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Histeria 

Somatização Conversão e Dissociação
Autores:
José Gallucci Neto
Médico Assistente e Chefe da Enfermaria Mista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Pós-graduando do Departamento de Psiquiatria da
FMUSP. Médico Psiquiatra Interconsultor do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Renato Luiz Marchetti
Doutor em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Médico Assistente e Coordenador do Projeto de
Epilepsia e Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria (Projepsi). Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP).
Última revisão: 19/09/2009
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A HISTERIA COMO COMPORTAMENTO


A palavra histeria, sem dúvida, é um dos termos mais conhecidos da psiquiatria.
Seu uso consagrado nos manuais clássicos de psiquiatria desapareceu com a
evolução da nosologia psiquiátrica atual e com o advento dos modernos manuais de
classificação da Associação Psiquiátrica Americana a partir dos DSM-III e DSM-IV.
Nestes novos modelos nosológicos, o termo histeria foi desmembrado de acordo com
a localização ou a origem dos sintomas. Os sintomas histéricos de natureza física
(sensitivo-motor) passaram a ser denominados somatoformes (incluindo-se aqui a
conversão e a somatização) e as manifestações de natureza psicológica passaram a
ser denominadas dissociativas. Apesar das inúmeras vantagens dessa nova divisão
categorial, a separação da histeria segundo uma visão dualista-cartesiana limitou o
avanço no entendimento e nas pesquisas ligadas aos fenômenos histéricos, na
medida em que privilegiou o estudo de sinais e sintomas isoladamente,
descontextualizados de seus objetivos e significados sociais.
A histeria deve ser entendida como um comportamento e não como uma doença
em si, já que o paciente apresenta uma gama de sintomas “direcionados” para
mimetizar uma doença física ou psicológica. Este “comportamento de doença”, cuja
origem está no significado social de “estar doente” e cujo objetivo está nos ganhos e
vantagens que o papel de doente representa, é, na verdade, uma ação desviante
desenvolvida pela crença de “estar doente” que fornece ao paciente uma saída
honrosa (socialmente aceitável) para a impossibilidade de resolução de problemas ou
dilemas pessoais. Ao contrário do que muitos imaginam, a histeria permanece tão
prevalente atualmente quanto era no passado. Ela se “modificou” seguindo as
mudanças sociais ligadas ao conceito de doença e se adaptou para melhor imitá-la.
Não raramente, apresenta-se hoje em dia sob a faceta de um transtorno psiquiátrico.
 
SOMATIZAÇÃO
Origem do Conceito e Definições
O termo somatização foi criado em 1943 por Stekel para definir um “distúrbio corporal que surge como
expressão de uma neurose profundamente assentada, uma doença do inconsciente”. Na literatura
médica, diversos autores usam o termo “somatização” com significados variados, muitos chegando a usá-
lo como sinônimo de histeria e de conversão. Na verdade, o termo deriva da conceituação original da
conversão, feita por Freud, e dos estudos sobre a histeria feitos inicialmente pelo médico francês Pierre
Briquet, em 1859. De forma didática, podemos operacionalizar e entender o termo somatização de quatro
formas:
 
      como sintomas somáticos ou queixas físicas inexplicáveis;
      como preocupação somática excessiva ou hipocondríaca;
      como apresentação somática clínica de um transtorno de humor, de ansiedade ou outro transtorno
mental;
      como sintomas somáticos no contexto de uma síndrome clínica funcional (fibromialgia, cólon irritável,
fadiga crônica).
 
Diversas doenças clínicas, muitas vezes com etiologia clara ou conhecida
apenas em parte, têm sido estudadas no que concerne à influência de fatores
psicológicos como estresse, ansiedade, estado de humor, traços de personalidade e
de comportamento na gênese ou exacerbação dos seus sintomas. Tais afecções têm
sido historicamente denominadas doenças psicossomáticas, por uma clara associação
de vulnerabilidade para o aparecimento ou piora da doença na concomitância de
estressores psicológicos ou psicossociais. As chamadas doenças psicossomáticas
(p.ex., asma, úlcera péptica, retocolite ulcerativa, hipertensão arterial sistêmica, artrite
reumatoide, psoríase, lúpus eritematoso sistêmico) diferem do que chamamos de
somatização pelo conhecimento da existência de mecanismos fisiopatológicos que
explicam os sintomas apresentados, enquanto a somatização pressupõe a presença
de sintomas físicos inexplicáveis. Além disso, no transtorno de somatização,
encontramos uma psicopatologia específica, em que o sintoma somático apresenta um
valor simbólico característico, o que também diferencia este transtorno dos anteriores.
Define-se, desta forma, somatização pela ocorrência de múltiplos sintomas físicos significativos que se
originam de diferentes órgãos ou sistemas, os quais não podem ser objetivamente validados nem
completamente explicados por uma condição médica conhecida, efeito direto de uma substância ou
produção voluntária pelo indivíduo.
Estima-se que cerca de 60 a 80% da população apresenta alguma queixa somática durante uma semana
qualquer sem, entretanto, procurar auxílio médico. Quando um paciente procura um médico devido a um
sintoma físico, em 20 até 84% dos casos não se encontra causa orgânica que explique sua queixa. No
entanto, o transtorno de somatização tem sua prevalência de vida estimada entre 0,2 e 2%, já que se
exigem critérios mais restritivos para o seu diagnóstico.
Os desafios na avaliação diagnóstica do transtorno de somatização são dois: a diferenciação com
doenças clinicamente relevantes que cursam com sintomas flutuantes provenientes de diferentes
sistemas (esclerose múltipla, lúpus eritematoso sistêmico e porfiria aguda intermitente), e a prevenção de
procedimentos diagnósticos invasivos e iatrogênicos. Outro desafio não menos importante é a
comunicação diagnóstica adequada, evitando reações psicológicas disfuncionais, como vergonha, culpa,
negação ou ambivalência, que acabam por afastar o paciente do médico, fazendo invariavelmente com
que ele procure outro serviço de saúde.
 
Relevância do Problema
Segundo estudos realizados nos EUA, estima-se que 10% dos recursos financeiros destinados aos
serviços de saúde do país são utilizados em pacientes com transtornos somatoformes, o que dá uma
ideia aproximada da dimensão econômica do problema.
O transtorno de somatização acarreta problemas sociais e psicológicos, ocorrendo em indivíduos jovens
que podem se tornar incapazes de trabalhar ou estudar. Do ponto de vista médico, os pacientes podem
não receber o tratamento adequado e ficar expostos a procedimentos iatrogênicos. Há uma clara
deterioração da qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.
 
Achados Clínicos
A característica essencial da somatização é um padrão de múltiplas queixas somáticas recorrentes
e clinicamente significativas, sendo muito mais comum nas mulheres do que nos homens. A prevalência
de vida, que é de 2% no sexo feminino, não atinge 0,2% no sexo masculino. Frequentemente os sintomas
somáticos se iniciam na adolescência, sendo que, nas mulheres, queixas de dificuldades menstruais
podem representar um dos sintomas mais precoces. Para o diagnóstico de transtorno de somatização, os
sintomas devem ter início antes dos 30 anos. O início de múltiplos sintomas físicos em um período tardio
da vida é quase sempre devido a uma condição médica geral. Como a exclusão de causas orgânicas que
justifiquem as queixas é obrigatória, o diagnóstico de transtorno de somatização não deve ser suspeitado
de maneira prematura, sem que antes uma anamnese minuciosa e um exame físico detalhado tenham
sido feitos. Uma queixa somática deve ser considerada clinicamente significativa se resultar em
tratamento médico (tomar um remédio ou submeter-se a uma cirurgia) ou causar prejuízo significativo no
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
 
Apresentação dos Sintomas Somáticos
Uma revisão completa dos tratamentos somáticos e hospitalizações sofridos pelo doente pode revelar um
padrão de queixas somáticas frequentes. Os sintomas se apresentam de forma crônica e flutuante,
raramente apresentando remissão completa. Estes incluem:
 
1.    Dor, que pode ser percebida em várias partes do corpo (cabeça, pescoço, abdome, costas, tórax,
articulações, reto) e em diversas situações (durante atividade sexual, micção, menstruação). Por
definição, a somatização deve conter sintomas álgicos oriundos de diversas partes do corpo, ocorrendo
aleatoriamente em relação ao tempo e à localização física.
2.    Sintomas gastrintestinais autonômicos com náusea, diarreia, vômitos e intolerância alimentar.
3.    Distúrbios sexuais e do sistema reprodutor com irregularidade menstrual, vaginismo, impotência e
indiferença sexual.
4.    Sinais e sintomas pseudoneurológicos que não dor, tais como fraqueza, paralisia, dificuldade na
deglutição ou “bolo” na garganta, desequilíbrio, afonia, retenção urinária, alucinações, amnésia, surdez,
cegueira, crises “convulsivas” e perda da consciência (Tabela 1).
 
Tabela 1: Critérios diagnósticos para transtorno de somatização (DSM-IV, APA, 2000)
Critéri
o Descrição
Um histórico de muitas queixas físicas com início antes dos 30 anos de
idade, que ocorrem por um período de vários anos e resultam em busca de
tratamento ou prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional ou
A em outras áreas importantes do funcionamento do indivíduo.
B Cada um dos seguintes critérios deve ter sido satisfeito, com os sintomas
individuais ocorrendo em qualquer momento durante o curso do distúrbio:
1)     quatro sintomas dolorosos: histórico de dor relacionada a pelos
menos 4 locais ou funções diferentes (cabeça, abdome, costas, tórax,
articulações, extremidades, reto, durante a menstruação, durante a relação sexual
ou durante a micção).
2)     dois sintomas gastrintestinais: histórico de pelo menos dois sintomas
gastrintestinais outros que não dor (náusea, inchaço, vômito outro que não
durante a gravidez, diarreia ou intolerância a diversos alimentos)
3)     um sintoma sexual: histórico de pelo menos um sintoma sexual ou
reprodutivo outro que não dor (indiferença sexual, disfunção erétil ou
ejaculatória, irregularidades menstruais, sangramento menstrual excessivo,
vômitos durante toda a gravidez)
4)     um sintoma pseudoneurológico: histórico de pelo menos um
sintoma ou déficit sugerindo um problema neurológico não limitado a dor
(sintomas conversivos como prejuízo de coordenação ou equilíbrio, paralisia ou
fraqueza localizada, dificuldade na deglutição ou nó na garganta, afonia, retenção
urinária, alucinações, perda de sensação de tato ou dor, diplopia, cegueira,
surdez, convulsões; sintomas dissociativos como amnésia ou perda da
consciência outra que não por desmaio)
1 ou 2:
1)     após investigação apropriada, nenhum dos sintomas no Critério B
pode ser completamente explicado por uma condição médica geral conhecida ou
pelos efeitos diretos de uma substância (p.ex., droga de abuso, medicamento)
2)     quando existe uma condição médica geral relacionada, as queixas
físicas ou o prejuízo social ou ocupacional resultante excedem o que seria
C esperado a partir do histórico, do exame físico ou dos achados laboratoriais
Os sintomas não são intencionalmente produzidos ou simulados (como no
D transtorno factício ou na simulação)
 
Exame do Estado Mental do Paciente com Somatização
Os pacientes com transtorno de somatização descrevem suas queixas de forma dramática e exagerada.
Eles frequentemente oferecem histórias vagas, inconsistentes, em que faltam informações factuais
específicas, dificultando a coleta de dados na anamnese. Apresentam labilidade emocional, são
sugestionáveis, têm dificuldade de se concentrar em detalhes específicos da sua história ou quando
solicitados para realizar tarefas trabalhosas. Nestas situações, ou quando se sentem incompreendidos ou
rejeitados, não é raro apresentarem os sintomas dos seus problemas, numa “demonstração” de suas
somatizações. Tais pacientes negam de maneira veemente qualquer associação de seus sintomas com
problemas ou estressores psicológicos. Frequentemente se recusam a abordar seus problemas pessoais,
a não ser sob a perspectiva do seu problema de saúde. Sentem-se rejeitados e incompreendidos pelo
que os seus familiares ou médicos pensam dos seus sintomas, por considerarem que eles os acusam de
forjarem os sintomas. Estão à procura constante de aceitação. Frequentemente a avaliação dos pacientes
com somatização provocam reações de irritação e rejeição por parte do examinador, em função da
inconsistência e exagero das queixas, o que leva a uma deterioração do padrão de comunicação na
relação médico-paciente.
 
Diagnóstico Diferencial
Pelo menos quatro patologias médicas com substrato orgânico conhecido se apresentam com queixas
flutuantes em diferentes sistemas ou órgãos, podendo então mimetizar um transtorno de somatização:
 
      esclerose múltipla;
      lúpus eritematoso sistêmico;
      porfiria aguda intermitente;
      mitocondriopatias.
 
Outras condições que podem se apresentar com sintomas vagos e confusos,
como hiperparatireoidismo, doença de Lyme, hemocromatose ou doença parasítica
crônica, também devem ser afastadas.
Vários transtornos mentais podem se apresentar com queixas somáticas, sendo
que os mais comuns (transtornos do humor e de ansiedade) são muito mais
prevalentes do que o transtorno de somatização. Cerca de 50% de todos os pacientes
que procuram atendimento psiquiátrico em unidade básica de saúde e recebem algum
diagnóstico se apresentam, inicialmente, com queixas exclusivamente somáticas. Já
em relação aos pacientes que recebem o diagnóstico de transtorno depressivo maior
ou transtorno de pânico, cerca de 75% apresentam somente queixas somáticas numa
primeira entrevista.
Embora o transtorno de somatização seja caracterizado por queixas somáticas
sem correlação com anormalidades orgânicas, as síndromes clínicas chamadas de
funcionais também são definidas pela ausência de alterações laboratoriais. São,
portanto, diagnosticadas por meio de critérios diagnósticos que se baseiam na
descrição de sintomas e no curso natural da doença, de modo análogo aos critérios
diagnósticos propostos nos manuais modernos de psiquiatria.
As três síndromes clínicas funcionais mais importantes do ponto de vista do
diagnóstico diferencial do transtorno de somatização são a síndrome da fadiga
crônica, a fibromialgia e as síndrome do cólon irritável.
O abuso de álcool deve sempre ser considerado em pacientes que mantêm
múltiplos sintomas somáticos crônicos e vagos. O uso crônico do álcool favorece o
aparecimento de distúrbios do sono, traumas por queda, alterações nutricionais e
metabólicas que podem cursar com inúmeros sintomas somáticos, como cefaleia,
parestesias, fraqueza, fadiga, palpitações, dor em extremidades e queixas
gastrintestinais.
Se há suspeitas de que os sintomas possam ser intencionalmente produzidos,
devemos investigar a existência de dois transtornos mentais
distintos: a simulação (malingering), onde os sintomas (somáticos ou psicológicos) são
intencionalmente produzidos com o objetivo de um ganho secundário claro
(aposentadoria, pensão, redução de pena judicial, e o transtorno factício, em que o
paciente também produz o sintoma de forma intencional, porém com o propósito de
estar no “papel” de doente e sem nenhum benefício secundário claro.
 
Exames Complementares
O diagnóstico de transtorno de somatização é eminentemente clínico, baseado na anamnese psiquiátrica
minuciosa e nos critérios diagnósticos específicos. Exames complementares devem ser solicitados
quando suspeitas diagnósticas claras levarem a um diagnóstico diferencial. A solicitação de exames de
forma indiscriminada e sem critérios objetivos pode contribuir para reforçar a ideia da existência de uma
“doença obscura”, ocasionando manutenção ou piora das queixas, além de expor o paciente a
procedimentos invasivos e iatrogênicos.
Os resultados dos exames são geralmente normais, notoriamente negativos para
as doenças pesquisadas. Achados de anormalidades nos exames complementares
devem ser interpretados cuidadosamente, sempre à luz do quadro clínico. Não
raramente introduzem confusão diagnóstica significativa e contribuem para o
agravamento do transtorno de somatização.
 
CONVERSÃO E DISSOCIAÇÃO
Origem do Conceito e Definições
A investigação da conversão e da dissociação iniciou-se com os estudos originais da histeria, uma
“disfunção do sistema nervoso” como resultado de um evento estressor que atuaria na parte afetiva do
cérebro” de indivíduos vulneráveis, que datam de 1859, ano da publicação do “Tratado clínico e
terapêutico da histeria” de Pierre Briquet. Além de Briquet, outros autores, como Reynolds (1969) e o
neurologista francês Jean Martin Charcot (1889), deram importantes contribuições para o avanço do
estudo do que chamavam de “paralisias e distúrbios das sensações dependentes da ideia”.
Entretanto, o uso do termo conversão surge pela primeira vez nos trabalhos de Sigmund Freud e Josef
Breuer em 1894, para designar um sintoma motor em substituição a uma ideia reprimida. O termo
dissociação surge a partir dos trabalhos de Pierre Janet em 1907, nos quais o autor desenvolve um
modelo de dissociação em que “uma informação é mantida fora da consciência, de forma inalterada, mas
exerce efeitos em funções motoras/sensoriais através de mecanismos inconscientes, originando os
sintomas dissociativos”. É importante ressaltar que tanto Freud como Janet, influenciados pelo trabalho e
contato pessoal com Charcot, postulavam que as informações ou conflitos mantidos fora da consciência
poderiam ser acessados através da técnica de hipnose. Freud, mais tarde, usaria a hipnose também com
finalidades terapêuticas.
Atualmente, define-se conversão como a presença de um ou mais sintomas ou déficits que afetam a
função motora voluntária ou sensorial, sugerindo a presença de uma doença neurológica ou de outra
condição médica que não pode ser comprovada objetivamente. Há fatores psicológicos associados com a
gênese do sintoma ou déficit. A dissociação é definida pela existência de uma perturbação nas funções
habitualmente integradas da consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente. Fatores
psicológicos importantes, como conflitos ou dilemas insuperáveis, também são responsáveis pelo
aparecimento de sintomas dissociativos. Nos dois casos, admite-se a participação de mecanismos
psicológicos inconscientes, ou seja, os sintomas são involuntários.
Tradicionalmente, a avaliação de um paciente com suspeita de um quadro conversivo ou dissociativo
passa pelo desafio de se excluir uma condição médica geral, uso de substância ou doença neurológica
que justifique ou explique a presença dos sintomas motores/sensitivos (paralisias, convulsões,
anestesias, ataxias), no caso de conversão; ou de perturbações das funções mnésticas e integradoras da
consciência (amnésias, fugas, transes, despersonalizações), no caso de dissociação. Cabe ainda
investigar se os sintomas apresentados podem ser de natureza voluntária e motivação consciente
(sintoma simulado), com objetivos externos evidentes, ou de natureza voluntária, mas com motivação
inconsciente (sintoma factício), onde não há benefício externo, mas o desejo de estar “doente”. Deve-se
lembrar, entretanto que, embora o diagnóstico de conversão ou dissociação só possa ser realizado na
ausência de condição médica geral, uso de substância ou doença neurológica que explique os sintomas,
o contrário não é verdade, ou seja, a presença de conversão ou dissociação não exclui a presença dos
anteriores. O mesmo pode-se dizer sobre a presença de incentivos externos evidentes (ganho
secundário), que embora não expliquem conversão ou a dissociação, podem eventualmente estar
presentes, ao menos como elementos perpetuadores. Além disso, conversão e dissociação podem
ocorrer no contexto de outros transtornos mentais, ou de maneira autônoma, como transtornos mentais
independentes.
 
Relevância do Problema
Como o diagnóstico de conversão só pode ser realizado após a exclusão de
problemas neurológicos, estudos epidemiológicos populacionais são escassos e
discutíveis. Uma ideia mais aproximada de prevalência pode ser obtida a partir de
populações mais específicas, no ambiente clínico ou neurológico. Um exemplo é a
prevalência de crises não epilépticas psicogênicas, em sua maioria de natureza
conversiva/dissociativa, que se estima ocorram em até 5% dos pacientes em
ambulatórios de epilepsia e em até 20% dos casos que são avaliados em centros de
epilepsia de difícil controle. Um dos problemas principais com que estes pacientes se
defrontam é o alto índice de iatrogenia, pelo tratamento indevido a que são submetidos
em função de diagnóstico incorreto.
Num ambiente hospitalar, 5 a 15% das consultas psiquiátricas envolvem a
ocorrência de sintomas conversivos. Transtornos dissociativos têm a prevalência
desconhecida na população, mas são considerados relativamente raros. Transtorno de
identidade dissociativo tem chamado a atenção recentemente, mas há bastante
controvérsia com relação à confiabilidade e à validade do diagnóstico, o que torna
avaliações epidemiológicas difíceis.
 
Achados Clínicos
Conversão e dissociação são 2 a 5 vezes mais comuns nas mulheres do que nos homens. A prevalência
de vida é estimada entre 5 e 14% para conversão e 5 e 8% para dissociação, podendo ser bastante
variável de acordo com diferentes estudos. Os sintomas conversivos podem ocorrer em qualquer faixa
etária, porém se iniciam mais comumente durante a adolescência e início da fase adulta. Já os sintomas
dissociativos tendem a aparecer entre a 3a e a 4a década de vida. Raramente vemos estes sintomas antes
dos 10 anos de idade e após os 80 anos.
Os sintomas conversivos têm, em geral, início abrupto e curso variado.
Frequentemente o início das queixas está associado com eventos estressores
significativos. A duração dos sintomas tende a ser curta, mas não sempre, com
remissão ocorrendo dentro de 2 semanas após resolução do conflito ou da situação
estressora desencadeante. Os sintomas conversivos geralmente mimetizam doenças
neurológicas agudas e podem ter apresentações motoras ou sensitivas das mais
variadas formas. Mais raramente podem se apresentar como sintomas viscerais ou
autonômicos (Tabela 2).
 
Tabela 2: Sintomas conversivos mais comuns
Sintomas motores Sintomas sensitivos
Movimentos involuntários Anestesias (especialmente de extremidades)
Tiques Anestesia da linha média
Blefaroespasmo Cegueira
Opistótono Surdez
Crises convulsivas Alucinações
Quedas Sintomas viscerais/autonômicos
Abasia Vômitos psicogênicos
Paralisias Pseudociese
Fraqueza Síncope
Afonia Retenção urinária
Anormalidades da marcha Diarreia
Distonias Globus hystericus
 
A presença de sintomas dissociativos está normalmente associada a eventos
traumáticos específicos, conflitos emocionais evidentes ou dilemas insuperáveis. Os
sintomas frequentemente têm início súbito (quadro agudo) e podem perdurar por horas
ou dias e, mais raramente, meses a anos (quadro crônico). Podem se apresentar
como amnésia, fuga repentina, mudança de identidade, experiências de estar “fora” do
próprio corpo ou ainda experiência de ter o corpo “possuído” por outras
entidades (Tabela 3).
 
Tabela 3: Sintomas dissociativos mais comuns
Amnésia Desrealização
Despersonalização Fuga
Confusão/Alteração de identidade Transe/Possessão
 
Nota-se, desta forma, que a suspeita de um sintoma conversivo ou dissociativo
exige a elaboração minuciosa de uma anamnese biográfica além da história clínica de
rotina, já que a identificação de traumas remotos, como abuso físico e sexual,
associados a fatores psicológicos estressores recentes ou dilemas emocionais
insuperáveis podem auxiliar na compreensão da totalidade do quadro clínico.
 
Fatores Predisponentes
Experiências traumáticas em fases precoces da vida, como na infância, e a
presença de estressores recentes, como problemas psicossociais, dilemas ou conflitos
insolúveis, têm sido implicadas na gênese do aparecimento de sintomas conversivos e
dissociativos, bem como na perpetuação destes na ausência de resolução dos
estressores envolvidos. O convívio com outras pessoas que tiveram problemas
neurológicos ou outras doenças médicas graves pode predispor ao aparecimento de
sintomas conversivos em pacientes sugestionáveis. O testemunho de experiências de
transe de natureza social ou religiosa, ou mesmo a ocorrência recente de alguma
doença somática podem exercer efeito semelhante. História de abuso físico e/ou
sexual também é comum nestes pacientes. A presença de ganhos secundários deve
ser sempre investigada, dos mais óbvios (frequentemente relacionados à simulação)
aos mais sutis, e é necessário julgamento clínico apurado para então se concluir sobre
a natureza voluntária ou não dos sintomas.
 
Critérios Definidores
A presença de sintomas conversivos ou dissociativos na ausência de patologia
médica, uso de substância ou que não são mais bem entendidos através de outro
transtorno mental, pode ser definida como um transtorno independente, a saber:
transtorno conversivo e transtorno dissociativo. A Associação Psiquiátrica Americana,
no seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, exige critérios
específicos para o diagnóstico de transtorno conversivo (Tabela 4) e subdivide os
transtornos dissociativos em: amnésia dissociativa, fuga dissociativa, transtorno
dissociativo de identidade e transtorno de despersonalização (Tabela 5).
 
Tabela 4: Critérios diagnósticos para transtorno conversivo (DSM-IV, APA,
2000)
A. Um ou mais sintomas ou déficits afetando a função motora ou sensorial voluntária,
que sugerem uma condição neurológica ou outra condição médica geral.
B. Fatores psicológicos são julgados como associados com o sintoma ou déficit, uma vez
que o início ou a exacerbação do sintoma ou déficit é precedido por conflitos ou outros
estressores.
C. O sintoma ou déficit não é intencionalmente produzido ou simulado (como no
transtorno factício ou na simulação).
D. O sintoma ou déficit não pode, após investigação apropriada, ser completamente
explicado por uma condição médica geral, pelos efeitos diretos de uma substância ou por um
comportamento ou experiência culturalmente aceita.
E. O sintoma ou déficit causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, ou
indica avaliação médica.
F. O sintoma ou déficit não se limita a dor ou disfunção sexual, não ocorre
exclusivamente durante o curso de um transtorno de somatização, nem é mais bem explicado
por outro transtorno mental.
 Especificar tipo de sintoma ou déficit:
 com sintoma ou déficit motor
 com sintoma ou déficit sensorial
 com ataques ou convulsões
 com quadro misto
 
 
Tabela 5: Critérios diagnósticos para transtorno dissociativo (DSM-IV, APA,
2000)
Amnésia A.               A perturbação predominante consiste em um ou mais
dissociativa episódios de incapacidade de recordar informações pessoais importantes, em
geral de natureza traumática ou estressante, demasiadamente extensa para ser
explicada pelo esquecimento normal.
B.               A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de
transtorno dissociativo de identidade, fuga dissociativa, transtorno de estresse
pós-traumático, transtorno de estresse agudo, ou transtorno de somatização,
nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p.ex., droga de
abuso ou medicamento), de um problema neurológico ou de outra condição
médica geral.
C.              Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo
ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
A.               A perturbação predominante é uma viagem súbita e
inesperada para longe de casa ou do local costumeiro de trabalho do
indivíduo, com incapacidade em recordar o próprio passado.
B.               Confusão acerca da identidade pessoal ou adoção (parcial ou
completa) de uma nova identidade.
C.              A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de
transtorno dissociativo de identidade, nem se deve aos efeitos fisiológicos
diretos de uma substância (p.ex., droga de abuso ou medicamento) ou de outra
condição médica geral (p.ex., epilepsia do lobo temporal).
D.              Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo
Fuga ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas
dissociativa importantes da vida do indivíduo.
A.               Presença de duas ou mais identidades ou estados de personalidade distintos (cada
qual com seu próprio padrão relativamente persistente de percepção, relacionamento e
pensamento acerca do ambiente e de si mesmo).
B.               No mínimo duas dessas identidades ou estados de personalidade assumem
recorrentemente o controle do comportamento do indivíduo.
C.              Incapacidade em recordar informação pessoal importante, demasiadamente extensa
parar ser explicada pelo esquecimento comum.
Transtorno D.              A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p.ex.,
dissociativo de apagões ou comportamento caótico durante intoxicação com álcool) ou de uma condição
identidade médica geral (p.ex., crises parciais complexas).
A.               Experiências persistentes ou recorrentes de sentir-se desligado de si próprio e de
como se o indivíduo fosse um observador externo dos próprios processos mentais ou do próprio
corpo (p.ex., sentir-se como em um sonho).
B.               Durante a experiência de despersonalização, o teste de realidade permanece intacto.
C.              A despersonalização causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no
funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
D.              A experiência de despersonalização não ocorre exclusivamente durante o curso de
outro transtorno mental, como esquizofrenia, transtorno de pânico, transtorno de estresse agudo
ou outro transtorno dissociativo, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância
Transtorno de (p.ex., droga de abuso ou medicamento) ou de outra condição médica geral (p.ex., epilepsia do
despersonalização lobo temporal).
 
Exame do Estado Mental do Paciente com Conversão e Dissociação
Os pacientes com conversão podem descrever suas queixas de forma calma e tranquila, apresentando
certa indiferença em relação à gravidade presumida do sintoma, ou apresentá-las de forma dramática e
histriônica.
Já os pacientes com dissociação podem se apresentar em dois estados distintos: um facilmente
acessível, sem alterações de consciência características, ou outro em que um estado de consciência
“dissociada” pode ocorrer, levando ao aparecimento agudo de sintomas dissociativos (amnésia, transe,
flashbacks, mudanças de personalidade ou humor e estados crepusculares), que constituem um desafio
significativo para o esclarecimento diagnóstico e contribuem para o rompimento do vínculo durante a
entrevista e o exame do estado mental, tornando a coleta de informações problemática. Entretanto, o
paciente opera em um nível mais preservado de consciência do que o associado com epilepsia e
disfunções cerebrais orgânicas. Teatralidade, desencadeamento por perguntas específicas, mudanças
relacionadas ao comportamento do examinador e aspectos “não orgânicos” (desorientação quanto à
identidade pessoal, perdas seletivas de memória, comportamento infantil, discurso com sotaque
estrangeiro etc.) sugerem a natureza dissociativa desta alteração da consciência.
Os pacientes com conversão e dissociação frequentemente oferecem histórias vagas, inconsistentes, em
que faltam detalhes factuais específicos. Muitas vezes apresentam discurso excessivamente
impressionista, mas têm dificuldades de se concentrar em detalhes específicos da sua história.
Apresentam labilidade emocional e são sugestionáveis. Nestas situações, ou quando se sentem
incompreendidos ou rejeitados, não é raro apresentarem os sintomas dos seus problemas, numa
“demonstração” de sua doença.
A hipnotizabilidade é uma capacidade reconhecida destes pacientes. Frequentemente, sob efeito de
hipnose ou por sugestão simples, estes pacientes podem apresentar surgimento, exacerbação ou
remissão completa de um sintoma conversivo ou dissociativo, o que pode ser usado no esclarecimento
diagnóstico.
 
Diagnóstico Diferencial
Diversas condições neurológicas devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de um sintoma
conversivo (Tabela 6). A distinção entre um sintoma conversivo e a presença de uma condição
neurológica pode ser trabalho árduo e, muitas vezes, complexo, mas de extrema importância. Decisões
diagnósticas precipitadas ou baseadas em critérios subjetivos podem ocasionar erros graves. Desta
maneira, a exatidão na investigação diagnóstica diferencial de problemas neurológicos deve ser o objetivo
primordial na presença de qualquer sintoma conversivo, evitando que doenças graves e potencialmente
fatais passem despercebidas ou que o paciente seja submetido a tratamentos iatrogênicos na ausência
de patologia orgânica.
 
Tabela 6: Algumas condições neurológicas que devem ser consideradas no diagnóstico
diferencial de sintomas conversivos
Miastenia grave Esclerose múltipla
Paralisia periódica Neurite óptica
Paralisia parcial das cordas vocais Síndrome de Guillain-Barré
Síndrome “on-off” na doença de Parkinson Miopatias adquiridas
Doenças degenerativas dos gânglios da base Doenças degenerativas dos nervos periféricos
Hematoma subdural Distonias adquiridas e hereditárias
Doença de Creutzfeldt-Jacob HIV
Epilepsia Tumor de SNC
Demências Ataque isquêmico transitório
 
A presença de sintomas dissociativos, principalmente amnésia dissociativa, deve ser diferenciada de
condições neurológicas (Tabela 7), metabólicas ou nutricionais e infecciosas que justifiquem a presença
dos sintomas. A amnésia secundária a causas orgânicas neurológicas e infecciosas se diferencia da
amnésia dissociativa pela ausência de alteração recorrente de personalidade, ausência de seletividade
para informações pessoais, ausência de gatilho ou estressor emocional e permanência do sintoma como
sequela da condição subjacente. As condições metabólicas ou nutricionais cursam com amnésias
reversíveis predominantemente anterógradas, não relacionadas a conflitos psicossociais. Procedimentos
médicos, tais como cirurgias ou eletroconvulsoterapia, também podem ser seguidos de amnésia,
sensação de despersonalização ou ainda fugas. Nestes casos, os sintomas tendem a ser de curta
duração e exibem estreita relação temporal com o procedimento. Nos casos de eletroconvulsoterapia de
manutenção (aplicações quinzenais ou mensais) pode haver queixa amnéstica persistente durante todo o
tratamento. A fuga dissociativa, por sua vez, deve ser diferenciada principalmente da epilepsia do lobo
temporal com crises parciais complexas, que é considerada a causa mais comum de fugas orgânicas.
 
Tabela 7: Algumas condições neurológicas que devem ser consideradas no diagnóstico
diferencial de sintomas amnésticos dissociativos
Acidente vascular cerebral Trauma cranioencefálico
Epilepsia do lobo temporal Hidrocefalia
Síndrome de Korsakoff Demência vascular
Esclerose múltipla Sequela de neurocirurgia
 
O abuso de álcool, drogas e medicações psicotrópicas devem sempre ser
considerado em pacientes que apresentam sintomas dissociativos. O abuso crônico do
álcool favorece o aparecimento de distúrbios do sono, alterações nutricionais
(principalmente deficiência de tiamina) e metabólicas que podem cursar com
síndromes amnésticas graves e confabulação. A intoxicação aguda pelo álcool
também pode ser seguida por “blackouts” de memória, que lembram um episódio de
amnésia dissociativa. Além do álcool, deve-se investigar o uso de diversas
substâncias que podem causar amnésias, fugas e despersonalizações (Tabela 8).
 
Tabela 8: Algumas substâncias de abuso que podem estar associadas a
amnésias, fugas e despersonalizações
Álcool Cannabis
Hipnóticos e sedativos Opiáceos
Cocaína/Anfetaminas Barbitúricos
Inalantes Alucinógenos (LSD, PCP)
 
Descartada a possibilidade de que uma condição médica geral, neurológica ou uso de substância seja
responsável pelo sintoma conversivo ou dissociativo, devemos definir se os sintomas atuais são
secundários a um transtorno psiquiátrico. Sintomas conversivos ou dissociativos ocorrem com frequência
no contexto de outra doença psiquiátrica (Tabela 9), sem configurarem necessariamente um transtorno.
Desta forma, vários transtornos mentais podem se apresentar com queixas conversivas e/ou
dissociativas, sendo que os mais comuns são os transtornos de humor, ansiedade e esquizofrenia.
 
Tabela 9: Transtornos psiquiátricos que podem cursar com sintomas
conversivos ou dissociativos e devem ser considerados no diagnóstico
diferencial de conversão e dissociação
Transtorno Comentários
Transtorno caracterizado pelo humor depressivo, falta de
concentração, diminuição no interesse pelas atividades usuais, alteração
do apetite e do padrão de sono, redução da libido e da capacidade em
Transtorno sentir prazer. Queixas somáticas e conversivas podem ser frequentes,
depressivo maior mas ocorrem no contexto da alteração do humor.
Transtorno marcado pelos ataques paroxísticos de ansiedade
acompanhados de sinais e sintomas autonômicos. Preocupações
excessivas com a possibilidade de doenças graves podem ocorrer, bem
como uma hipervigilância em relação ao corpo. Frequentemente podem
Transtorno deocorrer parestesias, sensação de despersonalização e desrealização, no
pânico contexto de uma crise de pânico.
Caracteristicamente marcada pela presença de delírios e
alucinações. As dissociações de personalidade podem ser confundidas
Esquizofrenia com as alterações da consciência do eu presentes na esquizofrenia.
Sintomas conversivos e dissociativos podem ocorrer no contexto
de um transtorno de somatização, acompanhados de queixas álgicas,
Somatização gastrintestinais e sexuais.
Estresse pós- Sintomas dissociativos podem ocorrer no contexto de um estresse
traumático pós-traumático. São acompanhados de recordações aflitivas, recorrentes
e intrusivas do evento traumático, bem como comportamento de esquiva
persistente de estímulos associados com o trauma, hipervigilância,
insônia e reatividade fisiológica na exposição a indícios internos ou
externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento
traumático. Os sintomas têm duração superior a um mês.
É o desenvolvimento de uma ansiedade intensa associada a
sintomas dissociativos (amnésia, anestesia emocional,
despersonalização, desrealização) dentro de um mês após exposição a
evento traumático externo, que é persistentemente revivido através de
Transtorno deimagens, sonhos, pensamentos e flashbacks. Os sintomas não duram
estresse agudo mais do que 4 semanas.
Padrão persistente de funcionamento onde ocorre busca constante
de atenção, excessiva emotividade com dramaticidade e teatralidade,
superficialidade na expressão emocional, sugestionabilidade e
Transtorno desconforto em situações onde o paciente não é o centro das atenções.
histriônico deFrequentemente, pacientes com personalidade histriônica podem
personalidade desenvolver sintomas dissociativos ou conversivos.
 
PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO DA HISTERIA
Tratar o paciente com transtorno de somatização, conversão e dissociação pode
ser considerado um desafio na prática médica. Em geral, estes pacientes tendem a
negar a existência de problemas psicológicos ou sociais relacionados à gênese de
suas queixas. Muitas vezes, ao serem encaminhados ao psiquiatra após a
comunicação de que “não têm nada físico, todo o problemas está na cabeça”,
desenvolvem sentimentos de rejeição e raiva, abandonando o tratamento. Procuram,
então, outros especialistas, num ciclo vicioso, que só poderá ser interrompido na
vigência de uma comunicação diagnóstica adequada e formação de uma aliança
terapêutica com seu médico.
É importante ressaltar que o objetivo principal do tratamento não deve ser a
remissão dos sintomas, mas sim a redução de danos (associados à busca
desenfreada por diferentes médicos, uso excessivo de medicações e exames e
procedimentos diagnósticos desnecessários), o desenvolvimento da consciência da
associação dos sintomas aos problemas psicológicos (com o desenvolvimento, se
possível, de estratégias alternativas de adaptação a estressores psicossociais) e a
melhora da qualidade de vida. Desta forma, o tratamento se baseia nas seguintes
estratégias fundamentais:
 
      estabelecimento de relação terapêutica;
      comunicação diagnóstica terapêutica;
      manejo de investigações e tratamentos clínicos;
      tratamento farmacológico de comorbidades psiquiátricas;
      manejo de problemas psicossociais;
      psicoterapia.
 
Estabelecendo a Relação Terapêutica por meio da Técnica de
Validação das Queixas Somáticas
O estabelecimento de uma relação terapêutica em que predomina o vínculo
empático é a base fundamental do diagnóstico e também do tratamento do transtorno
de somatização. Demonstrar interesse pelos sintomas, expressar compaixão pelo
sofrimento imposto pelos sintomas e pela “incompreensão” dos outros e “validar” os
sintomas somáticos como expressão de sofrimento, aceitando e confirmando a sua
importância clínica, mesmo que os “exames tenham sido negativos” são as tarefas
fundamentais. Deve-se ficar especialmente atento ao surgimento de irritação ou
rejeição por parte do examinador, que provocam deterioração do vínculo.
 
Comunicando o Diagnóstico
O segundo passo fundamental após o estabelecimento de uma relação
terapêutica é o que chamamos de comunicação diagnóstica “terapêutica”, assim
chamada pois este é o instrumento fundamental que impede o abandono do
tratamento pelo paciente e a procura de outro especialista com reinício do ciclo vicioso
que mantém e piora o problema. O objetivo desta comunicação é prover um
diagnóstico médico aceitável para o paciente (que se recusa a aceitar a perspectiva
psicogênica), evitar a desmoralização, estabelecer uma base para a compreensão dos
sintomas e preparar o paciente para a compreensão dos estressores e problemas
psicológicos como agravantes dos sintomas. Seguir os seguintes passos:
 
1.    Não afirmar que não há problemas físicos.
2.    Apresentar transtorno de somatização, conversivo ou dissociativo, como
problema médico, do sistema nervoso (não do órgão-alvo).
3.    Comunicar ausência de problema neurológico.
4.    Apresentar estresse psicológico como causa de possível piora das
somatizações, conversões e dissociações.
5.    Evitar apresentar ou sugerir estressores/problemas psicológicos como causa
do transtorno de somatização.
6.    Ajudar a elaborar as emoções relacionadas ao diagnóstico.
7.    Prover informações sobre o problema.
8.    Apresentar controle do estresse psicológico como fator importante no
tratamento.
9.    Usar repetição de sugestões simples de melhora como elemento terapêutico
durante a comunicação.
 
Manejo Clínico
O paciente deve ser orientado amanter acompanhamento clínico dos seus
problemas com apenas um médico, de preferência generalista, com conhecimento do
seu diagnóstico e das implicações deste diagnóstico. É necessária a comunicação
constante entre este médico e o psiquiatra de referência. São aconselháveis visitas de
rotina, para tranquilidade do paciente. Investigações, exames e tratamentos devem ser
criteriosos e parcimoniosos, embora não se deva jamais desprezar a possibilidade do
surgimento de outras doenças somáticas.
 
Uso de Psicofármacos
O uso de psicofármacos está indicado apenas na presença de outros transtornos
mentais em comorbidade com o transtorno de somatização, conversão e dissociação.
Mesmo nesta situação, a parcimônia deve ser a regra, em função da sensibilidade
aumentada a efeitos colaterais, risco de abuso e dependência de benzodiazepínicos, e
má resposta a antidepressivos. Não há indicação formal de nenhum psicofármaco ou
tratamento biológico em pacientes com histeria.
 
Intervenção no Ambiente
É fundamental a intervenção no ambiente por meio de orientação e técnicas de
intervenção em crise, permitindo que os pacientes possam ser ajudados a resolver os
frequentes problemas psicossociais significativos com que se defrontam (como
problemas profissionais, familiares e outros), muitas vezes consequências da sua
doença, outras agravando-a.
 
Abordagem Psicoterápica
Se o paciente aceitar a perspectiva proposta na comunicação terapêutica está,
então, razoavelmente preparado para uma psicoterapia centrada nos aspectos
descritos na Tabela 10, ou mesmo outras.
 
Tabela 10: Psicoterapia da histeria
Objetivos estratégicos Técnicas
Conhecimento geral sobre a doença Discussão de material educativo
Crenças “terapêuticas” Técnicas de sugestão e desafio
Consciência da natureza psicogênica e Diários de eventos e técnicas de
respostas alternativas relaxamento e assertividade
Autoestima Qualificação
Comportamentos “saudáveis” Lições de casa
Orientação de familiares e técnicas de
Redução de “ganho secundário” extinção
Prevenção e/ou redução de hostilidade
familiar Orientação de familiares
 
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https://www.medicinanet.com.br/opinioes/conteudos/revisoes/2325/histeria_somatizacao_c
onversao_e_dissociacao.htm - ACESSO EM 03/02/2023

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