensível, pois é
quando o assunto é educação, e alertam para a urgência de um saber
no conjunto dos
sensível na profissão docente. Se olharmos para muitas práticas atuais, saberes: inteligível
poderemos constatar que não há muita preocupação com a formação do e sensível que
ser estético, sensível. Todavia não há como separar o ato educar de uma manifestam as
formação sensível, pois é no conjunto dos saberes: inteligível e sensível capacidades e
que manifestam as capacidades e desenvolvem-se conhecimentos. desenvolvem-se
Justifica-se, então, que: conhecimentos.

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Linguagem e Ludicidade na Infância

Uma educação que reconheça o fundamento sensível de nossa


existência e a ele dedique a devida atenção, propiciando o seu
desenvolvimento, estará, por certo, tornando mais abrangente
e sutil a atuação dos mecanismos lógicos e racionais de
operação da consciência humana (DUARTE JÚNIOR, 2010,
p. 171).

Duarte Júnior (2010), também sinaliza a importância da educação estética
do sensível na educação do sujeito. Instiga-nos a resgatar este saber, e a
despertar para uma consciência holística. O autor sugere, ainda, o desafio de
aprendermos a ver o mundo a partir dos olhos da criança, ela tem muito para nos
ensinar.

Contudo, os saberes da criança estão fortemente ligados ao seu contexto, ao


meio, às experiências. Diante disso, na próxima sessão abordaremos o contexto
da criança por meio de uma experiência nas escolas da cidade de Reggio Emilia,
que se destaca por trazer uma filosofia sustentada na essência da criança.

O que você entende por uma Educação estética?

Educação estética é uma “educação que


reconheça o fundamento sensível de nossa
existência e a ele dedique a devida atenção,
propiciando o seu desenvolvimento, estará,
por certo, tornando mais abrangente e sutil a
atuação dos mecanismos lógicos e racionais de
operação da consciência humana.” (DUARTE
JÚNIOR, 2001, p. 171).

Trata-se de uma ação educacional bastante


complexa, que atingi a multidimensionalidade do
ser humano, com o objetivo de valorizar ações
subjetivas e de recriar a vida em seus aspectos
material e espiritual, fazendo brotar o que há de
melhor na autoria de cada um e deslocando-o
da postura de simples consumistas culturais
(ORMEZZANO, 2007, p. 35).

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Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

O Contexto
Discutiremos, nesta sessão, o contexto histórico pela abordagem de
Reggio Emilia, nome de uma cidade localizada no nordeste da Itália. O sistema
educacional do município citado ficou conhecido como um dos melhores do
mundo. Interessante é que essa prática diferenciada nasceu de um contexto pós-
guerra, no qual a comunidade teve que se organizar para levantar uma escola,
pensando desde os tijolos até uma metodologia voltada para a criança. Hoje estas
escolas são referências e fonte de inspiração para outras escolas.

Obter eficiência e o sucesso não começa da noite para o dia, e nem se


conquista uma vez para sempre. É um processo lento e inconclusivo, é um eterno
construir. As escolas de Reggio Emilia foram assim, conquistaram seus valores
pelo compromisso com a criança, vista a partir de sua essência criativa, e se
reconstroem até hoje conforme se alteram os contextos.

Mas como tudo começou?

Após a segunda guerra mundial, muitas escolas de Villa Cella, cidade da


Itália, foram construídas pela própria comunidade, da união e recursos financeiros
que possuíam.

Figura 1- Escola de Villa Cella, Itália

Fonte: Disponível em: <http://www.reggioreport.it/2015/09/la-


scuola-materna-di-villa-cella-e-rinata-dal-terremoto-con-i-soldi-del-
concerto-italia-loves-emilia/> Acesso em: 20 set. 2015.

Malaguzzi, um educador que, posteriormente, foi o iniciador da metodologia

19
Linguagem e Ludicidade na Infância

de Reggio Emilia, interessou-se em saber um pouco mais sobre essa comunidade


e essas escolas. Deslocou-se para Villa Cella, integrando-se ao grupo como
professor. Lá aprendeu grandes lições de união, determinação e força. Porém,
sentia que as crianças não eram respeitadas pelo seu saber sensível, pelo seu
contexto infantil. “Um pensamento simples e confortador veio em meu auxílio: que
as coisas relativas às crianças e para as crianças somente são aprendidas pelas
próprias crianças.” (MALAGUZZI, 1999, p. 61).

A partir deste pensamento, resolveu desligar-se da instituição. Na ocasião,


as escolas eram estaduais e seguiam os currículos pré-estabelecidos, perspectiva
com a qual Malaguzzi não concordou.

Retornou a Reggio Emilia. Trabalhou com crianças que apresentavam


dificuldades de aprendizagem e em algumas escolas.

Os professores nessas pequenas escolas possuíam uma


motivação excepcionalmente alta. Eles eram muito diferentes
uns aos outros, já que haviam sido treinados em várias
escolas católicas e em outras escolas particulares, mas seus
pensamentos eram amplos e receptivos e sua energia era
inesgotável (MALAGUZZI, 1999, p.61).

Foi a partir da união desses professores motivados em parceria com a


comunidade que as escolas de Reggio Emilia foram aos poucos se sustentando.
A pedagogia pauta-se em três princípios básicos: interação, relacionamento e
cooperação. Conseguiram transformar escolas num ambiente agradável no qual a
criança tenha a sensação de pertencer ao mundo real e autêntico. Lá as crianças
aprendem fazendo, experienciando, pois a escola é um organismo vivo.

O contexto da criança revela sua atuação nas brincadeiras e na


A criança é feita
de cem: cem vida. Pois, segundo Malaguzzi (1999), a criança é feita de cem: cem
pensamentos, pensamentos, cem alegrias, cem sonhos, cem linguagens. Seu mundo
cem alegrias, é de possibilidades, e cabe a nós adultos inserir-nos em seu mundo para
cem sonhos,
compreender as suas múltiplas linguagens.
cem linguagens.

Segundo pesquisa de Edwars, Gandini e Forman (1999), a concepção de


linguagem na abordagem de Reggio Emilia é a mesma que a do RCNEI brasileiro
e esse será nosso próximo assunto, na sessão a seguir.

20
Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

Loris Malaguzzi foi um pesquisador incansável sobre a


formação de seus professores e os modos de se compre-
ender e desenvolver a educação de crianças pequenas.
Era um devorador de conhecimentos. Viajava muito. Queria
conhecer e compreender as ideias vindas de pesquisadores
e teóricos. Não se prendia a um único, mas bebia de muitas
fontes. Concordava com Piaget que a aprendizagem acon-
tece na interação da criança com um objeto e tinha interes-
se nos estudos de Jerome Bruner, que estava resgatando
uma solidariedade mais explícita nos recursos das crianças,
falando em sinergia entre o lado direito e o lado esquerdo
do cérebro, na época.

Fonte: Disponível em: <http://issuu.com/onlineeditora/docs/


projetos_escolares_creche_20>. Acesso em: 25 jul. 2015.

As Diferentes Linguagens Infantis


Um novo entendimento sobre as diferentes linguagens infantis A linguagem infantil,
é apresentado nos documentos a partir do Referencial Curricular agora compreendida
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) de 1998. Anterior a esta nova em termos plurais,
concepção, a linguagem era vinculada apenas à oralidade e à escrita. relaciona-se também
às linguagens não
verbais: movimento,
A linguagem infantil, agora compreendida em termos plurais, desenho, pintura,
relaciona-se também às linguagens não verbais: movimento, desenho, modelagem,
pintura, modelagem, colagem, música, dança, brincadeira, escultura, colagem, música,
dança, brincadeira,
construção, fotografia, ilustração, cinema. escultura,
construção,
Além disso, a publicação especifica os elementos fotografia, ilustração,
constituintes de algumas destas linguagens, cinema.
como, por exemplo, na linguagem musical, o
som e o silêncio, a altura (graves ou agudos), a duração
(curtos ou longos), a intensidade (fracos ou fortes), o timbre
“(característica que distingue e “personaliza” cada som)” (vol.
3, p. 59). Na linguagem visual, os elementos são: o ponto, a
linha, a forma, a cor, o volume, o espaço, o contraste, a luz, as
texturas etc. (JUNQUEIRA FILHO, 2005, p. 2).

É possível afirmar que as linguagens nesta nova concepção trazem a


21
Linguagem e Ludicidade na Infância

importância das diferentes formas de interação, socialização e expressão como


frutos culturais dos seres humanos, e sua forma de conhecer e representar o mundo.

Vamos agora analisar alguns artigos das Diretrizes Curriculares Nacionais


para Educação Infantil, que dizem respeito às diferentes linguagens da criança:

De acordo com o Art. 6º, as propostas destinadas à Educação Infantil devem


acatar alguns princípios que visam assegurar a formação integral da criança. Entre
os princípios éticos e políticos, os documentos apresentam, ainda, os estéticos
que permeiam o princípio “da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da
liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais”
(BRASIL, 2010, p. 2). A partir do documento, podemos perceber que há uma
preocupação em enfatizar a essência lúdica da criança nas propostas pedagógicas.
O estético, mencionado nos documentos, trata-se do saber sensível, esse mesmo
saber que na era da industrialização foi apartado do saber inteligível por questões
econômicas e políticas, tornando-se o novo paradigma daquela época.

Os novos paradigmas englobam e transcendem a história, a


antropologia, a sociologia e a própria psicologia resultando em
uma perspectiva que define a criança como ser competente
para interagir e produzir cultura no meio em que se encontra
(BRASIL, 2006, p.13).

Moraes (2010) esclarece que escolas pautadas no paradigma tradicional


seguem um modelo de organização burocrática, com estruturas hierarquizadas,
e disciplinas desconexas, distanciando-se da realidade dos alunos. Ressalta que
o contexto mudou, e a missão da escola hoje é atender ao aluno, ao aprendiz. A
autora também enfatiza um olhar para a interdisciplinaridade dos currículos, e do
resgate aos saberes sensíveis, o qual se constrói pelas vias artísticas.

A arte é uma das linguagens que expressa os saberes da criança.


A arte é uma das Hoje, por meio de estudos sobre a infância, percebe-se que é essencial
linguagens que
no trabalho com a criança explorar o estético, que, segundo Duarte Júnior
expressa os saberes
da criança. (2013), não se refere apenas a beleza das coisas, mas ao olhar sensível
explorado pelos diversos sentidos do corpo. “O conhecimento é produto
do inteligível e do saber sensível que partem da sensibilidade corporal mais
básica até o pensamento abstrato” (DUARTE JÚNIOR, 2013, p. 311). Ou seja,
os dois saberes, inteligível e sensível, favorecem o conhecimento e devem ser
valorizados igualmente quando se trata da formação integral do sujeito. Diante
disso, a ludicidade, a arte e a cultura, conforme as Diretrizes, fazem parte também
dessa formação.

A dimensão lúdica e a dimensão estética são condições


fundamentais para a formação humana. A associação da
dimensão lúdica às demais atividades expressivas das

22
Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

crianças tem encontrado seu fundamento quando se destaca


a expressão de sentimentos, invenções, imaginação, bem
como o desenvolvimento da sensibilidade, concebida como
capacidade para sentir, procurar e exteriorizar sensações, o
que por vezes, são roubados das crianças, quando se tem
os espaços das creches e pré-escolas organizados de modo
empobrecedor. A sensibilidade tem um papel importante
quando pensamos na construção de nossas concepções
de mundo e sobre o mundo, incidindo no modo como o
projetamos e o construímos (GOBBI, 2010, p. 3).

No que se refere aos diferentes saberes, como consta no Art. 7º, inciso III das
Diretrizes, ressalta-se a importância da convivência entre crianças e entre adultos.
Também são mencionados: a valorização, os saberes e os conhecimentos de
diferentes naturezas.

Percebeu o quanto é importante permitir às crianças o acesso aos


conhecimentos diferenciados? Veja que no Art. 8º, referente à garantia de acesso
aos conhecimentos e aprendizagens das diferentes linguagens, há a preocupação
com a ruptura de um modelo tradicional em prol de um paradigma que reconheça
o ser humano como um todo indivisível, um ser holístico. Observemos:

Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação


Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso
a processos de apropriação, renovação e articulação de
conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens,
assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade,
à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à
convivência e à interação com outras crianças.
[...]
II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva,
cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança;
[...]
V - prever a oferta de brinquedos e equipamentos que
respeitem as características ambientais e socioculturais da
comunidade (BRASIL, 2010, p. 3).

Ainda no contexto desses saberes, consta no Art. 9º das Diretrizes que as


práticas pedagógicas voltadas à Educação Infantil devem ter como foco principal
as interações e brincadeiras, as quais estimulem e garantam experiências entre
outras diferentes linguagens, conforme incisos deste mesmo artigo:

[...] I - promovam o conhecimento de si e do mundo por


meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas,
corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da
individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;
II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes
linguagens e o progressivo domínio por elas de vários
gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica,
dramática e musical;

23
Linguagem e Ludicidade na Infância

III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de


apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e
convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais
e escritos;
[...]
IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças
com diversificadas manifestações de música, artes plásticas
e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e
literatura; (BRASIL, 2010, p. 4, grifo nosso).

Perceba que as diferentes linguagens reconhecidas pelas Diretrizes


Curriculares Nacionais também são discutidas por renomados autores.

Antes de adentrarmos nas diferentes linguagens da criança, apresentaremos


indicações de livros sobre os assuntos tratados até agora:

O Paradigma Educacional Emergente, 13ª Edição – Maria


Cândida Moraes.

Este livro tece seus discursos sobre o novo


paradigma sustentado pelas atuais demandas
da sociedade. A autora discute os impactos do
paradigma científico na educação e seus efeitos
até hoje. Aponta caminhos para o novo paradigma
sustentado na inteireza do ser.

O Sentido dos Sentidos – João Francisco Duarte Junior.

Por muitos anos a razão dominou os sentidos


humanos e hoje se pretende que ela responda
pelos mais íntimos e pessoais setores de nossa
vida, acarretando uma desconsideração para
com o saber sensível detido pelo corpo humano e
mesmo um embotamento e não desenvolvimento
da sensibilidade dos indivíduos.

O livro de Duarte Júnior trata das questões do


saber sensível tão urgente na educação e formação do sujeito.

Caro (a) pós-graduando (a), atente para a ilustração acerca das diferentes
linguagens da criança com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 1998:

24
Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

Quadro 2 – Diferentes linguagens da criança

• A dimensão corporal integra-se ao conjunto da atividade da criança.


• O ato motor faz-se presente em suas funções expressiva, instrumental
MOVIMENTO ou de sustentação às posturas e aos gestos.
• A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das mímicas
faciais e interage utilizando fortemente o apoio do corpo.
• Exercício sensível e expressivo que também oferece condições para o
desenvolvimento de habilidades.
MÚSICA • A música é a linguagem em forma sonora que expressa e comunica
sensações, sentimentos e pensamentos.
• Compreende-se a música como linguagem e forma de conhecimento.
• A aprendizagem da linguagem oral e escrita é um dos elementos impor-
tantes para as crianças ampliarem suas possibilidades de inserção e de
participação nas diversas práticas sociais.
LINGUAGEM • O trabalho com a linguagem se constitui um dos eixos básicos na educa-
ORAL E ESCRITA ção infantil.
• Pesquisas na área da linguagem tendem a reconhecer que o processo
de letramento está associado tanto à construção do discurso oral como
do discurso escrito.
• A participação ativa da criança e a natureza lúdica e prazerosa inerentes
a diferentes tipos de jogos têm servido de argumento para fortalecer
essa concepção, segundo a qual aprende-se Matemática brincando.
• O jogo pode tornar-se uma estratégia didática quando as situações
MATEMÁTICA
são planejadas e orientadas pelo adulto visando a uma finalidade de
aprendizagem.
• As crianças participam de uma série de situações envolvendo números,
relações entre quantidades, noções sobre espaço.
• Expressam, comunicam e atribuem sentido a sensações, sentimentos,
pensamentos e realidade por meio da organização de linhas, formas,
pontos, tanto bidimensional como tridimensional.
• A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, intuitivos, estéticos e
ARTES VISUAIS
cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social,
conferem caráter significativo às Artes Visuais.
• Artes Visuais são linguagens e, portanto, uma das formas importantes de
expressão e comunicação humanas.
• O eixo de trabalho denominado Natureza e Sociedade reúne temas
pertinentes ao mundo social e natural.
• O brincar de faz de conta, por sua vez, possibilita que as crianças refli-
NATUREZA E
tam sobre o mundo. Ao brincar, as crianças podem reconstruir elementos
SOCIEDADE
do mundo que as cerca com novos significados.
• É importante que as crianças tenham contato com diferentes elementos,
fenômenos e acontecimentos do mundo.
Fonte: Disponível em: <http://www.editoradobrasil.com.br/educacaoinfantil/
educacao_infantil/eixos.aspx>. Acesso em: 10 jun. 2015.

25
Linguagem e Ludicidade na Infância

De acordo com as informações contidas nas figuras, cada uma das


linguagens apresenta características próprias e permite o desenvolvimento
integral da criança, pois explora o cognitivo, o artístico, o motor, os sentimentos,
as relações, as expressões, as culturas, envolvendo os diferentes saberes.

Um ambiente que Nesse sentido, devemos proporcionar à criança, na Educação Infantil,


permita as múltiplas trabalhos que supram interesses e vontades de suas necessidades vitais,
linguagens colabora por meio das múltiplas linguagens. Para Freinet (1974, p. 13), “[...] o
não só para o desenho, a pintura e a música livres, expressão complementar pela via
desenvolvimento afetiva de tudo o que a criança tem em si de possibilidades, difusão e,
das habilidades
não obstante, superiores, de acesso à cultura, não apenas escolar, mas
próprias que
cada linguagem cultural, social e humana”.
proporciona, mas
para a formação Um ambiente que permita as múltiplas linguagens colabora não
plena do cidadão, só para o desenvolvimento das habilidades próprias que cada linguagem
uma vez que lida proporciona, mas para a formação plena do cidadão, uma vez que lida com
com os diferentes
os diferentes saberes.
saberes.

Todavia, para favorecermos o desenvolvimento das diferentes linguagens é


imprescindível que estejamos abertos para o ato da escuta. Olhar e ouvir o que as
crianças têm a nos dizer é o caminho para compreendermos sua forma de ver o
mundo e as manifestações de suas diferentes elocuções.

Sobre a pedagogia da escuta e as implicações no ato do brincar, discutiremos


no capítulo a seguir.

Atividades de Estudos:

1) As Diretrizes Curriculares Nacionais de 1998 estabelecem um


trabalho com a Educação Infantil pautado em seis (6) eixos,
que seriam as diferentes linguagens da criança. Sobre essas
linguagens, cite cada uma delas e apresente três características
que lhes corresponda.
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26
Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

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2) O trabalho com as diferentes linguagens na Educação Infantil


depende de algumas estratégias do professor em sala de aula.
Elabore algumas ações que contribuem para esta prática.
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Algumas Considerações
A criança reflete sua cultura e contextos nas brincadeiras e interações com seus
pares. Possui diferentes linguagens pelas quais seu mundo é representado. Suas
experiências são construídas no convívio com o outro e na diversidade de contextos.

27
Linguagem e Ludicidade na Infância

As atividades lúdicas proporcionam formas diferentes de ver o mundo,


pois lidam com sentimentos, regras, valores, superando desafios e criando
novas habilidades.

Uma proposta educacional destinada à infância, que proporciona um trabalho


a partir das múltiplas linguagens, permite o desenvolvimento integral da criança,
respeitando seu saber sensível e inteligível, contribuindo para o avanço cognitivo,
emocional e corporal.

No próximo capítulo, discutiremos a pedagogia da escuta e as implicações


no ato do brincar.

Referências
BRANDÃO, Ilana Figueiredo A criança ressignifica a cultura: a reprodução
interpretativa nas brincadeiras de faz-de-conta em três contextos diferenciados.
2010. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes


curriculares nacionais para a educação infantil / Secretaria de Educação
Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2010.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros


nacionais de qualidade para a educação infantil/Ministério da Educação.
Secretaria de Educação Básica – Brasília. DF. 2006.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil.
Brasília: MEC/SEF, 1998.

______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares


nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos
parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: MEC/SEF, 1998.

DUARTE JÚNIOR, João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação do


sensível. 3. ed. Curitiba: Criar, 2004.

______. Fundamentos estéticos da educação. Campinas: Papirus, 2013.


28
Capítulo 1 A Cultura e as Múltiplas Linguagens da Criança

EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens


da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

FREINET, Célestin. O Jornal Escolar. Lisboa: Estampa, 1974.

GOBBI, Márcia. As múltiplas linguagens de meninos e meninas e a educação


infantil. In: SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO, 1., Belo
Horizonte, 2010. Anais... Belo Horizonte, 2010.

JUNQUEIRA FILHO, Gabriel de A. Linguagens geradoras: seleção e articulação


de conteúdos em educação infantil. Porto Alegre: Mediação, 2005.

KRAMER, Sonia. Crianças e adultos em diferentes contextos. IN:


SARMENTO, Manuel; GOUVEA, Maria Cristina Soares. Estudos da infância:
educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2009.

MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, C.;


GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre:
Artmed, 1999.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. São Paulo:


Papirus, 2010.

NEITZEL, Adair de Aguiar; CARVALHO, C. Convite à arte: a fruição como saber


sensível essencial à humanização do homem. In: PINO, A.; SHLINDWEIN, L.
M.; NEITZEL, A. de A. (Org.). Cultura, escola e educação criadora: formação
estética do ser humano. Curitiba: CRV, 2010. p. 171-184.

VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Linguagem e desenvolvimento intelectual na


idade escolar. In: VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. 6. ed. São Paulo: EDUSP, 1998.

WALLON, Henri. Psicologia da Educação e da Infância. Lisboa, Portugal:


Editorial Estampa, 1975.

29
C APÍTULO 2
A Pedagogia da Escuta e as
Implicações no Desenvolvimento da
Criança e no Ato do Brincar

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conhecer os fundamentos e os princípios básicos da Pedagogia da Escuta.

33 Valorizar a prática da Escuta no contexto infantil.

33 Utilizar a escuta como proposta de conhecimento do universo lúdico e formas


de comunicação da criança.
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

Contextualização
A Pedagogia da Escuta é uma proposta trazida a partir da obra pedagógica
de Loris Malaguzzi. Vamos debatê-la, neste capítulo, trazendo um paralelo
entre as escolas de Reggio Emilia, na Itália, e a Escola da Ponte, em Portugal.
Discutiremos Reggio Emilia por ter seus projetos vinculados diretamente à
proposta de Malaguzzi, e a Escola da Ponte (referência de escola para muitos
países) por apresentar um Projeto Educativo pautado, entre outros fundamentos,
na Pedagogia da Escuta de Malaguzzi.

É importante, também, conhecermos as bases que sustentam esta pedagogia


pelas contribuições de Piaget, Wallon, Vygotsky e Freinet. Cada uma das teorias
envolve dois pontos que convergem na questão do desenvolvimento da criança: a
interação e a comunicação.

A Pedagogia da Escuta e o brincar estão diretamente relacionados, uma vez


que trazem o olhar do educando sobre as mais espontâneas ações da criança. É
nesse momento que ela revela seu entendimento de mundo e formas de lidar com
as emoções.

Boa leitura!

Pedagogia da Escuta: Fundamentos


e Princípios com Escolas em Reggio
Emilia e Escola da Ponte
A proposta da Escuta fundamenta-se nos eixos da ética, da estética e da
solidariedade. Da ética porque respeita o direito da criança de ser ouvida, de
expressar seus sentimentos, desejos, emoções, descobertas e anseios.
Da estética porque permite a comunicação dos saberes sensíveis A Pedagogia da
presentes na imaginação criadora da criança, pois lida com a fantasia, Escuta é uma
sentimentos e percepções de mundo. Da solidariedade porque a ação corrente que valoriza
a pluralidade do
de ouvir é um ato que exprime confiança e entrega ao outro. Nesse
sujeito e suas
sentido, podemos afirmar que a Pedagogia da Escuta é uma corrente múltiplas linguagens.
que valoriza a pluralidade do sujeito e suas múltiplas linguagens.

Tanto as escolas de Reggio Emilia, na Itália, quanto a Escola da Ponte, em


Portugal, fundamentam sua proposta pedagógica em autores que têm como
princípio básico o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo da criança.
33
Linguagem e Ludicidade na Infância

Ambas as escolas têm suas práticas alicerçadas nos estudos de Vygotsky,


Wallon, Piaget, Montessori, Dewey, Ferrièri, Freinet, entre outros. Tais estudiosos
lançaram um novo olhar sobre a infância, as particularidades de cada fase.
Contribuíram para entender a criança pela sua inteireza, sendo esta capaz de
desenvolver o raciocínio lógico, o espírito crítico, a compreensão de mundo a
partir de suas relações sociais.

A Pedagogia da Escuta na Escola da


Ponte
Caro (a) pós-graduando (a), esta sessão apresentará algumas contribuições
da pesquisa de mestrado de Offial (2012) e Estudos de Freire (2005 - 2009), pois
julgamos indispensável um embasamento teórico ancorado pelas práxis educativas,
principalmente porque a Escola da Ponte é referência para muitos educadores e
pesquisadores em nível mundial. E, em especial, aqui no Brasil, vem recebendo
grande influência pelo seu fundador e educador José Pacheco, atualmente
residente em São Paulo, trabalhando como consultor pedagógico e com formações,
auxiliando muitas escolas a fazerem a diferença a partir de sua realidade educativa.

Então, vamos refletir sobre a Pedagogia da Escuta e o projeto educativo


desta escola. O que é a escuta senão permissão para o diálogo?

A Escola da Ponte rompeu com um modelo escolar no qual as


aulas eram centradas no professor, lançando-se em um paradigma
que centra o aluno em seu projeto educativo, valorizando a voz das
crianças. Envolveu os alunos nas tomadas de decisões, coletivas e
individuais, por meio do diálogo e da escuta. Permitiu ao aluno dirigir
sua própria aprendizagem. Trocou uma organização hierárquica por
uma escola com princípios democráticos e não autoritários. Veja abaixo
as estratégias pedagógicas que favorecem a voz das crianças:

Figura 2 - Estratégias Pedagógicas

Fonte: Offial (2012).

34
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

Conforme a foto, a estratégia “acho bem e acho mal” traz a opinião dos alunos
sobre fatos e situações vivenciadas não só na escola como na comunidade.
Há também outros recursos desta escola que convergem para a concepção da
pedagogia da escuta, como a caixinha dos segredos, em que a criança expõe
seus conflitos e anseios. O aluno sente-se à vontade para registrar seus segredos,
sentindo a escola como um aliado seu. Mas, para isso, é necessário o professor
estar disponível, aberto ao ato da escuta em todos os momentos, seja no brincar,
seja na realização das atividades, seja nos momentos coletivos, individuais, livres.

Conforme Freire (2009, p. 135), “[...] ensinar exige disponibilidade para o


diálogo”. O indivíduo que está aberto para todo seu entorno, como também para
o próximo, demonstra nessa ação uma relação dialógica como inquietação e
curiosidade, pois compreende que nada está perfeitamente acabado e a história é
um eterno movimento.

Estar disponível é estar sensível aos chamamentos que nos


chegam, aos sinais mais diversos que nos apelam, ao canto
do pássaro, à chuva que cai ou que se anuncia na nuvem
escura, ao riso manso da inocência, à cara carrancuda da
desaprovação, aos braços que se abrem para acolher ou ao
corpo que se fecha na recusa. É na minha disponibilidade
permanente à vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar
crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a
ser eu mesmo em minhas relações com o contrário de mim
(FREIRE, 2009, p. 134).

Nesse processo, entende-se que a relação dialógica deve ser crítica,


transformadora, pois é a partir do diálogo que se constroem, problematizam e
encontram possíveis soluções. O que Paulo Freire e a Escola da Ponte criticam
é um ambiente educacional que não oferece ao aluno a pesquisa, a autonomia
e a liberdade de escolha. A desconexão entre currículo, prática pedagógica e
contexto do aluno pode ser o vilão da aprendizagem, do conhecimento. Freire
(2009) reconhece que ensinar passa muito longe de uma mera transmissão de
conhecimento. Pelo contrário, segundo o autor, ensinar exige consciência do
inacabado; ensinar exige o reconhecimento do ser condicionado; ensinar exige
respeito à autonomia do ser educando; ensinar exige bom senso; ensinar exige
humildade, tolerância, alegria e esperança e, acima de tudo, ensinar é um ato
de amor.

De acordo com a concepção de Freire (2009), ensinar exige tanto Ensinar exige tanto
do educador quanto
do educador quanto do educando e, por isso, o processo de educar deve
do educando e, por
ser pautado na ação e na reflexão. isso, o processo
de educar deve ser
Na comparação entre as ideias de Paulo Freire e os fundamentos que pautado na ação e
sustentam a Escola da Ponte, é perceptível verificar suas ressonâncias na reflexão.

35
Linguagem e Ludicidade na Infância

na prática cotidiana, começando pela organização dos alunos em grupos, pela


valorização do diálogo e pela troca de experiência, em um ambiente democrático
de ação comunicativa e afetiva. Tudo se resolve, ou pelo menos tenta se
resolver, de forma democrática entre alunos, professores e pais, pois todos são
responsáveis pela própria escola. “Direitos e deveres”, “Assembleias”, “Comissão
de Ajuda” são exemplos de atividades realizadas na Escola da Ponte os quais
proporcionam um ambiente de diálogo e de democracia.

Figura 3 - Momento de assembleia na Escola da Ponte

Fonte: Offial (2012).

Nessas atividades de diálogo, os alunos e os professores discutem os


problemas, ideias, sugestões e tentam trazer melhorias para a escola. Os
membros responsáveis pela assembleia organizam a pauta no decorrer da
semana, buscando informações em cada núcleo. Assim, todos podem participar
e interagir. Toda a assembleia é dirigida por alunos participantes. Os professores,
assim como os educandos, precisam levantar as mãos para falar. Vivenciam,
assim, a democracia.

Na questão do Segundo Freire (2005, p. 90): “Não é no silêncio que os homens se


diálogo, Freire
fazem, mas nas palavras, no trabalho, na ação-reflexão”. O educador
(2009) discute a
sua relação com diz, ainda: “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo
o amor. Aponta mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto na relação eu-tu”
que só é possível (FREIRE, 2005, p. 90). Essa mediação que Paulo Freire cita e que José
uma relação de Pacheco aplica em seu “círculo de estudos” é uma mediação aberta,
diálogo onde existe crítica e ativa.
amor, pois quem
não possui uma
Na questão do diálogo, Freire (2009) discute a sua relação com
relação de amor
com o mundo, a o amor. Aponta que só é possível uma relação de diálogo onde existe
vida e os homens, amor, pois quem não possui uma relação de amor com o mundo, a vida
consequentemente e os homens, consequentemente não torna possível o diálogo. O filósofo
não torna possível defende, também, a importante relação do diálogo com a humildade,
o diálogo. com o pensar crítico, com a fé nos homens. Conforme a ideia do autor,

36
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

indaga-se: Como educar sem dialogar? Como interferir no mundo sem dialogar?
“Só educadoras e educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato
de educar e o ato de serem educados pelos educandos; só eles separam o ato
de ensinar do de aprender, de tal modo que ensina quem se supõe sabendo e
aprende quem é tido como quem nada sabe” (FREIRE, 2009, p. 27).

Os ambientes escolares nem sempre contribuem para uma prática dialógica.


O que existe, muitas vezes, é um monólogo que contribui somente para o
engessamento do educando, levando-o à possível alienação e à ingenuidade.
Segundo Freire, a base do diálogo é o amor, pois o amor é humildade, é
compromisso, e nas palavras do autor: “Se não amo o mundo, se não amo a
vida, se não amo os homens, não é possível o diálogo” (FREIRE, 2005, p. 92).
Nessa lógica, segundo o educador: “O sujeito que se abre ao mundo e aos outros
inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação
e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história” (FREIRE,
1996, p. 154).

Uma escola que não promove o diálogo está fechada para seu entorno social
e geográfico. Para a pedagogia da escuta se fazer valer no cotidiano escolar, é
necessário que o educador tenha clareza dessa compreensão, que pense de
forma coerente e reconheça as diferentes linguagens da criança.

Conheceremos, na próxima sessão, a Pedagogia da Escuta por meio das


escolas de Reggio Emilia, incentivada pelo educador Malaguzzi.

A Pedagogia da Escuta nas Escolas


de Reggio Emilia
Os professores de Reggio Emilia têm uma forte preocupação com o
desenvolvimento da criança, por isso, estão atentos ao que elas têm a lhes dizer.
O cumprimento do currículo e processo de ensino e aprendizagem não está em
primeiro plano, aliás, esses são consequências de todo um processo pautado nas
experiências com os alunos. A proposta pedagógica das escolas da infância de
Reggio incide em instituir firmemente um tecido de comunicação. Os discursos
entre criança-criança, criança-professor e entre professores é o que faz diferença
para que se desenvolva a Pedagogia da Escuta.

Conheça um pouco mais a respeito do trabalho pedagógico nas escolas de


Reggio Emilia.
37
Linguagem e Ludicidade na Infância

Essencialmente, o trabalho pedagógico realizado nas escolas


de Reggio é centrado em projetos. As crianças participam ativamente
desde a seleção do tema à análise dos conteúdos que servem/
servirão de estímulo para a elaboração de novos conteúdos e novos
projetos. Lilian Katz (1999, p. 38), pesquisadora em educação infantil
da Universidade de Illinois (EUA), interessou-se pela proposta e
concluiu, a partir de observações in loco, que: “o trabalho em projetos
visa ajudar crianças pequenas a extrair um sentido mais profundo
e completo de eventos e fenômenos de seu próprio ambiente e de
experiências que mereçam sua atenção”.

Os projetos oferecem a parte do currículo na qual as crianças


são encorajadas a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas
próprias escolhas [...]. O currículo vai tomando corpo conforme os
projetos vão se desenvolvendo e as crianças vão produzindo seus
desenhos e/ou representações. Isso quer dizer que o currículo
em Reggio Emilia não é unificado, nem segue um único padrão
estabelecido por diretrizes legais, mas flexível, que vai se adaptando
conforme as necessidades /curiosidades /interesses das crianças
vão se modificando. Daí o currículo em Reggio Emilia ser chamado
de “emergente” (RINALD, 1999, p. 113).

Esse conceito não implica uma ausência de planejamento


ou de cuidados com relação ao aprendizado dos estudantes, mas
seus resultados demonstram clara compreensão da multiplicidade
subjetiva que é intrínseca ao ser humano e, como metáfora, remete
à simbologia do nascimento. Dar à luz, explica Bruce Mitford
(1997, p. 71), é a representação máxima da criação humana. Eis
o baldrame de toda pedagogia da escuta: respeito ao movimento
dialético entre imaginação e produção, na qual um alimenta o outro e
vice-versa, nutrindo, dessa forma, a faculdade humana de aprender/
desenvolver/criar. Faculdade abusivamente anestesiada pela
hegemonia educacional em vigor. Dito de outra maneira, enquanto
no modelo educacional, pautado na educação pela padronização,
os atos de criar e fantasiar são sempre limitados pela ordem e
pela obrigação de se avaliar pela mesma régua, na Pedagogia da
Escuta tais atos (criar e fantasiar) são não apenas permitidos, mas
encorajados nos projetos.

As crianças em Reggio Emilia podem experimentar, imaginar e


dar “voz” às suas criações através de alguma linguagem que não
apenas engordam um portfólio ou são exibidas na reunião de pais
ou acomodadas em um arquivo até serem eliminadas. As criações
38
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

são observadas e analisadas pelos professores, alunos e comunidade


com o propósito de retroalimentar a aprendizagem e indicar próximos
passos para a progressão do aluno. Isso acontece porque há na
concepção de escola em Reggio que se aproxima da concepção de
família tradicional/convencional. Há responsabilidades compartilhadas,
mas também há a existência da dimensão da afetividade nas relações
educacionais que, como já demonstrado anteriormente (FORTUNATO
et al., 2010), não pode ser suprimida do processo educacional. Escola
e família operam juntos na educação das crianças.

Os trabalhos produzidos pelos alunos, explica Miranda (2005),


tornam-se objeto de estudo do seu potencial e serve “para cultivar
e promover o processo criativo, apontar a importância do respeito
às ideias do outro e entender que as crianças criam verdadeiras
teorias a partir de suas observações e a liberdade de manifestação
de suas ideias”.

A liberdade na ação educativa é sempre uma reação ao


movimento hegemônico que prevê a padronização como condição
para alcance da qualidade no ensino. Essa qualidade objetivada
gera inquietações, como as descritas por Nunes (2000) após longo
período de observação em uma escola de educação infantil. Segundo
a pesquisadora:

Tudo era feito para a criança, não pela criança.


Raramente ela agia de forma autônoma, sendo
sua ação geralmente vista como perturbadora da
tranquilidade. A organização da rotina visava impor
formas de ação que incomodassem o menos possível
a suposta tranquilidade da escola, sendo que as filas
eram seu instrumento privilegiado. Assim, a criança
acabava tendo de ficar a maior parte do tempo à espera
(NUNES, 2000, p. 126).

Em nome da autonomia e na contramão dessa “pedagogia da


espera” que procura sempre a ordem em detrimento de qualquer
outra conduta, buscamos a prática das escolas de Reggio Emilia,
principalmente por causa das seis importantes lições que sua
Pedagogia da Escuta oferta aos educadores.

Sinteticamente temos:

1. Os tópicos para os projetos são estabelecidos a partir do interesse


das crianças, e a profundidade do aprendizado é explorada nas
representações criadas pelas crianças;
39
Linguagem e Ludicidade na Infância

2. O trabalho produzido é utilizado para a aprendizagem, porque


servem de base para discussões e trabalhos adicionais;

3. Permitir a livre expressão criativa das crianças estimula e amplia


o interesse pelas artes e motiva a criatividade e a imaginação;

4. O trabalho com projetos secreta rico conteúdo;

5. Na relação professor-aluno o interesse pelo gosto e pelas


produções das crianças é sincero, possibilitando novas e mais
complexas criações;

6. O relacionamento escolar é próximo ao relacionamento familiar/


comunitário.

Fonte: Fortunato (2010, p.164).

Os professores de Reggio Emilia estão abertos para entender a criança


nos seus diferentes contextos. Por exemplo, ao trabalharem num projeto, os
professores estão atentos constantemente às atividades que os alunos realizam,
pois entendem que ao executarem uma tarefa os desafios irão surgir, e é neste
momento que o professor entra em cena para ouvir e observar como a criança se
desenvolve, ou seja, como ela resolverá seu suposto problema.

Saber ouvir e observar são características primordiais dos professores


Saber ouvir e
observar são que aderem em sua prática à Pedagogia da Escuta. Ouvir os alunos é
características compreender além de uma linguagem verbal, é perceber a linguagem das
primordiais dos expressões corporais e suas múltiplas faces. Pois, muitas vezes, o aluno
professores que verbaliza algo que não sente, mas que poderá ser capturado se observado
aderem em sua em suas expressões, posturas e demais sinais corporais.
prática à Pedagogia
da Escuta. O conflito intelectual é compreendido como máquina de todo
o crescimento em Reggio Emilia. Portanto, os professores
tentam trazer à tona, em vez de suprimir os conflitos de
opinião entre crianças. Similarmente, entre eles mesmos,
aceitam prontamente discordâncias e esperam uma discussão
extensa e críticas construtivas; isso é visto como melhor
meio de avançar. O prazer dos professores com a equipe de
trabalho e a aceitação de diferenças de opinião oferecem um
modelo para crianças e pais (EDWARDS, 1999, p.168).

A abertura para a escuta e a aceitação das diferentes opiniões facilita o


avanço intelectual e permite o respeito ao saber do outro. O professor que sabe
ouvir ensina não só lições de consideração na relação professor/aluno, mas
favorece para que essa relação se estenda entre os próprios alunos.
40
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

Fundamentos para a Pedagogia da


Escuta e a Relação com o Brincar
A pedagogia da Escuta sustenta suas bases também nos estudos de Freinet,
Piaget, Wallon e Vygotsky. Para você entender melhor a contribuição de cada um
deles, apresentaremos um breve resumo no quadro a seguir:

Quadro 3 - Contribuições para a Pedagogia da Escuta

FREINET WALLON VYGOTSKY PIAGET

O princípio da cooperação A criança, para Wallon, Segundo Vygotsky, o Para Piaget, o de-
- Permite relações que con- é essencialmente homem  se produz na e senvolvimento mental
duzem: à conversa livre, ao emocional e gradual- pela linguagem, isto é, é ocorre espontanea-
conselho de classe, à reunião mente vai constituindo- na interação com outros mente de acordo com
cooperativa em acordo com -se em um ser sociocog- sujeitos que formas de a potencialidade de
a idade dos alunos. A reunião nitivo. pensar são construídas por cada criança e sua
cooperativa é a mola mestra meio da apropriação do interação com o meio.
O autor estudou a
de todas as decisões. saber da comunidade em
criança contextualizada, Piaget afirma que,
que está inserido o sujeito.
A comunicação e a expres- como uma realidade para a criança
são livre - Valoriza uma viva e total no conjunto A relação entre homem adquirir pensamento
aprendizagem viva, pois traz de seus comportamen- e mundo é uma relação e linguagem deve
a liberdade de expressar o tos, suas condições de mediada, na qual entre passar por várias
seu pensamento em todas as existência. o homem e o mundo fases de desenvol-
atividades. existem elementos que vimento psicológico,
Antes do surgimento da
auxiliam a atividade partindo do individual
O tateamento experimental - linguagem falada, as
humana. para o social.
Não é uma técnica pedagó- crianças comunicam-se
gica, é um processo que se e constituem-se como A capacidade humana Segundo ele, o
inscreve no “devir” global sujeitos com significado, para a linguagem faz com falante passa por
de cada criança como parte através da ação e inter- que as crianças providen- pensamento autístico,
integrante da formação de sua pretação do meio entre ciem instrumentos que fala egocêntrica para
personalidade. humanos, construindo auxiliem na solução de atingir o pensamento
É um ato inteligente suas próprias emoções, tarefas difíceis, planejem lógico, sendo o ego-
desempenhado por um ser que  é seu primeiro uma solução para um centrismo o elo das
que busca a construção do sistema de comunicação problema e controlem seu operações lógicas da
seu conhecimento. expressiva. comportamento. criança.
Fonte: Adaptado de Basso (2010).

41
Linguagem e Ludicidade na Infância

O que é o “Devir”?

Acreditamos que um devir possa ser entendido como o


conjunto de características fundamentais concebidas pelo ser, assim
como pelo mundo (suas realidades, diferenças e desejos), em seu
transcurso por meio de um continuum movimento de transformações.
Destarte, acreditamos que o significado de devir aduz um conjunto
de premissas teóricas, empíricas e filosóficas que auxiliam conceber
postulados para a construção de sentidos nas ações humanas.
(SILVA; GOMES, 2013).

Se analisarmos cada uma das contribuições dos autores, veremos que,


apesar das peculiaridades diferenciadoras, há em cada uma delas semelhanças
relevantes no que diz respeito à comunicação e interação. Afinal o que é a
Pedagogia da Escuta se não o entendimento dessas duas ações? Interagir
com o meio é estar aberto às relações, é ouvir e ser ouvido. Para que haja uma
comunicação, é preciso antes de tudo estar disposto a ouvir.

A livre expressão da criança, proferida por Freinet; a comunicação das


emoções, trazida por Wallon; o sujeito sociocultural, conforme Vygotsky; e
os estágios do desenvolvimento de Piaget indicam o quanto a criança e suas
diferentes linguagens se manifestam nas relações com o meio a partir de suas
potencialidades e fases de desenvolvimento.

Na Pedagogia da Escuta os professores devem saber ouvir a


Na Pedagogia
criança, mas antes de tudo conhecê-la como sujeito de grande potencial.
da Escuta os
professores devem
saber ouvir a Devem perceber que escutar as crianças é tanto necessário
quanto prático. Devem saber que as atividades devem ser
criança, mas antes
tão numerosas quanto as teclas de um piano, e que todas
de tudo conhecê-la envolvem atos infinitos da inteligência quando as crianças
como sujeito de recebem uma ampla variedade de opções a partir das quais
grande potencial. escolher (MALAGUZZI, 1999, p.82).

Malaguzzi (1999) ressalta a importância de atividades variadas para que


possibilidades sejam criadas. Observar a criança na ação seja de uma brincadeira
livre, seja de uma ação dirigida, é, sem dúvida, abrir-se para entender seus saberes,
suas linguagens, sua forma de atuar no coletivo ou individual.

Nas brincadeiras espontâneas, a criança utiliza, de maneira


prazerosa, sua capacidade de separar o significado do objeto,

42
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

sem dar conta do que está fazendo. Mais adiante o brinquedo


lhe fornecerá a possibilidade de transição entre o pensamento
da situação concreta e imediata para uma situação imaginária,
ou seja, ele garante a passagem de um pensamento
puramente situacional, característico da primeira infância, a
pensamentos menos sincréticos e confusos, mais próximos
aos do adulto, que podem ser totalmente desvinculados de
situações reais (VASCONCELOS, 2009, p. 75).

Nesse sentido, precisamos, além de observar e escutar a criança,


De acordo com
compreender seus sentidos de mundo e sua atuação com os objetos.
Vygotsky e
De acordo com Vygotsky e Piaget, são nos momentos lúdicos que as Piaget, são nos
crianças desenvolvem sua relação com o mundo externo, construindo momentos lúdicos
condições comunicativas e interações sociais. Desenvolvem que as crianças
autonomia, competência de raciocinar e de julgar. Aprendem a fazer desenvolvem sua
escolhas quanto à forma de brincar e brinquedos, bem como as regras relação com o
mundo externo,
que irão seguir. construindo
condições
De acordo com Vygotsky, o brinquedo serve como comunicativas e
referência dos valores das gerações anteriores
interações sociais.
que o produziram, tendo papel fundamental na
Desenvolvem
construção /produção da realidade da criança.
Mediada pelo brinquedo, a criança aprende e age autonomia,
no mundo social, construindo sua própria história competência de
de vida e de conhecimento. A criança utiliza o raciocinar e de
brinquedo como orientador externo, que acaba por julgar. Aprendem
produzir movimentos de transição no seu próprio a fazer escolhas
processo de desenvolvimento (VASCONCELOS, quanto à forma
2009, p.74). de brincar e
brinquedos, bem
É no ato de brincar que a criança desenvolve seu discurso externo e como as regras que
irão seguir.
o interioriza, elaborando seu próprio pensamento. Diante disso, justifica-
se a importância de ouvir as crianças em momentos de brincadeiras,
pois revelam o pensamento espontâneo do seu imaginário. É no instante no qual
ela pega um brinquedo, ou transforma o objeto em algo real, que devemos estar
atentos para escutar o que a criança tem a nos dizer, principalmente em seus
momentos espontâneos.

A Pedagogia da Escuta no ato de brincar colabora para percebermos o que


ocorre no interior da criança. Ao ouvi-la nessas situações lúdicas percebemos como
constrói seu pensamento, seus enlaces afetivos e cognitivos. Permite conhecer
sua lógica e a estrutura de seu pensamento. Por isso, é primordial que o docente
tenha entendimento do potencial da criança, para que, ao escutá-la em momentos
lúdicos, favoreça “[...] condições para que a criança seja o sujeito dos seus
processos de desenvolvimento e aprendizagem, o protagonista da sua história
vivendo um processo de investigação, experiências e descobertas” (RISTOW,

43
Linguagem e Ludicidade na Infância

2012, p. 30). Nesse aspecto, “ouvir a criança não é interferir na brincadeira ou


fazer as vontades dela, é antes de tudo abrir-se para compreensão de seu mundo,
de sua lógica e de sua interação com seus pares” (MOYLES, 2002, p.12).

A escuta em momentos do brincar fundamenta-se na ação de ouvir as


crianças a partir de suas experiências. Isso implica, no momento da observação,
distanciar-se do mundo adulto para adentrar no infantil, ou seja, enxergar e ouvir
pelo contexto da criança.

Há muitas pesquisas que trazem as vozes da


criança e seu entendimento sobre seu entorno, uma
delas está em forma de cartilha a partir do “Projeto
Criança Pequena em Foco ao longo do ano de 2012”.
Desenvolvida pela CEP-BRASIL, Rio de janeiro.
Confira a leitura no site: <http://www.cecip.org.br/
images/vamos_ouvir_criancas-ebook.pdf>.

Atualmente, no cenário científico há uma crescente busca por pesquisas que


trazem a voz infantil. Elas procuram investigar, conhecer e entender o universo da
criança por meio da interpretação de suas múltiplas linguagens. Vamos conhecer
algumas das pesquisas:

Figura 4 - Pesquisas sobre a voz da criança

Müller (2007) que a partir de um referencial Jabur (2007) que investiga quais atividades,
interdisciplinar analisa o entendimento das rotinas e espaços as crianças mais e menos
crianças sobre a cidade que habitam. gostam na instituição que frequentam, com-
preendendo as possibilidades dessa avalia-
ção como um instrumento na promoção da
Teixeira (2008) que, a partir das falas das
qualidade no atendimento das crianças da
crianças, procura identificar e mapear os
Educação Infantil.
sentidos que podem ter para elas as formas
de interagir com a escola no momento de Paula (2007) que investiga as ações infantis
transição da Educação Infantil para o Ensi- nos momentos vistos pelos adultos como de
no Fundamental. transgressão.

Em Portugal, na Universidade do Minho, destaca-se a pesquisa de Silva (2003), que


investiga a ocupação dos tempos livres não escolares e não familiares e dedica-se
a ouvir as vozes das crianças sobre a forma como está construído o seu cotidiano
não escolar.
Fonte: Garanhani e Martins (2009, p. 67).

44
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

Estas pesquisas indicam o quanto avançamos em relação ao entendimento


da infância e valorização do brincar e escutar o que as crianças têm a nos dizer,
mas, por outro lado, alertamos para o quanto ainda temos que mudar práticas
escolares para que, de fato, a Pedagogia da Escuta esteja presente no dia a
dia da Educação Infantil. Trata-se de não só dar voz à criança, mas de escutar
essa voz, e compreender o que está sendo dito além do que ela diz, nas suas
representações gestuais e expressões corporais.

Atividades de Estudos:

1) Vamos relembrar alguns momentos de ludicidade de sua infância.


Tente lembrar-se de brincadeiras de que você mais gostava,
que lhe proporcionavam sentimento de prazer, segurança e
satisfação pessoal, e outras que trazem um sentimento de
perda, insegurança, abandono. Relacione e registre algumas
características (qualidades, falhas, cooperação, competição,
momentos agradáveis, etc.) que foram desenvolvidas em você
pelas atividades lúdicas vividas na infância. Desenvolva um
pequeno texto sobre o assunto.
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Linguagem e Ludicidade na Infância

2) Cite quatro (4) características que correspondem à Pedagogia da


Escuta no ambiente escolar:

Algumas Consideracões
A Pedagogia da Escuta é, sobretudo, uma atitude solidária, pois permite a
troca de experiências, o diálogo e a disponibilidade para o outro. Estar para o
outro é respeitá-lo de acordo com sua forma de ver o mundo. Entender as crianças
é adentrar em seu imaginário e abrir-se para o novo.

A partir da proposta da escuta podemos compreender o universo infantil


e perceber a grandiosidade que é o brinquedo e as brincadeiras para seu
desenvolvimento psicossocial, pois ela age, representa e estabelece um canal de
comunicação entre o real e o imaginário.

No próximo capítulo, abordaremos produções simbólicas da criança:


imaginação, memória e aprendizagem.

Referências
BASSO, M. Cíntia. Algumas reflexões sobre o ensino mediado por computadores.
2010. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/lec/02_00/Cintia-L&C4.htm>. Acesso
em: 10 jun. 2015.

46
Capítulo 2 A Pedagogia da Escuta e as Implicações no
Desenvolvimento da Criança e no Ato do Brincar

EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens


da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

FORTUNATO, Ivan. Pedagogia da escuta: currículo e projetos em Reggio Emilia.


2010. Disponível em: <http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php?journal=quaestio&
page=article&op=view&path%5B%5D=182&path%5B%5D=182 >. Acesso em: 10
jun. 2015.

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se


completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

______. Pedagogia do Oprimido. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15.


ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GARANHANI, Marynelma Camargo; MARTINS, Rita de Cássia. Organização do


espaço na educação infantil: o que nos contam as crianças? 2009. Disponível
em:<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2536_1639.
pdf>. Acesso em:10 jun. 2015.

MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, C.;


GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre:
Artmed, 1999.

MOYLES, J. R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil.


Traduzido por Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2002.

OFFIAL, P. C.P. Formação de leitores do literário: uma experiência na Escola


da Ponte.2012. 135f. Dissertação. (Mestrado em Educação) - Universidade do
Vale do Itajaí, UNIVALI, Itajaí, 2012.

RISTOW, Elisabet. A arte de ouvir. Disponível em: <http://primeirainfancia.org.br/


wp-content/uploads/2012/01/EntrevistaElisabet.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2015.

VASCONCELOS, V. M. R. Infância e Psicologia: marcos teóricos da


compreensão do desenvolvimento da criança pequena. In: SARMENTO, M.;
GOUVEA, M. C. S. Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis:
Vozes, 2009.

47
C APÍTULO 3
Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Compreender os aspectos que envolvem a imaginação, a memória e a


aprendizagem nas produções infantis.

33 Identificar as diferentes formas de produção simbólica da criança.


Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

Contextualização
Desde o nascimento até aproximadamente sete anos de idade, de acordo com
a teoria de Piaget, a criança expressa sua inteligência por meio das sensações
motoras. Podemos perceber o quanto uma criança até essa idade precisa tocar,
repetir ações e gestos para ampliar seu sentido e sua aprendizagem. Aos poucos,
vai interagindo com ações motoras mais desenvolvidas, atividades lúdicas com
mais complexidade, abrindo espaço para a imaginação, a abstração, alargando
sua compreensão de mundo. A partir daí, ela já consegue manifestar a inteligência
simbólica, observando e assimilando com maior contexto uma ação, uma história,
uma música, entre outros, pois pensa, imagina, questiona e reflete, marcando
outra forma de se relacionar com seu meio social.

O simbolismo lúdico significa que aquilo que se faz tem um


correspondente, qualquer que seja ele, para a criança. São
como metáforas ou metonímias para ela. Metáforas no sentido
de que o A que vivenciam ocupa o lugar de B. Em outras
palavras, as atividades que realizam são interpretáveis porque
correspondem minimamente a algo que faz sentido, que
corresponde a algo da experiência das crianças, que pode ser
intuído por sua importância ou valor. Metonímia no sentido de
que uma parte remete-nos ao todo. Uma parte ocupa o lugar
do todo (MACEDO, 2005, p. 21).

Nesse sentido, a criança apresenta em suas produções simbólicas imaginação,


memória e aprendizagem. E é sobre esta temática que iremos nos debruçar para
compreender melhor a criança, a imaginação criadora e o símbolo.

Percepção e Realidade - Cognição

Nossa percepção não identifica o mundo exterior como ele


é na realidade, e sim como as transformações, efetuadas pelos
nossos órgãos dos sentidos, permitem-nos reconhecê-lo. Assim é
que transformamos fótons em imagens, vibrações em sons, ruídos
e reações químicas em cheiros e gostos específicos. Na verdade,
o universo é incolor, inodoro, insípido e silencioso, excluindo-se a
possibilidade que temos de percebê-lo de outra forma.

Para a moderna neurociência, o real conceito de percepção


começou a brotar quando Weber e Fechner descobriram que o
sistema sensorial extrai quatro atributos básicos de um estímulo:
modalidade, intensidade, tempo e localização.
51
Linguagem e Ludicidade na Infância

Fonte: Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/


LerNoticia&idNoticia=206>.Acesso em: 10 out. 2015.

A Imaginação Criadora:
Como se dá esse Processo?
Alice costumava falar, começando com sua favorita:
“Vamos fazer de conta...” Alice então, começou a dizer:
“Vamos fazer de conta que somos reis e rainhas”.

Com base em Piaget, podemos dizer que a imaginação criadora da criança


é a sua manifestação em atos por meio do jogo simbólico, sendo as primeiras
tentativas de pensamento propriamente dito frutos da inteligência sensório-
motora, marcadas pelos cinco sentidos e na percepção do corpo, ou seja, a
motricidade. Após o amadurecimento da criança e maior entendimento de suas
percepções e a relação com o meio, passa para uma “[...] inteligência
A imaginação representativa pré-operatória (material e intuitiva) mediada por símbolos
criadora nasce na subjetivos, caminho para a construção da inteligência operatória mediada
criança em forma
por signos históricos arbitrários.” (MACEDO, 2005, p. 20). Nesse sentido,
de jogo, sendo
o instrumento a imaginação criadora nasce na criança em forma de jogo, sendo o
elementar de instrumento elementar de pensamento e percepção da realidade Assim,
pensamento e o jogo sensório-motor vai aos poucos dando origem ao jogo simbólico,
percepção da
expandindo as probabilidades de ação e abrangência do mundo
realidade.
(KISHIMOTO, 2000).

Estamos discutindo sobre imaginação criadora e a representação do


imaginário. Mas, afinal, o que é imaginação? Vamos entender melhor esse
conceito por meio da pesquisa de Santos (2009), que fundamenta seus estudos
na perspectiva Vygostikyana, conforme a figura a seguir:

52
Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

Figura 5 - Imaginação e correntes teóricas

Fonte: Adaptado de Santos (2009, p.162).

Para o teórico sócio-histórico-cultural Vygotsky, a proposta desses psicólogos


foi, sem dúvida, relevante, pois apresentou que os processos da imaginação
eram ligados aos sentimentos. Eles expuseram a base real da imaginação, sua
amarração com a experiência anterior, com as percepções acumuladas. Mas
não conseguiram demonstrar os componentes da imaginação responsáveis
pela base de uma atividade totalmente nova, em uma nova combinação, todas
as impressões acumuladas. A perspectiva foi somente apresentada e não
revolvida pelos psicólogos. Nesse aspecto, “[...] a psicologia associacionista
mostrou-se impotente para explicar como surge a imaginação criativa. Seus
construtos teóricos encerram contradições que mostram um caminho fértil para a
necessidade de estudo e aprofundamento sobre o tema” (SANTOS, 2009, p.161).

53
Linguagem e Ludicidade na Infância

Acompanhe agora a imaginação na perspectiva sociocultural proposta por


Vygotsky:

Figura 6 – Perspectiva sociocultural de Vygotsky

A imaginação
depende da
experiência que,
na criança, vai
se acumulando
e aumentando
paulatinamente,
com peculiaridades
que diferenciam
da experiência
dos adultos.

Fonte: Adaptado de Santos (2009, p. 162).

A partir da análise das duas correntes, Santos (2009) apresentou em seus


estudos que a imaginação se compõe como um somatório de duas imagens (a
pregressa e a atual), que libera a criação de outra imagem totalmente distinta em
cada imaginação humana.

Numa equação simples diríamos que a cena da imaginação


se estrutura com a combinação de dois elementos que,
resultando num terceiro, constitui-se como algo totalmente
novo. O primeiro elemento seria configurado por estilhaços
e fragmentos da memória que se materializam na imitação, o
segundo seria a vivência do sujeito no momento em que decide
reconstruir essa imagem e o somatório desses dois elementos
seria uma nova imagem criada pelo humano (SANTOS, 2009,
p.160).

Para entender melhor o que o autor afirmou na citação, veja um simples


exemplo:

Vamos supor que a criança está no jardim de sua casa, sente o


cheiro da comida que a mãe está preparando e imagina:

54
Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

Este é um simples exemplo de como percorre a imaginação na consciência


da criança. Ela é capaz de, a partir de uma realidade, recriar pelos meios
imaginativos uma nova situação para vivenciar e representar, demonstrando aí
sua forma de perceber o mundo.

Segundo Santos (2009), do ponto de vista da corrente sócio- A criança é capaz


histórico-cultural, estudiosos da psicanálise e a epistemologia genética, de criar uma nova
ao pesquisarem sobre os componentes do imaginário, não consideraram realidade pelos
este como veículo de conhecimento e possibilidade para uma nova componentes
realidade, pois julgavam que a imaginação não envolvia artefatos imaginários que
externos, como socialização e comunicação. Contudo, a imaginação possui na relação
com seus pares, seu
é desenvolvida por meio dos processos cognitivos, psíquicos, na
contexto, seu meio,
relação com o meio. Por exemplo, a criança é capaz de criar uma nova sendo a imaginação
realidade pelos componentes imaginários que possui na relação com um artefato interno
seus pares, seu contexto, seu meio, sendo a imaginação um artefato dialogando com
interno dialogando com externo. É a partir dessa simbiose que se dá a externo.
transformação para uma nova realidade ou uma nova fonte imaginária.

Nesse sentido, a criança exposta a um ambiente estimulador, com


experiências variadas, em contato com as diferentes culturas, terá um leque de
memórias que desencadearão um processo imaginário e criativo transformador
de seu próprio meio.

Vygotsky ainda chama atenção para o fato de que, para a


criança com menos de 3 anos, o brinquedo é coisa muito
séria, pois ela não separa a situação imaginária da real. Já
na idade escolar, o brincar torna-se uma forma de atividade
mais limitada que preenche um papel específico em seu
desenvolvimento, tendo um significado diferente do que tem
para uma criança em idade pré-escolar (KISHIMOTO, 2000,
p. 62).

Para você entender melhor como atua a imaginação na consciência de uma


pessoa, leia a seguir o texto de Aurélia Dudognon: O Imaginário ou a Nadificação
do Mundo por Jean-Paul Sartre.
55
Linguagem e Ludicidade na Infância

A consciência imaginante

A consciência imaginante é o objeto sobre o qual Sartre focaliza


sua atenção, já que é ela que nos oferece a possibilidade de imaginar.
Nossa consciência aplica às imagens uma forma de “afetividade”.
Sartre explica que o ato da imaginação é particularmente regulado
por certas “reações afetivas” e que ele reflete a maneira pela qual
percebemos o objeto em questão. A imaginação é comum a cada
um de nós, no entanto, ela se funda no âmago de nossa própria
emotividade; assim que concebemos um objeto, ele é associado aos
sentimentos. Sartre afirma que não podemos, todavia, “ter” realmente
o objeto detido dentro de nossa consciência. O objeto percebido ou
imaginado está fora de nós; unicamente a ideia do objeto é integrada
à nossa consciência e não o objeto ele mesmo. Sartre explica, então,
que é necessário se afastar da concepção inversa, que consiste em
pensar que a ideia do objeto é sua própria realidade. Sartre considera
a consciência como a primeira manifestação da liberdade: ela nos
permite fazer uso de nossa imaginação como bem queremos, de
A imaginação é
comum a cada fazer aparecer-nos a imagem ou o objeto que desejamos, esteja ele
um de nós, no ausente, ou seja, mesmo, inexistente.
entanto, ela se
funda no âmago Sartre distingue claramente a percepção da imagem produzida
de nossa própria por meu juízo. A imagem, produto da consciência imaginante, não
emotividade; assim é a realidade, ela não é o objeto que representa: ela não passa
que concebemos
de uma relação constituída entre o observador e o objeto de
um objeto, ele é
associado aos sua experiência. O autor denuncia e revoga o estatuto que nós
sentimentos. conferimos habitualmente à imagem da consciência. Com efeito,
às vezes temos a impressão de que essas imagens guardam o
ar mais real do que a natureza, embora elas sejam um produto de
nossa consciência. Sartre insiste sobre a ideia de que a imaginação
implica uma imagem totalmente diferente da realidade, pois não
temos como fornecer qualquer informação verdadeira sobre o mundo
real, consultando a imagem mental.

De acordo com Sartre, a consciência imaginante está


submetida, de certa maneira, à sua essência ou à sua corrupção; os
objetos de que ela se apropria podem se modificar. Inversamente, o
objeto percebido não depende de nossa consciência. O intermediário
entre o objeto real e o objeto imaginado é chamado por Sartre de
analogon: é a matéria da imagem, é o “instrumento” que utilizo para
dar conta do objeto em minha consciência. Essa “matéria”, utilizada
pela consciência imaginante pode, por exemplo, ser uma tela de

56
Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

pintura. Sartre definiu o analogon como um “objeto material que serve


para a manifestação do objeto imaginado”. A função imaginante está
baseada, assim, nessa matéria que Sartre chama de analogon. Como
mencionado anteriormente, para o autor, a consciência imaginante
produz imagens associadas àquelas já conhecidas. Para formar uma
imagem, a consciência extrai todo o conhecimento já adquirido, assim
que se abeira dos objetos do mundo real, pelo viés da percepção. O
conhecimento é o resultado de um trabalho que se opera diretamente
sobre o objeto real. O ato de percepção, ou a consciência perceptiva,
procura reduzir as características do objeto estudado. Esta é um
procedimento que se realiza “progressivamente”: o objeto se “dá” à
nossa consciência e aproveitamos o máximo das informações que
serão utilizadas pela consciência imaginante.

Existem dois tipos de objetos que podem ser atribuídos à


consciência imaginante: os objetos ditos “intemporais” e os objetos
“temporais”. Sartre explica que o objeto “intemporal” concerne,
particularmente, aos objetos da fantasia que não existem no
mundo real. Os objetos irreais não estão submetidos a “nenhuma
determinação temporal”, estes são os objetos com os quais não
podemos vivenciar uma experiência da realidade. Em segundo
lugar, vêm os objetos “temporais”, os quais correspondem
aos objetos que existem na realidade e que envolvem
a “temporalidade”: o passado, o presente e o futuro. Sartre afirma
que é necessário, todavia, haver uma intenção, para que se efetue
a representação de uma imagem. A intenção reconstitui ou, ainda
mais, combina os conhecimentos necessários para a reconstituição
da imagem que eu desejo que apareça em minha consciência. Isso me
permite reunir os diferentes elementos ou características do objeto.
Eles são postos em relação uns com os outros. A imagem mental,
então, é animada por certa materialidade, e a função imaginante é o
resultado de minha intenção de que apareça, em minha consciência,
uma imagem específica. [...] Uma pessoa que nos faz falta suscita
em nós o desejo de rever seu rosto. A consciência imaginante se
ocupa de fazer aparecer esse rosto que não podemos ver realmente.
Trata-se de uma substituição: se não podemos acessar a realidade,
a oferecemos a nós então mentalmente, como uma irrealidade. [...] A
imaginação é um ato constitutivo e indispensável à consciência: ela
nos outorga a possibilidade de nos apropriarmos do mundo real no
campo da irrealidade.

Fonte: Disponível em: <http://performatus.net/jean-


paul-sartre/>. Acesso em: 10 set. 2015.

57
Linguagem e Ludicidade na Infância

A discussão em torno da imaginação se deu para que entendamos como


acontecem as produções simbólicas das crianças. É sobre esse assunto que
iremos tratar na próxima sessão.

Atividades de Estudos:

1) Para Vygotsky, o que é imaginação e qual a relação da imaginação


com o conhecimento, a transformação da realidade?
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2) Para Sartre, há uma forte ligação do processo da imaginação


com a afetividade. Explique com suas palavras essa ideia.
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58
Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

Se eu fosse… (Richard Zimler)

É um livro que encoraja as crianças


(e talvez os seus pais também!) a
ultrapassarem as suas limitações.
Este livro convida os mais jovens
a nadarem como um peixe tropical ou
a cantarem como um melro – ou até
mesmo afastarem os banhistas da praia
com o “sorriso” de um tubarão! Pretende
estimular a imaginação dos mais novos contra a passividade.

O Desenho como Representação Lúdica


A criança, quando se dispõe a produzir algo, abre um processo imaginativo
que corresponde à memória, às experiências, às emoções e à cognição. Vamos
pensar agora a partir das contribuições dos renomados autores: Piaget, Vygotsky,
Wallon, Freud. Cada um deles se dedicou a entender a criança e, apesar das
diferenças entre a teoria de cada um deles, todos defendiam a imaginação como
elemento próprio da natureza infantil. Desse modo, quando a criança produz algo,
ela expõe sua percepção de mundo, sendo esta uma possibilidade que pode ser
real, irreal ou as duas ao mesmo tempo.

Por exemplo, você leu o livro O Pequeno Príncipe? Veja abaixo uma parte do
texto que explica bem o que estamos discutindo.

Figura 7 - O desenho e a imaginação

Fonte: Disponível em: <http://www.mentebinaria.com.br/files/verdade/


Antoine%20De%20Saint-Exupery%20-%20O%20Pequeno%20 59
Principe%20(Ilustrado).pdf>. Acesso em: 10 out. 2015.
Linguagem e Ludicidade na Infância

Assim como eu, você também talvez entendesse que este desenho é
Mas para a um chapéu, isso porque o processo da imaginação está vinculado também
alma infantil, às nossas experiências. O que o Pequeno Príncipe expressou em seu
um desenho desenho, aos olhos do adulto, transformou-se em um chapéu. No entanto,
não tem ponto se essa criança não fosse ouvida, este seria apenas um chapéu e ponto
e muito menos final. Mas para a alma infantil, um desenho não tem ponto e muito menos
fim, ele é um fim, ele é um processo e nem sempre acaba. No caso do Pequeno Príncipe,
processo e nem assim como é o caso das crianças em geral, o desenho é um enredo de
sempre acaba. uma pequena história que faz parte de seu processo imaginativo. Nesse
ele é um
caso, seu desenho representava um elefante sendo engolido pela jiboia,
processo e nem
e não um chapéu. Temos que entender que o desenho da criança é um
sempre acaba.
diálogo do externo com o interno, movimenta-se, é atemporal e ultrapassa
os limites de nossa capacidade adulta, muitas vezes engessada.
O desenho
e sua fala O desenho é frequentemente acompanhado de verbalizações
das crianças que referem as figuras e motivos inscritos no
são constitutivos de
papel de modo por vezes paradoxal e fora da inteligibilidade
um modo dos adultos. Poder acompanhar o acto de elaboração de
de expressão desenho ou captar as opiniões expressas pelas crianças
infantil cujas sobre suas próprias produções plásticas pode contribuir
regras não são para uma maior compreensão dos significados atribuídos
as mesmas da e fazer convergir dois registros simbólicos, nem sempre
expressão adulta coincidentes. O desenho e sua fala são constitutivos de um
modo de expressão infantil cujas regras não são as mesmas
da expressão adulta (SARMENTO, 2006, p. 19).

Sob esse aspecto, a criança demonstra em seus desenhos uma forma de


brincar, representando no grafismo uma situação real ou imaginária. Mas, afinal, o
que está por trás dos desenhos da criança?

Para Sarmento (2006), o desenho está imbuído de aspectos linguísticos,


que dizem respeito à cultura, ao contexto social, revelando diferentes formas de
entender o processo de simbolização. Segundo o autor, é importante enxergar
o desenho como possibilidade de diálogo entre o mundo interno e externo da
criança. Para tanto, “[...] essa observação de espaços, tempos e sociabilidades
pode oferecer pistas de como as crianças se relacionam, como aprendem,
interpretam e de como os processos educativos pensados para elas podem ser
construídos” (MONTEIRO; CARVALHO, 2011, p. 653).

Nesse sentido, cabe a nós entendermos a infância como fase de


transformações culturais e sociais, pois,

Quando a criança se instala com sua folha de papel


contra a parede, ela encontra um espaço que se torna um
prolongamento de seu “eu”, no interior do qual ela pode tudo.
Essa superfície branca, tela ou espelho, permite que, sozinha
consigo mesma, viva um momento fora do tempo e do espaço
reais, rico de sensações e de necessidades pessoais que Stern

60
Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

descreveu como “o diário de seu psiquismo”, comparado ao


mundo do sonho. Exprimir-se aparece aqui como um ato que
permite ser ela mesma e um modo de se libertar: “A expressão
proporciona um grande alívio, uma enorme satisfação. Ela
realiza um ato sério, dramático, que desperta a alegria e às
vezes também uma profunda dor. [...]” (GREIG, 2004, p.141).

Assim, devemos perceber os registros infantis como forma de significação do


mundo, pois a criança demonstra em seus traços a sua singularidade, suas formas
de lidar e se relacionar com seus pares, num processo de diálogo com seu meio.

Atividade de Estudos:

1) A partir do entendimento da representação do desenho infantil,


qual deve ser o olhar do professor sobre as produções da criança?
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O Livro com um buraco.


(Autor: Hervé Tullet Tradução: Emilio Fraia)

Como o livro tem um buraco na lombada,


a cada página que se abre há um desenho
diferente no qual o círculo fica no meio,
podendo ser preenchido o espaço a partir da
imaginação: com desenhos, palavras, partes
do corpo, fantoches e outros brinquedos.
São diversos temas do universo infantil.
As representações podem virar histórias,
sonhos, pesadelos, recortes, desenhos e pinturas… tudo que couber
no mundo simbólico.

61
Linguagem e Ludicidade na Infância

O Lúdico e a Imaginação no
Processo da Aprendizagem
Foi no século XIX que surgiram as primeiras discussões sobre a fase infantil
e, mais tarde, sobre os processos imaginativos, estudos estes que partiram do
mundo adulto para, então, compreender o imaginário na criança. A seguir, analise
o quadro com o resumo de alguns autores e seus estudos sobre a relação do jogo
e o imaginário infantil.

Quadro 4 - O lúdico e a imaginação

É sensível à importância do brincar, entende os jogos como processo criativo,


FROEBEL
relacionado à prática do ensino e educação da criança.
Relaciona o jogo e a fantasia, considerando que ambos facilitam entender os
FREUD
devaneios da fase adulta.
Enfatiza que no ato do brincar a criança absorve o mundo a sua maneira, sem
PIAGET compromisso com o real, pois seu envolvimento com o brinquedo não depende
da natureza deste objeto, mas sim do papel que a criança atribui a ele.
Entende que os jogos imaginativos transitam nas relações interpessoais, com
SINGER grupos, objetos inanimados, pessoas e animais que não estão presentes no
momento.
Para este autor, a imaginação em prática é a abertura para a esfera cognitiva,
VYGOTSKY
pois ultrapassa a extensão perceptiva motora do comportamento.
Fonte: Adaptado de Kishimoto (2000).

Veja, os autores citados reconhecem que o imaginário se realiza no ato do


brincar, e lida com questões cognitivas, afetivas e sociais. Se eles reconhecem
que o brincar mexe com essas habilidades, podemos concluir que a aprendizagem
se dá com maior significado para a criança se for vivenciada de forma lúdica, pois
é o seu mundo, é a sua linguagem.

O brincar e o jogar vão além de recreação, pois perpassam por


caminhos que ressignificam o contexto da criança. Não é o jogar ou o
Brincar de forma
livre e prazerosa brincar para aprender algo, mas é brincando e jogando que se aprendem
permite que a novas habilidades, sejam elas regras, sejam valores, sejam conceitos.
criança seja
conduzida a uma Brincar de forma livre e prazerosa permite que a criança
esfera imaginária, seja conduzida a uma esfera imaginária, um mundo de faz
um mundo de faz de conta consciente, porém capaz de reproduzir as relações
de conta consciente que observa em seu cotidiano, vivenciando simbolicamente
diferentes papéis, exercitando sua capacidade de generalizar
e abstrair (MELO; VALLE, 2005, p. 45).

62
Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

O professor deve estar atento a alguns comportamentos manifestados pelos


alunos (jogadores) enquanto estão brincando ou jogando. Vamos apresentar um
quadro que demonstra uma comparação de atitudes entre o jogador e o aluno.

Quadro 5 - Análise de atitudes a partir do jogo de varetas

BOM JOGADOR BOM ALUNO


Ganhar o jogo. Passar de ano.
Fazer o maior número de pontos. Tirar boas notas.
Observar a configuração das varetas espalha- Olhar as tarefas do dia na agenda ou atender
das. às solicitações do professor.
Planejar as ações. Planejar as ações.
Definir a primeira vareta a ser pega. Decidir que lição fazer primeiro.
Definir os critérios de resgate (primeiro as mais Definir os critérios de estudo (primeiro as lições
soltas, depois as com um contato apenas, etc.). de amanhã e as mais difíceis, pedir ajuda
depois de tentar, etc.).
Analisar as possíveis formas de pegar cada va- Analisar as formas de estudar que prefere (ler,
reta e escolher a preferida (preensão, alavanca, sublinhar, escrever resumos, etc.).
rolamento, etc.).
Observar atentamente o ambiente do jogo e as Observar o ambiente da sala de aula e as
ações dos adversários. ações do professor e dos colegas.
Aprender com as jogadas alheias: as táticas, os Aprender com as dúvidas dos outros, ouvir,
erros a serem evitados. fazer perguntas.
Participar mesmo quando não é sua vez de Participar mesmo quando não está falando.
resgatar as varetas.
Saber o que está acontecendo, acompanhar o Saber o que está acontecendo, acompanhar a
jogo. aula.
Fonte: Kishimoto (2000, p. 35).

Assim como no jogo, a criança envolve-se de acordo com sua forma de


entender o mundo, manifestando sentimentos, habilidades e cognição. Sabendo
disso, o professor deve ter a expertise de atentar a cada detalhe no momento
do jogo para compreender comportamentos e poder auxiliar no processo de
aprendizagem, pois é nos envolvimentos lúdicos que se percebe na criança a
sua criatividade, inteligência, afetividade, motricidade e sociabilidade.

63
Linguagem e Ludicidade na Infância

Memória e imaginação
(LIMA, Elvira Souza)

São continuamente utilizadas na vida cotidiana,


principalmente para o planejamento de ações diárias
e para a solução de problemas. Ambas participam
dos processos de tomada de decisão. A imaginação
cria condições de aprendizagem, enquanto a
memória possibilita a aprendizagem.

A relação entre imaginação e memória tem


sentido duplo: a base para o funcionamento da imaginação é o
elemento que está contido na memória e o próprio funcionamento da
imaginação desenvolve a memória. Através do processo imaginativo,
vários elementos da memória são evocados e novas mediações
semióticas são realizadas.

Fonte: <Disponível em: http://www.editorainteralia.com/#!memria-


e-imaginao/c1b4p>. Acesso em: 10 out.2015.

Atividade de Estudos:

1) Pense numa atividade lúdica para uma turma de Educação


Infantil e apresente o tema. Em seguida, esboce quais situações
de aprendizagem poderiam ser desenvolvidas a partir da ação.
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Capítulo 3 Produções Simbólicas da Criança:
Imaginação, Memória e Aprendizagem

Algumas Considerações
Compreender os aspectos que envolvem a imaginação, a memória e a
aprendizagem nas produções simbólicas das crianças é fundamental para que
possamos entender a sua natureza. Mas é importante consideramos que nem
sempre elas querem falar de suas produções. Tal situação deve ser respeitada,
pois a criança está no processo de criação. Perguntas ou questionamentos em
momentos inapropriados podem bloquear o fluir de sua imaginação.

As produções simbólicas da criança, seja ela o desenho, seja a linguagem, seja


o jogo, são movidas pela sua imaginação, sendo a materialização dos significados
que a criança quer produzir. Torna-se, dessa forma, um recurso valioso, se bem
observado pelo professor, pois são nesses momentos que surgem detalhes os
quais dão pistas para perceber e estimular seu desenvolvimento cognitivo, social
e afetivo. Nesse sentido, o professor deve ser um observador constante de sua
prática e tornar as ações lúdicas a ressignificação das aprendizagens.

Referências
DUDOGNON, Aurélia. Imaginário ou a nadificação do mundo por Jean-Paul
Sartre. 2014. Disponível em: <http://performatus.net/jean-paul-sartre/>. Acesso
em: 23 ago. 2015.

GREIG, Philippe. A criança e seu desenho: o nascimento da arte e da escrita.


Porto Alegre: Artmed, 2004.

KISHIMOTO, T. M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 10. ed. São


Paulo: Cortez, 2000.

MACEDO, Lino de; PETTY, Ana Lúcia Sícoli; PASSOS, Norimar Christe. Os
jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005.

MELLO, L.; VALLE, E. O brinquedo e Brincar no Desenvolvimento


Infantil. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 23, n. 40, p.43-48, Janeiro/Março
2005.

MONTEIRO, A. T. M.; CARVALHO, L. D. As coisas que não têm nome são


mais pronunciadas por crianças: culturas infantis e produção. 2011. Disponível
em: <SIMBÓLICAhttp://proxy.furb.br/ojs/index.php/atosdepesquisa/article/
viewFile/2822/1827>. Acesso em: 10 out. 2015.
65
Linguagem e Ludicidade na Infância

SANTOS, Schapper , Ilka . A imaginação e o desenvolvimento. 2009. Disponível


em:<INFANTILhttp://www.ufjf.br/revistaedufoco/files/2009/11/Artigo-09-13.2.pdf>.
Acesso em 12 ago. 2015.

SARMENTO, M. J. Lição de Síntese: conhecer a infância – os desenhos das


crianças como produções simbólicas. [S.l. : s.n.], 2006. Documento provisório.

VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins


Fontes.1998

66
C APÍTULO 4
A Formação do Professor
no Contexto da Ludicidade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Discutir a formação do professor e sua compreensão da ludicidade no


cotidiano infantil.

33 Reconhecer os momentos lúdicos como essenciais para desenvolvimento


integral da criança.

33 Identificar a dimensão do lúdico no contexto escolar.


Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

Contextualização
Carregamos, em todas as fases da vida, os momentos marcantes que
vivenciamos na infância. Boas ou ruins, as experiências da criança servirão de
base para toda a sua história.

No ambiente escolar as experiências se ampliam, uma vez que proporcionam


maior interação entre crianças nos mais variados contextos. Eis a responsabilidade
e sabedoria do professor para lidar com diferentes situações, considerando as
particularidades de cada criança.

Mas será que o professor está preparado para lidar de forma competente
quando se trata do brincar? Qual é a formação do atual professor quanto à
ludicidade? No decorrer deste texto responderemos a estas duas questões.

A Ressignificação da Ludicidade em
Sala de Aula: Na Voz dos Docentes
Segundo Almeida (2008), o brincar muitas vezes é compreendido
A ressignificação
apenas pelo movimento corporal, sendo tratado como mera distração ou do brincar nas
somente diversão. Ambos são importantes, e isto é inegável, no entanto, o instituições de
autor salienta que toda gama de competências que a ludicidade proporciona Educação Infantil,
aos aspectos cognitivos, emocionais e sociais seja também reconhecida. sobretudo por parte
dos professores,
A ressignificação do brincar nas instituições requer estudo e
de Educação Infantil, sobretudo por parte dos compreensão de
professores, requer estudo e compreensão de que que sua intervenção
sua intervenção na brincadeira é necessária. Essa na brincadeira
intervenção tem de ser pautada na observação é necessária.
das brincadeiras infantis, visando oferecer material
adequado e espaço que permita o enriquecimento das
competências imaginativas. O brincar deve ser planejado
concomitantemente com as outras áreas, pela articulação de
temas e projetos que permitam registrar toda a evolução das
brincadeiras, bem como aspectos relevantes de linguagem,
socialização, atenção e envolvimento pessoal que dão pistas
com relação ao ambiente sociocultural no qual a criança está
inserida (ALMEIDA, 2008, p. 4).

Nessa acepção, a ludicidade deve ser concebida como eixo norteador quando
se trata de educação, principalmente na fase infantil, pois o ato de brincar está
relacionado às formas de pensar, sentir e agir das crianças, conforme estabelece
o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998).

69
Linguagem e Ludicidade na Infância

Na atual conjuntura educacional, a ludicidade vem sendo assinalada


pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), em seu artigo 6º, como uma
dimensão necessária ao processo ensino e aprendizagem. Todavia, apesar do
reconhecimento da ludicidade no âmbito educacional e na formação do professor,
percebe-se resistência por parte dos docentes em inserir as práticas lúdicas no
cotidiano escolar, em detrimento dos conteúdos.

Para tanto, devemos entender as raízes que constituem a forma de


compreender a ludicidade que, segundo Kishimoto (2000), estão entrelaçadas no
processo histórico de formação e prática dos professores, alterado conforme as
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade.

As formas de conceber a ludicidade na Educação Infantil foram balizadas por


três grandes vertentes, as quais, segundo Tenório e Silva (2010, p.58), são:

[...] a recreação – uma visão romântica de educação,


utilizando o lúdico como artifício de descanso; o jogo
educativo e recreativo – sob a ótica cognitivista percebe
o lúdico como um recurso ou suporte didático; e jogo
experiência potencializadora e interativa – sob o olhar
sociocultural e psicossocial, que concebe o lúdico como uma
ação indissociável do trabalho, um meio de construção de
conhecimento.

De acordo com as autoras, o lúdico era compreendido num processo histórico


e de acordo com a realidade da sociedade. Para você compreender melhor,
abordaremos cada um desses modelos a seguir.

O modelo lúdico, centrado na recreação, fundamentava-se na concepção


romântica, a partir das ideias de Froebel, e iniciou nas escolas maternais
francesas. Essa concepção compreendia a relevância do lúdico da seguinte
forma: primeiro no domínio do adulto para, depois, chegar à criança. As matérias
vinculadas a essa concepção romântica eram: músicas, tarefas artesanais,
dobraduras, trabalhos com madeira, modelagem com argila, desenhar e pintar
(KISHIMOTO, 2000).

Quem foi Froebel?

O alemão Friedrich Froebel (1782-1852)


foi um dos primeiros educadores a considerar o
início da infância como uma fase de importância
decisiva na formação das pessoas - ideia hoje
consagrada pela psicologia, ciência da qual
foi precursor. Froebel viveu em uma época de
mudança de concepções sobre as crianças
e esteve à frente desse processo na área
70
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

pedagógica, como fundador dos jardins de infância, destinado aos


menores de 8 anos.

Fonte: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/


formador-criancas-pequenas-422947.shtml>. Acesso em: 05 set. 2015.

Tal modelo da recreação surge no Brasil com a ampliação dos parques infantis
criados nos anos 1920 e 1933, e foi levado para formação de professores com as
ideias da Escola Nova. “Ressaltamos que o lúdico fazia parte dessas discussões
educacionais seguindo o método de Froebel e Montessori, adaptadas às
condições do nosso meio. Todavia, essa concepção nos parece limitada ou, no
mínimo, reducionista” (TENÓRIO; SILVA, 2010, p. 65).

O que você sabe sobre a Escola Nova?

A Escola Nova foi um movimento de


renovação do ensino especialmente forte na
Europa. No Brasil, as ideias da Escola Nova
foram inseridas em 1882 por Rui Barbosa
(1849-1923). O grande nome do movimento
na América foi o filósofo e pedagogo John
Dewey (1859-1952).

Fonte: Disponível em: <http://educador.


brasilescola.com/gestao-educacional/
escola-nova.htm>. Acesso em: 19 set. 2015.

Quem foi Montessori?

Maria Montessori (1870-1952), primeira mulher a se formar


em medicina em seu país, foi também pioneira
no campo pedagógico ao dar mais ênfase
à autoeducação do aluno do que ao papel
do professor como fonte de conhecimento.
Montessori defendia uma concepção de
educação que se estende além dos limites do
acúmulo de informações. O objetivo da escola
é a formação integral do jovem, uma “educação
para a vida”.

Fonte: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.


br/formacao/medica-valorizou-aluno-423141.shtml>. Acesso em: 19 set. 2015.

71
Linguagem e Ludicidade na Infância

O lúdico no modelo do jogo educativo e recreativo (atividade física)


O lúdico no modelo
era praticado para estimular o desenvolvimento físico, cognitivo e social
do jogo educativo e
recreativo (atividade da criança. Essa concepção lúdica fundamentava-se na visão cognitivista
física) era praticado levantada por Piaget, que apesar de ter reconhecido a criança como
para estimular o criativa, inventiva e descobridora, recebeu críticas sobre sua teoria quanto
desenvolvimento às implicações pedagógicas. Kramer (2003) criticou a teoria piagetiana
físico, cognitivo quanto ao único olhar sobre a epistemologia genética, que enfatiza o
e social da
pensamento lógico-matemático (ocidental), deixando de considerar as
criança. Essa
concepção lúdica outras “lógicas” relacionadas a outros contextos socioculturais. Pontuou,
fundamentava-se também, que, pela visão piagetiana, as atividades lúdicas se centrariam
na visão cognitivista nelas próprias, desconsiderando a criança como sujeito histórico e social.
levantada por
Piaget. O modelo lúdico jogo experiência potencializadora e interativa
é reconhecido por muitos teóricos como um modelo composto por
Kramer (2003) significação social. Ele percebe o espaço lúdico como um lugar de
criticou a teoria experiências interativas, de trocas sociais, que além de proporcionar à
piagetiana criança a oportunidade de descobrir, criar e pensar, cria relações sociais
quanto ao único potencializadoras para ampliar seu conhecimento sobre mundo.
olhar sobre a
epistemologia Quem trabalha com educação infantil no Brasil, principalmente
genética, que com a educação de crianças pequenas, se depara com um
enfatiza o problema crucial (além de todos os relacionados ao descaso
pensamento econômico material): o resgate do conhecimento estético
lógico-matemático sensorial expressivo, verbal e não-verbal, para energizar e
(ocidental), se contrapor a um ensino pseudo racional que desrespeita a
deixando de construção do conhecimento e da alfabetização como leitura
considerar as significativa do mundo, que dicotomiza pensamento e sonho,
outras “lógicas” trabalho e jogo, razão e sentimento/sensualidade; e impõe
autoritariamente um modelo de relação passiva, alienante e
relacionadas a
medíocre com o mundo (DIAS, 2000, p. 46).
outros contextos
socioculturais.
Mas qual concepção de lúdico é pautada na formação atual dos
professores? Vamos entender melhor essa discussão a partir de um trecho
extraído dos estudos de Tenório e Silva (2010).

Em relação ao enfoque dado ao lúdico na formação dos


professores, podemos dizer que se trata de uma dimensão social
e cultural, ou seja, o brincar é uma atividade humana na qual as
crianças são introduzidas constituindo-se em modo de assimilar e
recriar a experiência sociocultural dos adultos. (BROUGÈRE, 2004))

Nessa direção, na década de 1990 surgiram nas universidades,


e, em outros espaços de pesquisas, muitos estudos sobre a
importância da ludicidade para a qualidade de vida dos sujeitos,

72
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

sejam eles crianças ou adultos. Desse ponto de vista partilham


Em relação ao
estudiosos como Maturana e VerdenZoller (2004), Luckesi (2005),
enfoque dado ao
que compreendem o lúdico numa perspectiva mais psicológica, de lúdico na formação
ordem atitudinal e, embora essa concepção inclua a importância dos professores,
das raízes culturais do jogo, enaltece a ação do indivíduo como podemos dizer que
aquele que sente e vivencia internamente a experiência lúdica se trata de uma
como plena ou inteira. dimensão social e
cultural, ou seja,
Nessa perspectiva, o lúdico pode proporcionar às crianças, o brincar é uma
atividade humana
jovens e adultos experiências de autoformação, caracterizando-
na qual as crianças
se como autoatividade envolvendo descoberta, criação e são introduzidas
pensamento, assim como um elo para as relações sociais entre constituindo-se em
os sujeitos. Assim, trabalhar com a formação de professores de modo de assimilar e
educação infantil, seja ela inicial ou contínua, nos leva a refletir recriar a experiência
sobre os saberes desses profissionais, sobre o lúdico, o corpo, sociocultural dos
a linguagem, a estética, etc. Esta pode ser uma possibilidade de adultos.
ressignificar as práticas pedagógicas que foram construídas ao
longo das histórias desses sujeitos.

Fonte: Disponível em: <http://books.scielo.org/id/329/pdf/


tenorio-9788523208912-04.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2015.

De acordo com a leitura, apesar da formação atual dos professores em


relação ao lúdico indicar uma dimensão social e cultural, há pesquisas apontando
que muitos dos docentes ainda entendem o brincar como artifícios para ensinar,
ou seja, o lúdico como pretexto pedagógico.

Vejamos no quadro a seguir as ressignificações do lúdico em sala de aula


pela voz dos professores, com base em pesquisa de Tenório e Silva (2010).

É ensinar brincando, tem a parte teórica e a parte lúdica. A parte lúdica é mais contar história,
dançar, brincar, é deitar para assistir um filme. Hoje eu tenho consciência que ludicidade pro-
porciona para criança mais interesse, mais facilidade. Eu achei que com o lúdico se torna mais
fácil o que a gente quer passar para elas. (Professora A)
a

Pra começar a gente vai brincar com as crianças de amarelinha. Tem coisa melhor de apren-
der os números, entendeu? Agora com o lúdico eles não cansam. Faz com que a criança
desperte o raciocínio e o gosto pelo estudar. Quando se trabalha de forma lúdica, há um
aproveitamento maior das aulas e um maior aprendizado por parte dos alunos. (Professora B)
a

73
Linguagem e Ludicidade na Infância

[...] antes de aplicar a atividade, a gente tem que estar usando o lúdico para chegar à ativi-
dade. Eu uso lúdico com os materiais. Eu faço assim, se é matemática, se é quantidade, aí eu
uso dados e aí nós vamos brincar e jogar no grupo, depois eu coloco no quadro os pontos do
grupo tal, e outro grupo. (Professora C)

a
A ludicidade é a plenitude. O fazer plenamente é se envolver. Esquecer da hora de ir para
casa. É não querer ir [...] é quero ficar aqui fazendo [...] é fazer de novo e continuar fazendo,
[...] é interação e envolvimento. É alegria, é o brilho nos olhos [...] Hoje, posso ver o lúdico
como uma forma prazerosa para o educando. Vejo, também, que a criança se desenvolve
melhor brincando. (Professora D)
a

A ludicidade pra mim é uma grande descoberta, porque o lúdico pra mim é aprendizagem, in-
teração com as crianças. Porque sem a ludicidade pra mim é uma grande integração, relação
com meus alunos e entre eles, através do brincar, jogar, falar, tocar, sentir. Agora, que estou
na educação infantil que eu fui descobrir o que é ludicidade. (Professora F)
a

Trabalhamos com o lúdico para que os alunos tenham uma aprendizagem significativa. Mas
tenho aprendido novas músicas e brincadeiras; assim, há uma grande troca de aprendizagem.
(Professora G)

Fonte: Disponível em: <http://books.scielo.org/id/329/pdf/


tenorio-9788523208912-04.pdf>. Acesso em: 05 ago.2015.

Ao analisarmos os relatos dos três primeiros professores percebemos


que a ideia de ludicidade está atrelada ao pretexto de ensinar, ou
Para Dias (2000), seja, sustentados numa concepção do lúdico como recreação, sobre
é necessário a qual falamos anteriormente. Já as demais professoras, E, F G,
ressignificar o entendem que o lúdico envolve descoberta, interação e levam a uma
lúdico em sala de aprendizagem significativa, sustentados pela concepção do lúdico
aula por um viés
como jogo experiência potencializadora e interativa.
que respeite o
direito da criança
de se expressar Para Dias (2000), é necessário ressignificar o lúdico em sala de
com liberdade, pela aula por um viés que respeite o direito da criança de se expressar com
linguagem, liberdade, pela linguagem, e pensamento. No entanto, o que se percebe
e pensamento. em estudos voltados às práticas da ludicidade é que este ainda está sendo

74
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

aplicado como apoio ao ensino, ou meramente recreação, apesar de muitos


autores apontarem para a relevância de práticas lúdicas sustentadas no modelo
de experiência potencializadora e interativa.

Apoiado nessa concepção, o educador deve valorizar as atividades


espontâneas do aluno, ouvindo seus anseios e estabelecendo desafios que
despertem seu conhecimento na relação com seus pares, respeitando sua natureza
criadora. Nesse sentido, “o jogo não pode ser visto, apenas, como divertimento ou
brincadeira para desgastar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico,
cognitivo, afetivo, social e moral” (DIAS, 2000, p. 95).

Atividades de Estudos:

1) A partir de suas leituras, cite e descreva os três modelos de


ludicidade que fizeram parte da formação dos docentes.
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2) Qual dos três modelos de ludicidade hoje é contemplado na


formação dos docentes?
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3) Em sua opinião, qual modelo de concepção de lúdico rege as


práticas hoje? Por quê?
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75
Linguagem e Ludicidade na Infância

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O Lúdico e o Desenvolvimento da
Criança: Um Direito para Todos
Em apoio à inclusão, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Especial
(SEESP), desenvolveu um material de brincadeiras que atendem aos pressupostos
filosóficos que compreendem a construção de uma escola aberta para todos
(as), respeitando e valorizando a diversidade. O brincar para todos sinaliza para
importância de cada brinquedo no desenvolvimento infantil, constituindo uma
alternativa de eliminar os obstáculos que atravancam o acesso ao conhecimento.

As crianças precisam brincar, independentemente de suas


As crianças condições físicas, intelectuais ou sociais, pois a brincadeira é
precisam brincar, essencial a sua vida. O brincar alegra e motiva as crianças,
independentemente juntando-as e dando-lhes oportunidade de ficar felizes, trocar
de suas condições experiências, ajudarem-se mutuamente; as que enxergam e
físicas, intelectuais as que não enxergam, as que escutam muito bem e aquelas
ou sociais que não escutam, as que correm muito depressa e as que não
podem correr (BRASIL, 2006, p. 9).

Nesse aspecto, o manual desenvolvido pelo MEC traz o brinquedo como


uma possibilidade de inclusão, uma vez que facilita a aquisição de determinados
conceitos e habilidades, ajuda a criança a entender seu próprio corpo, ter acesso
aos objetos do ambiente e a desenvolver seus sentidos (BRASIL, 2006).

Você vai conhecer agora como é o brincar para crianças com deficiência. O
relato é apresentado por uma mãe que possui uma filha com deficiência visual.

Se para toda criança a brincadeira é muito importante, para a criança


com deficiência visual ela é fundamental. Lara, minha filha caçula, ainda
bebê ficou cega, o que imprimiu novo rumo à minha vida. A cegueira
era um campo novo para mim e conhecê-la passou a ser a prioridade
naquele momento. Precisava entender um mundo sem visão, em que
os sentidos do tato, audição, olfato e paladar predominavam. Procurar
uma forma de me comunicar com Lara, ajudando-a a se desenvolver era

76
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

urgente e eu não podia perder tempo. O que fazer? Como nada sabia
sobre o assunto, comecei do zero, buscando um caminho para iniciar de
alguma forma nossa comunicação. No início usei somente a intuição,
mas depois fui aprendendo com leituras, estudando, perguntando.
Procurava brinquedos e inventava brincadeiras, conversávamos,
explicava-lhe tudo o que havia e acontecia na casa para que pudesse
participar. Dessa forma, ela foi se desenvolvendo, fomos nos integrando,
vencendo as dificuldades e aprendendo com nossa convivência.

As brincadeiras com Lara, as nossas conversas, o contato


corporal e sua participação na vida familiar me ajudaram a encontrar
um caminho. Com Lara, aprendi muito sobre a educação da criança
com deficiência visual. E as outras crianças, com as quais tenho
convivido, vêm aumentando, dia após dia, meu conhecimento e
enriquecendo minha experiência.

Percebi que a convivência tem de ser muito alegre, cheia de


otimismo e descontração e passei a acreditar na grande importância
do brincar para o desenvolvimento infantil. Comprovei como é
imprescindível a interação e a participação da criança com deficiência
visual na vida familiar, na escola, na comunidade e como isso é
facilitado pelos brinquedos e brincadeiras.

Desde os primeiros anos em que atuei com as crianças,


constatei a inexistência de brinquedos que pudessem ser percebidos
pelos outros sentidos que não a visão, e que possibilitassem uma
aprendizagem significativa. Que falta faziam esses brinquedos! Foi
assim que, a partir das brincadeiras com as crianças e, mais ainda,
verificando suas necessidades, comecei a adaptar brinquedos e
descobrir materiais que facilitavam a aquisição de determinados
conceitos e habilidades, que ajudavam a criança a conhecer
seu próprio corpo, ter contato com os objetos do ambiente, que
melhoravam sua eficiência visual, desenvolviam os sentidos e as
ajudavam a aprender braile.

Assim, comecei a desenvolver brinquedos e hoje são mais de


cem! Nesse processo, sempre tive como meta principal proporcionar
alegria e diversão a todas as crianças e favorecer sua participação
na vida familiar e na comunidade.

Fonte: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/


pdf/brincartodos.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2015.

77
Linguagem e Ludicidade na Infância

Todo conhecimento que o brincar possibilita à criança é essencial


para sua formação em todas as etapas de sua vida, uma vez que favorece o
autoconhecimento, aprimorando o relacionamento com seus pares. Ela
amadurece quando experimenta situações de vida que lhe despertam sentimentos
de coragem, medo, alegria, tristeza, entre tantos outros.

Os momentos lúdicos provocam na criança ações de analisar, imaginar,


criar, despertando, assim, seu raciocínio, trazendo sensações de liberdade e
autoafirmação. Nessa esteira, podemos dizer que brincadeiras e jogos na escola
auxiliam na formação social, afetiva e cognitiva da criança, pois lida com regras
de convívio debatidas e ajustadas o tempo todo pelas crianças que brincam.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil


(1998, p. 28):

As brincadeiras de faz de conta, os jogos de construção e


aqueles que possuem regras, como os jogos de sociedade
(também chamados de jogos de tabuleiro), jogos tradicionais,
É o adulto, na didáticos, corporais etc. propiciam a ampliação dos
figura do professor, conhecimentos infantis por meio da atividade lúdica. É o
portanto, que, na adulto, na figura do professor, portanto, que, na instituição
instituição infantil, infantil, ajuda a estruturar o campo das brincadeiras na vida
ajuda a estruturar das crianças. Consequentemente é ele que organiza sua
o campo das base estrutural, por meio da oferta de determinados objetos,
fantasias, brinquedos ou jogos, da delimitação e arranjo dos
brincadeiras na vida
espaços e do tempo para brincar. Por meio das brincadeiras
das crianças. os professores podem observar e constituir uma visão dos
processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e de
cada uma em particular, registrando suas capacidades de uso
das linguagens, assim como de suas capacidades sociais e
dos recursos afetivos e emocionais de que dispõem.

Nesse sentido, os docentes que se envolvem em contextos mais lúdicos,


aproximam-se com mais facilidade do mundo da criança, favorecendo uma prática
mais espontânea e momentos mais significativos. Para Almeida (2011, p. 1):

Uma aula com características lúdicas não precisa ter jogos ou


brinquedos. O que traz ludicidade para sala de aula é muito
mais uma “atitude” lúdica do educador e dos educandos.
Assumir essa postura implica sensibilidade, envolvimento, uma
mudança interna, e não apenas externa, implica não somente
uma mudança cognitiva, mas principalmente uma mudança
afetiva. A ludicidade exige uma predisposição interna, o que
não se adquire apenas com a aquisição de conceitos, de
conhecimentos, embora estes sejam muito importantes.

A atitude do professor em relação a uma prática lúdica implica romper com


paradigmas e modelos educacionais tradicionais já internalizados, sendo essa
uma atitude desafiadora, uma vez que a escola ainda valoriza mais os conteúdos
do que os meios de chegar a ele.
78
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

Diante disso, é importante propiciarmos situações lúdicas de ensino, nas


quais a criança possa interagir com o objeto de estudo e, acima de tudo, possa
construir significativamente o conhecimento.

A intervenção intencional baseada na observação das


brincadeiras das crianças, oferecendo-lhes material adequado,
assim como um espaço estruturado para brincar, permite
o enriquecimento das competências imaginativas, criativas
e organizacionais infantis. Cabe ao professor organizar
situações para que as brincadeiras ocorram de maneira
diversificada para propiciar às crianças a possibilidade de
escolherem os temas, papéis, objetos e companheiros com
quem brincar ou os jogos de regras e de construção, e assim
elaborarem de forma pessoal e independente suas emoções,
sentimentos, conhecimentos e regras sociais (BRASIL, 1998,
p. 29).

A brincadeira é, também, de certa forma, uma maneira de aproximar o


professor do aluno, afinal não é somente a criança que gosta de brincar, qualquer
pessoa encontra no jogo uma diversão. Cabe ao professor preparar brincadeiras
que, além de divertir os alunos, ajudem nas dificuldades de aprendizagem.

Nesse aspecto, o brincar traz satisfação para a criança, independentemente


do lugar onde ela esteja. É importante salientar que na escola as atividades
lúdicas devem ter intencionalidade pedagógica, principalmente na Educação
Infantil, considerada a primeira etapa da Educação Básica e que, de acordo com
a LDB nº 9.394/96, “tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança
até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade”. Portanto, quando você,
professor (a), planeja suas aulas, precisa estar atento(a) aos objetivos
Não se devem
que deseja atingir com sua ação pedagógica. confundir
situações nas
Por isso, vale lembrar que, mesmo nos momentos de brincadeira quais se objetivam
no pátio da escola ou no parque, nos momentos das músicas cantadas determinadas
aprendizagens
antes das refeições e da higiene, nas atividades educativas, nas
relativas a conceitos,
brincadeiras de roda, nas histórias contadas, etc., a ação pedagógica procedimentos ou
está, ao mesmo tempo, divertindo e educando. Segundo o Referencial atitudes explícitas
Curricular Nacional para Educação Infantil (1998, p. 29): com aquelas
nas quais os
É preciso que o professor tenha consciência que conhecimentos são
na brincadeira as crianças recriam e estabilizam experimentados
aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas de uma maneira
do conhecimento, em uma atividade espontânea espontânea e
e imaginativa. Nessa perspectiva não se devem destituída de
confundir situações nas quais se objetivam
objetivos imediatos
determinadas aprendizagens relativas a conceitos,
pelas crianças.
procedimentos ou atitudes explícitas com aquelas

79
Linguagem e Ludicidade na Infância

nas quais os conhecimentos são experimentados de uma


maneira espontânea e destituída de objetivos imediatos pelas
crianças. Pode-se, entretanto, utilizar os jogos, especialmente
aqueles que possuem regras, como atividades didáticas.
É preciso, porém, que o professor tenha consciência que as
crianças não estarão brincando livremente nestas situações, pois
há objetivos didáticos em questão.

Ao educador cabe planejar e propor atividades lúdicas, manifestando clareza


dos fatos e intuito educacional, pois a ação do educador deve ser, antes de tudo,
pensada, elaborada, desenvolvida e avaliada, para, dessa forma, entender se os
objetivos foram alcançados. A brincadeira e o brinquedo, por mais simples que
sejam, colaboram para a aprendizagem do aluno, principalmente porque não
representam nenhuma obrigação imposta para o educando, e sim, atuam como
desafiador, tornando-o habilidoso. É extremamente importante, pois ajuda o aluno
a lidar com momentos de tensão e estimula a cooperação.

A escola é o ambiente em que os valores são vivenciados de maneira mais


profunda. É um lugar onde crianças se encontram com educadores para conviver
em clima de cooperação, amizade e afeto, participando de experiências que não
encontram em seu ambiente familiar ou comunitário. Para algumas crianças, é
exclusivamente no ambiente escolar que conseguem relacionar-se com pares
de idades semelhantes, tendo a oportunidade de trocar experiências e aprender
através da convivência diária.

Por ser um espaço tão privilegiado, a escola deve, continuamente, refletir


sobre seu papel e rever seus procedimentos, objetivos, currículos e valores,
tornando-se um lugar democrático, rico em estímulos, atraente e que possa
proporcionar momentos de prazer e aprendizagem, tanto para alunos quanto
para educadores.

A Educação Infantil tem a função, entre outras, de promover a construção


dos saberes por meio do lúdico, sendo nesta fase que a criança tem o primeiro
contato com a educacional formal, e, nesse sentido, deve haver um cuidado para
não escolarizar a infância. De acordo com Lima (1999, p. 29),

[...] a utilização do brincar como recurso pedagógico tem


de ser vista, primeiramente, com cautela e clareza. Brincar
é uma atividade essencialmente lúdica; se deixar de sê-
lo, descaracterizar-se-á como jogo ou brincadeira. Como
atividade infantil, na qual há construção de conceitos, eles
podem e devem ser utilizados na escola [...].

Portanto, inserir nas práticas pedagógicas os jogos e brincadeiras favorece

80
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

a aprendizagem e o desenvolvimento global, pois brincar é uma forma É no brincar que


de atividade complexa, que combina o faz de conta com a realidade. É a criança trabalha
no brincar que a criança trabalha com informações e situações de sua com informações
vivência e obtém uma melhor percepção de sua realidade. Lembrando e situações de
sua vivência e
que o brincar envolve a experiência de quem brinca. As crianças imitam obtém uma melhor
o que veem e reproduzem estas ações percebidas em seu meio. percepção de sua
realidade.

Atividade de Estudos:

1) Você viu que os momentos lúdicos instigam na criança ações


de analisar, imaginar, criar, despertando, assim, seu raciocínio,
trazendo sensações de liberdade e autoafirmação. Nesse sentido,
pense numa perspectiva lúdica e inclusiva de se trabalhar com
a educação infantil. Elabore uma atividade que contemple essas
duas concepções.
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________________________________________________ Macedo (2005),
________________________________________________ expôs cinco
(5) indicadores
para entender a
presença do lúdico
nas aprendizagens
que seriam:
A Dimensão Lúdica e a Escola “terem prazer
funcional; serem
Essa seção apresentará estudos de Macedo (2005), o qual desafiadoras;
expôs cinco (5) indicadores para entender a presença do lúdico nas criarem
possibilidades ou
aprendizagens, ou desenvolvimento. Para tanto, defendeu que o
disporem delas;
lúdico para a criança deve ter as seguintes qualidades, que seriam: possuírem
“terem prazer funcional; serem desafiadoras; criarem possibilidades ou dimensão simbólica
disporem delas; possuírem dimensão simbólica e expressarem-se de e expressarem-se
modo construtivo ou relacional” (MACEDO, 2005, p.15). Serão sobre de modo construtivo
esses indicadores que discutiremos nesta sessão. ou relacional.

81
Linguagem e Ludicidade na Infância

a) Prazer funcional

Você já percebeu como as crianças conseguem se concentrar rapidamente


se estão jogando ou brincando? E já se perguntou por que não fazem isso quando
são incumbidas de uma tarefa? A resposta pode estar nos estudos de Macedo
(2005) nos quais alega a relação da criança com o prazer pelo que faz.

O que vale é o prazer funcional, a alegria, que muitas vezes


também é sofrimento, de exercitar um certo domínio, de testar
uma certa habilidade, de transpor um obstáculo, ou vencer
um desafio. Em jogos e brincadeiras, as tarefas ou atividades
não são meios para outros fins, são fins em si mesmos. Na
perspectiva das crianças, não se joga ou brinca para ficar mais
inteligente, para ser bem sucedido quando adulto ou para
aprender uma matéria escolar. Joga-se e brinca-se porque
isso é divertido, desafiador, promove disputas com os colegas,
possibilita estar junto em um contexto que faz sentido [...]
(MACEDO, 2005, p. 17).

Se ela se sente atraída, desafiada e envolvida, será capaz de rapidamente


entender as regras e por menos experiência que tenha com o jogo ou brincadeira
irá lançar-se ao novo, pois estará motivada para tal ação.

b) Desafio surpresa

Algumas brincadeiras podem ser interessantes para uns e maçantes


para outros. Isso porque varia a forma como ela é apresentada ou convidada.
De qualquer maneira, deve ser atrativa e gerar uma sensação de curiosidade,
vontade de se entregar ao desconhecido. Precisa surpreender a criança. E
surpreender significa que “não se controla todo resultado, que algo tem sentido
de investigação, de curiosidade, de permissão para a pessoa dizer o que pensa
ou sente, de expressar suas hipóteses” (MACEDO, 2005, p. 19). Por exemplo, o
professor ao apresentar uma situação problema, estará despertando um desafio
surpresa, mas este deve estar imbuído de contexto para que faça sentido para
criança. O que não tem sentido ou significado para a criança não será atrativo.
Lembre-se sempre disso.

c) Possibilidades

Essa é uma questão relevante quando se trata de persistência ou desistência.


A criança precisa se sentir segura de que a atividade que irá desenvolver é
possível, realizável, caso contrário, poderá se sentir desmotivada. “O espírito
lúdico expressa uma qualidade de transitar ou percorrer os modos - impossível,
82
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

circunstancial, necessário e possível - do ser das coisas. Se falta o lúdico, pode


ser que a ironia, o desinteresse, o ceticismo ou a violência ocupem o lugar”
(MACEDO, 2005, p. 20).

Certa vez, montamos um grupo de teatro com crianças e professores para


apresentar a peça “O Mágico de Oz”. Ao pensar na história surgiu uma dúvida
que poderia tornar impossível a realização da apresentação. Para quem
conhece a história o problema estava em fazer a casinha da Dorothy rodar.
Depois de pensar muito achamos a solução. Combinamos que congelaríamos
os personagens na cena que antecederia a casa rodar, apagariam-se as luzes.
As luzes focalizariam um telão que daria continuidade à história, mas em
filme, no original. O que queremos dizer é que a criança precisa sentir que há
possibilidades de desenvolver uma determinada tarefa, apesar da grandeza
do desafio.

d) Dimensão simbólica

A dimensão simbólica constitui uma forma de representação, imitação, um


ensaio da realidade. “O lúdico torna-se simbólico e amplifica as possibilidades
de assimilação do mundo. Dessa maneira, a criança pode pensar, imaginar ou
questionar” (MACEDO, 2010, p. 20). Isso quer dizer que a criança irá interpretar
algo que faz sentido para ela, que corresponda a sua vivência. Nesse aspecto, o
lúdico denota que as atividades são motivadas e históricas.

Quando a criança brinca de casinha, por exemplo, a


criança atribui sentido aos objetos que utiliza para montar
os cenários, simular pessoas e acontecimentos. Essas
narrativas fazem sentido para ela, pois são uma projeção
de seus desejos, sentimentos e valores, expressando suas
possibilidades cognitivas, seus modos de assimilar ou
incorporar o mundo, a cultura em que vive (MACEDO, 2015,
p. 20).

Assim, ao brincar de papai e mamãe, representará os papéis conforme suas


vivências, seu contexto e fantasias.

e) Expressão construtiva

Essa dimensão abre para uma perspectiva da errância, em que a criança


poderá intuir uma atividade lúdica, por exemplo, antes de se inserir nela. Poderá
imaginar e criar expectativas sobre ela, e, dessa forma, estará explorando o
campo antes de adentrar.
83
Linguagem e Ludicidade na Infância

A errância é uma forma curiosa, atenta, porém aberta, de fazer


A errância é uma alguma exploração. Refere-se a uma dimensão construtiva,
forma curiosa, a qual implica uma relação múltipla, que ora considera um
atenta, porém aspecto, ora considera outro, ora observa a forma, ora o
aberta, de fazer conteúdo, ora o tema, ora as imagens, sabendo que tudo isso
alguma exploração. faz parte de um mesmo todo (MACEDO, 2005, p. 21).
Refere-se a
uma dimensão A expressão construtiva acena para uma forma leve de se ver a
construtiva
situação, com destreza curiosa; que averigua atentamente, esquematiza;
que analisa probabilidades; revê maneiras diferentes, imagina táticas,
reflete alternativas durante todo processo construtivo.

Atividade de Estudos:

1) Monte um mapa conceitual com as principais ideias trazidas por


Macedo (2005) no que se refere às dimensões da ludicidade.

Algumas Considerações
Um dos desafios do professor quando se trata de ludicidade em sala de aula
é de romper com um modelo estagnado, preso ao conteúdo. Vimos, no decorrer
deste capítulo, o quanto a ludicidade, sendo ela uma ação espontânea ou mesmo
como pretexto pedagógico, enriquece e ressignifica a aprendizagem da criança.

Apesar de a criança não enxergar o jogo ou a brincadeira com um meio de


desenvolver o cognitivo, afetivo, motor e social, cabe a nós, professores, estarmos
atentos a cada detalhe que se manifesta em situações espontâneas de ludicidade.

84
Capítulo 4 A Formação do Professor no Contexto da Ludicidade

Referências
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