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Crescer na Europa

Horizontes actuais dos Estudos


sobre a Infância e a Juventude

A infância na Europa: novo campo de pesquisa social

Jens Qvortrup

Introdução: o “boom” das pesquisas sobre a infância

Falar de novas pesquisas sobre a infância ou até mesmo de “booms” tornou-se


um lugar-comum. Este interesse extraordinariamente crescente pode ser facilmente
descrito. Há apenas alguns anos, Ambert (1986) demonstrou quão surpreendentemente
pouco se haviam escrito sobre a infância, quer pela Sociologia clássica/tradicional, quer
pelos sociólogos norte-americanos.
Raramente se encontravam crianças nas páginas de revistas especializadas ou em
revistas sobre a família ou Sociologia Educacional. Onde seria de esperar que estas
tivessem lugar reservado apenas muito raramente se lhes atribuía lugar de destaque. Não
existiam cursos universitários de Sociologia da Infância e os sociólogos que se
ocupavam deste campo não possuíam qualquer plataforma de organização a fim de
promoverem esse interesse comum.
Agora, pelo menos, vislumbram-se algumas mudanças. Há projectos ambiciosos
a nível internacional, começam agora também a aparecer alguns livros sobre Sociologia
da Infância, um número razoável de artigos foram já editados em revistas e livros e até
têm sido publicadas algumas revistas da especialidade. Também a nível da organização
se pode dar conta de novas actividades. Com um atraso de quase um século, em
comparação a psicólogos, psiquiatras, pedagogos, etc., os sociólogos da infância
reuniram-se pela primeira vez em 1990, no Congresso Mundial de Sociologia. Aquando
do Congresso de 1994 tivemos alguma dificuldade em conseguir tempo para que todos
aqueles que se propuseram pudessem falar. Criaram-se organizações de âmbito nacional
no Reino Unido, na Ex-República Federal Alemã, na França, nos países nórdicos e nos
Estados Unidos da América, onde num curto espaço de tempo se associaram mais de
450 pessoas.
Também noutras disciplinas da Sociologia a atenção recaiu novamente sobre a
infância. Em 1973, Charlotte Hardman escreveu um artigo que dava pelo título Será
possível uma Antropologia da criança? Em 1990, Sarah James pôs a questão Haverá
“lugar” na Geografia para as crianças? (ver também Matthews, 1992). Jonathan
Benthall (1992a) falou sobre A etnografia das crianças como “criadores tardios”.
Conseguiram-se progressos semelhantes em áreas como o Direito, e especialmente em
Filosofia e Ciência Política. A História, pelo contrário, vem de há muito conseguindo
avanços extraordinários. A Economia é de todas as disciplinas a que demonstra menos
interesse, mas pressinto que isso irá mudar brevemente. Então, o “boom” chegou, mas

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será o tema recente? E qual será a razão de tal “boom”? A origem do próprio termo
“Sociologia da Infância” remonta aos anos 30, mas na segunda metade do século
contam-se pelos dedos os livros que transportam esta noção nos títulos. Além disso, é
de duvidar que seriam aceites como tal pela maioria dos actuais sociólogos da infância.
De qualquer modo, grande parte destes livros define “socialização” como “tema
principal de uma Sociologia da Infância” (ver como exemplo Fúrstenau até 1973),
perspectiva à qual a maioria dos sociólogos de hoje se oporia.
Contudo, o interesse pelas crianças é já anterior à Segunda Guerra Mundial. É
interessante notar, por exemplo, que enquanto a edição de 1968 da Enciclopédia
Internacional de Sociologia não tinha nada a dizer sobre a vida social das crianças
(existem somente referências à Psicologia e à Psiquiatria), a edição de 1930 incluía 58
páginas sobre a “criança”, divididas em 12 partes. No entanto, o conteúdo essencial
relacionava-se mais claramente com questões de política social no sentido lato, do que
com a busca do conhecimento à luz da posição que as crianças ocupam na sociedade.
O mesmo se aplica a vários outros livros que surgiram no começo do século, primeiro, e
em especial, nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas também quanto à célebre obra
de Ellen Key The Century ofthe Child, surgida precisamente em 1900.
Muito do interesse que orienta os pesquisadores contemporâneos pouco difere
deste primeiro. Tenciono abordá-lo sob a forma de resposta à questão a que se deve o
recente “boom”, digamos, a partir dos meados de 80, deste novo interesse. Não será,
porventura, fácil responder a esta questão. Referiram-se os “curiosos desenvolvimentos
de divisões de trabalho em disciplinas escolares” (Furstenberg 1985), a falta de prestígio
associada à questão e consequente falta de gratificações na vida académica (Ambert
1986; Wachsler 1986), a publicação de alguns trabalhos embrionários, em particular o
livro de Philippe Aries (1962) acerca da história da infância, e talvez também a recolha
feita por Lloyd deMause (1974) de artigos sobre a mesma questão. Nenhuma das razões
sugeridas é suficientemente convincente, antes “admitem que algo necessita ser
provado”.
Ambert (1986) faz alusão à única resposta que, quanto a mim, faz sentido,
quando, ao parafrasear Merton, escreve que "os sociólogos apenas se voltarão de modo
sério para o estudo sistemático da interacção entre [infância] e sociedade quando [a
infância] for totalmente vista como um problema social ou como fonte prolífica de
problemas sociais" ou, segundo Adorno (1973), "que a divisão académica de projectos
de trabalho sobre o mundo apenas reflecte o que sucedeu no mundo" (ibid. 10).
Esta resposta ao porquê do “boom” apoia-se no facto de a nova orientação da
pesquisa sobre a infância ter surgido mais ou menos em simultâneo (se primeiro,
independentemente) num determinado número de sociedades industrializadas que, num
mundo globalizado, exibem em grande parte o mesmo género de características sociais.
Mas que problemas coloca a infância à sociedade ou a algumas secções da sociedade?
Que desajuste existe entre a sociedade infantil e a adulta?

Paradoxos entre os níveis individuais e estruturais

Enfrentamos alguns paradoxos no que diz respeito à relação entre sociedade infantil e
adulta. O desconforto da nossa cultura acerca e a ambiguidade em relação à infância
podem ser enunciados de maneira útil sob a forma de nove paradoxos:

1. Os adultos querem e gostam de crianças, mas têm-nas cada vez menos, enquanto a
sociedade lhes proporciona menos tempo e espaço.

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2. Os adultos acreditam que é benéfico quer para as crianças, quer para os pais
passarem tempo juntos, mas vivem cada vez mais vidas separadas.
3. Os adultos gostam da espontaneidade das crianças, mas estas vêem as suas vidas ser
cada vez mais organizadas.
4. Os adultos afirmam que as crianças deveriam estar em primeiro lugar, mas cada vez
mais são tomadas decisões a nível económico e político sem que as mesmas sejam
levadas em conta.
5. A maior parte dos adultos acredita que é melhor para as crianças que os pais
assumam sobre elas maior responsabilidade, mas, do ponto de vista estrutural, as
condições que estes têm para assumir este papel deterioram-se sistematicamente.
6. Os adultos concordam que se deve proporcionar o melhor início de vida possível às
crianças, mas estas pertencem a um dos grupos menos privilegiados da sociedade.
7. Os adultos concordam que se deve ensinar às crianças o significado de liberdade e
democracia, mas a sociedade limita-se a oferecer preparação em termos de controlo,
disciplina e administração.
8. Os adultos atribuem geralmente às escolas um papel importante na sociedade, mas
não se reconhece como válida a contribuição das crianças na produção de
conhecimentos.
9. Em termos materiais, a infância não importa aos próprios pais, mas antes à
sociedade. Contudo, a sociedade deixa os custos por conta dos pais e das crianças.

A lista de paradoxos – e podendo, ainda, ser aumentada – é longa o suficiente para


sugerir a enorme ambivalência das atitudes sociais dos adultos perante a infância no que
diz respeito à relação entre o que queremos para as nossas crianças e as condições em
que algumas vivem. O que ressalta destes paradoxos e desta ambivalência é o problema
clássico em Sociologia do dualismo, é o problema da relação entre um macrocosmos e
um microcosmos, entre a história e a biografia, entre o nível da estrutura social e o nível
da família.
Não existem provas convincentes que sugiram que os indivíduos adultos ou os
casais em geral sejam hostis em relação às crianças. Pelo contrário, regista-se um desejo
profundo de ter filhos pelo facto de haver mais mulheres a serem mães (se bem que
menos crianças) do que há um século atrás.
Este desejo é registado também pelos media, pelos esforços desesperados por
parte de casais sem filhos para conseguirem uma criança a todo o custo, recorrendo até a
métodos artificiais. Se, portanto, os paradoxos se apresentam como diagnóstico
plausível da ambivalência da sociedade moderna em relação à infância, então, podemos
falar igualmente de um “menosprezo estrutural” e de uma “indiferença estrutural” em
relação à mesma (Kaufmann 1990). A sugestão de que a infância recebe pouca atenção
por parte da cultura, da economia e da política é confirmada de modo semelhante
quando a realidade da infância é confrontada com a nossa retórica em público, como
quando dizemos que “a criança deve vir em primeiro lugar” ou que devemos “agir no
interesse da criança”. Os nossos desejos e intenções de pôr em prática tais frases estão
bem patentes nos esforços de assistentes sociais e políticos para intervir em benefício de
crianças consideradas perigosas ou em perigo (Ennew 1994). O aparente aumento do
número de crianças alvo de maus-tratos e de exemplos de violência entre crianças deu
origem a não menos do que um protesto público. A suposta desagregação dos valores da
família – expressa, por exemplo, no aumento dramático da taxa de divórcios nas últimas
décadas, ou na incompatibilidade entre o tempo que os pais passam a trabalhar e o seu
desejo de cuidar dos filhos – é pertinente e tema de muitos debates. A atenção da
opinião pública dirigida a uma amostra demasiado extensa de casos difíceis que

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envolvem crianças reflecte uma aparente impotência por parte da sociedade dos adultos
frente ao que se parece com uma mão invisível ou, para ser mais preciso, frente às
consequências indesejadas que advieram de factores estruturais que foram accionados
pela mesma sociedade de adultos com o propósito de conseguir outros fins bem
diferentes. Isto acarreta, necessariamente, a obtenção de resultados semelhantes àquilo
que os economistas denominam “deseconomias”, e pretende sugerir que a infância foi
apanhada no meio da interacção entre forças e interesses mais poderosos do que aqueles
que promovem as necessidades e os interesses das próprias crianças.
O “boom”, contudo, deu origem, em primeiro lugar, a uma quantidade
impressionante de pesquisas, em particular, pesquisas relacionadas com a política
social. A distinção clássica entre pesquisa pura e aplicada não constitui uma síntese
mental muito feliz, pois pode querer fazer crer que a pesquisa pura é mais ou menos
inútil por, de algum modo, não poder ser aplicada. A pesquisa aplicada é, contudo,
geralmente mais concreta, aproximando-se mais do nível da política, a qual tem
também, aliás, os seus inconvenientes, uma vez que o tempo é, habitualmente, pouco
para se conseguir uma certa profundidade analítica. Se os apuros que as crianças têm
que enfrentar apenas representarem a ponta do icebergue dos problemas que lhes
surgem, então os pesquisadores devem realizar urgentemente pesquisas aprofundadas
que contribuam para melhor compreender os progressos sociais subjacentes, seja em
termos de pesquisas teóricas ou empíricas. A tarefa que se nos apresenta é, então, dar
resposta, entre outras coisas, aos paradoxos acima descritos e, desse modo, desfazer o
regime de ambivalência que a sociedade dos adultos reserva à infância. Se, como alguns
políticos nos dirão, for verdade que o nosso conhecimento é suficiente e que agora é
altura de agir, devem perdoar-nos a criação de um décimo paradoxo, nomeadamente:
por que razão continuam ainda tantas crianças a ter problemas em sociedades
prósperas e que alegadamente dispõem do maior número de sempre de dados sobre
elas?
Os paradoxos, ambiguidades, questões e problemas que dizem respeito à
infância e à sociedade dão, claramente, origem a teorias e métodos diferentes de estudo
sobre as condições de vida das crianças. No entanto, estas diferenças teóricas e
metodológicas têm algo em comum. Grande parte do que se pensa em termos
sociológicos acerca da infância é estrutural e não individual, relacional, antes de mais
no que diz respeito a uma perspectiva que engloba diversas gerações e que parece
interessar-se mais pelas condições típicas, normais e comuns para a maioria das
crianças, ou seja, a atenção não recai somente sobre crianças em situações
particularmente difíceis.

Estudar a infância pelos seus próprios méritos

Qualquer que seja o tema específico de preocupação e interesse, vale a pena relembrar
que o objecto central da pesquisa é e deve ser a criança ou a infância. É surpreendente
verificar quantos pesquisadores se expressaram quase literalmente do mesmo modo
sobre esta questão. Hardman (op. cit.), por exemplo, escreveu que a sua abordagem
encara as crianças como pessoas que merecem ser estudadas pelo que são e não só por
serem receptáculos do ensinamento dos adultos. A minha busca consiste em descobrir
se a infância possui um mundo auto-regulador e autónomo, o qual não reflecte
necessariamente um desenvolvimento precoce de uma cultura de adultos (ibid.87).

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Esta citação contém a frase-chave, usada por muitos outros, segundo a qual as crianças
merecem “ser estudadas por mérito próprio” e, além disso, que as pesquisas devem
aceitar a infância como “mundo auto-regulador e autónomo”.
O que significa estudar as crianças por seu próprio mérito, ver a sociedade
segundo a perspectiva da criança ou adoptar o seu ponto de vista, em grande parte do
mesmo modo que se defendeu para os estudos das mulheres ou para as pesquisas sobre
género (Alanen 1992, 1994)? Em primeiro lugar, não se refere a lugares-comuns sobre
adultos que tentam ver o mundo como se fossem eles mesmos crianças. Seria
decepcionante pela simples razão que os adultos não são crianças e, por isso, não têm
capacidade para o fazer, exactamente assim como os homens não conseguem perceber o
mundo das mulheres como se fossem mulheres. Mas, do mesmo modo que não é
impossível (a meu ver) que os homens levem a cabo estudos sobre mulheres ou
pesquisas sobre género, também não é impossível (na minha opinião) que os adultos
realizem pesquisas sobre as crianças. Em qualquer dos casos, quanto a este último não
parece existir qualquer outra alternativa viável.
“Adoptar o ponto de vista das crianças” significa que os pesquisadores
descrevem, explicam e interpretam aspectos do universo das crianças recorrendo a
mecanismos de pesquisa que desenvolveram exactamente com essa finalidade. Em
termos da descrição das condições de vida das crianças, a exigência consiste em que as
mesmas sejam utilizadas como unidades de observação e como mediadoras de
informação. Por exemplo, em termos quantitativos, usar-se crianças como unidades de
observação não constitui, em princípio, um problema, o problema reside no facto deste
método não ter sido usado vezes suficientes, ou seja, ainda possuímos muito pouca
informação sobre a criança em termos de estatísticas oficiais e outros mecanismos de
contabilidade pública. Neste aspecto, a falta de prioridade atribuída às crianças torna-se
clara quando os responsáveis pelas estatísticas nos dizem que a produção de informação
sobre as crianças não é um problema de carácter técnico mas meramente um problema
de carácter económico. Por outras palavras, pode fazer-se, mas há coisas mais
importantes. Em termos de análise feita através de inquéritos ou observação activa pode
ser mais difícil e julgo necessitarmos de mais alguma experiência para desenvolver
instrumentos de pesquisa que satisfaçam a exigência de melhor se compreender como
usar as crianças como informadores sobre as suas próprias vidas.
As verdadeiras dificuldades começam com a interpretação dos dados
recolhidos. A questão da objectividade e da validade é, no que diz respeito à pesquisa
sobre a infância, mais pertinente do que em qualquer outro campo da Sociologia, já que
as crianças pertencem ao único grupo etário que não realiza pesquisas. Têm, pois, que
deixar a interpretação das suas vidas para outro grupo etário cujos interesses não estão,
potencialmente, em consonância com os seus próprios interesses. Este problema da
Sociologia do Conhecimento tem permanecido assim quase totalmente por explorar.
Para potenciais aliados das crianças quanto à produção de conhecimentos sobre as suas
condições de vida
ficou por resolver a contradição epistemológica fundamentada entre uma Sociologia do ponto de vista das
crianças e o facto de os seus produtores terem necessariamente um modo diferente de conhecer, viver,
experimentar e agir no mundo (Alanen 1994,41).

Estudar a infância por seu próprio mérito também significa não misturá-la com outras
questões ou agentes como, por exemplo, a família. A familiarização da infância não é
somente uma concepção ideológica acerca do lugar que as crianças devem ocupar, mas
também um modo metodológico de despojar as crianças do seu direito a serem notadas.
Tal facto estará provavelmente mais claro nas estatísticas, que geralmente utilizam

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indirectamente a família em nome de todos os seus membros. De facto, são os seus
membros adultos que “são levados em conta” e são contabilizados. Segundo Oldman
(1991), a familiarização das estatísticas pode querer sugerir que as crianças estão
escondidas sob outras categorias familiares. As crianças só aparecem representadas em
estatísticas oficiais quando o Estado o requer, fenómeno esse que é denominado
“capitalização”. O problema da visibilidade da criança, como ser humano e pessoa por
mérito próprio, é, contudo, igualmente avaliado por quase todas as Sociologias da
Família, que parecem atribuir aos pais papel de suma importância, enquanto que as
crianças são tratadas conceptualmente, tal como acontece com as estatísticas, como
seres dependentes que, embora inestimáveis do ponto de vista emocional (Zelizer 1985),
são ávidos consumidores do tempo, dinheiro e orçamentos dos pais. Ninguém pode
negar que a família foi e continua a ser um dos principais centros de acção das crianças.
Mas a questão de todos os membros da família, ou seja, mães, pais e filhos, partilharem
ou não as mesmas condições e interesses permanece sem resposta, resposta essa, então,
virtualmente inexplorada (o mesmo não acontecendo com as relações de género). Além
do mais, já sabemos que as crianças da sociedade moderna passam grande parte do
tempo fora de casa e, por isso, o próprio uso que fazem do seu tempo deveria ser
reconhecido por seu próprio mérito em vez de ser reduzido a mais um elemento da
organização de tempo dos pais.
Os processos de individualização subjacentes a estes progressos não são
fenómenos reservados somente aos adultos. As crianças, enquanto agindo fora de casa,
representam-se mais a si mesmas do que as suas famílias. Vivemos num mundo em
permanente mudança, no qual a distância entre gerações tem vindo a diminuir do ponto
de vista cultural, tendo talvez aumentado em termos de consciência. Mesmo que
quisessem, os pais já não podem estar com ou controlar os seus filhos na maior parte do
tempo. Nem em termos físicos, de tempo ou espaço, nem em termos simbólicos, uma
vez que eles próprios irão, eventualmente, perder o controlo sobre artefactos culturais
modernos e experiências (tais como computadores, material didáctico ou códigos
comportamentais de grupo e relacionamentos). De qualquer modo, não deveria ser
preciso lembrar que a cooperação entre a Sociologia da Família e a Sociologia da
Infância é realmente necessária. Os sociólogos que estudam a família podem, a meu ver,
prestar um grande serviço aos seus membros mais jovens se, para começar, encararem
as crianças como seres independentes, pelo menos do ponto de vista analítico. Do ponto
de vista terminológico, a noção de “família” é usada demasiadas vezes como se fosse
sinónimo de pais, como acontece em frases do género “cabe à família a tarefa de educar
as suas crianças”, ou “a família deve ter uma visão da educação das crianças”. Ao
investigar as relações entre as diferentes gerações existentes no interior da família, a
Sociologia da Infância precisará, pelo menos, do apoio dos ditos sociólogos da família.

Infância e geração

Quando Hardman (op. cit.) escreve que a infância deve ser aceite como mundo auto-
regulador e autónomo, o qual não reflecte necessariamente um desenvolvimento
precoce de uma cultura de adultos, está muito provavelmente a tentar alertar-nos para o
tipo de pesquisa “convencional” que se centra na infância numa perspectiva voltada
para o futuro (quer dizer, em termos de socialização) e a recomendar-nos que
exploremos a infância em si própria e para si própria. Não restam quaisquer dúvidas de
que a socialização é encarada pela maioria dos sociólogos da infância contemporâneos
como um conceito algo dúbio. A atitude algo negativa da socialização está no que

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poderíamos apelidar de tendência escatológica da pesquisa tradicional sobre crianças,
ou seja, a natureza de antecipação inerente à socialização. Em termos de
desenvolvimento individual, a socialização olha, por definição, em frente, afastando-
se da infância. Reflecte realmente a ideia da infância como o desenvolvimento precoce
de uma cultura de adultos. Este cepticismo em relação à socialização é, a meu ver,
requisito essencial para o estudo da infância por seu próprio mérito. A “socialização” é
um conceito de desenvolvimento “não histórico, individualista e teológico” (Thorne
1985, 696). Perante uma Sociologia que reclama que a sua raison d'être reside num
compromisso com a perspectiva que as crianças têm, a socialização interessa apenas por
dois motivos: se for entendida como processo interactivo mútuo no qual não só as
crianças mas também os adultos sofrem mudanças (Blum 1990, 38ff, Ambert 1992), ou
se for entendida, a um outro nível (metanível), como parte de mecanismos que os
adultos possuem para a formação das vidas das crianças. Neste último caso, o conceito
de socialização é igualmente distinto do que é preconizado pela Sociologia da Educação
tradicional, ou seja, um conceito que se concentra em mudanças individuais.
A fim de evitar mal-entendidos, seria importante acrescentar que o desconforto à
volta de conceitos como socialização ou desenvolvimento pessoal não significa que os
estudos contemporâneos sobre a infância não se devam relacionar com a maturidade.
Pelo contrário, os estudos sócio-científicos sobre a infância devem, necessariamente,
relacionar-se com outras formas sociais. É impossível avaliar-se qualquer grupo ou
forma social sem os comparar a outros grupos ou formas, e, no que diz respeito às
crianças, há uma lógica elementar para que se proceda a comparações ao longo do
âmbito das diversas gerações. Um relatório apresentado num seminário sobre a
etnografia das crianças no começo dos anos 90, em Inglaterra, com o título as crianças
como actores conclui que
é notável que ao fim dos dois dias, o grupo de trinta pessoas tenha chegado a uma opinião unânime:
apenas se poderá seguir com rigor teórico a etnografia das crianças se se tratar como matéria central de
um projecto mais abrangente que se ocupa das relações entre as crianças e os adultos, numa determinada
sociedade, e das discrepâncias, muitas vezes significando inversões entre a percepção que crianças e
adultos têm do seu mundo. Parece plausível que, daqui a aproximadamente uma década, muitos
antropólogos pensem que será analiticamente útil dar atenção às distinções entre infância e idade adulta,
em contextos sociais específicos (Benthall 1992b, 23).

Seria igualmente importante sublinhar que os “grupos não etários” podem funcionar
como grupos de referência em relação às crianças. Pesquisas sociológicas recentes
revelam que as crianças ou a infância são, em termos de conceitos, frequentemente
descritas como “marginalizadas”, “excluídas”, “invisíveis”, “silenciadas”, “caladas” ou
“categorias de minorias”.
Outros dos grupos que têm sido retratados de modo semelhante são aqueles que
partilham características baseadas em incapacidade, etnicidade, género, nacionalidade
ou raça. O modo como comparações a tais grupos são válidas depende da
conceptualização da infância como categoria social no contexto apresentado. Contudo, a
meu ver, não me parece que "a grande diferença entre crianças e outros grupos
susceptíveis de intimidação seja que o estatuto das crianças como “minoria”
geralmente termina" (Benthall 1992a, 1). A perspectiva escatológica ou antecipatória
sobre as crianças, que caracteriza as opiniões sobre o desenvolvimento ou socialização
das mesmas, esconde-se sob uma afirmação desse género. É tão verdadeiro como vulgar
dizer-se que as crianças geralmente alcançam a idade adulta. Mas, enquanto a criança
desaparece, neste sentido, da infância, a infância em si mesma não desaparece, mas
permanece como forma social (Qvortrup 1990). Esta é uma das distinções mais
relevantes a serem feitas em Sociologia da Infância:

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Pode dizer-se que as crianças constituem uma área conceptual, um segmento deste stock [de crenças,
valores, interacção social]. As crianças movimentar-se-ão deste segmento para outro, mas outras tomarão
o seu lugar. O segmento permanece. O segmento poderá sobrepor-se a outros, poderá ser reflexo de
outros, mas existe uma ordem básica de crenças, valores e ideias de grupo que os excluirá de qualquer
outro grupo (Hardman, op. cit, 87).

Uma vez que Hardman escreve de um ponto de vista antropológico, poderíamos, como
sociólogos, acrescentar que esta declaração se aplica a outras áreas que não as crenças,
valores e ideias. Em termos gerais, a infância constitui realmente um segmento da
sociedade. Este é um ponto crucial no que diz respeito à diferença entre uma concepção
da infância em termos de desenvolvimento e em termos sócio-estruturais. Tem,
basicamente, a ver com a questão da dinâmica do conceito de infância. Enquanto que
em Psicologia a dinâmica reside no desenvolvimento do indivíduo e nas suas (dele/dela)
disposições individuais, em Sociologia a dinâmica está relacionada com o
desenvolvimento social. Eis o que faz com o estudo da, mobilidade entre gerações seja
tão questionável: seria mais pertinente pensar-se em “mobilidade colectiva” (Ferge
1974). O trabalho de Ferge dizia respeito ao estatuto relativo que a classe trabalhadora
tem para a classe capitalista (ou que as classes menos favorecidas têm para as mais
favorecidas). O que significava, para cada uma das classes, a mudança de posições
relativas ao longo do tempo? Na sua opinião, uma mobilidade ascendente da classe
trabalhadora, por exemplo, ocorreria no caso de haver, ao longo de um certo período de
tempo, uma atenuação da discrepância entre rendimentos ou uma equiparação dos níveis
educacionais. Tal poderia acontecer apesar da ocorrência de um número de movimentos
na direcção contrária levados a cabo por simples indivíduos. No que concerne à
infância, podemos propor igualmente estudos sobre a dinâmica histórica da mesma. De
que modo a infância, como colectividade, altera o estatuto das crianças e das suas
condições de vida ao longo do tempo, quando comparando com outros grupos e
segmentos da sociedade? Ou do ponto de vista cultural, de que modo se pode comparar
a infância de um país com a de outro? Poderão simples inventários de indicadores
esclarecer se a infância se aproximou de outros grupos sociais (por exemplo, em termos
de factores de ordem económica ou social) ou se permanece distante (por exemplo, em
termos de factores de ordem cultural, cf. Aries 1962, Benedict 1938)?
Por último mas não menos importante, a perspectiva entre gerações é relevante
para uma comparação entre infância e juventude, já que ambas são consideradas
“grupos etários”, ainda que o factor “idade” como tal tenha uma importância secundária
em relação aos factores sociais, que, então, se relacionam com a idade.
Existem, sem dúvida, muitas sobreposições entre a infância e a juventude
enquanto categorias sociais e a questão é que factores legais ou culturais definem as
fronteiras entre estes grupos etários (e até que ponto possuem poder definitivo). Em
termos práticos, podemos definir o final do ensino obrigatório como linha divisória
entre a infância e a juventude, uma vez que daqui para a frente os jovens adquirem o
direito de tomar decisões acerca das suas vidas e hábitos. Esta é definição que utilizo na
minha própria pesquisa.

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História e biografia

A fim de dar resposta a algumas questões acerca da dinâmica histórica precisamos não
só de indicadores sobre o estatuto da infância, mas também de um conhecimento
profundo sobre a sua história passada e presente. Felizmente, a pesquisa contemporânea
sobre a infância tem sido abençoada por uma quantidade impressionante de estudos
históricos. Não foram só Aries e deMause, Donzelot (1979), Meyer (1983), Platt (1977),
Zelizer (1985), Hendrick (1990), Sommerville (1982), Cunningham (1991), para
mencionar alguns, a publicar estudos históricos sobre a infância. Surge assim, pelo
menos em princípio, uma boa oportunidade para pensar na infância em termos da sua
dinâmica histórica. A esta bibliografia podemos acrescentar material vindo de países do
dito Terceiro Mundo (van de Loo e Reinhart, 1993, Ennew e Milne 1989, Caldwell
1982, Rodgers e Standing 1989).
Uma certa relutância em incluir a socialização e a pesquisa sobre o
desenvolvimento em áreas relevantes para os estudos sociológicos sobre a infância não
significa que se deva negligenciar, por assim dizer, os mais novos. Como Wright Mills
(1961, 6) faz notar, a biografia e a história deveriam encontrar-se antes mesmo do
término da caminhada intelectual. No que diz respeito à pesquisa contemporânea sobre
a infância, a perspectiva que engloba diferentes gerações também inclui pesquisa deste
género, como, por exemplo, no caso de estudos regionais europeus sobre a infância
histórica e contemporânea, a vida das crianças e relacionamento entre pais e filhos
(Behnken, du Bois-Reymond e Zinnecker 1989; du Bois-Reymond, du Bois-Reymond,
Buchner e Kriiger 1994 e ainda neste volume). Este género de trabalho liga padrões de
mudança ao longo do tempo a processos de modernização à luz da tradição de Elias
(1939/1978), e dedica especial atenção à distinção entre perspectivas biográficas de
desenvolvimento e sociais sobre a infância, as quais são “oferecidas pela Sociologia da
cultura e pela Sociologia da civilização: as vidas das crianças e a transição da infância
para a adolescência têm supostamente uma lógica social própria que, no entanto, deve
ser vista em estrita relação com a vida adulta” (du Bois-Reymond, Buchner e Kruger
1993, 88). Os estudos mais conhecidos neste género são, claro, a pesquisa longitudinal
de Elder (1974; Elder, Modell e Parke 1993), que começou por seguir um grupo de
crianças americanas desde a sua pré-adolescência, durante a Grande Depressão,
atravessando a sua idade adulta, e que identificou os efeitos da exclusão social
verificada no início das suas vidas nos seus relacionamentos, carreiras, estilos de vida e
personalidade. Preuss-Lausitz et. al. (1983) apresentaram uma série de estudos
obedecendo a moldes de concepção semelhantes na observação de gerações sucessivas
de crianças alemãs cujo desenvolvimento se deu nos anos imediatos ao pós-guerra, ao
“renascimento económico” nos anos 60 e aos anos subsequentes à “crise de petróleo da
OPEC” (Organization of Petroleum-Exporting Countries; OPEP - Organização de
Países Exportadores de Petróleo). Enquanto estudos como estes são, de algum modo,
antecipados, o seu fundamento lógico não se baseia na análise dos indivíduos no sentido
estrito do termo. As questões essenciais que se colocam, e que devem interessar à
Sociologia da Infância, são de que modo as gerações ou grupos de crianças são
influenciados por acontecimentos macro-históricos como depressões, guerras e outras
transformações sociais em grande escala. O recente estudo da UNICEF (1993 e 1994)
sobre as consequências que as transformações operadas na Europa de Leste tiveram
sobre as crianças fornece respostas importantes a nível sócio-económico, "como, por
exemplo, se os índices de pobreza aumentaram dramaticamente em todos estes países e
se com maior incidência, mais do que em qualquer outro grupo etário, entre as
crianças," (ver UNICEF 1994).

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Do ponto de vista da política a aplicar, as descobertas dos estudos histórico-
sociais dificilmente podem ser transferidas para a esfera social ou política, mas
proporcionam uma visão da relação micro-macro. Além disso, são importantes pois
contribuem para um melhor entendimento das – num sentido Durkheimiano – “formas
elementares” da vida das crianças, ou seja, quais as continuidades e descontinuidades do
desenvolvimento histórico da infância. Por um lado, há inúmeras coisas que podem ser
alteradas completamente, por outro, por vezes, somente as formas se modificam. Que a
História social possui um considerável valor heurístico para qualquer que seja a
pesquisa sócio-científica contemporânea, disso podemos ter a certeza.

Generalização e especificação

Em princípio, deveríamos conseguir descrever e entender melhor a infância actual do


que a passada. Isto parece acarretar algumas dificuldades. Parece ser muito mais difícil
chegar a acordo sobre o que é, hoje, a infância do que o que costumava ser. Posto de
outra maneira: tendemos mais a generalizar sobre a infância no passado (ou, de facto, no
futuro) do que sobre a infância actual. A razão da nossa relutância em generalizar as
condições presentes é, provavelmente, o facto de estarmos muito mais próximos da
infância actual do que das histórica e futura. Uma vez que somos mais ou menos
obrigados a generalizar sobre o passado e o futuro e estamos, também, obrigados a
aproveitarmo-nos meramente dos seus principais contornos e estrutura, hesitamos em
generalizar acerca de qualquer fenómeno actual e, por isso, também sobre a infância. O
mundo contemporâneo é visto como sendo complexo, multifacetado e em constante
mudança, de tal modo que os pesquisadores se opõem a falar da infância no singular,
tendo por base que as crianças levam vidas muito diferentes, em princípio, tão
diferentes quanto o são as crianças.
Uma vez mais, esta verdade tem tanto de vulgar como de importante. A
sociedade moderna tornou-se muito complexa. Mas quererá isto significar que as
diferenças entre as crianças se sobrepõem ao que estas têm em comum? Se for este o
caso, as perspectivas da nossa pesquisa parecem sombrias. Permitam-me que dê um
exemplo. Não sei por que razão, mas somos muitas vezes encorajados, quando nos
pedem que falemos ou escrevamos sobre a infância, a não esquecer a perspectiva que
trata do género. Talvez porque nos deparamos, no sentido mencionado, com dois tipos
de infância. A razão pela qual geralmente recuso prosseguir com este assunto é que,
quando lhe é atribuída prioridade máxima, se torna contraproducente no que concerne
ao que considero objectivo principal do estudo sobre a infância como tal. Pensar, logo
de início, em termos de crianças no feminino e em crianças no masculino seria só por si
uma especificação do que é comum à infância per se, sem esclarecer o que isso
significa. Funcionando como especificação, o género não é nem mais nem menos
relevante do que, por exemplo, classe social, urbanização, etnicidade ou qualquer outro
factor do género.
Na minha opinião, seria extremamente importante evitar a tentação de sacrificar
a vulgaridade da infância ou as experiências comuns das crianças, num determinado
contexto ou sociedade, em prol de certas perspectivas que estabelecem diferenças de
suma importância entre a população infantil. Se nos interessa encontrar as diferenças
entre raparigas e rapazes, então trata-se de uma questão de género. Esta perspectiva é
relevante, mas se o objecto central de estudo é a relação com outras gerações, o género
deve ficar em segundo plano, ou seja, como modo de especificação da natureza mais
generalista da infância. O facto da infância merecer toda a nossa atenção por seu próprio

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mérito raramente sugere que raparigas e rapazes – enquanto crianças – tenham bastante
coisas em comum, o que ao mesmo tempo os diferencia de outros segmentos de
gerações da sociedade. Se mais ou menos, não se pode avaliar facilmente, o que
também não importa assim tanto. Do mesmo modo, o psiquiatra americano Robert
Coles disse um dia que “de certo modo, as crianças brancas e as crianças negras têm
mais coisas em comum, entre si, do que com os seus pais” (Coles 1967, 322). Deste
modo, não se estava a negar a importância das relações entre as raças, mas antes a
afirmar que até este importante factor deve, do ponto de vista metodológico, vir em
segundo plano no que diz respeito a uma perspectiva entre gerações, se e depois de se
ter decidido que a infância constitui o centro da análise. Por outras palavras, qualquer
que seja a especificação sobre as condições das crianças é importante e necessária, mas
deve ser feita tendo em vista o que as crianças têm em comum enquanto segmento de
gerações da sociedade.
Contudo, o ponto principal é que não tornemos esta questão num “ou isto ou
aquilo” metodológico. Pelo contrário, deveríamos capitalizar estas perspectivas
diferentes para a nossa pesquisa. Cada criança é única, qualquer grupo de crianças, que
pode ser constituído por rapazes e raparigas, vive, de certo modo, em circunstâncias
especiais próprias a esse mesmo grupo, dependendo de antecedentes sócio-económicos,
condições ambientais, atitudes parentais, etc. Ao mesmo tempo, cada grupo ou geração
de crianças de determinada sociedade tem algo em comum que nos permite que façamos
afirmações acerca da infância numa determinada sociedade.
Do meu ponto de vista, a pesquisa sobre a infância deve, tal como qualquer
pesquisa, ter como objectivo principal a generalização, quer através da indução, quer
através da dedução. É indiferente se a generalização é conseguida através de métodos
qualitativos, quantitativos, empíricos ou teóricos. O que importa, em primeiro lugar, é
aceitar que os movimentos são permitidos do geral para o específico e vice versa.
Depois, importa lembrar que se visam as generalizações com o objectivo de conseguir
uma visão da universalidade das condições que a infância enfrenta. Por fim, interessa
explorar o nosso próprio conhecimento geral com o objectivo de o poder aplicar no
contexto concreto em que vive cada criança.
Assim à primeira vista, a actual Sociologia da Infância mais parece oferecer
estudos concretos e empíricos, a partir dos quais se pode generalizar indutivamente, do
que possuir uma base teórica bem desenvolvida a partir da qual de podem empreender
pesquisas dedutivas e análises. Mas na verdade, não é bem assim. Os estudos histórico-
sociais, culturais e antropológicos fornecem-nos uma impressionante quantidade de
recursos altamente generalistas. Aries (op. cit.) descreve claramente “processos de
integração” históricos “e padrões de segregação”. Por outro lado, deMause (op. cit.)
adopta uma perspectiva mais optimista sobre as consequências que as mudanças
históricas têm sobre as crianças, mas também ele propõe “padrões de práticas de
assistência à infância na forma de uma tipologia cronológica”. Qualquer que seja a
posição que, pessoalmente, mais nos agradar - a mim, por exemplo, não é a deMause – e
independentemente das falhas a nível metodológico que os seus trabalhos possam ter, o
que escrevem permanece interessante porque produz “história fértil do ponto de vista
heurístico”. Talvez consiga ilustrar melhor o que estou a tentar provar utilizando uma
citação na qual o termo “religião” é substituído pelo termo “infância”:

Se de facto é útil saber em que consiste uma dada [infância], mais importante será saber o que é, no geral,
a infância... Já que todas as [infâncias] se podem comparar umas às outras e já que todas são espécies da
mesma classe, existem necessariamente muitos elementos comuns a todas. Não tencionamos falar
simplesmente do que é exterior e das características visuais partilhadas por todas e que tornam possível
atribuir-lhes uma definição provisória a partir do mesmo princípio partilhado pelos nossos pesquisadores.

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A descoberta destes sinais aparentes é relativamente fácil, uma vez que a observação requerida não
contempla mais do que a superfície das coisas. Mas estas semelhanças exteriores pressupõem outras mais
profundas (verDurkheim 1961, 16-17).

Concordaria com Durkheim. De facto, deveríamos procurar estas impressionantes


semelhanças. Ao mesmo tempo, escusado será dizer que tal introspecção, assim
profunda, poder-se-á obter apenas se dispusermos de uma diversidade de estudos sobre
as infâncias em determinadas circunstâncias.

Conclusões

Este trabalho escolheu abordar, essencialmente, o desenvolvimento e características do


estudo sócio-científico sobre a infância de um ponto de vista metodológico. Nem a
abordagem tomada, nem as conclusões atingidas, nem a especificação da direcção a
tomar, conseguirão total acordo entre aqueles envolvidos activamente neste campo. Mas
acontece que tal consenso não é sequer necessário para que se possa prosseguir.
É certo, penso que a maioria dos pesquisadores em acção no campo em questão
estão de acordo em, pelo menos, três requisitos: primeiro, que a atenção deve estar
centrada nas crianças ou na infância; segundo, que esta atenção deve exibir
características que não se prendam ao desenvolvimento, no sentido em que se privilegie
a caracterização de alguma espécie de colectividade de crianças, seja a um nível social
específico ou geral; terceiro, tal pesquisa deve relacionar-se, directa ou indirectamente,
com algum grupo de referência, seja numa dimensão referente a gerações diferentes ou
qualquer outra categoria comparativa.
Falando de um modo geral, as teorias que caracterizam a infância inter alia em
termos de grupo minoritário, marginalização, paternalismo (Qvortrup 1994),
institucionalização ou Verhãuslichung (Zinnecker 1990a) são promissoras e férteis
desde que possam ser concebidas organicamente em termos de teorias mais gerais
acerca da modernização social. Tal facto iria, portanto, sublinhar igualmente uma última
questão, nomeadamente, o facto, quanto a mim, de as crianças ou a infância não
deverem ser vistas como sendo algo estranho à sociedade, como algo misterioso, como
se fossem espécies ontologicamente diferentes. As crianças são seres humanos e não
meros seres em potência. Não podem ser vistas como “pessoas que serão” e que devem
ser integradas na sociedade. Se a infância é, então, parte integrante da sociedade,
deveria ser, do mesmo modo elementar que é qualquer outro fenómeno social, tema,
legítimo e desejável, de inquéritos científico-sociais.

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