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ADEUS À INFÂNCIA (E À ESCOLA QUE EDUCAVA) DE MARIANO

NARADOWSKI (1998) E O DOCUMENTÁRIO A INVENÇÃO DA INFÂNCIA (2000)

Andréa Jara Peralta Freitas 1


Cinthya Lorena Larrea Viera 2

Eixo temático: Educação, Formação de Professores e Prática Educativas

Resumo: O objetivo deste relato de experiência é discutir o conceito de infância na


modernidade abordadas no texto de Narodowski (1998) e o documentário “A
invenção da Infância”, assim como relatar a entrevista realizada com 4 crianças de
diferentes faixas etárias que assistiram ao documentário e deram a sua
interpretação de infância. Ambos materiais estudados convergem na conclusão de
que o conceito de infância é uma construção histórico-social moderna e apresentam
existência de infâncias múltiplas e diferentes.

Palavras-chave: Infância. Modernidade. Escola.

Introdução

A motivação para realizar este relato de experiência teve sua origem na


disciplina Tópicos em Educação, Formação de Professores e Práticas Educativas.
Uma das temáticas abordadas na disciplina diz respeito ao conceito de infância, a
construção desse conceito e suas implicações na sociedade atual. Teve-se acesso a
leituras de autores renomados, como por exemplo, Hall (1997), Silva (2020) e de
Narodowski (1998), bem como acesso ao documentário intitulado “A Invenção da
Infância”, o curta-metragem foi exibido em 2000 e dirigido por Liliana Sulzback,
sendo ela também responsável pelo roteiro, recebeu 15 prêmios no Brasil e exterior.
Esses textos e documentário narram o surgimento do termo infância ao longo da
idade moderna. No entanto, fazem uma reflexão sobre como essa infância é
percebida, vivida e idealizada na atualidade.

Após as leituras e reflexões acerca dos temas como culminância do tópico I


fora solicitado a tarefa de dissertar sobre: Como a infância é discutida e percebida
1
UFGD. E-mail. andreajpfreitas2@gmail.com
2
UFGD. E-mail. cinthylo@hotmail.com
VI Congresso de Educação da Grande Dourados FAED/UFGD.
Evento de 2, 3, 4 e 5 de outubro de 2023. Dourados-MS.
no texto de Narodowski (1998) e o documentário. Sendo assim, foi realizada uma
comparação do texto com o documentário. No entanto, ficamos nos interrogando
como as crianças ao nosso redor compreendem a infância e como elas reagiriam ao
ver documentário. Por isso, decidimos entrevistar 3 (três) crianças e 1 (um)
adolescente. Essa entrevista teve como direcionamento como, as crianças e o
adolescente, compreendem a infância e o que é ser criança. Primeiramente, elas
responderam: o que é ser criança? O que você faz diariamente? Que coisas de
criança você gosta de fazer? O que é ser adulto? O que os adultos fazem? A seguir,
assistiram ao curta e responderam se aquelas crianças do curta-metragem tinham
infância, segundo suas perspectivas. As crianças entrevistadas são de diferentes
idades que são representadas da seguinte maneira; I. 06 anos; R. 09 anos; M. 07
anos e N. 13 anos.

REFLEXÃO E COMPARAÇÃO DO TEXTO ADEUS À INFÂNCIA (E À


ESCOLA QUE EDUCAVA) DE MARIANO NARADOWSKI (1998) E O
DOCUMENTÁRIO A INVENÇÃO DA INFÂNCIA

O texto de Narodowski (1998) começa esclarecendo que o conceito de


infância é uma construção histórica da sociedade moderna. A princípio, a criança
não se diferenciava dos adultos, nem pelas vestimentas e nem pelas atividades que
realizavam. Eram considerados miniadultos, convergiam com os adultos em todos
os espaços. Essa percepção foi mudando, a partir do momento em que a criança
passa a ser vista como alguém heteronômica. Para Narodowski (1998, p. 174),
neste contexto contemporâneo as ideias que temos/tínhamos da criança moderna
de Rousseau – “de um corpo heterônomo, obediente e dependente das decisões
adultas”, já não dão conta destas vivências infantis heterogêneas. Elas são
insuficientes para definir a criança, pois hoje, a criança é autônoma dependendo do
contexto em que está inserida, não mais obediente e calada para os adultos e
começam a tomar decisões desde a tenra idade. Essas mudanças são observais em
todos os espaços que elas ocupam na sociedade, situação que não difere nas
escolas.

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O documentário "A Invenção da Infância" é uma produção que explora de
maneira profunda e reflexiva a construção histórica e cultural do conceito de infância
ao longo dos séculos, assim como abordado por Narodowski. Ao abordar diversas
perspectivas históricas, sociais e psicológicas, o filme nos apresenta a complexidade
e a evolução desse período tão importante na vida de um indivíduo.

No entanto, com a ascensão do pensamento iluminista e a emergência da


burguesia como uma classe dominante, houve uma transformação do conceito de
infância. As crianças passaram a ser consideradas seres em formação, que
mereciam proteção e cuidado. Esse processo culminou na criação de espaços
específicos para a infância, como escolas e playgrounds, assim como em uma maior
valorização da educação e do desenvolvimento infantil.

Não obstante, o documentário nos mostra que essa ideia de proteção e


cuidado com a infância nem sempre foi universalmente aplicada. Diversos
momentos históricos são apresentados onde as crianças foram exploradas,
maltratadas e tiveram seus direitos negados, como a Revolução Industrial e a
exploração do trabalho infantil.

Uma das primeiras questões discutidas no documentário é a ideia de que a


infância como a conhecemos hoje nem sempre existiu. Antes do século XVII, as
crianças não eram vistas como seres distintos dos adultos e não possuíam um
espaço próprio na sociedade. Eram tratadas como miniadultos, sem direito a
brincadeiras, educação formal ou cuidados específicos, o que corrobora com o texto
do Narodowski.

O documentário retrata a vida de dois grupos distintos de crianças. Aquelas


que são identificadas como tendo uma infância hiper realizada e outro grupo que são
consideradas com infância des realizada. Segundo Narodowski (1998, p. 174)

o polo da infância hiper realizada é a infância da realidade virtual.


Trata-se das crianças que realizam sua infância com a Internet, os
computadores, os sessenta e cinco canais da TV a cabo, dos
videogames e que há tempo deixaram de ocupar o lugar do não
saber.

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No documentário, as crianças pertencentes a esse polo têm a infância
marcada por diversos afazeres, estudo, ballet, prática de esportes, estudo de línguas
e pouco tempo para as brincadeiras. Fazem pare de uma classe social mais
privilegiada por bens materiais. Segundo elas, isso é necessário porque devem se
preparar para o mundo das faculdades, do trabalho. Para ter uma vantagem em
relação as outras pessoas. A preocupação delas é com a qualificação futura e uma
possível ocupação advinda desses afazeres.

Por outro lado, Narodowski (1998, p. 174) explica a infância des realizada como a

é independente, que é autônoma, porque vive na rua, porque


trabalha desde muito cedo. São também as crianças da noite que
puderam reconstruir uma série de códigos que lhes dão certa
autonomia cultural e lhes permitem realizarem-se, ou melhor, des
realizarem-se esta é a palavra correta, como a infância. É a infância
não da realidade virtual, mas da realidade real.

Essa infância real e cruel é retratada no documentário de uma maneira


bastante forte. Vemos na tela a vida de crianças pertencentes as camadas sociais
mais pobres que precisam lutar pela sobrevivência. Aliás, o documentário no seu
início revela como desde a tenra idade elas precisam vencer os altos índices de
mortalidade infantil. As mães dessas crianças inclusive encontram dificuldade em
lembrar o número exato de filhos mortos e vivos. Somado a isso, observamos
crianças cuja infância é desfeita pelo trabalho braçal, que trocam horas e horas de
trabalho infantil por alguns centavos para complementar a renda. Elas depositam as
suas expectativas em algumas horas de brincadeira ao final do dia e na frequência
noturna da escola.

Outro ponto interessante é a relação entre a infância e a cultura de


consumo. O documentário nos mostra como, a partir do século XX, as crianças se
tornaram alvos de um mercado cada vez mais voltado para elas. Brinquedos,
roupas, alimentos e mídia são utilizados como estratégias de marketing para atrair e
conquistar a atenção desses consumidores mirins. E desse modo, as crianças
voltam a ocupar espaços que antes eram destinados somente aos adultos,
consumem material que não seria apropriado para a sua idade.

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Outra reflexão importante que é feita por Narodowski (1998), diz respeito a
essa dualidade vivenciada ao longo do tempo por crianças de diferentes camadas
sociais. Assim como retratado no documentário, não é algo do século XXI, essas
infâncias vividas e idealizadas sempre aconteceram. No entanto, o que é
questionado por Narodowski (1998. p. 175) sobre “a narrativa político pedagógica
supunha que todas essas crianças iriam ser salvas pela escola e especialmente pela
escola pública”. Por tanto, a escola como salvadora de toda as infâncias, é posta em
xeque. Narodowski expressa (1998, p. 175)

a escola moderna se sustentava por meio do discurso pedagógico


em uma aliança entre pais e professores. Os pais outorgavam ao
professor a tutela do corpo infantil, em troca de uma situação na qual
o professor é o mais especializado possível e na qual ele infunde à
criança um saber que lhe servirá para a vida adulta. Por sua vez, a
escola contribuía com certa concepção de equilíbrio na divisão de
funções sociais, uns ensinam (os educadores dedicados a tal fim) e
outros se dedicam às tarefas produtivas originais (os pais).

Hoje, a escola não é mais o único espaço que detém o saber universal e o
professor não está mais encarregado de infundir um saber, de transmitir um
conhecimento porque a criança está vazia de conhecimento. Ao contrário, as
crianças com suas singularidades e multiplicidade de infâncias ocupam os espaços
escolares cheias de saberes e informações que adquirem de forma autônoma, por
necessidade ou por hiperexposição. Por tanto, a relação delas com os agentes
escolares deve ser de forma dinâmica, desafiante e inclusiva. A escola precisa ser
enxergada como a mediadora e como espaço seguro para as crianças, cujas
infâncias serão sempre construídas de modo diferente. A esse respeito, Momo e
Costa (2010, p. 988) salientam “o numeroso e sempre crescente contingente de
crianças pós-modernas que circula por nossas escolas é composto de seres aptos a
operar com essa nova gramática cultural que para nós adultos é ainda difícil
decifrar”.

INFÂNCIA PARA ALGUMAS CRIANÇAS

Para R. 09, I 06 e M 07: o conceito de infância está intimamente


relacionado com o brincar, ter amigos, diversão, ir para a escola e ser pequeno.
Quando confrontados com a diferença em ser adulto, eles rapidamente relacionam

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com o trabalho. Para elas, o adulto é grande, trabalha e vai para a faculdade. Essas
crianças, diferente da realidade de umas crianças apresentadas no documentário,
relacionam a sua infância aos jogos, ao estudo na escola.

O adolescente, entende que os dois grupos de crianças retratadas no vídeo


assumem responsabilidades que não sadias para uma construção de uma infância,
lamenta o trabalho infantil e acredita que ao grupo que com fazeres intensos pode
divertir-se mesmo com a agenda lotada.

A infância é um período crucial na vida de uma pessoa, marcado pelo


desenvolvimento físico, emocional e cognitivo. Narodowski (1998) afirma que
infância é uma construção histórica própria. Durante essa fase, as crianças possuem
uma curiosidade inata, explorando e descobrindo o mundo ao seu redor. É também
um período de brincadeiras, imaginação e aprendizado por meio da interação com
os outros e com o ambiente, assim as crianças constroem sua identidade e
adquirem habilidades fundamentais para a vida adulta.

Todas as crianças que assistiram ao documentário assinalaram que as


crianças que trabalhavam pareciam adultas e que pareciam triste. Para elas,
crianças não deveriam trabalhar quebrando pedras, mas deveriam brincar. Perante
as entrevistas, podemos concluir que ter infância para essas crianças está
diretamente relacionado ao brincar, criar memórias felizes.

Considerações finais

O documentário "A Invenção da Infância" e o texto de Narodowski retratam


de forma brilhante como a noção de infância é uma construção histórica, cultural e
social. Ao abordar diferentes períodos históricos, teorias e perspectivas, o filme nos
faz refletir sobre a importância de garantir uma infância plena, feliz e livre de
qualquer forma de exploração. Devendo reconhecer as crianças como seres em
formação, capazes de transformar o mundo, e investir nelas com amor, educação e
proteção.

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Além disso, o filme traz à tona importantes questões sobre o papel dos
adultos na criação e formação das crianças. Ao abordar as teorias de grandes
estudiosos da infância, como Rousseau, Freud e Piaget, o documentário nos
convida a refletir sobre a importância do afeto, da atenção e do diálogo na
construção de uma infância saudável e feliz.

REFERÊNCIAS

MOMO, M. Crianças escolares do século XXI: para se pensar uma infância pós-
moderna. Cadernos de Pesquisa, v.40, n.141, p.965-991, set/dez. 2010.

NARODOWSKI, Mariano Adeus à infância (e à escola que ensinava). In: A escola


cidadã no contexto da Globalização. Porto Alegre: Vozes, p. 172-177,1998.

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