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Alguns exemplos clínicos podem fornecer uma noção melhor do que eu quero
dizer aqui. Durante uma sessão familiar, com uma mulher com distúrbio de
personalidade borderline que tinha um histórico de alcoolismo e frequentes tentativas
de suicído, o seu filho comentou que ele não entendia por que ela não conseguia
enfrentar problemas asism como ele, o seu irmão e o seu pai. Um número significativo
de pacientes, no meu projeto de pesquisa, foi dissuadido de ir ao psicoterapeuta pelos
seus pais. Uma paciente de 18 anos que fora hospitalizada diversas vezes tinha um
histórico de várias tentativas de ferir a si mesma, ela era hiperativa e disléxica e estava
envolvida com drogas. Os seus pais diziam a ela, com frequencia, depois de suas
sessões de terapia, que ela não precisaria ir mais às sessões e que ela poderia adquirir
força por ela mesmo, se ela quisesse. “Falar sobre problemas pode fazer com que eles
fiquem piores”, disse o seu pai. A outro paciente foi dito que, se ela chorasse, quando se
machucasse ao cair, a sua mão daria a ela uma boa razão para chorar: se ela continasse
chorando, a sua mãe bateria nela.
Parece que este tipo de ambiente pode formar um adulto com problema de
personalidade dependente, ao invés do BPB. Suspeita-se que isto teria maiores chances
de ocorrer com uma criança menos emocionalmente vulnerável. No entanto, com uma
criança do tipo emocionalmente intensa, a informação invalidante, provocada pelo
ambiente, está sempre competindo com uma mensagem igualmente intensa das
respostas emocionais da criança “Você pode estar me dizendo que o que você fez não é
um ato de amor, mas os meus sentimentos que estão feridos, o terror e ódio me dizem
que isto não está relacionado a sentimentos de amor. Você pode estar querendo me dizer
que eu posso fazer isto; e que isto não significa um grande problema, mas o meu pânico
está me dizendo que eu não posso, e é isto”.
Embora isto seja visto como um estressor social, o abuso na criança pode ter
uma papel menos óbvio, como, por exemplo, uma causa de vulnerabilidade psicológica
quanto ao não equilíbrio psicologico. O abuso pode não ser apenas patogênico para os
indivíduos com temperamentos vulneráveis, mas também “criar” vulnerabilidade
emocional, por alterar o sistema nervoso central. Shearer, Peters, Quaytman e Ogden
(1990) propõem que o trauma perpétuo (perpetual trauma) pode psicologicamente
alterar o sistema límbico. Dessa forma, o estresse crônico e severo pode causar efeitos
adversos permanentes (que estejam sempre prontos a se manifestarem), como a
sensibilidade emocional e outros fatores referentes ao temperamento.
O abuso sexual, da forma como ele ocorre em nossa cultura, é talvez um dos
exemplos mais claros da invalidação extrema durante a infãncia. Em um cenário de um
caso típico de abuso sexual, à vítima é dito que a molestação e a relação sexual
(intercourse) não são problemas – que tudo está OK!, mas que ela não deve contar nada
a ninguém sobre o fato. O abuso é raramente sabido pelos outros membros da família, e,
se a criança falar sobre o fato, ela corre o risco de que não se acredite no que ela está
relatando, bem como poderá ser considerada culpada (TASAY; WAGNER, 1978). É
difícil imaginar uma exeperiência mais invalidante para uma criança do que esta. De
forma semelhante, o abuso físico está comumente apresentado à criança como um ato de
amor ou, por outro lado, tornado algo normal pelo adulto que abusa. Alguns
especialistas têm sugerido que o segredo, no qual se mantém o abuso, pode ser o fator
que mais se relaciona ao BPD subsequente. Jacobson e Herald (1990) relataram que,
dos 18 pacientes psiquiátricos internos com histórias graves de abuso sexual na infãncia,
44% nunca revelaram a experiência para ninguém. Sentimentos de vergonha são
comuns entre as vítimas de abuso sexual (EDWALL, et al.,1989) e podem ser levados
em conta para que o abuso não seja revelado. Não podemos excluir o componente
invalidante do abuso sexual como colaborador para o BPD.
Para a menina que é punida por apresentar características que não condizem com
o ideal para mulheres, preconizado pela cultura, a vida pode ser particularmente difícil
quando ela tem irmãos (meninos) que não são punidos por terem comportamentos
idênticos, bem como irmãs que se esforcem por atingir os ideais femininos. A injustiça
não pode ser esquecida nessas situações. O ambiente exterior à casa contribui pouco,
nesse caso, para melhorar o problema, já que os mesmos valores são cultivados na
cultura. Seria difícil imaginar que uma criança não crescesse acreditando que haveria
algo de errado com ela.
Em minha clínica, percebemos que esta situação parece ser comum nos
pacientes borderline. Ficamos impressinados com o número de pacientes que são
talentosos em áreas altamente valorizadas nos homens, mas pouco, em mulheres. O
nosso grupo de terapia com pacientes borderline é composto inteiramente por mulhres,
e o tópico frequente das discussões é a dificuldade que as pacientas experienciam
quando crianças, visto os seus interesses e talentos parecerem mais masculinos do que
femininos. Outra exeperiência comum que tem crescido nas famílias é a valorização
mais dos meninos do que das meninas ou, pelo menos, aquelas dão a eles mais espaço
para agir, privilégios e menos punição para os comportamentos que fazem as meninas
sofrerem. Embora o sexismo seja apenas um fato, a sua relação com o BPD, como fora
descrito aqui, é claramente especulativa. Precisamos, assim, de mais dados de pesquisa
para este ponto.
Famílias Perfeitas. Na família “perfeita”, os pais, por uma razão ou outra, não
podem tolerar que os seus filhos mostrem emoções negativas. Um tipo de postura assim
pode ser o resultado de alguns fatores, incluindo outras exigências na vida dos pais (por
exemplo, um grande número de crianças na família ou trabalhos estressantes),
inabilidade em tolerar afeto negativo, quando estão centrados neles próprios ou nos
medos ingênuos de estragar uma criança com temperamento difícil. De acordo com a
minha experiência, quando se pergunta diretamento aos membros desse tipo de família
acerca de seus sentimentos em relação ao membro familiar borderline, eles expressam
um sentimento de entendimento (simpatia). Entretanto, isto não é verdadeiro, esses
membros, no geral, expressam consistentes atitudes invalidantes – por exemplo, ao
mostrarem surpresa pelo fato de o indivíduo borderline não conseguir controlar os seus
sentimentos. “Um membro dessa famíla sugeriu que o problema de sua filha poderia ser
resolvido se ela rezasse mais”.
Um ponto chave aqui deve ser levado em conta. Dentro de alguns limites, um
estilo cognitivo invalidante não é prejudicial para todas as pessoas ou em todos os
contextos. As estratégias de controle emocional por determinada família podem ser até
úteis às vezes para a pessoa que se enquadra, em seu temperamento, a este tipo de estilo
e que pode aprender ter esta atitude e o controle emocional. Por exemplo, a pesquisa,
realizada por Miller e seus colaboradores (EFRAN; CHORNEY; ASCHER; LUKENS,
1981; LAMPING; MOLINARO; STEVENSON, 1985; MILLER, 1979; MILLER;
MANAGAN, 1983; PHIPPS; ZINN, 1986), indica que os indivíduos que tendem a ser
psicologicamente “embotados” (pessoas que têm dificuldade em perceber as coisas)
tratam sinais relavantes, quando se veem frente a eventos potencialmente adversos,
mostrando baixo e pouco estímulo psicológico, subjetivo e comportamental, menos do
que os indivíduos que tendem a monitorar ou a reagirem a estes sinais. Knussen e
Cunningham (1988) reavaliaram a pesquisa e verificaram que existe a crença no seu
próprio controle de comportamento, no que diz respeito aos resultados negativos, ao
invés de a culpa recair sobre as outras pessoas (uma crença comum na família
invalidante), e aquela está relacionada a resultados mais favoráveis futuros em muitas
áreas. Portanto, o controle cognitivo da emoção pode ser positivo em determinadas
circunstâncias. Na realidade, essa abordagem colocou estradas de ferro nos Estados
Unidos, construiu a bomba, nos levou à escola e colocou edifícios nas grandes cidades!
O único problema aqui é que essa abordagem “apenas funciona quando ela
funciona”. Ou seja, falar às pessoas que têm a capacidade de regularem o controle de
suas emoções é mais fácil do de dizer isto para um indivíduo que não tem esta
habilidade. Por exemplo, uma mãe com a qual eu estava trabalhando tinha uma filha de
14 anos que apresentava um temperamento “difícil” e uma filha com 5 anos, com um
temperamento mais “fácil”de lidar. A filha mais velha tinha dificuldades em controlar a
raiva, principalmente quando a sua irmã menor a provocava. Eu estava tentando ensinar
à mãe dela como validar as reações emocionais de sua filha. Depois que a irmã menor
derrubou a irmã de 14 no chão, esta gritou com a sua irmã e saiu correndo da sala,
deixando a sua irmã menor chorando. A mãe disse muito satisfeita que tinha validado as
emoções de sua filha mais velha dizendo o seguinte: “Mary, eu não posso entender por
que você ficou brava. Mas, no futuro, você tem que controlar as suas explosões”. Era
difícil para a mãe da menina perceber que ela tinha invalidado as dificuldades de sua
filha em controlar as suas emoções. Nos casos de pessoas reativas emocionalmente e
vulneráveis, ambientes invalidantes simplificam em demasia os problemas dessas
pessoas. O que outras pessoas têm sucesso ao realizar – controlar emoções, a expressão
emocional – os indivíduos borderline podem saír vitoriosos em apenas
esporadicamente.
O ambiente “de controle”, descrito por Chess e Thomas (1986), é uma variação
ou outro exemplo extremo do ambiente invalidante relatado aqui. O ambiente
controlador constantemente molda o comportamento da criança, mais de acordo com as
preferências e as conveniências da família do que das as necessidades atuais e futuras da
criança. Nessa situação, certamente, a validação do comportamento da criança como ele
se apresenta não é levado em conta. Quando a criança se torna madura, as tentativas
dela de ter poder são inevitáveis, mas, no ambiente, não raras vezes, procura-se acalmá-
la e deixar de lado a questão e, outras vezes, há um controle realizado de forma rígida.
Dependendo do temperamento da criança, o resultado final do ato de acalmá-la é o de
torná-la uma tirana (autoritária), ou com uma passividade negativa ou pode ocorrer de
ela apresentar ambas as características. A forma como isso se desenvolve é descrita
repetidamente em manuais para os pais.
Relações interpressoais efetivas são bastante benéficas tanto para o senso do self
estável quanto e a capacidade para a espontaneidade na expressão emocional. Relações
bem sucedidas também requerem a capacidade de regular as próprias emoções de
maneiras apropriadas, de controle do comportamento impulsivo e de tolerância a
estímulos que produzem dor em determinado grau. Sem essas capacidades, é
compreensível que indivíduos borderline desenvolvam relações caóticas. Dificuldades
como a raiva e com a expressão da mesma, em particular, impedem a manutenção de
relações estáveis.