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JAN/FEV 2024 EDIÇÃO 9

Denise
Fraga
Sebastião Salgado
Vânia Assaly
Raquel Arnaud
Grupo Corpo
Le Soleil d’été
Russo Passapusso
Ana Carina Homa
“Me desculpe o tempo pelo
tanto de mundo ignorado
por segundo.”
Wislawa Szymborska

09
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da Velvet Velvet é uma publicação
Carta do Christian

©MARCELLE CERUTTI

Denise Fraga está em silêncio no palco


do Teatro Vivo. Ela fica assim por
vários segundos depois de dizer a frase
emblemática para tempos em que se
fala, comenta e compartilha demais:
“A verdade mora no silêncio entre as
palavras — silêncio, esse bem cada
vez mais precioso”. O texto faz parte da
montagem idealizada para a Vivo, “Tem
Tempo Pra Tudo”.
A atriz havia explicado, momentos
antes, que ouvir alguém é escutar o
que não foi dito. É nesse silêncio que
cabe a compreensão do que ela não
está dizendo. Precisamos da pausa.
Para Denise, e para todos nós, o desafio
de parar um pouco tem estado muito
latente em tempos de hiperconexão.
Carta do Christian
Outros convidados também refletem
sobre pausas. A nutróloga Vânia Assaly
nos lembra que o tempo também tem
dimensões biológicas. Tentar interromper
o envelhecimento do corpo é inútil. O que
importa, então, é reconhecer nossa capacidade
de enriquecer essa jornada.
A contemplação pode ser o modo de viver
o turismo de aventura no Nordeste brasileiro:
quatro estados apresentam praias incríveis
para quem quer entrar no universo do kitesurf.
O “velejar” é o ponto de partida da observação
de paisagens estonteantes. Mas também há
restaurantes e pousadas requintadas para quem
preza pelo conforto mesmo com o pé na areia.
Pausa é a ferramenta de trabalho de
Sebastião Salgado, o maior fotógrafo da
atualidade, com quem tive o prazer de
conversar em uma chamada de vídeo Paris-
São Paulo. Esse encontro transatlântico, aliás,
como bem lembra Denise Fraga, é uma das
vantagens da conexão. Sebastião tem o olhar
que contempla e, ao mesmo tempo, é rápido no
gatilho para fazer os cliques que nos deixam
impressionados nas próximas páginas. É uma
boa metáfora para o uso da tecnologia. Saber
parar, olhar, e usar a velocidade do digital a
seu favor apenas quando é necessário.
Espero que você goste da leitura,

Christian Gebara, CEO da Vivo


Sumário

Edição 9: Pausa

9 17
Arte existe porque a vida Corpo e
não basta Denise Fraga (muita) alma

23
Sebastião Salgado conversa
com Christian Gebara

33 40
Quantos anos você Le Soleil d’été
deseja viver? Elegante e despojado
Sumário

Edição 9: Pausa

47 53
A nova onda Salvador além
dos sorvetes do carnaval

59 62
A playlist de Russo Os ventos do norte
Passapusso trouxeram o kite

70 75
Arnaud, a Voar ou
vida na arte criar raízes
Nesta edição

Velvet é

DENISE FRAGA SEBASTIÃO SALGADO


Especialista em contar como O maior fotógrafo do mundo
ninguém a história de gente revela histórias impressionantes
comum, a atriz fala sobre arte, de sua carreira e nos brinda com
tecnologia e como dar aquele imagens incríveis da exposição
jeitinho para aproveitar mais “Amazônia”, que leva nossa
o tempo sem o celular na mão. floresta para o mundo.
@denisefragaoficial @sebastiaosalgadooficial

RUSSO PASSAPUSSO RAQUEL ARNAUD


Soteropolitano, o vocalista A carreira da galerista
doBaianaSystem elenca caminha junto com a arte
cinco discos importantes contemporânea brasileira. Aqui,
para sua formação ela reflete sobre seus passos e
musical e explica como mostra os artistas que seguem
mudaram sua vida. ao seu lado nessa trajetória.
@russopassapusso @galeriaraquelarnaud
Nesta edição

Velvet é

ANA CARINA HOMA VÂNIA ASSALY


Proprietária da agência A nutróloga com
de viagens Landscape, ela especialização em
traça o roteiro do kitesurf no endocrinologia e metabologia
Nordeste do Brasil para além conta o que podemos
da aventura, com hotéis e esperar de nossas vidas nas
restaurantes requintados. próximas décadas e como
@anakpicks viver melhor. @vaniaassaly

LE SOLEIL D’ÉTÉ GRUPO CORPO


A história que originou a Arte em família com um toque
Le Soleil d’été, grife que de brasilidade inconfundível.
propagou um novo estilo de Os relatos da companhia de
se vestir e vem conquistando dança são uma aula de arte e
adeptas. memória da cultura do país.
@le_soleil_d_ete_ @grupo_corpo
Arte existe porque
a vida não basta
Denise
Fraga

TEXTO LUCIANA BUGNI


FOTOS TINKO CZETWERTYNSKI
A atriz conta como encontra tempo para tudo entre
palcos, gravações e conversas cotidianas


B
endito seja quem souber dirigir-se a esse homem que
se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno
núcleo macio de sua sensibilidade, e por aí despertá-
lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a
que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e
comovê-lo para as lutas comuns da libertação.”
O texto de Plínio Marcos é usado por Denise Fraga para
ilustrar a comoção que nos últimos anos tem levado milhares
de pessoas a ver a peça “Eu de Você”, protagonizada por ela
e dirigida por seu marido, Luiz Villaça. Quem lhe mostrou
a frase foi o diretor e dramaturgo Samir Yazbek, depois de
assistir à montagem que esteve em cartaz por cinco anos. Na
obra, ela se transforma em muitas personagens, contando
histórias cotidianas de pessoas reais que enternecem a
qualquer um.
“É a experiência mais gratificante que já tive no palco.
Quero fazer um livro dessa peça, por ter uma capilaridade de
histórias. Como o projeto começou, como as pessoas mandaram
seus relatos, como foi feita a seleção e a costura das histórias.
Essa peça me salvou”, ela afirma sobre o projeto que nasceu no
fim de 2018 e atravessou os anos de pandemia, com uma pausa
no período de isolamento. E, para atingir o núcleo macio citado
por Plínio, ela explica, é preciso conversar muito.

Paciência e curiosidade para saber sobre gente


A atriz gosta de conversar. Na plateia do Tuca, o teatro da PUC-
SP, onde a peça foi encenada até dezembro, ela elege pessoas
que ocupam as quase 700 cadeiras do local para trocar ideias.
Invariavelmente, diz que gostaria de saber mais sobre seus
interlocutores, e lamenta não poder engatar o papo por ter que
começar o espetáculo. O resto da audiência sorri — ouvir a voz
de Denise é como escutar uma vizinha querida, uma amiga de
escola, alguém íntimo que sempre esteve por ali.
“Gosto da expressão ‘o ator faz a palavra pular’. O ator
é um polidor de palavras. A pausa que eu dou faz você
entender aquilo que você não leu”
“Sou interessada na vida cotidiana. As pessoas têm ligações
muito inusitadas e a vida supera a arte. Nada é óbvio”, explica.
Mostrar a vida de gente comum não é novidade. Por vários
anos, as histórias de pessoas brasileiras foram eternizadas na
série “Retrato Falado”, do Fantástico, na Globo. “São mais de
176 relatos pitorescos e cotidianos, mesmo que não tenham
tanto aprofundamento psicológico”, ela lembra. Quando está
estudando um personagem, é comum recorrer à memória
desse trabalho para acrescentar traços de personalidade
àqueles que interpreta, como uma “enciclopédia de gente”.
Projetos longos são uma rotina na carreira que se estende há
quatro décadas. Nos anos 80, ficou seis anos em cartaz com “Trair
e Coçar é só Começar”, espetáculo que a revelou como atriz de
comédia. Nos últimos anos, nas conversas que engata no teatro,
calha de encontrar quem nunca havia estado em um espetáculo,
mas que é fã de “Retrato Falado” e “O Auto da Compadecida”, seus
grandes sucessos televisivos. “Há também algumas pessoas que só
haviam visto ‘Trair e Coçar’, ela afirma, ciente de sua importância
no Brasil para fomentar a cultura. “É tentar ser água no meio das
pedras — não ceder, mas fluir, escorregar”.
No palco, em “Eu de Você”, Denise contracena com uma
banda de mulheres. Encarna personagens que deixam
latente a sobrecarga feminina. Canta, dança, se joga. Quando
fala sobre o relacionamento abusivo que é cerne de uma
das histórias, ouve fungadas na plateia. “É avassalador. Já
houve vários casos de gente que saiu no meio dessa cena,
mulheres que levantam chorando. Estamos vivendo um
momento retroativo. Muitas pessoas estão nomeando seus
relacionamentos abusivos agora”, diz.

Há poemas como nunca


Na profusão de contatos e interações em tempos de
hiperconexão, Denise pondera: “A tecnologia é fascinante.

“Sou uma pessoa insistente e acredito que as coisas se


renovam. Mudo de teatro, de lugar, viajo muito. Quando
uma peça vai bem, buscamos ir a teatros mais baratos
para democratizar, dar acesso, não deixar só em um
nicho.”
E eu sou contemporânea desse tempo, vi a virada. Meus
bisnetos precisam estudar a minha geração, que conseguiu a
duras penas lidar com toda a mudança. Mas acho que a gente
perdeu, porque virou um grande mercado, comprando um
tênis sem querer em vez de ir atrás da poeta que a gente mais
gosta…”, diz.
Para ela, o jeito de sobreviver ao caos “do muito”, do
bombardeio de informações e imagens, é o autoconhecimento.
Saber onde clicar, achar as agulhas no palheiro, sem se
perder consumindo o que lhe foi empurrado pelo algoritmo.
“É preciso navegar no lixo para achar pérolas e pode ser que
você se suje”, diz. Na sequência, cita Caetano Veloso, em “Anjos
Tronchos”: “Mas há poemas como jamais/ Ou como algum
poeta sonhou/ Nos tempos em que havia tempos atrás/ E eu
vou, por que não? Eu vou”.
Interpretado por ela, o espetáculo “Tem Tempo Pra Tudo”
é fruto de mais uma parceria com seu marido, Luiz Villaça,
que escreveu o texto junto a Vinicius Calderoni. Produzida
pela Café Royal, a montagem discute nosso uso do celular. “É
ele que me permite dirigir em São Paulo! Mas também por
conta dele estamos falando frases pela metade e achando que
estamos estabelecendo diálogo…”, reflete.
A plateia que lotou o Teatro Vivo saiu reflexiva — há um
momento na apresentação em que Denise aborda um dos
presentes e pergunta quantas mensagens no Whatsapp ele
havia recebido no dia. Diante do número superlativo, ela pede
que dezenas de pessoas leiam mensagens simultaneamente. É
possível viver assim? “Coitado”, ela repete no palco. Sabemos,
está lamentando por todos nós.
Nesse policiamento para não se deixar levar, a atriz tenta
evitar o smartphone nos hotéis, por exemplo. “Deixo tocar
uma musiquinha calma para mudar esse mal-estar, essa
aceleração interna. Na pandemia, sentíamos necessidade
de consumir muita informação e criamos o vício de notícias.
Agora, é preciso fazer algum esforço pela abstração. Pode ser
contar de trás para frente, fazer um trava-línguas, lembrar
uma cantiga de infância… Tentar ir para um lugar que não
tenha a racionalidade”, explica.

Tem tempo para tudo na cabeça que não para?


Ela confessa achar o tempo elástico. “Acho que posso fazer
mais coisas em uma hora do que é possível. Tem sido uma
fase muito intensa da minha vida. Tive várias propostas muito
legais e aceitei todas. Estou quase colapsando”, ri de novo.
Entre outros trabalhos, em 2023, gravou um filme por
três meses em Portugal, e fez bate e voltas semanais para o
Recife, onde gravou outro filme. Tocou a peça durante quase
o ano todo. Nas últimas semanas do ano, ainda esteve em
Florianópolis gravando outro filme, contou apressada, pois
tinha 40 minutos para fazer musculação antes de tingir o
cabelo — o que faria decorando o texto do filme, antes de ir
ao teatro, à noite. “Faço tudo menos do que gostaria, inclusive
ler”, lamenta.
De fala rápida e envolvente, cita Clarice Lispector,
Drummond e a poeta polonesa Wisława Szymborska. Sabe,
porém, que a verdade mora no silêncio entre as palavras.
“A arte existe porque a vida não basta. Liberta a gente da
mediocridade dos dias, para entender a vida de cima. Não
dá para ser só isso aqui, né? Se for só o material é muito
triste e a gente não suporta. É a arte que dá esse gosto, essa
vontade”, ela diz antes de se despedir para fazer arte por aí.
Que sorte a nossa.
E para
salvar os
“entelados”?
Denise Fraga reúne reflexões sobre nosso uso do celular.
Aqui, algumas frases que podem ser ponto de partida
para pensar no que estamos fazendo com nosso tempo.

“A comunicação não é uma “O WhatsApp virou um


fileira de palavras. Ouvir uma lugar. Você mora ali e passa
pessoa é, principalmente, ouvir mais tempo nele do que na
o que ela não falou. A verdade cozinha, no banheiro, quiçá
mora no silêncio entre as na sua cama.”
palavras — silêncio, esse bem
cada vez mais precioso.”
“Está na fila? Não existe
mais fila sem celular? Dá
“Achamos que fazemos três vontade de pegar? Não
coisas ao mesmo tempo. Será que pega. Olhe a estampa na
não estamos só fazendo um terço camisa do cara da frente,
de cada coisa que pensamos olhe seu pé, olhe a moça
fazer ao mesmo tempo?” passando com o cachorro.
Faz um esforço, senão você
nunca mais vai conhecer o
“A gente faz tanta coisa ao amor da sua vida na sala de
mesmo tempo que está cada vez espera do dentista, porque
mais difícil fazer uma coisa de os dois estarão ali, olhando
cada vez, como ouvir uma pessoa o Tinder. Esse negócio está
só, que está falando com você.” formatando a gente…”

“A questão é que, mesmo offline, continuamos


online, ‘entelados’. Estamos descuidando de nossa
reverberação no mundo. E não podemos abandonar
uma pessoa que está entelada, a gente tem que insistir.”
CORPO E (MUITA)
ALMA
TEXTO FELIPE MACHADO
FOTOS JOSÉ LUIZ PEDERNEIRAS

Como o empreendimento artístico familiar se


transformou em uma das companhias de dança mais
famosas do país, o Grupo Corpo

O espetáculo “Gira”,
de 2017, é inspirado
na umbanda, com
figurino de Freusa
Zechmeister, que
deixa os torsos nus. A
trilha é composta pelo
Metá Metá
F
undado em 1975 na cidade de Belo Horizonte, Minas
Gerais, o Grupo Corpo é um empreendimento familiar.
Surgiu como extensão do clã dos Pederneiras, e até hoje
é liderado por um núcleo de irmãos cujos talentos são tão
complementares que parecem ter sido forjados geneticamente.
Rodrigo é o coreógrafo. Paulo, o diretor artístico. Pedro é o
diretor técnico, e Miriam, assistente de coreografia. José Luiz é
o fotógrafo, responsável pelas imagens de divulgação. A única
irmã que não atua na área é Marisa, a Zoca, que chegou a ser
bailarina no início da carreira, mas hoje mora na Alemanha. Há
outros membros que, embora não levem o mesmo sobrenome,
são considerados da família por fazerem parte do projeto desde
o início — é o caso da figurinista Freusa Zechmeister e do
cenógrafo Fernando Velloso.

Nascido em casa
Em uma empreitada que prima pelo DNA familiar, não é
difícil imaginar que a companhia tenha nascido em casa.
Foi exatamente o que aconteceu: os pais cederam o espaço
aos filhos para que eles pudessem transformar o sonho
em realidade. O fato de o Grupo Corpo ter surgido em Belo
Horizonte, fora do eixo Rio-São Paulo, não foi um impeditivo.
Nos anos 1970, a capital mineira ainda era uma cidade
pequena, onde era mais fácil manter o foco nas atividades.
“Éramos muito concentrados no trabalho”, lembra Rodrigo.
“Se estivéssemos no Rio de Janeiro ou em São Paulo, nossa
trajetória teria sido muito dispersa, sem tempo suficiente para
que todos se dedicassem.”
O coreógrafo admite que trabalhar com os irmãos não
foi uma tarefa tão simples. “No princípio, era mais difícil
lidar com as divergências e a intimidade. Hoje conseguimos
estabelecer uma separação entre o pessoal e o profissional que
funciona porque é baseada em muito respeito.”

“Não somos descritivos, nem encenamos histórias com


personagens, como acontece em alguns repertórios
clássicos. A dança é uma arte abstrata”,
diz Rodrigo Pederneiras
“Triz”, de 2013;
“Dança
Sinfônica”, que
celebrou os 40
anos do grupo
em 2015; e “Gil
Refazendo”,
de 2019,
com trilha
composta por
Gilberto Gil
Brasilidade
O sucesso da companhia é notado no exterior, com turnês
lotadas por onde passa, e faz de Rodrigo, aos 68 anos, um
dos maiores coreógrafos do mundo. Mesmo depois de tantos
anos, porém, ele considera difícil classificar o próprio estilo.
“É complicado definir movimento”, afirma. Apesar de todos os
bailarinos terem apurada formação clássica, Rodrigo acredita
que a companhia está mais próxima da dança contemporânea.
“É um tipo de trabalho único, que ninguém mais faz no
mundo”. Não há dúvida: é quase impossível imaginar europeus
ou norte-americanos apresentando um balé como “Parabelo”,
inspirado em composições de José Miguel Wisnik e Tom Zé, ou
“Breu”, baseado na obra de Lenine.
Essa originalidade transparece no gingado das silhuetas,
mas nasce mesmo a partir do som. Desde o início, a busca
por um espírito de brasilidade levou à influência de danças e
festas populares, em combinação harmoniosa com as escolas
clássicas. Rodrigo explica que a criação das coreografias
tem início a partir da música. O processo é democrático. Os
compositores convidados não recebem regras ou instruções,
têm liberdade total para colocar em prática suas ideias. A
partir daí, Rodrigo leva tudo para os ensaios e começa a
transformar ritmos e melodias em pulsações humanas. Em
uma segunda etapa, são discutidos os complementos, da
iluminação ao figurino.

Do clássico ao popular
Essa simbiose perfeita entre o Grupo Corpo e os compositores
convidados nem sempre foi assim. Rodrigo conta que,
ainda criança, aos seis anos de idade, ouvia apenas música
clássica. Quando assumiu a liderança criativa, em 1981,
passou a elaborar obras baseando-se no que estava ouvindo
no momento, geralmente repertório erudito. Foi assim que
surgiram os espetáculos “Sonata”, com trilha sonora de Sergei
Prokofiev, e “Prelúdios”, de Frédéric Chopin. Na busca pela
brasilidade, passou a procurar referências nos compositores
clássicos do país, entre eles Henrique Oswald, Bruno Kiefer,
Carlos Gomes, Marlos Nobre e Heitor Villa-Lobos. No início dos
No alto, o colorido “21”, de 1992; acima, “Bach”, de 1996, que foi composta por
Marco Antônio Guimarães sobre a obra do mestre do contraponto alemão
anos 1990, Paulo, diretor artístico, chamou a família para uma
reunião e apresentou a ideia. “Se Stravinsky e Tchaikovsky
escreviam balés para as companhias russas de suas épocas,
por que não podemos chamar nossos contemporâneos
também?” Foi a partir daí que o Grupo Corpo trabalhou com
grandes artistas populares. “Dizem que os compositores
brasileiros têm dois sonhos: ter uma música na novela e fazer
uma trilha para o Grupo Corpo”, brinca Rodrigo.

Sucesso internacional
Um dos maiores orgulhos de Rodrigo Pederneiras é levar
a arte criada no Brasil para palcos internacionais. Isso
acontece com frequência. Antes da pandemia, a companhia
fazia, em média, três turnês internacionais, duas pela
Europa e uma pela América do Norte, além de giros pontuais
pela América Latina. Recentemente, se apresentaram com
a Orquestra Filarmônica de Los Angeles no lendário palco
do Hollywood Bowl, sob regência do maestro Gustavo
Dudamel, com ingressos esgotados, como acontece em
todas as apresentações. Indagado se tem uma explicação
para o sucesso tão grande da companhia no exterior,
Rodrigo arrisca: “Todo mundo sabe que é brasileira, mas é
considerada universal”.
Além de corpo e alma, universal é outra boa palavra para
definir o Grupo Corpo.

MÚSICA BRASILEIRA ENTRA NA DANÇA

“Maria Maria”, o clássico de Milton Nascimento, surgiu a


partir de uma encomenda do Grupo Corpo, em 1975.
Desde então, vários compositores brasileiros fizeram
canções para espetáculos. Na lista tem Caetano Veloso,
José Miguel Wisnik, Lenine, João Bosco, Arnaldo Antunes,
Samuel Rosa, Moreno Veloso, Kassin e Domenico
Lancellotti, a banda Metá Metá, e Paulo Tatit e Sandra
Peres, do Palavra Cantada.
Sebastião
Salgado
conversa com
Christian Gebara
O fotógrafo viajou o mundo e tem uma vida inteira
de histórias, contadas por suas lentes e fotografias
monocromáticas. Aos 79 anos, fala sobre como suas
fotos descrevem a sociedade nas últimas décadas e
como é o reflorestamento feito pelo Instituto Terra

RENATO AMOROSO
N
os anos 1970, o mundo de Sebastião Salgado mudou.
Como quem olha para um buraco negro e descobre o
sentido da vida, o brasileiro natural de Aimorés (Minas
Gerais) teve a vida transformada após olhar pelo visor de uma
antiga câmera Leica. Foi quando ele largou tudo e se tornou
um dos maiores fotojornalistas do mundo.
Hoje, mais de 50 anos depois, Sebastião segue em Paris,
para onde se mudou em 1969, mas suas imagens viajam o
planeta: tanto no imaginário de quem já viu suas coberturas
de conflitos na África, quanto na exposição “Amazônia”, em
cartaz na Europa e que faz um retrato humanístico e histórico
da região que considera “um dos únicos paraísos na terra”.

Sebastião, vamos voltar um pouquinho para o passado.


Você é economista graduado, pós-graduado, com
mestrado, e enveredou para o fotojornalismo. Como a
fotografia entrou na sua vida?
Para usarmos o termo moderninho, a fotografia me atropelou.
A Lélia estava fazendo arquitetura na universidade, em Paris,
e compramos uma câmera para ela fazer fotografias de
edifícios. Quando olhei pela primeira vez pelo visor daquela
câmera, a minha vida mudou. Vi que poderia materializar
tudo aquilo que me revoltava, o que me entusiasmava, o que
achava bonito, interessante. Foi tão mágico que, em poucos
meses, eu queria abandonar tudo e virar fotógrafo. Mas eu
estava terminando um doutorado em economia, tive uma
proposta para trabalhar em uma organização internacional de
renome, e fiz isso. Mas levei a câmera em uma missão à África
pelo banco em que trabalhava à época e sentia muito mais
prazer com as fotos do que com relatórios. Tive que tomar
uma decisão. Ou abandonava a fotografia ou a economia.

“A minha vida sempre foi viajar. Já estive em mais de 130


países e eu os conheci mesmo. Trabalhei muito. Tenho
prazer em correr riscos, viver dentro de um fenômeno
fotográfico, ir até o limite. É um desafio permanente.”
© SEBASTIÃO SALGADO

No alto, Acampamento de gado em Amak, Sul do Sudão, 2006


Acima, Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986
Na sua história, você trabalhou em algumas agências de
fotografia, como a Sygma, a Gamma e a Magnum. Atuou
também com grandes fotógrafos, como (Robert) Capa e
Henri Cartier-Bresson. Como surgiu a oportunidade de
viver tudo isso?
O primeiro grande fotógrafo que conheci foi o Cartier-Bresson
quando vim para Paris. Fomos morar em um pequeno quarto.
A proprietária disse que, como eu queria ser fotógrafo, iria
apresentar um amigo dela que trabalhava com fotografia:
era o Cartier-Bresson. Acabamos ficando amigos e, depois, eu
descobri que ele era o maior fotógrafo do mundo. Passei pela
Sygma muito rapidamente e fiquei quatro anos na Gamma,
que foi a minha escola de fotojornalismo.

Foi dentro da Magnum que, em 1981, você fez a famosa foto


do atentado do Ronald Reagan. Como foi essa história?
Na hora em que ele estava no Hotel Hilton, fazendo uma
conferência com líderes da indústria de construção
americana, tive o instinto de sair da sala e ficar na porta do
hotel. Quando coloquei a câmera para fotografá-lo saindo,
escutei os tiros. Os outros fotógrafos não fizeram muita
coisa. Ganhei muito dinheiro com isso, mas não queria ser
conhecido como o fotógrafo do atentado do presidente.
Financeiramente falando, aquele momento foi importante,
mas profissionalmente não foi nada.

E você escolhia os trabalhos que queria fazer?


Eu sempre escolhi trabalhar na África. Fui mais de 50 vezes.
Conheço praticamente todos os países, cobri muitas guerras,
deslocamentos de populações refugiadas, convocações sociais.
Trabalhar na América Latina foi algo que escolhi. Se eles
precisavam de alguém para fazer fotos das minas de estanho
da Bolívia, eu ia. As minhas fotografias representam um pouco
o momento histórico.

“Quando eu era jovem, 90% da população brasileira


morava no campo, agora mais de 95% mora na cidade.
Tudo provocado por essa grande revolução no sistema
produtivo brasileiro.”
© SEBASTIÃO SALGADO

No alto, Trápani, Sicília, Itália, 1991;


acima, um Campo de Benako, Tanzânia, 1994
Os livros “Êxodos” e depois o “Retratos das Crianças de
Êxodo” surgiram das suas viagens na África ou foi algo
planejado a partir da sua mentalidade como economista,
que queria retratar como a situação econômica impacta a
vida dessas pessoas?
Foi uma opção de vida. Tive um privilégio dentro dessas
agências de ter uma compreensão da sociedade. Nos anos
1980, quando começamos a ver o fim da primeira revolução,
com a saída do trabalho manual da linha produtiva, quis
fazer um retrato da classe trabalhadora antes que ela
desaparecesse. Passei seis, sete anos procurando tudo o que
pudesse referenciar o fim desse período. Transformei em um
livro, teve um sucesso colossal, fizemos uma grande exposição.
Ninguém falava em globalização, mas acredito que mostrei
a base desse fenômeno nas minhas fotografias, e percebi
um movimento interessante na migração das indústrias
siderúrgicas e automotivas para países de terceiro mundo com
grandes extensões territoriais, fartos em matéria-prima e
muita mão de obra.

Agora, além de talento e formação, que são únicos, você


esteve em lugares com condições precárias, correndo
riscos. De onde vem essa coragem, Sebastião?
Lembra aqueles antigos despertadores, em que você dava
corda, mas quando via por dentro, estava tudo quebrado e
pensava “Como isso funciona?”. Sou eu. Todo quebrado. Tenho
operação no tendão de Aquiles, quebrado pela polícia de
Istambul. Tenho um joelho mecânico. Os ombros com tendões
operados por conta de acidentes. Minhas cervicais todas
bagunçadas porque explodi uma mina em 1974, no norte do
Moçambique. Eu tenho uma sorte imensa de poder estar aqui
falando com você, porque perdi muitos colegas de trabalho
nas guerras. Não é coragem, mas estou aqui para fazer
fotografia, não para morrer. Nem para ficar em casa, porque
a história não acontece na minha porta. Já me perguntei “O
que estou fazendo aqui?”, sem uma gota de saliva na boca,
morrendo de medo, ouvindo as balas passarem pela minha
cabeça. Tem adrenalina e prazer, mas medo também!
PHILIPPE PETIT/PARISMATCH
Lélia e Sebastião no Instituto Terra, em Minas: reflorestando o espaço

Sebastião, você já disse em entrevistas que acredita que


a Amazônia talvez seja a única parte do mundo que é um
paraíso. Ainda pensa assim?
Tem dois espaços em que eu já estive fotografando e que
considero quase impossível representar suas respectivas
dimensões: um é a Amazônia e o outro é a Antártida. Não
existe doença na Amazônia, aquelas águas, daqueles rios, no
interior da floresta, podem ser bebidas e a pessoa não adoece.
Os indígenas têm uma saúde colossal, exceto nas regiões em
que foram atacados pela penetração da nossa sociedade de
consumo, pela violência dos garimpeiros e de alguns marginais
da floresta, como o pessoal da droga. É fora do comum. Existem
por volta de 400 culturas diferentes dentro da Amazônia, talvez
seja a maior concentração cultural do planeta.

Quando fui à sua exposição “Amazônia”, por conta da


organização das salas com ambientação única, era como
estar dentro de um filme sobre aquelas imagens expostas…
As fotografias são minhas, é claro, mas o conceito da
apresentação é da Lélia. Ela esteve comigo na maioria das
viagens e queria que as pessoas se sentissem dentro da floresta.
A única luz daquela exposição vem da Amazônia, das imagens.
Altamente bem concebido, desenhado. Existe uma estabilidade
de luz ali dentro que te permite deslizar e viver dentro da
Amazônia. Acho fantástico. A Lélia tem um gosto maravilhoso.
© SEBASTIÃO SALGADO

No alto, Ilhas Sandwich do Sul, 2009; acima, a conexão do Rio Negro com o Rio
Cuiuni, Amazonas, Brasil, 2019
Falando sobre ela… Como é um casamento que tem ainda
essa parceria profissional?
Tive uma grande sorte de ter uma companheira de vida,
já que vão fazer 60 anos que estamos juntos. Uma mulher
linda, um negócio fantástico do ponto de vista relacional,
físico, sexual. De ter nossos filhos, uma aventura. De
determinar uma vida quando ainda éramos jovenzinhos, no
Espírito Santo. Fomos exilados juntos. Ela aceitou largar
uma vida confortável em Londres para morar em um quarto
de empregada em Paris, trabalhar como arquiteta em
agências para garantir o nosso pão e me permitir seguir a
fotografia. Sempre me incentivou. É muito mais do que uma
esposa, é uma companheira. Eu não sei onde eu termino
e onde a Lélia começa. Adoro a minha mulher, tenho um
respeito imenso por ela.

De certa forma, o Instituto Terra promoveu uma viagem


ao passado reflorestando a Mata Atlântica, em uma
região em que você cresceu. Como você olha para esse
trabalho hoje?
Ali eu nasci, cresci e, hoje, voltei para fechar o ciclo. As
amplas terras do Instituto Terra, conheço como as linhas
da minha mão. Andei aquilo tudo quando era menino. Lélia
propôs que replantássemos a floresta que existia ali antes.
Achei uma ideia fantástica. Rodei o planeta atrás de recursos,
passando o chapéu, e conseguimos. Temos mais de 3 milhões
de árvores plantadas. Agora, com investimentos, estamos
comprando mais terras em volta e seremos quatro vezes
maiores do que somos hoje. E trabalhamos com mais de 3
mil proprietários, recuperando fontes de água e plantando
pequenas florestas com 500 árvores.

“Se você para e olha bem para uma árvore, percebe


uma infinidade de bichos e insetos que moram ali.
Agora, se você multiplica por milhões, é imenso. É o
coração cheio. Tão bonito, tão fantástico.”
Quais são os projetos que você está preparando para o
futuro?
Tenho editado meus arquivos. Estou com 80 anos, se tudo
der certo, eu tenho em média mais 10 anos. Ainda fotografo,
vou passar algumas semanas no Brasil fotografando. Tenho
uma exposição no ano que vem, no sul da Itália, sobre a pesca
artesanal de atum, chamado “Matança”. Passei um tempo
fabuloso com esses pescadores e tem uma história religiosa,
a arquitetura romana. Vamos ter uma exposição em São
Paulo, no ano que vem, no Museu da Imagem e do Som, com
as fotografias da Revolução dos Cravos, que marcou o fim do
salazarismo em Portugal. Imagens que vão fazer 50 anos e
que foram tiradas logo no início da minha carreira, quando
eu estava apenas há um ano atuando como fotógrafo. Estou
trabalhando nesses arquivos, ainda tenho muito a apurar.

“Não é a máquina fotográfica, o instrumento de


captação, que faz a imagem. É o espírito da coisa.
Fotografia é memória, é corte representativo de uma
sociedade. É algo que você imprime, guarda.”

Terra Indígena do Rio Gregório, Acre, Brasil, 2016


Quantos anos você
deseja viver?
por Vânia Assaly
A nutróloga com especialização em endocrinologia
e metabologia, presidente da Associação
Latinoamericana de Medicina do Estilo de Vida
(LALMA) e embaixadora da European Lifestyle
Medicine Organization (ELMO) conta o que podemos
esperar para as próximas décadas
AGÊNCIA TIME COMUNICAÇÃO
I
magino que para responder a essa pergunta seja necessário
abrir muitas outras janelas em sua mente e considerar idade,
metas e realizações, anseios, suporte social, condições de
saúde, crenças, medos, autonomia. Mas há uma janela especial
na forma e com quem você divide os seus momentos.
Quando me perguntam quantos anos quero viver, respondo
que por um tempo indefinido, desde que seja com vigor e
autonomia, inspirando pessoas a cuidar da saúde. Por sorte,
tem tudo a ver com a minha profissão: como médica, ensino
amigos e pacientes a construir um patrimônio de saúde.
Minha premissa é que genética não é destino. Saúde é
uma construção diária, tijolo por tijolo, continuamente
sedimentados em nossos genes por meio de nossas
experiências e escolhas. Esse é o olhar da epigenética,
expressão que pode ser compreendida como “acima dos
nossos genes” — considerada a ciência da esperança.
Perceba que maravilhoso: mesmo que você carregue em sua
herança a possibilidade de desenvolver doenças crônicas
como diabetes, obesidade ou hipertensão, entre outras
poligênicas (embaralhadas em vários genes), poderá “tricotar”
uma melhor versão de si mesmo ou, quem sabe, retardar
o surgimento dessas doenças até o final de sua jornada.
É fato que não poderemos mudar a nossa carta genética,
mas seremos capazes de modificar a forma como os seus
parágrafos serão lidos.

Curingas que nos farão viver mais


Existem genes que determinam uma maior expectativa de
vida. Os estudos sobre as populações longevas e os centenários
demonstram que indivíduos que herdaram alguns curingas de
seus ancestrais podem realmente ter uma vida mais longa.
No entanto, só a genética pode não ser suficiente para
garantir a longevidade. Para chegar a esta conclusão, cientistas
conduziram estudos com gêmeos idênticos que, ao longo da
vida, foram expostos a diferentes hábitos e ambientes. Ficou
demonstrado que quem queima suas cartas com cigarros e maus
hábitos pode até viver muito tempo, mas lidando com doenças
crônicas relacionadas com seu estilo de vida. Ou seja, carregarão
por um tempo maior a pesada bagagem de sofrimento.
“O aumento da expectativa de vida é indiscutível. Estima-
se que, em 2050, mais de 10% dos 10 bilhões de seres
humanos do planeta assoprarão mais de 85 velinhas!”

SHUTTERSTOCK
Assim, falar sobre longevidade é um convite para
abordarmos temas como qualidade e expectativa de saúde,
sempre à luz da consciência de nossa finitude.
Conscientes de que vamos viver mais, tememos o futuro
incerto; humanos que somos, percebemos de forma clara o
final da linha do tempo. Como não seremos nós a cronometrar
nossa própria vida, o que nos cabe é entender como ampliar
o tempo de viagem com saúde e fazer com que cada instante
desse voo possa valer a pena.

As velinhas que assopramos


Viver mais parece maravilhoso se você comemorar sua
nona década desfrutando de boa saúde, ao lado de quem te
ama, mas infelizmente não é o futuro que espera a maioria
neste século.
Para os gestores de saúde e políticas públicas, a jornada
para a quarta idade traz um cenário alarmante e propõe
o desafio de planejar os aspectos biológicos, econômicos e
sociais do envelhecimento de forma individual e coletiva.
Diante da necessidade de revermos o modelo de saúde
vigente, o professor e pesquisador em genética Michael
Snyder, da Universidade de Stanford, acredita que as
ferramentas da medicina pós-genômica podem e devem
ser aplicadas na gestão de saúde global, reduzindo custos e
aumentando a expectativa de saúde da população. Em suas
palestras, ele costuma afirmar, em tom crítico: “Praticamos
uma medicina exatamente igual há 40 anos”.
A mensagem é que precisamos planejar o horizonte clínico
de nossos pacientes. Fazer o máximo para o maior número
de pessoas implicará em aumento de expectativa de saúde
com redução de custos. Parece contraditório, mas é o que já
vem sendo aplicado em alguns polos de longevidade, como
em Singapura (National University Health System, NUHS),
e em outros centros de referência, como o Sheba Longevity
Center, em Tel Aviv. Engajados em manter o status de saúde
dos indivíduos e da comunidade, profissionais de saúde,
médicos, cientistas e pesquisadores buscam jogar xadrez
com o destino.
Trabalhando há mais de 35 anos como médica e
atualmente presidindo a Associação Latinoamericana de
Medicina do Estilo de Vida, assisto otimista a este momento
revolucionário em que a inteligência artificial define a
nossa singularidade e biomarcadores podem nos ensinar
as melhores rotas para o envelhecimento bem-sucedido.
Como um algoritmo com alma, expressamos nossas escolhas
e experiências na grande teia de informações que define o
nosso sucesso biológico, como saúde e longevidade.
Renomados pesquisadores, como Dean Ornish, que atuam,
como eu, com as ferramentas da medicina do estilo de vida,
acreditam que estratégias de saúde pautadas em seis pilares
(veja na página 39) podem reduzir em até 85% as principais
causas de morbidade e mortalidade no mundo. Investir
em saúde contribui para reduzir custos com saúde privada
e pública e para otimizar o potencial produtivo de nossa
população idosa.

SHUTTERSTOCK
E para você, qual é o verdadeiro sentido da longevidade?
Nossas células estão equipadas para sobreviver e passar nosso
código genético para as próximas gerações, e para elas esta é
a verdadeira longevidade. Mas o que é longevidade para você?
Essa é uma resposta que o ChatGPT não tem. Se queremos
otimizar nosso vetores de saúde, será preciso mergulhar em
documentários, podcasts e TEDex dos grandes ícones, como
David Sinclair, Mark Hyman, Peter Attia e Andrew Huberman,
entre outros que têm alimentado a todos que pretendem
remar forte na correnteza do tempo.
Jejum intermitente, banheiras de gelo, banhos de floresta,
novos suplementos e senoterapêuticos, conexão com jovens e até
a troca de plasma se somam aos diferentes aplicativos utilizados
por biohackers que calculam seus passos e seu possível tempo de
vida. Jamais soubemos tanto sobre saúde, mas nunca estivemos
psicologicamente tão doentes! Vivenciando as mudanças dos
séculos 20 e 21, ultrapassamos os limites da exaustão, com o
abuso de drogas, alimentos, álcool, tabaco e psicoestimulantes.
Além disso, estamos congestionando nossas redes neurais com o
excesso de conhecimento.
Sintetizando o resultado do maior estudo sobre longevidade
já realizado, o Harvard Study of Adult Development, da
Universidade Harvard, o pesquisador Robert Waldinger
sinaliza: bons genes são importantes, mas cultivar bons
vínculos e vivenciar momentos de alegria com nossos amigos e
parceiros é mais importante do que educação, dinheiro, sucesso
ou qualquer tratamento moderno que possamos fazer. Uma
vida simples talvez seja o segredo para uma vida longa e plena.
Se a ciência nos ensina que de nada adianta alterar a nossa
data de nascimento ou falsificar nossa carteira de identidade,
o que temos em mãos é a capacidade de enriquecer nossa
jornada! Em vez de nos preocuparmos com o número de velas
em nosso bolo de aniversário, que tal focarmos em soprá-las
com vigor e alegria? É essa a verdadeira medida de uma vida
bem-vivida.

“A inteligência artificial define a nossa singularidade


e biomarcadores podem nos ensinar as melhores
rotas para o envelhecimento bem-sucedido: com
saúde e longevidade.”
Os pilares da saúde para
viver mais

• Nutrição, preferencialmente
baseada em plantas e
vegetais;
• Movimento e exercício,
preferencialmente
praticados de maneira
coletiva, combatendo
ativamente o sedentarismo;
• Sono regular, com respeito
ao ritmo circadiano;
estamos falando de sete
a oito horas de sono sem
poluição luminosa, portanto
desligando celulares, tablets
e aparelhos de TV no mínimo
uma hora antes de se deitar;
• Redução de hábitos nocivos,
como uso de tabaco, álcool,
drogas e sobrecarga de
medicamentos;
• Gerenciamento de estresse;
• Conectividade social e
espiritualidade.

Além desses pilares, dois


novos foram inseridos pela
European Lifestyle Medicine
Organization (ELMO),
da qual sou membro e
embaixadora no Brasil:

• A sexualidade como
aspecto central no equilíbrio
das relações sociais e
familiares;
• A saúde planetária.
SHUTTERSTOCK
Le Soleil d’été
Elegante e
despojado
TEXTO CLAUDIA CASTELO BRANCO

Roberta, Flora e Isabella Belotti contam como


uma brincadeira no quintal transformou suas
vidas — e a de tantas outras artesãs deste país

Flora, Roberta e
CRIS CINTRA

Isabella Belotti:
criações em casa
A
estilista Roberta Belotti e as filhas Flora e Isabella
estão em casa, à vontade, e se emocionam quando
se lembram da história que originou a grife Le Soleil
d’été, que em português quer dizer “O Sol do Verão”. Com
seis lojas no país, no Rio, em São Paulo e na Bahia, a grife
nasceu despretensiosamente. Ao relembrarem o começo, há
oito anos, as imagens se misturam. “Tudo começou com a
mamãe, então ela deveria contar”, argumenta Flora.
Era verão de 2015. Naquela época, Roberta recebia
elogios pelo jeito como se vestia e resolveu desenhar uma
coleção pequena para si mesma e amigas. “Bolei um evento
em casa, em São Paulo, com zero intenção de abrir um
negócio”, lembra. Isabella, formada em administração,
se animou e fez o que chama de “projetinho” comercial.
Flora, que é arquiteta e trabalha com teatro, armou um
cenário. De repente, a casa estava lotada. A experiência foi
tão divertida que repetiram a dose no verão de 2016 — e
conquistaram clientes até na cidade maravilhosa. O Rio,
como elas gostam de lembrar, as chamou. E o caminho foi
abrir uma loja em um dos shoppings da cidade.
CRIS CINTRA
O mar é forte
inspiração do
trabalho da
marca
ALEXANDRE FURCOLIN
Artesanato sem apropriação
Flora já tinha vontade de trabalhar com grupos de artesanato
e foi atrás da ONG Artesol. A entrada da marca nessa fase se
deu por meio da Pontos e Contos, uma associação de mulheres
bordadeiras localizada em Penedo, na região do Baixo São
Francisco de Alagoas. Elas preservam uma arte antiga, o
trabalho delicado feito à mão. “Entendi um pouco a realidade
delas, as possibilidades de criação, a inspiração do lugar. O
artesanato virou algo bem forte como forma de construir a
marca. Fazemos uma vez por ano, pelo menos, essa parceria.
É a partir disso que a gente chega no tema da nossa coleção”.

Os rios que deságuam em novos projetos


Em agosto de 2023, a Le Soleil d’été lançou “Velas ao
vento”, coleção produzida na Ilha do Ferro, em Alagoas, e
inspirada em uma corrida de canoas que Flora descreve
como “cinematográfica”. Ela acredita que essa aproximação
com a cultura brasileira fora do circuito do Sudeste agrega
verdade à marca, tornando as coleções mais genuínas e dando
protagonismo aos donos dessas histórias.

Formas amplas e muito


artesanato regional
brasileiro nas criações
LAYLA MOTTA
Assim como o rio, a coleção “Velas ao Vento” foi se
transformando com a vontade de focar no mar no alto verão.
Nasceram “Todo rio deságua no mar” e “Memórias da água”,
como a continuação de uma mesma história.
As três mulheres respeitam e levam a sério a história
de cada solo onde pisam. “Não chego para uma bordadeira
que faz aquilo a vida inteira e peço que mude seu estilo…”,
conta a estilista. Enquanto produziam “Velas ao vento”, Flora
ministrou na Ilha do Ferro uma oficina com artesãos. As
conversas eram sobre a vida ribeirinha e a produção passava
por atividades com velas gigantes. Também leram trechos
de “A Terceira Margem do Rio”, de Guimarães Rosa. “Foi uma
troca, uma experiência de abrir caminhos para outras formas
de criação”.
Outro momento especial aconteceu em 2020, no sertão
do Piauí, ao lado da Serra da Capivara, em Dom Inocêncio.
Desse encontro surgiu o tema “Quando chove na Caatinga”,
que reuniu o trabalho de bordadeiras que elas descrevem
como muito especiais. Lembram ainda um episódio não
premeditado que rendeu uma coleção com bordado de
histórias populares. Para 2024, mãe e filhas estão na fase
de pesquisa e em contato com as histórias das mulheres
ceramistas do Vale do Jequitinhonha para trazer novidades.
Sem afetações, as três elencam o que mais gostam uma na
outra. Para as filhas, a mãe é a força, aquela que faz acontecer.
Observadora, Isabella é quem toma conta das finanças da Le
Soleil d’été e é admirada pela consciência e pela firmeza ao
tomar decisões. Flora é citada por sua criatividade.
É uma conjunção que encontrou na diversidade e na beleza
singular deste país valores genuínos que não precisam ser
buscados fora do Brasil. Está tudo aqui.

“Quando surgiu a oportunidade de abrir uma loja no


Rio, decidimos: ‘vamos fazer’. Nós gostamos de lá e o
Rio também gosta da gente. A cidade nos chamou”, diz
Roberta Belotti
LAYLA MOTTA
A hora do
refresco
TEXTO MIRIAM GIMENES

Sorvetes artesanais,
que misturam
ingredientes inusitados,
são a sensação da
estação quente

Iguaria da Diblu:
sobremesa para
viver mais

RODOLFO REGINI

P
rodutos naturais, cremosidade e sabor parecem compor
a fórmula de sucesso para elaborar um sorvete. Mas, ao
ouvir a narrativa por trás de alguns dos gelatos mais
famosos de São Paulo, dá para perceber que a alquimia para
preparar receitas vai muito além da questão gustativa: requer
história, paixão e um tanto de ousadia. Sem este último item,
principalmente, seria impossível pensar em fazer um sorvete
salgado ou garimpar, em diversos países, a essência ideal para
criar uma sobremesa com o sabor de rosas.
Confira, a seguir, a trajetória de algumas receitas que,
com certeza, vão te deixar com água na boca e podem ser um
refresco nesses dias mais quentes que temos vivido.
Albero dei Gelati
Com o lema ‘‘tudo que é bom pode virar gelato’’, a artesã de
gelatos italianos Fernanda Pamplona abriu a primeira loja no
bairro de Pinheiros em 2019. Ela havia conhecido a Albero, uma
franquia nascida em Milão, na Itália, quando morou com o marido
na cidade. Resolveu trazer a expertise ao Brasil, aliando toda
vivência que teve no período em que foi administradora da Casa da
Agricultura, em Parelheiros, ligada à Prefeitura de São Paulo.
Foi lá que teve contato com pequenos produtores, e muitos
deles se tornaram fornecedores dos produtos que utiliza hoje
para fazer suas iguarias. O cambuci, por exemplo, fruta que
rende de licor a recheio de panqueca, é item principal de um
sorvete levemente ácido, oferecido hoje em suas três lojas. Outros
sabores inventivos criados por Fernanda — de forma intuitiva e
com os pitacos das filhas — são o de limão com marmelada de
abacaxi e clitória, uma flor; o de tangerina com pimenta-rosa ou
o de radicchio, uma verdura italiana.
Mas um dos carros-chefe da sorveteria é o de queijo da
Serra da Canastra com mel de abelha jataí e castanha-de-
caju, que tem predominância do sabor salgado. Se no começo
causava estranheza entre os clientes, hoje é um dos preferidos
e ainda vem em um copinho comestível, à base de mandioca.
A Albero foi eleita no ano passado a melhor sorveteria de São
Paulo pela Veja Comer e Beber.

Endereços:
Loja 1: Rua dos
Pinheiros, 342, São
Paulo
Loja 2: Alameda Tietê,
198, Jardins, São Paulo
Loja 3: Rua Dr. Renato
Paes de Barros, 413,
Itaim Bibi, São Paulo
BRUNO GERALDI / DIVULGAÇÃO

Horário de
funcionamento:
Todos os dias, das 10h
às 23h.
Al Kaseem Gelato
Quando começou a namorar com Alaa Kaseem, que era
gerente de cozinha e salão do Al Janiah, na Bela Vista, Luciana
Tucci já trabalhava com sorvetes. Ambos conversavam muito
sobre receitas e Alaa a influenciava com sabores do Oriente
Médio. Os dois uniram seus corações e ascendências — ela de
italianos, ele palestino nascido na Síria — para abrir, há cinco
anos, a Al Kasseem Gelato, onde comercializam gelatos árabes.
Por não ter nenhuma gelataria com essa característica
no Brasil, resolveram investir na ideia e, inicialmente,
produziam apenas sob encomenda, usando as redes sociais
para comercializar, principalmente entre a comunidade
árabe em São Paulo. O negócio tomou uma proporção maior e
resolveram abrir a primeira loja em Moema, onde as pessoas
se deliciam com o sorvete em rocambole feito com nata, água
de flor de laranjeira e miski (resina vegetal), enrolado no
pistache. Os ingredientes desse e de outros sorvetes vêm da
Síria, Líbano, Jordânia e Dubai.
O sabor e a técnica utilizada para fazê-lo são diferenciados.
Por isso, só pode ser produzido em pouca quantidade, porque
é tudo manual. Para quem é árabe, saboreá-lo é uma forma
também de exercitar a memória afetiva e matar a saudade
da terra natal. Já para os que não são é a oportunidade de
experimentar um sabor ímpar.

Endereço:
Alameda dos
Nhambiquaras,
1657, Loja 5,
Moema, São
Paulo

Horário de
funcionamento:
DIVULGAÇÃO

Terça a domingo,
das 11h às 20h.
Diblu Gelato
“Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis” é uma
série documental lançada recentemente na Netflix em que o
explorador e escritor Dan Buettner percorre cinco localidades —
Okinawa (Japão), Sardenha (Itália), Icaria (Grécia), Nicoya (Costa
Rica) e Loma Linda (Estados Unidos) —, chamadas de Zonas
Azuis, onde estão a maior parte das pessoas longevas do mundo.
Seu objetivo foi descobrir o segredo deles e quem assistir vai
constatar que, entre os quesitos, está a alimentação saudável.
A produção tocou fundo na jovem Juliana Baeta Carvalho
que, embora seja formada em direito, se aproximou da
confeitaria durante a pandemia e se apaixonou pelo ofício.
Foi se especializar e abriu a Diblu Gelato, que dispõe de um
cardápio de sorvetes sem lactose nem açúcar refinado, além
de opções veganas.
O campeão de vendas é o que leva o nome da casa, o Diblu,
sabor fior di latte com spirulina azul (microalga rica em
proteínas, vitaminas e antioxidantes que ajudam a prevenir
doenças). E quem pede qualquer sabor pelo delivery ainda
ganha de presente o cartão postal de uma das localidades que
inspiraram o negócio. Um incentivo e tanto para se cuidar,
planejar a próxima viagem e degustar de uma delícia de sorvete.

Endereço:
Rua Balthazar da
Veiga, 250, Vila Nova
Conceição, São Paulo

Horário de
funcionamento:
Terça a domingo, das
11h às 19h.
BRUNO GERALDI / DIVULGAÇÃO

Ali, os
sorvetes
sem açúcar
agradam
até os cães!
Damp Sorvetes
Há pouco mais de meio século, quatro amigos se uniram para
fazer algo diferente de suas respectivas profissões: sorvetes.
Dalton, Arnaldo, Masaniello e Pietro — as iniciais que dão
nome ao empreendimento —, os três últimos italianos, se
encontravam em uma casa no coração do Ipiranga, na Rua do
Manifesto. Os familiares eram usados de cobaia e palpitavam
bastante. Uma delas era Dalmira Soares, casada com
Masaniello e responsável pela loja.
Começaram com sabores básicos, entre eles creme,
chocolate, flocos e morango, e vendiam para supermercados.
No mesmo ponto de encontro do quarteto, fundaram a fábrica
que hoje dá conta de mais de 100 sabores. Alguns ainda estão
em experiência, como o de lavanda. Um dos preferidos dos
clientes, o de água de rosas, foi feito com essência francesa,
após pesquisa em diversos países.
A proprietária revela que o segredo do sucesso da
tradicional sorveteria é sempre inovar e também trabalhar
com ingredientes naturais, que dão a sensação de saborear o
“sorvete de verdade”.

Endereço:
Loja matriz: Rua Lino
Coutinho, 983, Ipiranga,
São Paulo
Loja 2: Calçada Régulo,
27, Centro de Apoio II,
Alphaville, Santana de
Parnaíba
Loja 3: Rua Wanderley,
1159, Perdizes, São Paulo

Horário de
funcionamento:
LEO FELTRAN / DIVULGAÇÃO

Todos os dias, das 10h


às 19h (Ipiranga); 11h às
19h30 (Alphaville); 11h30
às 19h30 (Perdizes).
Gelato Boutique
A experiência na França, onde passou pelo Le Cordon Bleu,
em 2003, aliada à estadia na Itália nos seis anos seguintes,
encorajou a chef gelatière Marcia Garbin a abrir a Gelato
Boutique no seu retorno ao Brasil, em 2015. Foi lá na terra
di gelati que se especializou na iguaria e ganhou o primeiro
reconhecimento pelo seu esforço, mesmo sendo estrangeira:
foi nomeada Gelato Pioneer, símbolo de excelência mundial. É
a única brasileira com o título.
Um pouco depois, arriscou-se no Firenze Gelato Festival —
imagine a concorrência! —, onde apresentou o sabor caffè-lime,
uma mistura de café com limão-taiti. A ideia de misturar dois
sabores bem brasileiros deu certo. Conquistou, com a iguaria, o
prêmio de sabor do ano do festival.
Agradou aos italianos e virou o “queridinho” dos clientes
brasileiros, que diariamente visitam suas lojas e aprovam sua
essência de chef em busca de um sorvete de excelência. Entre os
sabores diferenciados, destaca-se também o zafferano-miele,
uma mistura de açafrão com mel orgânico de castanheira. A
mesmice passa longe.

Endereço:
Loja 1: Rua dos
Pinheiros, 444,
Pinheiros, São Paulo
Loja 2: Av. Paulista,
1230, 4º andar
(Shopping Cidade
São Paulo), Bela
Vista, São Paulo

Horário de
funcionamento:
Todos os dias, das
12h às 22h (Pinheiros),
DIVULGAÇÃO

e das 11h às 22h


(Shopping).
Muito mais
do que Carnaval
TEXTO LUCAS VASCONCELLOS

A viagem para Salvador pode transcender o axé e o


vatapá: berço da cultura negra no país, há museus,
galerias, bares e restaurantes que reinventam os
estereótipos turísticos soteropolitanos

P
rimeira capital do Brasil (1549-1763), Salvador chama
a atenção pela arquitetura colonial, pela cultura afro-
brasileira e pelo litoral paradisíaco. Mas a cidade, musa
de canções eternizadas nas vozes de grandes intérpretes
do país, tem mais a oferecer do que apenas incríveis pontos
turísticos e festas já consolidados no imaginário popular.
VELVET fez uma lista com restaurantes, bares, museus e
galerias imperdíveis para quem vai aproveitar alguns dias na
capital baiana.
SHUTTERSTOCK

Vista do Pelourinho:
arte e gastronomia
em uma Salvador
menos óbvia
REPRODUÇÃO INSTAGRAM
1 2

RESTAURANTES
1. Casa de Tereza | @casadetereza_
Idealizado pela chef Tereza Paim, o restaurante tem como
proposta unir gastronomia, arte e cultura. O casarão que
abriga o Casa de Tereza é decorado com objetos de reúso e
muitas obras de artistas locais, em uma ode à cultura baiana.
O cardápio, assinado por Paim, é feito a partir de ingredientes
genuinamente baianos, mas preparados com técnicas do
mundo, como o ensopado de carneiro com batatas ou o arroz
caldoso de frutos do mar da Baía de Todos os Santos.

2. Amado | @restauranteamado
Com vista para a Baía de Todos os Santos, tem cardápio
assinado pelo chef Edinho Engel, também responsável pelo
Manacá, na praia de Camburi, em São Paulo. A proposta é
uma cozinha contemporânea brasileira: cupim prensado à
cavala ao molho de vinho tinto com musseline de aipim e
cebola assada; bife de chorizo grelhado com chimichurri e
bolinho de aipim com creme de queijo; e caçarola de frutos do
mar à moda creole levemente picante com pasta al nero.

3. Manga | @mangarestaurante
Idealizado pelo casal de cozinheiros Dante Bassi e Kafe Bassi,
está localizado em um casarão renovado e aconchegante.
O cardápio, que respeita a sazonalidade dos alimentos, tem
como destaque o menu degustação: consomé de galinha
caipira com bouquet garni, língua de boi dry-aged (28 dias), e
picolé de jasmim-manga.
4. Orí | @orisalvador 3
Com cardápio elaborado pelos
chefs Fabrício Lemos e Lisiane
Arouca, que também assinam
o Origem e o Mini Bar Gem,
está localizado no bairro Horto
Florestal. O menu tem como
base a cozinha baiana: baião de
polvo, ravioli de vatapá, feijoada
de frutos do mar e mais. 4

5. Dona Mariquita
@donamariquita
A proposta é resgatar as comidas
típicas regionais servidas nas
feiras livres da Bahia. Para isso,
a chef Leila Carreiro traz para a
sua culinária ingredientes como
mariscos, sementes e folhas, 5
mesclando influências indígenas,
africanas e sertanejas. No
cardápio, pratos como carne
de fumeiro com farofa d’água;
maniçoba com arroz; rabada
com agrião; feijoada com
mocotó, entre outros.

Bares

6. Purgatório Bar
@purgatorio.bar
A carta de drinks, assinada por 6
Jonatan Albuquerque, consultor
em mais de 50 bares pelo Brasil,
tem clássicos e signatures. O
cliente só recebe o endereço após
REPRODUÇÃO INSTAGRAM

a confirmação de reserva no site.


Na carta, há algumas releituras
exclusivas dos coquetéis mais
consumidos no mundo.
7 8

REPRODUÇÃO INSTAGRAM
7. Mini Bar Gem Museus
@minibargem
À frente do estabelecimento 9. Museu de Arte
estão os chefs Fabrício Lemos e Contemporânea da Bahia
Lisiane Arouca. Em um espaço @mac_bahia
aconchegante, com bastante Inaugurado em setembro
madeira na decoração — há de 2023, o MAC Bahia
até balanços — é possível está localizado no
degustar, além de clássicos da Palacete do Comendador
coquetelaria, uma carta com Bernardo Martins
drinks autorais, como o Patuá, Catharino, readequado
que mistura bourbon, cachaça para receber obras
amburana, frutas e ervas. e projetos de arte
contemporânea. No
8. Pereira espaço Casa, o visitante
@pereira_restaurante encontra um acervo
Entre o porto e o Farol da transferido do Museu
Barra, com vista espetacular, de Arte Moderna da
pode-se degustar desde Bahia, com cerca de 175
chopps e cervejas geladas trabalhos de 102 artistas
a drinks autorais da casa, de diferentes regiões
como o Pereira Umbu Mule do país. Outros espaços
(vodka, suco de limão, açúcar contam com exposições
e espuma de umbu). temporárias.
10

11 10. Pivô Salvador | @pivosalvador


Após anos apenas em São Paulo,
a Boulevard Suíço, em Salvador,
palco de diversas manifestações
culturais e berço de muitas ideias
e encontros, sedia a nova unidade
do Pivô. O museu conta com um
programa que se articula entre
projetos comissionados, exposições,
programas públicos, publicações e
residências artísticas.

11. Museu da Cultura Afro-


Brasileira | @muncab.oficial
O conteúdo do MUNCAB é voltado
para a valorização de aspectos
12 da cultura de matriz africana,
destacando a sua influência sobre
a formação brasileira. Os trabalhos
falam sobre identidade negra, da
África como o continente onde
se originou a humanidade, da
questão do tráfico de pessoas que
REPRODUÇÃO INSTAGRAM

foram escravizadas, da resistência


negra, quilombos e revoltas; além
das contribuições na culinária,
religiosidade e festas populares.
13 14
REPRODUÇÃO INSTAGRAM

12. Museu Afro-Brasileiro apenas por Lázaro, tem


da UFBA | @mafroufba um acervo com cerca
O MAFRO possui um acervo de de 30 mil negativos que
mais de 1100 peças de cultura mostram o cotidiano
material africana e afro- dos afrodescendentes
brasileira. Entre elas, coleções em diversas temáticas
com instrumentos musicais, e contextos populares,
esculturas, cerâmicas e principalmente a memória
máscaras. O espaço ainda do movimento negro baiano.
abriga exposições temporárias No site, é possível conferir
e de longa duração. parte do acervo.

Galerias 14. Paulo Darzé


@paulodarzegaleria
13. Zumví O foco da galeria é a arte
@zumviarquivofotografico brasileira contemporânea.
O Zumví Arquivo Fotográfico Ao longo do ano, novas
é uma instituição idealizada exposições de obras criadas
na década de 1990 por Lázaro com exclusividade para
Roberto, Aldemar Marques a Paulo Darzé entram em
e Raimundo Monteiro, três cartaz no espaço. Na foto,
jovens negros das periferias obra da artista plástica
de Salvador. Hoje tocada Nádia Taquary.
A playlist de
Russo Passapusso
O vocalista da banda BaianaSystem fez uma seleção
especial com cinco discos para você conhecer e
explorar a música brasileira

DARYAN DORNELLES

“Isso Vai Dar Repercussão”, de Itamar


Assumpção e Naná Vasconcelos
“Tem esferas rítmicas, além de ser a união
de dois grandes músicos, pensadores
e compositores. Uma tradução de
brasilidade em um potencial perfeito, por
tratar de camadas tão minimalistas e tão
completas. Fala de samba sem ser estereotipado. Tem uma
liberdade tão grande que ultrapassa o que a gente conhece
como a música mais livre, no conceito de jazz. É uma obra a ser
exaltada, como Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos, dentro
do processo de música brasileira. Afrofuturista, tem um nome
maravilhoso e já deixa clara a grandiosidade a que se propõe.”
“3 Sessions in a Greenhouse”, de Lucas Santtana
“É o álbum que mais vendi quando
trabalhava em lojas, ainda na época do
CD. Lucas Santtana é um grande nome da
música brasileira em composição, e segue
produzindo. ‘3 Sessions in a Greenhouse’ é
bom para o verão, tem letras maravilhosas
e uma relação muito forte de Bahia com
Recife. A leitura mostra que o dub não é
feito só para o reggae, mas é uma estética
que também é pop.”

“Roots”, do Sepultura
“É único na música mundial. A fusão com
Carlinhos Brown, o respeito com a música
indígena, o axé e a música afrodescendente
é muito forte. É um momento singular na
história do rock brasileiro e foi influência para
vários projetos. É metal bem colocado, tem
Nordeste ali dentro e nada é estereotipado.”

“Krishnanda”, de Pedro Sorongo


“Referência em som espiritual, e em
ensinamentos sobre a preservação do
planeta. É para trazer consciência, além
de ter arranjos, uma relação percussiva
e um entendimento de ambiente musical
maravilhosos.”

“Cheiro de Mato”, de Rosinha de Valença


“Rosinha de Valença é uma musicista
que tem participação fundamental na
música brasileira. Mostra como a música
brejeira é essencial. Na sua estrutura, tem
relações com o jazz e o soul, mas respeita
principalmente o regional, além de trazer
uma paz imensa.”
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Praia de Barra
Grande: esporte
radical em paisagem
estonteante

OS VENTOS
DO NORTE
TROUXERAM
O KITE
TEXTO PAULO VIEIRA

Ana Carina Homa, da Landscape Best Trips, indica


cinco lugares no Nordeste brasileiro para praticar o
kitesurf. O turismo de aventura nas praias ficou muito
mais interessante
P
or conta de seus ventos
generosos, praias do
Rio Grande do Norte,
Ceará, Piauí e Maranhão foram
tomadas por praticantes do
kitesurfe. O Brasil se tornou
referência no esporte e pode
conquistar o ouro nos Jogos
Olímpicos de Paris, em 2024,
quando a atividade estreia como
modalidade olímpica. Quem
representa o país na França
é o maranhense Bruno Lobo,
bicampeão pan-americano de
Fórmula Kite.
As condições para sua prática no Nordeste brasileiro são
soberbas. Além dos ventos ideais, há a temperatura da água,
amabilíssima; e, para os estrangeiros, a força de suas moedas
perante o real. Assim, pontos do litoral desses quatro estados
viraram verdadeiras mecas do kite e, com isso, mudaram
(para muito melhor) os atrativos turísticos desses lugares.
A potiguar São Miguel do Gostoso, as cearenses Preá e Icaraí
de Amontada, a piauiense Barra Grande e a maranhense Atins,
na boca do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, hoje
são destinos de turismo que misturam a beleza (e alguma
brutalidade) da natureza com o conforto e o bom gosto.
Pipocaram nessas localidades pousadas de estilo rústico-chique,
normalmente pequenas, extremamente confortáveis e integradas
à natureza; restaurantes autorais, no mais das vezes criados
ou tocados por estrangeiros. E há, ainda, certa preocupação
social, marcante entre os forasteiros que se defrontaram com
uma situação de desigualdade social explícita e que, diante isso,
ajudaram na criação de projetos que beneficiam a comunidade e
têm justamente o kite como protagonista.
Testemunha privilegiada desse movimento, Ana Carina Homa,
proprietária da operadora de turismo de experiência Landscape
Best Trips, de São Paulo, costuma levar muitos viajantes para a
região — alguns deles praticantes de kite, outros dispostos a
aproveitar o melhor da vida nas areias brasileiras.
ACERVO PESSOAL
AS PISCINAS DE GOSTOSO
São Miguel do Gostoso (RN)
A cerca de 110 quilômetros de Natal pela BR-101 e sem qualquer
dificuldade de acesso, essa cidade de 10 mil almas no litoral
potiguar ganhou certa fama com a chegada da galera do
windsurfe, que logo achou que apenas velejar sobre as águas
seria um tanto limitador. Logo, Gostoso virou um local do kite, e
se estruturou para receber praticantes e simpatizantes.
Ali, há uma viela que leva à Praia da Xepa, onde ficam o
Palmira e o Gênesis Resto Bar. O primeiro tem influência
argentina perceptível na carne e na adega, mas oferece
também massas caseiras e fusões, como o camarão empanado
no gergelim com molho de cajá. Já o segundo é um point de
alquimias culinárias e apresentações sofisticadas de pratos.
Para quem não veleja, é bom saber que algumas das piscinas
naturais mais famosas do Rio Grande do Norte estão próximas,
como os parrachos de Perobas e Maracajaú. Há ainda bugues,
bikes e quadriciclos disponíveis para passeios na região.
VIZINHA DE JERI
Praia do Preá (CE)
O vilarejo a cinco quilômetros de Jericoacoara conseguiu
crescer e se estabelecer com garbo sem pagar pedágio à
popularização do vizinho famoso, beneficiando-se também da
ampliação do aeroporto de Cruz, a meia hora de carro. Um dos
epicentros do kite no Ceará, já que seus atrativos são quase
exclusivos do esporte — e todos eles mais ou menos acolhidos
pelo “cluster” Rancho do Peixe, que faz as vezes de pousada,
restaurante, guarderia e escola de kite para iniciantes. Seja
como for, reserve um dia para ver o famoso pôr do sol na Pedra
Furada e uma noite para jantar em Jeri — no restaurante
Éllo, no vibrante Tamarindo ou no Restô Pará, com a marcante
culinária paraense, a mais celebrada do Brasil atualmente.

ACERVO PESSOAL
CEARÁ DE ÁGUAS TURMALINAS
Icaraí de Amontada (CE)
O local de kite preferido de Ana Carina, pelas “águas
turmalinas” e por ser uma “linda vila de pescadores com
ótimos restaurantes de especialidades diferentes”. Parada
central na chamada rota do poente do Ceará, está a 200
quilômetros de Fortaleza e tem no pôr do sol no mar um
espetáculo permanentemente em cartaz, avistado de qualquer
ponto de “Icaraizinho”. Nem mesmo as torres de energia eólica
incomodam no visual da Enseada dos Patos, com ventos de 30
nós durante todo o segundo semestre (estação de ventos). No
vizinho Rio Aracatiaçu, em Moitas, dá para curtir a paisagem.
Para quem busca um lugar de comida autoral com drinques de
distinção, há o Zin, dentro da pousada Café Zapata.

ACERVO PESSOAL
OS IGARAPÉS DO PIAUÍ
Barra Grande (PI)
A 70 quilômetros de Parnaíba, no diminuto litoral piauiense,
e a 400 de Teresina, foi uma das praias nordestinas que mais
se beneficiou com o fluxo turístico provocado pelo kitesurfe.
Hoje o lugar tem alguns restaurantes de cardápio muito
acima da média, como o La Cozinha, tocado pelo belga Hervé
Witmeur há mais de dez anos. Ali, pode-se degustar picanha
com pesto de caju e peixes em combinações variadas. Adepto
da permacultura e da agrofloresta, Witmeur cultiva alimentos
orgânicos em 14 hectares de terra no Piauí. Eles abastecem
seus restaurantes (é dele o Éllo, em Jeri) e o excedente é
vendido para a população local.
Outra atração de Barra Grande, o Manga Rosa tem pratos
menos ousados, mas nem por isso menos recomendáveis: o
escondidinho e o peixe ao molho de manga e pimenta-rosa são
bons exemplos. O vilarejo tem ainda uma espécie de parque de
food trucks, com carros de pizza, wraps e hot-dog. Dali, para
quem não pretende passar todos os seus dias sobre o kite, é
possível fazer um passeio de canoa para ver cavalos-marinhos
(sucesso com a criançada), que são devolvidos ao rio logo após
a captura. Ainda dá para conhecer o delta do rio Parnaíba,
que se vende como o maior delta fluvial do continente, mas
que vale mesmo pelos muitos igarapés e pelas ilhas que
testemunharam o apogeu e a decadência do ciclo algodoeiro.
ACERVO PESSOAL
ACERVO PESSOAL
PAISAGENS MARANHANSES
Atins (MA)
A cidade está do lado de Barreirinhas, que é a capital informal
do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e, portanto,
seu principal acesso. Com mar, ventos, rio e aquela infinidade
de lagoas em meio às dunas, Atins é menos exclusiva, pode-
se dizer, dos kitesurfistas, mas vale muito a viagem. O kite
ajudou a aprimorar a “cena” também aqui, e hoje há vida
noturna e hits gastronômicos como os camarões com os molhos
que você quiser e a frigideira do pescador da Casa de Juja,
sucursal pé na areia do restaurante famoso de São Luís. Há os
famosos camarões da Luzia, à beira-mar, no Canto de Atins.
É um programa que entra no combo dos muitos viajantes que
passeiam em 4x4 pelas lagoas do Parque Nacional, portanto,
o lugar pode demandar alguma paciência nos horários mais
concorridos. De Atins é possível fazer um (longo) passeio que
pode entrar no cardápio do viajante disposto a experiências
mais genuínas e despojadas — a caminhada de pelo menos
três dias pelo interior do parque, com estadias em casas de
moradores nos oásis de Baixa Grande e Queimada dos Britos.
A chegada da jornada é em Santo Amaro, em outro ponto do
Parque. Atins está a uma hora de barco de Barreirinhas, que fica
a 200 quilômetros de São Luís em estrada em boas condições,
mas de pista simples.
Navegar Kite ainda pode ajudar
eu quero a preservar praias

VAI COM O VENTO


Assim como a bicicleta, o barco
e até mesmo uma prancha
de paddle, o kite pode ser
utilizado para mobilidade. O
“downwind” é uma prática
comum dos velejadores que vão
se deslocando por dezenas de

JANJÃO
quilômetros (às vezes mais de 50
km em um único dia), na direção do vento. Um local bastante
procurado é de Barra Grande, no Piauí, na direção oeste, rumo ao
Delta do Parnaíba. Mas há empresas que oferecem estrutura para
a Rota das Emoções inteira — ou seja, de Jeri, no Ceará, a Atins,
já na entrada dos Lençóis Maranhenses. São oito dias velejando
sobre lagoas, mar, mangue e dunas incontáveis, com velejos
máximos de 60 quilômetros diários e dois dias de descanso.

VELEJO DE RESPONSA
Dentre os vários projetos de
responsabilidade social e ambiental que
têm o kite como personagem central, o Kite
for the Ocean talvez seja o mais conhecido.
ACERVO PESSOAL

Em 2023, pelo terceiro ano consecutivo,


a iniciativa do grupo Winds for Future,
organizada por grupos de velejadores da
praia do Cumbuco, no Ceará, alcançou a meta de levar o maior
número de velejadores ao mesmo tempo para o mar (ou para
lagoas, rios etc.). E, com isso, entrar pela terceira vez consecutiva
no Guiness. Desta vez, foram mais de 600 pessoas em mais de 30
países velejando um total de 77 mil km. A ideia era que cada um
desses quilômetros se convertesse na remoção de um quilo de lixo
do oceano. É pouco diante das verdadeiras muralhas de lixo que
se acumulam nos mares, mas é assim que se começa.
Uma vida
dedicada à arte
TEXTO FELIPE MACHADO

Há mais de cinco décadas atuando como marchand


e dona de uma das galerias mais importantes do
país, Raquel Arnaud é um dos grandes nomes da arte
contemporânea brasileira
GALERIA RAQUEL ARNAUD
A
carreira de Raquel Arnaud foi tecida com personagens
fundamentais para a cultura do Brasil e seu nome se
confunde com a arte contemporânea do país. Nascida
em Guaratinguetá, interior de São Paulo, mudou-se para a
capital na infância. Fascinada pelo ambiente cosmopolita,
passou a frequentar o Museu de Arte de São Paulo, na época
em que sua sede ainda era no Centro. Fez ali um curso que
mudaria sua vida — “História da Arte”, com o professor
Wolfram Pfeiffer.
Seu primeiro marido, Oscar Segall, filho do pintor Lasar
Segall, levou Raquel ao epicentro do mundo artístico
brasileiro, mas foi a sogra, Jenny Klabin Segall, que ensinou na
prática o ofício que lhe daria uma carreira pelo resto da vida.
Após a morte do marido, em 1957, Jenny catalogou suas
obras e fez uma curadoria de todo o acervo. Promoveu
exposições na Europa e em Israel, além de transformar a
própria casa no que é hoje o Museu Lasar Segall. Raquel
era sua assistente e ajudava na montagem das mostras
internacionais, aprendendo tudo sobre aquele universo — e
se apaixonando cada vez mais por ele.

Boate de Particules, de Arthur


Luiz Piza, de 2015
Obra de Iole de Freitas, sem
título, de 2022
Amizade que muda a história (da arte)
Em uma exposição de Lasar Segall em Florença, na Itália,
Raquel conheceu Pietro Maria Bardi, fundador do MASP.
A amizade levou a um convite para trabalhar no recém-
inaugurado e icônico prédio na Avenida Paulista: “não
quero que você trabalhe com pessoas de negócios, o MASP
precisa de alguém que conheça Van Gogh”. O ano era 1968,
ela já estava separada de Oscar e esse era um convite que
não podia recusar. “Fiquei feliz e fui contratada para o
prédio recém-inaugurado na Avenida Paulista. Era uma
felicidade e um aprendizado sem fim para mim”, diz.
Em 1970, Bardi a apresentou a um jovem cineasta
argentino, recém-chegado da Europa, que queria fazer
um documentário sobre o MASP. Seu nome era Hector
Babenco. Raquel não apenas levantou o apoio financeiro
para o projeto, como conquistou o coração do diretor. Ela e
Babenco casaram-se no ano seguinte e tiveram uma filha,
Myra Arnaud Babenco.
Com a experiência adquirida, Raquel Arnaud foi
trabalhar na Galeria Collection, onde conheceu a curadora
Mônica Filgueiras, em 1973. Nascia ali uma parceria que
levaria as duas, mais tarde, à bem-sucedida sociedade no
Gabinete de Artes Gráficas. Raquel adquiriu cinco peças
de um escultor que havia lhe chamado a atenção. Sergio
Camargo, carioca radicado em Paris. Quando ele voltou
ao Brasil, quis conhecer a mulher que havia comprado
suas obras. Ficaram amigos — e Raquel tornou-se sua
marchand. “Como marchand, sempre mantive boas
relações com os artistas com quem trabalhei. Tem hora de
trabalho e hora de amizade”, conta.

“Como a galeria tem uma determinada linha de


trabalho, somos muito procurados. Mas buscamos
trabalhar com um número limitado de artistas para
uma dedicação maior.”
Contribuições para a arte brasileira
Com o apurado olhar artístico e o respeito do mercado, foi
convidada para ser diretora executiva da Galeria Arte Global,
ligada à Rede Globo. Aproveitou para deixar o Gabinete de Artes
Gráficas com Mônica e fundar seu projeto pessoal, a Galeria de
Arte Raquel Arnaud. Lá trabalhou com nomes que marcaram
a história da arte, como Waltércio Caldas, Sérvulo Esmeraldo,
Willys de Castro, António Manuel, Carlos Cruz-Diez, Iole de
Freitas, João Trevisan, Wolfram Ullrich, entre outros.
Em sua busca por novos talentos e linguagens, tornou-
se referência em um estilo que começava a ganhar força no
Brasil, o neoconcretismo, presente no trabalho de nomes
como Lygia Clark e Amilcar de Castro. Também estimulou a
carreira de jovens promessas, como Nuno Ramos e Tunga.
Passou a ser referência não apenas na arte contemporânea,
mas em muitos de seus subgêneros, como o construtivismo, a
arte cinética e geométrica, além de formatos inovadores como
instalações e performances.

Bicho Linear, de Lygia Clark, de 1960


A preservação da memória – Instituto de Arte
Contemporânea
Preocupada com a preservação da memória de artistas
brasileiros, Raquel Arnaud fundou em 1997 o Instituto de Arte
Contemporânea (IAC), entidade sem fins lucrativos que reúne
documentos e informações relevantes de grandes nomes.
Hoje, seu Núcleo de Documentação e Pesquisa possui mais de
100 mil arquivos digitalizados.
Além de manter viva a memória da arte brasileira por meio
do IAC, Raquel Arnaud segue em atividade em sua galeria, que
continua a ser uma das mais importantes do país. Dedica-se
cada vez mais a novos artistas, compartilhando a experiência
e o conhecimento que acumulou durante mais de cinco
décadas. É uma forma de retribuir ao maravilhoso universo
das artes tudo o que ele lhe deu.

Gigante Dobrada, de Amilcar de Castro, de 2002

Minotauro, de Waltércio
Caldas, de 2017
VOAR OU
CRIAR RAÍZES
FOTOS NANA MORAES
O espetáculo “Enquanto você voava, eu criava raízes”, de
André Curti e Artur Luanda Ribeiro, da Cia Dos à Deux,
estreia em janeiro no Teatro Vivo

A dramaturgia é guiada pelos corpos em diálogo


com as artes visuais, como o cinema, a dança e o
teatro. Nenhuma palavra é dita, mas tudo navega por
várias linguagens. Assim, entre sonho e realidade,
somos apenas um emaranhado de sombras e luzes,
diante do imensurável, da imensidão e do mistério. O
espetáculo é uma caminhada que revela a força do
onírico, um tempo-espaço em que o
amor e a cura são manifestações de nossa
consciência para além de nossos medos,
angústias e feridas profundas.
Um portal, a suspensão de um devaneio nos
conduz aos nossos próprios abismos. Uma
experiência para ver com os ouvidos e ouvir com
olhos. As vozes serão silêncios e os olhares abissais.
A ÚLTIMA SESSÃO DE FREUD,DE MARK ST. GERMAIN
Teatro Vivo
Endereço: Av. Chucri Zaidan, 2460 - Vila Cordeiro, São
Paulo - SP, 04583-110
Duração: 55 min
Classificação: 18 anos
Ingressos: R$ 100

Temporada: de 19/01 a 10/03/24


Sex e Sáb, às 20h | Dom, às 18h
Obs: Não haverá sessão nos dias 9, 10 e 11/2 - Carnaval
Direção Criativa
Christian Gebara

Comitê Editorial
Dante Compagno, Marina Daineze, Flávia
Carneiro, Raphael Mesquita, Marina Beer,
Sabrina Romero

Edição Executiva
Isaac Trabuco

Relações Públicas
Patrícia Lisboa

Estratégia de canais e distribuição


Gabriela Vieira, Larissa Farese,
Paulo Os Vilarinho, Thiago Oliveira

Produção
Coração da Selva
Produção executiva: Georgia Costa Araújo
Gestão de projeto: João Andrade
Produção: Isabella Bassi
Diretora de conteúdo: Luciana Bugni
Textos: Claudia Castelo Branco, Felipe
Machado, Lucas Vasconcellos, Luciana
Bugni, Miriam Gimenes, Natália Eiras e
Paulo Vieira
Diagramação: Isabella Pisaneski
Identidade visual: André Stefanini e
Cristiano Gonçalo

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