Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INFÂNCIA NA HISTÓRIA E NA
CULTURA CONTEMPORÂNEA
CAPÍTULO 1 - CRIANÇA É SER SOCIAL E
HISTÓRICO?
Suellen Irene Pereira Pierri
INICIAR
Introdução
Vários são os discursos sobre o fato de a criança – hoje em dia – ser vista como ser
histórico, cultural, social e de direitos. Mas será que sempre foi assim? A criança, no
decorrer dos tempos, sempre foi tratada como um indivíduo integrante da
sociedade, com seus direitos garantidos por lei? Neste capítulo você verá que essa é
uma visão relativamente recente da infância. No decorrer dos séculos, vigoraram
diferentes visões sobre a criança: como pequeno adulto, como tábula rasa, como
mão de obra barata, como impura ou como inocente; enfim, muitas foram as
concepções de criança e infância até que se consolidasse a que temos atualmente.
No Brasil, como país colonizado, há uma sequência histórica no tratamento e
entendimento da criança similar à de seu colonizador, Portugal, que, por sua vez,
tem uma história mais longa com a infância. Será que essas diferenças levaram
ambos países a um mesmo desfecho? Considerando a longa trajetória da Europa
com a infância, será que o Brasil já iniciou seu tratamento com as crianças a partir
de um sentimento de infância consolidado? Partiremos de visões mais antigas sobre
o tema para, no traçar histórico, chegarmos até nosso país e sua trajetória – por
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 1/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
vezes igual, por vezes particular – ao entender e enxergar as crianças, e no agir com
elas. Como afirmam Kuhlmann Jr. e Fernandes (2012, p. 15), a infância é
compreendida a partir da “[...] concepção ou representação que os adultos fazem
sobre o período inicial da vida [...]”. Sendo assim, neste capítulo, você estudará a
infância e a criança a partir dessas visões, que lhe contarão uma história, e a partir
dessa história você criará as suas próprias concepções, que, espera-se, sejam
similares ao que hoje se acredita ser e estar criança. Bom estudo!
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 2/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
histórias eram contadas sempre pelo outro, pelo mais velho, aquele que ditava as
regras, tudo sem levar em consideração a voz das crianças sobre o que pensavam ou
o que achavam.
De forma figurada, podemos dizer que, durante séculos, foi negado à criança o
direito de se exprimir: a ela restou o silêncio, a não permissão de ter sua voz ouvida
em decisões, até mesmo no que se referia a ela mesma. Os alimentos foram dados
às crianças sem perguntar se elas gostavam deles ou os queriam; suas vestimentas
postas sem saber se elas as aprovavam ou se lhes eram confortáveis; seu ensino
regido de forma vertical, no qual coube aos adultos a decisão do quê e quando
ensinar, em detrimento das vontades das crianças, ou sem levar em consideração o
que elas já sabiam sobre tal assunto ou conteúdo.
A seguir, observe a imagem de uma pintura que retrata uma menina na Idade Média:
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 3/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Figura 1 - Princess
Margareth, de Diego Velásquez. Fonte: Oleg Golovnev, Shutterstock, 2017.
Como você pode observar, a imagem anterior retrata uma menina vestida com uma
roupa destinada às mulheres da época. Nota-se que o tamanho do vestido e os
ornamentos quase não lhe permitem os movimentos naturais do corpo. Não havia
uma preocupação com as particularidades do corpo infantil no que se refere à
vestimenta da época, mas sim com a caracterização da criança como um pequeno
adulto. Você considera que essa concepção é diferente da que temos hoje?
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 4/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Figura 2 - Prince’s Day, de Jan Steen. Fonte: Everett – Art, Shutterstock, 2017.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 5/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Na figura anterior, percebe-se que está acontecendo uma festa em uma taverna,
onde há homens bebendo e jogando, e pode-se notar que um homem já está
aparentemente bêbado, de joelhos, e levando uma garrafa à boca. Nesse ambiente,
é visível ao menos uma criança, o que denota a não preocupação com a
adequabilidade dos locais à infância, entendendo-se que esta deveria ser vivida em
conformidade com os adultos.
Nesse sentido, você já se perguntou como era a educação nessa época? Não havia o
conceito de escolas que temos hoje, mas, sim, de salas de estudos livres. Sem local
determinado, essas aulas poderiam acontecer em praças, mercados, igrejas etc., as
quais ofereciam educação para pessoas de várias faixas etárias – crianças ou adultos
– e chegavam a receber 200 indivíduos por vez. “A criança era, portanto, diferente do
homem, mas apenas no tamanho e na força, enquanto as outras características
permaneciam iguais” (ARIÈS, 1981, p. 14). Nesses estabelecimentos, só havia
homens ou meninos, as meninas eram educadas em casa pela própria família, ou
em casa de conhecidos.
Portanto, você pode perceber que, além de as crianças não receberem atendimento
ou educação individualizados, ainda havia o fator de gênero que separava crianças
entre si. Isso também se devia ao impacto do cristianismo à época, já que a Bíblia
Sagrada (2012) explicita o papel da mulher na sociedade em vários momentos:
“Esposa, obedeça ao seu marido, como você obedece ao senhor. Pois o marido tem
autoridade sobre a esposa, assim como Cristo tem autoridade sobre a igreja.”
([Ef, 5:22,23], 2012, p. 1.643); “Esposa, obedeça ao seu marido, pois é o que você
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 6/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
deve fazer por ser cristã.” ([Cl, 3:18], 2012, p. 1.654); “[...] para que as mulheres mais
jovens aprendam [...] a ser prudentes, puras, boas donas de casa e obedientes ao
marido.”([Tito, 2:4-5], 2012, p. 1.674).
Em inúmeras passagens bíblicas (BÍBLIA SAGRADA, 2012), a mulher aparece como
submissa ao homem ou como a que deve ensinar às mais novas o caminho até Deus
ou à própria submissão. Essas passagens bíblicas ilustram a forma de ver o papel da
mulher, logo, da menina, à época da Idade Média.
Pelo contexto fornecido, você pode concluir como o fator religioso era
predominante nessa época, e isso deve ser levado em conta ao pensar a infância.
Inclusive, por esse motivo, a infância dos meninos e das meninas era tratada e vista
de maneira distinta.
A partir disso, pode-se afirmar que o pensamento sobre a criança em cada momento
histórico reflete o tipo de tratamento e educação dados a essa criança, e os
conhecimentos que se entende que ela deva ter. Veja a seguir como esse
pensamento foi se alterando ao longo dos tempos.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 7/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd=… 8/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Quadro 1
- Relação entre os séculos e seus respectivos anos. Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 10/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
O livro "História Social da Criança e da Família", de Philippe Ariès, trata sobre a construção do sentimento
de infância e a visibilidade social da criança durante as idades Média e Moderna a partir do entendimento
da família e da sociedade. A obra está disponível no endereço:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5525040/mod_resource/content/2/ARI%C3%88S.%20Hist%C3
%B3ria%20social%20da%20crian%C3%A7a%20e%20da%20fam%C3%ADlia_text.pdf
(https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5525040/mod_resource/content/2/ARI%C3%88S.%20Hist%C3
%B3ria%20social%20da%20crian%C3%A7a%20e%20da%20fam%C3%ADlia_text.pdf)>.
E como Ariès analisa a educação dessa época? O ensino, segundo o autor, era
ministrado às crianças de maneira informal e conjuntamente a outros adultos, de
forma que elas só aprendiam o que também era ensinado aos mais velhos, fosse
algo bom, fosse ruim, de seu entendimento ou não. Ou seja, a diferenciação que é
feita hoje sobre o que dizer e como agir perto de uma criança era completamente
ignorada na Idade Média. “A passagem da criança pela família e pela sociedade era
muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a
memória e tocar a sensibilidade” (ARIÈS, 1981, p. 10).
A seguir, analise a figura que reproduz a pintura de Bruegel que retrata a sociedade
do século XVI:
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 11/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Figura 3 - A Luta entre o Carnaval e a Quaresma, de Pieter Bruegel. Fonte: jorisvo, Shutterstock, 2017.
Como você pôde conferir na figura anterior, não é possível diferenciar quem são as
crianças e quem são os adultos, já que eles se misturavam em seus afazeres diários e
tinham uma rotina muito parecida, característica da falta de percepção das
particularidades da infância à época,
E o que esse autor apurou sobre o fator da idade dos indivíduos, por si? Este seria
um fator de significância tardia, pois datam do século XV (ARIÈS, 1981, p. 2) as
primeiras inscrições documentais mostrando a importância da data de nascimento
ou do ano de acontecimentos retratados. Essa pouca relevância dada às datas e
idades reflete a não condição social da criança como criança, uma vez que ela
nascia, era cuidada até conseguir se movimentar e, em seguida, era dirigida à
sociedade para aprender seus costumes na imersão.
Em relação à aprendizagem, pode-se afirmar que, à época, acontecia diariamente e
na informalidade, a partir do outro mais velho e mais experiente – e com este.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 12/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Você já parou para refletir como tem sido feita a representação visual da infância no
meio cultural? De acordo com Ariès (1981), a iconografia só tratou de “descobrir” a
infância a partir do século XIII. Não se deve aqui entender que a sociedade criou o
sentimento de infância a partir dessa época, mas sim que retratos começaram a ser
pintados, dando lugar aos pequenos sem as deformações ou características físicas
adultas direcionadas à figura do infante dos séculos anteriores.
A figura a seguir reproduz uma pintura datada de início do século XIII.
Figura 4 - Madonna e a Criança,
de Berlinghiero. Fonte: Everett – Art, Shutterstock, 2017.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 13/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Como você observou pela análise da imagem anterior, só é possível saber que o
indivíduo no colo da mulher é uma criança por ocasião do nome da pintura, pois
suas feições do rosto não retratam nenhum traço infantil. Aparentemente, há um
adulto segurando um pequeno adulto no colo.
Mas a partir de quando isso começou a mudar? De acordo com Lima (2013),
somente no final do século XIII surgiram imagens de crianças que demonstravam
suas feições um pouco mais diferenciadas dos adultos, mais ternas e infantis, em
especial em pinturas religiosas de crianças ajudando em missas, de anjos ou
caracterizando o menino Jesus e a pequena Virgem Maria.
No século XVI, surgiram outras representações de crianças desvinculadas do
cristianismo: o retrato e o putto (ARIÈS, 1981). O primeiro retratava crianças mortas,
primeiramente com crianças em outro plano e acompanhadas de familiares ou
professores; posteriormente, começaram a aparecer pinturas de crianças sozinhas e
com feições e características mais infantis. Esse tipo de arte demonstrou que estava
se superando a ideia de que a morte da criança era insignificante e que a perda de
um infante começava a ser sentida socialmente. A família começava a mostrar-se
sentimental com tal perda.
Já o putto surgiu principalmente nos anos finais do século XVI (ARIÈS, 1981, p. 49) e
seria a figura da criança nua, impactando o tema anterior de criança religiosa, e
exibindo a nudez infantil como importante motivo decorativo.
A figura a seguir retrata um putto ostentado como decoração da fachada de uma
edificação.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 14/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Figura 5 - Estátua de uma criança na Santa Casa de Loreta, em Praga. Fonte: jorisvo, Shutterstock, 2017.
Conforme você pôde observar na figura anterior, há uma criança nua com traços
finos e angelicais, demarcando a separação iconográfica da criança anteriormente
retratada – o pequeno adulto, ou uma imagem ligada ao cristianismo –, agora mais
angelical e artística.
Esse “eros artístico” da criança nua (ARIÈS, 1981, p. 28), continuou destacado nas
pinturas de artistas até os séculos XIX e XX.
A partir dessa historiografia imagética, você percebeu como a maneira de ver e
transparecer a criança vai mudando no decorrer dos séculos a partir da família e dos
ideais de sociedade e políticos da época?
VOCÊ SABIA?
De acordo com Rosa (2010), a palavra putto advém do latim putus, podendo também ser traduzida
do italiano puttus. Para além de caracterizar uma forma de arte da Idade Moderna, na Itália, a palavra
tem relação direta com o cupido, deus grego do amor, sendo suas imagens relacionadas. Para mais
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 15/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 16/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
VOCÊ O CONHECE?
Colin Heywood (2004) foi um crítico severo à literatura de Ariès, referente a uma demarcação de um
sentimento de infância histórico. Por sua vez, tratou de defender a busca de diferentes concepções sobre
a infância no decorrer historiográfico, em seu livro Uma História da Infância: da idade média à época
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 17/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
contemporânea no ocidente, cuja resenha (KUHLMANN JR., 2005) está disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n125/a1435125.pdf
(http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n125/a1435125.pdf)>.
Para iniciar as explicações, você precisa ter em mente que “[o] sentimento de
infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à
consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue
essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem” (ARIÈS, 1981, p. 99). Faz-se
importante essa diferenciação se atentarmos para o fato de que, mesmo na Idade
Média, existia uma afeição pela criança recém-nascida, que era tratada com mimos,
no que Ariès chamou de “paparicação”. Contudo, essa época é igualmente marcada
pelo entendimento da criança como um vir a ser, sem voz ativa e sem distinção
quando inserida no mundo adulto; se ela sobrevivesse à fragilidade da pequenice,
se confundiria com os adultos.
São vários os relatos dos sentimentos para com a infância durante essa pequenice,
caracterizada pelo período em que as crianças ainda eram consideradas “fofas” e
divertiam os adultos. Esse sentimento era compartilhado, especialmente, entre as
amas e as mães, as principais responsáveis por cuidar dessas crianças tão
pequenas.
De acordo com Ariès (1981), essa paparicação foi relacionada ao tratamento
direcionado a macacos por Montaigne, que não entendia como as pessoas
poderiam tratar as crianças como passatempo. Porém, sua intenção não era
diferenciar as crianças dos animais, dando-lhes uma personalidade e
particularidade únicas, mas Montaigne considerava que “[...] as pessoas se
ocupavam demais das crianças” e não valia a pena perder tanto tempo com elas
(ARIÈS, 1981, p. 101).
Dessa forma, pode-se afirmar que o sentimento de paparicação em relação às
crianças pequenas não era comum a toda a sociedade, e um sentimento contrário, o
de exasperação, ajudou no processo de separação das crianças dos adultos em
determinados momentos, como à mesa. Nesses casos, a separação se dava, muitas
vezes, exatamente para evitar esse tipo de trato exagerado com as crianças. Cabe
mencionar que a paparicação acontecia tanto entre famílias burguesas quanto entre
as do povo.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 18/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
O outro sentimento de infância que se forma durante o século XVII (ARIÈS, 1981, p.
125) – e se estende até os dias de hoje – é o “entendimento da particularidade das
crianças” não mais na forma de distração ou brincadeira, mas com a conotação de
uma preocupação moral e um interesse psicológico.
É nesse momento que surgem textos sobre a psicologia infantil, por exemplo o Ratio
Studiorum dos jesuítas (FRANCA, 1952), na tentativa de entender como o cérebro da
criança funciona, procurando dar a ela uma educação de acordo com seu
entendimento e sua compreensão. No próximo subtópico, você entenderá melhor as
mudanças ao longo dos tempos e como elas influenciam a visão sobre a infância.
Dessa forma, com essas mudanças, tanto sociais quanto no que se referem à
educação, as crianças deveriam ser resguardadas e ensinadas a como se portarem
socialmente, o que deveriam falar, o que deveriam vestir; não havia mais o
sentimento de adulto em miniatura, mas sim uma particularidade civilizatória, a
educação para a civilização. Aqui, pode-se fazer uma comparação com a figura do
“bom selvagem” de Rousseau (1978), baseada no mito do bom selvagem, com o
ideário de que o homem nasce bom. Sendo assim, a criança seria a figura inocente,
e caberia à sociedade e à família edificá-la ou corrompê-la.
Figura 6 - Retrato de uma Família, de Adriaan de Lelie. Fonte: Everett – Art, Shutterstock, 2017.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 20/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
O interesse pelo corpo, no século XVII, vinha por meio de objetivos morais, “[...] um
corpo mal enrijecido inclinava à moleza, à preguiça, à concupiscência, a todos os
vícios” (ARIÈS, 1981, p. 105). Aos corpos enfermos eram ministrados cuidados para
que não parecessem mais tão enfermos, dando-lhes boa aparência; aos velhos e
loucos, quando cuidados médicos e familiares já não adiantavam para a inevitável
rigidez e falta de manipulação de seus corpos, cabia os asilos e hospícios; aos
marginais, que ousavam desobedecer a leis tão severas como as vigentes à época,
restavam as prisões, onde não mais eles poderiam ferir a nobre e honrada
sociedade.
Assim, seguindo a mesma dinâmica, crianças e adolescentes, para aprenderem as
regras sociais e a se portarem perante outros, deveriam frequentar as escolas, locais
montados exatamente para o cerceamento dos corpos, os quais, rígidos em carteiras
e podendo falar e se movimentar apenas mediante ordens, aprendiam a ser
igualmente honrados, racionais e bondosos, tais quais os adultos de sua sociedade.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 21/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 22/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Figura 7 - Ruínas de uma igreja dos jesuítas em São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul. Fonte:
Jordan Adkins, Shutterstock, 2017.
VOCÊ SABIA?
A roda dos expostos consistia em um cilindro de madeira, giratório, instalado nas portas dos
conventos e das casas de misericórdia. O sistema garantia o anonimato de quem abandonasse a
criança: o bebê era posto na roda e, ao acionar a campanhia, a pessoa do outro lado girava a roda e o
acolhia. No Brasil, a primeira roda dos expostos foi instalada na Santa Casa de Misericórdia de
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 23/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Salvador (BA), em 1726 (MARCILIO, 1997). Para saber mais, acesse o endereço:
<http://almanaque.weebly.com/roda-dos-expostos.html (http://almanaque.weebly.com/roda-dos-
expostos.html)>.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 24/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
As crianças pobres que não eram educadas pelos jesuítas, nem cuidadas ou postas
para trabalhar por suas famílias, eram abandonadas nas ruas e igrejas, ficando à
própria sorte. Nessa época surgem as Casas de Misericórdia, e um mecanismo
medieval – conforme mencionado anteriormente – conhecido como roda dos
expostos, no qual as pessoas poderiam abandonar seus filhos e suas filhas
anonimamente.
De acordo com Veiga (2007) o objetivo da irmandade não era educar as crianças, mas
acolhê-las e encaminhar as que tinham de zero a 3 anos de idade para amas de leite
pagas que amamentavam em domicílio ou no próprio hospital. Se ninguém se
responsabilizasse por elas, estas retornavam para a casa de assistência e lá
permaneciam até os 7 anos de idade, quando eram entregues às câmaras municipais
e ficavam expostas, em especial ao trabalho escravo ( POLETTO, 2012, p. 3).
Porém, essas rodas foram amplamente criticadas por higienistas, e acabaram por
deixar de existir. Posteriormente a isso, essas crianças, que antes eram deixadas nas
rodas, continuaram sendo abandonadas, dessa vez novamente nas ruas, e
acabaram por se tornar marginalizadas e visadas por vadiagem.
Então, a sociedade começa a cobrar do Estado uma solução para esse problema;
também os higienistas começam a cobrar que essas crianças deveriam ter acesso a
cuidados como higiene, limpeza, saúde e educação.
A partir dessas cobranças, o Estado se vê impelido a agir. Assim, em fins do século
XIX, no Brasil Império, surgem “[...] os primeiros asilos, mantidos pelo governo
imperial, com o objetivo de ministrar o ensino elementar e profissionalizante a esse
público, mascarando, dessa forma, o intuito real de segregação dos menores,
retirando-lhes do convívio social.” (POLETTO, 2012, p. 4).
No que se refere à história do Brasil, três são os períodos que marcam a
periodização tradicional e dividem a história do país, segundo Fausto (1996):
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 25/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 26/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
VOCÊ O CONHECE?
Moysés Kuhlmann Jr. é docente da Unisantos e pesquisador sênior da Fundação Carlos Chagas. Coordena
a página “História da Educação e da Infância”, que disponibiliza fontes documentais digitalizadas, no
portal da Fundação Carlos Chagas. Editor-chefe do periódico Cadernos de Pesquisa e notório pesquisador
sobre a história da infância no Brasil, seus textos são referência obrigatória para os estudiosos da criança
e da infância. Informações retiradas no currículo Lattes do professor Moysés, disponível em:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4797830T4
(http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4797830T4)>.
Em 1990, mais um passo foi dado em direção à garantia de direitos das crianças e
adolescentes, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 27/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
VOCÊ SABIA?
Apenas após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996, se tornou
obrigatório nas escolas haver profissionais habilitados para o trabalho com crianças pequenas. Ou
seja, apesar de já existirem discussões sobre a importância da educação para crianças pequenas
desde o início do século XX, e inúmeras concepções de educação sendo mais amplamente
disseminadas desde fins da década de 1960, apenas em fins do século a legalidade alcançou as
discussões e a literatura.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 28/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
CASO
Imagine-se como professor/professora em uma sala de crianças com idade de 4 anos, em uma escola
pública de educação infantil. Você leva seus alunos para o parque. Lá, os deixa livres para brincar,
explorar e se relacionar com os colegas à vontade; seu papel é o de observador/observadora e
mediador/mediadora das ações, quando necessário. Em determinado momento, você vê um grupo
de crianças brincando de casinha e as escuta estabelecendo papéis de quem é o pai, quem é a mãe e
quem são os filhos. Com isso, percebe que há meninos querendo ser mãe, meninas querendo ser pai
e cada um lidando com os papéis – seus e dos demais – de acordo com o que dita a sociedade e à
sua maneira: a menina, que é o pai, vai trabalhar, o menino, que é a mãe, fica em casa cuidando dos
filhos.
O papel do professor, nesses momentos, é lidar com a situação de forma a respeitar a diversidade e
os diferentes papéis exercidos na sociedade e, a partir do aprendido neste capítulo, respeitar a
criança como ser social e histórico que age sobre sua cultura e a influencia tanto quanto é
influenciada por ela. Dessa forma, deve-se chamar as crianças – posteriormente, e não durante a
brincadeira – para tratar sobre o assunto da sexualidade e da família com base no que as crianças
sabem e, a partir daí, ampliar conhecimentos, sem estabelecer verdades e sem preconceitos ou uso
de religiosidade ao abordar o tema.
Síntese
Concluímos o estudo relativo à história da infância. Agora você já sabe como se deu
a construção do sentimento de infância, e a trajetória entre o entendimento desse
momento da vida como particular do indivíduo até o respeito e a obrigatoriedade
legal de assegurar às crianças o direito à infância e de ser criança.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 29/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
Referências bibliográficas
ANDRADE, L. B. P. Educação Infantil: na trilha do direito. São Paulo: UNESP, 2010.
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
Disponível em: <
(https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5525040/mod_resource/content/2/ARI%
C3%88S.%20Hist%C3%B3ria%20social%20da%20crian%C3%A7a%20e%20da%20f
am%C3%ADlia_text.pdf)https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5525040/mod_re
source/content/2/ARI%C3%88S.%20Hist%C3%B3ria%20social%20da%20crian%C3
%A7a%20e%20da%20fam%C3%ADlia_text.pdf
(https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5525040/mod_resource/content/2/ARI%
C3%88S.%20Hist%C3%B3ria%20social%20da%20crian%C3%A7a%20e%20da%20f
am%C3%ADlia_text.pdf)>. Acesso em: 21/01/2018.
BARBOSA, D. L. Infância: diferentes conceitos e mesmas abordagens? Análise do
livro didático Portal do Saber. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Pedagogia) – Faculdade Alfredo Nasser, Aparecida de Goiânia, 2010. Disponível em:
<http://www.unifan.edu.br/files/pesquisa/INF%C3%82NCIA%20diferentes%20conce
itos%20e%20mesmas%20abordagens%20%20-%20Danielle%20Lemos.pdf
(http://www.unifan.edu.br/files/pesquisa/INF%C3%82NCIA%20diferentes%20conce
itos%20e%20mesmas%20abordagens%20%20-%20Danielle%20Lemos.pdf)>.
Acesso em: 21/01/2018.
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 30/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 31/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 32/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 33/34
06/06/2022 16:32 Infância na História e na Cultura Contemporânea
https://student.ulife.com.br/ContentPlayer/Index?lc=%2f7zOk7m2jeiNFO%2bHduPd2w%3d%3d&l=pST5d4dQ5GjMbdB91VAOog%3d%3d&cd… 34/34