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PSICOLOGIA DA

SAÚDE

Aula Teórica N.º 9


1º semestre – 2022.2023
PROGRAMA
3. A Psicologia da Saúde e da Doença:
3.1. Definição e aspetos conceptuais
3.2. Modelos explicativos dos comportamentos de saúde e doença

4. A vivência psicológica da situação de doença física ou de rutura de saúde


4.1. Os modelos de stresse e confronto
4.2. O modelo de autorregulação do comportamento (Leventhal e a teoria da
Crise de Rudolf Moos)
PROGRAMA
6. Reações Psicológicas no contacto com os contextos de prestação de cuidados de
saúde
6.1. Implicações psicossociais da hospitalização:
6.2. Fatores psicológicos na reação face a procedimentos médicos invasivos e
intervenções cirúrgicas.

7. Implicações psicossociais da doença crónica


7.1. O processo de adaptação à doença crónica
7.2. A doença crónica na infância

8. Variáveis psicossociais – suporte social, solidão

9. Personalidade, Saúde e Doença


DOENÇA CRÓNICA

uma alteração do estado de saúde que

(1) Tem uma duração superior a 3 meses (no espaço de 1 ano)


(2) Altera atividades de vida diárias
(3) Frequentemente exige cuidados médicos significativos

(Boyse, Baujaoude & Laundy, 2008)


Estudo da Doença crónica -ABORDAGEM CATEGORIAL

• Considera a especificidade da natureza da doença, das suas


implicações físicas e psicossociais e das terapêuticas associadas

• Realça as diferenças entre as diferentes doenças crónicas


distinguindo-as em várias dimensões:

• Estabilidade e previsibilidade
• Aspetos bio fisiológicos como carácter degenerativo ou
etiologia
• Grau de severidade/controlo e grau de ameaça
• Momento do diagnóstico
• Restrições à vida normal e/ou desenvolvimento
• Complexidade e exigências do tratamento
Estudo da Doença crónica -ABORDAGEM NÃO- CATEGORIAL

• A doença crónica é uma condição de vida, que


independentemente das suas particularidades, vai
colocar o individuo e a sua família perante experiências
e problemas semelhantes, que os distinguem dos
outros indivíduos ditos saudáveis (Wallander &
Thompson, 1995)

• O individuo e a família são “pessoas normais” numa


situação anormal ou não normativa
DOENÇA CRÓNICA
acontecimento não -normativo STRESSOR
• envolve a vivência de experiências específicas (terapêuticas, hospitalizações, etc)
• pode impedir ou limitar as experiências de vida normativas
• exigências de adaptação (readaptação), que obrigam ao desenvolvimento de estratégias de
confronto e flexibilidade
• envolve uma gestão emocional em torno das expectativas de eficácia das medidas de
controlo da doença

alterações no desenvolvimento e funcionamento


do indivíduo processo de adaptação
CONCEITO DE ADAPTAÇÃO
• Vem de “adaptar”, do L. ADAPTARE, formada por:
• AD- mais APTARE, “articular, encaixar”
• de APTUS, “adequado”

• Trata-se de um PROCESSO (e não de um estado):

• Contínuo (cada etapa do ciclo de vida/ da evolução da


doença possui diferentes tarefas/desafios/stressores)

• Multideterminado (fatores relacionados com a doença,


a pessoa, a família, socioecónomicos, etc)
OS MODELOS DE AUTORREGULAÇÃO
•Estes modelos focam-se na forma como os indivíduos escolhem e mantêm comportamentos que lhes permitem
atingir os seus objetivos (Cameron & Leventhal, 2003)

•Nas situações relacionadas com a saúde a doença, os objetivos podem ser:


•Controlar a dor ou outros sintomas
•Evitar o sofrimento
•Manter-se saudável apesar da doença
•etc.

•A doença perspetivada enquanto MOMENTO DE RUTURA /CRISE/ TRANSIÇÃO - estes conceitos descrevem a
vivência de um período temporário de desorganização, de perturbação do equilíbrio

•Perante novos desafios, o individuo deixa de poder utilizar os seus métodos habituais de resolução dos problemas
e é, desta forma, confrontado com a necessidade de procurar novas respostas para recuperar o seu equilíbrio
O processo de adaptação/confronto/ autorregulação
perante a presença de uma doença crónica
A maioria dos modelos descreve este processo
como ocorrendo em 3 fases:

1. Avaliação cognitiva da situação :


1. Avaliação primária (da doença)
2. Avaliação secundária (dos recursos para fazer
face à doença)

2. As tarefas de adaptação à doença e a


mobilização das estratégias de confronto

3. Ponderação/ avaliação do processo de


adaptação
1- A doença como fonte de stresse
Fatores que influenciam o impacto (mais ou menos negativo) do diagnóstico:

1. Características pessoais (ex: história pessoal, idade, personalidade, valores e


objetivos pessoais)

2. Características relacionadas com a doença (ex: ser ou não uma situação


inesperada, súbita ou gradual, ter acesso a cuidados especializados, etc)

3. Aspetos do contexto físico e sociocultural (ex: literacia, NSE, qualidade das


redes de suporte social)
1- A doença como fonte de stresse
O diagnóstico/descoberta de uma doença pode gerar mais ou menos stresse
dependendo de dois tipos de avaliação cognitiva que o indivíduo faz da situação:

• Avaliação primária – será que estou perante um problema? Tenho razões para me
preocupar acerca desta situação? Será esta situação uma ameaça ao meu bem
estar?

• Avaliação secundária - o que é que eu posso fazer? – será que vou conseguir
resolver, ultrapassar ou suportar a situação?
Avaliação da doença enquanto fonte de stresse – dependente
das representações de doença do indivíduo ( Leventhal et al., 2003) :

OS MODELOS DO SENSO COMUM incluem as seguintes representações cognitivas / crenças


acerca da doença:
• Identidade – “etiqueta” dada à doença/sintomas
• Causa percepcionada da doença – física ou psicossocial
• Tempo – aguda ou crónica
• Consequências – físicas/emocionais
• Possibilidade de cura e controlo da doença

Na fase da avaliação da doença o individuo ainda utiliza representações sobre as suas RESPOSTAS
EMOCIONAIS à doença:
• Medo/ansiedade
• depressão Representações- conjunto de crenças que
permitem perceber de que forma a doença pode
afetar o individuo e que incluem quer informação
obtida de várias formas e memórias concretas
Os processos de
avaliação

As tarefas
adaptativas e as
estratégias de
confronto

A avaliação
As tarefas adaptativas

As tarefas de adaptação descrevem os esforços desenvolvidos pela pessoa para


reconstruir os aspetos da sua vida que foram afetados pela doença, ou seja, para
manter o funcionamento nos domínios físico, psicológico, social, espiritual e
vocacional, na presença da doença
As tarefas adaptativas
A nível físico:
Envolvem todos os ajustes necessários para cumprir o regime terapêutico, no sentido de controlar os
sintomas, minimizar o sofrimento e prevenir a progressão da doença

A nível psicológico:
Manter um equilíbrio emocional satisfatório e a nível da identidade - desenvolver uma autoimagem
positiva e manter um sentimento de competência e controlo sobre a sua própria vida (autonomia)

A nível social
Conseguir um apoio social significativo por parte de família, amigos e outros significativos.

A nível espiritual:
Dar sentido à experiência de doença e a tudo o que ela envolve e manter um sentimento de esperança

A nível vocacional:
Manter a atividade profissional ou outra compatível com a doença. Envolver-se em atividades de
participação social, ex: voluntariado
A NÍVEL PSICOLÓGICO- IMPACTO EMOCIONAL DA DOENÇA CRÓNICA

• Algum grau de perturbação emocional e sobretudo de ansiedade constituem reações


adaptativas

• Viver com uma doença crónica exige tolerância e flexibilidade :


• dado o carácter mais ou menos incerto e imprevisível da evolução da doença
• a necessidade de mudar rotinas e estilo de vida
• a possibilidade de ocorrerem complicações graves

• Efeitos nefastos da ansiedade e depressão nos pacientes com doença crónica :


• Amplificação dos sintomas físicos e incapacitação funcional associada à doença (ex: DPOC, doença cardíca)
• Baixa conformidade com os regimes de auto-cuidado, ex: dieta
• Agravamento da patofisiologia da doença, devido a alterações na atividade do S.N. autónomo ou sistema endócrino
• Modificação do sistema imunitário
• Aumento da mortalidade
A VIVÊNCIA DA DOENÇA

Como é que a doença afeta a forma como a


pessoa se vê a si mesma?
De que forma a pessoa integra a doença crónica
na sua identidade?

• Imersão
• Rejeição
• Aceitação
• Enriquecimento

(Bulck et. , 2018)


São várias as alterações físicas que podem estar presentes na
doença crónica com impacto na AUTOIMAGEM:

• Cansaço profundo/ fadiga;


• Incontinência;
• Alterações na capacidade física (menor coordenação motora, fraqueza);
• Alterações na função sexual e reprodutiva (infertilidade, menopausa precoce, dificuldades
na ereção).

• Perda de cabelo e pelo (incluindo cabeça, face, braços, pernas, axilas e região púbica);
• Alterações do peso (perda ou ganho);
• Alterações no tom da pele;
• Edema em diferentes partes do corpo (cara, membros);
• Cicatrizes cirúrgicas ou amputação de uma parte do corpo;
ALTERAÇÕES NA IMAGEM CORPORAL

A doença crónica traz frequentemente implicações na imagem


corporal , referidas com termos como ‘desfiguramento’, ‘diferença
visível’, ‘aparência alterada ou invulgar’.

• Condições que se desenvolvem ao longo do tempo (por


exemplo, condições de pele, como o vitiligo)

• Resultado das terapêuticas instituídas no tratamento da


doença (ex: medicamentosas – alopecia e hirsutismo,
cirúrgicas - amputações, cicatrizes, etc)
Viver com uma diferença visível

Pode apresentar uma série de desafios, O impacto psicológico de uma alteração da


imagem física é dependente de :
incluindo:
• Ser-se observado
idade e género dimensão do causa da
• Ser-se alvo de perguntas sobre a diferença da pessoa; desfiguramento; alteração física
• Ser-se evitado, porque outras pessoas não
sabem como reagir

Estas situações podem afetar a vida de uma


pessoa de muitas formas e ter um impacto a nível: Mas também (ou mais ainda) das
• imagem corporal SIGNIFICAÇÕES do próprio acerca da situação -
• autoestima do que a pessoa pensa e sente acerca da
importância dessa alteração, e do apoio
• confiança percebido por parte da família e amigos.
• identidade
• qualidade de vida
(Noi –Leoos, 2013)
Auto-imagem / imagem corporal

“Tenho muita vergonha de contar aos meus amigos/colegas o que é que


tenho, é como se fosse um grande segredo que tenho de esconder a todo o
custo. Claro que às vezes é difícil por causa dos medicamentos que me
alteram a aparência, mas sempre que me perguntam o que é que eu tenho,
eu minto e digo outra coisa qualquer. O que se passa em casa dos meus pais
é um segredo completo pelo que não costumo convidar muitos amigos para
ir lá a casa. Sinto-me desconfortável quando os outros tentam saber com
pormenor o que se passa comigo.”

(M, 12 anos, DII-CU)


Os processos de
avaliação

As tarefas
adaptativas e as
estratégias de
confronto

A avaliação
AS ESTRATÉGIAS DE CONFRONTO

- Inclui qualquer esforço destinado a gerir, tolerar e minimizar as dificuldades, restrições e exigências
tipicamente associadas aos eventos stressantes (Cohen e Lazarus, 1979)

- Uma capacidade cognitiva ou prática para resolver uma determinada tarefa (Samsom & Siam, 2008)

-Moos e Schaefer (1989) – distinguem três grandes tipos de estratégias:


1. APPRAISAL- FOCUSED (estratégias centradas na procura do significado da crise)
2. PROBLEM-FOCUSED COPING (estratégias centradas no problema )
3. EMOTION-FOCUSED COPING (estratégias centradas na manutenção do equilíbrio emocional)
ESTRATÉGIAS DE CONFRONTO - COPING SKILLS - Moos e Schaefer (1984)

1- APPRAISAL- FOCUSED (procura do significado da crise) - que envolvem tentativas de perceber e


encontrar um padrão de significado na crise
1.1 – Análise lógica e mentalização
- subdividir o problema em pequenas parcelas
- prepara-se fazendo um luto antecipatório
- encontrar um sentido ou colocar a doença dentro de uma perspetiva temporal
mais alargada

1.2. – Redefinição cognitiva


- estratégias cognitivas através das quais o indivíduo aceita a realidade básica da situação
mas tenta reestruturá-la para encontrar algo de positivo.

1.3.- Negação ou evitamento


- estratégias destinadas a negar ou minimizar a gravidade da doença.
- estas estratégias são frequentemente consideradas como mecanismos de defesa para
reduzir o stress
2. PROBLEM-FOCUSED COPING (estratégias centradas no problema – analisam a
situação e procuram saber o que fazer)

2.1. – Procura de informação e suporte


- procura de informação sobre a doença e tratamentos
- procura de apoio emocional e suporte instrumental

2.2. – Tentar resolver os problemas


- envolve o desencadear de acções concretas no sentido de resolver aspectos práticos da situação

2.3 – Identificar alternativas que sejam compensadoras


- estas estratégias incluem as tentativas de substituir as perdas permanentes envolvidas na crise
de saúde pela mudança de atividades e pela procura de novas fontes de satisfação.
3 – EMOTION-FOCUSED COPING (manutenção do equilíbrio emocional)

3.1. Controlo Emocional


- envolve manter a esperança e controlar as emoções
- pode envolver o adiar consciente do prestar atenção ao impulso (supressão)
- É também utilizada a estratégia da dessensibilização sistemática

3.2. – Descarga emocional


- ventilar abertamente os seus sentimentos - pode também manifestar-se
comportamentalmente através do acting out (passagem ao ato).

3.3. – Aceitação e resignação


- quando se aceita os factos tais como eles são, como imutáveis e frutos do destino, não
significando, no entanto que não se envolvam em actividades para solucionar os
problemas
Os processos de
avaliação

As tarefas
adaptativas e as
estratégias de
confronto

A avaliação
AVALIAÇÃO
• No processo de adaptação à doença há dois resultados previstos na
maioria dos modelos:

• Um POSITIVO – significa que a pessoa conseguiu um novo estado de


equilíbrio, restabeleceu um novo sentido de normalidade e desenvolveu um
novo sentido de satisfação com a vida. Os seus afetos são
predominantemente positivos.

• Um NEGATIVO – em se assiste a um certo declínio psicológico, físico e social


fruto da pessoa não ter conseguido gerir bem a doença e continuar a sentir
que esta interfere e limita muito o seu funcionamento, causando grande
sofrimento. Os seus afetos são predominante negativos.

(Mass & Morris, 2013)


O processo de adaptação/confronto/ autorregulação
perante a presença de uma doença crónica
A adaptação da doença crónica como um processo de
luto
Segundo KUBLER-ROSS (1969), existem cinco estádios (não necessariamente nesta ordem) e que
cada um deles caracteriza a atitude que o paciente assume nesse momento do processo:

1. NEGAÇÃO: “não pode ser verdade…”


2. REVOLTA: Porquê eu?”
3. NEGOCIAÇÃO: “Sim, sou eu mas..” “ Se ficar bom , prometo que…”
4. DEPRESSÃO: “Sim sou eu..”
a perda é percebida como inevitável - tristeza, desinteresse, apatia, desvalorização, astenia,
desmotivação
5. ACEITAÇÃO: “A minha hora chegou…”
• tomar consciência da perda
• criar estratégias para lidar com a situação
• aceitar a situação e os fatores a elas associados
• explorar atividades que possam reforçar o seu Eu
Perdas e luto na doença crónica

Ao longo do curso da doença, o doente crónico confronta-se repetidamente com


sentimentos de perda:
• Perda de capacidade
• Perda de eficiência
• Perda de autonomia
• Perda de relações pessoais e sociais

• “O processo que leva a aceitar a perda, a conviver com ela… nunca é linear e
indolor”

(Bonino, 2007, p.85)


Fases na adaptação à doença oncológica
Espera cautelosa

FIM DOS
DIAGNÓSTICO TRATAMENTO REMISSÃO SOBREVIVÊNCIA
TRATAMENTOS

MORTE RECAÍDA
ESTÁDIOS DA VIVÊNCIA DA DOENÇA ONCOLÓGICA (SELIGMAN, 1996)

1. ATÉ e DURANTE O DIAGNÓSTICO:


1. Pré-diagnóstico - incerteza ansiosa:
• Níveis elevados de incerteza e ansiedade

2. Diagnóstico inicial – choque e negação


• Fase mais difícil quando não há suspeita prévia da doença
• O contexto e a forma como o diagnóstico é exposto condiciona o impacte do diagnóstico
• Importante dar “espaço” para o doente recuperar a segurança perdida

3. Após o primeiro impacte: stresse agudo e depressão


• Inicialmente stresse agudo(ansiedade, raiva, protesto)
• Mais tarde depressão e desespero, futuro vazio, pensamentos sobre a eventualidade da morte,
isolamento.
ESTÁDIOS DA VIVÊNCIA DA DOENÇA ONCOLÓGICA (SELIGMAN, 1996)

2. DA ACEITAÇÃO DO DIAGNÓSTICO AO FIM DO TRATAMENTO

• são frequentes sentimentos de vulnerabilidade e solidão associados a sentido de


perda - “ a vida tal como a conheciam parece ter desaparecido”

• O suporte , principalmente do tipo emocional, é fundamental para o bem estar do


indivíduo

• Isolamento social ( fadiga, mal-estar físico, medo da reação das outras pessoas…)

• Há o risco de se instalar um circulo vicioso entre isolamento, desinteresse e


desmotivação que agrava os quadros do tipo depressivo
ESTÁDIOS DA VIVÊNCIA DA DOENÇA ONCOLÓGICA (SELIGMAN, 1996)

3. DO FIM DO TRATAMENTOS EM DIANTE

• Os resultados podem ser positivos e dar-se a recuperação/remissão da doença, mas mesmo nestes
casos:
• Ambivalência
• Dificuldades na reintegração na vida normal
• Grande insegurança e sentimento de abandono no processo de desvinculação com os próprios
profissionais de saúde
• Luto pela perda da crença num futuro longo e saudável
• Medo da recaída

Transição de doente para sobrevivente marcada por vulnerabilidade psicológica


(Wakefield et al., 2010)

Uma recidiva pode ser mais perturbadora do que a doença inicial – pessimismo, confusão, desânimo
muito acentuado, descrença nos profissionais e tratamentos

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