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do Rio de Janeiro
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Coordenação Central de Extensão
Curso de Especialização em Educação
Infantil: Perspectivas de Trabalho em
Creches e Pré-Escolas
Duque de Caxias
Setembro de 2015
Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Coordenação Central de Extensão
Curso de Especialização em Educação
Infantil: Perspectivas de Trabalho em
Creches e Pré-Escolas
Duque de Caxias
Setembro de 2015
Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Coordenação Central de Extensão
Curso de Especialização em Educação
Infantil: Perspectivas de Trabalho em
Creches e Pré-Escolas
Duque de Caxias
Setembro de 2015
Ao Eterno que me encheu de Graça e Amor e
me deu asas para ir além de sonhos.
Agradecimentos
2
Resumo
Este trabalho toma como ponto de partida a observação de uma proposta
específica, discute o processo inicial da ideia de criança, de como este
conceito foi construído e, de que maneira a criança com suas
especificidades e singularidades são abordadas na legislação do nosso
país ao longo desse processo.
3
Sumário
Introdução ….............................................................................................05
4
Introdução
1
PACHECO, A.B. et all. A pesquisa como espaço de formação. In: KRAMER, S.; NUNES, M.F.
e CARVALHO, M. C. Educação infantil: formação e responsabilidade. Campinas, SP: Papirus
Editora, 2013, p.307.
5
A tarefa do historiador é, então, a de resgatar a história da criança negra não apenas
enfrentando um passado e um presente cheio de tragédias anônimas como a venda
de crianças escravas, a sobrevida nas instituições, as violências sexuais, a
exploração de sua mão de obra, mas tentando também perceber, para além do lado
escuro, a história da criança simplesmente criança, as formas de sua existência
quotidiana, as mutações de suas ligações sociais e afetivas, a sua aprendizagem da
vida através de uma história que, no mais das vezes, não nos é contada diretamente
por ela. (DEL PRIORI, 2012, p.249).
2
SARMENTO, p.32, 2015.
6
que encontramos o referencial que darão a orientação teórico-metodológica para
uma discussão sólida sobre a concepção de infância historicamente e na
atualidade.
Em se tratando de conhecimento histórico, social e contextualizado da
Criança, Ariés (1986) através de estudos sobre a história das famílias e da criança
europeias, apresenta como o sentimento e conceito que hoje temos de criança foi
uma construção. Para trabalhar o conceito de sujeito histórico social, Vigotski
(2003) foi o referencial abordado. Já na área da Sociologia e Antropologia da
Infância, os estudos de Corsaro (2011), Sarmento e Pinto (1997; 2015), deu
suporte para compreender a criança e a infância como produtoras de cultura,
categoria da história em construção e social.
Com Del Priori (2012) Kramer (1992, 2007), Leite Filho (2007; 2008),
Kuhlmann (1998; 2000), Rocha (1997), e Farias (1997) pude me aprofundar nos
estudos da criança e da Infância no Brasil.
A partir da perspectiva de que no Brasil concepções de infância e criança
influenciaram as ações propostas pelo Estado (FILHO, 2008, p.40) e dos objetivos
desse trabalho, é mostrar alguns avanços na legislação brasileira sobre o “direito
da criança”, para isto, apresentaremos o artigo 227 da Constituição Brasileira de
1988, fruto da luta de movimentos sociais e com a participação da sociedade, que
se caracteriza como um marco na afirmação dos Direitos da criança no Brasil,
visto que, pela primeira vez na história do país, a Constituição Federal de 1988
coloca a criança e o adolescente como propriedade nacional, garantindo o direito
das crianças pequenas à educação.
Outro avanço na história do direito da criança no Brasil é a criação do Eca
(Estatuto da criança e do Adolescente), na década de 1990. Este acrescenta,
trazendo a visão da criança cidadã, sujeito de direitos, rompendo com objetivos
propostos nos códigos anteriores (1927 e 1979) de disciplina e controle das
crianças.
Será apresentado também a nova redação do Art. 208 da Constituição
Federal Brasileira, dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de
2009, que ampliou a obrigatoriedade da Educação Básica para 11 anos, (09 anos
foi outra lei a de 2006), ou seja, a incorporação das crianças a partir dos 4 anos na
faixa de escolaridade obrigatória.
7
Frente aos aparatos legais, destaca-se a importância de pensar a criança
enquanto sujeito histórico social e assim, algumas perguntas simples surgem para
serem pensadas: O que é ser criança?O que é a infância? E buscando entender a
criança em relação ao contexto social e cultural cabe perguntar ainda: Por que o
vir a ser exclui o que a criança é?
Pensando em tais questões e na criança brasileira, ao ler a tese de Aristeo
Leite Filho (2008), podemos compreender como estes conceitos aparecem nas
políticas e programas desenvolvidos para construção de uma nação e as leis que
regem seus direitos.
Nesse sentido, podemos destacar, por exemplo, os anos iniciais da década
de 1930, quando, durante o governo de Getúlio Vargas, a promoção do bem-estar,
da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, fazia parte do projeto
nacionalista, para se construir uma nação composta de “cidadãos fortes e
capazes”. (Leite Filho, 2008, p.27),
Face ao exposto cabe ressaltar que, no presente trabalho, propõe-se uma
reflexão da visão da criança como possibilidade, potência e não folha em branco,
homem do amanhã, cidadão do futuro ou projeto de vida, de futuro, de sociedade
e de mundo, ou seja, o período da Infância é entendido como pleno de sentido em
si mesmo, e não como preparação para vida adulta.
Esse modo de vê a criança nos coloca diante de um novo olhar que permite
compreendermos que a história está sempre em movimento. Não há verdades
absolutas, sempre haverá diversidade interpretações, sempre existirá um novo.
Sendo a História um processo dinâmico, em contínua transformação e para o qual
todos os seres humanos contribuem, seja ele adulto ou criança, como ser histórico,
não neutro, pois suas individualidades e especificidades estão inseridas num
contexto social e cultural.
8
Verbo Ser
“Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.” (Carlos Drummond de Andrade)
1
Ser criança
O final do século XX ficou marcado pela psicologia, onde a infância foi
vista como etapa, a criança, “um vir a ser”. Porém, esquecemos que, nós adultos
também somos um “vir a ser”, que continuamos nos transformando a cada
momento e que esta é, justamente, a riqueza do momento (Lago, 1992).
Para compreendermos as características, sentimentos e pensamentos que
permeiam a sociedade atual sobre a criança, precisamos fazer uma análise desta
história.
Os estudos do historiador francês Philippe Ariès (1986), relatam as
mudanças na história social da família e da criança européia, a partir da análise de
pinturas, testamentos, igrejas, antigos diários de família e outros instrumentos.
Segundo o autor, o sentimento de infância entendido como consciência da
particularidade infantil era inexistente nas sociedades francesas do Antigo
Regime.
Segundo Ariès (1986), na Idade Média, as crianças eram representadas como
adultos em miniatura (homúnculos) e como tais, trabalhavam, comiam e se
divertiam. Não havia distinções entre adultos e crianças. As peculiaridades infantis
não apareciam em registros como a pintura, por exemplo.
Na conjuntura social da Idade Média, a família não era a instituição
responsável pela educação das crianças e o aprendizado se dava pela observação
9
das tarefas cumpridas e pelos valores transmitidos durante o convívio coletivo
com os mais velhos; mas nada de específico ou institucionalizado.
Ariès (1986) ressalta que "na sociedade medieval, a criança a partir do
momento em que passava a agir sem solicitude de sua mãe, ingressava na
sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes". (p.156). Ou seja, a criança
passava a ser um "adulto em miniatura", e a viver como tal.
A singularidade e especificidade da criança na infância vista como uma
fase da vida do ser humano que tem características específicas começa a ganhar
contornos na Era Moderna, com a evolução da ciência e inquietudes do homem
sobre razão. Segundo Ariès (1986), o advento do iluminismo e da Revolução
Industrial possibilitou uma mudança no cenário social que repercute na condição
social da criança.
Na Idade Moderna, com o desenvolvimento e consolidação de uma nova
classe social, a burguesia, a sociedade tende a olhar para o futuro, pensar no
amanhã e na possibilidade de ser melhor que antes, superações.
E essa perspectiva marca o primeiro momento em que a criança ganha
importância e novos sentidos. Surgindo assim, os sentimentos, piedade, alegria,
aumentando dos zelos e cuidados para que esta não morresse. Atribui-se à criança
ingenuidade e inocência e, ao mesmo tempo, a imperfeição e incompletude,
tornando necessário um cuidado especial com o seu bem estar e com a sua
educação a fim de garantir que se torne um cidadão de bem.
Segundo Kramer:
Nesse momento, o sentido de infância corresponde a duas
atitudes contraditórias: uma considera a criança ingênua,
inocente e graciosa e é traduzida pela paparicarão dos adultos, e
a outra surge simultaneamente a primeira, mas se contrapõe a
ela, tornando a criança um ser imperfeito e incompleto, que
necessita da “moralização” e da educação feita pelo adulto.
(KRAMER, 1992 p.18).
10
expansão do conhecimento levaram as expansões territoriais, sociais, culturais e
religiosas culminando em grandes transformações que marcaram o século XVI.
Na política e economia, deu-se início as grandes navegações realizadas, no
primeiro momento, pelas superpotências Portugal e Espanha. Com isso o mundo
não se limitava mais à Europa, mas o novo mundo trouxe novos horizontes de
conquistas expansão. Na religião, iniciou o movimento reformista, com a doutrina
luterana, que considerava que a Salvação é determinada pela Fé, sendo portando
uma questão individual. Ao romper com a Igreja Católica um dos lideres Martin
Lutero foi perseguido pelos partidários do Imperador e defendido pelos Príncipes.
Após uma longa guerra, foi assinada a Paz de Augsburgo (1555) permitindo que
cada príncipe definisse a religião a ser adotada em seu território.
O sentimento de infância surge neste mundo em ebulição, num contexto de
grandes transformações resultante de uma nova concepção de família, com laços
afetivos mais estreitos e valorização do cuidado com os pequenos. È também nesse
período que se consolida a ideia de ser, a família e não a sociedade, quem tem a
função de atender e educar as crianças.
No século XVIII a luz, como a que iluminou Jean-Jacques Rousseau, o
pensador suíço que nas palavras de Márcio Ferrari3 via o jovem como um ser
integral, e não uma pessoa incompleta, sendo a infância na plenitude de seus sentidos
e intuiu na infância várias fases de desenvolvimento, sobretudo cognitivo.
Com o passar do tempo, o reconhecimento da infância ganha relevância. Na
modernidade, com a redução das taxas de mortalidade infantil, por conta dos
progressos científicos, e as mudanças econômicas e sociais se consolidam as
mudanças de sensibilidade verificadas a partir do renascimento que tendem a diferir a
integração no mundo adulto, cada vez para mais tarde, e a marcar, com fronteiras
bem definidas, o tempo da infância, progressivamente ligado ao conceito de
aprendizagem e de escolarização. (Pinto, 1997).
Nessa perspectiva, a concepção de infância pode ser traduzida na palavra que
socialmente a designa: infância que deriva do latim e se refere à idade na qual não se
é capaz de falar, ou mesmo de falar bem. O termo base da palavra é fante, que
significa homem de poucas qualidades, servidor, soldado raso e ignorante como uma
criança.
3
HTTP://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/rousseau
11
A modernidade trouxe à tona uma concepção de criança inspirada na
diferenciação frente ao ser adulto, a fez pautada numa visão linear de
desenvolvimento e de aprendizagem que, ao colocar o adulto/produto/trabalhador no
foco de seu ideário, deixou de ver a vida em sua inteireza e reservou à infância o
lugar da minoridade (Souza, Kramer, 2009, p.272).
12
2
A CRIANÇA BRASILEIRA NOS SÉCULOS XIX – XX e XXI
13
Nesse sentido, a trajetória de construção da nação brasileira e na perspectiva
da necessidade de educação e moralização das crianças como futuros cidadãos, a
criança pobre, abandonada, “desvalida” ganha destaque nas preocupações dos
legisladores. Dessa preocupação decorre a promulgação de leis, decretos e
pareceres que vão caracterizar a trajetória do atendimento e proteção à criança no
Brasil.
Historicamente até o início da República pouco se fez em relação à criança,
tanto nos aspectos jurídicos como em alternativas de atendimento. E foi somente
no início do século XX que as mudanças no cenário social e político deram
impulso ao reconhecimento pelo Estado da necessidade e do valor do atendimento
à criança.
A partir daí, entretanto, emerge uma preocupação com a criança pobre que
passa a ser objeto de atenção de médicos, higienistas, juristas e legisladores. Tais
preocupações resultaram em ações. As críticas aos resultados dessas foram
construindo um novo lugar para a criança.
Com o passar dos anos e o comprovado fracassado de tais propostas, vai se
configurando uma nova preocupação com a criança que, aliada à aprovação de
importantes documentos internacionais relativos à criança no pós-guerra, resultam
em profundas mudanças que vão se solidificando e, delineando em meados e fins
do século XX, novas formas concebê-la, fazendo-a emergir no contexto social
como cidadã, sujeito de direitos.
Contudo no decorrer do século XX, em decorrência das mudanças político-
sociais no mundo, em 1924 é decretada a 1ª Declaração dos Direitos da criança e,
posteriormente, em 1959. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança, desencadeando uma série de ações, convenções, decretos, acordos e
tratados que desembocam numa nova concepção de criança e na proteção de seus
direitos fundamentais conforme consta no trecho destacado.
A Declaração reconhece que a criança deve ser protegida independentemente de
qualquer consideração de raça, nacionalidade ou crença, deve ser auxiliada,
respeitando-se a integridade da família e deve ser colocada em condições de se
desenvolver de maneira normal, quer material, quer moral, quer espiritualmente.
Nos termos da Declaração, a criança deve ser alimentada, tratada, auxiliada e
reeducada; o órfão e o abandonado devem ser recolhidos. Em tempos de infortúnio,
a criança deve ser a primeira a receber socorros. A criança deve ser colocada em
condições de, no momento oportuno, ganhar a sua vida, deve ser protegida contra
14
qualquer exploração e deve ser educada no sentimento de que as suas melhores
qualidades devem ser postas ao serviço do próximo.4
4
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/orgaos-onu-estudos-ca-dc.html#IA
acesso em 25 de julho de 2015.
5
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/onu-proteccao-dh/orgaos-onu-estudos-ca-dc.html#IA
acesso em 25 de julho de 2015 .
6
A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança –
Carta Magna para as crianças de todo o mundo – em 20 de novembro de 1989, e, no ano seguinte,
o documento foi oficializado como lei internacional. A Convenção sobre os Direitos da Criança é
o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal. Foi ratificado por 193 países.
Somente dois países não ratificaram a Convenção: os Estados Unidos e a Somália – que
sinalizaram sua intenção de ratificar a Convenção ao assinar formalmente o documento. Acesso
em 25 de julho de 2015 às 23:36.
15
ressaltando que, nesse texto interessa-nos esse momento, passaremos a pontuar
importantes legislações que foram elaboradas voltadas para o atendimento a
criança, enfatizando o discurso nelas empregado que delineiam os modos de vê-
las e compreendê-las na conjuntura social.
As propostas políticas para o atendimento à criança brasileira de 0 a 6 nos
anos 1900 resultam da inspiração e importação dos modelos europeus, trazidas
para o país ainda no século XIX. O atendimento as crianças estavam diretamente
relacionado às condições econômicas, onde creches são mulheres trabalhadoras
abrigar seus os filhos, para crianças desamparadas, órfãs ou abandonadas e por
outro lado, os Jardins de Infância, para crianças das classes abastadas.
Uma dessas propostas foi a teoria da privação cultural discutida pela
pesquisa de Kramer (1992). A autora enfatiza os princípios norteadores dessa
concepção de infância que supõe existir um padrão médio, único e abstrato de
comportamento infantil implícito nos discursos oficiais.
16
Nessa perspectiva, atende a demanda para que o Estado ocupe papel de liderança
nas ações destinadas à infância.
Na década de 20, dando origem a ação tutelar do estado, é criado o Juizado
de Menores, instância reguladora da infância e é, regulamentada a primeira lei
brasileira voltada a regular o tratamento que deveria ser dispensado, pelos vários
segmentos da sociedade, às crianças e adolescentes: o Código de Menores.
O Código que autorizava o governo a organizar um ‘serviço de assistência
e proteção à infância carente’; em 1926, recebeu uma redação mais ampla e, em
1927, pelo Decreto Executivo nº 17.943-A estava pronto e sancionado o primeiro
Código de Menores (MORELLI, 1996, p.84).
O texto do ressalta a criança pobre como carente que necessitava de
assistência e proteção. A especificidade do texto denota uma concepção recorrente
na sociedade da época de que as famílias pobres não estavam aptas para educar
seus filhos.
Analisando o documento, é possível resgatar esse passado, dar voz aos
documentos históricos, iluminando as lembranças, sejam elas explicitas ou não.
Ao ler os documentos perceberemos que os adultos envolvidos na elaboração do
Código (legisladores, políticos, educadores e médicos) tinham um modelo ideal de
criança, um estereótipo da criança saudável, obediente, sem vícios. Este “modelo
ideal” não fora considerava o contexto histórico e social de sociedade brasileira
historicamente pobre e vincada tanto pela mestiçagem quanto pela mobilidade
social.
O documento se baseia na doutrina de “situação irregular” e os “menores”
“abandonados” e “delinquentes” são identificados como “criança infratora”, ou
seja, que perturbava a ordem nacional e necessitava ser recuperada e educada.
Um detalhe, o texto do Código delimita idades para definir a concepção de
infância, assim, ao tratar da criança com menos de dois anos, o texto é assim
escrito: Infantes com menos de 02 anos de idade. A palavra Infante, na sua raiz
etimológica, refere-se à sem voz, que não fala.
A criança, naquele momento histórico, não era concebida como sujeito de
direito, sendo compreendida apenas como individuo que precisava ser regulado
pela lei.
17
O primeiro Código atravessa a Era Vargas (1930-1945) que tendo como
ponto de partida a preocupação com o desenvolvimento da Nação e o atendimento
a infância cria, em 1941, o Serviço de Assistência ao Menor (SAM).
Ano de 1964 mudanças profundas são empreendidas no país. Militares
depõe o presidente e assumem o poder. É também nesse período que se instaura
um novo momento na história da infância, onde o “menor” passa a condição de
objeto da segurança nacional dando origem a FUNABEM (Fundação Nacional de
Bem Estar do Menor). Na ótica dessa nova proposta as crianças e adolescentes
que antes eram chamados “menores moralmente abandonados” passam agora a ser
denominados “menores carenciados” e os delinquentes de menores em conduta
anti-social.
A partir de uma ótica de risco de marginalidade, um grupo de crianças
pobres foi afastado de suas famílias sob o discurso de proteção da possibilidade de
marginalização.
Com o Regime Militar (1964-1985), houve alterações no modelo
econômico brasileiro: do modelo de substituição das importações em um país
industrial capitalista, o Brasil ingressa num sistema de internacionalização de
mercado interno e os sucessivos governos se voltam cada vez mais para a
educação escolar das classes populares; visto que era preciso qualificar a força de
trabalho para aumentar a produção. Porém, em meio à evidência do fracasso
escolar pelos altos índices de repetência e evasão da escola, as políticas
educacionais voltaram-se para o investimento na educação pré-escolar.
18
atendimento às crianças na faixa etária de 0 a 6 anos. O poder Público como uma das
instâncias deve assegurar a efetivação desses direitos, dentre eles o acesso à
educação de qualidade, em creches e pré-escolas.
Descontextualizada dos aspectos sócio-políticos que criam as relações entre as
reais condições de aprendizagem e desenvolvimento do sujeito, a criança passa a
ser tratada como um vir-a-ser. Ela deve transformar-se no cidadão forte do futuro
da nação. Nesta visão, não havia espaço para se pensar a criança no aqui-agora, ela
não era algo ainda, era somente um protótipo do cidadão de uma nação empenhada
na construção do ideário desenvolvimentista. (SOUZA, 2007, p.23).
19
de a qual classe social pertencesse, por um determinado período foi, negado uma
série de direitos.
Esse movimento culmina na introdução do artigo número 227 na
Constituição de 1988, onde se propõe a elaboração de uma nova legislação para a
infância, assumindo a criança e o adolescente como cidadãos de direito no país,
deixando para trás o termo “menor”.
Capítulo VII – Da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso
Artigo 227
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e
ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
20
a manutenção e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes
esferas que conduzam a:
[...] VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do produto interno bruto.
2.1
Entrando em uma creche
21
havia visitado este tipo de instituição. Então foi assim, com o coração cheio de
ansiedades e um monte de pré-conceitos (no sentido de conhecimento prévio, e
não pejorativo), que entrei e mergulhei no mundo da creche. Foi uma visita breve
(apenas algumas horas), mas que marcou profundamente pelo que vi, vivi e ouvi.
O objetivo da observação era perceber as crianças e suas manifestações,
compreendê-las como alteridade7, ou seja, aquela que altera, surpreende,
desinstala as convicções dos adultos.
Nesta perspectiva, conforme apresentou Guimarães8, busquei valorizar o
diálogo e a expressividade infantil em sua singularidade e especificidade, pois
tanto a fala, como os movimentos, a brincadeira, a construção, a modelagem são
formas de interlocução da criança com o mundo no qual está mergulhada, nas
quais ela constrói sentidos próprios para a realidade.
A criança tem seu próprio modo de interpretar e vivenciar as coisas e o
mundo, ela rompe com o estabelecido, cria o novo, resignifica construindo algo
que tenha sentido para ela e que no momento em que está acontecendo atende as
suas necessidades ou expectativas. Não há preocupação com o futuro ou com o
que pode vir a ser, ela vive o tempo presente em sua plenitude, faz de uma caixa
de papel uma aeronave para viajar no mundo da imaginação, ou um esconderijo,
um campo de imaginação e exposição de seus pensamentos e sentimentos.
Por outro lado, as crianças não se incomodam com o que fazem os adultos e,
mesmo dividindo o ambiente, criam seu mundo. Contudo precisam da sua
intervenção quando algo lhes foge ao controle, numa disputa por um brinquedo,
por exemplo.
Às 06h55min da manhã quando cheguei ao portão, já havia algumas mães
aguardando a entrada. Quando o portão foi aberto, as crianças entram e formam
uma fila. Depois de alguns minutos, enquanto os que choram estão sendo
acalmados, os demais são levados para sala. No primeiro momento, acompanho a
turma Agrupada 039. Eles entram e sentam no chão da sala, que não tem nada
forrado. A professora pede para que sentem com “bumbum” na parede. Esta frase
será repetida algumas vezes durante o pouco tempo em que fico na sala.
7
GUIMARÃES, 2011, p. 50.
8
GUIMARÃES, 2011, p. 54.
9
ver tabela na página 26.
22
Minha visita aconteceu num dia atípico. Eles estão na Semana Literária
(projeto passado pela Secretaria de Educação). Então para cumprir o programa,
em homenagem ao poeta Vinícius de Moraes haverá uma apresentação das
crianças sobre o Livro “Arca de Noé”.
Foi assim, um dia corrido, com fantasias sendo preparadas e as crianças
sendo arrumadas. Na Agrupada 03 a professora não havia terminado as fantasias
da apresentação, algumas professoras e outros funcionários se mobilizam para
ajudá-la. Enquanto isso, num canto da sala, as crianças são direcionadas a se
sentarem no chão e num ato automático a auxiliar pede as agendas. As crianças
aguardam a professora chamar até a mesa para pintar com o lápis de cor
(oferecido por ela) para pintar o Gatinho (uma máscara preparada pela
professora).
Poucos minutos depois, entra a professora com a turma da Agrupada 210.
Eles também são colocados no chão.
As professoras (Bianca e Bruna)11 conversam sobre a maneira mais rápida e
prática de terminar o proposto e que tinha que ser apresentado naquela manhã.
Sobre a conversa entre as professoras, não farei uma transcrição literal, pois
não registrei e nem gravei, mas trarei um relato do que vi e ouvi.
Enquanto chamava as crianças para sentarem a mesa e pintar a máscara,
Bianca (professora da agrupada 02) se vira para Bruna (professora da agrupada
03) e com um tom de critica, questiona o motivo que levou Bruna a optar que as
crianças pintasse máscara com a cara dos bichos queria utilizada no momento da
apresentação da música. Bruna trouxe as mascaras que as crianças iam usar na
apresentação, quase prontas faltando apenas pintar. Ao ser interpelada por Bianca,
Bruna responde com receio, já que o tem de voz era de crítica. Bruna explica que
achava importante ter alguma participação das crianças no trabalho. Bianca
retruca e com satisfação, conta que fez tudo sozinha e na sala (nada em casa), mas
sem participação das crianças. Observo a postura das professoras, Bianca e Bruna,
e concluo naquela atividade, estava sendo priorizado o resultado, a apresentação
para grupo, a tarefa comprida.
Sobre o trabalho pedagógico na Educação Infantil, Guimarães propõe:
10
ver tabela na página 26.
11
Os nomes dados as professoras e alunos neste trabalho são fictícios.
23
No âmbito do trabalho pedagógico nas creches e escolas de
Educação Infantil, com as crianças pequenas, está em jogo o
desenvolvimento da capacidade de “fazer junto”, sentir-se autor
e, ao mesmo tempo, parte de um grupo, participar, criar,
valorizar a própria palavra e expressão, trocar ideias. A
experiência com a cultura é um caminho nesta direção.
(GUIMARÃES, 2010, p.7)
24
A professora sugere que as Crianças cantem “Bom dia amiginhos”. Eles
começam a cantiga, mas não se empolgam. Enquanto esse grupo aguarda no chão,
no outro lado da sala na mesa, Alexia é convidada pela professora Bianca a pintar
a máscara, mas a menina não está animada para pintar. Então é repreendida pela
professora.
A seguir as crianças são levadas para o refeitório. Lá as turmas se
encontram, mas não se misturam. Cada classe senta num local determinado.
Em tudo o que foi visto, é perceptível que a criança está cercada por
modelos pré-determinados, rotinas rígidas e, sempre seguindo a programação do
adulto. Não havendo nenhum momento para se acomodarem, serem acolhidas
naquele início de dia.
Em seguida todas são levadas para o pátio onde haverá a apresentação do
projeto da Semana Literária acontece (vide foto na folha 06). Novamente, fica
evidente a não a participação das crianças na criação e elaboração dos trabalhos.
Não houve preocupação de uma significação real para criança, apenas repetições.
Concluo, com uma reflexão de que temos muito a aprender sobre e com as
crianças, pois neste mundo adultocêntrico é difícil ser criança, ser ouvida, tratada com
agente produtora de cultura, sujeito ativo. Como é difícil descontruir os conceitos já
enraizados, e permitir que a Criança seja sujeito, deixe de ser vagão em trilhos já traçados
e passa a ser o maquinista do trem” (Leite Filho).
Proponho que sejam princípios norteadores do trabalho cotidiano a
construção da autonomia, autoestima e autoconfiança das crianças que se
constituem a partir do reconhecimento das ideias, interesses, medos, alegrias, do
afeto, da expressão, do brincar, do movimento corporal, da fantasia.
Considerar as necessidades da criança é proporcionar meios para que estas
descubram, interajam, constituam suas identidades. Vivam suas infâncias dentro e
fora dos espaços de educação infantil.
E foi assim, minha primeira experiência, meu primeiro encontro numa
creche. Houve encontro, me senti tocada por eles, saí transformada. Quanto à
observação, acho que fui mais observada do que observadora.
25
Tabela
26
Considerações Finais
27
crianças, sem considerar a realidade social, econômica, cultural, emocional e
particular de cada uma.
Assim, considerando que a pesquisa é um convite, proponho neste trabalho
ampliação e aprofundamento dos estudos e conhecimento sobre o tema proposto e
a fim contribuir para que a criança seja vista e tratada com as suas especificidades
e singularidades, já sendo um sujeito ativo criador , e não apenas com
possibilidades, uma folha em branco, homem do amanhã, o cidadão do futuro ou
projeto de vida, de futuro, de sociedade e de mundo., um vir a ser.
Desse modo, não o finalizo, já que propôs desenvolver reflexões a cerca de
alguns sentimentos e conceitos que ainda hoje estão em construção. Ratifico
minha posição inicial de que o período da Infância deve ser pleno de sentido em si
mesmo, e não como preparação para a vida adulta ou para um incerto futuro, um
vir a se.
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Referências Bibliográficas
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