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A PSICANÁLISE E A INSTITUIÇÃO

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SUMÁRIO

NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2

Introdução ................................................................................................ 3

O lugar da psicanálise nas instituições de saúde pública .................... 4


A psicanálise aplicada e a psicanálise pura ....................................... 14
Psicanálise Aplicada à Terapêutica e as Psicoterapias – Os Efeitos
Terapêuticos Rápidos ................................................................................... 18
A transferência nas instituições .......................................................... 21
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 27

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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Introdução

O trabalho do analista em uma instituição se dá pela possibilidade que


esse tem de sustentar o discurso analítico, também, fora do setting analítico, sem
tentar instituir a psicanálise como outro saber, ou um saber a mais ou um saber
sobre os demais. Pois, quem institui um saber e ou uma forma de poder é o
discurso do mestre. O discurso do mestre é o discurso da instituição e seu
avesso é o discurso do analista, sua emergência não institui e nem comanda um
trabalho institucional, entretanto, causa transferência.

A psicanálise é uma práxis, como nos colocou Lacan, realizada por um


psicanalista. Uma práxis que é sustentada pela formação de um psicanalista.
Nesta perspectiva, me parece importante apontar para o caráter subversivo da
ação do analista naquilo que é o instituído pela instituição. O trabalho, portanto,
vai em direção à subversão do sujeito e a dialética do desejo.

A instituição Psicanálise tem dimensões questionáveis. Produzir ou


encontrar o novo, o instituinte, exige dos psicanalistas que escutem o que se
repete. A Psicanálise institui o mesmo como forma de garantir a legitimidade
psicanalítica de suas cenas. No entanto, de acordo com Guirado (2007, p.264),
“[...] os psicanalistas e os psicólogos resistem a pensar o consultório como
instituição, ou como uma das práticas da psicanálise mais fortemente instituída
[...]”.

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A instituição Psicanálise, relacionada ao fazer psicanalítico, foi inventada
por Freud. Seus sucessores deram continuidade à obra. Na cenografia do
atendimento psicanalítico, existem dimensões que garantem a legitimidade do
fazer uma clínica psicanalítica. Entretanto, uma instituição, como a Psicanálise,
precisa reinventar-se a cada instante na dialética do instituído e do instituinte, do
legitimado e do novo.

Em suma, o mundo contemporâneo apresenta problemáticas especiais, o


que nos exige rigorosas revisões conceituais e técnicas da Psicanálise. A
clientela de hoje em dia, por sua vez, quer um psicanalista com outras formas de
escuta. Às vezes, busca somente alívio para o mal-estar do existir, na qual a
Psicanálise é uma forma especial de psicoterapia.

O lugar da psicanálise nas instituições de saúde pública

O lugar da psicanálise nas instituições de saúde pública sempre foi


assunto controverso. Podemos levantar uma primeira questão, referente à
possibilidade ou não de instauração do tratamento psicanalítico em instituições,
neste caso, as instituições de saúde pública. Podemos ainda problematizar a
relação da psicanálise com o que esta prática entende por saúde. E por fim,
questionar a cisão correspondente ao âmbito em que se inscreve a psicanálise,
ou seja, o privado e o público.

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Alguns críticos da psicanálise argumentarão sobre a impossibilidade de
instaurar o tratamento inventado por Freud no âmbito público. Por um lado, a
psicanálise encontra nas instituições de saúde pública um primeiro obstáculo: a
avaliação do caso. A avaliação do caso corresponde há alguns critérios
institucionais: os efeitos e benefícios do tratamento, o prognóstico em relação à
cura e o tempo despendido nesta tarefa. Em outras palavras, esses três critérios
podem ser resumidos pelo que se denomina de relação custo/benefício do
tratamento nas instituições de saúde. Por conseguinte, o suposto dispêndio de
tempo do tratamento psicanalítico reduziria o seu campo de atuação, haja vista
o aparecimento de outros tratamentos supostamente mais rápidos, focais e
objetivos. Neste caso, podemos nomear a psiquiatria e as psicoterapias de
orientação cognitiva e comportamental como outros tratamentos alternativos a
proposta da psicanálise.

Do lado da psiquiatria, temos como método de tratamento a medicação.


Na psiquiatria, a queixa muitas vezes é tratada como sintoma; este último é um
substituto que vem no lugar de outra coisa, assim como na psicanálise. Ou seja,
o sintoma é um reflexo do organismo que assinala um problema interno a ele
mesmo ou com o meio ao qual se relaciona. Para a psiquiatria esses sintomas,
na grande maioria das vezes, são consequências de um distúrbio neuroquímico.
Essa é uma vertente de uma determinada escola norte-americana de psiquiatria
clínica: a neuropsiquiatria dos gânglios de base. No entanto, existem outras
escolas de psiquiatrias. Pelo menos no Brasil, existem ainda muitos psiquiatras
que optam por um tratamento dinâmico, ou seja, uma aliança entre o tratamento
psicofarmacológico (psicotrópicos) e um tratamento psicoterápico. Sem dúvida
as drogas produzem efeitos no aparelho psíquico e no organismo. Quando bem
aplicadas podem aliviar os sintomas, principalmente em relação aos fenômenos
psicóticos (alucinações, delírios, automatismo mental e etc.). Por outro lado,
podem produzir para além dos efeitos positivos, efeitos colaterais que renovam
a demanda do sujeito. Nessa outra demanda medicamentosa o sujeito toma os
efeitos da medicação como novos sintomas. Deste modo, é comum observar no
tratamento psiquiátrico o manejo de mais de um medicamento no tratamento.

A lógica que está por trás desta iatrogênese consiste no fato de que o
primeiro medicamento produz efeitos positivos em relação à primeira queixa,

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mas, em contrapartida, este medicamento também produz efeitos negativos, os
chamados efeitos colaterais. Tendo em vista que esses efeitos colaterais são
vistos como novos sintomas pelo sujeito, e que muitas vezes é difícil continuar o
tratamento com um mesmo psiquiatra – principalmente em pacientes que
utilizam o SUS –, surgem assim novas anomalias, novas prescrições a partir de
novas demandas para anular os efeitos produzidos pela primeira medicação.
Nesse sentido, os tratamentos psiquiátricos se prolongam cada vez mais,
beneficiando, em primeiro lugar, a indústria farmacológica e incentivando o
consumo do que se denomina supostamente de saúde. Essas observações
tratam de uma determinada crítica à medicina efetuada já nos anos setenta pelo
filósofo da ciência Ivan Illich.

É importante esclarecer que não temos a intenção de nulificar os efeitos


benéficos da psiquiatria. Trata-se de colocar a questão sobre o excesso de
medicação que hoje podemos observar nos tratamentos psíquicos e que só
fazem proliferar os sintomas e perpetuar o tratamento psiquiátrico. Na escola da
psiquiatria clínica norte-americana as psicoterapias são consideradas terapias
de apoio ao tratamento principal, neste caso, o tratamento psiquiátrico. Neste
sentido, os psicólogos nas instituições de saúde onde vigoram essa escola de
psiquiatria adquirem um papel secundário no tratamento psíquico. Pode-se
afirmar que o psicólogo está a serviço de uma medicina medicamentosa. A tarefa
do psicólogo muitas vezes é a de secretário do médico auxiliando-o em
conseguir que o paciente se implique no tratamento psicofarmacológico.

Apesar da medicina não ter como objeto a saúde – o objeto da medicina


é a doença – a noção de saúde e bem estar individual muitas vezes é associada
erroneamente à profissão médica. Em outras palavras, ter saúde está associado
a ter um plano de saúde, ou seja, ter a possibilidade de a qualquer momento ser
suscetível de uma avaliação médica. O plano ou a estratégia médica de

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abordagem de seu objeto não é efetuado sobre a saúde do indivíduo, mas sim
sobre a doença que desequilibra o funcionamento neuroquímico cerebral. A
doença é extraída do sujeito, separada do seu ser e, por conseguinte, adquire
vida própria. A doença é associada como um inimigo externo ao indivíduo. Trata-
se então para a psiquiatria de reaver o equilíbrio do organismo aniquilando os
sintomas através de uma estratégia química de abordar o objeto.

Vale lembrar, que é a biologia que tem como objeto a vida e não a
medicina. Como exemplo, basta observar o manual de transtorno das doenças
mentais, o DSM-IV. O plano ou estratégia de conhecimento do objeto no manual
é traçado sobre os distúrbios psíquicos. Trata-se ali de descrever os sintomas,
classificá-los e aplicar uma força química contrária. Se o indivíduo é agitado,
então se prescreve um calmante ou algum elemento químico que neutralize a
produção cerebral excessiva de seu oposto. Trata-se, em outras palavras de
aplicar uma ortopedia química ao cérebro, ou seja, voltar os níveis normais de
uma determinada substância no interior de um sistema.

Do outro lado temos as psicoterapias. A lógica do tratamento das


psicoterapias não é diferente. Consiste em fazer retornar no organismo um
determinado estado de equilíbrio. A queixa para as psicoterapias pode ter origem
em um estado de alteração química. O problema enfrentado tanto pela
psiquiatria dinâmica, quanto pelas psicoterapias está relacionado às origens do
transtorno psíquico. Em outras palavras, quando os psicoterapeutas não refutam
a idéia de distúrbio químico cerebral o problema consiste em descobrir se é a
alteração do comportamento que produz a alteração química no cérebro ou,
então, é a alteração química do cérebro que produz a alteração do
comportamento. A partir dessa questão crucial sobre a origem dos distúrbios
psíquicos é que pode surgir uma determinada aliança entre a psiquiatria e as
psicoterapias. O tratamento paralelo é ainda a melhor possibilidade de solução
quando se trata de fazer o indivíduo se adaptar aos níveis de normalidade
química e comportamental. Por um lado, a psiquiatria trata de uma ortopedia
química cerebral, por outro, as psicoterapias tratam de uma ortopedia
comportamental. Em ambas as situações, quando o profissional não sabe
exatamente o nível químico desejado ou o comportamento adequado, sabe pelo

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menos onde encontrar: nos manuais psicofarmacológico ou nos manuais do
comportamento.

A lógica da psiquiatria bem como das psicoterapias estão de acordo com


uma determinada ética: a ética da avaliação e normatização. Consiste em avaliar
o caso e conceber um diagnóstico e prognóstico que garanta o desaparecimento
de um determinado sintoma através de uma nivelação adequada de um
elemento químico do cérebro ou de um comportamento. Avalia-se para fazer o
indivíduo passar do distúrbio à normalidade. Não se trata de um problema de
técnica, o imbróglio entre psicanálise e as instituições públicas de saúde está
relacionado diretamente a um problema ético que consiste na lógica de
orientação do tratamento. Ou seja, não se trata da possibilidade de cura, mas da
possibilidade de um tratamento.

Façamos a comparação entre o tratamento do câncer e o tratamento das


doenças mentais. Sabe-se que a causa e a cura do câncer não foram ainda
descobertos e que certos tratamentos com radioterapia e coquetéis químicos, a
partir de um método puramente experimental, são eficientes nos casos de
determinados estádios da doença. A classificação do estádio do câncer, de modo
geral, depende de um diagnóstico que envolve o tamanho do tumor, o tipo
histológico e a ausência ou presença de metástases nos linfonodos. No entanto,
mesmo nos casos mais avançados, onde a perspectiva de cura é muito reduzida
e não se pode estabelecer um prognóstico exato, as instituições não deixam de
continuar investindo no tratamento do doente e na possibilidade de uma solução.
O que gostaria de demonstrar com este exemplo é que o que poderia estar em
jogo nas instituições não é exatamente um prognóstico positivo, mais a
possibilidade do tratamento.

Ou seja, as instituições de saúde não inviabilizam o lugar da medicina no


tratamento do câncer pelo fato desta não garantir uma cura. Na verdade, o lugar
da medicina está garantido pela possibilidade do tratamento e a perspectiva de
uma redução de danos e efeitos terapêuticos. Por outro lado, o lugar da medicina
também está associado nestas instituições de saúde pelo simples fato destas se
constituírem como instituições médicas.

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Neste ponto há uma equivalência entre instituição de saúde e instituição
médica. Apesar de parecer banal, ou até mesmo superficial, nos serve para
refutar a justificativa de que a psicanálise não teria lugar por não garantir a cura
e a duração determinada do tratamento. Um estádio avançado de câncer pode
necessariamente não evoluir para o óbito imediato e a questão da duração do
tratamento pode ser imprevisível em muitos casos. Isso não se constitui numa
impossibilidade para que a instituição e o poder público deixem de investir no
tratamento do paciente oncológico.

Outro problema que podemos levantar em relação à inserção da


psicanálise nas instituições de saúde está articulado com a impossibilidade da
psicanálise em definir um conceito próprio de saúde coletiva, haja vista que neste
campo os sintomas podem ser considerados a própria solução que o sujeito
encontra para um determinado conflito. Em primeiro lugar, esta impossibilidade
surge pelo fato de que a saúde para a psicanálise não é um signo ou conceito,
mas um significante qualquer. Assim como na medicina, a psicanálise não tem
como objeto a saúde.

Caponi (2003) ressalta que Canguilhem sustentava desde O Normal e o


Patológico uma tese de que a não há ciência da saúde, tendo em vista que a
saúde não é um conceito científico e sim um conceito vulgar, e que, por
conseguinte, os fisiologistas e biólogos sempre preferiram prescindir de enunciar
um conceito de saúde.

Segundo Freud, o objeto da psicanálise, é o inconsciente, e não se pode


ter acesso a ele senão por suas formações: os sonhos, os chistes, os lapsos e
os sintomas. Esses derivados do inconsciente são chamados de formações do
inconsciente e comprovam a tese sobre a sua existência. A tese que Lacan

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elaborou sobre o inconsciente, a partir de uma subversão da lingüística
estrutural, desloca o objeto da psicanálise para uma lógica do para além do
sentido. Esta tese de que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”
proporciona a Lacan explicar não só a causalidade psíquica e a constituição da
segunda tópica do aparelho freudiano, mas também dar um passo além de Freud
em relação ao objeto da psicanálise.

O sintoma continua sendo uma metáfora, assim como na medicina. A


diferença fundamental é que o sintoma, como metáfora para a psicanálise, está
articulado a estrutura do inconsciente e do próprio sujeito. Em outras palavras, o
sintoma pode ser considerado como uma das identidades do sujeito. O sujeito
se reconhece no seu sintoma que está diretamente relacionado ao seu
narcisismo. O sujeito ama o seu sintoma como se fosse uma parte de si. Desta
forma, para que haja tratamento é necessário que o sujeito abra mão de uma
parcela de seu sintoma em prol da transferência ao analista.

Por mais que o sujeito se queixe de seu sintoma, iremos descobrir que ali
há um ganho secundário. Esse ganho secundário foi denominado por Lacan de
gozo, do qual o sujeito não abre mão e nada quer saber. Portanto, o sintoma é
uma solução encontrada para um conflito interno insuportável para o sujeito. Este
demanda ao médico um substituto menos doloroso, uma solução mais eficiente.
O medicamento ou a droga, apesar dos seus efeitos colaterais, pode cumprir o
papel do substituto do substituto. Nesse sentido, que se pode afirmar que o
sintoma se desloca nos tratamentos efetuados pela psiquiatria. A própria
medicina é um sintoma.

A estrutura da iatrogênese clínica está em conformidade com os


mecanismos de deslocamento dos sintomas. Numa vertente contrária, a
psicanálise trata de desatar o nó significante do sintoma. Mas antes disso é
necessário que o sujeito se implique no tratamento. Implicar significa se
perguntar sobre o sentido do seu sintoma e o ganho secundário que se extrai
dele. Em psicanálise não se remove o sintoma imediatamente. Uma parte do
sintoma é deixada como está para que dali se extraia algo que está relacionado
com a sua formação.

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A relação da psicanálise com os sintomas é o primeiro obstáculo a um
lugar nas instituições de saúde pública. Para os sujeitos e para a instituição, o
restabelecimento da saúde está relacionado à supressão dos sintomas. Como
podemos observar, para a psicanálise, a supressão de um sintoma não significa
a supressão de um conflito psíquico. O sintoma pode ser suprimido rapidamente,
mas com o preço do aparecimento de um substituto. Tratar o sintoma não
significa desatar o nó que constitui a própria estrutura de sua formação.

Deste modo, durante um tratamento psicanalítico o sujeito passa muito


tempo andando de mãos dadas como seu sintoma. Isso não significa que a
psicanálise não produza efeitos terapêuticos secundários. Esses ganhos
secundários trazem benefícios imediatos para a vida do sujeito. Muitas vezes é
comum escutar dos pacientes em análise que apesar de não ter resolvido o
problema inicial que os trouxe até o analista, resolveram muitos outros que não
esperavam.

Esta estratégia de abordagem do sintoma para psicanálise remete ao


problema de sua regulação pelas instituições de saúde. Como explicar para uma
comissão, para uma equipe multidisciplinar em um posto de saúde, que passado
algum tempo de tratamento o paciente continua com o sintoma principal, apesar
dos efeitos terapêuticos secundários? Essa parcela do sintoma que insiste em
repetir, além de servir como motor do tratamento proporciona um tipo de laço
peculiar entre o analista e o paciente denominado transferência. Não iremos
adentrar neste conceito específico, mas gostaríamos de destacar que se trata
aqui daquilo que regula o tratamento. Não são as regras e os protocolos da
instituição de saúde que devem regular a relação entre psicanalista e paciente,
mas a transferência gerada pelo inconsciente.

Desta forma que muitos psicanalistas podem afirmar que não é possível
estabelecer um tratamento puramente psicanalítico nas instituições de saúde.
São as normas da instituição referidas a sessão e os objetivos supostamente
salutares para o indivíduo que devem ser cumpridas. O psicanalista apareceria
como um motor contra a normalização e como um obstáculo aos objetivos
institucionais e coletivos. Teríamos então uma disputa de forças contrárias. De
um lado a instituição tentando regular a prática do psicanalista no seu interior.
Do outro, o psicanalista tentando instaurar um dispositivo da psicanálise,

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deslocando da cena a instituição. Essa relação conflituosa de forças teria por
conseqüência, além de criar um mal- estar institucional, prolongar ainda mais o
tratamento.

A duração do tratamento é outra crítica dirigida à psicanálise, mas que se


tornaria um falso problema se considerarmos os obstáculos encontrados em
relação ao início do tratamento. A duração do tratamento psicanalítico é
indeterminada no que diz respeito à psicanálise pura, a que visa um para além
do sintoma. Vimos até aqui que a psicanálise pode proporcionar ao longo do
tratamento efeitos terapêuticos na vida do sujeito e, mais ainda, reduzir
consideravelmente um sintoma central. Com tudo isso já teria justificativas
suficientes em relação aos benefícios que um psicanalista poderia trazer nas
instituições de saúde pública. É importante esclarecer, que o sintoma central, ou
o sintoma do sujeito não é algo claro no início do tratamento. Este sintoma é
construído em torno de uma falta de saber. Não se trata dos sintomas que o
sujeito apresentou ao psiquiatra e muito menos ao psicoterapeuta. Trata-se de
um sintoma que é singular, irredutível aos manuais, e que não serve para
nenhum outro sujeito. Trata-se de uma solução encontrada para suportar algo
muito mais doloroso.

A psicanálise pura visa um para além desse sintoma. Em outras palavras,


visa uma direção que consiste na extração de um caso único do tipo clínico. Não
se trata de psicanálise pura nas instituições de saúde pública.

Jacques Lacan, no seu Ato de fundação da sua Escola de Psicanálise,


apresentou três seções de funcionamento: 1) Seção de Psicanálise Pura; 2)
Seção de Psicanálise Aplicada; 3) Seção de Recenseamento do Campo
Freudiano. A primeira trata da relação da psicanálise com a sua prática,
supervisão e formação dos analistas. A segunda, a Seção de Psicanálise
Aplicada, trata da doutrina do tratamento e suas variações. É a psicanálise
aplicada à terapêutica que se insere nas instituições de saúde pública. A
inserção da psicanálise no interior de uma instituição nada mais é do que uma
variação da doutrina e do tratamento da psicanálise. A terceira - Seção de
Recenseamento do Campo Freudiano - consisti na teoria sobre a práxis da
psicanálise, a sua história, a articulação com as ciências afins e a sua ética.

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Em relação aos dois primeiros tipos de psicanálise Freud já havia feito
essa distinção em um texto intitulado A questão da análise leiga (1926), no qual
levanta o problema sobre a formação do analista.

Segundo Miller (2001) a psicanálise aplicada, neste caso, aplicada à


terapêutica, está diretamente relacionada com os sintomas. Trata-se de uma
psicanálise que especula o sentido dos sintomas. A decifração dos sintomas, por
si só, já produz efeitos terapêuticos rápidos. É o que podemos verificar na
publicação das conversações clínicas de Barcelona intitulada Efectos
terapêuticos rápidos (2008). Trata-se para Miller de explorar a dimensão da
psicanálise lacaniana aplicada à terapêutica: casos de tratamentos breves,
autênticos e peculiares. Para Lacan, segundo Miller (2008) uma análise tem um
fim, tem um ciclo e não é um tratamento infinito. A psicanálise aplicada consiste
na produção de efeitos terapêuticos em torno de um determinado ciclo de
tratamento, do qual podemos conseguir uma virada de posição do sujeito em
relação ao seu modo de gozo. A psicanálise aplicada à medicina, à psicoterapia,
à terapêutica não descarta o sintoma na sua estrutura fundamental do
inconsciente, mas não tem pretensões de ir além do seu sentido.

Esse é um modo de aplicar a psicanálise nas instituições de saúde


pública, mesmo que uma parcela do sintoma central da vida do paciente não
seja redutível ao sentido. O sentido dos sintomas é o nó significante de sua
formação. Na via da psicanálise aplicada, se visa desatar o nó dos sintomas
enquanto sentido. Em outras palavras, consiste em reduzir o sentido ao não-
sentido do sintoma, ao que Lacan denominou caroço do sintoma, Freud umbigo
dos sonhos, e Miller o osso de uma análise. Essa seria uma maneira de aplicar
a psicanálise nas instituições de saúde pública. A psicanálise aplicada é um
caminho da psicanálise pura e garante uma disjunção inclusiva ao que parece
ser uma disjunção exclusiva entre o público e o privado de sua prática.

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A psicanálise aplicada e a psicanálise pura

Segundo LAIA (2003) desde os tempos pós-guerra há uma interrogação,


sobre os caminhos da psicanálise. O final de guerra convoca a repensar o lugar
da psicanálise, percebendo-se ali, a necessidade de se adaptar a psicanálise às
novas condições sociais. Nota-se o início do movimento de ocupar as instituições
e o tratamento gratuito, o começo de algo que hoje se intitula psicanálise
aplicada à terapêutica. Situação favorável ao acesso de maior parte da
população a psicanálise, mas que ao mesmo tempo aponta para um grande
perigo, de haver uma confusão com práticas que se aproximam, mas que não
podem ser consideradas psicanalíticas.

Com a Primeira Guerra Mundial, a psicanálise havia conquistado um


sucesso além dos consultórios psicanalíticos, graças ao tratamento das
chamadas “neurose de guerra”, conforme Laia (2010).

Nesse momento comentado por Laia (2003) trata-se, portanto, de


adaptar-se às novas condições sem dispensar os conceitos fundamentais, e hoje
a crescente difusão da psicanálise nas diversas instituições, faz com que ela
corra o risco de se diluir no campo das psicoterapias, de se perder na promoção
de tratamentos que visariam restabelecer simplesmente o princípio do prazer, o
equilíbrio.

Se os desafios de Freud, em 1918, eram os da extensão da psicanálise


para um público em geral ao qual até então, ela não chegava, é nosso dever,
hoje, combater sua diluição em um mundo invadido pela concepção de que “falar
faz bem” (LAIA, 2003).

A psicanálise aplicada surge com a presença do analista em instituições,


atuando nos diversos contextos da cidade e que de acordo com Machado (2008)

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mais recente tornou-se uma linha de pesquisa privilegiada ligadas ao campo
freudiano.

Miller (2008) aponta que a psicanálise aplicada é a aplicação da


psicanálise a certos campos, como por exemplo na saúde mental, na saúde
pública, na educação, no contexto social; é, portanto, a mesma disciplina, porém
sem a exigência de que o procedimento seja levado até o fim e se produza um
psicanalista.

Em instituições, sabemos que na realidade, o espaço não permite que a


psicanálise funcione em seu enquadramento habitual, não há somente a
ausência do tradicional divã – signo da própria psicanálise - muitas vezes faltam
até salas para atendimentos.

É, portanto, um trabalho que pode se dar dentro de uma instituição, mas


que segue uma orientação clínica, como ressaltado por Machado (2008). Essa
prática não deve ser considerada inferior a psicanálise pura, mas com algumas
considerações diferentes. A prática analítica nas instituições ao efetivar, a partir
da orientação lacaniana, uma psicanálise aplicada ao grande público, é tão
exigente quanto aquela que se processa no espaço privado dos consultórios
particulares.

O que pode ser encarado como uma mudança do analista crítico - aquele
afastado dos movimentos sociais, numa posição de intelectual crítico - para o
analista cidadão, explicitado por Laurent (1999).

Aplicada à terapêutica é a psicanálise enquanto um ato que trata o


sintoma, que pode produzir efeitos terapêuticos rápidos e que circunscreve a sua
valência terapêutica.

No contexto da educação podemos identificar que para além das


demandas disciplinares remetida aos analistas, é possível que ao atuar nesta
área, ele possa destacar as singularidades presentes nas situações mais

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inusitadas, dando a chance as pessoas de tomarem para si o efeito de suas
próprias palavras. É como estar na escola sem se deixar absorver por ela, tentar
fazer com que o discurso analítico incida sobre o discurso da educação e
possibilite uma outra perspectiva para as demandas apresentadas, de acordo
com Carvalhaes e Dominato (2008).

Assim, seja na educação, na saúde, no contexto social, onde esteja fora


dos consultórios tradicionais, o analista não está para se enquadrar na lógica
organizativa desses lugares, antes pelo contrário para marcar uma diferença,
apostar na diferença, na singularidade, geralmente não tocada, ou valorizada
nestes dispositivos, fazendo operar o sujeito.

A educação e a saúde lidam com universais. Considerando as conhecidas


diretrizes dessas instituições, sabe-se que as ações visam a massa, algo que
vale para todos, sem exceção. Há uma tentativa de uniformizar, de apagar as
diferenças, o que é diferente da proposta do trabalho analítico. A prática
psicanalítica é ímpar porque leva em conta a solução singular de cada sujeito
em face as demandas que lhe são feitas.

A inserção do psicanalista nestes espaços enfatiza o singular, visa ao


sujeito, ao sintoma do sujeito, a aquilo que lhe é mais particular. É considerado,
portanto, um trabalho com uma visada clínica. Atendendo a demanda da
instituição sem responder verdadeiramente a ela, operando uma pequena
torção, partindo do princípio que, o sujeito, se tiver sua singularidade
reconhecida, pode dar para si um outro destino, desvinculando-se do campo do
ideal, fazendo as articulações que lhes são possíveis, conforme Machado
(2008).

Ao psicanalista é importante atentar para o cuidado de não se inserir na


política do “para todos”, ao trabalhar no contexto do serviço público, mas com a
política guiada e sustentada pela psicanálise, uma política do sintoma, como
apresentado por Lambert e Borsói (2008).

Além do exposto acima, outro ponto que toca a discussão da inserção do


psicanalista nesses lugares é questão do tempo, da duração do trabalho
analítico.

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Miller (2008) pontua que para Freud a análise é interminável,

Em uma análise, portanto, há ciclos, é o momento em que o sujeito


eventualmente pensa em sair e depois é enganchado outra vez no trajeto,
eventualmente mais longo. Alguns podem dizer que isso não é análise, que a
análise não começou, tal afirmação é em função da tendência em pensar a
análise como um processo infinito, porém como ressaltado por Miller (2008), para
Lacan uma análise é perfeitamente terminável e isso é possível por poder contar
com algo mais além do Édipo que é o último Lacan.

O processo de análise se realiza em vários ciclos, e que cada um deles,


tendo sido atravessado, encontra seu fim.

Na proposta de aplicação da psicanálise do campo freudiano, nas


experiências relatadas na Conversação de Barcelona, o trabalho do profissional
tende a seguir a lógica dos ciclos, muitas vezes com tempo máximo delimitado
para o acompanhamento, ou acontece naturalmente como nos casos
apresentados, do desenrolar em tempo curto, 3 sessões, 20 sessões, o que não
equivale às práticas comportamentais ou psicoterapias ditas breves, visto que os
conceitos que embasam a prática continuam sendo os princípios da psicanálise.

De acordo com Miller (2008) seja definida como pura ou aplicada, toda
psicanálise visa a terapêutica, em ambos os casos é de psicanálise que se trata
e saberemos se ela terá sido pura ao final, se dela sair um analista. Não é que
vise algo diferente, ambas têm objetivos terapêuticos, mas a pura vai além deles,
ultrapassa a posição de objeto do sujeito, expressa na fantasia e caminha na
direção da construção de um saber singular sobre o real.

Indo além da dimensão puramente sintomática, como aponta Vieira


(2004) coloca em jogo o campo fantasmático, criando vias possíveis para o

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tratamento do mal-estar do sujeito através do bem dizer. O ponto até onde se
chega em uma análise é que dirá a posteriori, se ela terá sido pura ou aplicada.

Ocorre na psicanálise pura (já chamada de análise didática) a produção e


formação do psicanalista, pode ser pensado também como o percurso analítico
que conduz e se conclui no passe, em algumas escolas psicanalíticas.

Após a breve distinção entre forma pura e aplicada da psicanálise, será


delimitado o campo da psicanálise como separado da psicoterapia, pontuando
os efeitos terapêuticos rápidos e sua distinção das formas breves de trabalho do
campo da psicologia.

Psicanálise Aplicada à Terapêutica e as Psicoterapias – Os


Efeitos Terapêuticos Rápidos

Diante do mal-estar o sujeito pode demandar uma terapia, essa busca


muitas vezes é no intuito de se ver aliviado da carga de seu sintoma, um
desarranjo do corpo e/ou pensamento conforme Santana (2011).

As práticas da escuta são numerosas e variadas, são diversas formas de


psicoterapia que se apresentam como eficazes e resolutivas. Nesse ínterim as
terapias cognitivo-comportamentais ganham espaço oferecendo eliminação de
sintomas em um tempo curto, há que se pontuar desde já que isto é diferente

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dos efeitos terapêuticos rápidos oriundos da prática analítica, como pontua Miller
(2008)

As psicoterapias apresentam efeitos terapêuticos rápidos, é o que


encontramos, mas diversas outras situações podem também gerar tais efeitos e
nem por isso respondem do lugar das práticas psi, assim devemos localizar esse
efeito na particularidade do trabalho analítico.

A psicanálise deu origem a várias psicoterapias, chamadas psicoterapias


de inspiração psicanalítica, dentre elas existe a psicoterapia breve de base
analítica que como as práticas comportamentais visa a eliminação do sintoma
de modo rápido.

O eixo central do trabalho das psicoterapias breves é o foco, o terapeuta


exerce um papel mais ativo, com muitos recursos técnicos, geralmente
desempenhando um papel docente, pedagógico, buscando motivar o paciente a
se colocar a serviço das mudanças necessárias para livrar-se do sintoma do qual
se queixa, apresentam assim um enquadre diferenciado. Mesmo as
psicoterapias de base analítica apresentam muitas diferenças do modo de
trabalho da psicanálise lacaniana, tais como, modos diagnósticos diferentes, a
busca de outros campos de saber como por exemplo as teorias da comunicação,
para tentar dar conta da compreensão e mudança do sujeito.

As psicoterapias ganham terreno então, na medida em que anunciam


algumas vantagens, mais rápidas, mais acessíveis, mais baratas, eficazes,
agradáveis. Seu trabalho de modo geral está pautado na realidade da
consciência, e de certo modo oferece um modelo, uma identificação para o
sujeito. Em psicoterapia, portanto, há um Outro que diz ao sujeito o que deve
fazer, um Outro ao qual o sujeito que sofre obedece e do qual espera aprovação,
como apontado por Miller (2008).

Em contrapartida é no plano da realidade psíquica que psicanálise opera,


e ela não se orienta pelo Outro Social, “Ela opera sobre o sujeito que se deixa
tocar pelos efeitos do inconsciente, pela sua irrupção inesperada, pela
desarmonia que isso lhe provoca” (SANTANA, 2011, p.1), é então uma
experiência de discurso que visa levar sujeito a sair daquilo que o faz sofrer, para
alcançar o bem dizer da ética do desejo. Apontando o respeito pela diferença,

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trabalhando com o que há de mais particular no sujeito. Cuida de não alienar,
pensando um sujeito responsável por suas ações.

Na dialética do bem e do mal, na visão da psicanálise, a psicoterapia


busca o bem suposto saber para o sujeito, resolver aquele sintoma do qual ele
se queixa, com as técnicas que lhes são próprias.

A operação analítica é possível estando baseada na recusa do analista


em utilizar o poder da identificação, se recusando a ser mestre, postura diferente
da relatada acerca da psicoterapia, o desejo do analista seria então mais forte
que o desejo de ser mestre, de curar, e isso rapidamente.

A psicanálise não se oferece como cura para os padecimentos do sujeito,


mas conduz a uma confrontação com o desejo do Outro, e daí os efeitos
terapêuticos rápidos vem por acréscimo.

Desde a inserção do psicanalista nas instituições a discussão dos efeitos


terapêuticos vem ganhando terreno, tornando necessário explicitá-lo um pouco
mais.

“A escuta analítica (...) tem efeitos terapêuticos, quando se orienta pela


ideia de que “onde isso sofre, isso não fala”, o que obriga o analista não apenas
a escutar, como também saber destacar do sofrimento relatado, ou mesmo
encenado, algo que se encontra fixado” (MACHADO, 2008, p.45). O analista
reconhece a existência do sofrimento, apontando para um mais além, o ponto de
onde o sujeito extrai gozo de seu sofrimento. Ainda de acordo com Machado
(2008), a satisfação embutida no sintoma fixa o sujeito numa posição em que ele
sofre, mas também goza. O que pode ser pensado como o modo que o sujeito
encontrou para estar no mundo, para lidar com o Outro. Pode ser um problema,
mas também é uma solução, na medida em que se favorece que isso possa ser
colocado em movimento, tornando-se possível fazer laço social, ao invés de
manter o sujeito apartado do social, como consequência de seu sintoma.

O efeito terapêutico pode vir por acréscimo em uma análise ou ainda


inaugurar a própria análise, eles fazem parte de uma análise, na medida em que
reduz o gozo, implicado no sintoma do sujeito, e relança um novo ciclo na direção
do tratamento, mesmo que o analista não desenvolva seu trabalho com o desejo

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de curar. É possível uma mudança na posição subjetiva, uma retificação
subjetiva. E como pontuado por Miller (2008) talvez a missão dos analistas nas
instituições quando não é possível (ou não há a proposta) o trabalho em um
tempo longo, seja levar o sujeito a fechar o primeiro ciclo, que pode ser breve, e
acredita-se tenha efeitos terapêuticos, pois a cada ciclo, demarca- se algo da
posição do sujeito em relação ao objeto a, ou seja, em relação ao desejo e o
gozo.

A transferência nas instituições

No âmbito universitário ou institucional existem algumas possibilidades de


inscrever efeitos de transmissão da psicanálise a partir da práxis do analista,
abordaremos a seguir dois destes efeitos, articulados ao conceito de
transferência em psicanálise.

A transferência é um vínculo que se estabelece entre um paciente e seu


médico, psicólogo, assistente social, ou outro profissional da saúde, enfim está
presente em todas as relações. Conhecer e saber trabalhar com esse elemento
é fundamental para o profissional realizar seu trabalho. Poder identificar que
figura na transferência o profissional está encarnado para seu paciente,
possibilita que o profissional possa realizar seu trabalho, seja seu diagnóstico,
intervenção terapêutica, a contento.

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O conceito psicanalítico de transferência, pode se revelar como um
antídoto contra armadilhas da compaixão e furor-curandis, muito comuns ao
campo da clínica e da saúde. Pois, uma das questões que sempre é colocada
invariavelmente por profissionais desta área é: como é possível prestar
assistência sem reforçar a dependência dos que são assistidos?

Em Intervenção sobre a transferência, Lacan (1951) sublinha as


consequências da presença do analista no tratamento analítico, antes mesmo
de qualquer intervenção por parte deste. Isso porque a abstinência do analista
faz com que o sujeito evidencie o modo como se remete ao Outro, expondo sua
modalidade de gozo ao tomar o analista como objeto, ou em outras palavras,
aquilo que é típico daquele sujeito na sua relação com os outros e com o mundo.
O aparecimento da maneira como o sujeito constitui seus objetos remete-nos à
temática da transferência, sendo que na “relação” entre analista e paciente este
atualiza suas formas de gozar.

Nesta perspectiva, tomemos uma situação clínica: em um ambulatório de


cefaleia, os médicos dirigiam-se a mim com a seguinte colocação: muitos
pacientes com dores crônicas faziam abuso da medicação, melhoravam muito
pouco com os remédios prescritos, além de já terem sido administrados quase
todas as medicações disponíveis no mercado para aqueles casos.

A demanda dos pacientes era por novas drogas, pois as antigas já não
faziam mais efeito, por novas alternativas de tratamento, por novos exames. A
equipe médica não media esforços para atender a essa demanda dos pacientes,
oferecendo novos agentes terapêuticos, novas combinações químicas
proporcionadas pelo arsenal medicamentoso que existe atualmente, direcionado
para o sistema nervoso central.

A demanda é um apelo ao Outro quando se quer alguma coisa, aparece


na forma de pedidos - me dá, cadê. A demanda é própria do sujeito falante, logo
toda fala é uma demanda dirigida ao Outro, diferenciando-a da necessidade, que
possui um objeto específico, por exemplo, se está com fome, o alimento é o
objeto que satisfaz. Já na demanda não existe o objeto exclusivo, é intransitiva,
fica-se exigindo na tentativa de (re)-encontrar o objeto que completa, sendo este
para sempre perdido.

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A demanda dos pacientes por mais e mais medicamentos, portanto, pode
ser entendida na dimensão do gozo, ou seja, na forma de gozar que os sujeitos
estabelecem com o outro e que depositam na figura do médico. Trata- se,
portanto, de uma transferência reivindicatória, que é atualizada na relação
médico paciente. Ele não quer apenas um remédio para aliviar a dor, ele quer
um algo a mais, uma dose a mais, algo mais forte, reivindica esse objeto perdido
em forma de novas e melhores drogas.

Não precisamos ser médicos ou psicanalistas para saber que quando


alguém nos pede algo, isso não é nada idêntico e inclusive, às vezes,
diametralmente oposto àquilo que deseja. Há uma falha substancial entre a
demanda e o desejo. A demanda está ligada ao gozo, a forma de gozar e
reivindicar por mais coisa. O desejo é algo completamente diferente.

Desta forma, a partir da psicanálise, o médico, por exemplo, pode


diferentemente do modo habitual, não exercer sua função respondendo a
demanda. Uma vez que possa, reconhecer e agir sem se angustiar diante dos
avatares que a transferência do paciente suscita na relação médico-paciente.

Neste sentido, é preciso levar em conta também a contratransferência,


que é a transferência do profissional com seu paciente. Ou também chamada
por Lacan de resistência do analista, que impede o avanço do trabalho analítico.
Esta pode estar presente em qualquer relação que se pretenda terapêutica,
dificultando ou mesmo impedindo a finalidade a qual se propôs. Nesta
perspectiva até o clínico mais experiente pode cometer erros de diagnóstico e
consequentemente de tratamento por não poder estar em uma posição de
“morto” como disse Lacan, referindo-se a posição do analista em um jogo de
cartas. O morto no jogo de bridge não joga com suas cartas, estas estão
“mortas”, não entram em jogo.

O analista, terapeuta, psicólogo, médico não deve se positivar sob o risco


de cometer erros, de atribuição, de julgamento, de referencia, ou mesmo
afetivos. Às vezes, gostar muito de um paciente pode provocar no médico
sentimentos que o impeçam de indicar terapêuticas, ou exames invasivos que
irão trazer sofrimento para o paciente. Por outro, o narcisismo exacerbado, por
exemplo, de um profissional que se considera e é considerado um medalhão na

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sua área, faz com que este rejeite, por exemplo, aqueles pacientes que não se
comportam como ele quer. Como ousam!

Nesta perspectiva, a psicanálise pode ser uma grande aliada do


profissional, facilitando o próprio trabalho, uma vez que se tenha analisado suas
relações inconscientes de submissão ao Outro e seu modo de gozar. Quando
não estamos mais cativos daquilo que nos subjuga em relação ao Outro,
encontramos a liberdade de estar por conta própria.

O analista, como propôs Lacan, se situa na dimensão de descer, ou seja,


do não ser, pois enquanto analista ele é um ser em negativo, não deve como
analista se positivar, ou seja, se posicionar em relação à vida do paciente,
conduzir a vida do paciente a partir das suas convicções, preconceitos e conflitos
conscientes e ou inconscientes. Para isso serve a análise do analista, para que
possa dirigir o tratamento psicanalítico e não a vida dos seus pacientes a partir
dos seus paradigmas, preconceitos, determinações inconscientes. A análise de
um analista, geralmente, é levada até as últimas consequências, a ponto de
produzir aquilo que Lacan formalizou como o desejo de analista.

As relações de trabalho dentro de uma instituição passam pelo viés da


transferência, isso é uma prerrogativa para que a produção possa se fazer
presente. Sabe-se desde Freud (1912/1974) que, sem transferência não existe
psicanálise. Fora da situação de análise, o fenômeno da transferência é
constante, presente nas relações, sejam elas profissionais, hierárquicas,
amorosas. A transferência que se estabelece entre membros de uma equipe é
que possibilita envolver o psicanalista no trabalho com outros sujeitos, que
tomará esse viés para fazer avançar o trabalho.

As práticas clínicas em saúde mental sejam estas realizadas nos


ambulatórios, enfermarias psiquiátricas dos hospitais gerais ou mesmo nos
CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), estão inseridas em um discurso.

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A formação discursiva, segundo Focault (1995) compreende regras de
funcionamento dos objetos, das formas enunciativas dos indivíduos, dos
conceitos, temas e teorias. Uma prática discursiva se define por “um conjunto de
regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que
definiriam, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica,
geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa.”
(Foucault, 1995, p.48). Portanto, podemos pensar que qualquer prática
profissional, por mais técnica que possa ser seu exercício, está incluída no
campo do simbólico. O simbólico é uma função complexa que envolve toda a
atividade humana e que faz do homem um animal fundamentalmente regido pela
linguagem.

O campo simbólico foi chamado por Lacan (1969-1970/1992) de campo


do grande Outro, e é o ponto de partida no qual o autor elabora a teoria dos
quatro discursos articulada no seminário O avesso da psicanálise (1969-1970).
Essa teoria versa sobre a organização da linguagem específica das relações do
sujeito com o significante e com o objeto que determina e regula as formas do
laço social.

Os discursos – a saber, discurso do mestre, discurso universitário,


discurso da histérica e discurso do analista – organizam-se a partir da posição
dos elementos destes discursos. Os quatro discursos se diferenciam a partir da

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posição que os elementos ocupam nos quatro lugares marcados, cada um deles
é um lugar de apreensão dos efeitos do significante. Não é do escopo desse
trabalho ingressar diferenciar os efeitos destes, entretanto menciono para poder
articular aquilo que concerne ao dito discurso psicanalítico.

O discurso psicanalítico é o único entre os quatro discursos propostos por


Lacan no seminário do O Avesso da Psicanálise, que se dirigi ao outro como um
sujeito. Dessa forma, trata-se de estabelecermos um laço social que convoque
o sujeito do inconsciente. Nessa direção, a partir de uma intervenção, podemos
produzir artificialmente a histerização do discurso, ou seja, uma estrutura que se
opõe a todo o saber pré-estabelecido.

Desta forma, podemos pensar que a ação do analista em uma instituição


precisa ser conduzida a partir do discurso do analista, não como um saber a mais
entre tantos outros que toma o outro como um objeto do conhecimento. Ingressar
como “mais um” na equipe, exercer uma função de alteridade é como penso que
seja possível trabalhar em uma clínica feita com muitos profissionais.

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