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Ficha Bibliográfica
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José [org.]
Aprendizagens Históricas: gêneros e etnicidades. União da Vitória/Rio de
Janeiro: LAPHIS/Edições especiais Sobre Ontens, 2018.
ISBN: 978-85-65996-52-5
Disponível em: www.revistasobreontens.site

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Apresentação
É com satisfação que nós do LAPHIS–Laboratório de Aprendizagem
Histórica da UNESPAR e do Leitorado Antiguo da UPE apresentamos esse
novo livro para vocês. Ele é resultado do nosso Simpósio Eletrônico de
Ensino de História realizado em Abril de 2018, que recebeu conferencistas
e cinco mesas diferentes ao longo de uma semana de intensos e ricos
debates.

Como parte integrante de nosso trabalho, ao final do evento produzimos


essa série de livros cheia de experiências, relatos e projetos para uma
aprendizagem histórica atualizada e enriquecedora. Cada volume traz uma
proposta diferente [e por isso, optamos sempre por produzir um ebook, e
não anais], que agregam nossos convidados, participantes, e todos
aqueles que desejam saber um pouco mais sobre as questões do Ensino
de História em nosso país.

Convidamos tod@s a leitura desse nosso novo volume, cuja temática


agrega pesquisadores de todos os cantos do Brasil, envolvidos na difícil –
mas edificante – tarefa de trabalhar a História.

Seja bem vind@ ao nosso livro!


Bons estudos!

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SUMÁRIO

O NEGRO NA PUBLICIDADE: ECOS DE UMA HISTÓRIA ORDINÁRIA, p.7


Ana Lourdes Queiroz da Silva

HISTÓRIA E EDUCAÇÃO SEXUAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES, p.19


Arthur Jonatha Souza de Nascimento

RACISMO, HISTÓRIA DE ÁFRICA E APLICABILIDADE: ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES, p.24
Cirila Regina Ferreira Serra

RELEVÂNCIA DA LEI Nº 10.639/03 NO CURRÍCULO ESCOLAR DA EJA, p.29


David Richard Martins Motta

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INDÍGENA: ENTRE LUTAS, RESSIGNIFICAÇÕES E


CONQUISTAS DE DIREITOS, p.34
Denilce Raimunda de Castro Mourão e Wilverson Rodrigo Silva de Melo

O ENSINO DA HISTÓRIA INDÍGENA NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS:


LEI, TABU E AUTODETERMINAÇÃO, p.41
Eduardo Gomes da Silva Filho

AS MINORIAS SOCIAIS E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO NO


ENSINO MÉDIO, p.48
Fábio Alexandre da Silva

PROTAGONISMO INDÍGENA E A NOVA HISTÓRIA: REFLEXÕES PARA A


PESQUISA E O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA E DO INDIGENISMO NO
BRASIL CONTEMPORÂNEO, p.53
Fernando Roque Fernandes e Beatriz da Silva Mello

PRECISAMOS FALAR SOBRE RACISMO: O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO


COMBATE À DISCRIMINAÇÃO,p.62
Hemerson dos Santos Junior

DA MARGINALIZAÇÃO À PATRIMONIALIZAÇÃO: A ―ARTE DA VADIAÇÃO‖


RESSIGNIFICADA NA RODA LIVRE DE CAXIAS, p.67
Igor Fernandes de Alencar

O ENSINO DE HISTÓRIA POR MEIO DA PUBLICIDADE: UMA ANÁLISE SOB A


CATEGORIA GÊNERO, p.73
Janaína Jaskiu

O PATRIMÔNIO CULTURAL NEGRO NO ENSINO DE HISTÓRIA, p.84


Janaina Cardoso de Mello e Hiago Feitosa da Silva

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AS REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS E CULTURAIS NO PCN – VOL. 10 -
PLURALIDADE CULTURAL E ORIENTAÇÃO SEXUAL, p.93
Jander Fernandes Martins e Vitória Duarte Wingert

HISTÓRIA DAS MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA: APRESENTANDO


REFLEXÕES, CONEXÕES E POSSIBILIDADES, p.103
Jeane Carla Oliveira de Melo

A RELAÇÃO TERREIRO ESCOLA: DIÁLOGOS PARA UM ENSINO DE HISTÓRIA


QUE REPENSE O CURRÍCULO ESCOLAR COM BASE NA LEI 10.639/2003 NO
CENTRO DE ENSINO JOÃO MARQUES MIRANDA EM CURURUPU-MA, p.108
Jêibel Márcio Pires Carvalho

VISIBILIDADE DA HISTÓRIA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NO CONTEXTO


EDUCACIONAL NAS ESCOLAS EM SÃO LUIS, p.118
Josué Viana da Silva e Douglas Oliveira Machado

É DE PEQUENINO QUE SE APRENDE! OLHARES SOBRE O ENSINO DE


HISTÓRIA DA ÁFRICA E AFRO-BRASILEIRA NO FUNDAMENTAL I DA CIDADE
DE PONTA GROSSA-PR, p.127
Julia M. Kalva e Simone Aparecida Dupla

MANIFESTAÇÕES DE PRÁTICAS RACISTAS: O QUE MUDOU NO LIVRO


DIDÁTICO?, p.134
Ledyane Lopes Barbosa e Vanessa Marcela Rodrigues

O USO DOS ―MEMES‖ NO ENSINO DE HISTÓRIA: A HISTÓRIA DAS


MULHERES NAS OLIMPÍADAS E AS NARRATIVAS CONTEMPORÂNEAS, p.145
Luciana Mendes dos Santos

RETÂNGULOS, BALÕES E NEGRITUDE EM HQ ONLINE: ESCRAVIDÃO ENTRE


ÁFRICA E SERGIPE NO SÉCULO XIX, p.150
Luciano dos Santos Ferreira

PROJETO "CAIXA ARAXÁ": APORTE DIDÁTICO PARA O ENSINO DE


HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA, p.162
Lui Fonseca Do Nascimento e Caroline Dos Santos Andrade

PRECISAMOS FALAR DOS NEGROS: ENSINANDO CIDADANIA NA AULA DE


HISTÓRIA DOS ANOS INICIAIS, p.172
Olga Suely Teixeira

DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA PARA ALUNOS SURDOS EM CLASSES


INCLUSIVAS, p.176
Paulo José Assumpção dos Santos

HISTÓRIA POR MEIO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS – CUMBE A HQ


SOBRE A ESCRAVIDÃO, p.182
Ellen Cristina Araújo Silva e Policleiton Rodrigues Cardoso

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AÇÕES AFIRMATIVAS E AS PROPOSTAS DE ENSINO DE HISTÓRIA, p.193
Siméia de Nazaré Lopes

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UMA ANÁLISE NA


PERSPECTIVA DO DIREITO DOS POVOS A UMA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA, p.202
Suerley Mendes Parintins e Wilverson Rodrigo S. de Melo

ESCRAVIDÃO NEGRA NO BRASIL E O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA BREVE


REFLEXÃO, p.208
Valdenira Silva de Melo

DEZ ANOS DA LEI 11.645: ENTRE MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS, p.217


Vânia Cristina da Silva e Cláudia Cristina do Lago Borges

PROBLEMÁTICAS NO ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA, p.222


Wesley de Oliveira Silva

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O NEGRO NA PUBLICIDADE: ECOS DE UMA HISTÓRIA
ORDINÁRIA
Ana Lourdes Queiroz da Silva

Refletir acerca do que é História e, ainda, pensar este campo do


saber de uma maneira diferente, com vistas à observação dos
discursos que circulam socialmente, nos dará condições de
conjecturar e compreender que relações de força estão envolvidas
nos jogos de poder que autorizam os saberes e constituem o sujeito.

A História, até então a nós apresentada, objetivava compreender o


passado, recontando-o ordenadamente, em uma sequência temporal
ou dialética, para apreensão dos fatos presentes e a possível
visualização de prováveis fatos futuros. Para tanto, os documentos
oficiais tornaram-se monumentos sobre os quais a verdade estava
estabelecida por trilhas organizadas e ininterruptas.

Na trilha de uma nova forma de ver a história, os documentos oficiais


deixam de ser monumentos estáveis e inquestionáveis e o foco
desloca-se para as narrativas ordinárias e, a partir desta nova
postura, fundamentada nas descontinuidades ora apreendidas, tudo
passa a ser História. O cotidiano e as minorias, as modas e práticas
outrora silenciadas, agora é possível sim problematizá-los, recortá-los
e explicá-los à luz de sua própria descontinuidade: a Nova História.

Segundo Barros (2011, p.38), ao transitarmos entre as noções de


práticas e representações, seremos capazes de:

―(...) examinar tanto os objetos culturais produzidos, os sujeitos


produtores e receptores de cultura, como também os processos que
envolvem a produção e a difusão cultural, os sistemas que dão
suporte a estes processos e sujeitos, e, por fim, as normas a que se
conformam as sociedades através da consolidação de seus
costumes‖.

Para Burke (1992), enquanto a história tradicional é essencialmente


política, marginalizando outras vertentes do saber, consideradas
periféricas aos interesses dos verdadeiros historiadores, essa nova
forma de fazer história não está restrita a um único campo, mas
espraia-se, considerando que toda atividade humana tem uma
história. Nessa seara, nasceu, na primeira metade do século XX, a
História das ideias, que passa a considerar outros tópicos relevantes
e dotados de história própria, como a infância, a morte, o corpo e,
até mesmo, o próprio silêncio.

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Outra característica cultivada pela história tradicional, repousa nas
bases do que é central, importante e oficial. Na contramão desta
proposição, a nova história é marcada pelo relativismo cultural. O
periférico passa a povoar o interesse dos estudiosos da área.

Para o autor, a História tradicional constrói seu itinerário ao


considerar as narrativas de acontecimentos oficiais. Por outro lado, a
História Nova pontua mudanças nas estruturas ao longo do tempo.
Em síntese, esta História, vista de baixo, abre espaço para opiniões
ordinárias, pessoas comuns e para a queda de paradigmas
tradicionais, fundamentados em documentos oficiais. A Nova História
das ideias, ao contrário, diversifica suas fontes, relativiza os olhares,
até então presos a um olhar oficial, examinando, portanto, amplas
variedades de evidências, substituindo a objetividade pelo relativismo
cultural, dando a este saber um tom mais próximo ao real.

Chamada para ser interdisciplinar, a Nova História aponta para a


preocupação com toda a atividade humana. Nessa direção, Burke
(1992) discorre:

―O movimento da história-vista-de-baixo também reflete uma nova


determinação para considerar mais seriamente as opiniões das
pessoas comuns sobre seu próprio passado do que costumava fazer
os historiadores profissionais‖. (BURKE, 1992, p. 16).

Partimos dessas premissas e conseguimos ouvir ecos da história do


negro no Brasil, vista de um lugar comum demais, de onde sons
abafados ainda tentam nutrir a ilusão de um país democrático
racialmente.

Pontuamos que a história real sobre o negro e os seus efeitos está


nas pessoas ordinárias que foram ensinadas a alisar os cabelos para
serem melhores, mais brancas e aceitas socialmente. Esse
pensamento é materializado em suportes diversos e fazem remissão
a um passado que ainda mantém a esperança de uma nação livre do
mal que o negro representa. Junto a esta ideia, é comum a oferta de
produtos de beleza sob a perspectiva de ―melhorar‖ a aparência do
negro, levando-o mais próximo ao perfil do estereótipo dominante.
Vejamos a peça publicitária a seguir:

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Figura 1
http://www.revistaforum.com.br/2015/03/25/as-10-propagandas-
mais-machistas-e-racistas-do-ultimo-ano/

A nova história do negro deixa o olhar oficial de documentos que


engessam e condicionam os efeitos da história, contada a partir da
centralidade e passa a observar como as materialidades, ou melhor,
as estruturas continuam a transformar, adaptar, sublimar ou
condensar ideias que continuam a povoar um arquivo discursivo
sobre o negro no Brasil.

Na relação entre o histórico e a enunciação de um discurso, a ideia de


acontecimento passa a ser uma noção muito cara a AD. Segundo
Possenti (2006, p.93), essa perspectiva torna o acontecimento uma
espécie de matéria-prima dentro do viés histórico, marcado por sua
natural relação com a enunciação, não repetível dentro da história.

Nesse cenário, níveis de acontecimentos descortinados pela análise,


apontarão para conjuntos de materialidades, que alinhados dentro de
regularidades existentes, localizarão os resquícios de uma memória
discursiva que se presta ao alinhavo de descontinuidades registradas
na História:

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―(...) um fato se transforma em acontecimento – é retomado,
revisado, analisado, especificado, detalhado e correlacionado a outros
similares ou tornados similares. Enfim, ele se tornou o motivo pelo
qual um conjunto de textos foi em seguida produzido e veiculado.
[...] Dessa maneira, forma-se uma espécie de arquivo, no interior do
qual as relações intertextuais e interdiscursivas se desenham, as
diversas posições se materializam, as posições vão se repetindo ou se
renovando‖. (POSSENTI, 2006, p.95)

Alinhar regularidades retomando, revisitando, reinventando e


reconstruindo o ser negro no Brasil, por meio da publicidade, evoca a
necessidade de um olhar de ruptura, agindo em momentos e espaços
descontínuos e heterogêneos.

Propositalmente, as marcas do ―branqueamento‖ do negro ainda


vicejam no espaço publicitário, embora tenhamos a necessidade de
escutar outros ecos históricos. Campanhas publicitárias circulam,
trazendo à tona a estratégia de minoração da população negra,
reforçando o ideário do embranquecimento, essência da perspectiva
de democracia racial, amplamente difundida no início do século XX e
que passou a significar o negro como um mal prestes a ser extirpado
da nossa nação.

Na opinião de Nina Rodrigues, em Os Africanos no Brasil, os pretos e


mestiços são classificados com traços que inferiorizavam o país,
problema que ratificava a marca genética nada nobre. Segundo o
autor, ―todo brasileiro é mestiço, se não no sangue, pelo menos nas
ideias‖ (RODRIGUES, 2011, p. 31). Nesse contexto, era recorrente a
espera por saídas para o estágio de sub-raça a que chegou o
brasileiro. Um progressivo processo de ―branqueamento‖ da
população poderia ―resolver‖ o problema em médio prazo. O estado
de degeneração influenciado pelo clima e pela mestiçagem poderia
ser resolvido com a inserção do sangue novo dos europeus, com
vistas na melhoria de três características negativas do brasileiro:
apatia, desânimo e falta de iniciativa. (RODRIGUES, 2011).

Na contramão destes pensamentos, a Universidade Federal de Juiz de


Fora – MG lançou, em 2016, a campanha #nãoécoincidência,
difundindo o seguinte questionamento: ―Quantos professores negros
você tem? ”

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Figura 2
http://www.hypeness.com.br/2016/02/naoecoincidencia-campanha-
questiona-a-ausencia-de-professores-negros-nas-universidades-
brasileiras/

A campanha traz à tona reflexões e debates sobre ações afirmativas.


Nesse momento, é destacada a existência de menos de 1% de
professores negros atuando em universidades públicas, em um país
que conta hoje com 53% de negros (especificação genérica atribuída
pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – e que
reúne pretos e pardos) autodeclarados.

Não é coincidência! O ontem e o hoje se encontram por meio de


distintos acontecimentos, materializados e relacionados no alinhavo
de descontinuidades constantes na memória discursiva, ratificando a
ideia de que o negro que ocupasse altos lugares sociais, na verdade,
era branco, ou ―um preto de alma branca‖. Essa imposição,
largamente difundida, nos idos de 1894, por Nina Rodrigues, lançou
pesquisas e classificações que passaram a configurar como arquivos,
autorizados por instituições enunciativas – a Ciência – e que

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alimentou, durante séculos, o acorrentamento da imagem do negro
aos porões e senzalas.

Os acontecimentos movimentam-se, rizomaticamente, rompendo a


continuidade, sem rejeitar a remissão. O lançamento da campanha
#nãoécoincidência não para de remeter-se a outros acontecimentos,
como a fala do jogador Robson, do Fluminense, em entrevista ao
jornalista Mário Filho, na década de 30, momento em que relatou
sobre o poder de embranquecimento do preto nos grandes clubes de
futebol do Rio de Janeiro, quando esticavam os cabelos, faziam
operações plásticas, usavam pó de arroz e fugiam da cor ao dizer:
―Eu já fui preto e sei o que é isso‖ (FILHO, 2010, p.15).

Cartograficamente, o discurso é transformado, mantendo muito do


mesmo no Outro, à medida que acontecimentos dispersos são postos
em relação, diante das regularidades que povoam os significados que
dali surgem. A perspectiva de que ascensão é sinônimo de
embranquecimento ratifica que o lugar nobre, reconhecido e
respeitado, não é para o negro, e isso não é coincidência. Trata-se de
uma formação discursiva que ainda permeia as materialidades e, por
consequência, as enunciações que ainda hoje circulam socialmente.

Para Possenti (2006, p.99), essa visão descontínua e assíncrona,


oportunizada pelas séries propostas por uma forma de História,
permite ao pesquisador vislumbrar um panorama mais diversificado e
fértil para a descoberta de novos posicionamentos e formações
discursivas nas quais os sujeitos estão inscritos.

Expostas as considerações sobre o peso que os estudos de ordem


discursiva e simbólica tiveram para a Nova História Cultural, é
relevante apontar para os efeitos do arquivo na análise do discurso,
ao lado da História, e na constituição de uma memória discursiva.

A análise do discurso emerge, segundo Maldidier e Guilhaumou


(1997, p.181), ao evidenciar ―as estratégias discursivas que se
desenrolam no acontecimento. O novo se situa em outra parte, no
retorno ao arquivo‖.

Na AD, o arquivo nunca é dado a priori, é construído pelo pesquisador


sob a opacidade e percebido pelo lugar que ocupa em uma série, de
ou seja, em um recorte da realidade.Quanto a esta questão Foucault
(2008) pontua:

―O historiador não interpreta mais o documento para apreender por


trás dele uma espécie de realidade social ou espiritual que nele se
esconderia: seu trabalho consiste em manipular e tratar uma série de

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documentos homogêneos concernindo a um objeto particular e a uma
época determinada, e são as relações internas ou externas desse
corpus de documentos que constituem o resultado do trabalho do
historiador‖. (FOUCAULT, 2008, p.291)

Na História Tradicional, os acontecimentos eram definidos por aquilo


que era conhecido ou identificável, direta ou indiretamente, sendo o
trabalho do historiador buscar sua causa ou seu sentido. A própria
ideia de acontecimento era questionável, fosse por meio de dados
visíveis ou documentos:

Sob a ideia força do pensamento foucaultiano, constatamos que o


que há no subterrâneo da bruma do que é conhecido por história,
esconde práticas do presente, momentaneamente invisíveis, mas
capazes de revelar como os discursos são autorizados a demarcar
poderes e subjetividades

É notório que determinados acontecimentos são mais difíceis de


localizar. Verifiquemos o anúncio abaixo:

Figura 3
http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/07/anuncio-para-
debater-racismo-recruta-negra-para-papel-de-domestica-no-df.html

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O anúncio apresentado compunha uma estratégia, com vistas à
reflexão e debate acerca do racismo, em uma campanha orquestrada
pelo Festival de Latinidades, em 2015.

Há de se notar, no entanto, que a estereotipação impressa no cartaz,


colocando a mulher negra em situação de servidão, pertence a um
arquivo validado e difundido por meio de diversos suportes, em
múltiplos campos discursivos.Constatamos, portanto, que apesar dos
documentos que regulamentam o lugar que o negro deve ocupar
socialmente, por um olhar oficial, o efeito de sentido que emerge dos
documentos ditos ordinários, apresentam sintomas de uma imagem
que ainda está ligada à subalternidade. Este sujeito deve estar onde
poderes silenciosos o subjetiva como inferior e à margem. Estas
percepções, muitas vezes invisíveis aos contemporâneos, constituem
rupturas decisivas que emergem de acontecimentos difusos e que
determinarão, terminantemente, os novos movimentos tomados por
uma História Cultural.

A mulher negra, dócil e necessitada, se dispõe, servilmente, a ocupar


o lugar de empregada doméstica, marcada por sua cor, conduzida
pelos efeitos históricos, pelas névoas que, sorrateiramente, são
formadas e que escondem que o negro ainda é escravo de um ideário
que o inferioriza. Mas ao mesmo tempo, desenrola-se um
acontecimento, materializado em forma de anúncio, que faz do seu
interesse a entrada para o lugar de reflexão sobre o racismo do qual
a mulher negra é alvo. Neste ensejo, ―(,,,) a história não é, portanto,
uma duração: é uma multiplicidade de tempos que se emaranham
e se envolvem uns nos outros. É preciso, portanto, substituir a velha
noção de tempo pela noção de duração múltipla‖. (FOUCAULT, 2005,
p.291, grifo nosso).

É fato, que aquilo que buscamos na História, que é constituída por


esses arquivos, é posto em um jogo de vela e revela, determinado
pelas práticas discursivas, difundidas socialmente. Estas práticas
produzem múltiplas identidades e o sujeito é constituído
historicamente também como produto, cristalizando ou apagando
determinadas formas de habitar no mundo social. Nesta senda,
Foucault, em Arqueologia do Saber (2015), propõe um trabalho
historiográfico não mais preocupado em revelar ou explicar o real,
mas desconstruí-lo enquanto discurso:

―(...) a história mudou sua posição acerca do documento: ela


considera sua tarefa primordial, não interpretá-lo, não determinar se
diz a verdade nem qual é seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo
no interior e elaborá-lo: ela o organiza, recorta, distribui, ordena e
reparte em níveis, estabelece séries, distingue o que é pertinente do

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que não é, identifica elementos, define unidades, descreve relações‖.
(FOUCAULT, 2015, p. 7).

Na ordem da descontinuidade, os objetos históricos e as identidades


surgem como efeitos das construções discursivas, e não mais como
origem para justificar as práticas sociais. Nessa esteira teórica, o
historiador é convidado a analisar o que está, silenciosamente,
ancorado para além da espessura do discurso.

Nesse sentido, a história é feita das práticas rotineiras, das trilhas de


improviso e das muitas vozes que enunciam um mundo comum
demais para os documentos oficias ou para os monumentos
tombados, mas essenciais à composição dos fios discursivos que
tecem a História Ordinária.

Para De Certeau (1982), o historiador adota um ponto de vista que


singulariza seu olhar para o passado. Sob este viés, o lugar que
ocupa e a forma como trata os dados tornam impossível a
neutralidade do sujeito que constrói e vivencia esta História.

A História transpõe as relações cronologicamente estabelecidas a


partir de documentos que primam por uma visão central e
caracterizada por sua identidade oficial. Para o historiador, este saber
está na forma sorrateira como as práticas cotidianas se instalam
socialmente, mudando as maneiras de fazer, afetando diretamente as
configurações de significar ideias.

Ao trabalhar fundado nas práticas cotidianas, o historiador voltará


sua análise a lugares secretamente habitados por essas articulações,
considerando, sobretudo, as pistas que as experiências ordinárias e
comuns farão emergir.

Assim, a historiografia se apresenta como prática, que tem como


resultados os discursos,em outras palavras, oportunamente aplicado
a este momento de reflexão, a história do negro contada a partir de
uma visão central e difundida por meio de instituições enunciativas
oficiais, contou com narrativas que o tornavam uma presença
indesejável, ainda que a abolição já fosse uma realidade sancionada
por lei.

Por meio desse pensamento, a imagem do negro no Brasil é


construída pela ideia de uma torrente de instintos selvagens, incapaz
de ser responsabilizado por seus atos. Tornou-se o negro o próprio
discurso do perigo, encravado e contaminando uma matriz pura e
perfeita. Nesse propósito, o negro ainda é descrito como um
compêndio de interesses, ditos inconfessáveis, oriundos da revolta

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datada do período da escravidão e fruto das lutas incandescentes das
ideias abolicionistas.

Quanto a essa condição bestial do negro, Rodrigues (2011, p.47)


argumenta:

―(...) mas nenhum homem de bom senso, bem esclarecido sobre os


fatos, poderá crer em geral que o negro valha tanto quanto o branco
e muito menos seja-lhe superior. E assim é, torna-se impossível
acreditar que logo que sejam afastadas as incapacidades civis, desde
que a carreira lhes seja aberta e que não sejam oprimidos ou
favorecidos cromáticos possam lutar com vantagem com os seus
irmãos melhor favorecidos de cérebro‖.

Desse arquivo discursivo, raspamos os escritos enunciados pelas


instituições oficiais e percebemos os movimentos construídos sobre
práticas silenciosas e não honrosas. O corpo que se movimentava
como um animal, agora faz menção a este mesmo arquivo,
ziguezagueando por entre novos sentidos, que surgem como
sintomas das mudanças estruturais que insistem em se revelar. Os
mesmos dizeres, que acampavam no ideário social minimizando a
importância do ser negro, são resgatados na atualidade para ratificar
que ―irmãos cromáticos‖ são iguais, não pela licença do branco, mas
como forma de valorização de uma identidade até então inferiorizada.
Nas trilhas desse pensamento, campanhas emergem com vistas ao
combate ao racismo e valorização do sujeito negro na sociedade:

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Figura 4 e 5
brasil.gov.br

Para Certeau (2014), a inteligibilidade da História se passa na relação


com o outro; se desloca e modifica o que é feito pelo seu ―outro‖ – de
outras visões – do louco, do povo, do selvagem, do terceiro mundo,
as quais se articulam a um saber-dizer do que o corpo cala. Por meio
do já-dito, o corpo do negro é autorizado a ser reinventado pelas
práticas que sussurram e constituem esse ser no mundo. Para o
autor, muito mais que separar o presente do passado, a historiografia
se constrói a partir de rupturas e releituras de outros já-dito.

―Por sua vez, cada tempo ‗novo‘ deu lugar a um discurso que
considera ‗morto‘ aquilo que o precedeu, recebendo um ‗passado‘ já
marcado pelas rupturas anteriores. Logo, o corte é o postulado da
interpretação (que se constrói a partir de um presente) e seu objeto
(as divisões organizam as representações a serem reinterpretadas)‖.
(CERTEAU, 1982, p. 15)

Dessa forma, as produções de um tempo são sintomas daquilo que o


produziu, ou seja, discursos resultantes de práticas discursivas. Há de
se considerar as condições de possibilidades, a fim de que esse
processo de produção saia da antiga concepção de causalidade. Não
se busca a origem, mas as rupturas que tornaram possíveis a

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produção dessas mudanças. A História passa a ser uma razão que
articula as práticas e os discursos, então, como produtos dessas
práticas, ―autoriza a força que exerce o poder‖.

Percebemos, dessa forma, que as mudanças na estrutura e nos


discursos que enunciam o que é ser negro no Brasil, fundamentam-se
em condições de possibilidades instauradas em um arquivo gerado a
partir de acontecimentos que compõem a memória do povo
brasileiro, seja por meio dos discursos oficiais, localizados nas leis,
seja pelas narrativas ordinárias que vicejam dos adágios populares,
das lutas ou dos silêncios, que invadem como fumaça, que anuncia
fogo e que tornará a invadir o campo, ao sabor do vento.

Referências
Ana Lourdes Queiroz da Silva tem Mestrado em Letras, pela
Universidade Federal do Maranhão. Professora Assistente II, da área
de Letras do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Maranhão.

BARROS, José D‘Assunção. A Nova História Cultural – considerações


sobre o seu universo conceitual e seus diálogos com outros campos
históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16, 1º sem.
2011;

BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo.


Universidade Estadual Paulista, 1982;

CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1982.
______. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes, 2014;

FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. 5ª. Edição. Rio de


Janeiro: Mauad, 2010;

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2015.
______. Arqueologia das ciências e a história dos sistemas de
pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008;

GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D. Efeitos do arquivo: análise do


discurso ao lado da história. IN: ORLANDI, Eni. Gestos de Leitura: da
história no discurso. 2ª.ed. Campinas, SP: Unicamp, 1997;

POSSENTI, Sírio. Análise Do Discurso e Acontecimento: Breve Análise


de Um Caso. In: NAVARRO, P. (Org). Estudos do texto e do discurso:
mapeando conceito e métodos. São Paulo: Claraluz, 2006;

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO SEXUAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Arthur Jonatha Souza de Nascimento

Na escola as relações socioculturais e as relações de gênero são


marcadas por discursos sobre a sexualidade e gênero que podem
produzir desigualdades e submissões. A partir dessa perspectiva o
objetivo deste trabalho é promover algumas reflexões críticas sobre a
Educação Sexual na prática pedagógica e sua importância no
combate ao preconceito e estereótipos de gênero, assim como na
conscientização acerca de gênero e sexualidade. O trabalho foi
realizado através de uma pesquisa bibliográfica utilizando conceitos
de autores como Michel Foucault. Procurou-se demonstrar também
algumas das dificuldades enfrentadas para a efetivação de políticas
públicas voltadas para a Educação Sexual.

O debate acerca da temática não é recente, durante o século XX a


Educação Sexual de jovens e adultos já era foco de professores e
médicos. Desde a década de 80 o assunto vem ganhando mais
espaço na atualidade, problemas como a gravidez na adolescência e a
transmissão de DSTs vêm alertando autoridades e pais sobre a
relevância da educação sexual escolar como instrumento de
prevenção.

O tema da pesquisa bibliográfica foi selecionado devido à emergência


do debate sobre temas como gênero, sexualidade e orientação
sexual, estas temáticas ainda são consideradas tabus, principalmente
no ambiente escolar, diante desta realidade, o estudo visa descrever
a importância da Educação Sexual e auxiliar para que a sexualidade
possa ser desenvolvida com respeito, respeitando as diferencias de
gêneros e orientação sexual, visando à tolerância e o respeito entre
os membros do ambiente escolar. O Grupo de Trabalho e Pesquisa
em Orientação Sexual (GTPOS) define educação sexual como
qualquer meio pelo qual aprendemos sobre a sexualidade ao longo da
vida, seja pela família, da religião, a comunidade, através dos livros
ou da mídia. Essa educação é contínua podendo ser intencional ou
não. Questões referentes à educação sexual abrangem aspectos
emocionais, históricos, socioculturais, entre outros, nesse sentido,
pra tratar da educação sexual é necessário utilizar mais que a
abordagem da biologia.

A escola é o ambiente onde jovens e crianças ficam a maior parte do


tempo durante o desenvolvimento do seu aprendizado e enquanto
espaço social que reúne diariamente crianças e adolescentes se torna
um ambiente favorável ao desenvolvimento de atividades no âmbito
da sexualidade e tem importante papel para a sexualidade, saúde e

19
cidadania. A escola exerce um importante papel na sexualidade
durante a infância e adolescência ―se relacionarmos o processo de
escolarização à disciplinarização dos corpos de crianças e jovens,
veremos que a educação do sexo encontrou seu lugar privilegiado na
escola desde muito cedo‖. [in: César, 2009].

Segundo Ribeiro (2011), a Educação Sexual no ambiente escolar


necessita ocorrer no campo pedagógico, não tendo, assim, um
caráter terapêutico. Para Jardim e Bretas (2005) a Educação Sexual é
majoritariamente um domínio da família, pois é peça chave na
formação da identidade de gênero e na prática dos papéis sexuais de
seus filhos. É indiscutível a importância da família neste debate,
porém é necessário que a escola se mantenha aberta para a
discussão, independentemente da participação de ambos, a
sexualidade está abertamente sendo debatida através dos meios de
comunicação, como internet e televisão.

Dificuldades para a criação de políticas públicas para educação


sexual
César (2009) alerta que durante a ditadura de 1964 o regime impôs
um controle e moralização dos costumes, especificamente devido à
união entre os militares e o grande grupo conservador da igreja
católica, a Educação Sexual foi banida e taxada como ―imoral‖ e
considerada inapropriada para o ambiente escolar, tal pensamento
ainda é presente, em 2004 o governo federal lançou o projeto Brasil
Sem Homofobia, um parte deste projeto tratava sobre a formação de
educadores para questões de gênero e sexualidade, vejamos alguns
pontos:

―Elaborar diretrizes que orientem os Sistemas de Ensino na


elaboração de ações que comprovem o respeito ao cidadão e a não-
discriminação por Orientação Sexual.
Fomentar e apoiar curso de formação inicial e continuada de
professores na área da sexualidade.
Estimular a produção de materiais educativos (filmes, vídeos e
publicações) sobre orientação sexual e superação da homofobia.‖
[In: Brasil, 2004].

A preocupação com questões de gênero, sexualidade e orientação


escolar na escola causou a reação da chamada Bancada Evangélica
do congresso nacional que promoveu um verdadeiro ataque ao
projeto fazendo que fosse abandonado pelo governo federal, tal
acontecimento demonstra a dificuldade para implantação de políticas
públicas para a Educação Sexual. Para Zarbato (2015) atualmente, a
abordagem do assunto gênero é um dos grandes desafios do ensino

20
de história, devido aos encadeamentos das legislações, assim como
as influências sociais e culturais.

História, gênero e sexualidade


Como demonstra Foucault a sexualidade é constituída historicamente
através de discursos que produzem regras e normas, vejamos:

―A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico:


não à realidade subterrânea que se aprende com dificuldade, mas à
grande rede de superfície em que a estimulação dos corpos, a
intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos
conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências,
encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias
de saber e poder‖. [In: Foucault, 1984].

Louro (2007) afirma que grande parte dos pesquisadores e


interessados no assunto concordam que a sexualidade supõe ou
implica mais do que corpos, que nela estão envolvidos valores,
linguagens e comportamentos. A sexualidade é inerente e faz parte
da condição humana e a escola deve tratá-la como tal.

É importante ressaltar que ao falarmos de sexualidade, também


estamos falando de orientação sexual, tal assunto muitas vezes é
alvo de colocações equivocadas, o discurso da escola deve ser livre
de preconceitos para que não ocorra nenhum tipo de discriminação.
Sobre Gênero, Joan Scott (1995, p.71) justifica suas ideias nas
concepções a seguir:

―As relações de gênero são marcadas por desigualdades, hierarquias


e obediências, sendo relações de poder. Elas possuem uma dinâmica
própria, se articulando através de outras formas de dominação e
desigualdades sociais, como raça, etnia, classe, etc. Sendo legitimada
socialmente, se constitui em construções. Essa perspectiva permite
entender as relações sociais entre homens e mulheres, o que
pressupõe modificações e conservações, desconstruções e
reconstrução de elementos simbólicos, imagens, práticas,
comportamentos, normas, valores e representações‖.

Conforme Louro (1997) os conceitos de gênero divergem não


meramente entre as sociedades ou os contextos históricos, mas
também no interno de uma dada sociedade, ao se considerar os
diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a
constituem.

A abordagem do tema gênero no ambiente escolar visa à


desconstrução de ideias sexistas, que são adquiridas através de

21
inúmeras aprendizagens e práticas e que são reproduzidas pelos
alunos. Segundo César (2009) trabalhar as relações de gênero
consiste em somente expressar que meninos podem ser também
meigos e sensíveis sem que isso seja capaz de ―machucar‖ sua
masculinidade, e que meninas podem ser agressivas e objetivas,
além de gostarem de futebol, sem que esses atributos diminuam sua
feminilidade. A educação sexual deve buscar demonstrar e combater
estereótipo de gênero que permeiam a existência das mulheres e dos
homens.

Na história a questão do gênero pode ser abordada buscando dialogar


sobre as lutas das mulheres e sua história, como afirma Costa (2003,
p. 165); ―Os estudos das mulheres, a história social e a dos
feminismos, aproximados, serão, agora, os lugares principais de
assentamento do conceito de gênero. Agrupadas sob diferentes
interesses intelectuais, pesquisadoras, feministas ou não, portam
inquietações e tradições intelectuais e, se com elas se ingressa nos
debates sobre o conceito de gênero, experimentam-se profundas
mudanças paradigmáticas na história social e pessoal‖. [in: Costa,
1994.]

Considerações finais
A escola deve discutir os vários temas e ações da sociedade atual,
relacionados a gênero, sexualidade e orientação sexual sempre
buscando a reflexão para que assim ocorra uma educação sexual
realmente emancipadora e tenhamos jovens com menos preconceitos
nas relações sociais e mais informações sobre o corpo e a
sexualidade. Deve-se compreender a sala como um espaço para que,
por meio de dinâmicas, possamos problematizar temáticas, elevar
questionamentos e expandir a visão de mundo e de conhecimento.
Finalizando, para Britzman (1999) professores necessitam produzir a
capacidade de desestabilizar o conhecimento em nome da liberdade.
A Sexualidade e a Educação Sexual se referem a práticas de
liberdade e todos os esforços a favor desse debate é preciso.

Referências
Graduando do Curso de História na Universidade da Amazônia -
UNAMA e professor do ensino fundamental na rede privada de ensino
em Belém-PA.

BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem


Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação
contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília:
Ministério da Saúde, 2004.

22
BRITZMAN, Deborah. Curiosidade, sexualidade e currículo. In:
LOURO, G.L (Org). O corpo educado. Pedagogias da Sexualidade.
Belo Horizonte: Autentica 1999.

CÉSAR, Maria. Gênero e sexualidade e educação: Notas para uma


―Epistemologia‖. Educar em Revista [online]. Vol.35, Curitiba. 2009.

COSTA, J.F. A ética e o espelho da cultura. RJ: Rocco, 1994.

FOUCALT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. 4. ed. Rio


de Janeiro: Graal, 1997. V.1.

JARDIM, Dulcilene Pereira; BRETAS, José Roberto da Silva.


Orientação sexual na escola: a concepção dos professores de Jandira
- SP. Revista Brasileira de Enfermagem. 2006, vol.59, n.2, pp.157-
162.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma


perspectiva pós-estruturalista. 6. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
______Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-
Posições [online]. 2008, vol.19, n.2, pp.17-23.

RIBEIRO, Marcos. Educação Sexual e Metodologia. 2011. Disponível


em:
<http://www.adolescencia.org.br/upl/ckfinder/files/pdf/Educa%C3%
A7%C3%A3o%20Sexual_Marcos%20Ribeiro.pdf>. Acesso em: 30 jul.
2017.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica.


Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p.71-99, 1995.

ZARBATO, Jaqueline Aparecida Martins. As estratégias do uso do


Gênero no ensino de História: narrativa histórica e formação de
professoras. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.4, nº8 jan-
jun, 2015.p.49-65

23
RACISMO, HISTÓRIA DE ÁFRICA E APLICABILIDADE:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Cirila Regina Ferreira Serra

Em geral, a conquista da lei 10.639/03 resulta no reconhecimento a


invisibilidade africana na formação histórica do país ao longo da
trajetória do sistema educacional e social. Tal reconhecimento foi
fruto de lutas do movimento negro organizado e outros agentes
sociais que buscavam a inclusão do Ensino de África como carga
horária curricular obrigatória como forma de atenuar o problema da
questão racial no Brasil.

Para além dos aspectos do problema de implementação e


aplicabilidade da lei, não é demasiado lembrar a grande importância
que os povos africanos tiveram no processo de construção
sociocultural brasileiro, mas devido a problemática do racismo,a
população constituída por pretos e pardos foram colocados a
invisibilidade, sendo lembrados e associados de maneira recorrente
ao passado de escravidão, e submetidos a imposição de se moldarem
a um padrão de beleza totalmente contrário as origens africanas. O
que torna imprescindível a aplicabilidade de uma educação
antirracista.

A permanência de práticas racistas na sociedade contemporânea,


segundo Hasenbalg, ―trata-se de um conflito político e ideológico em
torno de símbolos e significados que remetem a interpretações
contraditórias da sociedade brasileira e sua história‖ (HASENBALG,
1992, p. 142). Contradições estas que não podem ser resumidas
apenas a um legado escravista porque o Brasil criou um tipo
específico de racismo que se espalhou entre os meios sociais, entre
as classes, entre as pessoas, de modo que ele se reproduz
cotidianamente silenciado entre pessoas que sofrem e praticam, às
vezes, sem nem mesmo o perceber.

Nesta perspectiva, a lei 10.639/03 e outras são necessárias ao


enfrentamento de práticas racistas. Logo, exigir a garantia do seu
cumprimento significa não só uma reparação social, mas um direito à
afirmação de uma identidade que é negada à população negra, a qual
ao longo da história foi marcada por serem descendentes de sujeitos
escravizados e não de povos tirados do seu continente de origem e
submetidos ao trabalho forçado.

A lei acabou significando para muitos que lutam e sofrem com a


questão racial um instrumento legal para proporcionar uma educação
cuja referência histórica da população negra não fosse limitada

24
apenas a escravidão, mas acerca da historicidade de povos do
continente africano para além do olhar europeu. Como resultado de
uma educação voltada para pensar a inclusão do negro a partir de um
protagonismo negro, resolveria, em parte, a problemática do racismo
e suas variáveis, mas para isso o ensino de história de África tem que
deixar de ser um problema e se tornar algo aplicável.Hebe Mattos, ao
refletir acerca da problemática do ensino de África na educação
básica faz a seguinte sugestão,

―Desenvolver condições para uma abordagem da História no mesmo


nível de profundidade com que se estuda a história europeia e suas
influencias sobre o continente americano. (...) Incorporar, de forma
vigorosa, à formação de professores do ensino fundamental, as novas
pesquisas que abordam, historicamente, experiências concretas de
criação e de transformação culturais e identitárias, na experiência da
diáspora africana. Ao contar a história das festas populares, das
vivencias religiosas de escravos e livres nas irmandades católicas ou
nos terreiros de candomblé, ao discutir as transformações da
capoeira ou estudar as diferenças étnicas e culturais entre os
escravos africanos, bem como seus conflitos e alianças com os
escravos nascidos no Brasil, entre tantos outros temas, começa-se
finalmente a romper a dualidade Brasil mestiço versus pureza
africana e a enfatizar uma perspectiva efetivamente plural, do ponto
de vista da história cultural‖. (MATTOS, 2009, p. 135).

Hélio Santos analisando a problemática recomenda que se trabalhe


para a construção de uma pedagogia reversiva,

―que possa ser usada pela escola, em conjunto com a visibilidade


positiva do negro e o afro-mestiço pela mídia – facilitarão ao país
assumir a sua verdadeira cara. Isso significa construir um modelo
novo estético-cultural que revolucione o país, pois muda a maneira
do brasileiro ver a si próprio‖ (SANTOS, 1996, p. 119).

E, assim, se possa trabalhar a autoestima dos que não se veem


representados na grande mídia, em livros didáticos, e na própria
historiografia. Para que se possa amenizar no futuro o ―racismo sem
raça‖(MBEMB, 2014, p. 19).Nessa acepção, refiro-me a Achille
Mbembe, que esclarece que a categoria negro foi ―inventado para
significar exclusão, embrutecimento e degradação, ou seja um limite
sempre conjurado e abominado‖, que resultou na construção de uma
raça social fundamentada na ideologia do racismo.

Em linhas gerais, os meandros que definiram e promulgaram a lei


10.630/03 não definiram a sua implementação e aplicabilidade.
Embora a conquista da lei tem se constituído ao longo dos anos um

25
grande avanço social e histórico para população de negros e negras e
para própria história social do Brasil, nos últimos anos, se conseguiu
muito pouco em termos de aplicabilidade, considerando que já
passaram catorze anos da promulgação. O pouco se deu em virtude
de muita discussão envolvendo estudos acadêmicos, secretárias,
corpo docente, gestores escolares e os demais agentes educacionais.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações


Étnico-Raciais e para ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, apresenta dimensões normativas, reguladoras de caminhos
para implementação da lei 10.639/03, a partir de quatro eixos
normativos: história e cultura afro-brasileira e africana, consciência
política e histórica da diversidade, fortalecimento de identidades e de
direitos, ações educativas de combate ao racismo e as
discriminações.

O texto salienta ainda ―que tais políticas têm como meta o direito dos
negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de
mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual e coletiva,
seus pensamentos‖, e prossegue argumentando que:

―Tais políticas têm, também, como meta o direito dos negros, assim
como de todos cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de
ensino, em escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados
por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de
conhecimentos; com formação para lidar com as tensas relações
produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de
conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-
raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus, de
asiáticos, e povos indígenas. Estas condições materiais das escolas e
de formação de professores são indispensáveis para uma educação
de qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e
valorização da história, cultura e identidade dos descendentes de
africanos‖. (BRASIL, 2004, p. 10-11).

O passo seguinte para implementação das diretrizes se constituem


em um comprometimento dos vários elos ligados ao sistema de
ensino, assim como a participação do corpo docente, gestores, equipe
pedagógica e demais agentes ligados a educação como secretaria,
conselho e ministério.

No que tange aplicabilidade, embora o livro didático em grande parte


ainda não atenda as diretrizes curriculares sugeridas a História da
África, hoje é possível encontrar uma variedade de materiais muito
bem produzidos (Faço referência a coleção da Unesco sobre a História
Geral da África, o trabalho de Leila Leite Hernandez: África na sala de

26
aula, o trabalho de Marina de Mello e Sousa: África e Brasil africano e
uma quantidade significativa de materiais que o MEC vem produzindo
como os materiais didáticos e paradidáticos para suprir essa
necessidade) que atende as definições da lei. A utilização de
repertórios pedagógicos, sequencias didáticas, estratégias didáticas
tem se constituídos em táticas de aplicabilidade, pois tais recursos
abrangem uma serie de possibilidades de aplicação desse conteúdo.
Cabe ao corpo docente fazer uso de tais recursos.

As Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-


Raciais, no que se refere ao Ensino de História da África tem com
princípio tratar o tema a partir de uma ―perspectiva positiva, não só
de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente,
nos tópicos pertinentes se fará articuladamente com a história dos
afrodescendentes no Brasil‖ (BRASIL, 2004, p. 21) a partir de temas
relativos como a importância da oralidade como fonte de memória
histórica, à história da ancestralidade e religiosidade africana, às
civilizações e organizações e pré-coloniais, à ocupação colonial na
perspectiva dos africanos, às lutas pela independência política dos
países africanos, às relações entre as culturas e as histórias dos
povos do continente africano e os da diáspora, entre outros tema.

O que se propôs aqui foi apresentar uma reflexão ainda que sucinta
sobre a questão racial brasileira e a importância de se ter uma lei que
ressignifique a história social e cultural da população de negros (as),
assim como discutir formas de implementação e aplicabilidade para o
ensino de História da África.

Embora ainda não tenha sido possível efetivar como se espera a


implementação e aplicabilidade do ensino de África ao currículo
escolar, tendo em vista que ainda permanecem muitas lacunas a
serem preenchidas como a própria qualificação do corpo docente, já é
possível trabalhar mesmo com dificuldades, a temática na sala de
aula, pois cabe também aos professores/coordenadores/gestores
pensar estratégias de aplicabilidade.

A lei 10.639/03 se constitui como meio legal e institucional de reparar


por via da educação, anos de folclorização e silenciamento da história
e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares,
possibilitando uma consciência histórica a jovens negros(as) e
brancos(as), fazendo compreender-se como sujeitos históricos e
transformadores da sociedade. Para que no futuro possam
representar uma nova geração que possivelmente tornarão as
relações sociais menos desiguais e o racismo menos praticável.

27
Referências
Cirila Regina Ferreira Serra, mestrando no Programa de Pós-
Graduação de História da UEMA.

BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das


relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-
brasileira e africana. Brasília: MEC/SECAD/ SEPPIR/INEP, 2004.

BRASIL, Lei Federal nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003.

HASENBALG, Carlos A. Discursos sobre a raça: pequena crônica de


1988. In: SILVA, Nelson do Valle; HASENBALG, Carlos A. Relações
raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed.,
IUPERJ, 1992.

MATTOS, Hebe M. O ensino de história e a luta contra a discriminação


racial no Brasil. In: ABREU, Martha; SOIHET, Rachel (orgs.). Ensino
de história: conceitos, temáticas e metodologia. – 2. ed. – Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2009.

MBEMB, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona, 2014.

SANTOS, Hélio. Uma visão sistemática das estratégias aplicadas


contra a discriminação racial. In: Estratégias e políticas de combate à
discriminação racial. São Paulo: Editora USP: Estação Ciência, 1996.

28
RELEVÂNCIA DA LEI Nº 10.639/03 NO CURRÍCULO ESCOLAR
DA EJA
David Richard Martins Motta

Pontuando os alicerces da Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos


aspectos emancipatórios voltados para a classe trabalhadora, o
presente trabalho busca destacar a relevância desses preceitos
somados a Lei nº 10.639/03. Esse estudo destaca a importância da
abordagem valorativa das contribuições afro brasileira e africanas na
disciplina de história na modalidade de ensino da EJA.

Para nos situarmos é preciso pontuar que a Educação de Jovens e


Adultos (EJA) é uma categoria de ensino destinada aos jovens e
adultos que não tiveram acesso ou que por algum motivo não
puderam concluir o ensino na idade própria. O que descrevemos aqui
como ―aspectos emancipatórios da EJA‖ é o entendimento que a
Educação de Jovens e Adultos tem em seu cerne práticas e reflexões
que favorecem a consciência crítica e a emancipação do educando
(VENTURA, 2008). Dentro desse contexto percebemos também que a
EJA está associada diretamente a classe trabalhadora (CIAVATTA;
RUMMERT, 2010) não uma classe trabalhadora qualquer, mas uma
que, em sua maioria, é negra, e sofre pesadas consequências por
viver em um país com latentes cicatrizes históricas da escravidão,
que permeiam a vida de todos os trabalhadores negros do Brasil.

Nesse sentido, seguindo os aspectos emancipatórios da Educação de


Jovens e Adultos que se relaciona com a valorização e respeito à
cerca das origens do alunado o presente trabalho se propõe a
analisar sucintamente as contribuições da Lei 10639/03 na Educação
de Jovens e Adultos.

Para entendermos a importância de um projeto emancipador para os


alunos negros e trabalhadores da EJA, temos que antes de tudo
entender a trajetória histórica da diáspora africana no Brasil.

Desde os primórdios da colonização do Brasil, a mão de obra negra


escravizada foi engrenagem motriz para a saúde econômica do Brasil
colonial. O historiador Alencastro explica:

―A partir de 1550, todos os ―ciclos‖ brasileiros – o do açúcar, o do


ouro e o do café – derivam do ciclo multissecular de trabalho escravo
resultante da pilhagem do continente africano. O tráfico negreiro vai
irrigar os desdobramentos regionais e setoriais da economia mineira,
permitindo o desenvolvimento simultâneo das diferentes zonas
produtivas: a indústria açucareira não só se mantém como acaba

29
rendendo mais que a do outro no século XVIII‖ (ALENCASTRO, 2000,
p.353).

O trecho supracitado traz uma informação bastante estudada quando


analisamos a época colonial brasileira. Contudo, na maioria das vezes
que estudamos os ciclos econômicos da história colonial, não
conectamos que quem produziu toda a riqueza do ouro, açúcar e o
café foram os escravizados vindos coercitivamente da África. Outro
fator que pesa sobre a trajetória negra no território nacional é que
durante o regime escravocrata, chegaram a desembarcar no litoral do
brasileiro cerca de cinco milhões e oitocentos mil seres humanos para
serem escravizados (SLAVE VOYAGES, 2017).

Dentro desse contexto de laços estreitos com o continente africano


devemos perceber que a educação de jovens e adultos tem, em seus
fundamentos, a emancipação das massas excluídas, além disso, seus
conteúdos curriculares e as práticas pedagógicas devem estar mais
próximos do educando possível (CAPUCHO, 2012). Nesse sentido a
EJA dentro das suas matrizes curriculares para o ensino de história
tem uma obrigação especial em considerar a Lei nº 10.639/03, que
torna obrigatório o ensino de História e Cultura africana e afro
brasileira. Outro ponto fundamental para o ensino da EJA é que esse
espaço não pode ser um ambiente de reprodução dos ―preconceitos,
estereótipos e discriminações construídas socialmente e carregados
tanto por essa modalidade educacional‖ (ANDRADE, 2009).

Esse aspecto contra hegemônico da EJA de sempre se opor aos


preconceitos enraizados na sociedade brasileira referente à população
negra e trabalhadora, tem como auxílio o currículo escolar
emancipatório alinhado a Lei nº 10.639/03.

Lei nº 10.639/03 no currículo escolar


Entendendo que os estabelecimentos de ensino são ambientes
multiculturais e plurirraciais acreditamos que diante de currículos e
propostas pedagógicas que valorizem a aprendizagem da história e
da memória de povos de todo o mundo e da cultura que cerca a
sociedade, ter-se-á uma sociedade mais justa, igualitária e
comprometida com a disseminação das suas raízes culturais. Assim, a
Lei nº 10.639/03 vem como uma forma de garantir que tais
instrumentos de aprendizagem sejam disponibilizados para milhões
de estudantes brasileiros, buscando ―superar a valorização da
diversidade cultural como mero folclore, tentando articular essa
valorização com o desafio às desigualdades e a construção das
diferenças a elas associadas‖ (CANEN, 2004, p.113).

30
O Brasil é o país com a maior população negra no mundo fora da
África, no entanto as desigualdades étnicas ainda persistem. Houve
grandes avanços nos últimos anos, no combate à discriminação e nas
políticas afirmativas, uma delas é a Lei 10.639/03 que tornou
obrigatório em todas as escolas do país, o ensino de história da África
e de história e cultura afro-brasileira e, mais tarde, a Lei 11.645/08,
expandiu o alcance dessa obrigatoriedade implementando o ensino de
história e cultura indígena. Essas novas leis reconhecem a memória
e as contribuições afro-brasileiras. No Brasil, se cruzam dois
movimentos ideológicos de dominação sobre os brasileiros, o da
ideologia da dominação racial, que ao propagar ―idéias de
inferioridade do negro justificava a escravização dos africanos e o
mito da democracia racial, que ao negar a estrutura racista brasileira,
naturalizou as desigualdades sociais‖ (ROCHA, 2009, p. 54).

Conforme Heymann e Arruti analisam a Lei 10.639/03 se encaixa


mais como a rejeição à marginalização e busca de inclusão social do
que como afirmação de uma identidade exclusiva ou alguma forma de
separatismo (HEYMANN; ARRUTI, 2012, p. 112). Além disso, a Lei
10.639/03 desempenha um papel muito importante para a
desconstrução dessas ideologias de dominação, para a valorização
dos brasileiros negros e também auxiliam na ―descolonização‖ dos
currículos educacionais brasileiros. Essa lei contribui para a
construção de uma educação livre de racismo, no momento em que
tornam ―público os estudos sobre a questão afro-brasileira e
africana‖. Ademais, essa lei contribui para o processo de ―superação
da perspectiva eurocêntrica de conhecimento tornando-se um desafio
para a escola, os educadores e para a formação docente em geral‖
(GOMES, 2012, p. 105-107).

A Lei 10.639/03 se encaixa perfeitamente no que os autores


Heymann e Arruti ressaltaram a cerca do reconhecimento de
memória nacional, eles destacam que:

―[...] aqui (no Brasil) estaria em jogo, sobretudo, a memória da


diversidade [...] no Brasil, as lutas por reconhecimento e direitos de
grupos minoritários emergem da valorização da diversidade étnica e
cultural e da denúncia de uma situação histórica de desigualdade e
exclusão [...]‖ (HEYMANN; ARRUTI, 2012, p. 114).

Ou seja, a Lei 10.639/03 vem para livrar da marginalização histórica


grupos minoritários reivindicando assim o dever de memória, história
e justiça. Além disso, em relação a EJA essa lei contribui
positivamente para o projeto de educação emancipadora da classe
trabalhadora que está contida na cerne da EJA.

31
Outro ponto que pesa a favor da aplicabilidade da Lei 10.639/03 na
disciplina de história e nas turmas de EJA tem relação as que as
atuais concepções da história social prezam por uma abordagem
histórica que não se paute somente nos feitos dos ―heróis‖. Os
―novos‖ sujeitos históricos esquecidos e relegados a subalternidade
agora tem peso relevante no ensino de história (BERUTTI; MARQUES,
2009). Se tratando da história do Brasil, percebemos que os sujeitos
negros escravizados por mais de 300 anos se encaixam nesse grupo
social abandonado pelas antigas abordagens historiográficas na
disciplina escolar de história. Essa perspectiva historiográfica que
possibilita a ―incorporação de novos sujeitos, provenientes de setores
populares‖ (BITTENCOURT, 2009) gera a necessidade de novas
propostas curriculares que estejam de acordo a Lei 10.639/03 e as
concepções da EJA.

Considerações finais
Buscou-se abordar nesse trabalho o entendimento a respeito da
importância de um projeto emancipador para os alunos negros e
trabalhadores da EJA. Para isso abordamos aqui o peso da Lei
10.639/03 na disseminação da memória das contribuições africana e
afro-brasileiras na construção nacional. Nosso entendimento nesse
estudo é de que o currículo escolar pode contribuir positivamente
para uma abordagem valorativa das contribuições afro-brasileira e
africanas na disciplina de história na modalidade de ensino da EJA. A
escolha pelas turmas de EJA se deu pelo fato dessa modalidade de
ensino estar associada diretamente a classe negra trabalhadora e que
sofre pesadas consequências por viver em um país com latentes
cicatrizes históricas da escravidão, que permeiam a vida de todos os
trabalhadores negros do Brasil.

Referências Bibliográficas
David Richard Martins Motta. Licenciado em História pela UFRRJ –
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Estudante de Pós-
graduação pelo IFRJ - Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio de Janeiro. E-mail:mottacell@yahoo.com.br

ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes – formação do Brasil


no Atlântico Sul - Séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.

ANDRADE, Eliane Ribeiro. Os jovens da EJA e a EJA dos jovens. In:


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32
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33
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INDÍGENA: ENTRE LUTAS,
RESSIGNIFICAÇÕES E CONQUISTAS DE DIREITOS
Denilce Raimunda de Castro Mourão
Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução
O final da década de 70 foi marcado por discussões acaloradas
quanto a luta dos direitos indígenas no que tange o contexto
educacional, em especifico, pela conquista de um currículo
diversificado que contribuísse no resgate e valorização de aspectos da
cultura indígena, considerando nesse contexto, a histórica
sobreposição de valores e costumes europeus em relação aos
indígenas desde a colonização. As lutas dos movimentos indigenistas
giravam em torno da defesa de uma educação específica e
diferenciada que atendesse o conjunto de singularidades culturais,
linguísticas e de costumes, ou seja, todos aqueles saberes empíricos
relevantes para os povos tradicionais. O processo de reivindicação
dos direitos indígenas foi assinalado pelo surgimento de associações
nacionais e outras não governamentais no amazonas como a
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN),
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
(COIAB) e Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas
(MEIAM), que objetivavam e defendiam uma educação escolar
indígena específica e diferenciada que abrangesse da educação básica
até o ensino superior, fortalecendo as reivindicações dos movimentos
indígenas. O surgimento dessas associações se justificava na medida
em que contribuíam na socialização e no debate quanto a relevância
de se preservar e introduzir elementos dos costumes, tradições e
saberes tradicionais dentro do currículo e no bojo das discussões de
políticas públicas, visando a garantia do direito de reconhecimento a
pluralidade étnico- cultural de cada povo.

Década de 70: as lutas indígenas, as organizações e as


conquistas
O final da década de 70, marca o início das lutas, surgimento de
organizações no Estado do Amazonas de apoio aos movimentos
indígenas em busca de dar um novo sentido em relação a cultura que
por um longo período da história foi ignorando pelos catequizadores
da época, onde foram quase que totalmente descartados saberes de
grande relevância a muitos povos primitivos, sendo impostos
costumes alheio aos seus. Ainda no período da ditadura militar não
existia nada que amparasse constitucionalmente a educação voltada
para a cultura indígena, sobre o comando dos jesuítas não se
pensava na diversidade cultural que existia entre os povos, o que

34
estava em discussão era envolver os sujeitos através da religiosidade
e trabalho.

De acordo com Buratto [2004], os jesuítas formaram as primeiras


escolas, sobre a ordem de D. João, com o objetivo de povoar terras e
espalhar o catolicismo entres os povos indígenas.Com a expulsão dos
jesuítas pelo Marquês de Pombal, as escolas foram desativadas, a
aprendizagem da língua materna foi substituída por apenas o
português. Apesar de ainda não existir leis que amparasse o direito a
uma educação diferenciada, já se existiam modelos de alfabetização
para esses povos de acordo com o grupo a qual pertenciam,
conforme Lei 6001 (Estatuto do Índio) garante a alfabetização dos
índios (BURATTO, 2004;6).

Durante o período de colonização, os povos indígenas tiveram


modificações em vários aspectos que envolve o processo cultural,
tendo suas identidades negadas, como os seus hábitos, costumes e
principalmente na sua língua nativa, que foi mesclada no período que
foram catequizados pelos jesuítas, como forma de unificar o processo
cultural e de comunicação entre eles. Sobre isso esclarece Ióris:

―Ao longo de quase um século, até serem expulsas em 1750, essas


missões cumpriram duplo papel, o de assegurar o alargamento das
fronteiras coloniais lusitanas e o de promover um movimento para
homogeneizar cultural e linguisticamente uma mão de obra indígena
oriunda de diversos e distintos grupos étnicos.‖ [IÓRÍS, 2010:225].

Ainda sobre esse contexto:

―Esse período, de modo sucinto, teve como objetivo homogeneizar a


diversidade cultural indígena através da imposição dos preceitos da
civilização crista e, na medida do possível, incorporar sua mão de
obra a emergente sociedade nacional‖ [RODRIGUES, 2016:24].

Essa é uma das principais causas de lutas e conflitos por espaços


dentro da sociedade, tendo que ser palco de muitas discussões para
ressignificação de saberes empíricos indígenas. Apesar de todas as
conquistas, principalmente no que já está amparado por lei não são
garantias de que todos os direitos serão efetivados na realidade.
Sobre isso esclarece Estácio:

―Logo, parece haver um jogo de forças contraditórias entre as


posições progressistas garantidas na lei e a efetivação desses
princípios, ou seja, um distanciamento do dizer para o fazer.‖
[ESTÁCIO, 2016:107].

35
Por mais que já exista na constituição o direito a uma educação
diferenciada e específica para índios, ainda continua a resistência em
seguir o sistema tradicional, com professores não indígenas
ministrando aulas, sem entender a língua, deixando de garantir
direitos educacionais relevantes a sua cultura, impondo costumes
apenas dos ―brancos‖, os livros didáticos repletos de ideologias que
não condizem as suas realidades.

Década de 80: As lutas Indígenas Pós Ditadura Militar


Com o fim do regime militar, abriu- se um caminho para um período
longo de grandes lutas implementadas pelas entidades e
organizações não- governamentais, em reivindicação pelas
modificações na área política, onde o governo foi muito pressionado
para buscar melhorias para o Brasil. Na década de 80, as lutas
indígenas continuam com mais intensidade, uma época de muitos
conflitos, com todos esses acontecimentos, dentro desse contexto
surge a maior lei de 88, chamada de carta Magna, que abre caminhos
para novas conquistas de direitos tradicionais que foram quase que
esquecidos no tempo, como é o caso da cultura indígena, não só esse
marco, como também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional Lei n° 9394/96. Também conhecida como LDBEN ou Lei
Darcy Ribeiro, garantindo que o ensino fundamental fosse ministrado
na Língua Portuguesa, e dando aos povos indígenas o direito a
aprendizagem de sua língua materna e o seu próprio processo de
ensino, e também a lei 11/645/2008, que ampara o estudo da
história tanto afro- brasileira como indígena no currículo. Os direitos
não se restringem só a isso, mais esses marcos constitucionais abrem
caminhos para os decretos, artigos e todos que virem a apoiar dentro
desse contexto.

―O autor deixa claro que o objetivo principal das lideranças indígenas


ao final da ditadura militar, era pressionar a união, os estados e
também a sociedade, em busca de reestruturação na política
indigenista do estado como forma de assegurar seus direitos a uma
educação escolar autêntica que atendessem às especificidades de
cada povo. Mesmo não tendo chegado ao ideal das escolas indígenas,
as mudanças que vem acontecendo principalmente por causa da
legislação, trazem uma aproximação para as exigências do
movimento indígenas‖ [ESTÁCIO, 2016].

Nesse período as lutas dos povos indígenas eram por uma educação
escolar que atendesse a diversidade cultural dos vários povos
indígenas existentes. Foi um período onde surgiram importantes
organizações de apoio aos movimentos e o princípio de inúmeras
conquistas, que atendesse todos os seus direitos e alcançassem as

36
conquistas constitucionais de 1988. Nesse sentido esclarece
Rodrigues:

―(...) a constituição de 1988 marca uma mudança importante na


concepção do Estado sobre as sociedades indígenas. O fundamento
epistemológico deixa de ser o integracionista e passa a ser o da
valorização, ou pelo menos da aceitação, da diversidade cultural (...)‖
[RODRIGUES, 2016:26].

Ainda sobre esse fator discorre Souza:

―Ás décadas de 1980 e 1990, apesar de a educação escolar indígenas


se apresentar ainda com mais questões a serem discutidas e
transformadas, foram períodos de significativos avanços e conquistas,
principalmente marcadas pela aceleração das discussões e propostas
legais de regulamentação de educação escolar nas comunidades
indígenas a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.‖
[SOUZA, 2016:56].

Apesar de todas as conquistas, ainda continuava a ser aplicada a


educação do sistema formal, institucionalizada pela educação não
indígena, ou seja estava amparado na lei, mas não estava sendo
efetivado como deveria e continuava o processo de exclusão. Devido
a esse fator de tantas contradições, as lideranças e representações
comunitárias indígenas de todo o Brasil, procuraram através de
assembleias resolver problemas comuns, como a educação específica
e diferenciada que atendessem as especificidades sociocultural de
cada povo. Sobre isso pondera Mourão; Melo:

―O reconhecimento desses saberes, como discorre a lei 11.645/2008,


torna-se necessário no currículo escolar tanto fundamental, quanto
médio, sendo um fator essencial para a transmissibilidade de um
povo para outro, mas para isso é necessário que criem escolas, que
atendem os povos indígenas com suas culturas, costumes, línguas
enfim com tudo que for de direito, ou seja, uma escola diferenciada
mas que possibilite não só esses saberes como também o
sistematizado‖ [MOURÃO; MELO, 2017:14].

São inúmeros problemas em que os povos tradicionais são


submetidos a enfrentar, desde a educação, saúde, disputas por posse
de terra, percebe- se que atualmente ainda continuam intensos e
precisam lutar e construir meios para garantir espaços na sociedade,
por esses motivos que quanto mais trabalhos, ou seja, literaturas
voltadas para esses ricos conhecimentos, melhor para a valorização
de saber. Sobre isso afirma Mourão; Melo:

37
―Nessa mesma linha, torna- se necessário a construção de literaturas
voltadas para os saberes como um fortalecimento cultural e social em
favor dos povos tradicionais e também para o resgate desses
costumes necessários para essa população‖ [MOURÃO; MELO,
2017:14).

Os indígenas, assim como outros grupos tradicionais lutam contra a


desigualdade ao acesso à educação dentro das universidades, sabem
que é de grande importância para a construção de conhecimentos
principalmente das leis que os amparam, mesmo tendo a consciência
de que não é tão simples assim, pois a presença deles nesse espaço
vem acompanhados de discriminações e de muitas dificuldades
relacionado a língua e também ao seu cotidiano. Nesse campo
esclarece Pitanga; Lira:

―Diversas são as dificuldades enfrentadas pelos indígenas no curso,


sendo que a língua é a dificuldade preponderante. Isso sem contar
que o seu cotidiano sofre consideradas transformações mesmo que
estes estejam alojados em local um pouco afastado da sede do
município, esses costumam caçar, por exemplo, o que não é possível
no local. Não menor é o trabalho com textos científicos e a linguagem
dos mesmos. Porém, os mesmos enfrentam esses fatos que se
constituem enquanto problemas, o que nos impulsiona e aumenta
nossa vontade de estudar e ampliar a sua formação nos professores
indígenas‖ [PITANGA; LIRA, 1996:4].

Considerações finais
No final da década de 70, começam as discussões, as lutas, em prol
de uma educação específica e diferenciada para os índios.Nesse
mesmo período surgem associações que vão fortalecer os
movimentos indígenas em prol das reivindicações feitas por eles.
Foram muitas conquistas, principalmente na década posterior, apesar
da constituição estar recheada de direitos, ainda é preciso que se
lutem constantemente para que sejam concretizados no que tange a
educação escolar indígena. E um grande desafio para esses povos,
pois em uma sociedade capitalista, onde o sistema das classes
educacionais dominantes persistem em se manter, a efetividades
desses direitos constitucionais ficam cada vez mais difícil.

Dito em outras palavras, a história da educação brasileira no que


tange a educação escolar indígena, no pós ditadura militar, teve
inúmeras lutas, modificações, discussões e também conquistas em
relação as leis, mas não o suficiente para mudar a realidade ao qual
esses povos indígenas estão sujeitos.Atualmente esse senário
continua evidente dentro dos ambientes escolares, da educação
infantil, do ensino fundamental e médio e do ensinosuperior,

38
principalmente nessa última modalidade de ensino, onde são mais
expostos as condições de desigualdade.

A lei da abertura, mas não condições, ou seja, integra mas não


incluem.Esses sujeitos têm acesso à educação superior, mas tem sua
aprendizagem comprometida por vários aspectos, os mesmos além
de terem que sair do seu próprio local de origem, aprender uma
segunda língua (o português), encontrarem professores sem
qualificação em línguas indígenas, sem intérprete na sala, e ainda são
submetidos a avaliações formuladas para todos como se as salas de
aula fossem homogêneas, sem se preocuparem com a diferença
cultural de cada indivíduo. Dentro desse cenário, pode-se perceber
que ainda é preciso muitas lutas para a efetivação de direitos
constitucionais visando atender a educação em todas as suas
dimensões, para que os povos indígenas tenham direitos ao acesso,
permanência e formação no âmbito de uma educação intercultural,
específica e bilíngue.

Referências
Denilce Raimunda de Castro Mourão – É acadêmica indígena do curso
de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal do Oeste
do Pará (UFOPA). E mail: denilcedecastro@hotmail.com

Wilverson Rodrigo Silva Melo (Coautor e Orientador) - É Mestre em


História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e
Doutorando em História Contemporânea pela Universidade de Évora
(UÉVORA). Atualmente é Docente na Universidade Federal do Oeste
do Pará (UFOPA). E-mail: w.rodrigohistoriador@bol.com.br.

BURATTO, Lucia Gouvêa. A educação escolar indígena na legislação e


os indígenas com necessidades educacionais especiais. 2004?. In:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/565-
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formação docente, tecnologia, política educacional e diversidade
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caminhos da educação indígena no Amazonas: o papel da
universidade na formação dos professores. Revista Ibero americana
de Educación - Palestra proferida no I Simpósio dos Povos Indígenas
do Rio Negro: Terra e Cultura, Manaus, 1996.

RODRIGUES, Gilberto Cesar Lopes. Educação e Emancipação na


Escola Indígena: uma análise à luz dos fundamentos filosóficos da
pedagogia histórico-crítica.In: Marcos André F. Estácio; Lucia Nicida.
(Org). História e educação na Amazônia. EDUA, 2016, V. 1, P. 23-42.

SOUZA, Adria Simone Duarte de. A construção do conceito de


bilinguismo na educação escolar indígena: o caso dos Munduruku do
Rio Canumã-AM. H673 História e Educação na Amazônia. /
Organização de Marcos André Ferreira Estácio e Lucia Regina de
Azevedo Nicida. – Manaus: EDUA; UEA Edições, 2016.

40
O ENSINO DA HISTÓRIA INDÍGENA NAS UNIVERSIDADES
BRASILEIRAS: LEI, TABU E AUTODETERMINAÇÃO
Eduardo Gomes da Silva Filho

No Brasil o ensino da temática indígena ainda é tratado como tabu,


mesmo com o advento da Lei nº 11.645/08. Esta Lei foi responsável
pela obrigatoriedade da inclusão da história e da cultura dos povos
indígenas nos currículos da Educação Básica.

De fato, isso requer uma ampla divulgação junto aos sistemas de


ensino, pois trata-se de além da efetivação da lei, uma maneira de
garantir o direito dos povos tradicionais. Isto posto, volto-me agora
para a questão do tabu do ensino da temática indígena nas escolas,
que é um problema que deve ser enfrentado, não só por docentes e
discentes, mas principalmente, pelo próprio poder público.

Todavia muitas instituições não inseriram esta temática em suas


grades curriculares, abrindo uma lacuna que precisa ser preenchida
com brevidade. A esse respeito Luisa Tombini Wittmann et al
comenta: ―É necessário, de início, que haja formação de professores
na temática africana, afro-brasileira e indígena. Caso contrário, é alto
o risco de não efetivação ou mesmo de abordagens enviesadas de
conteúdos‖. (WITTMANN et al, 2016, p. 02).

O alerta da profa. Wittmann é muito pertinente, soma-se a isso,


outro fato colocado pelo professor Edson Silva (2002) que comenta:
―O desconhecimento sobre a atual situação dos povos indígenas, está
associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente
veiculada pela mídia: um índio genérico com um biótipo formado por
características correspondentes aos indivíduo dos povos nativos
habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos,
pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores
das florestas, de culturas exóticas etc. Ou também imortalizados pela
literatura romântica produzida no século XIX, como nos livros de José
de Alencar, onde são apresentados índios belos e ingênuos, ou
valentes guerreiros e ameaçadores canibais […] (SILVA, 2002,
p.46)‖.

A esse respeito, abrem-se precedentes de análises para diversas


interpretações do senso comum acerca da postura e da condição do
índio brasileiro, pois esta narrativa de vitimização e ingenuidade
foram descritas por muitos anos não só na literatura, mas na própria
narrativa social, que tentou invisibilizar a luta, o protagonismo e a
autodeterminação indígena ao longo do tempo.

41
As prerrogativas da Lei
De acordo com o parágrafo 1 do artigo 26-A da lei 11.645/08:

―§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá


diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos,
tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos
negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional,
resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008)‖.

Indiscutivelmente os avanços alcançados por intermédio da outorga


da Lei são indiscutíveis, no entanto, faz-se necessário um
aprofundamento nos reflexos desta mesma Lei, principalmente no
que diz respeito à educação. Por outro lado, importantes bandeiras
foram levantas a partir do bojo das preocupações existentes deste
processo, uma delas trata-se do reconhecimento do indígena como
um agente essencial no processo da formação social brasileira,
registra-se amiúde.

É válido salientar que antes da implementação da Lei 11.645/08,


outra importante Lei abriu caminho para esta mudança de paradigma
na educação brasileira, refiro-me à Lei 10.639/03, propõe novas
diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-
brasileira e africana.

Outrossim, isso acabou contribuindo de forma significativa para a


construção da imagem do negro como sujeito histórico,
principalmente a partir da ação docente em sala de aula. O currículo
nas escolas públicas e particulares muitas vezes é ―engessado‖ de
modo a evidenciar na maioria das vezes a cultura eurocêntrica. Nesse
sentido, as referidas Leis vieram à tona para desmistificar essa
tentativa de propagação inverossímil da suposta ―superioridade‖
europeia em detrimento das populações afro-ameríndias.

Sobre esse tema, corroboro com a visão dos professores Mauro Cezar
Coelho e Wilma de Nazaré Baía Coelho que afirmam: ―A introdução
das temáticas previstas nas leis nº 10.639/03 e 11.645/08 constitui
uma inversão do percurso usualmente trilhado pelas políticas
educacionais. Ambas as leis não decorreram da constatação, por
parte do Estado, de uma fragilidade no sistema ou nas condições de
oferta. Os dois instrumentos legais resultam de demandas de
movimentos sociais. Nos dois casos, a luta contra as formas de
discriminação e preconceito foi o elemento determinante‖. (COELHO;
BAÍA, 2013, p. 02).

42
A lucidez do comentário acima denota a visão apurada dos
professores, que além de evidenciarem os avanços provocados pelas
Leis, também as utilizam no ―chão de fábrica‖.

Então por que o Tabu?


Aqui, inicialmente, peço-lhes licença para partir do ponto de vista de
Michel Foucault (2002), baseado na premissa de que a reelaboração
da teoria do sujeito deve ser feita a partir da constituição histórica
deste e do seu conhecimento, através de um discurso tomado como
um conjunto de estratégias que fazem parte das chamadas práticas
sociais. Desta forma, destaco a extrema importância da quebra desse
mesmo tabu, que durante muitos anos foi imposto por parte de uma
sociedade plutocrática, oligárquica e avessa aos interesses dos povos
tradicionais brasileiros.

Mesmo antes da implementação das Leis por ora evidenciadas neste


texto, alguns célebres pensadores já haviam tentado descortinar o
tem ―Tabu‖ entre a população brasileira. Neste caso, refiro-me à
análise do Antropólogo Darcy Ribeiro (1972), que dialoga com a
Antropologia cultural, mas sem renunciar a uma análise crítica social
acerca da questão de raça.

Por outro lado, ainda dentro do campo da Antropologia, Franz Boas


(2009) faz importantes inferências a respeito da desconstrução da
perspectiva de raça enquanto conceito meramente científico, ainda de
acordo com o autor:

―Acredito que o estado atual de nosso conhecimento nos autoriza a


dizer que, embora os indivíduos diferem, as diferenças entre as raças
são pequenas. Não há razão para acreditar que uma raça seja
naturalmente mais inteligente, dotada de grande força de vontade,
ou emocionalmente mais estável do que outra, e que essa diferença
iria influenciar significativamente sua cultura [...]‖. (BOAS, Franz,
2009, p. 82).

Ainda vislumbrando o Tabu como pano de fundo para a questão da


temática do ensino da história indígena, seja nas Universidades,
escolas ou até mesmo nas aldeias, recorrerei agora a visão de
Todorov (1993), que se debruçou sobre aspectos relacionados ao
etnocentrismo, cientificismo, racismo, entre outras questões
pertinentes ao binômio raça versus diversidade humana. Isso fico
claro por exemplo, quando o autor faz uma crítica velada ao
estruturalismo francês, a partir da Antropologia estrutural de Lévi-
Strauss (2008), quando ele se recusou a reconhecer o lugar do
homem na natureza. Todorov acabou identificando em sua obra a

43
tentativa de um projeto europeu de ciência universal, que tentou
deixar de lado o protagonismo e autodeterminação indígena por
séculos.

O modo de vida tradicional também acaba entrando em pauta nessa


discussão, a medida em que isso vem sendo objeto de estudo de
Antropólogos, Historiadores e Etnólogos nas últimas décadas de uma
maneira mais recorrente. Um exemplo disso está na obra do
Antropólogo Inglês Evans-Pritchard (1978), onde o autor analisa o
modo de vida de um clã tribal (Os Nuer), fornecendo elementos
indispensáveis para a compreensão da Antropologia Social.
Paradoxalmente, esse mesmo modo de vida tradicional, quando
empregado nas sob perspectiva das tribos brasileiras, notamos a
importância da manutenção de costumes e tradições, isso implica
evidentemente na questão do ensino consuetudinário da língua
materna, cosmologia, cosmogonia e práticas culturais.

É válido salientar o papel ímpar que a Nova História Indígena tem


nesse contexto, evidenciando uma nova compreensão histórica
desses povos, apresentando-os como protagonistas da sua própria
história. Regras existem para serem quebradas, portanto, partindo
deste pressuposto, o grande mérito da questão da quebra do Tabu do
ensino da temática indígena nas Universidades brasileiras, está
pautado em cima da sua própria resistência e autodeterminação.

Autodeterminação: Alguns tópicos importantes


O direito à autodeterminação dos povos indígenas se sobrepõe ao
Leviatã do Estado brasileiro. Esta conquista veio no dia 13 de março
de 2007 a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas –
ONU. Este direito fundamental da aos índios a autonomia de decidir
entre outras coisas pelo seu próprio status político, desenvolvimento
econômico, cultural, educacional e da resolução de conflitos.

No que diz respeito à educação, esse direito é premissa básica e


fundamental para cada grupo étnico. Também é ―conditio sine qua
non‖ para a conscientização da sociedade civil (e por que não
militar?) no que tange ao combate ao racismo, discriminação e
genocídio dos povos indígenas.

Além de ser muito importante para os povos tradicionais, essa


declaração mostra que eles são conscientes e politizados,
diferentemente do que os livros didáticos mostraram durante anos, a
partir de uma ideia equivocada de subserviência, totalmente
improcedente, diga-se de passagem.

44
Segundo Albuquerque (2008) a autodeterminação é ―um direito
enquanto conjunto de regras, normas, padrões e leis reconhecidas
socialmente que garantem a determinados povos, segmentos ou
grupos sociais o poder de decidir seu próprio modo de ser, viver e
organizar-se política, econômica, social e culturalmente, sem serem
subjugados ou dominados por outros grupos, segmentos, classes
sociais oupovos estranhos à sua formação específica‖.

Já a ―Primera Declaración de Barbados: Por la Liberación del


Indígena” nos alerta sobre os percalços da chamada política
indigenista, referentes à autodeterminação: ―[...] El análisis que
realizamos demostró que la política indigenista de los estados
nacionales latinoamericanos ha fracasado tanto por acción como por
omisión. Por omisión, en razón de su incapacidad para garantizar a
cada grupo indígena el amparo específico que el Estado le debe y
para imponer la ley sobre los frentes de expansión nacional. Por
acción, debido a la naturaleza colonialista y clasista de sus políticas
indigenistas.‖ (PRIMERA DECLARACIÓN DE BARBADOS s/d. apud
MORAES, 2014, p. 25).

Portanto, o direito à diversidade na educação dos povos indígenas


deve ser levado totalmente em consideração, haja vista que existem
ainda uma série de barreiras que devem ser atravessadas, como nos
casos da estigmatização, preconceito, carência de escolas bilíngues,
entre outros motivos. Volto a bater nessa tecla porque mesmo após
mais de uma década da declaração da ONU, o cenário de
precariedade em relação à educação indígena, sobretudo nas
Universidades brasileiras, ainda beira o caos.

Considerações Finais
Neste texto eu não me propus a discutir o tema a partir de uma
perspectiva estanque, procurei enveredar pelas nuances de suas
especificidades, sem me deixar levar por possíveis determinismos que
tanto combato. Busquei algumas tentativas de suscitar inquietações
nos leitores, ao ponto que o eco das minhas próprias inquietações
possa reverberar aos ouvidos daqueles que se sintam tocados pela
causa.

Portanto, no Triunvirato sugerido na análise do texto composto pela


relação de Ensino/Lei; Tabu e Autodeterminação, procurei não me
preocupar com narrativas cronológicas, combatendo o anacronismo
eurocêntrico e evidenciando questões pertinentes aos povos
tradicionais, sejam elas de cunho particular ou a partir de uma
cosmovisão de um historiador/etnólogo,como assim me considero.

45
Referências
Eduardo Gomes da Silva Filho é professor da Universidade Federal de
Roraima, Mestre em História Social pela Universidade Federal do
Amazonas.

ALBUQUERQUE, Antônio Armando Ulian do Lago. Multiculturalismo e


direito à autodeterminação dos povos indígenas. Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris Editor, 2008.

BOAS, Franz.Raça e progresso. In: Antropologia cultural. Trad. Celso


Castro – 5. Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2009.

BRASIL. Lei 11.645, de 10 de marco de 2008. Disponível em:


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47
AS MINORIAS SOCIAIS E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
HISTÓRICO NO ENSINO MÉDIO
Fábio Alexandre da Silva

Introdução
O presente texto tem por finalidade analisar a autoridade (ou a falta
de) e o papel das minorias sociais na produção de conhecimento
histórico escolar. O objetivo maior deste projeto é debater sobre as
diferentes formas de produção do conhecimento histórico e os
sujeitos que o produzem, assim como sobre sua legitimidade neste
processo. Para tanto, buscou-se estudar os caminhos a serem
traçados que possam conduzir os alunos do ensino médio a refletirem
sobre o conhecimento histórico e sua produção, escolar e acadêmica,
seu papel enquanto agentes históricos e o papel histórico das
minorias sociais nesse processo, práticas indispensáveis para a
formação e solidificação da consciência histórica.

Pretende-se, portanto, debruçar-se acerca de como ocorre a


produção do conhecimento histórico, sobre o que é história e quem
são os sujeitos históricos, a fim de rechaçar a visão positivista ainda
existente de que a história é produzida por e para grandes homens –
heróis e vilões – e que só são rememorados os grandes feitos e fatos
do passado, colocando em segundo e terceiro planos os
acontecimentos e eventos cotidianos, aqueles dos ditos ―sujeitos
comuns‖ – lugar onde estão alocadas as minorias sociais na história.
Como referencial teórico para este estudo, além de autores(as)
importantes que debatem sobre o ensino de história e o papel
histórico-social das minorias, como é o caso de Neusa Santos, foram
utilizados também os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Médio para a disciplina de história como ponto de partida,
embasamento e direcionamento no processo de ensinar e aprender
história.

A importância de ensinar história


A importância de estudar e, consequentemente, ensinar história está
envolta, sobretudo, na busca pelo pertencimento dos indivíduos a um
grupo social, de modo a encontrar e reconhecer a sua identidade
histórica, social e cultural. Ao ensinar história há que se ter um
método de ensino muito bem definido e claro, o qual estabeleça os
objetivos do ensino, o caminho a ser percorrido, os materiais e
recursos que servirão de base para esse ensino e, evidentemente,
quais recortes temporais deverão ser feitos para que o público em
questão – alunos(as) do ensino médio – possam construir seu
conhecimento histórico ao longo do período letivo.

48
O caderno de história dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs
do Ensino Médio destaca que o objetivo do ensino de história é
conduzir o educando, de modo que ele compreenda os elementos
cognitivos, afetivos e socioculturais que permeiam a sua realidade
histórica e a de outras sociedades no tempo, uma vez que:

―Os conhecimentos de História são fundamentais para a construção


da identidade coletiva a partir de um passado que os grupos sociais
compartilham na memória socialmente construída. A ênfase em
conteúdos de História do Brasil – como reza a LDB –, construídos em
conexão com conteúdos da chamada História Geral, em uma relação
de ―figura‖ e ―fundo‖, é parte da estratégia de autoconstrução e
autoreconhecimento, que permite ao indivíduo situar-se histórica,
cultural e socialmente na coletividade, envolvendo seu destino
pessoal no destino coletivo. (PCNEM, 1998, p. 12)‖.

Desse modo, pode-se perceber que o texto traz a importância de


conduzir o estudante a buscar, a partir do ensino da história, a sua
identidade coletiva, reconhecendo-se como sujeito histórico e social,
transformador de sua realidade e da realidade coletiva a que
pertence.

Em relação a que caminho seguir e o que fazer para que o


conhecimento histórico seja construído, reforço a ênfase dada pela
Escola dos Annales ao tratamento e à ampliação da ótica sobre a
fonte histórica, fato que concede também ao professor de história a
possibilidade de trabalhar com diferentes documentos/fontes
históricas em sala de aula, como fotografias, pinturas, vídeos,
objetos, fósseis, testemunhos orais etc., que são de extrema
importância na condução didática das aulas, permitindo ao estudante
aproximar-se e até tocar na história.

Para tanto, no ensino médio é importante que o(a) professor(a) de


história intensifique os trabalhos com leitura, análise,
contextualização e interpretação dessas fontes e documentos
históricos, não enfatizando apenas aqueles que dão base para a
compreensão de sociedades e épocas passadas, mas também as que
estão em decurso no tempo presente. Pois, de acordo com os PCNs,
―[...] a História para os jovens do Ensino Médio possui condições de
ampliar conceitos introduzidos nas séries anteriores do Ensino
Fundamental, contribuindo [...] para a construção dos laços de
identidade e consolidação da formação da cidadania.‖
(PCNEM,1998, p. 22, grifos do autor). Isto é, amplia-se o leque e a
abrangência de métodos e recursos para o ensino da história, dada a
adoção da nova história francesa e o avanço das tecnologias de
informação e comunicação.

49
Outro fator de bastante relevância e que também consta no caderno
de história dos PCNs é a compreensão da importância da preservação
da memória histórica e cultural, na medida em que esta ação
contribui exponencialmente para a construção e manutenção das
identidades sociais e coletivas, fator de fundamental importância para
evidenciar o papel histórico e social de grupos minoritários – os
negros, por exemplo – e chamar o aluno para o debate sobre o lugar
que ocupam esses sujeitos no presente à luz do passado.

As minorias sociais no ensino de história


Quando tratamos do negro, do indígena, da mulher ou do
homossexual na história, chamamos também o aluno para debater
diretamente acerca do papel e do lugar ocupado por esses sujeitos na
sociedade contemporânea. É uma via de mão dupla. E é neste
momento que o papel da escola enquanto instituição social fica em
evidência, cuja função primária é fomentar e construir laços de
cidadania por meio da promoção do conhecimento. Mas, quais formas
de conhecimento devem ser ensinadas pela instituição escolar?

Cabe aqui refletir, todavia, sobre as formas de conhecimento


existentes na sociedade e as que são ensinadas pela escola. De modo
geral, o que é produzido pelas comunidades não é considerado um
saber válido pela escola/academia. E é essa reflexão que aqui se
propõe realizar. Qual o papel que ocupam os ditos ―sujeitos comuns‖?
As minorias sociais aqui já mencionadas – negros, indígenas,
mulheres, homossexuais – possuem voz na história? De acordo com
Souza (1983), é preciso afirmar a identidade minoritária através do
discurso. Para tanto, faz-se necessário conhecer a fundo a realidade
dessas minorias.

A autora em questão é Neusa Santos Souza, psiquiatra e psicanalista,


que é negra e luta em prol de duas minorias sociais: o negro e a
mulher. Para ela, que escreveu, em 1983, a célebre obra ―‘Tornar-se
negro‘- as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão
social‖, o termo ―saber-se negra‖ significa viver a experiência de ter a
sua identidade massacrada no tempo/espaço e de ter sido submetida
a exigências absurdas e constrangida com expectativas alienadas.

E é essa negação do sujeito minoritário na história que os(as)


professores(as) de história, seja na escola ou na academia, devem
combater. Neusa Santos cita o negro, que de tanto ser afastado de
seus valores culturais e de ter tido sua história negada e apagada,
acaba por assumir o modelo de vida do homem branco como um
padrão norteador e único. Para ela, essa assunção da cultura branca
é a única maneira do negro ―tornar-se gente‖. No entanto, podemos

50
ir além e buscar refletir também sobre o papel da mulher, do
indígena e do homossexual na história. Como e por quem é escrita a
história?

Santos (2002) traz um conceito de extremo interesse e importância


para a reflexão sobre a construção do conhecimento, seja ele escolar
ou não, que é o conceito de ecologia dos saberes. De acordo com ele,
há uma espécie de ―monocultura do saber‖, termo garimpado pelo
autor, que centraliza o conhecimento em uma única matriz,
subjugando e relegando a segundo plano os ditos saberes
alternativos, que são os produzidos no cotidiano do aluno, fora do
ambiente escolar/acadêmico. A esse respeito, Santos (2002, p. 33)
afirma no capítulo segundo de seu artigo, intitulado de ―A crítica da
razão metonímica‖,que ―Toda a ignorância é ignorante de um certo
saber e todo o saber é a superação de uma ignorância particular‖ e
que o ―confronto e o diálogo entre os saberes é um confronto e
diálogo entre diferentes processos através dos quais práticas
diferentemente ignorantes se transformam em práticas
diferentemente sábias‖.

A partir dessas reflexões espera-se, como já ressaltado, a proposição


de um debate capitaneado por professor e alunos acerca do papel das
minorias sociais na história, buscando desconstruir, ou pelo menos
refletir minimamente sobre o fato de haver apenas um único padrão
de escrita da história e produção do conhecimento: o do homem
branco ocidental que escreve a história a partir da vertente
tradicional e que considera somente os eventos políticos como sendo
válidos, isto é, aqueles que tratam dos grandes heróis do passado e
os fatos protagonizados por eles ao longo da história.

Considerações finais
A reflexão levantada por este texto teve como ponto de partida a
produção do conhecimento histórico escolar e o papel de grupos
minoritários no movimento e construção da história além de,
sobretudo, pensar criticamente no papel que a escola ocupa em se
tratando de combater e desconstruir estereótipos gerados pela
história (tradicional) sobre a memória e a história desses sujeitos.
A importância de se desenvolver esse tipo de abordagem com os
alunos do ensino médio é fundamental, na medida em que o tema em
questão é mister para conduzi-los a refletirem sobre o lugar e o papel
histórico-social do sujeito tido como comum, ao mesmo tempo em
que os traz para dentro da reflexão e construção da história e da
consciência histórica. É a partir dessa postura assumida por docentes
e discentes que se pode pensar na produção de um conhecimento
capaz de transformar um aluno, historicamente passivo e receptor,

51
em um agente social ativo e questionador, capaz de refletir sobre as
mazelas da sociedade e de se enxergar como um agente histórico.

Nessa perspectiva, essa mudança de postura de educadores e


educandos contribui, exponencialmente, para que o próprio aluno, a
partir da construção de seu conhecimento histórico, reconheça suas
origens histórico-sociais e assuma sua identidade coletiva, na medida
em que passa a enxergar a história não mais como sendo um
processo inerte e pronto, mas sim como movimento, isto é, um
caminho em construção e constante transformação, o que o faz olhar
para si próprio como sujeito atuante nesse processo, capaz de alterar
seu curso e preservar sua memória individual e coletiva. É nesse
sentido, portanto, que ele, aluno, deixa de ser agente passivo para
assumir o status de agente histórico.

Referências
Fábio Alexandre da Silva é professor de história e ensino religioso
pelo Centro Educacional Marista Champagnat e mestrando em
educação pela Unioeste/Cascavel.

BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros


curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: MEC, 1998.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e


uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais,
n. 63, p. 237-280, 2002. Disponível em:
<https://rccs.revues.org/1285>. Acesso em: 22 ago. 2017.

SANTOS, Neusa Souza. Tornar-se negro: as vicissitudes da


identidade do negro brasileiro em ascensão social. 2. ed. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1983.

52
PROTAGONISMO INDÍGENA E A NOVA HISTÓRIA: REFLEXÕES
PARA A PESQUISA E O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA E DO
INDIGENISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Fernando Roque Fernandes
Beatriz da Silva Mello

Introdução
Diante das discussões sobre Ensino de História para as relações
étnico-raciais, amparadas pela Lei nº 11.645, de 10 de março de
2008, a qual torna obrigatória a inclusão da temática ―História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena‖ no currículo oficial da rede de
ensino, consideramos oportuno apresentar elementos para se pensar
o Ensino de História Indígena e do Indigenismo no Brasil. O objetivo
deste texto é desenvolver uma breve reflexão em duas direções. A
primeira delas encaminha elementos que nos permitam evidenciar
como o protagonismo indígena da segunda metade do século XX
concorreu para a conformação da concepção de cidadania da
sociedade brasileira atual, assim como para uma modificação nos
modelos historiográficos que apresentavam os povos indígenas como
incapazes de empreender suas próprias ações. A segunda propõe
uma reflexão sobre os limites das influências historiográficas francesa
e inglesa no desenvolvimento de trabalhos relacionados à ―História
Indígena e do Indigenismo no Brasil‖ em detrimento do próprio
protagonismo indígena na conformação de uma nova proposta de
narrativa que privilegia o papel desempenhado por sujeitos e
coletivos indígenas na história brasileira. Os dois encaminhamentos
apresentam propostas particulares, ainda que não esgotem a
discussão, para se pensar o modo como ensinamos ―História Indígena
e do Indigenismo‖ nas salas de aula da Educação Básica ao Ensino
Superior.

Emergências políticas e sociais de povos indígenas no Brasil


A segunda metade do século XX foi um período de grandes
transformações para a sociedade brasileira. Não foi apenas a
manutenção de um Regime Civil-Militar entre os anos de 1964 e 1985
que concorreu para uma mudança no pensamento político e social
brasileiro. Desdobramentos relacionados ao processo de retomada
das concepções democráticas tiveram sua gênese não apenas na
repressão imposta pelo regime, mas, dentre outros fatores,
resultaram de uma mudança de perspectiva social em relação ao
papel a ser desempenhado pelo Estado no que concerne às políticas
sociais e seus significados para a concepção de cidadania existente no
Brasil hoje (Fernandes & Coelho, 2017).

53
Diante das pressões cada vez mais contundentes empreendidas pelo
Estado, especialmente nos anos 1970, determinados grupos sociais
passaram a empreender particulares articulações políticas.
Movimentos Negros, Movimentos de Trabalhadores, Movimentos de
Mulheres, dentre outros despontaram de modo a reivindicar
mudanças através da criação de políticas sociais que atendessem
seus interesses (Gohn, 2011). Entidades civis se dividiram em relação
ao posicionamento de seus integrantes perante o Estado de exceção.
Indivíduos ligados à organizações como a Ordem dos Advogados do
Brasil, por exemplo, se dividiram entre apoiar ou criticar de modo
incisivo as atitudes tomadas pelo governo civil-militar (Rollemberg,
2008). Mesmo no seio das forças armadas, alguns militares foram
perseguidos por conta de suas tendências simpatizantes ao
comunismo do contexto da Guerra Fria (Napolitano, 2014). No âmbito
acadêmico, professores universitários, mas não somente, foram
perseguidos por conta de suas filosofias democráticas e
posicionamentos contrários ao regime (Motta, 2014). Interventores
militares foram nomeados para controlar os estados da federação. O
discurso do ‗milagre brasileiro‘ se fazia sentir apenas nos bolsos dos
grandes empresários ligados ao capital internacional de base liberal
desenvolvimentista (Bielschowsky, 2010).

No que diz respeito à questão geopolítica, os projetos integracionistas


se caracterizavam não apenas pela incorporação territorial de sertões
longínquos como a Amazônia Brasileira. Integração, no contexto do
Regime Civil-Militar Brasileiro também significava empreender um
processo de emancipação compulsório de comunidades indígenas
inteiras de modo a tornar seus membros emancipados, integrados à
comunidade nacional e cidadãos de pleno direito. Nos discursos
oficiais, isso parecia ser a chave para a resolução do ‗problema
indígena‘, no entanto, para os indígenas, emancipar-se significava
abrir mão de suas próprias identidades (Fernandes & Coelho,
2017).Nesses termos, conceder cidadania plena a sujeitos e coletivos
indígenas era, antes de tudo, deixar de reconhecê-los como indígenas
e, assim, retirar do Estado a responsabilidade pela sua ‗defesa‘. Mas,
conforme apontou Lux Vidal (1979), o sentido último da integração,
era entregar os territórios indígenas à exploração do capital
internacional, deixando comunidades inteiras à mercê da própria
sorte.

Naquele contexto, certos povos indígenas estabelecidos no território


geopolítico brasileiro passaram a empreender, de modo particular,
estratégias de emergência políticas inéditas até os anos 1970. Frente
à um Estado autoritário e em pleno processo de implementação de
uma política assimilacionista que intentava contra os direitos
humanos de comunidades indígenas, a luta pela autodeterminação e

54
reconhecimento da diferença e da diversidade de povos se constituiu
como a base manifesta do conjunto de estratégias políticas
empreendidas pelos indígenas. Assembleias e eventos reunindo
comunidades de diferentes grupos étnicos, ocorridas até então
apenas em âmbito local, passaram a ampliar suas articulações,
empreendendo assembleias em âmbito regional, nacional e mesmo
internacional (Bicalho, 2010). No calor das batalhas pela
autodeterminação, muitas comunidades indígenas passaram a
reivindicar perante o Estado o direito à cidadania plena,
reconhecimento territorial, saúde e educação específicas e
diferenciadas. Os meandros dessas articulações, iniciadas nos anos
1970, especialmente, se fazem sentir até os dias de hoje.

A Nova História Cultural e os povos indígenas


Pesquisar sobre os fenômenos que envolvem as emergências políticas
e sociais de povos indígenas no Brasil Contemporâneo se torna
importante para a problematizaçãodos modelos a partir dos
quais,muitas vezes,fundamentamos nossas concepções sobre Ensino
de História Indígena e do Indigenismo no cotidiano de nossas salas
de aula desde os níveis da Educação Básica ao Ensino Superior.A
razão que nos move nesse encaminhamento tem sua origem nos
discursos privilegiados que as influências teóricas daNova
HistóriaFrancesa tem ocupado nos estudos que envolvem os
processos históricos das relações estabelecidas entre povos indígenas
e não indígenas desde o início da colonização no Brasil.

Apontando outra variável, o problema não é, necessariamente, a


concepção de Nova História proposta, na França, pelo movimento
historiográfico dos Annales nos anos 1920 - mesmo porque um de
seus fundamentos, conforme aponta Burke (2011), é a preocupação
com todas as atividades humanas. De modo concomitante, a forma
como se tem, também, privilegiado o papel desempenhado pela
historiografia inglesa nas narrativas historiográficas do Brasil,
especialmente representada pelas concepções de uma história ―vista
de baixo‖ (Sharpe, 2011) não são, necessariamente, o problema a
ser enfrentado – já que apresentam um modelo teórico que privilegia
as ações empreendidas pelo ―homem comum‖ com base numa
perspectiva apresentada por Edward Palmer Thompson nos anos
1960 e, a partir qual, parecia possível evidenciar o papel
desempenhado por sujeitos considerados sem importância nos
grandes eventos da história.O problema também não é a análise
desenvolvida a partir dos anos 1970 propondo reflexões sobre as
relações cotidianas empreendidas pelo ―subalterno‖ ou pelo sujeito
―ordinário‖, conforme apontou de modo brilhante Michel de Certeau
ao considerar as táticas de sobrevivência dos grupos subalternos em
condição de dominação frente a um poder opressor, como elementos

55
centrais na evidenciação das ―invenções do cotidiano‖ (Certeau,
2014).

A crítica também não recai sobre os modelos de análise que se


tornaram conhecidos no âmbito das discussões historiográficas
brasileiras, desenvolvidos no Brasil a partir dos anos 1990, os quais
privilegiavam uma concepção de protagonismo indígena com foco nos
primeiros séculos da colonização portuguesa na América,
apresentando elementos importantes para analisarmos as relações,
na maioria das vezes conflituosas, desenvolvidas entre povos e
sujeitos indígenas e não indígenas nos períodos colonial e imperial
brasileiro, fenômeno do qual a coletânea ―História dos Índios no
Brasil‖, organizada por Manuela Carneiro da Cunha (1992) se
constituiu em clássico conhecido sobre a temática.

Então, considerando a problemática indicada, o que há de necessária


mudança que ainda não foi evidenciado? Sigamos o roteiro!

Uma mudança no modo como projetamos nossas reflexões teóricas


acerca da Nova História Indígenae do Indigenismo, com base apenas
na perspectiva francesa de Nova História ou na perspectiva inglesa de
uma história “vista de baixo”, não é suficiente para se pensar as
relações estabelecidas entre povos indígenas e não indígenas no
decorrer da história do Brasil. É preciso uma reflexão a partir do
processo histórico que possibilite a evidenciação da natureza dessas
relações e privilegie não apenas o protagonismo indígena nos
processos históricos, mas também, na reformulação do modelo
narrativo que envolve as discussões sobre o lugar social dos povos
indígenas assim como uma análise que privilegie o papel
desempenhado pelos povos indígena na transformação do
pensamento político da sociedade brasileira. Nesses termos, a
evidenciação do protagonismo indígena na históriadeve ser pensada
levando em consideração as agências sociais empreendidas pelos
povos indígenas a partir dos anos 1970, as quais ainda estão em
curso em pleno despontar do século XXI.

Dito de outro modo, os desdobramentos do protagonismo indígena da


conjuntura política do contexto do Regime Civil-Militar no Brasil
influenciaram o modo como historiadores, sociólogos e antropólogos
passaram a pensar o lugar social dos povos indígenas na História do
Brasil, acarretando numa problematização da concepção de Ensino de
História do Brasil na Educação Básica e no Ensino Superior na
atualidade.

Assim, é preciso ter em mente que o modo como a Nova História


Indígena é hoje ensinadano Brasil não resulta apenas das influências

56
francesas ou inglesas, relacionadas ao movimento historiográfico
denominado de Nova História Cultural. No caso do Brasil, os
movimentos indígenas evidenciados nos anos 1970, dimensionaram
de modo inegável a crítica historiográfica desenvolvida por
historiadores e antropólogos em direção ao modelo tradicional de se
pensar o papel desempenhado pelos povos indígenas na conformação
do Estado Plurinacional Brasileiro.

O que ensinar sobre História Indígena no Brasil


Contemporâneo?
Uma narrativa, baseada em pesquisas relacionadas às discussões
bibliográficas que tratam do protagonismo indígena no Brasil
Contemporâneo pode seguir uma trajetória que evidencie o
protagonismo indígena a partir das articulações políticas que
possibilitaram emergências sociais no texto constitucional de 1988 e
concorreram para uma modificação no modo como se escreveu a
História do Brasil até recentemente.

Deve-se ter em mente, no entanto, que o fato de os estudos sobre a


História Indígena no Brasil Contemporâneo serem de tempos recentes
concorre, muitas vezes, para que as discussões sobre o tema sejam
limitadas ao âmbito das universidades. Considerando o tempo que se
leva para os conhecimentos acadêmicos alcançarem as salas de aula
da Educação Básica, ainda deve demorar um pouco para que essas
pesquisas se tornem parte dos conteúdos presentes nos livros
didáticos. Como alternativa, se faz necessário que os professores
atualizem seus conhecimentos sobre essas novas abordagens
desenvolvendo pesquisas individualmente. Uma narrativa que
privilegia o protagonismo indígena no Brasil Contemporâneo deve
seguir alternativamente, o seguinte roteiro:

―Na segunda metade do século XX, o Brasil foi palco de uma série de
ações coletivas de determinados grupos da sociedade civil que
passaram a reivindicar políticas sociais como parte dos direitos de
cidadania. Em meio ao contexto de repressão, determinados grupos
étnicos indígenas passaram a se articular em âmbito local, regional,
nacional e mesmo internacional no intuito de reivindicar a cidadania
plena nos meandros do importante processo históricos de
cidadanização (institucionalização) do pensamento social indígena
brasileiro.
Para os povos indígenas, a luta pela cidadania plena foi um passo
importante no reconhecimento da diferença e da diversidade de
povos existentes no Brasil. Além disso, os movimentos indígenas que
emergiram no cenário político brasileiro demandaram o
reconhecimento do direito às territorialidades histórico-culturais,
saúde, educação específica e diferenciada e a autodeterminação. Tais

57
fenômenos foram desencadeados a partir de uma articulação política
que mantém muitas de suas bases até os dias de hoje. Na segunda
metade do século XX, o ápice das conquistas dos movimentos
indígenas iniciados nos anos 1970 foi o reconhecimento da diferença
de povos no texto constitucional de 1988, conformando as bases do
Estado Plurinacional Brasileiro‖ (Fernandes, 2017).

Para além das emergências políticas e sociais de povos indígenas no


Brasil, é importante que se reconheça que as lutas empreendidas por
várias comunidades em direção ao reconhecimento da cidadania
plena, como condição para a reivindicação de políticas sociais
voltadas ao atendimento das necessidades mais elementares de suas
especificidades, concorreram para a institucionalização de uma
concepção de cidadania até então inédita no pensamento social e
democrático brasileiro, qual seja, a compreensão de que as políticas
sociais são um direito do cidadão e não uma concessão do Estado.
Essa nova atitude em relação aos direitos sociais foi de encontro aos
discursos que defendiam a tese de que as políticas sociais eram uma
concessão do Estado para os cidadãos e não um direito a reivindicar
(Santos, 1979). Apesar de todas essas contribuições, o papel
desempenhado pelos movimentos sociais indígenas no Brasil
contemporâneo ainda não recebeu os devidos reconhecimentos‖.

Considerações Pontuais
O protagonismo indígena desencadeado no contexto do Regime Civil-
Militar, apesar de ser parte do protagonismo indígena iniciado já nos
primeiros contatos com povos europeus, constituiu um movimento
particular que acarretou, inclusive, numa transformação do
pensamento político e social brasileiro, especialmente no que
concerne à concepção de democracia que emerge a partir dos anos
1980. Os povos indígenas, a partir de suas agências, foram
protagonistas de uma série de manifestações de caráter social que
concorreram para uma problematização do lugar que ocupavam na
sociedade brasileira. Suas ações foram igualmente importantes para
uma modificação no modo de se pensar o lugar dos povos indígenas
na sociedade brasileira a partir das pesquisas acadêmicas. Suas
ações também concorreram para uma modificação na concepção de
História Indígena e do Indigenismo no Brasil.Desse modo, foram,
para além dos paradigmas criados pelas historiografias francesa e
inglesa, os elementos fundamentais da nova concepção de história
que propõe uma evidenciação do protagonismo indígena na História
do Brasil e, respectivamente, do modo com ensinamos História
Indígena nas salas de aula da Educação Básica ao Ensino
Superior.Para uma modificação evidente do modo como ensinamos
história indígena hoje, precisamos avançar nas pesquisa não apenas
relacionadas ao passado colonial ou imperial, mas, sobretudo, na

58
história contemporânea brasileira. Desse modo, será possível
desenvolver uma análise sobre as agências indígenas na história
brasileira a partir dos próprios termos indígenas não se limitando às
representações longínquas de um passado (neo)colonial.

Um processo de descolonização do pensamento, nos termos


propostos por Maldonado-Torres (2016), segundo o qual a
transdisciplinaridade decolonial é a chave para o reconhecimento e
respeito à diversidade, só pode ser viabilizado em nossas salas de
aula a partir da decolonialidade de nosso modo de conceber as
relações entre atores sociais indígenas e não indígenas nos discursos
que dão forma a disciplina de História do Brasil.

Referências
Fernando Roque Fernandes é doutorando em História Social da
Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Pesquisador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e
Relações Étnico-Raciais (GERA) e bolsista Demanda Social da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES). Atualmente desenvolve pesquisas relacionadas aos
Movimentos Indígenas no Brasil e Povos Indígenas e Ensino Superior
na Amazônia Brasileira.

Beatriz da Silva Mello é graduanda do Curso de Licenciatura em


Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Atualmente
desenvolve pesquisas relacionadas à Formação de Professores
Indígenas e Educação Escolar Indígena na Amazônia Brasileira.

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61
PRECISAMOS FALAR SOBRE RACISMO: O PAPEL DA EDUCAÇÃO
NO COMBATE À DISCRIMINAÇÃO
Hemerson dos Santos Junior

A educação é a solução para boa parte dos problemas da


humanidade, dentre eles o racismo, o preconceito, a segregação e a
discriminação. Através da educação é possível mudar o mundo. Muito
distante da tão temida doutrinação, acredito que o papel da educação
é apresentar, possibilitar uma autonomia intelectual, e, por
conseguinte, oferecer a liberdade de escolha. No cenário atual, fica
nítido que boa parte da sociedade carrega consigo algum tipo de
estereótipo e preconceito, é algo natural do ser humano, o medo do
diferente, mas, é preciso se conscientizar de que ser diferente é
normal, lembrando sempre que discriminação é crime.

Gosto muito da perspectiva de consciência histórica proposta por Jörn


Rüsen, que entende o pensamento e as ações humanas na prática da
vida como reflexo do conhecimento prévio obtido sobre o assunto, e,
a maneira em que esse conhecimento é aplicado. Em seu texto,
Rüsen (RÜSEN, 2010) cita quatro categorias de consciência história,
sendo elas; a tradicional, exemplar, crítica e a genética. Essas
tipologias de consciência diferem umas das outras, cada qual com
uma característica. Não há consenso acerca da hierarquização desses
tipos de consciência, alguns estudiosos afirmam que a consciência
tradicional é o nível mais baixo da consciência histórica, e, quando
trabalhada pode evoluir para a consciência genética. Outros
estudiosos negam essa hierarquização, acreditando que essas
consciências apenas são distintas.

O problema que encontramos quando abordamos essa incrível teoria,


diz respeito à consciência histórica tradicional. Segundo Rüsen, a
consciência tradicional tem como base a tradição, a repetição dessas
práticas que tem como objetivo organizar o pensamento histórico do
indivíduo, que, ao negar essa tradição se vê confuso e desorientado,
afinal, tudo que ele aprendeu foi ensinado a fim de que pudesse
reproduzir, sem essa estabilidade o indivíduo tem dificuldade em
organizar o pensamento.

Pois bem, proponho aqui uma pequena discussão baseada na minha


experiência em sala de aula como bolsista do Projeto de Bolsa de
Iniciação à Docência. O projeto do qual eu fazia parte tinha como
objetivo fazer valer o direito respaldado pela lei nº 11.645 de 10 de
Março de 2008 (BRASIL, 2008), que torna obrigatório o ensino de
conteúdos referentes a historia e cultura afro-brasileira e indígena

62
nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e
privados. Durante essa experiência pude presenciar variadas cenas
de racismo e discriminação contra o diferente. Crianças do ensino
fundamental I reproduzindo comportamentos racistas e
discriminatórios. Bebendo da perspectiva de consciência histórica
proposta por Rüsen, essas crianças estão demonstrando uma
consciência histórica de caráter tradicional, reproduzindo valores
morais dos quais foram ensinadas.

Uma das funções da educação histórica, a meu ver, é o


esclarecimento sobre temas nebulosos que afetam diretamente o
modo em que vemos o mundo. Tenho muita dificuldade em acreditar
na maldade do ser humano, acredito sim na ignorância. Não consigo
imaginar que uma pessoa esclarecida, em sã consciência, possa
defender a superioridade de algum indivíduo sobre outro baseado na
tonalidade da cor da pele. É com pesar que proponho esse debate no
presente texto, visto que esse tema já deveria ter sido superado há
muito tempo, mas, nós como professores devemos assumir o
compromisso de corrigir essas grandes falhas da espécie humana.

―A questão do racismo deve ser apresentada à comunidade escolar de


forma que sejam permanentemente repensados os paradigmas, em
especial os eurocêntricos, com que fomos educados. Não nascemos
racistas, mas nos tornamos racistas devido a um histórico processo
de negação da identidade e de ―coisificação‖dos povos africanos. E a
luta contra o racismo, em nosso país, vem possibilitando que sejam
discutidos temas significativos para a compreensão de todo esse
processo, mostrando a resistência dos africanos e seus descendentes,
que não se submeteram à escravidão, que se rebelaram e que
conseguiram manter vivas as suas tradições culturais.‖ (MEC,
2006,p.56).

Inspirado no brilhante texto escrito por Isabel Barca (BARCA, 2004)


sobre a aula oficina, elaborei um pequeno esquema metodológico
com o objetivo de desenvolver a consciência histórica desses
indivíduos, e desse modo, amenizar esse cenário lastimável de
racismo. Barca propõe um trabalho com fontes diversas sobre uma
mesma temática a fim de que os estudantes produzam uma narrativa
baseada nas diferentes versões da história.

Pensando especificamente na questão racial, proponho um trabalho


quase antropológico de imersão cultural. Mas de quê modo isso seria
possível em sala de aula? Através das diferentes linguagens e
tecnologias de ensino. Com o uso de imagens e vídeos, mostraremos
aspectos do pitoresco das diferenças culturais. Ao trabalhar com o
ensino fundamental é comum um choque cultural, um impacto, um

63
estranhamento em um primeiro momento. Após a exibição dessas
imagens passaremos ao levantamento de questões e elaboração de
atividades para que os alunos possam expressar o seu pensamento
individual sobre a temática. Em seguida, nós, como profissionais da
educação, deveremos analisar cuidadosamente as respostas
elaboradas pelos estudantes a fim de localizar as obscuridades,
anacronismos e estereótipos expressos pelos educandos, a fim de
explicar o que for possível, mas, o mais importante dessa atividade é
a afirmação de que não tem problema em ser diferente. Na segunda
aula a educação histórica virá cumprir com o seu propósito; trabalhar
em cima dos pontos obscuros. O professor deverá organizar sua aula
de acordo com a demanda da turma, mas, é necessário que algumas
aulas busquem tratar do processo da escravidão, procurando
sensibilizar os estudantes a fim que percebam o quão desumano,
terrível e tenebroso foi esse período no Brasil. Esse é um ponto que
pode ser trabalhado em parceria com museus e instituições, visitas a
casas de memória e até mesmo a exibição de documentários e vídeos
podem facilitar esse procedimento.

Para além da escravidão, o professor deve cuidar para não retratar as


pessoas escravizadas como passivas durante o período da escravidão,
é necessário falar sobre os espaços de sociabilidade e
intersubjetividades, lembrando que a cor da pele não configura
nenhuma homogeneidade, inúmeras etnias vieram para o Brasil,
precisamos ter cuidado com os equívocos provocados por
generalizações. Não devemos tratar o negro somente como um povo
que vive o reflexo da escravidão. Precisamos estudar, respeitar e
valorizar as diferentes culturas, as religiosidades, as raízes. Durante
todo esse período os estudantes deverão ser ouvidos, avaliados e
diagnosticados (na perspectiva da avaliação diagnóstica).

Sugiro o uso da música para tratar o tema. Por mais triste que possa
parecer o conceito de ―cidadania lúdica‖ utilizado por Elisa
Nascimento em seu texto (NASCIMENTO, 2001, p.123), no qual
analisa o processo histórico em que foram submetidos os negros no
Brasil, reconhecendo que infelizmente o lugar em que as pessoas de
pele negra são atribuídas na sociedade no período pós-abolição se
limitou ao espaço das artes, culinária, carnaval e esportes. Acredito
que esse pode ser um caminho a ser explorado, buscando escutar o
que essas pessoas tem a dizer sobre a sua história. Juntamente com
a discriminação e invisibilização do negro, a discriminação passou a
marginalizá-los e julgá-los criminosos. Para desmistificar essa falsa
visão, sugiro a utilização de canções do grupo Racionais Mc‘s, como
as canções: ―O Homem na Estrada‖(2001), ―Periferia é Periferia‖
(1997), ―Juri Racional‖(1991), ―Fim de Semana no Parque‖ (1993), e
inúmeras outras que utilizam uma narrativa autoexplicativa acerca da

64
marginalidade, assumindo uma postura crítica, explicando como a
sociedade caminhou para a exclusão e segregação do povo negro.
Como aponta Roberto Camargos, manter esse diálogo com o rap é
algo legítimo.

―As músicas então, convertem-se em documentos por meios dos


quais é possível pensar e refletir sobre uma época, desdobramento
de uma postura que, no lugar de uma história dos objetos e das
praticas culturais, lança se na direção de uma história cultural do
social. Fazer isso em dialogo com o rap é algo legítimo,
principalmente se o pesquisador entrar em sintonia com o que aponta
Marcos Napolitano, ao afirmar que ―entre nós, brasileiros, a canção
[...] tem sido termômetro, caleidoscópio e espelho não só das
mudanças sociais, mas sobretudo das nossas sociabilidades e
sensibilidades coletivas mais profundas".‖ (CAMARGOS, 2015)

A ideia proposta aqui é uma dentre milhares já trabalhadas por


profissionais muito mais qualificados do que eu para falar sobre o
tema, mas, me senti no dever de fazer algo para auxiliar na
transformação do cenário tenebroso e racista que enfrentamos nos
dias atuais. Ademais, é importante socializar ideias e conceitos a fim
de caminhar para uma pátria livre de discriminação e preconceito.
Devemos buscar uma solução educativa e pedagógica para lidar com
essas questões, mas, se for necessário o código penal está aí para
ser cumprindo e evitar que comportamentos desse tipo sejam aceitos
na sociedade, conforme a Lei nº 12.735, de 2012:

―Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de


discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.‖ (BRASIL, 2012).

Referências
Hemerson dos Santos Junior, acadêmico do 4º ano do curso de
licenciatura em história pela UNESPAR campus União da Vitória – PR.
Bolsista pelo projeto de iniciação cientifica financiado pela Fundação
Araucária intitulado; linguagens e tecnologias para o ensino de
história.

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. Para uma


educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação
Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED)/
Instituto de Educação e Psicologia,Universidade do Minho, 2004, p.
131 \u2013 144.

BRASIL. LEI Nº 11.645, DE 10 DE MARÇO DE 2008. Altera a Lei nº


9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639,

65
de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena", Brasília, DF, mar 2008, Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11645-10-marco-
2008-572787-publicacaooriginal-96087-pl.html>. Acesso em: 08
mar.2018.

BRASIL. LEI Nº 12.735, DE 2012. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7


de dezembro de 1940, Brasília, DF, nov 2012. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12735.htm. Acesso em: 08 mar. 2018.

NAPOLITANO, Marcos "Pretexto, texto e contexto na análise da


canção", em Francisco Carlos T. Silva (org.) História e imagem (Rio
de Janeiro, UFRJ/Proin-Capes, 1998) p199. Apud in Oliveira, Roberto
Camargos de, Rap e política: percepções da vida social brasileira. 1.
ed. -São Paulo: Boitempo, 2015, p18.

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Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para Educação das
Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2006.

NASCIMENTO, Elisa L. Sankofa: educação e identidade


afrodescendente. In: CAVALLERO, Eliane. Racismo e anti-racismo na
educação; repensando nossa escola. São Paulo: Ed. Selo Negro
Edições, 2001.

OLIVEIRA, Roberto Camargos de. Rap e política: percepções da vida


social brasileira. 1. ed. -São Paulo: Boitempo, 2015.

RÜSEN, Jörn. O desenvolvimento da competência narrativa na


aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à
consciência moral (In: SCHMIDT, Maria uxiliadora; BARCA, Isabel;
MARTINS, Estevão Rezende (org.) Jörn Rüsen e o ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2010.

66
DA MARGINALIZAÇÃO À PATRIMONIALIZAÇÃO: A “ARTE DA
VADIAÇÃO” RESSIGNIFICADA NA RODA LIVRE DE CAXIAS
Igor Fernandes de Alencar

Esta escrita articula História e Ensino de História Regional na


perspectiva da Educação Patrimonial, como possibilidades de efetivar
a promulgação da Lei 10639/03. Objetivamos perceber a capoeira,
expressão cultural negra brasileira, enquanto tema para a História
Regional e também como prática educativa social (BRANDÃO, 2000,
apud DAMASCENO, 2004). Para tanto, convencionamos analisar uma
das rodas de capoeira mais importantes do Brasil, a Roda Livre de
Caxias.

A Lei anteriormente mencionada foi complementada em 2008 pela Lei


11645, sintetizando o estimulo às discussões acerca da educação
para as relações étnico-raciais, e, dentre várias perspectivas e
disposições, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
visando transmitir aos estudantes do ensino fundamental e médio a
História da África e do Brasil negro e indígena. A partir disso, propõe-
se ainda, a revisão dos currículos, conteúdos e práticas pedagógicas.
Essas mudanças são instrumentos de conquista, neste caso,
reivindicações atribuídas aos movimentos sociais negros brasileiros,
que vêm pautando suas demandas, principalmente no que concerne a
melhoria e a inserção de forma positivada na educação brasileira.

As indagações sintetizadas nesta proposta são de analisar a capoeira


e seus saberes cotidianos, em consonância com possíveis práticas
educacionais. Reportando-nos aos fazeres culturais de homens e
mulheres praticantes desta expressão cultural, bem como articulando
estas experiências enquanto proposta da didática dentro do currículo
escolar.

Na circularidade do tempo
A capoeira é uma manifestação cultural afro-brasileira muito
conhecida em todo o Brasil e também de reconhecido valor
internacional. No entanto que, no dia 26 de novembro de 2014, A
Roda de Capoeira foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio
Cultural Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O processo de
identificação, inventário, e medidas iniciais de salvaguarda desta
expressão cultural, realizados em âmbito nacional, anteciparam este
reconhecimento externo.

67
―A Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira foram
reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro por meio da
inscrição no livro de Registro das Formas de expressão e no livro de
Registro dos saberes, volume primeiro, respectivamente, do instituto
do patrimônio histórico e artístico nacional, em 21 de outubro de
2008, conforme decisão proferida na 57ª Reunião do Conselho
Consultivo do patrimônio Cultural, realizada no dia 15 de julho de
2008.‖(BRASIL, 2014, p. 17).

Hoje é possível verificar o reconhecimento legal da capoeira enquanto


Bem Imaterial. Mas, quando nos lançamos em perspectiva histórica
sobre a trajetória desta expressão cultural negra, verificamos um
processo constante de resistência dos praticantes de capoeira,
duramente perseguidos e marginalizados.

O código criminal do Império do Brasil, a primeira codificação penal


brasileira, datada de 1830, não fazia referência explícita à
perseguição dos praticantes da capoeira, mas os chefes de polícia os
enquadravam no capítulo que tratava dos vadios e mendigos. Com o
fim da escravidão e o início da República, a capoeira é inserida, ―com
todas as letras‖, no Código penal Brasileiro, por meio do Decreto nº
847, de 11 de outubro de 1890, que assim dizia:

―art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e


destreza corporal, conhecidos pela denominação capoeiragem; andar
em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma
lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa
certa ou incerta, ou incutindo temor ou algum mal. pena: de prisão
de dois meses a seis meses.‖ (BRASIL, 2014, p. 26).

Na primeira metade do século XX, estimulada pelos interesses


nacionalistas do então presidente Getulio Vargas, a capoeira passa a
ter status de ―luta brasileira‖ vigorado na Lei Federal 3.199 de
1941.E, como atividade desportiva pelo Conselho Nacional de
Desportos em 1972 (Deliberação 071 do CND). Mesmo assim, seus
praticantes ainda carregavam um estigma imputado a eles desde o
século XIX. Eram tratados pelos órgãos de repressão como
―marginais‖, ―vadios‖ e ―vagabundos‖.

Na década de 1970, dois processos influenciariam profundamente os


rumos da capoeira: a esportização que submeteu a prática da
capoeira às regras do pugilismo; e a folclorização da cultura negra,
associado ao crescimento da indústria turística.

―O primeiro foi o início do processo de esportização da capoeira,


homologado em 1972 pelo Conselho nacional de Desportos – CnD,

68
que submeteu a prática da capoeira às regras do pugilismo. O
segundo está relacionado ao processo de folclorização da cultura
negra na Bahia, associado ao crescimento da indústria turística em
salvador, que, nos anos 1960 e 1970, introduz no repertório de
atrações para a sua clientela, além das belezas naturais dos
monumentos e do barroco das igrejas, as manifestações da cultura
negra, principalmente o candomblé, a capoeira e o samba‖ (BRASIL,
2014, p. 113).

O jogo antes praticado em ruas, quitandas e nas festas públicas, vai


cedendo lugar para as academias e os espaços privados. Assim,
aqueles interessados em praticar capoeira agora deve se vincular a
uma escola ou grupo. Regras e procedimentos que exigiam
assiduidade e frequência são procedimentos destes espaços.

A didática da resistência na Roda Livre de Caxias


A rua, que era o espaço próprio para o exercício da ―arte da
vadiação‖, passou a ser utilizada, sobretudo, para demonstrações,
como propaganda dos grupos privados. Neste cenário é que nasce a
Roda Livre de Caxias

―que surgiu aparentemente sem grandes pretensões, se estabeleceu


no decorrer dos anos de 1970 e 80, atraindo jogadores de inúmeras
correntes da capoeira para as rodas que aconteciam nos fins de
semana no município de Caxias. A Roda de Caxias, surge da ruptura
de um grupo de jovens praticantes do sistema que aqui chamaremos
de capoeira esportiva. A capoeira praticada em academias de
ginástica é nomeada, por alguns antigos freqüentadores da roda na
linguagem nativa, como sistema acadêmico, aqui identificado de
capoeira esportiva‖ (BARTHOLO, 2007, p. 125).

Estar vinculado à prática da capoeira nas academias era estar ligado


à capoeira estabelecida como produto no mercado dos esportes. E, o
discurso de rompimento é elevado pelos pioneiros da Roda de Caxias.
Contida como um espaço alternativo, esses jovens e sua roda de rua
estavam à margem do sistema que vigorava. Posteriormente, estes
jogadores imbuídos na criação da Roda viriam a ser expoentes da
capoeira no Brasil e, conseqüentemente, em outros países
(BARTHOLO, 2007,p. 127).

Nesta temporalidade, os primeiros capoeiristas se instalavam pela


cidade. Duque de Caxias se tornou Área de Segurança Nacional e, em
1971, seus prefeitos eram interventores militares. A liberdade na
cidade seguia ainda mais cerceada. Assim como outras manifestações
populares, a capoeira sofria um rígido controle. Esta era uma política
posta em prática em âmbito nacional (MARQUES, 2001, p.82).

69
Mesmo que rapidamente, quando se lança um olhar pelos jornais da
década de 1970 em diante, percebe-se um quadro negativo posto por
alguns analistas e estudiosos da cultura popular da época. Traçavam
um destino sombrio para a capoeira, em muito influenciados pelos
danos socioeconômicos e culturais provocados pelo turismo –
folclorização e esportização (Brasil, 2014, p. 113).

Em consideração ao espaço a ser analisado nesta escrita, a Baixada


Fluminense, território do estado do Rio de Janeiro, se caracteriza
pelos altos índices de afrodescendentes na formação de sua
população em geral.

―A presença africana na região marca as transformações da sociedade


brasileira ao longo do tempo. Ignorar essas sobrevivências é
desprover a historiografia e as demais produções e reflexões sociais
de suas origens, que podem favorecer a explicação de diferentes
questões que persistem ao longo do tempo. As identificações dessas
características implicam forte mecanismo de preservar a cultura,
podendo oferecer importante contribuição não apenas para a história
da região, mas para o diálogo com outros campos do conhecimento,
como a história nacional, a história atlântica e a história da África‖
(LAURENTINO, 2014, p. 63).

A ideia posta aqui não é instruir ás pessoas sobre o que é patrimônio,


afinal, toda comunidade sabe dos valores culturais que as permeiam.
Criar situações de aprendizagem pela via da educação patrimonial, é
que se faz preciso. Neste sentido, orienta-se nossa proposta de uma
pesquisa voltada para a preservação do patrimônio e da cultura negra
caxiense,e também proporcionar aos colegas professores da
educação básica, instrumento de valorização da identidade do
alunado em suas práticas cotidianas.

Com quinze anos de promulgação da Lei 10.639, vemos um ambiente


favorável de produção acadêmica; políticas de valorização cultural; e
o desenvolvimento de práticas pedagógicas. Mas ainda há um longo
caminho a ser seguido em prol de uma educação que respeite
efetivamente as diferenças e oportunize a equidade.

Atentando a função social da escola e suas relações com o território


no qual estão inscritas, identificamos que o universo educacional
brasileiro precisa ampliar suas ações no que confere a implementação
da Lei 10.639. Caxias, na Baixada Fluminense, mesmo com altos
índices de afrodescendentes na formação de sua população em geral
não foge á regra.

70
―Mesmo após estes avanços o atual Departamento de Patrimônio
Histórico e Cultura da Secretaria Municipal de Cultura desconhece
estas iniciativas, não se coaduna as discussões nacionais, e volta a
tratar as manifestações da cultura popular, particularmente a
capoeira, como folclore. A Secretaria Municipal de Educação encontra
dificuldades em implementar a Lei 10.639 e reconhecer que o
segmento cultural, representado pela Liga Municipal de Capoeira, seja
o mais organizado, o mais próximo das práticas pedagógicas que
indica que os espaços educativos devem possuir atividades culturais e
que a capoeira possui uma tradição de educação não-formal‖
(MARQUES, 2001, p.89)

Nossa proposta fez-se por analisar a trajetória da Roda Livre de


Capoeira de Caxias desde sua fundação em 13 de junho de 1973, até
2008, período do reconhecimento da capoeira como patrimônio
cultural brasileiro.A documentação que informa o estudo e o
conhecimento da História Regional de Caxias inclui documentos
manuscritos e impressos. Em suma, nossa pesquisa se norteou em se
atentar as fontes jurídico-policiais, jornalísticas e testemunhos dos
sujeitos históricos pioneiros da Roda de Caxias. Já há documentado
uma significativa disposição de entrevistas dos Mestres que se
iniciaram nas rodas de Duque de Caxias.

―O município de Duque de Caxias, localizado no Estado do Rio de


Janeiro, Brasil, apesar de não ser identificado ―no mapa cultural‖ da
incipiente historiografia da capoeira como um local que auxiliou a
formar tradição dessa prática corporal, teve suas ruas e praças como
palco do nascimento e manutenção de uma roda de capoeira de rua
que se mantém há mais de trinta anos‖ (BARTHOLO, 2007,p. 127).

Desenvolvemos esta escrita através das análise bibliográficas sobre a


temática. Avaliando quais são os referenciais teóricos já existentes e
quais as aproximações sobre os questionamentos propostos pelo
tema, tentado elucidá-los. Os questionamentos advindos das
hipóteses levantadas na introdução seguiram a revisão da literatura
relacionando a Capoeira; Educação Patrimonial; Didática da História;
História Regional; Lei 10.639 e outros componentes de ligação entre
a Educação para as Relações Étnico-Raciais em perspectiva
patrimonial.

Referências
Igor Fernandes de Alencar é mestrando do PPGH/UFG.

BARTHOLO, Tiago L. et al. Uma roda de rua: notas etnográficas da


roda de capoeira de Caxias. In.: Revista Portuguesa de Ciências do
Desporto. Vol. 7, Nº 1, Janeiro·Abril 2007.

71
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. Brasiliense, São
Paulo, 2000. 38ª Ed.

BRASIL. Ministério da Cultura. Roda de capoeira e ofício dos mestres


de capoeira / Instituto do Patrimônio histórico e artístico nacional. –
Brasília, DF: Iphan, 2014.

LAURENTINO, Eliame. Cultura Afro-Brasileira na Baixada Fluminense:


Pesquisa e Ensino. In.: Revista Periferia. (62-74) v.6 n.1 jan-jun
2014.

MARQUES, Alexandre dos Santos, et al. A trajetória da Capoeira em


Duque de Caxias. In.: Revista Pilares da História, ano 10 – edição
especial (79-90) – agosto de 2011.

Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. –


Brasília: MEC/SECAD, 2006.

72
O ENSINO DE HISTÓRIA POR MEIO DA PUBLICIDADE:
UMA ANÁLISE SOB A CATEGORIA GÊNERO
Janaína Jaskiu

O Brasil figura como o quinto país mais violento com as mulheres,


num ranking de oitenta e três nações. Conforme Mapa da Violência
2015 – mulheres, a Organização Mundial da Saúde apresentou em
2013, uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres no Brasil.
Isso representa 2,4 vezes a média internacional. O relatório completo
está disponível em www.mapadaviolencia.org.br. Estes dados levam
a questionar quais as representações de masculinidades presentes
nesta sociedade em que maior parte da violência contra a mulher
acontece no ambiente doméstico. Da mesmaforma, se pode inquirir
sobre a representação feminina que vem conquistando espaços
públicos e é agredida no espaço privado. Essas situações estão
presentes no cotidiano escolar na medida em que crianças e/ou
adolescentes convivem com essa realidade.

O uso de documentos no ensino de História pode contribuir para


problematizar os estereótipos e as relações de gênero. Ao usar
apenas a narrativa proposta pelo livro didático, o conhecimento
histórico pode ser transmitido como um dogma, algo sagrado e
imutável, geralmente partindo da história política e/ou econômica.
Utilizar fontes históricas para produção de conhecimento em sala de
aula pode ser um método fértil para propor uma outra História,
levando os estudantes a entenderem que

―[...] a História é uma ciência com uma metodologia própria e que


muda com o tempo; que o conhecimento do passado é sempre
parcial e se dá a partir de testemunhos, muitas vezes contraditórios;
que existem diversos níveis de análise sobre o passado [...].‖
(SHMIDT; GARCIA. 2003, p. 225)

O uso de peças publicitárias como documento em sala de aula, é uma


possibilidade interessantepor ser muito comum no cotidiano dos
estudantes é mais familiar do que outras fontes documentais (CERRI,
2001).

A História escrita por meio da imprensa ganhou força a partir da


década de 1970. Isso pode ser explicado através da busca pela
objetividade e neutralidade do objeto. Mesmo após os debates sobre
a tensão entre evidência e representação que acomete todo
documento histórico, a imprensa foi vista como ambiente de
subjetividades que serviam apenas para confirmar de forma ingênua
as hipóteses levantadas. Maria Helena Rolim Capelato, em A

73
imprensa na História do Brasil, defende que o estudo dessa mídia
permite aos historiadores observar e analisar a vida em sociedade.

―A imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesses e


intervenção na vida social. Partindo desse pressuposto, o historiador
procura estudá-lo como agente da história e captar o movimento vivo
das ideias e personagens que circulam pelas páginas de jornais. A
categoria abstrata imprensa se desmistifica quando se faz emergir a
figura de seus produtores como sujeitos dotados de consciência
determinada na prática social. (CAPELATO, 1988, p.13)

Partindo dessas discussões, o impresso revista precisa ser analisado


através de categorias que a percebam como um cardápio de
variedades para ampliar o número de leitores. Tania Regina de Luca
(2010) considera o início do século XX como ―tempos eufóricos‖,
tendo em vista as inúmeras publicações que surgiram nesse período
(Ilustração Brasileira – Paris, 1901; O Malho - RJ, 1902; A Avenida –
RJ, 1903, Kosmos – RJ, 1904, Fon-Fon - RJ, 1907; Careta – RJ,
1908; O Piralho – SP, 1911; A Cigarra – SP, 1914; Dom Quixote – RJ,
1917). A ―renovação significativa só ocorreria com O Cruzeiro (1928),
quando a fotografia e a reportagem ganharam novos sentidos e
asseguraram à revista a liderança no mercado nacional.‖ (LUCA,
2010, p.121)

Na medida em que novas temáticas tornaram-se objeto de estudo da


História, os periódicos passaram a ser vistos como fonte, contribuindo
para os estudos de gênero, já que tratam do universo da vida
cotidiana das pessoas. Jornais e revistas são fruto de seu tempo
apresentando funções sociais nem sempre explícitas. Portanto, para
historicizá-los é necessário problematizar desde a materialidade até
os colaboradores.

―De fato, jornais e revistas não são, no mais das vezes, obras
solitárias, mas empreendimentos que reúnem um conjunto de
indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas
em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a
partir da palavra escrita.‖ (LUCA, 2010, p.140)

A historiadora Luciana Klanovicz (2017), em sua obra Vontades sobre


os corpos: homens e mulheres na revista O Cruzeiro (1946-1955)
analisa o grande potencial comercial que as revistas ilustradas
detinham no Brasil devido à alta tiragem e a atuação da publicidade
que era muito maior do que em muitos jornais.

As peças publicitárias publicadas nas revistas podem ser consideradas


documentos que expressam uma memória, elas possuem

74
historicidade. Seus discursos são repletos de valores que refletem
determinada época e determinado grupo social. Assim como qualquer
outra fonte histórica, os discursos publicitários são carregados de
intencionalidades e precisam ser problematizados e contextualizados.
Segundo Zamboni (2013) as peças fazem referências aos desejos de
seus clientes, às características do mercado e às práticas dos
consumidores.

―As imagens publicitárias são representativas de valores sociais


arraigados culturalmente em nossa sociedade, e, por isso, se dá a
importância de entender como se constroem os discursos publicitários
a partir das representações de gênero.‖ (p.14)

De acordo com análise do projeto editorial da revista realizada por


Marinês Ribeiro dos Santos e Thaís Mannala (2013), o uso de
anúncios com ilustrações e fotografias relacionando o ―artefato‖ com
o cotidiano é constante e a própria revista entendia a publicidade
como testemunhos de uma época.

―Em CRUZEIRO, os anúncios são parte integrante do texto e nele


colocados como fatores indispensáveis à beleza e harmonia das
páginas. É inútil encarecer o maior gráo de eficiência que dali resulta
para a publicidade feita em nossas colunas. CRUZEIRO considera o
anúncio como a mais palpitante documentação de uma época: dos
seus costumes, da sua civilização, da sua prosperidade‖ (O Cruzeiro,
17 nov. 1928, p. 60).

O discurso publicitário é fruto do seu tempo. Para que obtenha


sucesso precisa fazer com que os leitores se identifiquem com as
representações que apresenta ou que desejem alcançar o estilo
anunciado pelo produto. A ―[...] propaganda pretende conquistar
possíveis compradores, mas a adesão somente ocorre se houver, a
rigor, uma identificação com os valores culturais trabalhados no
interior do anúncio.‖ (TEIXEIRA, 2009, p.39). Essa cumplicidade
permite analisar as representações presentes nas peças publicitárias
enquanto uma evidência do período abordado.

Neste trabalho optamos pela realização da análise a partir da teoria


das representações sociais de Serge Moscovici (2012). Essa teoria
auxilia na compreensão do processo de identificação dos sujeitos com
o produto do anúncio. Segundo o autor, as representações possuem
duas funções:

- Convencionalizam objetos, pessoas ou acontecimentos, tudo passa


a ser encaixado em um modelo criado em um determinado contexto

75
cultural, sob pena de não ser decodificado se estiver a margem desse
padrão.
- Prescrevem modos de interpretar o mundo através de instâncias
pedagógicas presentes desde a mais tenra idade.
Assim, as representações sociais acabam por influenciar modos de
vida de um coletivo, delas resultam práticas que expressam tudo
aquilo que foi apreendido no convívio social.

―[...] Através de sua autonomia e das pressões que elas exercem


(mesmo que nós estejamos perfeitamente conscientes que elas não
são ‗nada mais que ideias‘), elas são, contudo, como se fossem
realidades inquestionáveis que nós temos de confrontá-las. O peso de
sua história, costumes e conteúdo cumulativo nos confronta com toda
a resistência de um objeto material. Talvez seja uma resistência
ainda maior, pois o que é invisível é inevitavelmente mais difícil de
superar do que o que é visível.‖ (MOSCOVICI, 2012, p. 40)

Elas são formas de comunicar e compreender o que vemos, é tornar


familiar aquilo não familiar, o desconhecido em conhecido e/ou o
incomum em comum. Essa dinâmica de familiarização ocorre quando
situações, pessoas, objetos são percebidos e compreendidos em
relação a um conhecimento prévio, a um modelo já solidificado
mentalmente.

Dois mecanismos criam as representações: ancoragem e objetivação.


No primeiro, aquilo que é estranho passa a ser classificado e
nomeado a partir de experiências já compreendidas pelo sujeito. Já a
objetivação é a reificação daquilo que foi classificado, naturalizando-o
e tornando-o real.

Na análise das peças publicitárias isso pode ser entendido quando o


destinatário do anúncio se vê representado naquele personagem e/ou
mensagem, ancora o produto desconhecido na imagem que construiu
sobre si mesmo e o transforma em prática. Assim,a ancoragem
acontece com a identificação do consumidor ao anúncio e a
objetivação quando ele incorpora o uso daquele novo objeto ao seu
cotidiano, naturalizando-o.

No anuncio do sabonete Lux, por exemplo, a persuasão se dá pelo


recurso da fama, através da imagem de Susan Strasberg, com a
seguinte legenda

―No cuidado com a sua pele, faça como as estrelas do cinema: use a
espuma cosmética do Sabonete Lux. Pura... suave, a espuma de Lux
ajuda manter jovem e suave sua cútis. Ao acariciar o seu rosto você

76
saberá porque Lux é o preferido por 9 entre 10 estrelas do cinema.‖
(O Cruzeiro, 09 jan. 1965, contra capa)

Imagem 1 - Sabonete das estrelas – revista O Cruzeiro -09/01/1965


- ano XXXVII – nº 14 – contra capa
Fonte: Acervo Biblioteca Pública do Paraná

Ao reconhecer o rosto da famosa atriz, ocorre a ancoragem do não


familiar, transformando-o em familiar. O status que se pretende
atingir com uso do produto é a objetivação, ou seja, a ideia que se
constrói direciona uma prática, o uso do sabonete.

Não eram apenas as mulheres que se viam representadas pelos


anúncios veiculados na revista. Apesar de cada feminilidade ter
implícita uma masculinidade, muitos homens se reconheciam em

77
publicidades, tais como esta anunciando que ―Homens de bom tom
usam camisas Ban-Tan‖. A marca desconhecida era ancorada na
elegância que o destinatário acreditava ou desejava possuir, levando
à construção de uma realidade com o uso da peça de roupa.

Imagem 2 - Homens de bom tom – revista O Cruzeiro - 03/12/1955 –


ano XXVIII – nº 07 - p. 75
Fonte: Acervo Museu Campos Gerais

78
A problematização dessas fontes para e no ensino de História auxilia
os estudantes a relacionarem presente e passado, refletindo sobre
rupturas e continuidades. Isso leva à percepção de que os discursos
presentes num texto jornalístico, numa peça publicitária, são
testemunhos históricos resultantes ―da visão de mundo, da
interpretação da realidade de quem os produziu.‖ (ABUD; SILVA;
ALVES, 2010, p.30) Entender como ocorre a construção dos papeis
sociais femininos e masculinos, as rupturas e continuidades, bem
como as relações de poder correspondentes, possibilita compreender
que, como são produzidos, podem ser questionados.

Assim como qualquer outra fonte documental a publicidade é uma


representação do real, apresenta práticas sociais de uma
determinada época num dado espaço. Ela é fruto de uma sociedade e
nunca um registro fiel dos fatos. Mesmo o recorte temporal, a seleção
dos anúncios que serão problematizados para a construção do
conhecimento em sala de aula não é aleatória. Isso precisa ser
esclarecido aos estudantes.

―[...] é necessário considerar que o documento que está a disposição


da turma resulta de uma série de seleções, sendo que a primeira é a
feita no tempo em que o texto surgiu, [...] depois é resultado da
seleção dos jornais que sobreviveram ao longo do tempo,
preservados voluntariamente ou involuntariamente; é resultado ainda
da seleção, pelo historiador ou colecionador, entre os milhares de
textos disponíveis nos jornais preservados nos arquivos. É preciso
que o aluno tenha noção, portanto, de que esse procedimento origina
uma extensa área de silêncios sobre o passado que não podem ser
desprezados.‖ (CERRI, 2005, p.28)

Maria Auxiliadora Schimidt (1997) propõe uma metodologia,


adaptada de Joan Ferrés (1996), que oferece ao professor critérios de
reflexão e ação na análise da publicidade estática. Consiste em:

- identificar produto (marca) e destinatário;


- caracterizar o tipo da publicidade;
- investigar a narrativa quanto a ação, aos personagens e ao
ambiente;
- analisar os sistemas de persuasão usados no anúncio;
- revelar as figuras de retórica no conjunto da peça;
- reconhecer os valores enfatizados.

Como qualquer outro documento, precisa ser dissecado para uso


historiográfico. A prática de problematizar fontes históricas para o
ensino de História é importante no desenvolvimento do pensamento
histórico dos alunos. Isso não significa torna-los ―mini‖ historiadores,

79
mas levá-los ―a compreensão do processo de produção do
conhecimento histórico pelo entendimento de que os vestígios do
passado se encontram em diferentes lugares, fazem parte da
memória social e precisam ser preservados [...]‖ (BITTENCOURT,
2009, p.333)

Vejamos como é possível analisar a peça a partir da proposta de


Schimidt (1997) tendo como exemplo o anúncio do Fermento Royal.

Imagem 3 - Faça bolos – revista O Cruzeiro - 11/01/1947 – ano XIX


– nº 12 – contra capa
Fonte: Acervo Museu Campos Gerais

Esse anúncio do Fermento Royal é destinado à mulher dona de casa


que tem no produto um aliado para desenvolver bem suas

80
habilidades culinárias, requisito fundamental para o cumprimento de
seu papel social. A publicidade apresenta o produto e o qualifica na
forma de um relato no qual a mensagem fica mascarada pela
narrativa. O primeiro plano tem um grande bolo, destaque colorido,
cercado pela dona de tal feito e suas amigas encantadas pelo seu
sucesso na cozinha. A persuasão se dá de forma indireta pela criação
de um clima de confiança no produto. A retórica utilizada é a
essência, ela exalta o objeto. Diante disso, os valores promovidos
pela peça publicitária são felicidade, sucesso, necessidade de
agradar/servir. Qual a inferência que se pode obter sobre a
representação de mulher leitora da revista nesse período? A que
masculinidade corresponde esse tipo de comportamento feminino?

Desenvolver essas habilidades nos estudantes permite que percebam


a construção das inúmeras representações que os cercam, que são
produto de construção histórica e não naturalmente dadas, portanto
passíveis de mudanças. O ensino de História precisa levar os sujeitos
a historicizar a própria vida (PEREIRA; SEFFNER, 2008).

Maria Paula Costa (2011) aponta que o professor ao levar um


documento fonte para a sala de aula assume um papel de mediador
que articula e constrói com os alunos um conhecimento relacionado a
uma temporalidade e um espaço. Para tanto, é fundamental que o
professor domine os conceitos de História e os métodos para
interrogar uma fonte. Eis aqui a relação entre a Teoria da História e o
Ensino de História.

Referências
Janaína Jaskiu, professora QPM/PR, atua nos anos finais do EF e EM
da rede pública estadual; mestranda em Ensino de História – UEPG.

ABUD, Katia Maria; SILVA, André C. M.; ALVES, Ronaldo Cardoso.


Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3


ed. São Paulo: Cortez, 2009.
______. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do
saber escolar. São Paulo. Tese (Doutorado em História) — Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
1993.

CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São


Paulo: Contexto/EDUSP, 1988.

CERRI, Luis Fernando. A política, a propaganda e o ensino da história.


Cad. Cedes, Campinas, v.25, n.67, p. 319-331, set/dez 2005.

81
______. Imagens publicitárias como fonte para o estudo e o ensino
da História na ditadura militar (1969 – 1973). In: Área de
Conhecimento História. São Paulo, v.1, n.3, p. 48-52, 2001.
______. Jornais e revistas no aprendizado da História. In: AMARO,
Hudson Siqueira; RODRIGUES, Isabel Cristina. (org). História:
Metodologia do Ensino. 1. ed. Maringá, PR: Editora da UEM, v.1, p.
27-38, 2005.

COSTA, Maria Paula. Das bancas à sala de aula: o uso de uma revista
feminina nas aulas de História. In: SOUZA, Silvia Cristina Martins de.
et al. Conjunção de Saberes: Ensino e Pesquisa de História.
Campinas: Pontes Editores, 2011.

FERRÉS, Joan. Televisão e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas,


1996.

MANNALA, Thais; QUELUZ, Marilda Lopes Pinheiro. Melindrosas e


Garotas na constituição visual de representações de feminilidades. In:
Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2012. ISSN 2179-510X.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em


psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2012.

KLANOVICZ, Luciana Rosar Fornazari. Vontades sobre os corpos:


homens e mulheres na revista O Cruzeiro (1946-1955). Curitiba:
CRV, 2017.

LUCA, Tania Regina de. ―História dos, nos e por meio dos
periódicos‖. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. 2
ed. 2 reimp. São Paulo: Contexto, 2010.

PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de


história? Sobre o uso de fontes na sala de aula. In: Anos 90. Porto
Alegre, v. 15, n. 28, p.113-128, dez. 2008.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Publicidade como documento histórico.


In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora et al. O uso escolar do documento
histórico. Curitiba: Prograd, UFPR, 1997.
______; GARCIA, Tânia Braga. O trabalho histórico na sala de aula.
História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 219-238, out. 2003

TEIXEIRA, Níncia Cecília Ribas Borges. Discurso publicitário e a


pedagogia do gênero: representações do feminino. In: Comunicação,
mídia e consumo. São Paulo, vol. 6, n. 17, p. 37-48, nov. 2009.

82
ZAMBONI, Julia Simões. Para que serve a mulher do anúncio? Um
estudo sobre representações de gênero nas imagens publicitárias.
153f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social). UNB, 2013.

83
O PATRIMÔNIO CULTURAL NEGRO NO ENSINO DE HISTÓRIA
Janaina Cardoso de Mello
Hiago Feitosa da Silva

O ano de 2003 trouxe uma lei específica para a valorização da cultura


afro-brasileira no ensino de História, desse modo a Lei 10.639
alterava a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, das diretrizes e
bases da educação nacional, incluindo no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática ―História e Cultura Afro-
Brasileira‖. No primeiro parágrafo conta que: ―o conteúdo
programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da
História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil‖ (BRASIL, 2003,
grifo nosso).

O caminho para sair do tradicional ensino da ―escravidão no Brasil‖


tem sido longo desde então, uma vez que foram necessários cursos,
acesso a publicações específicas de História da África, pós-
graduações lato e strictu sensu voltadas para a temática. Sob esse
aspecto os cursos de formação de Ensino à Distância (EaD)
promovidos pelos Comitês de Formação Continuada da Educação
Básica, ocorridos entre 2014 e 2018, têm sido mais um incremento
nessa jornada. Mais do que estar em sala de aula para ensinar sobre
navios negreiros, o trabalho nas lavouras, os castigos, as fugas e os
escravos de ganho, temas advindos do pós-abolição, bem como o
olhar do tempo presente sobre a presença negra na formação da
cultura de distintas geografias têm enriquecido os estudos.

Alguns resultados de pesquisas internacionais têm contribuído para


alavancar as pesquisas em território brasileiro, são eles: a
―Sistematización de lPatrimonio Cultural Inmaterial de
Afrodescendientes en América Latina‖(2011) publicada pela
UNESCO/CRESPIAL sob a direção de LuisRocca Torres; a publicação
da UNESCO intitulada ―Sitios de Memoria y culturas vivas de los
afrodescendentes en Argentina, Paraguay y Uruguay” (2012); o
livreto ―Cantos y Música Afrodescendentes de América Latina‖ (2012)
do qual o Brasil, sob a representação do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), apresenta o Samba de Roda do
Recôncavo Baiano e o Tambor de Crioula do Maranhão e a publicação
―Salvaguardia del patrimônio cultural inmaterial de los
afrodescendentes en América Latina‖ (2013) da UNESCO, CRESPIAL e
CONACULTA com dois volumes.

84
No panorama das recentes produções historiográficas no Brasil sobre
o patrimônio cultura afro-brasileiro destacam-se os trabalhos: a
monografia ―O ‗lápis cor-de-pele‘: a construção de identidades raciais
nas práticas escolares‖ (2014) de Camila Oliveira Alves Boucinha, na
qual trata de como as crianças constroem o conceito de identidade
racial partindo dos Estudos Culturais em Educação, relacionando as
identidades culturais vivenciadas na escola e aquelas produzidas pela
sociedade globalizada; o artigo ―O patrimônio cultural afro-brasileiro:
São José, um estudo de caso‖de autoria dos pesquisadores Joana
Célia dos Passos, Tânia Tomázia do Nascimento e João Carlos
Nogueira, publicado na revista Estudos Históricos (2016) que analisa
como e oque tem sido considerado pelo poder público bem
patrimonial da população afro-brasileira em um município
catarinense; o livro ―As relações étnico-raciais na sala de aula:
propostas pedagógicas‖ (2016) organizado pelos professores Zoraia
Aguiar Bittencourt e Fábio Feltrin de Souza, terceiro volume da
―Coleção Educação para as Relações Étnico-Raciais‖ busca
desenvolver uma prática investigativa sobre os diferentes problemas
da realidade para intervir de maneira mais qualificada na superação
de históricos processos de exclusão material e simbólica, sendo uma
obra escrita por professores para professores; o livro ―A história da
educação dos negros no Brasil‖ (2016) organizado pelos professores
Marcus Vinícius Fonseca e Surya Aaronovich Pombo de Barros e o
Repertório Bibliográfico sobre a Condição do Negro no Brasil(2017)
produzido sob os auspícios da Câmara dos Deputados em Brasília que
traz dados sobre a construção da consciência negra no país.

Todo esse material, disponibilizado em PDF, online gratuitamente,


têm se tornado uma importante fonte de atualização dos
conhecimentos sobre o tema, incentivando pesquisas locais que se
articulem aos contextos nacional e latino-americano. E foi assim que
surgiu, como uma atividade de pesquisa realizada no interior da
Monitoria da disciplina de História e Patrimônio Cultural do
Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (DHI-
UFS), o projeto ―O Patrimônio Cultural Negro em Sergipe‖. A
inspiração nas leituras, bem como questionamentos a respeito dos
escassos trabalhos sobre os espaços materiais e imateriais do
patrimônio cultural negro em Sergipe (à exceção do município de
Laranjeiras, onde a cultura popular dos brincantes de grupos de
dança e canto tradicionais e a historicidade do quilombo da Mussuca
recebem atenção), uma vez que o estado tem construído sua
historiografia à partir de uma genealogia branca, patriarcal, com
poder político e econômico que têm reverberado inclusive nas obras
clássicas do Instituto Histórico e Geográfico Sergipano (IHGSE).

85
O silencio do negro em Sergipe ocorre até mesmo no Departamento
de História da UFS, onde a emblemática figura da historiadora negra
e sergipana Beatriz Nascimento não é reconhecida nem por
professores e nem por alunos da graduação e pós-graduação.
Pesquisadora, poeta e atuante no Movimento Negro Unificado (MNU)
e no Feminismo Negro, Beatriz foi assassinada em 1995 (aos 52
anos), por amparar uma amiga que era agredida. Ocultada em sua
terra natal, em dezembro de 2016, a Biblioteca do Arquivo Nacional,
no Rio de Janeiro, recebeu o nome de Maria Beatriz Nascimento, por
meio de uma votação online na qual Beatriz recebeu 84% dos 914
votos.

Uma importante contribuição de Beatriz Nascimento para a


historiografia brasileira está contida no livro ―Negro e Cultura no
Brasil. Pequena Enciclopédia da Cultura Brasileira‖ (1987) organizado
por ela com os pesquisadores Helena Theodoro Lopes e José Jorge
Siqueira, trazendo reflexões sobre a dimensão histórico-sociológica
do negro, uma introdução ao conceito de quilombo, as religiões
negras brasileiras, a estética negra, a música de negros, o negro na
literatura, o negro na vida familiar brasileira e as expressões da
cultura negra na vida brasileira.

Ressalta-se que Sergipe possui o primeiro Museu Afro-Brasileiro,


inaugurado em 1976 em Laranjeiras, antes mesmo do Museu Afro-
Brasileiro de Salvador (MAFRO-UFBA), entretanto, sua expografia
ainda é um território contestado pela origem de seu acervo e sua
inspiração fundada no discurso da escravidão (com destaque para os
acervos de Engenhos de açúcar e artefatos de tortura). Embora tenha
modificado bastante sua narrativa de 2009 até agora, quase dez anos
depois, ainda sofre o peso do pai fundador: o intelectual, jornalista,
―memorialista‖, Luiz Antônio Barreto, muito celebrado pelo IHGSE.

Desse modo, os objetivos que norteiam o projeto ―O patrimônio


cultural negro em Sergipe‖ são: 1) pesquisar os espaços urbanos de
ocupação e identidade negra nos municípios sergipanos; 2) coletar
imagens e falas da população negra residente nos municípios
sergipanos que remontem à escrita colaborativa de sua própria
história; 3) criar cartilhas digitais dos patrimônios culturais materiais
e imateriais negros em Sergipe que sirvam de apoio pedagógico nas
escolas de ensino fundamental.

O projeto adotou como seu lugar de origem a capital Aracaju como


ponto de partida, uma vez que nela estão localizadas importantes
instituições de guarda documental como o IHGSE e nele o Museu
Galdino Bicho e a Pinacoteca Jordão de Oliveira, o Arquivo Público de
Sergipe (APES), o Arquivo do Poder Judiciário do Estado de Sergipe

86
(APJSE), o Museu da Gente Sergipana, o Centro Cultural Cidade de
Aracaju, a Galeria de Arte Álvaro Santos (GAAS), além da Biblioteca
Pública Estadual Epifânio Dória e da Casa do IPHAN/8ª
Superintendência. Mas embora pesquisas sejam realizadas nas
hemerotecas e acervos textuais e tridimensionais, observou-se um
registro muito insuficiente da cultura negra como protagonista nos
relatos sergipanos. Há uma invisibilidade do negro enquanto
―demanda social, econômica, cultural e política‖, enquanto ser
humano, pois sua presença está muito mais configurada pelo folclore,
arte, destituído de um ―lugar de fala‖ próprio, uma vez que é sempre
interpretado por intelectuais em sua maioria brancos.

Até mesmo entre as estátuas em bronze que ornam a orla da praia


de Atalaia, dentre os fundadores da nação não há uma
representatividade negra e diante da demanda dessa população, foi
instalada a estátua de Zumbi dos Palmares, uma representação
alagoana, mantendo nas sombras a representação de Mulungu, o
escravo rebelde sergipano (DOMINGUES, 2015).

Verificou-se, portanto, que são os espaços das ruas, das vielas, das
praças, dos mercados, de bairros periféricos e das proximidades do
centro de Aracaju que contêm o patrimônio cultural negro não
oficializado: dos vendedores de ervas, das trançadeiras de cabelo
afro, dos grafites, do hip hop, da capoeira, do teatro negro, da
vendedora de acarajé, dentre outros. Espaços invisíveis para a
maioria da população que por eles transitam, espaços do cotidiano da
população negra que nele constrói sua identidade negra móvel,
plástica, resistente. Além dos lugares, o foco também se direcionou
para as pessoas que constituem um ―patrimônio vivo‖ não-oficial de
luta, persistência e manutenção das tradições.

87
Figura 1: Quilombo Urbano da Maloca, Aracaju (SE)
Fonte: Acervo Hiago Feitosa, 2017

Sob esse aspecto, tem se utilizado como procedimentos


metodológicos: além do recurso às leituras historiográficas e
documentais, a pesquisa de campo (etnografia de percurso) e os
testemunhos orais.

88
Tabela 1:Roteiro do Patrimônio Cultural Negro em Aracaju (SE)
Espaço Patrimônio Informações
Cultural
Doados em 1946 por
um policial
Museu Galdino Bicho Atabaques Run, Rmpi (provavelmente
no IHGSE e Lê oriundo das quebras
dos terreiros); em
péssimo estado de
conservação.
Placa com nome de
Bairro Cirurgia Travessa Antonina uma importante
moradora negra; em
estado de
degradação
Comunidade negra
Comunidade da Quilombo Urbano com palco para
Maloca festas, expressões e
cultura negra
Barraca de Acaraje Nara Machado Localizada atrás do
palco da Comunidade
Maloca
Localizada atrás do
Casa salão de Tranças afro palco da Comunidade
Gilmária Nunes Maloca. Trançadeira
há 11 anos.
Anderson Alves
Mercado Público Banca das Ervas Batista é o líder
local, cuidador da
saúde física e
espiritual e uma
espécie de griot.
Música negra como
Bocasecas e 14K Rap forma de
conscientização
política, cultural e
identitária
Terminais rodoviários Grafites negros Artistas: Lee 27 e
DalvamDext.
Fonte: Elaboração própria a partir da pesquisa de campo, 2017-2018
A pesquisa realizada até o momento tornou visível como espaços e
personalidades de referência negra sujeitos de pesquisa que antes,
quando tratados pela academia, ocupavam os estudos de
Antropologia ou Sociologia, mantendo-se obscuros em sua
historicidade.

89
Figura 2: Dona Nara do Acarajé, Aracaju (SE)
Fonte: Acervo Hiago Feitosa, 2017

Por isso, a Cartilha Digital do Patrimônio Negro em Sergipe tem como


premissa fundamental, a localização da topografia negra e seus
protagonistas, bem como a elaboração de verbetes colaborativos,
comentados por intelectuais, artistas, residentes negros que se
interessem em dar a sua voz à sua trajetória e ocupação urbana.

Figura 3: Bocaseca, Aracaju (SE)


Fonte: Acervo Hiago Feitosa, 2017

90
A partir dos relatos e imagens será possível trabalhar o patrimônio
cultural negro sergipano como um território em construção, no qual
as crianças negras das escolas podem se encontrar e se identificar,
posto que começam a ser matéria escolar, pesquisa acadêmica e
visibilidade de fala e rosto daqueles que há muito foram mantidos no
esquecimento.

Figura 4: Grafite em Aracaju (SE)


Fonte: Acervo Hiago Feitosa, 2017

Há muito que o patrimônio cultural deixou de ser um elemento


reconhecido de cima para baixo, instituído pelo poder público sem o
parecer de suas comunidades. Desde 2003, com a Carta Patrimonial
que reconheceu o patrimônio imaterial e com ele vários símbolos
negros (rituais religiosos, modos de fazer de comidas e artesanato),
bem como com o fortalecimento dos movimentos de afirmação da
cultura e identidade negra no país nos últimos 12 anos, a
compreensão de que a população negra tem suas próprias demandas
e deve ser alçada aos postos decisórios quando se trata de contar sua
história tem sido uma busca constante. O ensino de História não pode
se furtar a isso, principalmente se quiser fazer da Lei 10.639 uma
realidade concreta de construção coletiva e consciente do
conhecimento sobre a História Negra no Brasil, para além da
escravidão, com suas músicas, danças e lutas do passado ao
presente.

91
Referências
Janaina Cardoso de Mello é professora Adjunta do Departamento de
História da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do Mestrado em
Ensino de História (ProfHistória-UFS).

Hiago Feitosa da Silva é graduando em História pela Universidade


Federal de Sergipe (UFS) e Monitor da disciplina de História e
Patrimônio Cultural com bolsa Prograd-UFS.

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Pedagogia. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm, acesso
em: 20/02/2018.

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92
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inmaterial de los afrodescendentes en América Latina. Vol. 1. México:
Dirección General de Culturas Populares/CRESPIAL, 2013.

UNESCO/CRESPIAL/CONACULTA. Salvaguardia del patrimônio cultural


inmaterial de los afrodescendentes en América Latina. Vol. 2. México:
Dirección General de Culturas Populares/CRESPIAL, 2013.

93
AS REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS E CULTURAIS NO PCN – VOL.
10 - PLURALIDADE CULTURAL E ORIENTAÇÃO SEXUAL
Jander Fernandes Martins
Vitória Duarte Wingert

Do mundo do texto e do leitor para o mundo das


representações coletivas e identidades sociais
O presente artigo é a culminância dos estudos realizados pelos
autores durante uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em
Processos e Manifestações Culturais em nível de Mestrado da
Universidade FEEVALE-RS. Originado durante as discussões e
reflexões realizadas no formato de seminário, busca-se aqui partilhar
a síntese desses encontros realizados em fins do ano de 2016.

Sendo assim, para o autor francês, este terreno de trabalho permite


identificar os ―falsos debates‖ instituídos entre, de um lado a
―objetividade das estruturas‖ e do outro, a ―subjetividade das
representações‖ (CHARTIER, 1991, pp. 182-183), nas quais esta,
aproxima-se e dedica-se aos ―discursos‖, enquanto, àquela enverga-
se de um estatuto ―mais seguro‖ permitindo ―manipular maciços,
seriais, quantificáveis‖ reconstruindo assim, inclusive, sociedades.

Chartier (1991), lançando mão da ―noção de representação coletiva‖


elaborada e difundidas por Marcel Mauss e Emile Durkheim, permite e
dá estatuto seguro e rigoroso para o estabelecimento de um trabalho
no qual se articula três modalidades, nas palavras do autor:

―Três modalidades de relação com o mundo social: de início, o


trabalho de classificação e de recorte que produz configurações
intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente
construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em
seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade
social, a exibir uma maneira própria de ser no mundo, a significar
simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas
institucionalizadas e objetivadas em virtudes das quais
―representantes” (instâncias coletivas ou indivíduos singulares)
marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da
comunidade ou da classe‖. (CHARTIER, 1991, p. 183, grifos nossos)

Tem-se que a ―construção das Identidades Sociais‖ se dá, por um


lado, por meio de uma via, na qual esta construção seria sempre o
resultado de uma ―[...] relação de força entre representações
impostas pelos que detêm o poder de classificar e de nomear e a
definição, de aceitação ou de resistência [...]‖ e, por lado, isto é,
outra via, tem-se a consideração de que ―[...] o recorte social

94
objetivado como a tradução do crédito conferido à representação que
cada grupo dá de si mesmo, logo a sua capacidade de fazer
reconhecer sua existência a partir de uma demonstração de unidade
[...]‖. (IDEM)

A ―noção de representação‖, segundo este autor, ―[...] traça toda a


teoria do signo do pensamento lógico‖ (IDEM, p. 184), pois, por
representação deve-se entender a ―[...] relação entre uma imagem
presente e um objeto ausente, uma valendo pelo outro porque lhe é
homologa‖, nos permitindo com isso, discriminar ―diferentes
categorias de signos‖, bem como ―identificar‖ as possíveis ―condições
necessárias para que uma tal relação seja inteligível‖. Por tanto,
assim se estabelece e se constrói as relações com o mundo social,
bem como se constroem as representações que irão permear estas
dimensões coletivas e/ou singulares.

As Representações Étnicas e Culturais Expressos no


Parâmetro Curricular Nacional – Vol. 10 - Pluralidade Cultural.
Este Documento, objeto de nossa análise, inicia com a postulação de
algumas definições centrais para o entendimento do mesmo. Parte
caracterizando e demarcando que, no Brasil, há uma ―[...]
diversidade étnica e cultural, plural em sua identidade: é índio,
afrodescendente, imigrante, é urbano, sertanejo, caiçara, caipira...
[...]‖ (BRASIL, 1997, p. 15). Logo, com base nesta caracterização,
necessário tornou-se a elaboração de instrumentos Legais que
norteassem, em no campo educacional (e não só este) o mesmo, daí
a produção deste documento, o qual por sua vez, ―[...] trata dessas
questões, enfatizando as diversas heranças culturais que convivem
na população brasileira [...]‖ (IDEM).

Ora, identificado estas características plurais em uma dada


sociedade, ao se propor a elaboração de um documento que busque
abarcar a totalidade destes fenômenos e diversidades de relações (de
poder e desiguais), definir e estabelecer qual o entendimento
conceitual que irá perpassar o mesmo é mais do que imperativo:

―[...] Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à


valorização das características étnicas e culturais dos diferentes
grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades
socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e
excludentes que permeiam a sociedade brasileira‖. (BRASIL, 1997,
p.19)

Exposto a definição e do que trata o PCN de Pluralidade Cultural, o


que chama a atenção, à luz do conceito de representação e dela
decorrente, as noções de identidade social e representação coletiva

95
(CHARTIER, 1991), destaca-se do texto acima, o fato de apontar a
necessidade imperiosa de ―esclarecer‖ (conhecimento) e ―valorizar‖
as peculiaridades étnicas e culturais de cada grupo social que
compõem a nação brasileira, no caso, ter-se conhecimento e valorizar
todas as peculiaridades que ―índio, afrodescendente, imigrante,
sertanejo, caiçara, caipira, judeu, mulçumano, asiático, ciganos,
latinos, entre tantas outros grupos sociais e suas respectivas etnias e
cultural.

Neste sentido, cabe uma indagação, qual seja: - no que acarretaria e


o que consolidaria o ―conhecer e o valorizar‖ as características étnicas
e culturais dos diferentes grupos sociais, inseridos no território
brasileiro?

Pois, bem, como dito inicialmente neste texto, aqui se busca apenas
um exercício à reflexão, portanto, tal questionamento deixa-se em
aberto como convite à que se busque uma resposta mais profunda e
criteriosa, nos permitindo apenas a esboçar ―uma‖ das possibilidades
de responder a mesma.

Ora, em nosso entendimento, o resultado e o acarretamento de tais


apropriações por parte de cada indivíduo e/ou cada grupo social,
ocasionaria naquilo que o próprio documento, ao que parece,
responde, asseverando que a ―[...] afirmação da diversidade como
traço fundamental na construção de uma identidade nacional que se
põe e repõe permanentemente [...]‖ (BRASIL, 1997, p. 19), isto é,
deixar claro que, em nível de construção da identidade social (os
indivíduos e/ou grupos reconhecerem-se como ―brasileiros‖), o cerne
desta, está justamente, em ―afirmar‖ que a ―diversidade‖ é dimensão
central neste processo. Além disso, é preciso ter-se a clareza de que
―diversidade cultural‖ não é o mesmo que ―desigualdade social‖
(IDEM).

Pois, conforme destaca o PCN, esta última está estritamente


vinculada à outros fenômenos de origem social, como a
―discriminação‖, por exemplo, visto que, ―[...] se articulam no que se
convencionou denominar ‗exclusão social‘: impossibilidade de acesso
aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade, e de
participação na gestão coletiva do espaço público [...]‖. (BRASIL,
1997, p. 20)

Mas tudo isto, como bem explicita o Documento, como também o


amplo acervo de pesquisas e produções científicas sobre estas
relações complexas de natureza social, política, econômica e cultural,
foi marcada por situações que envolveram um processo histórico.
Neste sentido assim se manifesta o documento:

96
―A Pluralidade Cultural existente é fruto de um longo processo
histórico de interação entre aspectos políticos e econômicos, no plano
nacional e internacional. Esse processo apresenta-se como uma
construção cultural brasileira altamente complexa, historicamente
definida e redefinida continuamente em termos nacionais,
apresentando características regionais e locais‖. (BRASIL, 1997, p.
28)

Ora, por se tratar então de um processo historicamente situado e


instituído, como e por quê somente pós-década de 1990 se
materializa oficialmente tais Legislações? Por quê tal distinção se fez
necessário explicitar em termos de Documentação Educacional Legal?
Que tipo de ―representação de mundo, de texto, de identidade social‖
está subjacente à esta definição? Como já posto, esta não é a única
questão levantada após a legitimação deste Documento.

Aí está mais um questionamento, o qual mereceria algumas reflexões


e quem sabe, proposições críticas propositivas. Pautando-nos em
Chartier (1991) nos subitens acima, entendeu-se que, fora a
desigualdade de ordem socioeconômica e política, o ponto central
para que o ―preconceito e a discriminação‖, os quais parecem
―representar‖ neste documento o cerne/origem de algumas ―mazelas
históricas‖ geradas contra determinadas ―minorias étnicas e culturais‖
fossem e/ou seriam, de uma só vez ou paulatinamente,
erradicada/superada a partir do momento em que todos os
segmentos sociais (embora este documento destine-se
exclusivamente à instituição escolar e seus profissionais)
apropriarem-se e vivenciarem, processos e mecanismos através dos
quais ―conhecer e valorizar‖ as ―diferenças‖, isto é, a ―diversidade
cultural‖ por si só resolveria tais ―mazelas‖ sociais historicamente
instituídas em nosso país. De qualquer modo, até aqui, este PCN
toma como ponto de partida o reconhecimento da diversidade, que
vivemos entre uma infinidade de indivíduos oriundos de diversos
lugares e culturas e estes ―Hibridismo‖ (CUCHÉ, 1999), como
decorrência desta relação entre diferentes culturas, deve ser
valorizada e reconhecida.

Para isto, lançam um entendimento de cultura, qual seja:

―As culturas são produzidas pelos grupos sociais ao longo das suas
histórias, na construção de suas formas de subsistência, na
organização da vida social e política, nas suas relações com o meio e
com outros grupos, na produção de conhecimentos, etc. [...]‖.
(BRASIL, 1997, p.19)

97
Aqui, se percebe que, mais do que a ―complexidade‖ de se discutir a
―pluralidade cultural‖, mais ainda seria discutir-se, conceitualmente,
uma definição fixa, única de ―cultural‖. Logo, na elaboração deste
documento, optam por uma noção mais ampla deste conceito para
que, assim, tente-se de alguma sorte englobar a maior gama possível
de campos conceituais, de perspectivas e de elementos materiais e
simbólicos que de algum modo ―representem‖ uma determinada etnia
e/ou grupo social.

Tanto assim nos parece ser que, mais adiante no próprio texto,
destaca-se a seguinte constatação: ―A diferença entre culturas é fruto
da singularidade desses processos em cada grupo social‖ (BRASIL,
1997, p. 20). Logo, se cada grupo étnico, social de forma singular
produz e é produzido pelos mesmos processos os quais lhe legitimam
suas características de tal modo que, lhes permitem e possibilitam
diferenciar-se dos demais grupos, se todos estes encontram-se
inseridos geográfica e socialmente em um mesmo território esta
diversidade étnica só pode por conseguinte, produzir a nível mais
amplo, uma pluralidade cultural.

Entretanto, é devido a esta mesma diversidade étnico-social a qual


produz e estabelece uma ―pluralidade cultural‖ é que, historicamente
durante todo o período de formação da nação brasileira que, nestas
relações (condicionadas) por elementos econômicos e políticos é que
se pode identificar os processos (complexos) que originaram as
―desigualdades sociais‖ que hoje ainda, nos marcam e demarcam
sensivelmente o tecido social bem como as relações sociais. Sendo
que, por ―desigualdade social‖, entende-se, nos PCN‘s, como algo de
outra natureza, em relação à diversidade e pluralidade, pois àquela
―[...] é produzida na relação de dominação e exploração
socioeconômica e política [...]‖ (BRASIL, 1991, p.20), enquanto estas
outras duas formas se dão de forma manifesta e pela interação, seja
com os demais grupos sociais, étnicos e/ou culturais, seja com o
ambiente ao seu redor.

Mais ainda, o Documento, busca frisar de forma taxativa que estas


―[...] as produções culturais não ocorrem ‗fora‘ de relações de poder:
são constituídas e marcadas por ele, envolvendo um permanente
processo de reformulação e resistência‖ (Idem). Com isto, o
documento afirma de forma explícita que todo e qualquer tipo de
relação social se deu, se dá e se dará de forma hierárquica e desigual
de tal modo que, uma vez estabelecida um tipo histórico de relação
(de poder) na qual um grupo domina e explora um ou mais grupos,
toda e qualquer produção e manifestação cultural será marcada por
―reformulação‖ e resistências. Embora o texto trate do termo
reformulação, seja no sentido semântico ou com qualquer outra

98
conotação, pensa-se ser mais interessante, atualmente rever alguns
elementos para definir tais relações, tomando como premissa, quem
sabe, a ideia de ―Hibridismo‖, seja de acordo com Cuché (1999),
Canclini (2000) ou Bhabha (1998)

Tais manifestações e produções, por sua vez, poderiam ser definidas


naquilo que o próprio documento denomina de ―brasilidade‖, isto é,
―a paradoxal experiências de convívio e da interetnicidade [...]
(BRASIL, 1997, p. 21).

Para tanto, e aí é que se pensa ser importante os escritos de Chartier


(1991), pois o PCN atesta que para ―[...] Mudar mentalidades,
superar o preconceito e combater atitudes discriminatórias são
finalidades que envolvem lidar com valores de reconhecimento e
respeito mútuo [...]‖ (BRASIL, 1997, p. 23). Logo o primeiro passo, é
―o reconhecimento da complexidade que envolve a problemática
social, cultural e étnica [...]‖ (Idem). Mesmo assim, ―[...] estes
Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem que se trata de um
campo em que elaborações teóricas são rapidamente substituídas,
além de representarem grande diversidade de posições teóricas
divergentes [...]‖ (BRASIL, 1997, p. 28). Deixando assim, aberto
para as contribuições que, pós-elaboração e vigência do mesmo,
ocorrera. Cabe destacar que, o PCN objeto de estudo aqui, também
traz alguns contribuições e esclarecimentos referentes à
conhecimentos de natureza: jurídicos, históricos e geográficos,
sociológicos, antropológicos, linguagens e representações,
psicológicos e pedagógicos e populacionais, culminando com um
subitem intitulado ―Ensinar Pluralidade Cultural ou viver Pluralidade
Cultural? ‖ (BRASIL, 1997, pp. 35-50).

Algumas Considerações
Buscou-se dissertar sobre a ―noção de representação‖ na perspectiva
proposta por Roger Chartier (1991), seguido de uma breve
explanação dos elementos mais basilares que compõem o Vol. 10 dos
PCN que trata dos Temas Transversais Pluralidade Cultural e
Orientação Sexual, para que num segundo momento, realizasse uma
aproximação da teoria basilar com o objeto investigado, tomando
como suporte teórico dois autores (uma antropóloga e um sociólogo)
que tratam desta temática, com o objetivo de responder a seguinte
indagação: que representação étnica e cultural é apresentada no
PCN‘s Vol. 10 – Pluralidade Cultural?

Como explicitado acima, este volume do PCN, traz como elemento


central, a ―noções de diversidade‖ e esta, enquanto soma e/ou
resultado de outras definições, tais como: ―desigualdade social, etnia,
discriminação, exclusão social, complexidade‖. Àquela noção,

99
também figura de forma conotativa e até denotativa com o slogan de
―brasilidade amistosa e calorosa‖ que, particularmente, concordamos.
Visto que, por se tratar de um Documento Oficial norteador dos
processos didáticos e pedagógicos escolares em âmbito nacional,
entende-se que não deveria apresentar contradições, paradoxos,
sentidos e definições vagas. Ao contrário, entende-se que estes
Parâmetros e Diretrizes, deveriam apresentar alternativas e
tentativas concretas que valorizassem e permitissem a abertura à
discussão, reflexão e materialização de situações nas quais as
relações ―interétnicas‖ no ambiente escolar, sejam viabilizadas,
visualizadas e incentivadas na ―forma de relações mais horizontais‖.
(TELLES, 2004)

Entretanto, analisando este Documento têm-se algumas


constatações, quais sejam: por exemplo, Guimarães (1995) ao
discutir e fazer proposição conceitual de ―anti-racismo, movimento
este, que historicamente também se dedicou a lutar e fazer
resistência, estabelece uma discussão que leva para uma noção de
―raça e cor‖, no gênero humano. Para isso, o autor esforça-se para
desnudar algumas situações camufladas no emaranhado das relações
sociais historicamente produzidas no cenário brasileiro. Assim
assevera o autor: ―Para os afro-brasileiros, para aqueles que se
chamam a si mesmos de "negros", o antirracismo tem que significar,
entretanto, antes de tudo, a admissão de sua "raça", isto é, a
percepção racializada de si mesmo e dos outros‖. (Guimarães, 1995,
p. 43; 1999; 2004). Também se sugere o estudo minucioso realizado
por d‘Adesky (2009) que disserta e propõe o entendimento do
―modelo quadripartito‖, ou seja, ―os quatro tipos ideais de racismo‖ e,
por consequência, ―os quatro tipos ideais de antirracismo‖.

Constatado isto, é que nos levou a inferir que, no Documento Oficial,


a representação étnica e cultural dos sujeitos escravizados,
explorados, discriminados, excluídos não é um sujeito de cor ou raça,
mas sim, um sujeito étnico e cultural, sendo esta a sua
representação. Ao que parece, é que, pesquisadores autoridades
nestes assuntos se pautam ou tomam como elemento central os
―aspectos jurídicos‖ das relações sociais (étnicas) ao passo que este
Documento Legal destinado às instituições educacionais no território
nacional, diferentemente, buscam ampliar tanto o entendimento
quanto o alcance e a possibilidade de demarcações sobre o tema.

Referências
Jander Fernandes Martins – Especialista em TIC-EDU -FURG,
Pedagogo -UFSM, Mestre em Processos e Manifestações Culturais –
FEEVALE (defesa será realizada em 22/02/2018)

100
Vitória Duarte Wingert – Mestranda do PPG Processos e
Manifestações Culturais (FEEVALE), Historiadora formada na
FEEVALE, Especialista em Literatura Infanto-Juvenil (FISIG),
Especializanda em Mídias na Educação (IFSUL) e em Ensino de
Filosofia para Ensino Médio (UFSM).

BHABHA, Homi. O local da Cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana


Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte –
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102
HISTÓRIA DAS MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA:
APRESENTANDO REFLEXÕES, CONEXÕES E POSSIBILIDADES
Jeane Carla Oliveira de Melo

Introdução
No ENEM realizado em2016, uma das perguntas da prova de Ciências
Humanas e suas Tecnologias trazia uma peça publicitária datada de
1968 em que uma mulher aparece com trajes de astronauta
segurando um produto de limpeza e na sequência, os seguintes
dizeres: ―as mulheres do futuro farão da Lua um lugar mais limpo
para se viver‖. A questão gerou uma imensa repercussão nas redes
sociais por discutir de modo aberto como a sociedade (através da
cultura da mídia) contribui para a manutenção de estereótipos
sexistas. No ano anterior, em 2015, houve uma questão que buscava
refletir sobre os significados da máxima ―não se nasce mulher, torna-
se‖, da filósofa feminista Simone de Beauvoir, com a resposta
indicando que o ―ser mulher‖ é uma construção cultural, material e
histórica e não uma ―essência‖ que exista para cumprir determinado
destino biológico. Na mesma prova, aprofundando o debate, o tema
de redação foi ―A persistência da violência contra a mulher na
sociedade brasileira‖, tema este bastante comemorado pelos
movimentos sociais de mulheres que se sentiram igualmente
contemplados com a sensibilidade pela escolha da temática; sem
dúvidas, é um enorme ganho político ter milhões de jovens
debruçados na produção de uma reflexão acerca dos produtos mais
nefastos do sistema patriarcal: a violência contra o sexo feminino.

Todas essas discussões trazem para nós docentes da História, uma


importante indagação: estamos discutindo junto as nossas alunas e
alunos os significados da produção do sexismo/machismo em nossas
aulas? Estamos produzindo reflexões ativas acerca da presença das
mulheres na história? Ou continuamos lecionando uma história
masculina em que apenas em um conteúdo ou outro que as mulheres
são ―convidadas‖ a entrar e se fazerem presentes, para sumirem nos
próximos capítulos? Considerando que os movimentos sociais de
mulheres têm cada vez mais articulado política e conhecimento,
reivindicando espaços na sociedade, qual é o papel educativo dos
professores e professoras comprometidos com a transformação social
e com a produção de um saber histórico escolar afinado com o século
XXI e suas múltiplas demandas sociais?Assim, pensamos que

―pesquisar o lugar das mulheres na história é uma tarefa que envolve


complexidades e requer também saber interpretar
apagamentos/esquecimentos e silêncios. Nossa historiografia
continua sendo escrita e feita por vozes masculinas, e, apenas muito

103
recentemente é que estudos sobre as mulheres começaram a ser
produzidos especificamente no âmbito da pesquisa histórica. Convém
destacar que, como afirmou Walter Benjamin somos sujeitos
históricos ―repletos de agora‖, ou seja, a análise do passado se dá,
portanto, em função do tempo presente. Assim, podemos
seguramente apontar que o interesse por questões femininas na
história se concretizam em virtude destas se apresentarem bastante
urgentes da contemporaneidade, marcadas pela emergência de
movimento sociais de mulheres, tais como o Movimento Feminista
dos séculos XX e XXI‖ (MELO, 2017, pp. 3-4)

Portanto, uma das tarefas dos historiadores e historiadoras é


compreenderem e atuarem na construção de um ―novo normal‖, em
que seja constituída uma historiografia capaz de abarcar as
experiências das mulheres no tempo e como estas, enquanto sujeitos
históricos, reproduziram suas existências limitadas por condições de
desequilíbrio social/material/simbólico e desigualdades nas relações
de poder entre os sexos (PERROT, 2005). Dito isto, é importante
validar a produção do sujeito histórico mulher como emergente e
urgente no campo da pesquisa acadêmica, no ensino das
humanidades, sobretudo, no Ensino de História. O saber histórico
escolar, portanto, tem se revelado como um instrumento em
potencial para produzirmos um contraponto incômodo em relação a
voz autorizada da episteme científica – que ainda é masculina.

História das Mulheres e historiografia: breves aportes


No livro, ―Os Excluídos da História”, Michelle Perrot (1992) contribuiu
enormemente para edificar o campo de estudo da História das
Mulheres. Em nossa proposta de articulação entre a História das
Mulheres e o Ensino de História, a contribuição de Michelle Perrot
será importante na medida em que seus estudos promoveram o
efeito de deslocar narrativas centradas e escritas por homens para
perspectivas mais democráticas de conhecimento ao dar voz a
sujeitos historicamente excluídos. Desnaturalizar a ―voz sagrada‖
masculina das narrativas historiográficas é, além de uma alternativa
epistemológica, uma posição indubitavelmente consciente e política.
Eis a lição que a historiadora francesa Michelle Perrot vem nos
ensinando desde a década de 1970. Sobre os silêncios acerca do
papel desempenhado pelas mulheres na história,

―Essas diferenças sociais, culturais e históricas entre os sexos


também repercutiram no modo de se conceber e valorizar o que é
considerado como fonte histórica. Em relação a isto, Motta (2010,
p.272) aponta sobre as mulheres que ―nós não estamos presentes na
maior parte dos arquivos oficiais e somos bastante desrespeitadas
nos arquivos particulares, vítimas da incineração de nossos escritos

104
por serem considerados de pouco valor‖. Dito de outro modo, as
assimetrias nas relações de poder entre homens e mulheres também
são expressas na quantidade de fontes disponíveis para analisar os
indivíduos. Fontes históricas, como produtos culturais de uma
determinada época e espaço, também são particulares e
sexualizadas, agregando em si mesmas fortes componentes de
gênero‖ (MELO, 2017, p.4).

É importante destacar que a emergência do campo História das


Mulheres não se deveu apenas ao Movimento Feminista, mas
também foi favorecido em termos de historiografia e metodologia
pelo surgimento da Nova História que, demarcando uma mudança na
ciência histórica, ampliou olhares, objetos e fontes acerca do estudo
com o sujeito histórico mulher. No entanto, o desafio atualmente está
em promover pontes que possam aproximar essas novas abordagens
com a formação dos historiadores e historiadoras, com a produção
dos livros didáticos, com a construção dos currículos e diretrizes
alinhados a uma política educacional mais inclusiva.

O campo História das Mulheres e o diálogo com o ensino de


História: sugestões de atividades no espaço escolar
Antes de tudo, partimos do pressuposto que o ato de educar possui
finalidades políticas bem demarcadas e está profundamente
associado a uma cultura escolar específica, que por sua vez, se liga
as condições históricas do tempo ao qual está inserida. Temos a
plena consciência de que estamos vivendo um contexto político após
o golpe de 2016 marcado por autoritarismo e retrocessos em
variadas áreas sociais, dentre elas, a educação. Disto isto, sabemos
que os fascismos e os discursos de ódio proferidos por diferentes
agentes e meios têm pautado de modo irresponsável e perigoso o
atual debate político.

Nesse interim, ressaltamos as tentativas e projetos reacionários


contra políticas de inclusão já conquistadas pelas minorias, como a
exclusão do termo ―gênero‖ do Plano Nacional de Educação, o projeto
Escola Sem Partido e as inúmeras perseguições empreendidas aos
professores e professoras que vêm sofrendo assédio moral, sendo
constantemente acusados de ―esquerdistas‖, ―comunistas‖,
―petralhas‖, doutrinadores ―ideológicos‖ a serviço dos interesses
comunistas internacionais. Nesse cenário, o trabalho educativo
progressista, crítico e questionador da realidade se mostra cercado de
boicotes e resistências de todos os tipos. No entanto, pensamos que
não podemos abrir mão de nossa liberdade de cátedra, que é uma
garantia constitucional que assiste à profissão docente e também
uma forma de combate ao obscurantismo e desonestidade intelectual
que grassam nesses tempos atuais.

105
Longe de querer propor aqui um modelo fechado de passos e
procedimentos didáticos, as sugestões a seguir foram elencadas com
base no potencial educativo que as atividades ensejam, com a
ressalva que algumas delas já vivenciadas no espaço escolar do
Ensino Médio, produzindo uma exitosa construção compartilhada de
conhecimentos:

a) Levantamento de imagens e textos sobre as mulheres nos livros


didáticos de modo que seja possível ilustrar de que forma as
mulheres estão representadas no livro didático de História e como
cada autor/autora inclui/exclui mulheres da narrativa histórica.

b) Análise de peças publicitárias voltadas para os públicos masculino


e feminino para identificação, discussão e desconstrução das imagens
sexistas veiculadas pela mídia. Boa oportunidade também para
discutir a respeito da cultura da mídia e a construção das
subjetividades por meio da publicidade.

c) Datas como o Dia Internacional da Mulher e o Dia da Consciência


Negra favorecem o trabalho educativo com a temática a partir dos
mais variados enfoques e atividades desenvolvidos junto com a
comunidade escolar, em uma perspectiva pedagógica ao reforçar
práticas de uma escola sem machismo.

d) Criação de um cineclube com filmes e documentários temáticos e


debates. Essa atividade pode se dar através de um projeto bimestral,
é extremamente válida no sentido de discutir aspectos voltados para
a própria construção cinematográfica (filme como fonte histórica) e
despertar reflexões a partir das mensagens veiculadas pela
linguagem fílmica.

e) Incentivar a criação de núcleos e coletivos feministas que podem


estar articulados ou não ao grêmio escolar, em um movimento de
fazer com que as jovens experimentem ―fazer política‖ e construir
espaços próprios de protagonismo e representatividade no espaço
escolar.

f) Fomentar pesquisas que tematizem a história da legislação dos


direitos das mulheres(convidar advogadas e professoras da área
jurídica, se possível) e introduzir biografias de mulheres que
deixaram sua marca na história, de preferência, mulheres
invisibilizadas pela memória histórica. Com o material biográfico
levantado, estimular a produção de cordéis feministas como meio de
produção de registros dessas vozes silenciadas.

106
g) Criação de um blog colaborativo para produção e
compartilhamento de textos acerca da História das Mulheres ou para
composição de uma biblioteca feminista virtual, disponível para ampla
consulta.

h) Em diálogo com a disciplina de Literatura e Língua Portuguesa,


realizar levantamento de autoras negras e indígenas contemporâneas
e promover um projeto aos moldes do ―Leia Mulheres‖ (sarau literário
que visa ler e debater obras de autorias femininas).

i) Também de modo interdisciplinar, com parceria com docentes de


Artes, levantar e analisar representações femininas na história da
arte bem como pesquisar sobre mulheres artistas no Brasil e no
mundo, e realizar exposição com a reprodução do trabalho destas
artistas.

Conclusão
Dentro e fora da academia, por vezes os maiores obstáculos partem
de premissas equivocadas de muitas correntes teóricas sobre o que
significa o feminismo – esse termo que acabou se tornando mais uma
vez ―maldito‖, nos tempos atuais. O atual backlash (retrocesso) da
agenda política e social tem contribuído enormemente para a
reificação da dominação entre os sexos, sendo muito útil para a
manutenção do patriarcado nos lugares em que ele deveria ser
enormemente debatido e combatido. Enxergamos que nessa seara
um dos caminhos possíveis é o esforço coletivo de mulheres por
identificar e lutar contra o machismo nos espaços de poder e
produção de conhecimentos.É ainda um imenso desafio integrar a
História das Mulheres ao ensino de História. A sala de aula, nesse
sentido, se configura como um lugar privilegiado para a construção
de saberes feministas politicamente situados. Deste modo,
percebemos o campo de estudos da História das Mulheres uma
ferramenta poderosa para gritarmos que somos sujeitos da história e
não uma curiosidade/artefato da História Cultural sem poder político
para alterar o processo histórico.

Referências
Jeane Carla Oliveira de Melo é professora de História do IFMA
Campus Alcântara e mestre em Cultura e Sociedade pelo
PGCULT/UFMA.

MELO, J. C. O. A importância de uma abordagem feminista nos cursos


de Licenciatura de História: considerações iniciais. In: BUENO, Andre;
CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José Maria. (Org.).

107
Jardins de Histórias: discussões e experiências em aprendizagem
histórica. 1ed.Rio de Janeiro: LAPHIS/Sobre Ontens, 2017, v. 1.

MOTTA, Diomar. Omissão e inserção histórica da mulher na cultura


escolar. In: CASTRO, Cesar Augusto. Leitura, impressos e cultura
escolar. São Luís: EDUFMA, 2010.

PERROT, Michelle. Os excluídos da história. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1992.

______. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC,


2005.

108
A RELAÇÃO TERREIRO-ESCOLA: DIÁLOGOS PARA UM ENSINO
DE HISTÓRIA QUE REPENSE O CURRÍCULO ESCOLAR COM
BASE NA LEI 10.639/2003 NO CENTRO DE ENSINO JOÃO
MARQUES MIRANDA EM CURURUPU-MA
Jêibel Márcio Pires Carvalho

Introdução
Cururupu é um dos 217 municípios do estado do Maranhão, localizado
no litoral ocidental maranhense a 475 km da capital São
Luís,habitado primitivamente pelos índios tupinambás, cujo cacique
da tribo era conhecido como Cabelo de Velha, nome hoje dado a uma
baía próxima a sede do município. Seu povoamento tornou-se
possível por volta de 1816 a partir das entradas chefiadas por Bento
Maciel Parente que subjugou os índios tupinambás ali aldeados e
matando o cacique Cabelo de Velha. Quanto à origem do nome,
centra-se na idéia que com a junção do som da arma (pu) que matou
o cacique Cabelo de Velha, que os índios chamavam de Cururu.
CURURU+PU deu origem ao nome. Atualmente o município possui
uma população estimada em 30.802 mil habitantes segundo o IBGE
(2016) sendo a maioria negros descendentes de escravos que
trabalhavam nas fazendas da região, na produção de aguardente. Os
primeiros negros que povoaram a cidade de Cururupu vieram do
Daomé, atual Benin.

As primeiras discussões
O Movimento Negro em Cururupu tem início em 1991, com o Grupo
de Consciência Negra de Cururupu (GCNC) um dos objetivos era
discutir temas atinentes a população negra, bem como reconstituir as
histórias de vida de lideranças comunitárias e dar maior visibilidade
as comunidades. Em 1994 é fundado o Bloco Afro Omnirá,que no
carnaval desfila pelas ruas de Cururupu evidenciando elementos da
cultura africana e afro-brasileira. Com a aproximação do tricentenário
da morte de Zumbi em 1995, o tema foi: Mãe Isabel, quilombola de
Zumbi, tendo sido Isabel Mineira a primeira pessoa a abrir um
terreiro de Mina em Cururupu. Nesta época coordenei os trabalhos de
pesquisa de campo sobre a homenageada.

Em2016 trabalhei como professor no Centro de Ensino João Marques


Miranda escola da periferia de Cururupu localizada no Bairro de São
Benedito, nesta instituição percebi um número expressivo de terreiros
que circundavam a escola e de adeptos de religiões de matiz africana
que freqüentavam o espaço escolar, a percepção inicial sobre escola e
terreiros e sujeitos que dialogavam diariamente em diferentes
contextos, fez com que levantasse algumas questões acerca da
maneira como se dava a relação dessas duas instituições. Observei

109
que alguns docentes e discentes participavam de eventos realizados
nestes terreiros, nas variadas funções alguns como assistentes e
outros como iniciados, no entanto esses sujeitos ao retornarem para
o espaço escolar eram silenciados e invisibilizados; com o intuito de
encontrar mecanismos para responder estas questões, bem como o
resgatar as memórias e identidades ali vivenciadas e experiências da
comunidade escolar e de terreiros, apresentei o projeto de pesquisa:
―Transmissão e Manutenção das línguas litúrgicas nas redes
educativas de Cururupu‖: uma prática para implementação da Lei
10.639/2003 nas escolas do município ao Programa de Pós-
graduação em História, Mestrado Profissional da Universidade
Estadual do Maranhão-UEMA, que se encontra em desenvolvimento.

A luta contra o preconceito e a intolerância no espaço escolar


Para Santa‘na (2005) ―preconceito é uma opinião pré-estabelecida
que é imposta pelo meio, época e educação‖, tendo em vista isto,
muitos são os fatores que levam uma pessoa a criar pré-conceitos
acerca de uma pessoa, grupos e sobretudo das religiões de matriz
africana.

Não dá para fingir que é na escola onde se concentra uma gama


considerável de posturas preconceituosas entre alunos de diferentes
classes sociais, no entanto em algumas situações essas práticas são
camufladas pelas instituições, que fingem desconhecer esses
agravantes, muitas vezes defendem que sua prática não configura
preconceito. Uma das vertentes do racismo, o preconceito é muitas
vezes, a prática mais comum neste espaço e dependendo da forma
como se apresenta na sociedade, sobretudo na escola, tem gerado
grande sofrimento nestes sujeitos que se sentem impotentes, a falta
de informação para o que oprime, ao praticar o ato consolida a
ineficiência da educação escolar e familiar, ao oprimido, que não
possui sua identidade afirmada.

No cenário escolar essa cultura do superior/inferior e muitas outras


formas de discriminação é transmitida por membros que compõe o
quadro funcional da escola, dentre estes, os professores de
disciplinas que trabalham diariamente com conteúdos que envolvem
essas discussões, reafirmando muitas vezes um comportamento
preconceituoso na prática escolar.

―não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito


incutido na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar
profissionalmente com a diversidade, somando-se ao conteúdo
preconceituoso dos livros e materiais didáticos ás relações
preconceituosas entre alunos de diferentes ascendências étnico-
raciais, sociais e outras‖ (MUNANGA, 2005, p.16).

110
Esta diversidade presente nas escolas, em termos gerais tem sido
objeto de muitas discussões, oriundas de vários campos do
conhecimento, levando professores e alunos a pensarem de fato
como trabalhar e conviverem com essas diferenças que permeiam o
cotidiano escolar, em contextos práticos muitos são os apontamentos
apresentados, mas que pouco tem favorecido, talvez pela falta de
motivação desses sujeitos, percebe-se, nos espaços escolares uma
constante fuga em evidenciar o enfretamento de combate ao
preconceito como forma de trazer à tona acontecimentos tão
evidentes, mas que a escola finge não acontecer, talvez pelo
despreparo e mesmo pela falta de motivação em buscar um campo
de discussão e meios para encontrar estratégias para amenizar este
problema tão presente em nossas instituições de ensino,―que ao
longo dos anos vem desestimulando o aluno negro e prejudicando
seu aprendizado‖ (MUNANGA, 2005, p.16).

Outro componente, visivelmente observado é o conteúdo curricular


trabalhado em sala de aula pelos professores e que pouco privilegiam
a população negra, pouco se fala sobre o assunto e quando falam
apresentam imagens estereotipadas que dificulta a identificação de
alunos negros comas representações contidas nos livros e materiais
didáticos, estes fatores fazem com que alunos assumam condutas de
afastamento e consequentemente ―venham muitas vezes, a
desenvolver comportamento de auto-rejeição‖. (SILVA, 2005).

Não é difícil reconhecer, na figura do professor um papel quase que


determinante para alunos na continuidade à frequência escolar, que,
por conseguinte ocasiona uma parcial ou total falta de
deslumbramento pelo estudo.

Disto isto, ao falar do educador, da educação e da construção de uma


autoestima positiva para o educando negro, centra-se um debate
acerca das relações raciais e nas desigualdades na educação.
Abordam-se as implicações que dificultam o relacionamento entre
alunos e professores, e até mesmo com indivíduos do mesmo grupo,
que ao perceber grupos privilegiados na escola em detrimento da
negação de outros, preferem juntar-se a grupos fora de sua realidade
social. Casos mais acentuados dessa migração são observados com
alunos negros, que observam nesses grupos um refúgio e uma forma
de escapar de estereótipos a eles aplicados no cotidiano escolar.

Outro fator que contribui para a autonegação desses atores é a falta


de inclusão no currículo escolar de temas que discutam sobre a
religiosidade de povos africanos e a falta de motivação em atividades
que tratam da cultura africana e afro-brasileira como elemento no

111
contexto dessas instituições, o que se observa, ao se referir, a estes
conteúdos curriculares é que na prática escolar, são vistas como
comemorativas em vez de um caráter questionador, o que dificulta
uma discussão mais acentuada sobre o assunto, se junta à discussão
uma prática bastante recorrente, a intolerância, que muitos alunos
passam no espaço escolar, neste percurso esta prática tem sido mais
acentuada em relação às religiões de matriz africana. Como
problematizar intolerância na Escola? Esta pergunta muito se tem
feito nas discussões acerca do assunto e acentuadamente nos grupos
de movimento negro, sobretudo nas casas de culto de religião de
matriz africana, nas escolas este acontecimento decorre da falta de
experiência dos sujeitos na interpretação desses eventos e configura
rituais pedagógicos excludentes no que se refere aos conteúdos de
África.

―A autoafirmação de determinada postura pessoal como intolerante,


racista que assume discriminar o outro, não faz parte da expectativa
razoável nem dos militantes, nem dos pesquisadores/as das relações
étnico raciais no Brasil. É muito difícil encontrar alguém que se
apresente como preconceituoso racista e intolerante entre os
brasileiros. Somente através de inferências lógicas sobre análises de
discursos e conteúdos têm sido possível identificar essas atitudes‖
(SANTOS 2015).

Não há de se negar que posturas intolerantes apresentam-se de


variadas formas, sobretudo comentários que levam a entender que as
religiões de matriz africana não fazem parte do contexto religioso,
levando muitas vezes adeptos a negarem sua fé no espaço escolar e
posteriormente em suas comunidades, é necessário que a escola
coloque em prática o princípio de laicidade, e ofereça condições para
que alunos possam escolher qual religião quer adotar, soma-se a isso
uma seleção mais dinâmica na escolha dos professores de Ensino
Religioso, adequação de conteúdos ao currículo que privilegiem os
variados grupos que permeiam o ambiente escolar. Centra-se na
idéia que isto diminuirá o distanciamento entre terreiros e o Centro
de Ensino João Marques Miranda.

Dinamismo nos terreiros


Os terreiros mantém uma ligação com os afros-descendentes por
meio das atividades que desempenham, mostrando características da
cultura africana e afro-brasileira ―confirmando seu papel como redes
educativas de ensino‖ (CAPUTO, 2015) na transmissão das
linguagens e códigos concernentes a estrutura de funcionalidade dos
templos e dos rituais, diariamente essas casas são submetidas a
comportamentos de intolerância de todos os lados, quando da prática
escolar, este acontece dentro dos ―rituais pedagógico‖, (SANTOS,

112
2015) em outros espaços são coordenadas pelos mais diferentes
grupos da sociedade, que assumem uma conduta consciente e
articulada para com os cultos afros e, sobretudo contra os dogmas
religiosos por esses sujeitos praticados, levando muitos terreiros a
fecharem suas portas.

Desta forma, os terreiros têm buscado discutir dentro de sua


comunidade meios de resolver essas questões e, sobretudo reafirmar
amaneira como desenvolvem sua didática religiosa na transmissão e
manutenção de suas atividades ritualísticas, repassam os
conhecimentos aos membros da comunidade, através da observação
e repetição nas atividades desenvolvidas nos terreiros ―supõem-se
que os mais jovens devem aprender com os mais velhos,
transmitindo-se conhecimento religioso pela palavra não escrita‖
(PRANDI, 2000). Justifica-se que mesmo diante de práticas de
intolerância, os terreiros desenvolvem um dinamismo na
sistematização dos elementos pertencentes aos cultos, sendo os pais
e mães de santo os seus maiores regentes. Disto isto este trabalho é
um desdobramento do projeto de pesquisa que visa discorrer acerca
de como é A RELAÇÃO TERREIRO ESCOLA: diálogos para um ensino
de História que repense o currículo escolar com base na Lei
10.639/2003no Centro de Ensino João Marques Miranda em Cururupu
MA. Levando em consideração alguns pontos observados, a princípio
a pluralidade de olhares sobre escolas e terreiros e suas intra e inter-
relações, tomando como unidade empírica de análise um contexto
relacional representado pelo Bairro de São Benedito e ―como a escola
se relaciona com membros de terreiros‖ (CAPUTO, 2012) mais
precisamente com indivíduos dos terreiros que circundam a escola.

Discutindo a lei 10.639/2003


A escola configura um lugar onde se produzem saberes, práticas e
vivências e que esta produção de conhecimento entre professores e
alunos tende a afirmar e reafirmar as identidades e demonstrar a
familiaridade do grupo ao qual pertencem buscando espaços de
discussões na elaboração de mecanismos da prática escolar, na
perspectiva de exercitar a consciência histórica para construção e
reconstrução de conceitos e conseqüentemente o reembolso de
princípios didáticos no ensino de História em que permeie conteúdos
que tratem de temas atinentes as classes sociais que formam o nosso
país, para isso:

―Torna-se necessário que professores e alunos busquem a renovação


dos conteúdos, a construção de problematizações históricas, a
apreensão de várias histórias lidas a partir de distintos sujeitos
históricos, das histórias silenciadas, histórias que não tiveram acesso
à História. Assim, busca-se recuperar a vivência pessoal e coletiva de

113
alunos e professores e vê-los como participantes da realidade
histórica, a qual deve ser analisada e trabalhada, com o objetivo de
convertê-la em conhecimento histórico, em autoconhecimento, uma
vez que, desta maneira, os sujeitos podem inserir-se a partir de um
pertencimento, numa ordem de vivências múltiplas e contrapostas na
unidade e diversidade do real‖. (SCHMIDT, 2005, p. 299).

Esta prática se faz necessário por tratar de questões que envolvem


uma instituição carente de participação de seus membros na
aquisição e deliberação de conteúdos que disponibilizem instruções
para construção de uma escola mais justa, e menos verticalizada,
esses anseios tende a acontecer quando exercitamos nossa reflexão
acerca de conceitos, práticas pedagógicas, numa imersão que
promova uma reflexão coletiva. Estas discussões vêm acontecendo
nas mais diferentes instituições que tratam do assunto, e com alguns
poucos resultados.

Após anos de discussão acerca do currículo escolar nas escolas das


redes públicas, aLei 10.639/03, que trata do ensino de História da
África e da Cultura Afro-brasileira nas instituições de ensino de todo o
país ―Prescreve que as religiões afro-brasileiras sejam abordadas em
sala de aula, como parte de um conjunto de práticas e valores de
origem africana importante para o desenvolvimento da população
negra no Brasil.‖ (BAKKER 2011)

A promulgação da Lei 10.639/2003 foi para muitos uma possibilidade


no processo de inclusão de temas voltados à África e a cultura afro-
brasileira que se somariam a uma parcela de trabalhos já
desenvolvidos por grupos do movimento negro, pesquisadores e
professores, não obstante um dos grandes entraves na aplicação da
Lei que inauguraria nas escolas uma possibilidade de inclusão de
temas voltados a população negra de nosso país, foi em aspectos
mais gerais a total incompreensão de sua aplicabilidade dentro da
grade curricular, como aponta Oliva ao questionar:

―Como ensinar o que não se conhece? Para além das interrogações, a


lei revela algo que os especialistas em História da África vêm
alertando há certo tempo: Esquecemos de estudar o Continente
africano‖. (OLIVA, 2003, p.421). Como a lei 10.639/2003poderia
concorrer com conteúdos secularmente ensinados nas escolas do
país? No que se refere à Lei centram-se, que para muitos professores
ao introduzir certos conteúdos na grade curricular, fariam uma busca
de formação que engajaria tempo, e iria contra a produção curricular
eurocêntrica existente, bem como a delimitação desses conteúdos,
pela quantidade no que se refere à própria África como um todo e as
várias áfricas que vieram para o Brasil no comércio transatlântico.

114
Metodologia
Soma-se ainda o esforço por problematizar os pontos de vista de
atores sociais que protagonizam as relações entre escola e
comunidade em uma conjuntura histórico-social específica, o que
permite situar o foco da presente pesquisa sobre as interfaces,
cruzamentos de espaços eco-representações identitárias. Nesse
contexto a despeito da extensão do universo empírico e das
dificuldades operacionais para tratamento das informações, a
pesquisa será realizada com base na combinação e diferentes
estratégias metodológicas. Uma abordagem a ser utilizada para
aquisição de respostas no desdobramento da pesquisa será a
observação etnográfica como forma de encontrar subsídios para
elaboração do texto final, a incursão neste método é fazer o
encadeamento das técnicas as quais a etnografia faz uso, neste
sentido os métodos farão parte no cotidiano do estudo objetivando
alcançar uma pesquisa que ofereça uma quantidade significativa de
elementos, para maior compreensão na execução do texto, o estudo
buscará incursionar na observação participante como forma de
agregar as manifestações de atitudes e posturas tanto na prática
escolar quanto aos terreiros e seus regentes:

Grosso modo, trata-se de tentar harmonizar a utilização de


abordagens quantitativas e qualitativas que facilitem a compreensão
nesses espaços, no tocante à vivência desses atores no que se
referem a comportamentos quando da experiência no contexto
escolar e nas casas de cultos, como se pode, a partir desse método
extrair os fatores que formatam esse distanciamento. A aplicação de
questionários de administração direta para os alunos do Centro de
Ensino João Marques Miranda objetiva equacionar a
representatividade das religiões no contexto escolar e, sobretudo a
visão de professores e alunos acerca das religiões de matriz africana,
com isso aproximar estas duas instituições. Ao dar notoriedade às
histórias de vidas desses agentes que compõe esses dois espaços,
pretende-se, aplicar ferramentas da etnografia e da história oral
realizando entrevistas em profundidade, objetivando dar voz a esses
sujeitos bem como constituir um espaço que venha provocar o
―despertar‖ a reatualização das experiências passadas, modificando a
configuração das relações analisante/analisado‖.

Busca-se com isto operacionalizar, ações que favoreçam uma


compreensão num campo mais formal, sobre a relação terreiros e
escola e como essas redes de ensino se olham no cotidiano no bairro
de São Bendito a despeito das religiões de matriz africanas e de seus
atores que freqüentam os mesmos espaços. Com base dessas
informações pretende-se com isso convocar discussões que atentem
para a visão que professores e alunos possuem acerca das religiões

115
de matriz africanas e, sobretudo dos terreiros que circundam a escola
objetivando redimensionar a formatação do currículo em atividade no
Centro de Ensino João Marques Miranda.

Considerações finais
O distanciamento que atualmente configura o bairro de São Benedito,
em se tratando de terreiros que se localizam no entorno do Centro de
Ensino João Marques Miranda tem sido o objeto de discussão a que se
propõe este projeto de pesquisa, entre olhares e interpretações das
religiões de matriz africana no contexto escolar, bem como os
conceitos sobre terreiros que alunos e professores possuem acerca
das religiões de matriz africanas ali desenvolvidas.

Espera-se com as discussões traçar mecanismos de aproximação e


reaproximação advindos das trocas experienciais. É fundamental que
essas redes educativas de ensino quebrem esse distanciamento,
estreitem laços e que busquem possibilidades de abordagem na
discussão de ferramentas para aproximarem alunos no convívio
escolar, bem como a atualização curricular em que de fato se
trabalhe o que versa a Lei 10.639/2003 para um ensino de História
da África e da cultura afro-brasileira evidenciando a cultura local no
tocante as práticas desenvolvidas nos terreiros próximos à escola.

Referências
Jêibel Márcio Pires Carvalho Mestrando do Programa de Pós-
graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)
Professor da Rede Estadual e Municipal de Cururupu-MA.

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Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005 – MEC.

117
VISIBILIDADE DA HISTÓRIA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
NO CONTEXTO EDUCACIONAL NAS ESCOLAS EM SÃO LUIS
Josué Viana da Silva
Douglas Oliveira Machado

O artigo almeja identificar se as ações da superintendência de


Modalidades e Diversidades Educacionais da Secretaria Municipal de
Educação de São Luís – Maranhão - SEMED e estas ações foram/são
constituídas conforme a regulamentação municipal. Partindo da
análise dos documentos da própria SEMED e análise bibliográfica que
regulamenta a educação étnico-racial no Brasil e no município de São
Luís do Maranhão. Guiados por teóricos como Andrade (2004),
Meneses (2007) e Viana (2015), como as Leis 9394/96 e 10.639/03,
buscamos perceber como a rede municipal de educação da capital
maranhense trabalha os valores étnico-raciais com as crianças da
Educação Infantil e do Ensino fundamental. O trabalho que a SEMED
desempenha para a conscientização das crianças e adolescentes da
rede municipal, juntamente com os professores das escolas que
levam as políticas para a implantação no currículo e a vivência na
vida escolar. As ações já são realizadas conforme a regulamentação e
aos poucos tente a englobar toda a rede municipal de educação.

Diante das leituras das leis 9394/96 e 10.639/03 que direcionam a


implementação das políticas públicas e a criação de setores
específicos para acompanhamento, monitoramento de atividades em
direitos humanos e voltadas às práticas educativas relacionadas as
diversidades étnicos-raciais, surgiu a necessidade de conhecer,
identificar e analisar os setores constituídos, e suas extensões de
atuação quanto aos debates em torno da pessoa negra, levando em
consideração as práticas curriculares em escolas da Rede de Ensino
Municipal em São Luís, o que justifica a necessidade do presente
estudo.

A existência e atuação destes setores que vieram objetivar uma


―educação não discriminatória‖ (PME- São Luís 2015-2024), que o
ensino de história cultural, afro-brasileira e africana deve suscitar no
contexto escolar, no que tange ao conhecimento, manifestações
culturais e a construção de identidade negra na Rede Municipal de
Ensino de São Luís.

Para o aprofundamento das questões, buscaremos aporte em alguns


documentos legais, dos quais se destacam: a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9394/96; da Lei
10.639/03, que normatiza o ensino da história e cultura afro-
brasileira e africana; a Resolução 01/04 do Conselho Nacional de

118
Educação (CNE), conforme os termos no parecer CNE/CP 3/2004 a
qual aponta para a ―promoção da educação de cidadãos atuantes e
conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil,
buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de
nação democrática‖ a instituição de Diretrizes Curriculares Nacionais
para a educação das Relações Étnicos-raciais; Tais documentos
constituem as bases materiais nas quais repousam a necessidade de
implementação e os questionamentos da forma como são e se, de
fato, essas regulamentações são aplicadas na formação de nas
práticas educativas nas escolas.

Esperamos contribuir de forma relevante, a partir desta pesquisa,


quanto ao debate em torno das práticas educativas no Sistema
Municipal de Ensino em São Luís, e diretamente poder este estudo
ser significativo para nossa formação acadêmica no Curso de
Pedagogia e para futuros pedagogos bem como a aplicação das
regulamentações de políticas afirmativas voltadas para a pessoa
negra.

A luta pela visibilidade da história africana e afro-brasileira no


Brasil
Em um país como o Brasil em que a maioria da população é de
origem genealógica de raiz africana, temos uma construção
ideológica que o respeito às tradições e a valorização do passado
desta população é reafirmada na vivência cotidiana do seu povo?
Infelizmente não, no presente como em seus mais de quinhentos
anos de invasão pelos europeus, o Brasil tem dado destaque para a
visão eurocêntrica que cria uma ideologia hegemônica da realidade
sendo que todo adjetivo positivo que se refere às tradições e
costumes oriundos do velho continente.

A população no Brasil com o transcorrer da sua história tem


acrescentado pequenos movimentos, de maneira tímida, para que se
haja uma valorização do passado e da origem da população brasileira
de raiz africana, pois não somente a cor da pele humana revela
nossos traços como principalmente nossos costumes, modo de vida,
culinária e demais comparativos entre os dois continentes, América e
África.

A questão central é a negação desta realidade e a construção de uma


ideologia de branqueamento da população brasileira, como se todos
nós brasileiros tivesse origem europeia, sem contato com povos
nativos (sociedades indígenas) e africanos (escravos mais de três
séculos e marginalizados na sociedade contemporânea). Pois o
comum na sociedade brasileira é comparado ao olhar de Gilberto

119
Freyre sobre o africano cheio de exotismo, de sensualidade, de
natureza violenta e a ser violentada (FREYRE, 1987). Desde a
colonização, ao período imperial e ao período republicano, que nada
se fez para diminuir a diferença entre os grupos sociais que formam a
população brasileira, pouco se viu antes da década de noventa, para
criar uma visão uniforme de sociedade igualitária entre todos os seus
membros.

A visão dos historiadores, cientistas sociais, antropólogos, viajantes


etc, não contribui em nada para uma democratização da sociedade
brasileira, o olhar preconceituoso, nos legados de Nina Rodrigues,
Arthur Ramos e de Gilberto Freyre, que descreviam a defasagem
cultural e educacional e o branqueamento via miscigenação, olhares
racistas fizeram com que a ciência não percebesse na população
brasileira a concepção de uma visão multivariada de nacionalidades e
origem diversificada, que faz no país ter uma riqueza de presença de
todos os continentes do planeta terra, isso ocorre, pois não
estudamos a África, mas a Europa e a América anglo-saxã, ou seja, a
história daqueles que possuem o poder e a possibilidade de difundir
seus conhecimentos através da escrita, colecionando documentos,
registros e fazendo seus monumentos e estátuas.

Promovendo a valorização de um grupo social e desvalorizando


outros tão importantes quanto os do velho continente, para o
progresso do Brasil. Somente após a lei 9394/96, na década de
noventa que passa a destacar a história da África, dos africanos e
afro-brasileiros como fundamental para o processo de aprendizado
nos currículos das instituições de educação no Brasil.

No entanto, em 2003 é decretada a lei 10.639 que passa a buscar a


aplicabilidade de forma real no ensino brasileiro. Assim, as políticas
voltadas para a população afro-brasileira têm sido objeto de grandes
estudos no decorrer das últimas décadas, haja vista, o resultado de
um profundo apelo social que ganhou espaço nos debates políticos e
educacionais, em especial na segunda metade do século XX.

Com o início de um novo século, temos também novos momentos de


reflexão e ação, na perspectiva de aproximação dos direitos sociais a
toda a população brasileira.

De acordo com Valente (2005), os direitos sociais se engendram no


contexto educacional e, por ser a principal ferramenta do despertar
da consciência humana, a educação em si tem a promoção dos
valores humanos como ponto fundamental para a formação do
indivíduo, capaz de perceber a diversidade da manifestação cultural

120
como uma riqueza própria do sujeito, que tem sua identidade
constituída a partir da realidade na qual está inserido.

A identidade afro-brasileira é constituída não em um universo


separado da realidade, é parte integrante do todo, assim a Lei
10.639/03 remete a educação étnico racial como aprendizagem para
brancos e negros, para uma troca de conhecimento, um projeto de
sociedade mais justa e igualitária. Muitos estudiosos/as trabalham
com a educação étnico-racial voltadas para a construção da
cidadania, entre eles/as podemos citar Algarve (2004) e Andrade
(2006), que entendem não ser somente a escola um espaço de
educação étnico racial.

Entretanto, o ambiente escolar é o início do processo de construção


da cidadania bem frisado pela LDB 9394/96 no seu artigo 2°: ―A
educação, dever da família e do estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho‖.

Como a cidadania é para todos, a educação étnico-racial deve estar


presente na vida escolar de todas as crianças, criar um ambiente,
segundo Santos (2006), contra-hegemônico, pois o ambiente escolar
sempre operou com apenas uma visão de realidade, própria da visão
eurocêntrica. Na atualidade, a escola passa por território de disputas
(ARROYO, 2011), porém, segundo Gonçalves e Silva (2000), é
possível aos professores e professoras indagar e incluir a equidade de
oportunidade educacional, socializar conteúdos e procedimentos de
ensino de uma sociedade multicultural.

Nos estudos de Meneses (2007), o debate pós-colonial leva a um


processo de desconstrução da visão hegemônica imposta por séculos
a educação brasileira para um processo de educação étnico-racial,
que possibilita perceber as multiculturas presentes no Brasil.

A educação étnico-racial é um campo vasto de investigação, com


suas políticas de afirmação e implantação na Rede Municipal de
Ensino de São Luís. Para que se concretize, o que temos de amparo
legal, para uma realidade vivenciada de maneira especial e particular,
no campo de escola, na saciedade ludovicense.

Silva e Silva, em ‗Identidade Quilombola: Olhares sobre as práticas


na comunidade quilombola bom sucesso‘ (2016, p.42-45 in BUENO et
al), uma reflexão acerca do currículo e de suas práticas no cotidiano
escolar é feita como um:

121
―[...] importante instrumento de controle social, que envolve disputas
ideológicas e estratégias de manutenção ou silenciamento do discurso
de elites simbólicas, responsáveis diretas pela forma como esta visão,
lateral ao discurso, a identidade, será construída, articulando
memória e história‖.

É relevante, finalmente, ressaltar a observância do currículo como um


importante constituinte da identidade do sujeito, mediante às práticas
educacionais no contexto escolar, a fim de assegurar a igualdade de
oportunidade em todos os setores sociais e culturais. (VIANA, 2015)
Somente com a mudança de postura ideológica da realidade
brasileira, a valorização de aspectos culturais e mitológicos, de
herança africana irá ser valorizada na realidade.

O reconhecimento dos povos quilombolas e sua importância como


portadores e guardião de uma herança singular, os lugares de
representação e manifestação dos costumes afro-brasileiros,
presentes tanto na zona urbana de São Luís, como na zona rural e no
interior do Estado do Maranhão.

Tudo para que o professor possa primeiramente construir sua


consciência de cidadão de um pais misturado de cores e costumes e
aplicar isso na conscientização das crianças e jovens durante o
processo de educação escolar.

Investigação e análise de dados na secretaria municipal de


educação
Para construir as investigações e as análises em torno dos diversos
posicionamentos já apresentados cientificamente sobre o problema,
por meio de um questionário realizou-se o contato com Coordenadora
da Formação em Educação para as Relações Étnico-Raciais.

As ações desenvolvidas por esta coordenação fazem relato desde o


ano de 2004 até o ano de 2017, com inúmeras práticas, com a
finalidade de adequar o que determina a lei supracitada. A exposição
dessas ações projetaremos dentro do objeto de pesquisa inicial que
se deu para a construção das investigações e análises das práticas
mencionadas neste relatório, levando em consideração o questionário
aplicado.

A partir destas observações, contatamos que:

Fica bem claro no relatório das ações apresentadas que o objetivo


principal era atender as determinações legais da Lei 10.639/2003,
que alterou a Lei 9394/1996, ―para incluir no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-

122
brasileira‖, (SÃO LUÍS 2017, p.1) e: para incluir no currículo oficial da
rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-
brasileira", em atendimento ao disposto na obrigatoriedade da
legislação em vigor.

A realização de ―seminários sobre a temática aos professores da Rede


de Ensino, objetivando: propiciar uma reflexão teórico-metodológica
sobre as relações étnico-raciais na educação e especificamente
refletir sobre o papel das instituições escolares na formação de uma
consciência étnico-racial; discutir a importância da mediação
pedagógica frente às relações étnico-raciais no contexto escolar,
contribuindo para a reflexão sobre a necessidade de inserção da
história e cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar a
partir da Lei 10.639/2003‖. (SÃO LUÍS 2017, ps.1,2)

Além de estar envolvidos com a formação dos profissionais que


atuarão diretamente no contexto das relações étnico-raciais, também
publicar material didático-pedagógico relativo à temática para
subsidiar as ações pedagógicas, realizando oficinas, como a ―
Inserção da Literatura afrobrasileira e africana na Proposta Curricular
de Língua Portuguesa; - Inserção da Arte afro-brasileira e africana na
Proposta Curricular de Arte‖ (p. 3).

Sobre o currículo, um instrumento importante na construção do ser


social e da sociedade como um todo, todas as ações relatadas no
relatório desde 2004 a 2017 e percebeu-se a implementação na
composição da formação curricular as ações/práticas de formação de
profissionais voltados ao direcionamento da aplicabilidade da
legislação em vigor. Entende-se que as implementações realizadas
nos componentes curricular foram ampliadas quando não somente foi
contemplado o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana,
mas também o Ensino da Língua Portuguesa, o Ensino de Artes, do
qual surge outros projetos que nortearão o desenvolvimento cultural
do aluno, quando traz à tona a cultura afro-brasileira em diversos
programas com vistas em uma abordagem interdisciplinar no ensino
de Língua Portuguesa e História na perspectiva de implementação da
Lei nº 10.639. Estes e outros projetos implementados no decorrer
dos anos seguintes a 2006, proporcionaram uma mudança
significativa na composição curricular.

Os componentes curriculares passaram a ter uma conotação voltada


para as questões étnico-raciais, e as Diretrizes Curriculares de São
Luís.Nesse contexto, voltaram-se para construção de uma nova
experiência vivenciada pelos profissionais de educação da Rede
Municipal de Ensino.

123
Quantos as experiências da SEMED diante das políticas afirmativas
que vem desenvolvendo no contexto escolar, entende-se que cada
relato destas ações aqui mencionadas e outras práticas descritas no
relatório, permitem ter uma visão da realidade da implementação da
Lei 10639/2003 em sua amplitude.

As ações materializadas oficialmente por meio desse relatório de


ações desenvolvida neste setor de currículo, nos dá um norte sobre
as experiências que destacamos e que podem narrar as experiências
sobre educação étnico-racial positivas que são da realidade prática na
rede municipal de São Luís, a saber:

Escolas do ensino fundamental, equipadas com os kits do Projeto ―A


cor da cultura‖, do Canal Futura, desde o ano de 2006 e distribuição
ampliada no ano de 2007 para parte das escolas de educação infantil,
após a assinatura do Termo de Cooperação Técnica firmado com o
Canal Futura, no ano de 2006;

Organização de processos de formação continuada para profissionais


da educação: (gestores/as escolares, coordenadoras/es
pedagógicas/os e professoras/es), acompanhando a reformulação do
currículo para que se rompa com um modelo pedagógico que
invisibiliza a contribuição do negro na construção da identidade
brasileira, propiciando a todos a apropriação de saberes sobre a
história e a cultura afro-brasileira Formação Continuada de
professores/as para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira,
objetivando: promover a realização de processo formativo com
seminários e oficinas nas áreas específicas para formação de
professores/as para implementação da Lei nº 10.639/03

88 escolas do ensino fundamental e 10 escolas de educação infantil


contempladas com material didático-pedagógico do Projeto "A cor da
Cultura" e 200 profissionais da educação capacitados.

Considerações finais
Com os estudos e acompanhamento das ações da Secretária
Municipal de Educação de São Luís é real a preocupação da SEMED
com a educação étnico-racial, pois em um estado com a segunda
maior população de origem afro-brasileira e São Luís sendo uma
cidade que historicamente se construiu na base do trabalho
escravagista a herança que podemos perceber não seria de outra
origem que não a africana.

Sendo assim, a realidade é mostrada viva, presente na vida da cidade


e nas escolas de São Luís. As políticas Étnico-raciais devem ser

124
abordadas nas escolas da educação básica independente do motivo e
da presença de pessoas de raiz afro-brasileira na comunidade
escolar. Como na cidade de São Luís a população é de maioria
afrodescendente, é importante que as escolas trabalhem com a
temática pois não é uma realidade distante e sim algo do cotidiano
escolar, as crianças e funcionários vivem a realidade da negação da
presença da herança africana na sociedade brasileira, maranhense e
ludovicense.

Cabe aos profissionais da educação trabalhar para que diminua a


distância entre a criança e o reconhecimento da identidade afro-
brasileira, que a antiga visão hegemônica de lugar para uma
sociedade diversificada, tendo respeito e admiração a todas as forma
de presença dos costumes antepassados, sendo não somente os
costumes africanos, como daqueles grupos minoritários da nossa
sociedade brasileiras, como os indígenas, mulçumanos, asiáticos
entre outros povos de expressão culturas diferente da maioria.

Referências
Josué Viana da Silva. Acadêmico o Curso e Licenciatura em
Pedagogia/UFMA, e-mail: profjosueviana@hotmail.com

Douglas Azevedo. Acadêmico o Curso e Licenciatura em


Pedagogia/UFMA, e-mail: douglasvedo@hotmail

Sirlene Mota Pinheiro da Silva. Professora da disciplina e Orientadora


do artigo. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo -
USP, Professora adjunta do Departamento de Educação I – DE-I/
UFMA. E-mail: sirlenemp@gmail.com

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africanidades elevar a auto-estima de crianças e melhorar o
relacionamento entre crianças negras e brancas? São Carlos, 2004,
Dissertação (Mestrado) – Departamento de Metodologia de Ensino,
Universidade Federal de São Carlos, 2004.

ANDRADE, P. S. Pertencimento étnico-racial e ensino de História. São


Carlos, 2006, Dissertação (Mestrado) – Departamento de Metodologia
de Ensino, Universidade Federal de São Carlos, 2004.

ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. Petrópolis, RJ:


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diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-
raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.
Resolução Nº 1 de 17 de junho de 2004. Brasília – DF, 2004

125
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Lei nº 9394/96. Presidência da República
Brasília – DF, 1996

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Olympio, 1987.

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Multiculturalismo e seus contextos. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
LE GOFF, J. História e memória. Tradução de B. Leitão et al.
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Racismos, etnicidades e o encontro colonial. In: GOMES, Nilma Lino
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SILVA, Ana L.Q. da; SILVA, Josué Viana da. Identidade Quilombola:
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IN: BUENO, André et al. Por um outro amanhã. 2º Simpósio
Eletrônico Internacional de ensino de história. União da Vitoria/Rio de
Janeiro 2016, UNESPAR 2016. p. 42-45 disponível em
<www.academia.edu/.../Por_um_outro_amanhã_apontamentos_sobr
e_aprendizagem_hist...>

126
É DE PEQUENINO QUE SE APRENDE! OLHARES SOBRE O
ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E AFRO-BRASILEIRA NO
FUNDAMENTAL I DA CIDADE DE PONTA GROSSA-PR
Julia M. Kalva
Simone Aparecida Dupla

A cidade de Ponta Grossa, no Paraná, recebeu durante seu


desenvolvimento diversas culturas, nela vive uma diversidade étnica
proveniente de vários lugares do globo, mas nenhuma cultura tem
sido tão relegada ao esquecimento quanto aquelas vindas do
continente africano. E essa constatação vale também para todas as
modalidades de ensino, visto que os trabalhos que se referem à
temática da história e cultura afro-brasileira, apesar de ser parte
obrigatória no currículo escolar, ainda são terreno de poucos
profissionais, que engajados realizam projetos e promovem o
conhecimento acerca dessas culturas.

Na cidade em questão, o fundamental I é subdividido em 1º ciclo (1º,


2º e 3º anos) e 2º ciclo (4º e 5º anos), sendo que para o primeiro
ciclo as diretrizes municipais prevêem a abordagem de história do
município e dos aspectos culturais que norteiam a sociedade, sendo
esse contexto propício para a realização do trabalho com a cultura
afro-brasileira. Desta forma, o presente texto tem por objetivo
apresentar alguns olhares acerca da temática da cultura afro-
brasileira no primeiro ciclo. Visões essas que perpassam tanto o
ambiente acadêmico e da profissional de História, quanto aquele da
Literatura, quanto aquelas que se encontram do outro lado da ponte
e que buscamos construir, ou seja, os alunos e suas famílias.

Entendemos como Sandra Pesavento, que há uma relação entre


história e literatura, ambas são narrativas ―que tem o real como
referente para confirmá-lo ou negá-lo, construindo sobre ele toda
uma outra versão ou ainda para ultrapassá-lo. Como narrativas, são
representações que se referem a vida e que a explicam‖
(PESAVENTO, 2006, p.14), portanto essas narrativas vinculam-se ao
imaginário e seu sistema de representações coletivas e individuais. A
literatura pode ser fonte para história, mas também pode ser
instrumento para construir outras narrativas, menos globalizantes,
mais plurais.

Os relatos tem uma recepção por parte do público, que de forma


alguma é hegemônica. Como destacou Michel de Certeau (2009) o
que o produtor fabrica é diferente do que o consumidor recebe, há
uma tradução por parte do consumidor. Desta forma, este texto não
trará apenas de uma descrição acerca do que foi executado, mas

127
também constitui-se como uma forma de medir, ainda que de forma
inicial, o alcance de nossas práticas dentro do ensino de história, bem
como entender a visão do Outro a respeito do que lhes foi
apresentado.

Não se trata apenas de salientar a importância dos trabalhos nessa


temática, mas de perceber se algum avanço significativo está sendo
alcançado quando estes são realizados. Tornando-se, assim, válido
também trazer a voz do ―consumidor‖, pois é ele quem melhor pode
apontar o quão importante o trabalho com a pluralidade cultural,
principalmente com a cultura afro-brasileira, tem sido para o
desenvolvimento dos alunos envolvidos no projeto.

Além disso, é importante ressaltar que a lei 11.645/08, que altera a


lei 10.639/03 inclui no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática da Cultura Afro-Brasileira e Indígena,
tanto para o ensino público quanto para o privado. Sendo que o
conteúdo programático de que se refere o artigo 26 § 1º diz que
este:

―[...] incluirá diversos aspectos da história e da cultura que


caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois
grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos
africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura
negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas
social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil‖ (BRASIL,
2008).

Portanto, tais conteúdos deverão ser ministrados ―no âmbito de todo


o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de
literatura e história brasileira‖ (BRASIL, 2008). Posto isso, vê-se a
necessidade da busca por estratégias de ensino dessa temática para
a faixa etária dos educandos, uma vez que os trabalhos com a
literatura e arte se apresentam como caminhos viáveis para tal
objetivo, além, é claro, de promover a interdisciplinaridade.

Partindo, então, da possibilidade de se utilizar diversas disciplinas


para abordar o tema, e de que o ensino fundamental I possui uma
vertente voltada à história da cidade e que essa história também é
permeada pela cultura afro-brasileira, fez-se um trabalho voltado a
esse tema com as crianças do fundamental I, do primeiro ciclo.

A preocupação em relação à temática da cultura afro-brasileira parte


do cotidiano de sala de aula, das visões arraigadas de alunos e
professores, as quais mostram seus pensamentos a cerca do ―ser‖

128
afro ou não. Este fato pode ser notado em atitudes de sala de aula,
como, por exemplo, quando faço produção imagética com os alunos.
Durante suas produções é frequente ouvir a frase: ―Professora, me
empresta o lápis cor de pele?‖e quando respondo ― Qual cor de pele?
Marrom, negra, amarela? E que tom? Claro, escuro, médio?‖, noto
certo estranhamento por parte de alguns alunos, pois para eles há
apenas um lápis cor de pele: o salmão. Isso implica em um
pensamento construído que os leva a negar a existência da
diversidade de tons de pele, e mesmo em uma homogeneização
errônea da humanidade.

Como dito anteriormente, a construção do paradigma do lápis de cor


―corde pele‖ vem de muito tempo e acaba sendo trazido, muitas
vezes, pelos próprios professores e pais quando da entrada dos
alunos na escola, fazendo assim, com que esse pensamento seja
perpetuado e tratado como algo ―normal‖ ou padrão. Isso, mesmo
que inconscientemente, faz com que se pense em apenas uma
tonalidade de pele aceitável, no caso o salmão, que representa o
―branco‖. Dessa forma, o padrão caucasiano acaba por ser definido
como o mais bonito, ou mesmo como o único possível dentre tantos
os tons presentes na ―caixinha‖ de lápis de cor dos educandos.

Pode-se pensar nisso como algo irrelevante, ou apenas como uma


forma de facilitar a vida dos alunos, pois esses não precisam pensar
em que cor usar para representar seus bonecos ou desenhos, haja
vista que já possuem um modelo pronto. Porém, cabe ressaltar que
a representação é uma das formas das identidades se construírem e
se mostrarem para o outro; sendo assim, deixar de representar a
pluralidade de tons de pele faz com que os alunos também deixem de
se representar, deixando, assim, suas identidades de lado, buscando
encaixarem-se no padrão pré definido pelo paradigma da cor salmão.

A identidade pode ser definida em relação ao que um grupo ou


indivíduo é e pela sua diferença em relação ao outro. Conflitos,
negações e escolhas permeiam a construção das identidades tanto
individuais quanto coletivas que se encontram embasadas na
alteridade e na afirmação. Porém, é importante salientar que essas
identidades são fortemente generalizantes, não levando em
consideração diferenças de gênero, classe social ou etnias (DUPLA,
2014, p.52), assim, ao padronizar seres humanos com a cor branca,
legitima-se esta como única aceitável em relação às outras. Essa
situação em sala de aula contribui para o apagamento daqueles que
não se enquadram no estereótipo do branqueamento, fazendo com
que muitos neguem a própria cor quando se representam por uma
cor que não a sua.

129
Como lembra Nilma Lino Gomes, a escola é um dos espaços ―que
interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre
o negro e sua cultura, na escola, tanto pode valorizar identidades e
diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e
até mesmo negá-las‖ (GOMES, 2003, p. 171-2). Para desconstruir tal
paradigma da cor de pele buscou-se estratégias para se abordar a
cultura africana e afro-brasileira, assim, optou-se por contos que
poderiam ser abordados de forma lúdica e educativa para trazer a
diversidade e a pluralidade cultural para o âmbito escolar.

A importância de se trabalhar estereótipos raciais em sala de aula


oportuniza a desmistificação de traços culturais dicotômicos que
enquanto categorias discursivas identitárias alimentam embates
como: bom X mal, belo X feio, certo X errado, negro X branco, e
propagam assim uma ideia de identidade baseada na negação do
outro e/ou na sua depreciação (DUPLA, 2014, p. 53).

Entre os contos trabalhados na disciplina de Ciências Sociais, nome


que engloba história e geografia, encontra-se ―Os filhos do fogo‖, de
Ingrid Biesemeyer Bellinghausen, com ele apresento alguns aspectos
do continente africano para os alunos, lembro que Nyame, a
divindade que cria a terra é africano, logo negro. O projeto incluiu a
produção de livros pelas crianças, além de outras produções que
sempre estão relacionadas a um conhecimento. Além desse conto, as
tranças de Bitou, Anansi e o baú de histórias, entre outros, ajudam a
construir outro olhar sobre a cultura afro-brasileira, visto que esta é
herança da cultura africana em suas diversas matizes, logo
elementos contribuintes na formação identitária.

Do outro lado da ponte: a voz do outro ou o que se aprendeu


A partir do trabalho realizado com os alunos ensino fundamental I do
primeiro ciclo, recebemos alguns feedbacks por parte dos pais e
alunos que parecem bastantes interessantes. O primeiro quesito se
dá quanto à formação de alunos críticos, já que no momento que se
apresenta uma história fora do padrão ―conto de fadas‖ os alunos se
põem a questionar e (re)avaliar essa outra forma de ver o mundo
fantástico, mundo esse permeado por figuras que não são frequentes
no cotidiano, tanto escolar quanto de mundo de muitos.

Não obstante, essas novas histórias fazem também com que se


repense no conceito do que é ser bom, belo, negro, branco, errado,
certo, pois uma visão não muito abordada é trazida à baila e faz com
que o padrão seja questionado, dando vasão para que as mais
diversas pluralidades possam aparecer e dar opção de escolha para
alunos também plurais e que muitas vezes não se reconheciam nas
histórias contadas.

130
Vale lembrar que trabalhar com a literatura é trabalhar com o
imaginário, com a capacidade de criar imagens e sentidos a partir do
ouvido e do lido. Sandra Pesavento destacou a importância do
imaginário, para a historiadora, ele era o elemento organizador do
mundo, que lhe dava coerência, legitimidade e identidade. Um
―sistema de identificação, classificação e valorização do real pautando
condutas e inspirando ações‖ (PESAVENTO, 2006, p.12), mais que
isso, o imaginário é o ―sistema produtor de ideias e imagens, que
suporta, na sua feitura, as duas formas de apreensão do mundo: a
racional e a conceitual que formam o conhecimento científico, e a das
sensibilidades e emoções, que correspondem ao conhecimento
sensível‖ (PESAVENTO, 2006, p.12). Daí também sua relação com o
conceito de representação, visto que imaginário se constitui como um
sistema de representações sobre o mundo que tem o real como
referente (PESAVENTO, 2006, p.12).

Outro aspecto muito relevante que aparece dentro dos contos e a


questão da cor.Textos outros nos quais apenas víamos personagens
brancos sempre como protagonistas, agora são deixados de lado e o
afrodescendente passa a ser o personagem principal. Como já
comentado anteriormente, a representação é de extrema importância
para a construção identitária, e quando o personagem negro aparece
como principal, consequentemente o aluno irá se identificar e
principalmente querer se identificar com o negro e assim com toda a
cultura que o envolve.

Além disso, o tão comentado lápis de cor ―cor de pele‖ também passa
a ser questionado, posto que agora os personagens não se
enquadram no ―salmão‖ e os alunos quando na construção de seus
livros e pinturas já não podem mais recorrer a ele, e precisam
analisar a cor ideal a se usar, e descobrem no meio de seu trabalho
que não há cor ideal, mas sim um leque de cores que podem
representar o ser humano. Nesse momento, acredito que a
desconstrução e (re)construção de paradigmas e padrões são mais
notáveis, uma vez que os alunos sentem o abstrato vir ao concreto
quando da construção de seus próprios trabalhos.

Outro ponto a ser ressaltado é a valorização da cultura africana. Os


alunos, mesmo aqueles não ―negros‖ ou que não se consideram
negros passam a admiram a cultura afrodescendente, sentindo a
vontade de também pertencer aquele mundo; entendendo, mesmo
que inconscientemente, que o lugar ao qual pertence é formado pela
diversidade e que a pluralidade é rica. Nesse momento a
homogeneidade branca passa a ser questionada e a valorização do
negro e da pluralidade ganha força; essa tomada de consciência nos

131
primeiros anos colabora para uma formação mais justa e igualitária,
formando cidadãos mais críticos no futuro. E como lembra Almeida &
Dupla ―saber como lidar com essa pluralidade é papel do professor,
que assume a função de mediador de conflitos, daquele que traz
questões a serem pensadas, de desmistificador de pré-conceitos
herdados de nossa cultura colonialista‖ (ALMEIDA; DUPLA, 2017,
p.124).

Ao relacionar história e literatura, elas passam a colaborar na


formação de cidadãos mais críticos, menos propensos a intolerância
com aquilo que foge aos padrões pré-estabelecidos. De Abayomis a
guerreiros zulus, os olhares dos alunos sobre a temática vão
mudando ao longo do ano. Das tranças de Bintou aos turbantes e
colares, da lenda do Baobá a Anansi e o baú de histórias, os
educandos vão adentrando a um universo de cores, tradições e
memórias que já não são mais a imagem da escravidão criada pela
narrativa dominante.

Considerações finais
O trabalho que se apresenta ao professor do fundamental I, nem de
longe pode ser qualificado como fácil, sua função polivalente exige
constante formação para as áreas da qual não são especialistas,
entre elas: História, Geografia, Arte, Ciências e a mais nova área a
ser agregado no próximo ano, o Ensino Religioso, sobre o qual os
auspícios não são favoráveis, mas cujas criticas não cabem nesse
texto.

Sobre o trabalho realizado, percebe-se que ele deve ser continuo,


critico e sempre pronto a mudanças e novas estratégias. Pensar o
outro exige sair de si, e isso é um exercício cotidiano, onde leituras,
planejamento e saber ouvir as vozes do outro lado da ponte são
necessários e urgentes. Contudo, acredito que o trabalho surte efeito
e é de extrema necessidade que se de não apenas continuidade, mas
que também possa ecoar em mais cotidianos escolares, reverberando
a grandeza da pluralidade e diversidade do povo brasileiro.

Referências
Julia Kalva é mestre em Linguagem, identidade e subjetividade, pela
UEPG. Professora convidada do curso de Letras a distância da mesma
instituição e produtora e corretora de materiais didáticos da editora
SAE.

Simone Aparecida Dupla é doutoranda em História, pela UEM,


professora do Fundamental I e Ensino Médio.

132
BELLINGHAUSEN, INGRID B. Histórias encantadas africanas. Belo
Horizonte: RHJ editora, 2011.

BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da


União, Poder Executivo, Brasília.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. as artes de fazer;


16ª Ed. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. – Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.

DIOUF, S.A. As tranças de Bintou. Tradução Charles Cosac. Ilustração


Shane W. Evans. São Paulo: Cosac Naif, 2016.

DUPLA, S. A. Lei 10.639/03, a representação do negro e o contexto


escolar. Revista Tempo, Espaço, Linguagem. V. 5, n. 2, Mai. - Ago,
2014. pp. 50-58.

DUPLA, S.A. Literatura infantil em cena: perspectivas para a


formação do cidadão nos livros de Pedro Bandeira. Revista Espaço
Acadêmico: n.190, março, 2017.

GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de


professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 167-182, jan./jun.
2003.

PESAVENTO, S.J. História & Literatura: uma velha-nova história. In:


COSTA, C.B; MACHADO, M.C.T.(org). História e Literatura:
identidades e fronteiras. Uberlândia:EDUFU, 2006.

133
MANIFESTAÇÕES DE PRÁTICAS RACISTAS: O QUE MUDOU NO
LIVRO DIDÁTICO?
Ledyane Lopes Barbosa
Vanessa Marcela Rodrigues

Introdução
Neste trabalho nos propomos a discutir aspectos conceituais acerca
do racismo ainda presente nos livros didáticos partindo das assertivas
de alguns teóricos da área, e dos dispositivos legais que respaldam o
estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena. A ênfase a
esses povos dá-se em razão das recentes conquistas legais em
decorrência de anos de lutas e esquecimento desses povos.

Por fim, apontamos alguns caminhos para o professor no que diz


respeito a sua prática docente, visando contribuir desta forma para
que os conteúdos estereotipados ainda existentes nos livros didáticos,
sejam desconstruídos e trabalhados em sala de aula, na esperança de
que os mesmos não afetem mais negativamente a história desses
povos.

Dito isto, importa ressaltar que ao longo deste trabalho, será


explicitado o ponto de vista de alguns autores acerca da temática da
discriminação racial nos materiais didáticos existentes, objetivando
contribuir para uma melhor reflexão do assunto.

O racismo no livro didático: como a cultura afro-brasileira e


indígena tem sido retratada
A problemática do racismo existente nos livros didáticos não é nova,
tendo em vista que diversos autores já se lançaram a contribuir com
esta temática por intermédio de seus trabalhos publicados nesta
área.

De acordo com Wedderburn (2005, pg. 134) há que se pensar em


muitos aspectos relevantes e muitas vezes até menos evidentes no
que se refere à ―problemática epistemológica, metodológica e didática
em relação à África‖.

No que diz respeito à problemática epistemológica há de se levar em


consideração o fato de que a África comporta em seu seio inúmeras
singularidades africanas, dentre as quais podemos destacar as
seguintes: o fato de ela ser o berço da humanidade, onde seus povos
autóctones teriam sido os progenitores de todas as populações
humanas do planeta; outra singularidade da África diz respeito ao
continente africano ser o berço das primeiras civilizações mundiais,
porém a singularidade que mais pesou negativamente sobre o

134
continente africano, sem sombra de dúvida, foi o fato de a África ter
sido alvo da escravidão racial e dos tráficos negreiros transoceânicos.

Quanto a cultura indígena, é importante destacar que a negação


desse povo deu-se início com a chegada dos europeus a América e,
posteriormente com as missões e aldeamentos implantados por
ordens religiosas, que resolveram ―salvar os selvagens‖ dos seus
modos de vida primitivos. Assim, o ideal de ―índio‖ presente nos
livros didáticos, conforme Freitas (2010) é que:

―[...] tratava-se de ―índios‖ ou simplesmente ―índio‖. Eles viviam da


caça, pesca e coleta, moravam em ocas (que juntas formavam a
taba), ―adoravam‖ Jaci, Guaraci e Tupã, orientados pelo pajé
(praticante de feitiçarias) e por valente cacique. Empunhando arco,
flecha, tacape e zarabatana, o cacique (ou morubixaba) poderia
matar e até ―cear‖ o seu pior inimigo. ―Índios‖ eram, no entanto,
brincalhões, ―indolentes‖ e frágeis de saúde, diante do trabalho
imposto pelos portugueses. Deixavam-se ―iludir‖ até mesmo por
pequenas bugigangas como facas e espelhinhos oferecidos pelos
europeus! Isso era o que afirmavam os livros didáticos‖. (Freitas,
2010, pg. 166)

Freitas (2010) aponta que esta visão estereotipada refere-se ao


período anterior a década de 1970. Contudo, vejamos quão recente
figura o fragmento acima destacado no imaginário de muitas pessoas
na atualidade.

É necessário romper com falas tendenciosas do tipo: ―indígenas não


trabalham (são indolentes e ociosos)‖; ―indígenas não evoluíram (são
primitivos)‖; ―indígenas não estudam (são ignorantes)‖ dentre outras
conforme Freitas (2010, pg. 182) destaca em seu artigo A
experiência indígena no ensino de história.

Visão dos autores sobre o racismo nas literaturas didáticas


Como já foi mencionado anteriormente à problemática não é recente,
tendo em vista que já no ano de 1950, Dante Moreira Leite escreveu
Preconceito Racial e Patriotismo em Seis Livros Didáticos Brasileiros.
Onde a partir desta e de outras obras constatou-se que muitos livros
didáticos apresentavam estereótipos que acabavam inferiorizando o
negro, o que acabava prejudicando a construção da identidade dos
alunos, em especial dos alunos negros.

No que diz respeito aos estereótipos:

―A presença dos estereótipos nos materiais pedagógicos e


especificamente nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a

135
cristalização do outro em funções e papéis estigmatizados pela
sociedade, a auto rejeição e a baixa autoestima, que dificultam a
organização política do grupo estigmatizado‖. (SILVA, 2005, pg. 24).

Desse modo pode-se perceber que as manifestações de racismo


encontradas nos materiais didáticos se apresentam de formas
distintas, algumas vezes por intermédio de ilustrações onde o negro
figura como inferior, incapaz, preguiçoso, violento, dentre outros
atributos pejorativos. Enquanto o homem branco figura como
superior, o mais bonito, o mais inteligente. Isso sem mencionar o
fato, de que a África é alvo dos mitos raciológicos que foi construída
pelos seus sucessivos conquistadores, procedendo deles a visão
eurocêntrica comprovadamente racista encontrada nos livros
didáticos.

O mito da democracia racial que teve Gilberto Freyre como seu


principal defensor e difusor por meio da sua obra ―Casa Grande e
Senzala” contribui e muito para a difusão do racismo velado, onde o
racismo é mascarado e se prega uma harmonia no tocante as
relações raciais. Embora o mito da democracia racial tenha sido
refutado nos anos 60, ainda hoje é possível perceber pessoas
negando a existência do racismo.

No entanto, essa realidade começou a mudar com o surgimento do


Movimento Negro na década de 1980, que assume o papel de
denunciar essa prática racista, bem como de garantir o acesso aos
direitos dessa parcela da população que foi tão marginalizada ao
longo do tempo.

Relacionando essa luta histórica do movimento negro, é que


Cavalheiro (2005), por meio de uma pesquisa desenvolvida em
escolas públicas da cidade de São Paulo, aponta os seguintes
resultados no que diz respeito ao material didático:

―No que tange ao material didático, constata-se que, apesar do curto


tempo para a observação dessas variáveis, esse não constitui um
elemento que contemple a diversidade racial presente na escola. As
ilustrações presentes nesses recursos pedagógicos, embora seja
possível reconhecer personagens negros, são, em sua maioria,
representações de personagens brancas. Decorrente desse quadro
surge outro fator, o qual se depreende do processo de entrevistas: os
profissionais não percebem que a disparidade nas representações de
personagens negras e brancas pode ser fonte de rebaixamento de
autoestima e um facilitador para a construção de autoconceito
negativo por parte das crianças negras. E, diametralmente, que pode
ser fonte de construção de um sentimento de superioridade por parte

136
das crianças brancas, pelo simples fato de terem a pele branca e
fazerem parte, portanto, do grupo que constitui a maioria em
ilustrações e referências culturais e históricas nesse tipo de material –
o que sinaliza a referência de poder, beleza e inteligência. Por outro
lado, as referências atualizadas e mais positivas para as crianças
negras, encontradas em filmes, músicas, revistas, jornais e
documentários, e que deveriam ser usadas nas aulas para
suplementar o conteúdo dos livros didáticos e paradidáticos não
foram vistas em uso durante o processo de observação, tampouco os
(as) entrevistados(as) sinalizaram sua utilização. Por meio do
material oferecido aos alunos, ao longo das aulas, notamos que o
trabalho desenvolvido ainda está alicerçado em explicações
construídas por teóricos/pesquisadores do final do século XIX e início
do XX, portanto, fortemente influenciados por ideologias
evolucionistas, racistas e liberal-escravistas‖. (CAVALHEIRO, 2005,
pg. 83).

Bittencourt (2015) aponta que o livro didático, é antes de tudo, uma


mercadoria, um produto do mundo da edição que obedece à evolução
das técnicas de fabricação e comercialização pertencentes à lógica do
mercado.

Dito de outro modo, é correto afirmar que o livro é resultado da


sociedade atual, dos valores impregnados pela visão elitista
dominante. Quer dizer, todo ato é intencional, em especial o livro
didático tido como instrumento pedagógico.

Marcos legais na legislação brasileira


O artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
9.394/1996) expressa que os currículos da educação infantil, do
ensino fundamental e do ensino médio devem ter uma base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de
2013)

Faz-se necessário mencionar aqui a Lei nº 10.639/2003, de 9 de


janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabelecendo a
obrigatoriedade do ensino de História e cultura Afro – Brasileira e
Africana. O que de certa forma contribui para a valorização da
história do continente africano.

137
Por outro lado, a Lei nº 11.645 de fevereiro de 2008, torna
obrigatório em todo o currículo escolar do ensino fundamental e
médio, público e privado, o estudo da história e da cultura indígena.

Em complementação a Lei nº 10.639/2003, foram aprovados outros


dispositivos legais, tais como:

-Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012 CNE/CEB, que define as


Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
na Educação Básica.

-Resolução CNE/CP nº 1/2004, que define Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, fundamentada
no Parecer CNE/CP nº 3/2004;

-Plano Nacional de Educação - PNE (Lei nº 13.005 de 25 de junho de


2014). O artigo 39 do PNE aponta que a educação escolar indígena e
a educação escolar quilombola são respectivamente, oferecidas em
unidades educacionais inscritas em suas terras e culturas e, para
essas populações, estão assegurados direitos específicos na
Constituição Federal que lhes permitem valorizar e preservar as suas
culturas e reafirmar o seu pertencimento étnico. O artigo 40 explicita
que o atendimento escolar às populações do campo, povos indígenas
e quilombolas requer respeito às suas peculiares condições de vida e
a utilização de pedagogias condizentes com as suas formas próprias
de produzir conhecimentos, observadas as Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a educação básica (Parecer CNE/CEB nº7/2010
e Resolução CNE/CEB nº 4/2010).

Na questão indígena destacamos as seguintes legislações:

-Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena de


1993 Portaria Interministerial (MJ e MEC) nº 559 de 1991 A Portaria
nº 559/91 estabelece a criação dos Núcleos de Educação Escolar
Indígena (Neis) nas Secretarias Estaduais de Educação, de caráter
interinstitucional com representações de entidades indígenas e com
atuação na Educação Escolar Indígena.

-Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação, de 14 de


setembro de 1999. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Escolar Indígena, expressando essa especificidade, a partir
da designação Categoria Escola Indígena.

-O Art. 1º da Resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação, de


10 de novembro de 1999. Estabelece ―no âmbito da Educação Básica,

138
a estrutura e o funcionamento das escolas indígenas, reconhecendo-
lhes a condição de escolas com normas e ordenamento jurídico
próprios e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e
bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos
indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica‖.

-Resolução nº 5, de 22 de junho de 2012. Fixa as Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação
Básica.

É válido apontar que todas as conquistas legais ocorreram após a


promulgação da Constituição Federal de 1988. Historicamente o
período pós-militar pode ser considerado como um processo de
retomada da democracia e de avanços para o cidadão brasileiro.

No entanto, para que as leias sejam implementadas e o racismo


desapareça dos livros didáticos, é necessário que a imagem veiculada
nos materiais didáticos que na sua maioria tem um tom pejorativo,
deixe de fazer apologia ao racismo e contribua para de fato mostrar a
história do povo africano e indígena em muitos aspectos
negligenciados ora pela mídia, ora pela sociedade que insiste em
defender uma visão eurocêntrica de cunho racista.

O docente em questão: algumas proposições


Ana Célia da Silva (2005) em seu artigo A desconstrução da
discriminação no livro didático, que está contido na obra Superando o
Racismo na Escola(MUNANGA, 2005) afirma que:

―a invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um


povo, bem como a inferiorização dos seus atributos descritivos,
através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a
desenvolver comportamentos de auto rejeição, resultando em
rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela
estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas
representações‖. (SILVA, 2005, pg. 22)

Contudo, Silva (2005, pg. 26) também aponta algumas medidas, que
podem ser adotadas pelos docentes quando estiverem em sala de
aula fazendo uso dos livros didáticos que apresentarem algum cunho
racista em seus conteúdos. Como a problematização desses
conteúdos com os próprios alunos. Outra sugestão é mostrar e
solicitar que indiquem obras de artistas, escritores, poetas, jogadores
e pessoas da comunidade negros e negras, como meio de visibilizar o
positivo, contrapondo-se ao estereótipo.

139
A autora menciona a importância de capacitar os docentes
objetivando melhor prepará-los para trabalhar com essa questão
dentro do ambiente escolar, desconstruindo os estereótipos criados e
mantidos ao longo do tempo.Assim:

―Cabe ao professor, munido dessas e outras informações, demonstrar


aos seus alunos que não existe correlação entre capacidade
intelectual e cor da pele. E formar neles atitudes favoráveis às
diferenças étnicas e raciais das pessoas com as quais convivem na
sociedade‖. (SILVA, 2005, pg. 26-27)

Freitas (2009) faz algumas observações muito pertinentes no tocante


ao racismo nos livros didáticos acerca da cultura afro-brasileira:

―Vale ressaltar ainda, que não bastaria somente combater o racismo


no livro didático ou excluir os materiais que veiculam tais práticas. É
necessário, somar-se a esta medida a realização de um processo de
inclusão da história e cultura negro-africana e afro-brasileira de
forma positiva no livro didático. Afinal, alguns livros podem até não
veicular imagens estereotipadas e preconceituosas em relação ao
negro, mas simplesmente omitir todo o seu legado histórico e
cultural. Ou seja, é preciso combater a representação distorcida da
população negra no livro didático bem como a omissão deste
segmento. É necessário então observar o que o discurso do livro
didático vincula o que silencia, e por fim, quais as causas e
consequências desse silenciamento. Pois em muitos casos o silêncio
fala de forma precisa e contundente. Mais do que isso, esse silêncio
pode ecoar signos de ódio e a omissão pode representar desejo de
extermínio‖. (FREITAS, 2009, pg. 68).

Entendemos que o professor não precisa deter-se apenas nos livros


didáticos. Há uma infinidade de recursos e formas de trabalhar o
ensino de história de forma a despertar o interesse e a valorização
discente em relação aos povos aqui em destaque.

O MEC disponibiliza uma série de informações acerca da temática,


cabendo aos interessados realizar as pesquisas. Há também o sítio
que oportuniza o acesso e downloads de conteúdos audiovisuais,
literatura e sugestões de leituras, fontes e recursos para o
aprofundamento na temática.

Conceição (2010, pg. 146) sugere as seguintes fontes: iconográficas;


orais; musicais; escritas; bibliográfica; audiovisuais e cultura
imaterial. Sendo que para cada fonte, a autora apresenta sugestões
de atividades e recursos além da metodologia a ser utilizada.

140
Além destas, outra proposta metodológica que o docente pode aplicar
em sala, é a construção dos seus próprios materiais didáticos, que
podem ser uma revista, um blog, materiais pedagógicos de acordo
com cada turma e habilidades a serem desenvolvidas.

Portanto, alternativas viáveis não faltam ao professor e a escola de


modo mais amplo. É preciso sair do comodismo, e arriscar-se no
campo do diálogo.

O que mudou no livro didático?


Em outro momento afirmamos e evidenciamos que o racismo ainda
existe no livro didático. Pois bem, agora surge um questionamento, o
que mudou no livro didático? Será que o conteúdo, as imagens
passaram por uma eventual mudança de conceitos e apresentação?

De acordo com Freitas (2010) ocorreram algumas mudanças


significativas em relação a experiência indígena, pois, antes
figuravam majoritariamente de forma pejorativa. Vejamos:

―Com a lenta transposição das teses dos pesquisadores para o


ambiente escolar e o aperfeiçoamento do sistema estatal de avaliação
do livro didático, foram ampliados e enriquecidos os espaços para a
temática. Nos livros didáticos de história regional do PNLD, por
exemplo, a experiência indígena ocupa aproximadamente 15% de
todas as teses defendidas pelos autores. As genéricas palavras índio,
silvícola e nativo são substituídas por vocábulos que expressam a
diversidade e reconhecem como singulares as suas formas de
organização: são agora povos, comunidades ou sociedades
indígenas‖. (FREITAS, p.167, 2010)

Além disso, cresceu o interesse dos estudiosos e pesquisadores pela


temática, o que pode representar uma mudança de paradigmas.
Atualmente é possível participar de congressos, feiras, exposições
dentre outros eventos para socialização e discussão dos dados de
pesquisas realizadas na área.

Contudo, Freitas (2010) é categórico ao afirmar que ―conservação e


mudança é o que constatamos‖. Isso porque ―não é difícil perceber
que o status e o espaço concedidos à experiência indígena no livro
didático foram bastante ampliados em relação aos anos 1980 e 1970.
Mas algumas representações redutoras ainda povoam o imaginário de
nós professores‖.

Quer dizer, houve avanços, mas ainda temos muitos a trilhar. Faz-se
necessário uma maior circulação, propagação e posterior mediação

141
didática das pesquisas realizadas na academia. Para que o
conhecimento já produzido, pode ser socializado de forma coletiva.

Considerações finais
Analisando os pontos de vista dos autores citados, compactuamos
com a seguinte postura: que os materiais pedagógicos como livros
didáticos são muito importantes dentro do processo educacional, no
entanto outros materiais pedagógicos (como vídeos, documentários,
publicações científicas) devem ser buscados como forma de ampliar a
gama de conhecimentos a ser adquirida pelos educandos, bem como
pelo fato de estar sempre procurando atualizações no que se refere a
esses materiais.

Também é muito importante que os professores possam passar por


um processo de formação onde estereótipos que colocam o negro
e/ou o índio sendo inferiorizados em todos os sentidos, sejam
descontruídos, e assim tais profissionais da área da educação possam
estar preparados para atuar em uma educação antirracista,
contribuindo para existência da pluriculturalidade.

Visto que, inconscientemente muita das vezes os próprios professores


acabam contribuindo com ações racistas, quando dão tratamento
desigual aos seus alunos, dando melhor tratamento aos alunos não-
negros ou não-indígenas, ou mesmo quando compactuam com o
silêncio frente a um ato racista praticado por seus alunos.

Referências
Ledyane Lopes Barbosa é Graduanda do curso de pedagogia da
Universidade federal do Oeste do Pará – UFOPA. 8º semestre.
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas ―História, Sociedade e
Educação no Brasil‖ (Histedbr-Ufopa).

Vanessa Marcela Rodrigues é Graduanda do curso de pedagogia da


Universidade federal do Oeste do Pará – UFOPA. 8º semestre.

Este trabalho contou com a orientação do Professor Wilverson


Rodrigo S. de Melo Docente na UFOPA, Doutorando em História
Contemporânea pela Universidade de Évora (Portugal).

BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.
Brasília, DF, 1996.
_______, Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. Lei
nº 13.005/2014. Brasília, DF, 2014.

142
_______, Ministério da Educação. Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de
2003. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.
_______, Ministério da Educação. Resolução nº 8, de 20 de
novembro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. Disponível em:
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In:OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. História: ensino fundamental.
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143
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2005. 204p.: il.

WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas bases para o ensino da história


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Lei Federal nº 10.639/03/ Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade. – Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
2005.

144
O USO DOS “MEMES” NO ENSINO DE HISTÓRIA: A HISTÓRIA
DAS MULHERES NAS OLIMPÍADAS E AS NARRATIVAS
CONTEMPORÂNEAS
Luciana Mendes dos Santos

No ano de 2016, o Brasil sediou as Olimpíadas que contou com a


maior participação de mulheres na história dos jogos. Esse processo é
resultante de grandes conflitos históricos no mundo dos esportes,
principalmente no interior do Comitê Olímpico Internacional (COI), a
instituição responsável pelos jogos; e de uma grande mobilização de
mulheres que acreditavam que a participação nas Olimpíadas era um
fator importante para o reconhecimento do esporte feminino e da
diminuição das desigualdades nas relações de gênero dentro dos
espaços de competição. Entretanto, algumas estratégias que
envolvem o uso de novas linguagens e que possuem grande alcance
na juventude articulados em nossa contemporaneidade, como os
―memes‖, criaram narrativas sobre as Olimpíadas que
desconsideraram os processos históricos envolvidos para que a
participação de mulheres nas competições fosse possível. Neste
relato de experiência, apresento meu trabalho com a construção da
inserção das mulheres nas Olimpíadas através de processo de
rupturas em contrapartida à narrativa de um ―meme‖ elaborado com
a foto da lutadora Rafaela Silva, que retirava a potencialidade da luta
das mulheres no processo de consolidação deste espaço.

O ―meme‖ é uma imagem, informação ou ideia que podem ser


divulgados pela internet de maneira ampla e rápida, geralmente com
teor humorístico ou de sarcasmo. Eles podem ser produzidos,
recriados e divulgados por qualquer pessoa que tenha acesso a rede
e saiba utilizar as ferramentas necessárias para sua criação. O
conceito de meme foi elaborado por Richard Dawkins (2007) em seu
livro ‗O gene egoísta‘, publicado em 1976, como uma ideia ou
informação que tem o poder da replicação entre os indivíduos:

―Da mesma forma como os genes se propagam no "fundo" pulando


de corpo para corpo através dos espermatozóides ou dos óvulos, da
mesma maneira os memes propagam-se no ‗fundo‘ de memes
pulando de cérebro para cérebro por meio de um processo que pode
ser chamado, no sentido amplo, de imitação‖ (DAWKINS, 2007, p.
123).

Entretanto, as informações difundidas por um meme muitas vezes


não prezam pela veracidade, suprimindo a pluralidade dos sentidos
possíveis em uma construção social ou em uma narrativa histórica,
transmitindo e manipulando informações de acordo com o interesse

145
de determinados grupos e posicionamentos políticos. O meme em
questão foi elaborado por representantes de uma cultura política
conservadora, replicando a narrativa de que para ganhar a medalha
de ouro, a atleta Rafaela Silva não precisou do feminismo e nem de
cotas, conquistou tudo por mérito próprio.

Fig. 1
Fonte: Blog Sombras Elétricas. Disponível em:
http://sombraseletricas.blogspot.com.br/2016/08/,
acesso 10 jan. 2018.

Ao me deparar com este meme divulgado amplamente nas redes


sociais, questionei sobre sua validade como fonte histórica. Em um
presente saturado de informações, é relevante que profissionais da
educação utilizem os produtos da mídia como ferramentas de
trabalho, visando a desconstrução de narrativas históricas
homogeneizantes e produzindo experiências e narrativas que fomente
uma visão crítica das informações recebidas. Selecionei esse meme
para minhas aulas de história sobre as Olimpíadas por me
proporcionar uma gama de possibilidades em questões sobre gênero,
identidade e sobre a construção de políticas afirmativas para a
diversidade.

Rafaela Silva é uma judoca brasileira, ganhadora da medalha de ouro


na categoria até 57 quilos nas Olimpíadas Rio 2016. Como mulher
negra que cresceu em uma comunidade violenta do Rio de Janeiro, a
Cidade de Deus, a judoca enfrentou muitos desafios para consolidar-
se como uma atleta profissional, contando no percurso com projetos
sociais com o apoio de sua comunidade, de seu técnico e de sua
família. Nas Olimpíadas de 2012, em Londres, após ter sido
desclassificada pelos juízes pelo uso de um golpe ilegal, Rafaela foi
vítima de ataques racistas pelas redes sociais. Sua vitória nas
Olimpíadas de 2016 foi mérito da judoca que, mesmo em condições
de desigualdade social, conseguiu superar as adversidades e

146
conquistar a medalha de ouro em uma das mais importantes
competições mundiais.

A história, segundo Dosse (2012, p. 13), é um conhecimento feito de


mediações. Mas como mediar informações que proliferam nas redes
sem nenhuma discussão? Para Koselleck (2014, p. 206), ―toda
história é história temporal, e toda história foi, é e será uma História
do presente‖, ou seja, as leituras do passado são efetivadas no
contemporâneo tomando por base as experiências, e suas narrativas
são construídas a partir das mediações realizadas entre o sujeito e
suas vivências no presente. Para trabalhar com fontes
contemporâneas em sala de aula, é importante que o educador
traduza os diversos interesses presentes no documento, remontando
os discursos forjados por seus agentes produtores e buscando os
silêncios envolvidos na construção dessas narrativas.

Esse projeto foi desenvolvido com estudantes dos anos finais do


ensino fundamental durante uma contratação temporária em 2016.
Comecei a trabalhar com estes alunos no mesmo período em que
estava iniciando os jogos olímpicos e, como a discussão estava muito
presente em sala de aula, a coordenadora da escola me sugeriu
desenvolver com a turma um projeto sobre a história das Olimpíadas.
Dividi o projeto em três partes: na primeira parte discutimos o
surgimento das Olimpíadas na Antiga Grécia e seus significados para
a cultura do período;na segunda, o foco foi a reinvenção das
Olimpíadas no século XIX pelo barão e historiador francês Pierre de
Coubertin; e, por último, os estudantes debateram sobre as lutas que
ocorreram para que houvesse maior equidade social, racial e de
gênero nos jogos no século XX e XXI.

Esse projeto tinha como objetivos contextualizar as Olimpíadas


dentro de uma um processo histórico, salientando as mudanças, as
reinvenções e as novas construções de sentidos sobre os jogos;
oferecer ferramentas para que os estudantes construíssem sentidos e
narrativas sobre esse processo histórico, analisando suas
permanências e alterações; realçando as lutas sociais contidas na
história das Olimpíadas, reabilitando sujeitos condenados ao
esquecimento (BENJAMIN, 1987, p. 224); e promovendo uma leitura
crítica das narrativas produzidas sobre esse processo por parte dos
estudantes.

O processo avaliativo ocorreu durante todo o projeto, através da


participação dos estudantes durante as discussões, e da produção de
textos em sala e seminários sobre a história das Olimpíadas e as
Olimpíadas Rio 2016. Entretanto, ainda havia um desafio. Para Rüsen
(1993), a aprendizagem histórica é a consciência humana se

147
relacionando com o tempo, ―experimentando o tempo para ele ter
algum significado, adquirindo a competência de dar sentido ao tempo
e desenvolvendo essa competência‖ (1993, p. 85). Tendo em vista a
necessidade de entender o tempo como experiência, a última
atividade solicitada aos estudantes foi a construção de uma análise
crítica sobre o meme produzido com a imagem da Rafaela Silva,
utilizando seu conhecimento histórico como base de defesa de seu
posicionamento diante das afirmações expressas no documento.

Os textos produzidos tomaram direções e posições muito diversas,


por vezes contraditórias. Percebi que os estudantes tinham um
grande receio sobre o conceito feminismo, evitando seu uso e
contrariando suas ideias, como no caso do estudante C., do oitavo
ano:

―Eu não concordo com o feminismo, porque acho que somos todos
iguais e por isso a Rafaela não precisou do feminismo para chegar
aonde chegou. Mas se não fosse a briga da FEFI para que as
mulheres fossem premiadas, demoraria bem mais para que isso
acontecesse‖.

Em outros trabalhos, a luta das mulheres pelo direito à igualdade nos


esportes foi colocada como essencial no processo, como no texto de
L., do sexto ano:

―A luta das mulheres foi muito importante para que fossemos aceitas
com igualdade nos jogos olímpicos. Ainda existem muitos desafios,
como a diferença dos salários e dos patrocínios, mas quanto mais
mulheres praticarem esportes, mais mudanças vão acontecer‖.

Algumas redações assimilaram o discurso produzido pelo meme,


apesar do trabalho desenvolvido em sala que contrariava essa
narrativa: ―Esse negócio de cotas e feminismo é desnecessário.
Podemos conseguir tudo com o nosso esforço, assim como a Rafaela
Silva fez‖ (A., 9º ano). Apesar deste exemplo, grande parte dos
textos desenvolvidos prezou pela igualdade de gênero, pelo fim da
discriminação racial e pela equidade de direitos: ―Devemos sempre
lutar pela igualdade, para que todos tenham espaço. O mais
importante nesta vida é o respeito‖ (R., 9º ano).

Este trabalho buscou ampliar o senso crítico dos estudantes, através


do ensino de história, considerando os processos envolvidos e
questionando construções sobre o passado que interferem no
presente através de narrativas manipuladas com interesses diversos.
O meme selecionado reproduzia uma narrativa que desconsiderava
processos históricos importantes relativos à luta das mulheres por

148
visibilidade e igualdade no mundo dos esportes, minimizando sua
potência. Entretanto, como educadores de história, sabemos que
esses processos históricos complexos não devem ser ignorados,
tendo em vista que a discussão sobre gênero é essencial para o
desenvolvimento de uma sociedade que tem como base o respeito e
a igualdade.

Em nossa sociedade, os memes continuam no processo de imitação,


replicando-se nas redes sociais. Esses documentos, que utilizam da
força da comunicação para propagar ideias e narrativas, são
ferramentas muito valiosas no trabalho em sala de aula, permitindo
uma interface entre passado e presente e possibilitando uma
mediação temporal através de temas do cotidiano. Em sala, temos a
possibilidade de reintegrar esses documentos a uma discussão plural
que, por vezes, é limitada nas redes sociais apesar das inúmeras
possibilidades que o mundo virtual oferece aos seus usuários.

Referências
Luciana Mendes é mestra em História pela Universidade Estadual de
Santa Catarina (UDESC) e professora de história da rede estadual de
Santa Catarina.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas- Magia e Técnica, Arte e Política.


Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987.

DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Trad. Rejane Rubino. São Paulo:


Companhia das Letras, 2007.

DOSSE, François. História do tempo presente e historiografia. Tempo


e Argumento: Revista do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, v.4, n.1,
2012

KOSELLECK, R. Estratos do tempo: Estudos sobre história. Trad.


Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC – Rio, 2014.

RÜSEN, J. Studies in Metahistory. Pretoria: Human Sciences Research


Council, 1993.

149
RETÂNGULOS, BALÕES E NEGRITUDE EM HQ ONLINE:
ESCRAVIDÃO ENTRE ÁFRICA E SERGIPE NO SÉCULO XIX
Luciano dos Santos Ferreira

Nosso objetivo é fazer uma interpretação da lei 10.639/03 e indicar


não o melhor, mas, ao menos um caminho em que se possa trilhar
com mais propriedade do que se deveria inserir nos conteúdos de
história da África, da trajetória dos africanos e dos afrodescendentes
de maneira regionalizada, na instrução dos discentes nos anos finais
da educação básica. Visto que a lei exige a inserção, ao passo que na
prática ficou delegado a interpretações das editoras de livros
didáticos, que muitas vezes falha em fazer compreender a
problemática do negro escravizado, como este se constituiu cidadão,
co-construtor de uma nação que ainda luta para fazer valer os seus
direitos mais básicos como a real igualdade. Precisamos deixar claro
aos estudantes que o fato da África ser chamado de ―o continente
negro‖, não significa que há uma homogeneidade étnico-cultural-
religiosa, ao contrário, o africanista Alberto da Costa e Silva (2011)
afirma que as Áfricas são muitas, justamente pela diversidade
humana e cultural. Mas há um recorte identitário, são as culturas que
nos foram legadas, de africanos específicos que vieram para o Brasil,
principalmente valorizar essas impressões como dádivas ricas para
um sentimento positivo e orgulho de uma nação.

É importante ressignificar a escravidão como um modelo heterogêneo


e diversificado em todo o Brasil colonial e imperial, diferentemente do
que alguns livros costumam exibir, tendencialmente demonstram o
modelo escravista do centro-sul como padrão implícito para o
restante do país, ou o escravo na lavoura de cana-de-açúcar do
Nordeste, ou o escravo nas plantações de café, o que no mínimo,
mostra uma visão descontextualizada do todo que foi o processo de
escravidão. Que se adaptou a contextos locais e temporais, possuindo
não só diferenciações em relação aos espaços inseridos, como da
temporalidade, assim como nas especificidades laborais dos
afrodescendentes. Evidentemente há dificuldade para generalizações,
e estas simplesmente têm sido em muito ignoradas, provocando a
prevalência de um modelo regional de escravidão sobre os outros.

As HQs são ferramentas excepcionais para os jovens, capaz de


provocar interesse, reflexão e construir colaborativamente o
aprendizado da história da África aqui problematizada, o
desenvolvimento de uma História em Quadrinhos (HQ), onde entre
retângulos e balões, façam diálogo da negritude com experiências
positivas, e que possam coaduna-se com a afirmação de Marta F. da
Silva Severo e David Ferreira Severo para quem:

150
―[...] a proposta da inserção de HQs na sala de aula de História é
vista como instrumento pedagógico capaz de mediar o processo de
aprendizagem do aluno. As HQs possuem uma linguagem fascinante
ao agregar o texto escrito e a imagem, ao tempo em que possibilita
ao aluno a produção de conhecimento desenvolvendo sua criatividade
e o poder de síntese‖ [2017, p.2].

Historiografia sobre África e escravidão no Brasil


A lista de historiadores que trataram do tema África e da africanidade
no Brasil – enquanto estado da arte do produto didático aqui
ensejado – seja sob os aspectos culturais, políticos, sociais ou
econômicos é longa. É temeroso, portanto ausentar algum autor ou
trabalho importante dessa discussão, por isso as agruras de uma
seleção são sempre muito complicadas. O que incluir e o que deixar
de fora? Por isso, escolher se faz necessário em razão do tempo e da
própria linha de pensamento que se deseja seguir norteando esse
trabalho, segue abaixo as referências que a princípio constituem os
referenciais necessários para alimentar o roteiro da narrativa histórica
que se pretende dar ao HQ proposto.

Alberto da Costa e Silva, africanista com estudos de fôlego, como o


―A Manilha e o Libambo‖ (2011) apresenta sólidas referências sobre a
história dos africanos desde antes da escravidão e o translado
Atlântico pelos europeus. Sua obra se torna essencial à medida que
sua narrativa se dá, em grande parte, no retratar de localidades
africanas antes dos europeus, e por conhecer a mentalidade
africana in loco, remetendo à compreensão do escravismo africano
local e da exigência posterior de fluxo comercial. É importante para o
produto final que as viceralidades do trauma escravista sejam
expostas e se compreenda a ruptura proporcionada pelo processo,
bem como as resistências e adaptações que se deram após a fixação
do ente africano na colônia portuguesa na América.

Em ―Ser Escravo no Brasil: séculos XVI – XIX‖ (2016), Kátia Mattoso


elabora a pesquisa sobre a escravidão brasileira, com foco no
Nordeste e muitos relatos específicos da Bahia. A autora dialoga com
os movimentos no eixo Sul/Sudeste, principalmente após a proibição
definitiva do tráfico negreiro em 1850 (ainda sob proibição desde
novembro de 1831), numa espécie de rede comercial interna.
Paralelamente a expansão da produção cafeeira na região Sudeste,
principalmente no Vale do Paraíba, que aos poucos foi deslocando o
volume da produção agrícola de exportação do Nordeste para o
Sudeste, e com ela também a circulação da mão de obra escrava,
base da mão de obra da produção brasileira. Não deixa de fazer um
diálogo relevante com Sidney Chalhoub, autor que centrou sua

151
pesquisa no regime escravista do período imperial, em ―A Força da
Escravidão‖ (2012) temos uma visão bem fundamentada das
consequências da proibição do tráfico escravo de 1831.

Em ―Visões de Liberdade‖ (2011), o mesmo autor, dá voz a negros,


escravos ou não que viveram no final do século XIX em processos
criminais e de compras e vendas. Para a pesquisa interessa colher
exemplos de vida, trajetórias reais, em geral registradas nos arquivos
da Biblioteca Nacional (BN) e do Arquivo do Primeiro Tribunal do Júri
da cidade do Rio de Janeiro (APTJ) para entender como eram
conduzidos os referidos processos. Os processos envolvem ladinos de
vários estados do Nordeste, que em consequência da Lei nº 541 de 4
de setembro de 1850, proibia o tráfico negreiro definitivamente, daí a
intensificação do comércio interprovincial. Com relevância para
alguns tópicos importantes, principalmente sobre as contribuições de
Perdigão Malheiros que já na década de 1840 debatia a ―coisificação‖
do escravo e da ―ficção‖ que para ele era a escravidão, corroborado
pelas contribuições de Fernando Henrique Cardoso (CHALHOUB,
2011, p. 44), isso para entender que o escravo poderia influenciar
nas decisões de sua venda, contrariando a falsa ideia de passividade
dos africanos. Vale ressaltar que os processos de alforria não
aconteciam de maneira pacífica, melhor esmiuçada por Mattoso
(2016).

Sharyse Piroupo Amaral com ―Um pé calçado, outro no chão:


liberdade e escravidão em Sergipe‖ (2012), é obra importante para
compreender a escravidão no estado, uma vez que ao traçar a
história do trabalho nos engenhos da região da Cotinguiba entre 1860
e 1900 oferece um mapeamento das etnias, identidades, estratégias
de sobrevivência e resistência africana que ali se configuraram. Assim
como a dissertação ―Ô levanta nego, cativeiro se acabou:
experiências de libertos em Sergipe durante o pós-abolição‖ (1888-
1900) (2016) de Edvaldo Alves de Souza Neto e ―O 'cativeiro se
acabou': experiências de libertos em Sergipe no pós-abolição.
História, histórias‖ (2016), de autoria coletiva de Edvaldo Souza
Neto, Cláudia Nunes e Petrônio Domingues. Corrobora-se a ideia de
que:

―[...] a historiografia tenta compreender o passado mediante um


procedimento que nega a perda, outorgando ao presente a potestade
de recapitular o passado num saber. Com a morte e contra a morte,
o trabalho do historiador desliza num espaço de ausência e de
produção, entre a lei do presente e da ilusão realista, oscilando entre
um narrar histórias e um fazer história‖ [ORELLANA, 2012, p.16].

152
HQs na sala de aula
O historiador Amaro Xavier Braga Júnior no artigo Histórias em
quadrinhos, informação e memória: uma análise de ―passos perdidos,
história desenhada: a presença judaica em Pernambuco‖ (2013)
afirma o grande potencial das HQs na esfera do entretenimento, da
educação e do exercício da cidadania, sob a égide de: ―[...] uma
cultura de massa integrada, que não distingue público leitor de
consumidor ao agregar tanto elementos populares, quanto
sofisticados. E que, sobretudo, se dispõe a atender a qualquer
consumidor‖ [2013, p.818].

Um interessante artigo intitulado ―Do Universo dos Quadrinhos a Sala


de Aula: Mafalda À Aula de História‖ (2017), de autoria de Vitória
Duarte Winger e Jander Fernandes Martz, traz para o centro do
debate o protagonismo da personagem feminina de seis anos, criada
por Quino na década de 1960, abordando temáticas como Guerra do
Vietnã, capitalismo, comunismo, direitos humanos e paz mundial com
uma forte predisposição para o ensino da disciplina de História nos
ensinos fundamental e médio.

Nos 300 anos de Zumbi de Palmares foi lançada uma edição


comemorativa em HQ, ilustrada por Álvaro Moya, com roteirização de
Clóvis Moura (1995), reeditada pela Secretaria de Educação e Cultura
de Betim.

153
Figura 1: Parcial da página inicial da HQ Zumbi dos Palmares
Fonte: HQ disponível em:
http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/hq%20zumbi.
pdf, Acesso em: 24/08/2017.

Personificado na historiografia brasileira como o herói dos escravos,


Zumbi dos Palmares, teve sua trajetória primeiro estudada por Rocha
Pitta na obra ―História da América Portuguesa‖ que ao afirmar a lenda
do suicídio da liderança negra é contraposto por Clóvis Moura, que na
apresentação da HQ, termina seu escrito com uma citação da
documentação pesquisada por Edison Carneiro em ―O Quilombo dos
Palmares‖ e no trabalho do historiador português Ernesto Ennes
denominado ―As Guerras nos Palmares‖ que afirma:

―[...] o governador Caetano de Mello Menezes ordenou que sua


cabeça fosse pendurada em um pau e exposta ―no lugar mais público
desta praça a satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e
atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam este imortal‖
[HQ ZUMBI, 1995].

Esse rápido passeio pelas produções em quadrinho revela uma gama


de possibilidades para o professor de História em sala de aula, bem
como o interesse crescente da juventude negra em ver-se e
reconhecer-se em representações imagéticas que contenham
referenciais cotidianos de seu modo de vida, de suas crenças, de seus
gostos e sonhos. Nenhuma aula conseguirá um bom resultado junto a
grupos sociais que se veem muitas vezes marginalizados nos próprios
livros didáticos. A construção de pontes entre identidade, alteridade e
autonomia perpassa a elaboração de novas metodologias, por isso a
proposta da HQ aqui apresentada.

Construção da HQ
A junção de história e ficção sempre esteve presente e diluída em
muito da historiografia, mas também sempre foi uma temática
espinhosa e difícil, demonizada por alguns e tida como solução para
outros. De fato, é difícil e delicado unir a verossimilhança da história
à ficção e sua narrativa, principalmente porque muitos ainda nutrem
a perspectiva de que a história é a narração ou problematização da
verdade. Se se desconstruir o conceito de ―verdade‖ da narrativa
histórica e percorrer aportes mais abertos à rigidez tradicional,
perceberemos que, se bem estruturada pode surtir excepcionais
efeitos para a compreensão das mentalidades e dos contextos que se
inserem, até porque, ficção pode ser apenas um termo empregado,
que poderia ser expresso como o conceito de representação coletiva
ou memória coletiva, uma bricolagem de fatos e vivências em locais e
épocas diferentes, mas que são fatos, apenas foram catalisados numa

154
figura específica simbolizando as tantas outras que sofreram tais
consequências.

A metodologia para compreensão do que foi a escravidão na colônia


brasileira nesse trabalho se iniciaria com a criação do um
personagem baseado na memória coletiva: uma menina nascida em
Angola na segunda metade do século XIX. Trazida inicialmente para
Salvador por mercadores portugueses ao arrepio da lei, desde 1831 o
tráfico transatlântico se encontrava proibido (CHALHOUB, 2012, p.
36), a ingênua fora recolhida a um engenho no Recôncavo Baiano por
alguns anos. Após anos de trabalho, por sua inabilidade com o trato
doméstico, apesar de suas feições ―finas‖, ela é encaminhada ao
trabalho compulsório de sol a sol na plantação de cana-de-açúcar.
Meticulosamente instruída sobre a língua, após alguns anos fora
vendida a um senhor de engenho da região da Cotinguiba em Sergipe
Del Rey. Fincada em pesquisa de contextualização desde a vida na
África, passando pela reconstrução étnico-cultural-antropológica a
trajetória da garota transcorre a rota seguida por milhões de pessoas,
portanto a personagem é apenas um pretexto para inserir as
vivências, as mazelas e insalubres condições pelas quais passaram os
africanos até chegar ao destino final, o mercado de escravos. No
decorrer de sua trajetória, serão tratados diversos aspectos próprios
da escravidão: a violência contra a mulher, os estupros e os abusos
pelos senhores brancos; a indumentária e as relações de gênero, bem
como as construções da funcionalidade social de cada sexo; os
hábitos cotidianos tanto na convivência antes da captura, ainda no
ambiente nativo como no trato social entre os africanos e
afrodescendentes nas senzalas.

A ideia é aplicar nas classes do ensino médio, mas com suportes


diferenciados. Para o professor poderá criado um site com as
informações mais técnicas, sugestões para enriquecimento de
repertório, bibliografias e referências cinematográficas acerca do
tema, além de textos narrando a montagem do produto final que é a
história em quadrinhos (HQ), para que o auxilie na melhor
abordagem segundo suas próprias concepções metodológicas. Pois, é
bom lembrar, que não se trata de uma fórmula pronta sobre o tema.
Para os estudantes, que, sem dúvida são o foco principal do produto
desenvolvido, especificamente para aulas de História, poderão ler
uma HQ, e possam, apesar da seriedade do tema, abordá-lo de
maneira mais lúdica e agradável, tendo em vista a proximidade e a
penetração que esse tipo de literatura possui entre os adolescentes e
jovens; de modo a lerem-na e relerem-na várias vezes a ponto se
apropriar do tema.

155
Figura 2: Rascunho da protagonista Njinga da HQ
Fonte: Obra do desenhista Mauro Pena, 2018.

Há ainda um escasso material sobre a escravidão em Sergipe, sendo


a região da Cotinguiba um pouco mais documentada, ainda que com
número reduzido de produções. Pesquisadores da Universidade
Federal de Sergipe têm uma contribuição expressiva, mas parece que
a temática não tem sido oxigenada por novas pesquisas, o que se faz
necessário pela dinamicidade das concepções atuais.

A Cidade de Aracaju, fundada em 1855, possui um período escravista


pequeno do ponto de vista da totalidade do contexto nacional, mas
ainda assim muito relevante considerando-se o final do regime
escravista, quando as leis abolicionistas possuíram influência
significativa sobre o comportamento escravo. Entretanto, ainda há
pouco material discorrendo sobre isso, embora seja um nicho
promissor de pesquisas.

156
Figura 3: Rascunho da protagonista Njinga da HQ
Fonte: Obra do desenhista Mauro Pena, 2018.

No cerne da questão, Portugal deu sequência na América o já havia


feito no Algarve, na Ilha da Madeira e Açores: o plantio de cana e
processamento em engenhos na produção de açúcar, como explica
Kátia Mattoso (2016, p.40). Só para o Brasil 6.200.000 de indivíduos
foram trazidos para essas lavouras, posteriormente para as de café,
entre 1502 a 1860 (Mattoso, 2016, p. 42). Nossa personagem
pertencerá a esse contingente de escravizados, capturada em meio
às disputas tribais, nessa época, movidas à base do escambo por
armas de fogo, cachaça e fumo, diferentemente das conchas (caurí)
do início do tráfico negreiro (Mattoso, p. 47). Portanto, já fazendo
parte de um comércio bem estruturado. Conduzidos
pelos lançados (branco ou mestiço que viviam na corte dos reis
africanos, atuando como intermediários no comércio escravo)
ou pombeiros (geralmente recebiam os escravos dos lançados), os
recém escravizados eram conduzidos até a feitoria onde aguardavam
a chegada dos navios negreiros. Mattoso (2016) também descreve os
cuidados tomados na alimentação e com os enfermos, já que as boas
condições da ―carga‖ eram essenciais para a manutenção do preço,
experiência vivida por Njinga.

A travessia atlântica sempre foi muito cruel com os africanos, e em


vários sentidos, em idos do século XIX era notório que os que
embarcavam jamais voltariam, além do sofrimento do desterro e da
quebra dos laços familiares, a religiosidade deixava de fazer sentido

157
espiritual para o africano, já que a crença se ligava a geografia
nativa, e o nativo perdia a identidade. A personagem será uma das
integrantes na viagem rumo ao desconhecido no negreiro Progresso,
embarcação conhecida pela historiografia, descrita por Pascoe
Grenfell Hill (2008) com detalhes, relatando o sofrimento dos
embarcados numa viagem à Cidade do Cabo, sob custódia da
marinha inglesa, que teria como destino o Brasil. Um relato pesado,
cruel e duro das condições as quais eram submetidos homens,
mulheres, sobretudo crianças. O Progresso era um negreiro de
aproximadamente 11 metros de comprimento e outros seis de largura
que foi capturado em 1843, na foz do Quilimane, com 447 escravos,
destes 189 homens, 45 mulheres e 213 crianças (Hill, 2008, p. 62).
Na estória da HQ de Njinga, a chegada ao Brasil será tão tumultuada
quanto a própria viagem, e nossa personagem assim como os demais
escravos serão desembarcados clandestinamente em barris, numa
praia deserta e à noite, com base no relato de Sharyse Piroupo do
Amaral (2012, p. 320), como era comum desde 1831, quando o
tráfico negreiro fora proibido, porém configurando-se numa lei ―para
inglês ver‖. A princípio sua chegada será em Salvador, um destino
comum para os escravizados da época, e levada para o Engenho da
Freguesia no Recôncavo Baiano; engenho bem equipado tendo a
senzala e o local da purga do açúcar destruídos pelos holandeses
à época da invasão a Salvador. Hoje, a casa grande mesmo tombada
pelo IPHAN e intitulada Museu do Recôncavo encontra-se fechada e
abandonada, no distrito de Cabôto, município de Candeias, há
aproximadamente 50km da capital baiana. Por uma série de questões
abordadas ao longo da HQ, nossa protagonista será vendida para
uma região próspera que floresceu com o plantio e produção de
açúcar na Província de Sergipe Del Rey: a Cotinguiba.

Figura 4.
Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/Engenho_da_Freguesia

158
O Engenho Triunpho, propriedade de Luiz Barbosa Madureira Mainart
será o destino de nossa personagem, lá ela terá contato com o
quilombismo e figuras conhecidas do referido movimento, como João
Mulungu, e tantos outros da resistência quilombola (Amaral, p. 175).
Por fim, após ser meeira, conseguirá a alforria parcial (justamente
para mostrar aos estudantes como se davam as negociações de
liberdade, comuns principalmente após a Lei do Ventre Livre) nesse
espaço de ações limitadas, nossa personagem conseguirá comprar a
própria liberdade, vivendo na recém-inaugurada Santo Antônio do
Aracaju, a nova capital da Província desde 1855, onde será
evidenciada a vida de uma liberta no pós abolição.

Referências
Luciano dos Santos Ferreira é professor da SEC (Secretaria do Estado
da Educação da Bahia), Técnico em Assuntos Educacionais do
Instituto Federal de Sergipe e mestrando do PROFHISTORIA pela
Universidade Federal de Sergipe – UFS

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161
PROJETO "CAIXA ARAXÁ": APORTE DIDÁTICO PARA O ENSINO
DE HISTÓRIA E CULTURA INDÍGENA
Lui Fonseca Do Nascimento
Caroline Dos Santos Andrade

Introdução
A pesquisa é direcionada ao aspecto da hecatombe indígena e o
resgate da discussão relacionada aos métodos de sobrevivência
cultural empreendido pelos aborígenes e a representação de certos
símbolos que os caracterizam, além de práticas para promover o
ensino de tais conteúdos em sala de aula. Pretende-se abordar
aspectos culturais que assinalam a crença e o cotidiano do ameríndio,
a fim de propor análises entre a transformação dos costumes que se
tornaram moldáveis durante o período da conquista do brasil, além
de explicitar formas de abordagem da temática em sala de aula.

Silva (1998) diz que a leitura é uma ferramenta eficaz na construção


de elementos em prol do combate à alienação e à ignorância, sendo
um valioso instrumento de luta contra as diversas formas de
dominação. Portanto, o projeto em questão, "Caixa Araxá", funciona
como suporte didático, de teor histórico-cultural, para o
desenvolvimento de uma proposta de qualidade que proporcione e
enfatize o gosto pela leitura aos discentes, de forma que o desafio
contido no final de cada texto induz a reflexão e desenvolvimento de
suas habilidades, especialmente a criticidade.

A proposta baseia-se na necessidade de abordar tal tema na sala de


aula, empreendida pelos bolsistas do Pibid Interdisciplinar do Centro
Universitário São Camilo-ES, a fim de disponibilizar uma discussão
sobre a valorização cultural e discernimento de alteridade na relação
entre o aluno e o estudo relacionado à cultura indígena, a fim de
romper ideias e preceitos que destoam da realidade com o apoio dos
conceitos da etnomatemática que, segundo D'Ambrósio (2005), tem
por objetivo a exploração da abordagem à respeito dos fazeres
cotidianos e meios de aquisição de conhecimentos das diferentes
culturas.

Referencial Teórico
As formas errôneas de como os portugueses foram inicialmente
interpretados negligenciou o instinto dos aborígines, levando-os a
exporem a essência de sua cultura sem hesitar, Ribeiro (1995, p.43)
relata que ao enxergarem o erro cometido e perceberem sua
impotência, os índios se questionavam: "Maíra, seu deus, estaria
morto? Como explicar que seu povo predileto sofresse tamanhas
provações? Tão espantosa e terríveis eram elas, que para muitos

162
índios melhor fora morrer do que viver". Era incrível a habilidade de
tal povo em simplesmente morrer, deitavam em suas redes, abatidos
por sentimentos ruins, e pereciam.

Os índios que viveram na sociedade colonial, durante o período em


que a América foi "colonizada", perderam diversos aspectos de suas
culturas, misturando-se à tentativa intensiva de uniformização social.
De acordo com Ribeiro (1995), houve uma mudança acentuada no
cotidiano deste indígena, a sujeição de um modo de viver precário
ocasionou a transição entre a condição de índios específicos, com sua
etnia e tradições características, à de índios genéricos, pois jamais
voltariam a viver da mesma forma de antes. Apesar de ser incapaz de
resistir às mudanças com vigor e perpetuar o retorno de seu
cotidiano nativo, os índios perdem suas características e costumes,
mas jamais abandonaram suas identidades.

D'Ambrósio (2005) explica que uma forma ativa de se manter um


indivíduo ou grupo inferiorizado é através do enfraquecimento de
suas raízes, retirando as conexões essenciais e históricas do
dominado, sendo esta a mais hábil estratégia para concretizar a
conquista. Morel (2009) relata que a tradicional catequese exercida
por agentes cristãos, possuía a função de aculturação, para controlar
e privar os índios de suas culturas tradicionais. Nestes locais, o índio
era instruído a agir feito um "ser humano civilizado", de acordo com o
padrão cultural europeu.

Os jesuítas foram propulsores para a aculturação em massa,


entretanto, mesmo que inconscientemente, estes agentes religiosos
registraram e divulgaram aspectos da cultura indígena, que
posteriormente ajudou os estudiosos a definir importantes questões e
pontos de apoio para se discutir sobre as sociedades indígenas.
Schaden (1969, p.4) diz que:

―Com exceção dos missionários, que em sua quase totalidade


encaram o assunto exclusivamente como problema prático, do ponto
de vista da conversão religiosa, os autores do período colonial pouco
se interessam pela compreensão da mudança cultural dos silvícolas,
em que pese ás mencionadas observações que sôbre o assunto se
encontram dispersas em seus escritos.‖

Além disso, Schaden (1969) explica que a realidade do esquecimento


e opressão da história indígena muda quando Karl Friedrich Philipp
von Martius, começa a trabalhar o tema em 1838 com o título "O
passado e o futuro da humanidade americana", a partir daí vê-se
grande interesse por parte de outros pesquisadores em retratar tanto

163
as peculiaridades quanto o imaginário geral fornecido pelos índios
brasileiros.

Devido às circunstancias enfrentadas pelos índios, houve a perda do


elemento importante que os distinguia de outros grupos étnicos que
formam a população brasileira, sua cultura e tradições estavam se
esvaindo aos poucos. Laraia (2009) fala sobre a apatia, que é o
oposto do etnocentrismo, usando como exemplo a população Kaigang
de São Paulo, os mesmos que tiveram suas terras invadidas por
construtores da Estrada de Ferro Noroeste:

―Ao perceberem que os seus recursos tecnológicos, e mesmo os seus


seres sobrenaturais, eram impotentes diante do poder da sociedade
branca, estes índios perderam a crença em sua sociedade. Muitos
abandonaram a tribo, outros simplesmente esperaram pela morte
que não tardou. (LARAIA, 2009, p. 75-76)‖

Durante o progresso dos bandeirantes no século XVII, a população


indígena foi caindo subitamente. Os povos que antes ocupavam o
litoral brasileiro foram migrando gradualmente para o interior do país
em busca de melhores condições de vida, longe do caos ocasionado
pelos homens brancos. Os motivos dessa evasão indicam fatores que
de alguma forma prejudicaram ou dificultaram a sobrevivência dos
aborígenes, como: a fome, as guerras e as doenças. Assim, fica
expresso que os índios são alvos de diversas formas de violências e
explorações durante o processo de colonização e estruturação do
Brasil, o que perdura entre a história, e aos poucos, vão conseguindo
sobreviver às transformações que incidem em seu cotidiano.

Contudo, o século XlX significou para o mundo contemporâneo, em


especial no Brasil, um momento singular, pois tudo que sucedeu após
fuga a da família real portuguesa até sua instalação no território
brasileiro, teria mudado o rumo da história da Metrópole e da
Colônia. A vinda da Coroa Portuguesa para o Brasil, unido às
influências de fatores externos conduziram ao grandioso episódio da
Independência, fatos historicamente transformados e exaltados nos
livros em atos heróicos. Sob influência desse contexto, articulou-se
dois discursos na literatura, observado por Carvalho (2012) como: o
prospectivo, que representaram a paisagem e a sociedade da nova
nação; e a dimensão retrospectiva, pois com a Independência
manifesta-se a necessidade da autoafirmação, que procura no
passado colonial, um sentimento brasileiro, mas no Brasil não houve
um passado glorioso, no qual eram ilustradas histórias de cavalheiros
e suas amadas, os escritores brasileiros buscaram um signo nativista
para representar temas românticos patrióticos.

164
Del Priore e Venâncio (2001) afirmam que nesse período houve uma
assimilação das memórias indígenas fundamentada na possível
existência de uma cultura fantasiosa e ancestral, que ampliou o
caráter e importância da nacionalidade. Os autores que simpatizaram
com tais ideias, acreditavam que os índios haviam preservado a
nobreza, bondade e coragem de seu passado histórico, valores que
não existia na contemporaneidade, o que forneceu os ingredientes
finais para caracterizar o brasileiro como diferente ao português e
não inferior.

Procedimentos metodológicos
O artigo consiste em pesquisa descritiva e bibliográfica, com análise e
aplicação de um projeto de viés educacional, movida pela dificuldade
e desinteresse dos alunos com a leitura, além de promover um
enfoque ligado a cultura indígena, se propôs a inserção de métodos
lúdicos com o objetivo de incentivar a prática da leitura, de maneira
interdisciplinar. A aplicação ocorreu de modo similar, seguindo as
regras instituídas, nos estabelecimentos de ensino público EMEF
―Narciso Araújo‖, no 7º e 8º ano no município de Itapemirim e,
EEEFM ―Liceu Muniz Freire‖ na cidade de Cachoeiro de Itapemirim nas
turmas dos 7°s anos. O projeto se fundamenta na proposta do Pibid
Interdisciplinar do Centro Universitário São Camilo/ES e nas diretrizes
que condizem com a obrigatoriedade da lei 11.645/08, onde as
escolas adotaram a discussão de temas referentes às culturas
indígenas e africanas em seu currículo, porém, a abordagem
referente ao relato condiz primariamente com o enfoque da cultura e
história dos índios brasileiros.

O primeiro momento enquadra à confecção artesanal das caixas,


sendo distribuída uma quantia de 04 (quatro) em ambas as escolas,
com materiais diversos como: papelão, cartolina, papel cenário, cola
de isopor, cola quente, durex, contact, fita adesiva colorida, folha A4,
imagens e frases impressas.

O segundo momento constituiu-se na seleção de gêneros textuais


diferenciados (poesia, biografias, contos, músicas, histórias em
quadrinhos, etc.) que retratavam aspectos referentes à cultura
indígena, podendo abordar de forma coesa e bem argumentada
alguns temas como: costumes, pinturas, danças, instrumentos,
técnicas, dentre outros. Os textos foram enrolados em forma de
pergaminhos, sendo depositado no interior das caixas um mínimo de
07 (sete) obras impressas, a qual foi intitulada de ―Caixa Araxá" (que
significa de onde se pode ver o mundo, de origem tupi-guarani).

Na sala de aula, é feita uma simples demonstração da "Caixa Araxá"


com a intenção de despertar a curiosidade dos alunos para com o

165
conteúdo presente no interior desta. Villard (1999) relata que o
material vinculado ao projeto deve ser agradável aos olhos e à
mente, e durante a abordagem e entrega do material de leitura para
o aluno, deve-se ter o cuidado de atribuir um teor diferenciado e
especial, para que este possa se sentir especial, a fim de alimentar
sua imaginação e elencar o interesse em participar da atividade. Após
a explicação e introdução do assunto referente à importância da
participação e interação com o projeto, foi estabelecido que houvesse
um sorteio semanal, para que determinado número de alunos
tivessem contato com a caixa. Sendo selecionados os alunos, coube o
esclarecimento do passo-a-passo e manuseio do material, que
deveria ser utilizado no ambiente residencial.

Durante o período total de 07 (sete) dias, deveria ser retirado da


caixa apenas um pergaminho por dia, sendo preciso cumprir com a
leitura, foi sugerida a participação dos pais, irmãos, etc. (estando
proibida a divisão do material com o amigo da sala de aula). Ao
finalizar cada leitura, nota-se no canto inferior da folha o ―desafio
pós-leitura‖, que consiste em atividades simples visando formar
cidadãos mais conscientes de suas práticas, a exemplo os desafios
são exercícios como: cultivar o respeito, gentileza em determinadas
situações, ajudar nas tarefas domésticas, preservação do meio
ambiente, dialogar com os pais sobre temas diversos como o
multiculturalismo e o respeito ao próximo, compartilhar a leitura dos
textos com um parente, entre outros.

Na próxima etapa da atividade, o aluno deve relatar sua experiência


com a "Caixa Araxá" para a turma, expondo como foi feita alguns dos
desafios e o resultado obtido da interação com os pais, além de ler e
discutir o texto que mais lhe atraiu a atenção. Como instrumento de
avaliação da atividade, dentro da caixa contém um questionário, no
qual o aluno preenche sobre a leitura realizada, sendo exigida a data
e o título da obra, e campos para possíveis comentários e dicas
referentes a novos textos, fornecendo dados que serão utilizados na
escolha de novos gêneros para as próximas leituras. Ao final de cada
ciclo, faz-se novamente o sorteio e a seleção de um aluno ao acaso,
que receberá a tutela da caixa, recomeçando a atividade. A cada
semana é acrescentado ao menos um texto e retirado o que foi
compartilhado através do relato do discente na sala de aula.

Apresentação e discussão dos resultados


Tendo em vista a necessidade de se abordar tais temáticas no âmbito
escolar, o projeto em questão, "Caixa Araxá" (Fig.1), ganha
relevância ao proporcionar o contato do discente com um material de
qualidade, selecionado e revisado por agentes responsáveis por sua
formação, reforçando a participação dos familiares no cotidiano

166
educacional do aluno, o que tem sido o diferencial das atividades
desenvolvidas por bolsistas do Pibid Interdisciplinar/São Camilo, da
CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), uma vez que o projeto ultrapassa o espaço escolar e
estende à parceria escola-família, participação fundamental no
processo ensino-aprendizado. De acordo com o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (Saeb), a criança que possui uma
família mais participativa em seu desempenho escolar, apresenta um
nível de aproveitamento superior em relação àquela onde os pais
estão ausentes do processo educacional (BRASIL, 2004), dessa
forma, os pais participam das atividades e se socializam com as
propostas do PIBID Interdisciplinar, que tem por objetivo a
valorização e a busca na construção de valores essenciais para o
desenvolvimento do sujeito, com inclinação à diversidade cultural
brasileira, contribuindo para o aprimoramento de suas capacidades
intelectuais ou morais.

Fig.1 – Caixa Araxá


Fonte: (Os autores, 2017).

O projeto busca a difusão do estudo sobre cultura indígena e


multiculturalismo através da leitura, desse modo, a seleção dos
textos que compuseram a coletânea da caixa, continham alto teor
informativo, para que fosse possível desenvolver profundas reflexões
a partir a leitura. Silva (1998) relata que para compreender um texto,

167
deve-se entender a relação que ele mantém com o contexto relatado,
assim como perceber criticamente os objetivos traçados pelos fatos
desse contexto instituído pelo autor, em relação àquilo que o leitor,
vive em seu próprio contexto, induzindo-o à percepção, ao
conhecimento e a uma possível análise da realidade. Por exemplo,
nos textos continham traços culturais presentes no cotidiano do
discente que eram herdados dos índios, expondo que sua cultura não
é única e que recebeu influência de outras.

Além da parte introdutória que precedeu o projeto de leitura, faz-se


necessário valorizar as atividades "pós-leitura" e o preenchimento da
ficha de leitura, representada na fig.2, pois contribuem para que os
alunos analisem o que leram e ouviram durante o período em que
estiveram com a "Caixa Araxá", além de prover oportunidades para
recordar, sintetizar e parafrasear trechos e fatos mais importantes
que seriam indispensáveis durante a apresentação para a turma,
finalizando o ciclo procedimental.

Fig.2 – Ficha de leitura


Fonte: (Os autores, 2017).

A necessidade do preenchimento da tabela, logo após o término da


leitura, tende a aderir certa relevância e atenção no percurso do
projeto, pois é preciso ter cautela ao completar todas as lacunas, a
fim de registrar parte da experiência de forma escrita, para possíveis
aprimoramentos da prática didática, além de facilitar a tarefa de troca
dos textos que foram apresentados na sala de aula.

Silva (1998) explica que um bom leitor, com consciência crítica, é


movido a desvendar significados indiciados no texto, não se limitando

168
apenas ao ato de ler, ele reage e questiona, problematiza e aprecia
com criticidade, Freire (1992) afirma que o a leitura de mundo
antecede a leitura de objeto, e a compreensão do texto a ser obtida
pela leitura crítica deve provocar a percepção das relações entre o
texto e o contexto. Assim, a leitura e o momento "desafio pós-leitura"
contribuem para amadurecer desta consciência crítica nos discentes,
pois são impelidos a debater algumas temáticas com os pais ou
responsáveis, a fim de compartilhar o que aprendeu e relacionar com
o meio social no qual se insere.

Os relatos de experiência promovidos ao final de cada ciclo do projeto


possibilitou o conhecimento dos alunos em relação a textos que até o
momento eram desconhecidos, promovendo uma formação coletiva e
sólida em relação à absorção de novos conhecimentos através da
oralidade e da leitura, que carregam a discussão sobre a cultura
indígena e o multiculturalismo, que são temas tão importantes para
compreender as individualidades e a necessidade de abordagens que
tem o objetivo de trabalhar o respeito e a valorização cultural.

Considerações Finais
O estudo sobre a transformação sociocultural dos nativos da América
contribui para uma melhor compreensão do processo formativo do
povo brasileiro, sendo fundamental durante a construção do aluno,
enquanto agente social, para que possa cumprir com seu papel de
cidadão pertencente a uma sociedade regida por leis, sendo preciso o
desenvolvimento de um olhar de alteridade para com as diversidades.
Desse modo, o projeto em questão, torna-se um complemento
essencial no campo educacional, visto que imbui um valor sólido
acerca da presença familiar na formação do estudante, onde o
aspecto inovador está presente na tática dos desafios "pós-leitura" e
na interação dos discentes com demais agentes que influenciam seu
desenvolvimento.

Ao resumir e relatar a experiência com a "Caixa Araxá", o aluno é


induzido a pensar na história (ou leitura) como um todo,
considerando o que seria mais relevante para a formação de seus
argumentos. A criticidade é trabalhada, pois a atividade requer a
eliminação de algumas abordagens para concentrar-se no tema
principal indicado pela leitura. A etnomatemática auxiliou no estudo
sobre a cultura indígena, colaborando com a seleção dos textos
presentes na "Caixa Araxá", elencando uma nova visão e forma de
discussão sobre o tema, a fim de desconstruir preconceitos e
aprimorar a leitura.

O comprometimento dos discentes com o projeto foi notório, assim


como suas apresentações na sala de aula, onde dispuseram com

169
certeza e coerência as ideias propostas pelos textos, assim como a
participação de seus familiares nas tarefas diárias, contribuindo com
discussão acerca do texto, e na pesquisa de termos que os alunos
desconheciam. Ficou clara a importância da atuação dos familiares na
formação dos alunos, visto que a motivação e envolvimento mútuo
com a atividade proporcionaram relatos únicos e construtivos,
fortalecendo o elo familiar e desenvolvendo uma prática que não se
restringe apenas à instituição formal de ensino.

O projeto cumpriu com a proposta do Pibid (Programa Institucional de


Bolsas de Iniciação à Docência) em formar novos docentes
conscientes de seu papel desenvolvido em sala de aula, pois para a
aplicação da atividade, foi preciso avaliar a realidade dos alunos e
desenvolver uma prática que suprisse suas necessidades, com
enfoque no processo de ensino-aprendizagem, além de se expandir a
um público mais reservado, os familiares das crianças.

Referências
Lui Fonseca do Nascimento é Licenciado em História pelo Centro
Universitário São Camilo-ES e atualmente é estudante de pós-
graduação lato sensu pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante.
Caroline dos Santos Andrade é Licenciada em História pelo Centro
Universitário São Camilo-ES.

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Campinas, SP: Papirus, 1998.

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a vida inteira. Rio de Janeiro: Qualitymark/Dunya, 1999.

171
PRECISAMOS FALAR DOS NEGROS: ENSINANDO CIDADANIA
NA AULA DE HISTÓRIA DOS ANOS INICIAIS
Olga Suely Teixeira

Este texto compartilha uma experiência metodológica cujo objetivo


inicial foi trazer ao ambiente de sala de aula do Quinto Ano conteúdos
não elencados no livro didático em uso; esse objetivo acabou se
ampliando e gerando discussões pertinentes não apenas ao universo
do negro escravizado no Brasil Colônia, mas também relativas aos
problemas enfrentados Por eles nos dias atuais.

O trabalho se desenvolveu em uma escola de periferia na cidade de


Natal/RN, no ano letivo de 2017 e faz-se necessário dizer que
orientar a disciplina História em uma turma dos Anos Iniciais me
trouxe várias problemáticas. Da linguagem utilizada para tornar os
conteúdos inteligíveis a crianças entre nove e doze anos de idade ao
planejamento de ações que mudassem a postura dessas crianças em
relação ao estudo de História, tudo parecia um tanto quanto
impossível no início. Porém, resolvidas as primeiras questões, um
problema maior se apresentou: o livro didático adotado pela escola
mencionava os negros apenas para dizer que, à época do Brasil
Colônia, o trabalho da plantação e colheita da cana e a fabricação do
açúcar era realizado por eles.

Havia uma ausência e um silêncio constrangedores sobre a presença


negra naquela fase da história brasileira e por uma dessas
coincidências da vida, a televisão exibia uma novela onde os negros
escravizados estavam em toda parte e as crianças questionaram esse
fato.

Entendendo que os conteúdos e as finalidades do ensino-


aprendizagem de História vêm se transformando ao longo do tempo e
observando que as tarefas atuais desse processo estão ancoradas em
novas demandas sociais, encontrei ali uma oportunidade de exercitar
a minha própria e de oportunizar aos meus alunos o exercício de sua
cidadania, refletindo, criticando e se posicionando diante de um tema
caro e relevante ao contexto de uma sociedade que se quer justa e
igualitária.

Nesse sentido, planejei as aulas mediante dois conteúdos: O trabalho


do negro africano escravizado no Brasil Colonial e História das
mulheres negras no Brasil Colônia, com os objetivos de – a priori –
dar a conhecer aos alunos e alunas informações sobre o universo
negro ainda no princípio da história nacional – e de favorecer o

172
pensamento crítico em relação às questões de preconceito de raça e
gênero.

Como recurso para o trabalho utilizei o Kit Didático ―Quitandeiras‖,


produzido pelo LEMAD/USP e disponível para download na Internet.

Fundamentando a Experiência
Cidadania não era uma palavra do universo escolar no Brasil até –
pelo menos – a segunda metade do século XIX (para aprofundamento
ver STAMATTO, 1997), quando a necessidade de ser alfabetizado
para votar - ato que garantia a cidadania segundo o entendimento da
época – fez com que a escola passasse a ser vista como o local onde
se aprende a ser cidadão.

Logo a função de ensinar a ser cidadão seria delegada à disciplina


escolar História e, após longo tempo de transformação, hoje implica
em ―[...] formar crianças, jovens, adultos e idosos por meio de uma
história o mais diversa possível com acento na [...] atuação dos
diferentes sujeitos presentes na sala de aula‖ (Gil; Pereira;
Pacievitch; Seffner, 2017, p. 11).

Dessa forma e levando em conta a afirmação dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (1998, p. 25), quando diz que ―a educação
para a cidadania requer [...] que questões sociais sejam
apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos‖, ao
elaborar a intervenção com o tema aqui apresentado a intenção foi
abrir um espaço para a compreensão da atitude do ―outro‖ (negros e
brancos / homens e mulheres), favorecendo, desde uma idade ainda
mínima, atitudes de respeito e solidariedade e capacidade de conviver
com a diferença.

Em relação aos recursos, a escolha do kit LEMAD/USP se deu pelo


fato de que, em determinado momento do trabalho, o material
estimularia também a leitura e interpretação de documentos escritos
e imagéticos, assim como a prática da escrita pelos alunos e alunas.

Descrição da Metodologia
Como o livro didático fosse muito vago, o desenvolvimento da
experiência abrangeu vários momentos.

O primeiro momento deu-se a partir de aulas expositivas e registros


no caderno sobre o contexto da vinda dos africanos e seu
estabelecimento como mão de obra escravizada não apenas nos
engenhos de cana-de-açúcar, mas nas minas e nos ambientes
citadinos. Estudou-se, também, a diferenciação das funções de

173
trabalho masculino e feminino. Enfim, discutimos questões relativas à
resistência escrava e à alforria.

Em um segundo momento, a roda de conversas permitiu a


abordagem da condição feminina no Brasil daqueles tempos, com
recorte específico da condição da mulher negra. O trabalho com o Kit
didático veio a seguir; constituído de 15 documentos ao todo, o
material permite ler e interpretar fontes escritas e imagéticas, dando
oportunidade para que as crianças observassem, refletissem,
comparassem os documentos que tinham em mãos e produzissem
textos com os resultados de suas análises ao final dessa etapa.

Essas análises foram apresentadas oralmente para os colegas e a


professora, momento no qual deveriam se posicionar quanto à
problemáticas tais como: importância da participação da mulher
negra na sociedade do Brasil Colônia; motivos para a existência (na
opinião deles/delas) do preconceito tanto de raça como de gênero;
como esses preconceitos tem afetado a vida da população negra no
Brasil atual; o que fazer para solucionar as variadas situações de
desrespeito vivenciadas/presenciadas no dia-a-dia.

Análise dos Resultados


Considero que os objetivos foram atingidos, após avaliar o material
escrito produzido pelos alunos, bem como os pontos de vista
manifestados durante a realização do exercício de oralidade sobre o
tema estudado. Uma das alunas considerou que ―não era de se
admirar que os livros não falassem daquelas quitandeiras, se as
mulheres brancas já eram desvalorizadas, imagine as negras...‖

Alguns alunos e alunas sentiram-se à vontade para narrar episódios


testemunhados e/ou vivenciados por eles/elas.

Nesse sentido, a experiência demonstra a necessidade de se inserir


―a criança no mundo do saber histórico e social‖, conforme nos diz
Silva (2012, p. 04); isso evita que seja oferecido um conhecimento
pronto e acabado em uma fase da vida na qual a curiosidadeaflora
sobremaneira.

Além disso, ficou claro que os alunos/alunas dos Anos Iniciais


conseguem construir problemáticas a partir dos conteúdos e dos
dilemas cotidianos e entender novas formas de narrar o passado,
enxergando o processo histórico como algo dinâmico, dependendo da
forma pela qual são orientados/orientadas.

Ressalto, no entanto, que um trabalho dessa natureza exigirá do


profissional os conhecimentos sobre algumas das características da

174
faixa etária com a qual está atuando e, via de regra, também sobre
como acolher as experiências discentes no seu planejamento.Infere-
se que o resultado será a formação do cidadão nos moldes
preconizados pelos objetivos do ensino de História dos dias
contemporâneos: reflexivo, crítico e atuante na sociedade na qual se
encontra inserido.

Referências
Olga Suely Teixeira é Mestranda no Programa de Pós-Graduação em
Ensino de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Professora de História na rede particular de ensino da cidade de
Natal/RN.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais: apresentação dos Temas Transversais; ética /
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. p. 25.

GIL, Carmem Zeli de Vargas; PEREIRA, Nilton Mullet; PACIEVITCH,


Caroline; SEFFNER, Fernando. Ensinar, pesquisar, ensinar: a
experiência dos Mestrados Profissionais. Revista PerCursos,
Florianópolis, v. 18, n. 38, p. 08-32, set/dez. 2017.

SILVA, Elvis Roberto Lima da. Alfabetização Histórica é possível?


Anais do XV Encontro Regional de História da ANPUH – RJ, 2012.

STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Entre a escrita e a oralidade: o voto


e a escola – Brasil: 1875-1904. IV Seminário Nacional de Estudos e
Pesquisas ―História, Sociedade e Educação no Brasil‖. 14 a 19 de
Dezembro de 1997. UNICAMP, Campinas, SP.

175
DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA PARA ALUNOS SURDOS
EM CLASSES INCLUSIVAS
Paulo José Assumpção dos Santos

Em sua última edição, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)


teve como tema de redação os ―desafios para a formação educacional
de surdos no Brasil‖. De acordo com os dados a respeito dos
resultados da prova, informados pelo Ministério da Educação (MEC),
houve menos notas máximas na comparação com a edição anterior
do exame. Além disso, 6,5% dos candidatos receberam nota zero em
suas redações, sendo que, destes, 5,01% fugiram do tema proposto,
um aumento de 542% em relação ao Enem de 2016 (LUIZ, 2018).
Revelando assim, não sem surpresa, o quanto a temática proposta
ainda não é devidamente debatida em nossas escolas e na sociedade,
de um modo geral. Se, por um lado, os organizadores da prova
exigiram de seus candidatos algo que estava além de seu repertório
argumentativo, por outro, tiveram o mérito de colocar a educação de
surdos em pauta. Considerando o atual contexto educacional
inclusivo no Brasil, estabelecido e amparado por uma série de leis e
políticas públicas, como a Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, e o Plano Nacional de
Educação (PNE), de 2014, o professor não pode deixar de se
apropriar desta questão.

Os desafios de ensinar História para alunos surdos incluídos, ou seja,


inseridos em um grupo formado majoritariamente por alunos
ouvintes, são muitos e diversos problemas se impõem. A começar
pela formação docente deficitária, marcada pelo predomínio de
disciplinas a respeito de conteúdos teóricos e factuais específicos da
área de conhecimento e pela ausência de matérias voltadas para a
Educação Especial, campo no qual se inserem os estudos
relacionados à educação de surdos. Somente nos últimos anos, por
força do Decreto n.º 5.626, de 2005, o ensino de Libras (Língua
Brasileira de Sinais) foi incluído na grade curricular dos cursos de
licenciatura. Um avanço importante, mas insuficiente. Se conhecer a
História não basta para ensiná-la (CAIMI, 2015), ter o conhecimento
de Libras e de História também não garante que o professor está
apto a ensinar História para alunos surdos. Ele precisa de uma
formação que o instrumentalize com conhecimentos teórico-
metodológicos relacionados à surdez. Algo que as licenciaturas ainda
deixam a desejar. Desta forma, indagamos: como ensinamos História
para os surdos sem um conhecimento prévio a respeito de suas
peculiaridades e das abordagens didáticas mais adequadas a serem
utilizadas no trabalho com eles?

176
As pesquisas acadêmico-científicas, que poderiam oferecer suporte
aos professores que atuam com alunos surdos em classes inclusivas,
ainda são incipientes. Em levantamento realizado para nossa
dissertação, identificamos a existência de apenas quatorze textos,
entre artigos, comunicações, monografias e dissertações, que versam
especificamente sobre esta temática. Ademais, os dados parecem
indicar que a questão surda está distante das preocupações que
mobilizam as produções acadêmicas na área de História, posto que,
até o momento, dispomos de somente uma monografia,duas
dissertações (tendo estas últimas sido defendidas recentemente) e
nenhuma tese. Também chama a atenção o fato de que, dentre os
dez autores aos quais tivemos acesso a seus currículos, só três deles
prosseguem estudando o tema aqui abordado. E não se trata de
esgotamento do assunto, uma vez que os próprios textos apontam
para diversas questões que necessitam ser aprofundadas ou
exploradas em futuras pesquisas (PEREIRA; POKER, 2012; AZEVEDO;
MATTOS, 2017).

Nossa experiência em uma escola inclusiva e os relatos dos


pesquisadores (UGRINOWITSCH, 2003; YOKOYAMA, 2005; PEREIRA;
POKER, 2012; PADOVANI NETTO, 2017) revelam ainda que,
definitivamente, o professor de História não fala a mesma língua que
o seu aluno surdo. Em um primeiro sentido, mais óbvio e literal, a
maioria dos docentes não faz uso de Libras, seja por não a dominar,
seja pela dificuldade (quase impossibilidade) de lecionar em duas
línguas de modo concomitante. Considerando que o ensino para
alunos surdos deve ser feito em língua de sinais, faz-se então
imprescindível a assistência de um intérprete de Libras. Esse
profissional tem a função de traduzir o conteúdo acadêmico e
intermediar a relação professor-aluno surdo. Porém, tal mediação
comumente vem acompanhada por uma série de problemas e
tensões, dentre os quais a sensação de incômodo que a presença de
um outro profissional na sala de aula pode suscitar ao professor
regente e a confusão de papéis em sala de aula (o intérprete visto
como professor dos alunos surdos, tanto por esses como pelo próprio
regente). Isso considerando que haja intérprete, pois ainda se
verificam dificuldades quanto à sua contratação por gestores e
secretarias de educação, como ocorre na cidade do Rio de Janeiro
(RJ1, 2017). Neste caso, para angústia ou desprezo do professor,
seus alunos surdos são condenados a uma situação de invisibilidade
(KELMAN; BUZAR, 2012), diante de uma aula ministrada por uma
boca que apenas se mexe.

Aqui encontramos o outro sentido para a colocação supracitada. O


professor de História também deixa de ―falar a língua‖ dos seus
alunos surdos quando mantém, a despeito da presença desses

177
sujeitos, práticas pedagógicas tradicionais, ensinando
fundamentalmente por meio de narrativas orais e com o suporte de
textos escritos, via de regra, contidos nos livros didáticos, o que
Yokoyama denomina ―comportamento teórico-metodológico oral
auditivo‖ (2005). Se nas últimas décadas a disciplina História,
enquanto pesquisa, incorporou novos métodos e objetos, incluindo
cada vez mais o estudo de grupos sociais marginalizados, esta
mesma abertura pouco se verifica em relação à História ensinada em
nossas escolas. Neste sentido, Verri e Alegro afirmam que a
historiografia quer incluir, mas o ensino de História não sabe incluir
(2006). Ainda estamos presos a um modelo de ensino apoiado na
oralidade, com conteúdos nem sempre significativos e abordagens
que são pouco eficientes ou reverberam na nova geração de alunos
(SANCHES, 2007).

Dada ainda a dificuldade dos surdos em relação ao Português,


considerada sua segunda língua (OLIVEIRA, 2012), as aulas nas quais
os conteúdos são expostos exclusivamente de forma oral tornam-se
de difícil (ou mesmo impossível) compreensão e um verdadeiro
fardo.Uma vez que os alunos ouvintes também, por vezes, parecem
―surdos‖ às nossas aulas, nos parece urgente superarmos o padrão
arcaico de ensino de História. Talvez o trabalho com os surdos possa
até nos apontar caminhos mais inovadores para o nosso ofício, uma
vez que requer que o processo ensino-aprendizagem se dê
mobilizando diferentes sentidos e sensibilidades.

Empregar estratégias, recursos e avaliações diferenciadas,


notadamente as que envolvem o uso de Libras e de imagens,
planejadas a partir do conhecimento das especificidades dos sujeitos
surdos, são fundamentais para que o trabalho do professor com esses
discentes seja bem-sucedido. Aliás, também ganham os demais
alunos, como comprovam diversos estudos (GUIJARO, 2005;
KELMAN, 2011; SANCHES, 2017), uma vez que o acesso ao
conhecimento se torna mais facilitado – não no sentido de
complacência, é importante frisar. No entanto, o docente precisa ser
extremamente cuidadoso ao lançar mão de ações e materiais
pedagógicos singularizados. Sequer deve considerar que por si só
garantem a aprendizagem. Encher a sala de aula de imagens ao invés
de levar à aquisição de conhecimentos pode resultar em uma espécie
de cacofonia visual para o surdo, como exemplifica Yokoyama (2005).

Acima de tudo, seja de que modo for, os conteúdos ensinados aos


alunos surdos precisam ser significativos (VERRI; ALEGRO, 2006), se
relacionando com suas vivências e possibilidades de ação presentes e
futuras. Conexão esta que é uma das molas-mestras do mister do
professor de História, mas que se faz ainda mais urgente em relação

178
aos discentes surdos, por ainda estarem estes em condições de
exclusão social, mesmo com as políticas públicas e avanços em
termos de acessibilidade verificados nos últimos anos. Assim, tornar
mais acessível e significativo o ensino de História pode concorrer na
elaboração de uma consciência histórica dos surdos, implicando no
pleno exercício de sua cidadania.

Neste sentido, por que não pensarmos na possibilidade de inclusão da


presença surda nos conteúdos factuais da disciplina História? Quando
observarmos o currículo de História, tanto aqueles contidos nos livros
didáticos quanto os elencados pelas redes de ensino, facilmente
detectamos a ausência dos surdos. Acreditamos que incluir os surdos
no estudo da trajetória humana, suas dores e suas lutas, os grandes
personagens e os anônimos, as diferentes formas com as quais foram
vistos e tratados, poderia ser um importante contributo para tornar o
ensino de História mais atrativo para o aluno surdo, além de
favorecer a valorização deste grupo, tanto para si como para os
outros, elevando a autoestima desses sujeitos. Ao identificar o
protagonismo surdo na História, os alunos ouvintes teriam assim a
oportunidade de perceber seus colegas por um outro viés, que não o
da deficiência. Se enalteceria a alteridade e o ensino da História
cumpriria o seu papel de, como processo formativo, mudar as
pessoas (VERRI; ALEGRO, 2006).Porém, como fazer tal inclusão? Por
força de lei, similar à n.º 11.645, de 2008, que tornou obrigatório o
ensino de história afro-brasileira e indígena? Seria válida somente
para turmas ou escolas com alunos surdos? Há fontes significativas
disponíveis? E como incluir mais uma minoria sem sobrecarregar um
currículo já inflacionado?

Não temos aqui o propósito de esgotar o assunto e oferecer respostas


a todas as questões levantadas. Tampouco a intenção de intimidar
aqueles que venham a lecionar para alunos surdos. Nossa proposta
foi desvelar entraves que cercam o ensino de História direcionado
àqueles discentes incluídos em classes regulares a fim de que,
enquanto desafios, possam ser devidamente enfrentados.
Enfrentamentos que não cabem somente aos professores. Os cursos
universitários, particularmente de História, precisam incentivar
pesquisas e incluir em suas grades curriculares disciplinas voltadas a
discussões teórico-metodológicas a respeito do ensino para sujeitos
surdos. Gestores das escolas e redes de ensino devem propiciar
tempo e espaços para a formação continuada de seus profissionais,
bem como investir em recursos materiais e humanos que possibilitem
a inclusão escolar com a qualidade que lhe é implícita. De nossa
parte, precisamos ser sensíveis aos nossos alunos surdos, nos
apropriando das questões referentes à surdez, realizando as
adaptações necessárias ao fazer docente que a presença surda exige

179
e compartilhando aquelas já feitas. O desafio está posto. Vamos
encarar?

Referências
Paulo José Assumpção dos Santos é professor de História da rede
municipal de ensino de Duque de Caxias, mestrando do Programa de
Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (PPGEH/UFRJ) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
Sobre Surdez (GEPeSS/UFRJ).

AZEVEDO, Patrícia Bastos de; MATTOS, Camila Oliveira. Ensino de


história para alunos surdos: a construção de conhecimento histórico a
partir de sequências didáticas. Revista Per Cursos, Florianópolis, v.
18, n. 38, p. 112-133, set./dez. 2017.

CAIMI, Flávia Eloisa. O que precisa saber um professor de História?,


História & Ensino, Londrina, v. 21, n. 2, p. 105-124, jul./dez. 2015.

GUIJARRO, Maria Rosa Blanco. Inclusão: um desafio para os sistemas


educacionais. In: BRASIL. Ministério da Educação. Ensaios
pedagógicos: construindo escolas inclusivas. Brasília: MEC/SEESP,
2005, p. 7-14.

KELMAN, Celeste Azulay. Significação e aprendizagem do aluno


surdo. In: MARTINEZ, Albertina Mitjáns-Martinez; TACCA, Maria
Carmen (Org.). Possibilidades de aprendizagem: ações pedagógicas
para alunos com dificuldades e deficiências.Campinas: Alínea, 2011,
v. 01, p. 173-206.

______; BUZAR, Edeilce Aparecida Santos. A (in)visibilidade do aluno


surdo em classes inclusivas: discussões e reflexões. Espaço, Rio de
Janeiro: INES, n. 37, p. 4-13, jan./jun. 2012.

LUIZ, Gabriel. Enem 2017 tem queda no total de alunos com nota mil
na redação. O Globo, Rio de Janeiro, 18 jan. 2018. Disponível em
<https://g1.globo.com/educacao/enem/2017/noticia/enem-2017-
tem-queda-no-total-de-alunos-com-nota-mil-na-redacao.ghtml>.
Acesso em: 4 mar. 2018.

OLIVEIRA, Liliane Assumpção. Fundamentos Históricos, Legais e


Biológicos da Surdez. Curitiba: IESDE Brasil S. A., 2012.

PADOVANI NETTO, Ernesto. Ensino de História, oralidade, alteridade


e surdez. In: BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli;
NETO, José Maria (Org.). Um Pé de História: estudos sobre

180
aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição
Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2017, p. 97-99.

PEREIRA, Carlos Cesar Almeida Furquim; POKER, Rosimar Bortolini. O


ensino de História para surdos: análise da situação de escolas
especiais e de escolas regulares. Espaço. Rio de Janeiro: INES, n. 38,
p. 73-78, jul./dez. 2012.

RJ1. Falta de intérprete de Libras deixa alunos sem aprender na rede


municipal. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rjtv-
1edicao/videos/t/edicoes/v/falta-de-interprete-de-libras-deixa-
alunos-sem-aprender-na-rede-municipal/5986609/>. Acesso em 31
jul. 2017.

SANCHES, Danielle. História silenciosa. Revista de História da


Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro: Sociedade de Amigos da
Biblioteca Nacional, 12 set. 2007. Disponível em:
<http://www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/historia-
silenciosa>. Acesso em: 12 fev. 2017.

UGRINOWITSCH, Mônica. Reflexões de uma professora de História


sobre o desenvolvimento linguístico em alunos surdos e ouvintes.
Arqueiro. Rio de Janeiro: INES, v. 7, p. 31-39, jan./jun. 2003.

VERRI, Célia Regina; ALEGRO, Regina Célia. Anotações sobre o


processo de ensino e aprendizagem de história para alunos
surdos. Práxis Educacional, Vitória da Conquista, n. 2, p. 97-114,
2006.

YOKOYAMA, Lia Cazumi. Reflexões sobre o ensino de história para


alunos surdos. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005,
Londrina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História – História:
guerra e paz. Londrina: ANPUH, 2005. CD-ROM.

181
HISTÓRIA POR MEIO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS –
CUMBE A HQ SOBRE A ESCRAVIDÃO
Policleiton Rodrigues Cardoso
Ellen Cristina Araújo Silva

Objetiva-se, neste artigo, apresentar dentre inúmeras possibilidades


temáticas de trabalho, o uso de histórias em quadrinhos como
recurso didático. A priori será explanada uma breve abordagem
acerca do surgimento das Histórias em Quadrinhos, bem como suas
mudanças e apropriações no decorrer do tempo, aposteriori, as
possibilidades de trabalho com as HQ‘s em sala de aula, com ênfase
na HQ intitulada: Cumbe, desenvolvida pelo mestre em história da
arte: Marcelo D‘Salete, no qual em sua análise é possível observar
diferentes contextos da escravidão brasileira no período colonial.

Introdução
O uso de HQs e Mangás no âmbito historiográfico foram obtendo
notoriedade após a década de 1970, em virtude da virada cultural
que possibilitou novas abordagens as fontes que até então eram
marginalizadas pelos historiadores. Dessa forma, o trabalho se insere
nessa proposta, de versar sobre uma historiografia tradicional e
compará-la a historiografia contemporânea, a fim de apresentar as
lacunas deixadas pela historiografia que apresenta os
escravos/africanos enquanto sujeitos passivos.

Tendo em vista a ausência de concepções atuais dos escravos em


livros didáticos, apresentamos a possibilidade de se compreender as
ações de resistência ao status quo por parte dos africanos no interior
da HQ Cumbe de Marcelo D‘Salete, dialogando com a historiografia
que apresenta o negro como sujeito histórico ativo no regime da
escravidão brasileira no período colonial.

História em quadrinhos – surgimento


As Histórias em Quadrinhos são percebidas enquanto arte sequencial,
acompanhando outros gêneros das artes como: cinema, desenhos,
animes (posto que esse último se remete a Cultura Oriental
Japonesa), entre outros. A estrutura das HQs modernos (narração,
texto e imagem) tal como discernimos atualmente, surgiu com a
tirinha The Yellow Kid, de Richard Outcault em 1894 e assim foram
exteriorizadas por meio da revista Truth (entre os anos 1894-1895) e
jornais (New York World -1895; New York Journal American – 1897).

182
Figura 1 – O Menino Amarelo (Yellow Kid), de Outcault.
http://jornal.usp.br/cultura/historias-em-quadrinhos-vivem-bom-
momento-no-brasil-diz-docente/

As Histórias em Quadrinhos possibilitam inúmeros rendimentos de


análises acerca da sociedade, no entanto os estudos por meio das
HQs devem ser acompanhados e podem auxiliar na percepção de:
transformações sociais dentro dos meios de produção, bem como a
relação à sua materialidade, ao entendimento do meio social, e a
questões políticas. De acordo com Carlos André Krakhecke (2009):
―Seus diversos enfoques possibilitam múltiplas formas de análise da
sociedade, tomando, por exemplo, os quadrinhos estadunidenses de
super-heróis, pode-se criar uma série de objetos de pesquisas como:
o papel dos quadrinhos no esforço de guerra durante a segunda
guerra mundial, o reflexo do macarthismo nos quadrinhos, os negros
nos quadrinhos durante as décadas de 1960-70, as mudanças
editoriais nas HQs pós 11 de setembro de 2001.‖ (Krakhecke 2009.
p.38)

As HQs são uma excelente forma de ensino-aprendizagem, uma vez


que há no meio historiográfico, pesquisas que fornecem métodos e
conteúdo para serem destinados a orientar docentes na sua utilização
como ferramenta pedagógica. Entre as pesquisas que utilizam as
HQs, apresentamos algumas como forma de exemplificar o avanço
da ―Nova História‖ em nos conduzir a inovações epistemológicas que
possibilitam-nos novas linguagens na pesquisa e no ensino, dentre
elas a do historiador Daniel de Souza Dutra (2014), em sua pesquisa,

183
demonstra aspectos da cultura grega no interior do mangá Cavaleiros
do Zodíaco, fazendo uso de fontes sequenciais e outros
embasamentos com a intenção de demonstrar a relevância da arte
serial para a construção do conhecimento histórico; Um trabalho
notável sobre a utilização das Histórias em Quadrinhos como fonte
histórica se deve ao historiador Carlos André Krakhecke (2009), que
observa os processos de conflitos durante a Guerra Fria, e como
esses influenciaram na criação de heróis, vilões, tramas que
representavam muito bem a conjuntura do período. As HQs também
auxiliam na elucidação de noções que são pertinentes para se
compreender aspectos históricos.

Histórias em Quadrinhos como recurso didático


Diante dos primórdios que desenvolveram a viabilidade de trabalho
com HQ‘s no ensino destaca-se, doravante, o programa que propagou
tal forma de linguagem no âmbito escolar. Trata-se do Programa
Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), no qual no ano de 2006 inclui
obras em quadrinhos em suas diretrizes, perante duas vertentes: a
primeira consiste nos quadrinhos serem um gênero literário e a
segunda, pela ênfase em adaptações de obras clássicas da literatura
universal.

Douglas Xavier de Lima no artigo intitulado ―Histórias em quadrinhos


e ensino de história‖ (2017) elenca a utilização e ampliação que se
encontram as HQ‘s no ambiente escolar, em meio a críticas e
resistências desencadeadas desde o século XIX. De acordo com o
autor, o final do século XX incorporou os quadrinhos de forma mais
significativa, com fins educativos e que podiam ser utilizadas para a
propagação de conteúdos escolares. (LIMA, 2017, p.148)

Vale mencionar que um dos aspectos para incorporação dos


quadrinhos no ambiente escolar também decorreu em virtude da
crescente presença das HQs no meio acadêmico. Diante de tal
afirmação, podemos citar trabalhos como: ―A explosão criativa dos
quadrinhos‖ (1970) desenvolvida por Moacy Cirne; ―Quadrinhos e
arte sequencial‖ (1999) Will Eisner; ―Na escola com as histórias em
quadrinhos‖ (2003) Cleoni Inácio.

A história em quadrinho como recurso didáticos possui a possibilidade


de aumentar a motivação dos estudantes para os conteúdos da aula,
posto que essa ferramenta aguça a curiosidade, incitando o senso
crítico já que, as HQs possuem interligação do texto com a imagem,
bem como a profícua possibilidade de compreender conceitos e
conteúdos que, de outra forma porventura, não seriam efetivados
visto que a linguagem e temas que se encontram nas histórias em
quadrinhos são mais acessíveis e assimiláveis. (CARVALHO, 2012)

184
Contudo é necessário frisar que a utilização dessa ferramenta no
âmbito escolar é apenas um recurso e não o único mecanismo a ser
utilizado pelo professor.

Quadrinhos no ensino de história


O presente tópico busca abordar com mais afinco a possibilidade da
utilização das Histórias em Quadrinhos no ensino de História visto
que, como já mencionado anteriormente, os quadrinhos possuem
inúmeros elementos passiveis de discussão. Johnni Langer (2009,
p.01),elenca alguns motivos que distanciaram/distanciam as HQs do
ensino. Segundo o autor, a HQ embora seja uma arte estreitamente
vinculada ao cinema e a literatura nunca conseguiu obter um status
na academia em geral semelhante a essas duas formas de
comunicação e entretenimento, isso decorre dos antigos sistemas
educacionais, que concebiam este tipo de arte como ―negativa‖ para
a formação educacional. Outro distanciamento advém da formação
dos professores, visto que a maior parte dos docentes não tem uma
formação adequada para analisar os suportes iconográficos junto a
seus alunos. Vale mencionar, que isso vem mudando tanto na
academia, quanto no ambiente escolar. Uma das razoes dessa
mudança é a inserção de disciplinas nos cursos de Licenciatura que,
inserem esse tipo de abordagem, bem como incentiva a criação de
projetos e possibilidades temáticas para se trabalhar com esse tema
em sala de aula, tendo como exemplo a disciplina PCC V - Estratégias
de ensino de História no ensino fundamental.

Possibilidade temática
O conteúdo sobre a África é obrigatório na educação básica, posto
que a legislação exige a prática do estudo da história e cultura afro-
brasileira, assim como a indígena, contudo essa última não se insere
na proposta do artigo. A lei nº 11.645, de 10 de março de 2008,
sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, garante em seu
art. 26-A que ―nos estabelecimentos de ensino fundamental e de
ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da
história e cultura afro-brasileira e indígena‖.

Lecionar sobre história da África é um grande desafio para o âmbito


educacional, dado que de certo modo a historiografia que é
apresentada no manual didático possuiu um caráter conservador e
com perspectivas eurocêntricas, apresentando teses racistas,
inferiorizando os africanos, apresentando esporadicamente os negros
enquanto sujeitos históricos, tratando de forma homogeneizada os
três séculos de escravidão presente no Brasil, entre uma miríade de
dados que estão em desacordo com as novas perspectivas
historiográficas.

185
A nova historiografia demonstra a escravidão na ―América‖ desde o
século XVI ao XIX caracterizando os escravos enquanto edificadores
de sua própria história, ou melhor, trata-os enquanto sujeitos ativos,
e não passivos de posicionamento dos europeus.

Na perspectiva do historiador africanista Joseph Ki-Zerbo, há à


necessidade de se reescrever a história da África, posto que é
fundamental para a elucidação da ―verídica‖ história, pois a história
escrita por meio dos europeus foi ―mascarada, camuflada,
desfigurada, mutilada‖, pela ―força das circunstâncias‖, ou seja, pela
ignorância e pelo interesse.‖ E por essa ―fixação‖ da imagem leva a
pensar que a África é constituída apenas desses adjetivos, ou seja,
uma representação da África por meio dos escritos, pois o continente
foi extremamente estigmatizado pelos textos/imagens e ainda
continua sendo. A representação é construída pela classe dominante,
isto no período colonial o grupo preponderante eram os europeus, e
conforme ressalta Roger Chartier:

―As representações do mundo social, embora aspirem a


universalidade [...] são sempre determinadas pelos interesses de
grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os
utiliza.‖ (CHARTIER, 1990, p.17)

A representação do escravo enquanto passivo se deve a grande parte


da historiografia europeia que se ocupou em colocá-lo nessa posição,
isto é, uma antiga historiografia que simplifica as relações de
escravos, em que mantém o sujeito escravo inteiramente submisso
ao seu senhor, não dando possibilidades desses indivíduos se
movimentarem e negociarem com seus senhores.

O historiador João José Reis (1989) percebe as práticas dos escravos


no Brasil de modo que foge de uma historiografia tradicional,
colocando o negro resistente ao status quo. Os escravos possuíam
manobras no interior do sistema escravista de modo que conseguiam
negociar com seus senhores, de maneira que não rompia com o
sistema, em contrapartida as fugas de rompimento são compreendias
como uma ruptura ao sistema escravista que os negros africanos
eram impostos. Outra forma de negociação estava na ameaça de
fuga que era percebida como forma de negociação entre escravo e
senhor.

Mediante a essa representação dos escravos como sujeitos da


História, desmitificando a imagem do escravo brasileiro, uma vez que
a produção acadêmica observa os escravos numa perspectiva ora de
passividade ora de agressividade, a HQ desenvolvida pelo mestre em

186
história da arte: Marcelo D‘Salete que, assim como REIS e SILVA
(1989) alude a escravidão numa posição intermediária, em um
espaço de manobras, de indefinições, de negociações, e de conflitos.

HQ Cumbe– Marcelo D’Salete


―Cumbe‖ é uma HQ composta por quatro histórias perpassadas no
período de escravidão no Brasil Colonial, desenvolvida por Marcelo
D‘Salete, um quadrinista e mestre em história da arte pela USP. Nela
D‘Salete buscou evidenciar o cotidiano de escravos abordando
elementos como: sentimentos de fé, amor e liberdade conduzindo os
personagens centrais (os escravos) que almejavam a liberdade diante
do sistema no qual estavam inseridos.

A linha de trabalho do autor consiste na temática sobre a escravidão


e, suas principais fontes foram obras de diversos historiadores como:
Flávio Gomes, Décio Freitas, Clóvis Moura, Nei Lopes, Edison
Carneiro, João Felício, além da biblioteca do Museu Afro Brasil. É de
suma importância elencar a linha de pesquisa e as fontes que o autor
utiliza em seus trabalhos, visto que corroboram para o entendimento
da ótica da escravidão exposta pelo autor na HQ.

Em ―Cumbe”, o autor procura abordar as faces daqueles sujeitos


históricos que resistiram ao sistema da escravidão. É perceptível
analisar inúmeros aspectos passiveis de discussão na HQ mencionada
no presente momento. O próprio significado do título deixa evidente a
intenção do autor, pois apesar da palavra ―Cumbe” significar
―quilombo‖ em alguns países, o autor a coloca na linguagem africana
no qual a palavra representa signos como o sol, o dia, a luz, fogo e a
maneira de compreender a vida e o mundo. Destaquemos esse último
significado, pois, em síntese, é o que vai ser retratado no trabalho de
Salete: tratar de histórias sobre a resistência negra africana contra a
escravidão, bem como pequenas ações de rebeldia do cotidiano nas
vilas e fazendas, ou seja, mostrar as relações sociais do quotidiano
do período da escravidão, analisados pelo ponto de vista do escravo.

Imagem 02 - tradições e expressões africanas


Fonte: HQ Cumbe, 2014.

187
Diante da convicção que o Brasil é oriundo de origens diversas, e
parte dessa vasta origem deve-se a cultura dos índios nativos e aos
africanos, o autor, ao elencar o ponto de vista do escravo durante a
construção da história preocupa-se com a ressignificação de símbolos
e palavras da cultura destes atores, além de manter diversas
referências a expressões e tradições africanas trazidas pelos
escravos.

HQ Cumbe e o ensino de história


Cumbe é uma história de resistência e luta de escravos negros
durante o século XVII. Por meio do contexto da escravidão brasileira
inserida no livro didático é possível uma profícua associação com o
quadrinho, posto que o mesmo possui vários elementos para se
pensar esse contexto, inclusive mais além dele, visto que
tradicionalmente não são retratados lutas cotidianas ou relações
sociais difundidas pelos escravos, somente a passividade ou
agressividade desses atores históricos.

A HQ é composta por quatro histórias com o total de 176 páginas. A


escolhida para a proposta é a terceira história com o mesmo título do
livro: Cumbe. Tal sessão trata de um tema bastante emblemático nas
relações e dinâmicas da escravidão: revoltas e conflitos permeados
no cotidiano.

Para realizar a proposta mencionada, foi preciso a análise de um livro


didático, a fim de conhecer o seu conteúdo e inserir a Hq na
abordagem. Dessa forma, foi escolhido o livro produzido no ano de
2010: PROJETO ARARIBA –HISTÓRIA – ENSINO FUNDAMENTAL II –
7ºANO. No qual em sua 8ª unidade, possui um capítulo intitulado O
Nordeste colonial, seguido de temas como: A economia açucareira; A
vida nos engenhos; Escravidão e resistência; Trocas e conflitos. Tais
temas além de se associarem com a HQ escolhida nos faz perceber os
avanços e novas perspectivas que o conteúdo da escravidão tem
desencadeado nos livros didáticos, visto que ao falarem de
resistências, trocas e conflitos entram em conformidade com aquilo
que vem sendo produzido na academia: que o escravo fora um
sujeito histórico ativo. Outro avanço que pode ser mencionado é que,
além da inserção da HQ no conteúdo proposto; ao final da
abordagem, o livro sugere um trabalho em grupo para criação de
uma história em quadrinho acerca dessa temática.

Partindo mais afinco ao tema proposto no capítulo e a inserção da HQ


por hora citada, partimos para tema do livro Trocas e conflitos, pois
como já foi mencionada anteriormente, Cumbe busca abordar a
escravidão no período colonial brasileiro a partir de um ponto de vista

188
de negros e africanos escravizados. Diante disso, o professor pode
elencar o conteúdo exposto no livro que, em geral não relata pela
ótica dos escravos e assim, relacionar as duas visões, como um
cruzamento de fontes e, dessa forma o conteúdo terá mais riqueza,
bem como percepção e absorção por parte dos alunos.

Mediantes aos conflitos elencados na HQ, pode-se mencionar que,


nem sempre há uma dicotomia de africanos escravizados de um lado
e senhores brancos do outro. Sabe-se que era uma sociedade bem
hierarquizada, mas por outro lado havia uma ideia de assimilação.
Porém, também há uma preocupação em mostrar a violência
intrínseca da escravidão e as diferentes formas de resistência negra
contra esse sistema, bem como a atuação e sobrevivência de
diferentes contextos da escravidão brasileira.

Imagem 03

189
Imagem 04
Fonte: HQ ―Cumbe”

Imagem 03 e 04 retiradas da HQ, Imagens retiradas da HQ, no qual


representam alguns contextos de conflitos entre escravos e senhores
de engenho. O contexto no qual as imagens se inserem são de
momentos em que escravos da cultura de bantu, revoltam-se em
virtude da violência desacerbada praticada pelos senhores de
engenho. Cabe ressaltar que muitas das abordagens realizadas aqui,
elencam a questão de liberdade com um caráter coletivo.

Vale mencionar que, o professor pode tecer uma visão mais


fundamentada acerca dos atos contidos na Hq no contexto de
negociações/resistência mediante a análise de trabalhos
historiográficos, verbi gratia: Escravidão e liberdade nas Américas de
Keila Grimberg, no qual por meio de pesquisas jurídicas, elenca casos
específicos de africanos escravizados que se envolveram em algum
tipo de conflito com os senhores e isso geralmente ia parar na justiça.
Portanto, mediante história do negro no Brasil, principalmente no
período da escravidão, que trata a população negra como vítimas e
marginalizados, a Hq visa mostrar que também existia resistência.
Sendo assim, por meio das discussões elencados no livro didático o
professor pode dar uma excelente aula que contemple o conteúdo da
escravidão e insira novas visões desse período. Por meio da HQ
Cumbe, ser trabalhados pontos como: Cultura africana; resistência
dos escravos; conflitos no dia a dia; cotidiano daquele contexto.

Considerações finais
As Histórias em Quadrinhos são percebidas enquanto um notório
diálogo que pode/deve ser levado ao âmbito educacional enquanto

190
um complemento pedagógico. As HQs são expressivas, tanto no
sentido de ideias quanto de formação epistemológica dos discentes,
posto que é uma linguagem que está presente nas escolas, mas que
perpassa um meio social mais amplo. As HQs são construídas de
acordo com as interpretações de seus autores, posto isso buscamos
uma HQ produzida pelo historiador Marcelo D‘Salete que buscou por
meio de seus conhecimentos históricos e habilidades de designer criar
quadrinhos que visassem a resistência à escravidão no Brasil pela
perspectiva dos povos negros, utilizando seu HQ produzido em 2014
chamado Cumbe, no qual percebemos importantes elementos da
historiografia contemporânea que visa a desconstrução da imagem do
escravo enquanto passivo da ―superioridade europeia‖.

Em Cumbe, os escravos – personagens centrais – ganham cor, traço,


sombra variadas histórias acerca período colonial. Mediante sua
análise foi perceptível elencar uma relação do que vem sendo
construído na academia e obter a possibilidade de inseri-la no ensino
básico: observar e tratar o escravo como um sujeito histórico ativo,
posto que há inúmeros aspectos para compreender a escravidão
negra no Brasil Colonial, bem como o cotidiano e particularidades
daqueles atores históricos que por vezes foram marginalizados tanto
na historiografia tradicional, quando nos livros didáticos.

Referências
Ellen Cristina Araújo Silva é graduando do curso de História da
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, no Campus de
Estudos do Trópico Úmido.

Policleiton Rodrigues Cardoso é graduando do curso de História da


Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, no Campus de
Estudos do Trópico Úmido.

CARVALHO, Juliana. Trabalhando com quadrinhos em sala de aula.


CECIERJ – Educação Pública, publicado em 19/05/2009. Disponível
em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/suavoz/0116.html, acesso
em 12/11/2012

CHARTIER, Roger. O Mundo como representação. Estudos Avançados,


vol.5, n°11, Jan./Abr. 1991.

KRAKHECKE, Carlos André. Representações da guerra fria nas


histórias em quadrinhos Batman – o cavaleiro das trevas e Watchmen
(1979-1987). Dissertação de mestrado (PUCRS). Porto Alegre, 2009.

191
KI-ZERBO, Joseph. Introdução Geral. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.).
História Geral da África: Metodologia e Pré-História da África. Vol. I.
Brasília: Unesco, 2010.

LANGER, Johnni. O Ensino de História Medieval Pelos Quadrinhos. In:


____. História, Imagem e Narrativas, Nº 8, abril/2009

LIMA, Douglas. História em quadrinhos e ensino de História. Revista


História Hoje, v.6, nº 11, 2017

PROJETO ARARIBÁ. História. Editora Moderna (org.). Obra coletiva,


concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editora
responsável Maria Raquel Apolinário. 4.ed. São Paulo: Moderna,
2014, 6º - 9º ano.

REIS, João José; PAIVA, Eduardo França (Orgs.). Negociação e


Conflito: A Resistência Negra No Brasil Escravista. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989

Entrevista acessada em: www.vitralizado.com/tag/marcelo-dsalete/


06.02.2018

192
AÇÕES AFIRMATIVAS E AS PROPOSTAS DE ENSINO DE
HISTÓRIA
Siméia de Nazaré Lopes

Em 2003, o Governo Federal aprovou a lei no 10.639 (BRASIL,2003),


que tornava obrigatório o ensino de História da África, da Cultura
Africana e Afro-Brasileira nas escolas de educação básica. Em 2008, o
texto dessa lei foi alterado, passando a incluir a História e a Cultura
dos povos indígenas na obrigatoriedade dos conteúdos presentes nos
currículos escolares e nas instituições de ensino superior. A lei
11.645/08 marcou a ampliação do debate sobre o ensino das relações
étnico-raciais, mais precisamente, a sua obrigatoriedade nas
abordagens referentes ao conhecimento histórico escolar. Essas leis
fazem parte do processo de inclusão social presente nas políticas de
ações afirmativas e de combate ao racismo regulamentadas pelo
governo federal, mas que também foi fruto da ação presente e
persistente dos movimentos sociais para garantir tais acessos,
reconhecimentos e reparações.

No início de 2000, os movimentos sociais passaram a reivindicar, de


forma mais incisiva, por mudanças nas políticas públicas relacionadas
ao debate sobre as desigualdades sociais, principalmente no espaço
educacional. Segundo Nilma Lino Gomes, é no campo educacional
que se produz e se reproduz um ―quadro de desigualdades raciais‖
(GOMES, 2005, 110). Foi pensando nesses espaços e nas suas
relações que essas demandas passaram a entrar na pauta de debate
e ter visibilidade a partir da década de 80, quando intelectuais do
Movimento Negro se voltaram para a discussão sobre as relações
étnico-raciais e a criação de grupos de pesquisa para se pensar essas
questões na sociedade e no ensino, tais como, a discriminação do
negro nos livros didáticos e no espaço escolar, a inclusão da História
da África nos currículos escolares. A pauta foi começar a repensar a
escola como uma ―instituição reprodutora do racismo‖ e como o lócus
para se trabalhar ações e atividades anti-racistas. Nesse contexto,
―as lutas do movimento negro em prol da educação começam aos
poucos a ganhar espaço na pesquisa educacional do País, resultando
em questionamentos à política educacional‖ (GOMES, 2005, 112).

A inclusão das relações étnico-raciais na educação básica passou a


usar como suporte as orientações presentes no texto dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN´s), entretanto Nilma Lino Gomes
contesta essa forma de se trabalhar as questões referentes ao
racismo e a desigualdade racial, pois elas acabam sendo discutidas de
forma superficial. Para a autora, a crítica nesse modelo presente nos
PCN´s é que a questão racial se dilui ―no discurso da pluralidade

193
cultural o qual não apresenta um posicionamento explícito de
superação do racismo e desigualdade racial na educação nas suas
propostas‖ (GOMES, 2005, 113).

Isso é visível nas “Orientações e Ações para a educação das Relações


Étnico-Raciais‖ quando se observa que em alguns espaços
educacionais, o debate sobre as relações étnico-raciais se estabelece
apenas diante de datas comemorativas (19 de abril, 13 de maio, 20
de novembro) adquirindo uma percepção superficial e folclórica
desses sujeitos sociais. As ações e atividades voltadas para a
formação de professores precisam estar articuladas a essas novas
demandas, tendo em vista que é o educador que irá mediar e
problematizar essas questões no espaço escolar. Nesse caso, os
PCN´s, as Diretrizes Curriculares e as provas do SINAES deveriam
manter um diálogo mais afinado a ponto de se discutir e propor ações
que estimulem mudanças significativas no ensino das relações étnico-
raciais e no combate ao racismo.

Para Larissa Viana, o estudo da pluralidade cultural proposta pelos


PCN´s serviria para voltar o ―olhar histórico‖ para a análise da cultura
popular, pois para ela, as contradições sociais estariam ―ligadas à
questão das diferenças culturais‖ (VIANA, 2003, 104). Porém, essa
abrangência do conceito acaba por esvaziar o debate sobre as
práticas de racismo nas escolas e as formas de eliminar com as
desigualdades raciais no espaço escolar. Por isso que a lei 10.639/03
também é pensada como uma política de valorização das identidades
e da memória desses grupos. Apesar de essas abordagens estarem
contidas nos temas transversais, pouco ou nada era debatido em sala
de aula, muito menos aplicado em projetos e atividades
interdisciplinares nas escolas e demais espaços de ensino. Na prática,
ainda persiste a ausência de atividades e ações que problematizem
esses temas transversais em sala de aula, bem como consigam
aglutinar questões que integrem e possibilitem a interdisciplinaridade
pretendida nos PCN´s.

Segundo Sueli Pereira, a ideia de ―democracia racial‖ apenas ajudou a


criar uma negação das diferenças existentes entre as relações sociais,
o que muitas vezes passa despercebida pelos professores
favorecendo a perpetuação de ideias preconceituosas sobre as
relações étnico-raciais, assim como a reafirmação da existência de
grupos culturais homogêneos (PERREIRA, 2011). A problematização
desses temas permitiria reconstruir a representação do negro e da
cultura afro-brasileira que os materiais didáticos trazem sobre o papel
desse sujeito na sociedade brasileira, em que sempre aparecem em
situações de submissão e de dominação social. Com base nisso, a
autora se propôs a investigar como a questão da identidade e das

194
diferenças étnico-raciais são tratadas nos currículos escolares, já que
o preconceito racial ―geralmente envolvendo a cor da pele‖ acabam
por dificultar o desempenho dos alunos que sofrem com esse tipo de
destrato, impossibilitando a construção de uma identidade coletiva e
positiva sobre a sua realidade social. O que reforça o argumento de
Nilma Lino Gomes (2005) sobre as desigualdades sociais no espaço
escolar, como também suscita a necessidade dos currículos escolares
discutirem, de fato, essas questões em sala de aula. Com a
obrigatoriedade da lei 11.654/08, os currículos da educação básica e
das IES passaram a compor em suas linhas de debate e conteúdos
essas determinações, entretanto como essas questões estão sendo
aferidas em sociedade é o que se busca nessa pesquisa.

Ao analisar o texto das ―Diretrizes Curriculares‖, Matos e Abreu


afirmam que a auto-identificação é que vai pautar e definir como
cada sujeito se relaciona com a sua memória, o que não deixa de
enfatizar o aspecto político que este parecer carrega consigo. Diante
disso, é dentro do processo histórico que cada sujeito e os seus
grupos sociais irão construir a valorização de sua memória e
construção de sua identidade. Para as autoras, a identidade branca se
vincula a sua condição de liberdade, enquanto a identidade negra se
vincula à escravidão, por isso, ―efetivamente há estigmas a serem
combatidos e revertidos‖ (MATTOS; ABREU, 2008). Acredita-se que
diante dessas afirmações, o papel do professor e da escola seja
fundamental para orientar os alunos a ressignificar essas
construções, principalmente quando elas estão, constantemente,
presente na cultura escolar através de materiais didáticos e de
temáticas que carecem de problematizações (BEZERRA, 2004), bem
como de um posicionamento político dentro desse espaço para
combater o racismo e as discriminações raciais.

Para além dos conteúdos centrados no período da escravidão


moderna, há questões da cultura afro-brasileira que perpassam por
aspectos mais amplos e objetivos para tratar o ensino das relações
étnico-raciais e que articulem os seus significados nas suas
dimensões políticas, conceituais e históricas. Isso pode ser o maior
desafio para os educadores e a escola. A abordagem sobre as
práticas culturais desses sujeitos podem ser analisadas dentro de
problematizações relacionadas as suas continuidades, como também
as suas descontinuidades. Segundo Matos e Abreu (2008), uma
possibilidade de reflexão sobre essa temática é pensar essas práticas
culturais e suas relações entre os sujeitos no Brasil, nas Américas e
nas sociedades africanas.

Segundo Dominique Julia, as fontes para se estudar a cultura escolar


são diversas, porém como as mudanças ocorrem de forma paulatina,

195
poucos são os registros que apresentam essas transformações
(JULIA, 2001). Os exercícios escolares não fazem parte dos arquivos
guardados nas escolas, em algumas situações, as provas aplicadas
pelos professores são os registros que compõem parte desse material
preservado. Nesse sentido, as questões presentes nas provas
aplicadas pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior
(SINAES), possibilitam a percepção de como o governo entende o
ensino das relações étnico-raciais presentes nas suas diretrizes e
normatizações.

Isso porque, anterior ao contexto de efetivação de políticas de ações


afirmativas, o Governo Federal instituiu o SINAES com o objetivo de
verificar e oferecer subsídios para a implementação de políticas
públicas voltadas para o ensino. A partir da década de 90, se instituiu
uma série de processos de avaliação dos alunos da educação básica,
da educação superior e de suas instituições. Para tal objetivo, busca-
se analisar nas questões de História aplicadas nas provas do ENADE
como a temática das relações étnico-raciais estão presentes. A
bibliografia referente ao tema da avaliação e das relações étnico-
raciais servirá de base para dialogar sobre essas demandas presentes
na educação básica e no ensino superior.

Temas Transversais, Ensino das Relações Ético-Raciais e as


provas do SINAES
A partir de 2015, as questões referentes à História da África e das
relações étnico-raciais passaram a ser obrigatórias também nos
Projetos Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura das IES, como versa
a ―Resolução nº 2, 1º de julho de 2015‖. Apesar da Resolução se
referir a todos os preâmbulos que sustentam a formação continuada
dos profissionais do magistério articuladas ―às políticas públicas de
educação‖, diretrizes e sistemas de avaliação desse ensino, é o artigo
5º que reforça a importância das IES incluírem em seus PPC´s o
debate sobre as várias modalidades de educação, mas em todas elas
garantir a ―consolidação da educação inclusiva através do respeito às
diferenças, reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-racial, de
gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre outras‖.

O que era proposto nos Temas Transversais dos PCN´s, mas pouco
lido e trabalhado em sala de aula e na escola. Com isso, o que se
pretende é que os alunos em formação possam dialogar e discutir
sobre esses temas durante a sua graduação, para que na prática
docente se apropriem da importância de se discutir sobre a
desigualdade racial e social e sobre as práticas de discriminação
presentes na cultura escolar. Com a implementação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, em 2000, novas propostas metodológicas vêm

196
sendo consolidadas em relação ao ensino-aprendizagem de História,
tanto nas abordagens sobre as concepções de História, como na
articulação desse ensino aos Temas Transversais inclusos nos PCN´s
(Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orientação
Sexual, Trabalho e Consumo). Essas propostas, no mais, questionam
as concepções de história e de currículo, a formação do professor e o
seu perfil no cotidiano escolar e a realidade do ensino nos seus
diversos níveis. Por outro lado, a produção historiográfica tem
proposto ao professor a inclusão de novos recursos e métodos com o
intuito de favorecer o ensino de História numa perspectiva crítica e
historicizada.

Dentro do contexto de políticas de ações afirmativas, as leis


10.639/03 e 11.654/08 firmam a obrigatoriedade do ensino e da
reflexão acerca das relações étnico-raciais na educação básica e no
ensino superior. Para tanto, os temas transversais propostos nos
PCN´s entremeiam todas as áreas de conhecimento de forma
interdisciplinar e atuam, recentemente, como bases para a
reestruturação dos projetos curriculares das instituições de ensino
superior.

Concomitante a esse processo de reformulação e de debate sobre o


ensino, o Sistema Nacional de Avaliação também passou por diversos
aperfeiçoamentos visando ampliar e aprimorar os instrumentos de
aferição da qualidade do ensino para a implementação de políticas
públicas destinadas à educação no Brasil. Em 2005, o Ministério da
Educação normatizou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (SAEB). De acordo com a Portaria nº. 931, de 21/03/2005, um
dos objetivos do §2, alínea c, é ―concorrer para a melhoria da
qualidade de ensino, redução das desigualdades e a democratização
da gestão do ensino público nos estabelecimentos oficiais, em
consonância com as metas e políticas estabelecidas pelas diretrizes
da educação nacional‖. Nesse sentido, nota-se que a proposta que se
apresenta no SAEB é aferir como as diversas instituições de ensino
estão trabalhando para implementar as políticas públicas voltadas
para o ensino, mas principalmente, se as diretrizes educacionais
estão sendo discutidas e analisadas em sala de aula pelos
professores.

Por serem utilizadas como referência para o governo, as provas do


ENEM e do ENADE acabam servindo de orientação para entender
quais as habilidades e competências que os alunos envolvidos nesses
processos devem dominar. Nesse sentido, o objetivo dessa
comunicação é entender como o SINAES se articula aos Temas
Transversais para diagnosticar o ensino das relações étnico-raciais no
ensino de História, tanto na educação básica como no ensino

197
superior. Entende-se que a análise das questões das provas
possibilitem observar como o MEC entende a relação entre as
diretrizes propostas para o ensino (os eixos e temas transversais dos
PCN´s, as ações afirmativas) e a aferição dessas competências pelos
alunos e futuros professores da educação básica.

As edições de provas do ENADE e as abordagens sobre o


ensino das relações étnico-raciais
Em 2004, ocorreu a primeira edição do ENADE com o objetivo de
avaliar o desempenho dos alunos egressos/concluintes dos cursos de
graduação. As provas visam aferir esse desempenho com base nas
resoluções e legislações voltadas para cada área de conhecimento,
bem como a avaliar o conhecimento desses alunos de forma geral,
apresentando sobre questões a atualidade nacional e internacional,
como versa no portal do INEP. Nesse sentido, a prova do ENADE
busca avaliar não somente o aluno, mas o seu curso de graduação e
a instituição onde estuda. Segundo o INEP, esse processo é formado
por um ―tripé avaliativo, que permite conhecer a qualidade dos cursos
e instituições de educação superior de todo o Brasil‖, sendo que as
avaliações para cada curso de graduação são trienais.

De acordo com o recorte temporal para essa comunicação, no


intervalo entre 2008 e 2015 foram três edições avaliativas para o
curso de História. Cada edição carregou uma peculiaridade, a saber:
em 2008 a prova de História contou com 40 questões entre
discursivas e objetivas; em 2011 ocorreu uma divisão para cada
modalidade, das 40 questões apresentadas, as 10 últimas eram
específicas para os cursos de licenciatura ou bacharelado e; em 2011
a avaliação de desempenho contou com 35 questões e foram duas
provas diferentes para cada modalidade que passaram a ter entradas
e matrizes curriculares distintas nas IES.

Na leitura desses materiais, buscou-se atentar para as indagações


feitas às questões das provas aplicadas pelo INEP, as quais surgem
como uma proposta de avaliação do modo como os alunos do ensino
médio e ensino superior vêm sendo preparados para pensar conceitos
de cidadania articulados aos temas transversais referentes às
relações étnico-raciais. Conceitos e temas que colocados, numa breve
análise dos conteúdos curriculares mínimos atestam, no cotidiano da
sala de aula, o predomínio de uma visão, ainda, restrita a mera
aquisição de informações. Na prova do ENADE de 2008, o caderno de
História apresentou 40 questões (discursivas e objetivas), apenas a
questão 35 trouxe em seus questionamentos uma acanhada
abordagem referente às relações étnico-raciais. Apesar de trazer uma
questão relacionada aos direitos humanos (questão 9), a prova pouco
se articulou aos temas transversais dos PCN´s, sendo ambas as

198
questões mais características da parte de formação geral que do seu
componente específico. Em um poema de Langston Hughes, de 1926,
pedia entre as assertivas da questão apenas a interpretação do texto.

Em 2011, a aplicação da prova do ENADE não apresentou em seu


caderno de questões assertivas sobre a temática que é objeto dessa
comunicação. O que reafirma o nosso questionamento sobre a forma
como o ensino das relações étnico-raciais é pensado para a educação
básica, apesar de ser obrigatório nos currículos e PPP´s essa
abordagem, ela ainda não se configura em debate freqüente no
ensino. Em 2014, o caderno do ENADE para a Licenciatura em
História trouxe uma questão referente à pluralidade cultural
abordando uma reflexão sobre o mito das três raças. Nesse mesmo
ano, o caderno específico do bacharelado também trouxe uma
questão abordando algumas reflexões sobre o ensino de história
indígena. Cabe destacar que ambas as assertivas se voltam para o
debate do papel desses sujeitos no ensino de História, ainda que pese
o seu caráter interpretativo do comando das questões. Importante
destacar aqui é que essas abordagens ainda reforçam um aspecto
ultrapassado de se discutir o ensino das relações étnico-raciais, se
atendo ao papel do negro e do índio na formação da sociedade
brasileira, ou apenas reafirmando as nações indígenas.

Diante disso, cabe elaborar uma problematização do processo ensino-


aprendizagem no que se refere às concepções de História presente
nessas questões e nas provas como um todo. O ensino das relações
ético-raciais e a sua apresentação no ENADE orientarão as análises a
serem desenvolvidas no decorrer dessa pesquisa. Pretende-se
ampliar os objetivos dessa pesquisa e analisar também como as
matrizes curriculares dos cursos de graduação estão se articulando
para atender a essas políticas públicas presentes nas legislações
voltadas para as IES. O objetivo dessa análise será investigar se as
questões e os padrões de respostas estão de acordo com as diretrizes
e normatizações propostas pelo governo. De modo geral, o que se
pretende agora é desenvolver análises dos conceitos históricos
evidenciados nas provas (questões) apresentados pelos candidatos,
considerando a perspectiva metodológica da percepção de História ao
localizar o sujeito histórico em sua temporalidade e conceituá-los
num determinado contexto analisado.

O estudo sobre a presença de questões referentes às relações étnico-


raciais nas provas de História do ENADE e a sua articulação aos
Temas Transversais dos PCN´s está vinculado ao entendimento que o
SAEB/SINAES apresentam a respeito do ensino dessas temáticas nas
instituições sob sua gerência para avaliação de parâmetros para o
desenvolvimento de políticas públicas destinadas à educação. Para

199
esse estudo, o objetivo apresentado foi compreender essas questões
dentro do processo de ensino-aprendizagem que se apresentam nas
instituições de ensino da educação básica e do ensino superior,
atentando como o programa SINAES percebe essa articulação por
meio de seu processo avaliativo.

A produção de diretrizes básicas para o ensino tem proposto ao


professor a inclusão de novos debates e de sujeitos históricos com o
intuito de favorecer o ensino de História numa perspectiva crítica e
historicizada, em que os conceitos de cidadania e identidade atuem
como eixos norteadores dessas questões. Nesse sentido, a História
presente no Ensino Superior ainda carece de maior articulação dos
seus conteúdos com os temas transversais propostos nas PPP´s e
PPC´s, bem como ainda está desassociada do cotidiano dos alunos, a
ponto de não se reforçar em suas provas institucionais o ensino de
uma História processo articulada ao ensino das relações étnico-
raciais. Para tanto, a obrigatoriedade dessas questões nos Projetos
Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura das IES possibilita que o
aluno vivencie esse debate durante a sua formação e possa
experimentar ações e práticas de avaliação que favoreçam a inclusão
dessa temática também nos seus processos avaliativos depois de
graduados e atuando como docentes da Educação Básica, fator pouco
observado na educação básica.

Referências
Siméia de Nazaré Lopes é Professora Adjunta da UFPA- Campus de
Ananindeua, e atua nas áreas de Teoria e Metodologia do Ensino de
História, História da Amazônia, participa do programa de Mestrado
Profissional em Ensino de História, da Especialização em Ensino de
História e da Especialização em História Agrária da Amazônia
Contemporânea.

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e


conceitos básicos. In: KARNAL, LEANDRO (Org.). História na sala de
aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2004, pp.
37-48.

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a lei nº 9.


394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática ―História e Cultura Afro-Brasileira
Africana‖, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília:
DF, 10 jan. 2003.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9394, de 20 de dezembro de

200
1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília,
DF, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Resolução nº 2, 2 de


julho de 2015.

GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate


sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In BRASIL.
Ministério da Educação e do Desporto. Educação anti-racista:
caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03/Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005, pp. 39-62.

GOMES, Nilma Lino. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na


educação brasileira: desafios, políticas e práticas. RBPAE – v.27, n.1,
p. 109-121, jan./abr. 2011.

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacional (INEP).


http://www.inep.gov.br/

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista


Brasileira de História da Educação. No. 1, jan./jun. 2001, pp. 9-43.

MATTOS, Hebe Maria; ABREU, Martha. Em torno das "Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africanas" - Uma
conversa com historiadores. Revista Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, v. 21, n. 41, p. 5-20, out. 2008. ISSN 2178-1494. Disponível
em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1291>.

PEREIRA, Sueli. O modelo das relações étnico-raciais no Brasil na


imagem dos professores e do livro didático: qual identidade nos
programas curriculares? Anais da ANPAE, 2011.

VIANA, Larissa. Democracia racial e cultura popular: debates em


torno da pluralidade cultural. In: BREU, Martha & SOIHET, Raquel
(orgs.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologias. Rio
de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, p. 103-115.

201
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UMA ANÁLISE
NA PERSPECTIVA DO DIREITO DOS POVOS A UMA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA
Suerley Mendes Parintins
Wilverson Rodrigo S. de Melo

Uma breve perspectiva, contextualizando a educação escolar


indígena como direito dos povos tradicionais
Este trabalho tem como objetivo contextualizar a forma, como a
educação escolar indígenas se estabelece em nossa região
Amazônica, no que rege as discussão de direitos articulado pelas leis
que amparam e asseguram um campo educacional de qualidade para
os povos tradicionais, que estão nas áreas territoriais amazônicas.

Porém, pretende-se compreender, a educação como direito dos povos


indígenas, indivíduos que ao longo do tempo sofreram grandes
mudanças e até perderam suas línguas maternas. Dessa forma,
considera-se que os povos tradicionais têm por direito legislativo
aprovado na constituição, o direito a ter uma educação com
qualidade e diferenciada que vem beneficiar no resgate de sua
cultura, ou seja, que venha trazer perspectiva de revitalização
cultural de cada povo, principalmente no que tange a seus saberes
tradicionais, como a crença, os costumes e a sua língua materna que
foi retirada no período da colonização.

Revelando os processos de desenvolvimento da educação


indígena
Quando se retrata de um contexto referente a educação escolar
indígena, primeiro, procura-se conhecer como ela está caracterizada
referente aos povos tradicionais que vivem na região amazônica.
Nesse sentido, torna-se um processo bem complexo, por que esses
povos desde seu passado tiveram um retrocesso desagradável que
chegaram até perder suas línguas maternas, sua cultura, seus
costumes etc. ―Decorrente de um panorama de lutas por direitos
humanos e sociais combinado com a efervescência por mudanças
estruturais impulsionadas pelo fim da ditadura militar e o horizonte
de um ‗novo Brasil‘‖ [LOMBARDI; RODRIGUES, 2016:25].

Por esse motivo, os povos indígenas tiveram várias estratégias de


lutas pelos seus direitos, devidamente em prol de seu território, de
sua identidade, de sua cultura, costumes e principalmente a sua
língua que foi retirada.A partir, das luta pelo seus direitos, e sua
existência no território amazônico, chega-se ao consenso estratégico
da constituição nacional de 1988 garantir e assegura os povos
indígenas o direito a sua cultura. Dessa forma,

202
―A Constituição de 1988 marca uma mudança importante na
concepção do Estado sobre as sociedades indígenas. O fundamento
epistemológico deixa de ser o integracionista e passa a ser o da
valorização, ou pelo menos da aceitação, da diversidade cultural. No
entanto, embora entendamos que a implementação de escolas
consiste em inegável conquista por parte dos povos indígenas,
ressaltamos ser preciso um exame crítico sobre essa implantação,
particularmente com relação à teoria pedagógica que as orienta‖
[LOMBARDI; RODRIGUES, 2016:26].

Portanto, essa constituição federal de 1988 realmente marca uma


mudança em relação aos direitos da sociedade indígena. Pois, os
povos tradicionais são contemplado na valorização da sua cultura,
com direito a uma educação de qualidade. ―Passados mais de dez
anos da promulgação da atual Constituição brasileira, é possível
afirmar que o direito dos povos indígenas no Brasil a uma educação
diferenciada e de qualidade, ali inscrito pela primeira vez, encontrou
amplo respaldo‖ [GRUPIONI, 2002:130]. Essa constituição brasileira
é que deu força e abriu caminhos para os povos indígenas terem
acesso à educação como suporte de direito étnico. Nesse sentido,
Grupioni [2002:130] reafirma:

―Com a Constituição de 1988, assegurou-se aos índios no Brasil o


direito de permanecerem índios, isto é, de permanecerem eles
mesmos com suas línguas, culturas e tradições. Ao reconhecer que os
índios poderiam utilizar as suas línguas maternas e os seus processos
de aprendizagem na educação escolar, instituiu-se a possibilidade de
a escola indígena contribuir para o processo de afirmação étnica e
cultural desses povos e ser um dos principais veículos de assimilação
e integração‖.

Isto implica inferir, que os povos indígenas tem seus direitos


amparado de manter suas tradições viva no seu dia a dia, usando e
vivenciando sua língua materna, que ao longo do tempo foi retirado
forçadamente (para extinguirem as formas de resistência colonial),
dificultando a comunicação entre as várias etnias. Nesta conjectura, é
sabido que ―o nheengatu foi implantado como idioma oficial das
missões religiosas da Amazônia e passou a ser ensinado
sistematicamente aos índios de diferentes famílias linguísticas
estocados nas aldeias de repartição‖ [SOUZA, 2016:47]. Nesse
período, se utilizou a língua geral ―nheengatu‖ para complicar a
comunicação dos povos indígenas, haja visto, que sem a facilidade da
comunicação tornaria muito mais dificultoso acontecer as fugas
promovidas por índios na região.

203
Reflexão na perspectiva das leis que asseguram os graus da
educação indígena
Sabe-se que no território da Amazônia se encontram várias etnias de
povos indígenas, que vivem com suas tradições vivas desde a
vivência de seus antepassados, que por um acaso deixaram essas
lembranças para povos atuais, mas, essas tradições chegaram a
passar por grandes processos ameaçadores, porém, hoje eles
conseguiram seus direitos amparados pelas leis que regem no Brasil.
Segundo Grupioni [2002:131]:

―A atual Constituição da República Federativa do Brasil entrou em


vigor em outubro de 1988, quando foi promulgada, depois de mais de
um ano e meio de trabalho da Assembleia Nacional Constituinte. A
Constituição, também conhecida como Carta Magna, é a lei maior do
país. Não existe nenhuma outra lei tão importante quanto ela e
nenhuma outra lei pode ir contra o que nela está estabelecido. A
Constituição estabelece direitos, deveres e procedimentos dos
indivíduos e do Estado, dos cidadãos e das instituições‖.

A partir dessa constituição federal ser aprovada, realmente os povos


tiveram direitos, sendo que é uma das maiores leis e nem um outro
órgão podem impedir ou ser contra ela, nem o que for estabelecida
por ela ninguém pode desfazer, isso é uma verdadeira conquista para
os indígenas terem seus direitos e acesso a uma educação com
qualidade.

Este é o sentido de elaborar uma nova Constituição: Ela substituiu a


Constituição promulgada em 1947 e reflete as modificações ocorridas
no tempo e na sociedade. Este é o sentido de elaborar uma nova
Constituição: ―atualizar os direitos e deveres nela inscritos, de forma
que ela seja útil para regular o relacionamento dos cidadãos entre si
e destes com o Estado e com a sociedade como um todo‖ [GRUPIONI,
2002:131].

Nesse sentido, sabemos realmente que a constituição de 1988 faz-se


uma substituição de uma outra anterior, esta última veio trazendo
grandes modificações para garantir uma sociedade livre da opressão
rígidas, pois a anterior não contemplava direitos aos povos
tradicionais, dessa forma, a instituição de 1988 é criada para
atualizar os direitos de cidadãos no meio social e democrático.

Nesse sentido, tem-se como objetivo revitalizar sua identidade,


compreender como que se desenvolveu o processo de evolução de
suas raízes verdadeiras, até chegar nos dias de hoje. Assim, a lei,
vem justamente para garantir o ensino aprendizagem dos povos
indígenas que vivenciam nas regiões da Amazônia. ―Com a aprovação

204
do novo texto constitucional, os índios não só deixaram de ser
considerados uma espécie em via de extinção, como passaram a ter
assegurado o direito à diferença cultural, isto é, o direito de serem
índios e de permanecerem como tal‖ [GRUPIONI, 2002:131].

Visa-se que, a partir, da constituição aprovada 1988, o índio deixa de


ser aquele ser humano sem valor e passa a ganhar autonomia em
relações de ser uma pessoa com direito, de permanecerem como
índio e cultivando suas culturas. Souza [2016, p. 56] retrata que,

―a Constituição Federal assegurou aos indígenas o direito à sua


organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
dedicando-lhes um capítulo no título: ‗Da Ordem Social‘. O § 2º do
artigo 210, da Constituição também consolida o conceito de
bilinguismo quando afirma que ‗o ensino fundamental regular será
ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades
indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem‘‖.

Com base nessa constituição, se visualiza o conhecimento em


compreender que, os indígenas tem direito a organização social e
permanecer com seus costumes, manter com sua língua materna,
sua crença em fim tudo que cabe ao seu direito.

Destarte isso, a Lei 11.645/08 foi uma das grandes conquistas para o
reconhecimento social do negro e do indígena. ―Ela torna obrigatório
o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena em todas as
escolas brasileiras, públicas e privadas, do Ensino Fundamental e
Médio‖ [CRUZ; JESUS, 2013:4]. Nesse sentido, o indígena se torna
um grande vitorioso com essa lei, tornou-se realmente uma
conquista, por que eles tiveram a oportunidade de alto se identificar,
isso prevaleceu tanto para os indígenas quanto para os negros que ao
longo dos anos venham sofrendo pela crueldade da escravidão.

Compreender as relações entre sociedade e escola é fundamental


para entender aquilo que ocorre no espaço escolar, pois muitas vezes
é perceptível que a escola reproduz o que acontece na sociedade,
como é o caso do preconceito étnico-racial, que assim como incide no
espaço social, também pode ser observado na escola[CRUZ; JESUS,
2013:3].

É possível ter esse tipo de relação na escola, trabalhar objetivamente


esclarecendo aos alunos que, a escola é um espaço de convivência,
de diversidade, por conta disso, deve-se compartilhar os
conhecimentos, e colocar para o indivíduo que temos de respeitar o
próximo, e aceitar do jeito que é sua cultura.

205
Por tanto no decreto da Lei n° 9.394/96, estabelecesse no Artigo 26-
A, que nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino mé-
dio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena.

―§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá


diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos,
tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos
negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional,
resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos


povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de
literatura e história brasileiras‖.

Nesse sentido, a LDB 9.394/96, esclarece ainda que no ensino


fundamental e médio torna-se obrigatório incluir o estudo de história
e da cultura tanto do indígenas quantos dos afro-brasileiro, com
aspectos que caracteriza cada povo. A lei 11.645/08 vem trazer para
a escola uma série de questões que antes eram silenciadas, ou
simplesmente ignoradas pela comunidade escolar. Essa lei é de
fundamental importância para que haja um reconhecimento da
pluralidade da sociedade brasileira, que foi e é formada por diferentes
histórias e culturas, diferenças estas que também se fazem presentes
no espaço escolar [CRUZ; JESUS, 2013:7].

Dessa forma, entende-se que a Lei 11.645/08 além de trazer


mudanças, também garante direitos aos povos tradicionais
Amazônicos, valorizando seus costumes, crença, cultura e na
revitalização da língua que foi retirada, também podem trazer
algumas questões para dentro das escolas, fatos que antes eram
ignoradas pala própria direção das escolas, a partir da lei criada, os
povos indígenas tem um grande valor de ser reconhecido dentro da
sociedade social e deve ter espaço nos ambiente, das escolas públicas
e privadas, isso é o que a constituição nos estabelece para os
indígenas.

Considerações finais
Diante da perspectiva discutida, no que tange a constituição federal
de 1988 e a Lei 11.645/08, que veio assegurara os direitos dos povos
indígenas a permanecerem com suas culturas, tradições e sua língua
materna, isso pode-se dizer e considerar uma conquista de grade

206
importância para os povos que vivem na região da Amazônia. ―Os
povos indígenas se apresentam hoje como um dos segmentos da
sociedade brasileira que lutam com maior intensidade pelo acesso à
escola pública adequada e de qualidade‖ [BRASIL, 2007:36].

Portanto, os indígenas devem correr atrás de seus direitos que lhe


pertence, principalmente na questão de uma educação diferenciada,
que venha a fortalecer o reconhecimento de sua cultura.

Referências
Suerley Mendes Parintins – É acadêmico indígena do curso de
Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal do Oeste do
Pará (UFOPA). E-mail: suerleymendes04@gmail.com

Wilverson Rodrigo Silva Melo (Coautor e Orientador) - É Mestre


em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e
Doutorando em História Contemporânea pela Universidade de Évora
(UÉVORA). Atualmente é Docente na Universidade Federal do Oeste
do Pará (UFOPA). E-mail: w.rodrigohistoriador@bol.com.br

CRUZ, Caroline Silva; JESUS, Simone Silva. Lei 11.645/08: A escola,


as relações étnicas e culturais e o ensino de história - algumas
reflexões sobre essa temática no PIBID. XXVII Simpósio Nacional de
História. Natal RN, 2013.

CRUZ, Tatiane dos Santos; JESUS, Maria de Fatima de Jesus; SOUZA,


Manoel Messias de. História e Cultura Afro-brasileira na Escola: Lei
10.639/03. Revista Eletrônica da faculdade José Augusto Vieira, ano
V, 2012.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Do Nacional ao Local, do Federal ao


Estadual: as leis e a educação escolar indígena. Legislação Escolar
indígena. São Paulo, 2002.

SOUZA, Adria Simone Duarte de. A construção do conceito de


bilinguismo na educação escolar indígena: o caso dos Munduruku do
Rio Canumã-AM. Manaus: EDUA; UEA Edições, 2016.

LOMBARDI, José Claudine; RODRIGUES, Gilberto César Lopes.


Educação e Emancipação na Escola Indígena: uma análise à luz dos
fundamentos filosóficos da pedagogia histórico-crítica. História e
Educação na Amazônia. Manaus: EDUA; UEA Edições, 2016.

BRASIL. LDB: Lei de diretrizes e bases da educação nacional. –


Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017.

207
ESCRAVIDÃO NEGRA NO BRASIL E O ENSINO DE HISTÓRIA:
UMA BREVE REFLEXÃO
Valdenira Silva de Melo

Introdução
O presente texto propõe uma reflexão sobre a escravidão negra no
Brasil e o Ensino de História. Essa temática precisa ir além dos livros
didáticos, dos discursos europeizastes construídos ao longo da
formação acadêmica de professores e de alunos. Desmistificar a
passividade do negro diante ao sistema opressor vigente, precisa ser
tarefa relevante do professor, nas aulas de História.

Quando o tema é escravidão, ainda se percebe em algumas escolas a


reprodução de uma historiografia tradicional e alheia a história de
resistências da população negra. Em se tratando da história do Brasil,
13 de maio de 1888 é a data que marca oficialmente o fim da
escravidão negra no país. Há exatamente, 130 anos da abolição,
como ficou a população negra? Podemos dizer que múltiplas formas
de protesto se materializaram frente ao descaso, o qual foi submetido
o povo negro, pós-abolição.

Revisitando a história do Brasil, reflitamos sobre o papel do negro,


pela sua especificidade. Foram retirados à força do seu território de
origem, trazidos rumo ao desconhecido e submetidos as realidades e
as condições de vida e de trabalho degradantes. Considerado como a
principal mão de obra utilizada em diversos trabalhos por mais de
trezentos anos, o negro participou de vários ciclos econômicos: o da
grande lavoura da cana de açúcar, na exploração das minas de
metais preciosos e na lavoura cafeeira. Como símbolo de resistência
da escravização negra nos primeiros tempos de Brasil, a forma mais
significativa foi o quilombo. O mais conhecido de todos, foi o de
Palmares.

No caminhar das resistências e dos acontecimentos ligados a


escravidão, podemos dizer que a emancipação dos escravizados
ocorreu de forma lenta e gradual. Pressão externa e interna foram
inevitáveis. A campanha abolicionista ganhou corpo a partir da
década de 1870, em várias províncias brasileira, não nos moldes dos
ideais de liberdade pensadas nos quilombos do Brasil, como afirmam
Funes; Gonçalves (1990):

―Assim é que a campanha abolicionista não guardava relações diretas


com a ideia de liberdade, propugnada, por Zumbi, ou praticada em
Palmares e em tantos outros quilombos existentes no país. No Brasil,
este movimento resultou na materialidade de um conjunto de leis. Lei

208
aqui entendida como instrumento ideológico de dominação, como
forma de manter inalterada a estrutura econômica, política, social e,
ao mesmo tempo, garantir a transição para o trabalho livre de forma
menos traumática. Procurava-se, desse modo,manter as relações de
produção que, mesmo não sendo escravistas não deixaram de ser
coercitivas‖. (FUNES; GONÇALVES, 1990, p.30).

Essas informações da historiografia precisam ser abordados na sala


de aula, promovendo um ensino de História crítico e aguçando a
participação dos alunos, diante a essas reflexões. Contudo,
questionamentos no sentido de direcionar a produção de
conhecimentos, precisam ser conduzidos pelo professor. Nesse
contexto de abolição, como analisar a assinatura da Lei Áurea?
Benesses ou conquistas?

Enfim, a lei: liberdade ainda que precária


A abolição da escravatura, não foi bondade e nem uma dádiva da
princesa do Brasil escravista, e sim uma conquista de negros e não
negros unidos pelo ideal de liberdade, onde articularam
manifestações de rua, insubmissão negra, fugas em massa de
escravos, promovendo assim, um caos social. De acordo com Emília
Viotti da Costa (1999):

―A escravidão estava, entretanto, condenada. Daí por diante, a


desagregação do sistema escravista nas zonas rurais acentuou-se
rapidamente. Para isso, muito contribuíram as fugas dos escravos
que abandonaram em massa as fazendas, sob o olhar indiferente das
tropas chamadas para recambiá-las. Multiplicavam-se os choques
entre o povo e as autoridades que tentavam garantir a ordem e
reprimir as fugas. [...].‖ (COSTA, 1999, p.338-339).

Esse ar de liberdade apesar de legalmente garantido, não se efetivou


na prática. No primeiro momento, a Lei Áurea significou a libertação
dos negros escravizados do jugo senhorial. Por conseguinte,
condenou-os a viverem como vítimas de um sistema racista e
excludente, pois não garantiu a esse grupo étnico, os mesmos
direitos concedidos aos não negros. Dessa forma, a ausência desses
direitos, motivou o negro brasileiro a tecer o fio condutor de luta pela
construção da igualdade social e pelo acesso aos diversos setores
sociais. O caminho seria a educação.‖ Tinham os editores dos jornais
negros, bem como outros militantes de época, o entendimento de
que a libertação trazida pela lei de 1888, para se consolidar, exigia
que todos fossem educados, isto é, frequentassem os bancos
escolares‖. (GONÇALVES; SILVA, 2005, p. 193).

209
A força da resistência negra e a ressignificação política das
datas comemorativas
A força da resistência negra motivou a luta pela ressignificação
política das datas comemorativas pois, há muito tempo estas, foram
destacadas no ensino de História, sempre enfatizando a passividade
negra frente a dominação branca. Os negros e suas organizações vão
se protagonizando no cenário nacional. ―[...] Em Porto Alegre, nasceu
o Grupo Palmares (1971), o primeiro no país a defender a
substituição das comemorações do 13 de Maio para o 20 de
Novembro [...].‖ (DOMINGUES, 2007, p.112).

Para o Movimento Negro, o 13 de Maio representava na mentalidade


da sociedade brasileira, a passividade do negro diante a ação da Lei
Áurea, e no entender de seus militantes era necessário dar a essa
data, uma ressignificação política. Dessa forma, o 13 de Maio passa a
ser considerado como o dia Nacional de Luta contra o Racismo.

Outra data a ganhar ressignificação pela negritude, foi o dia da morte


de Zumbi dos Palmares, por este, ser considerado como um dos
principais líderes e símbolos da luta contra as diversas formas de
opressão à população negra no Brasil. Para tanto, em 1995, o
movimento negro, organizou a Marcha Zumbi dos Palmares,
conforme Gomes (2011, p.142):

―No ano de 1995, em comemoração ao tricentenário da morte de


Zumbi dos Palmares, as diversas organizações do movimento negro
brasileiro organizaram a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o
Racismo, pela Cidadania e a Vida, realizada no mês de novembro, em
Brasília. O evento reuniu mais de 20 mil pessoas e contou com o
apoio de várias organizações de esquerda que, naquele momento,
estabeleceram um pacto político de participarem da luta antirracista.
Como resultado dessa mobilização, foi entregue ao então Presidente
da República, Fernando Henrique Cardoso, o Programa de Superação
do Racismo e da Desigualdade Racial, que apresentava um
diagnóstico identificando a situação social, econômica, educacional e
política da população negra, no Brasil. O documento exigia uma
posição do governo brasileiro diante da necessária superação do
racismo‖.

Diante dessas ações, a trajetória de luta política do movimento negro


vai se consolidando através de reivindicações organizadas que
exigiam um olhar diferenciado e reparador dos danos causados à
população afrodescendente durante séculos na história do Brasil. Esse
posicionamento articulado e crítico da militância, precisa ser
evidenciado na sala de aula, oportunizando a compreensão da

210
temática e a participação dos alunos na discussão histórica. Conforme
Pinsky; Pinsky (2012, p.22):

―É necessário, portanto, que o ensino de História seja revalorizado e


que os professores dessa disciplina conscientizem-se de sua
responsabilidade social perante os alunos, preocupando-se em ajudá-
los a compreender e - esperamos – a melhorar o mundo em que
vivem‖.

Portanto, o fazer histórico e o fazer pedagógico precisam estar


alinhados. Proporcionar discussões sobre a temática da escravidão
negra no Brasil, nas aulas de História, permitem reflexões no sentido
de incluir nos discursos docentes, as novas produções acadêmicas
sobre o tema em voga.‖ Num momento em que relevantes mudanças
vêm ocorrendo na área de História- o historiador está sendo cada vez
mais valorizado, as pesquisas dão conta de objetos cada vez mais
amplos [...]‖(PINSKY; PINSKY, 2012, p.19-20).

Centenário da Abolição: Entre a Oficialidade e a Militância


Um outro tema que evidencia as versões sobre a escravidão está
relacionado ao centenário da abolição. Essas informações não
constam nos livros didáticos, daí a importância do professor de
História estar atento as produções e discussões acadêmicas
relacionados aos temas a serem ministrado na sala de aula. De
acordo com Pinsky; Pinsky (2012, p.22):

―Um professor mal preparado e desmotivado não consegue dar boas


aulas nem com o melhor dos livros, ao passo que um bom professor
pode até aproveitar-se de um livro com falhas para corrigi-las e
desenvolver o velho e bom espírito crítico entre seus alunos‖.

Dessa forma, destacaremos o 11 de Maio de 1988. A Marcha contra a


Farsa da Abolição, promovida pela militância negra, protagonizou
esse momento de redemocratização do país. Ano que evidenciou a
resistência e a mobilização da militância em prol de denunciar a farsa
de igualdade de direitos e de harmonia racial entre brancos e negros.
A esse respeito Rodrigo Bueno de Abreu (2014, p.4) afirma que:

―Nesse contexto os órgãos oficiais procuravam divulgar uma imagem


positiva do momento chamando a atenção para a importância da
construção coletiva desse novo Brasil – e procuravam tratar o
centenário da abolição como motivo de comemoração e de celebração
da união nacional – porém, as entidades do Movimento Negro
usavam os meios disponíveis para anunciar o ano, como um ano de
resistência. Nesse sentido, podemos observar que o ano de 1988
possuiu duas agendas, bem distintas. Uma ligada aos órgãos oficiais,

211
onde figuravam eventos comemorativos, shows, encenações públicas,
etc. Outra ligada às associações e órgãos de luta contra a
discriminação e o racismo, onde os eventos tinham o sentido de
protesto e conscientização, sendo a Marcha contra a Farsa da
Abolição seu maior destaque‖.

Essa bipolarização, quanto ao Centenário da Abolição, abre caminhos


para as manifestações e as resistências quanto a farsa da igualdade
entre os grupos étnicos e a ideologia sistêmica. Nos dizeres de Maria
Célia Marinho de Azevedo (1987), a onda negra, acabou por
evidenciar o medo branco. A força repressiva entra em ação. A
Marcha foi impedida, conforme Abreu (2014, p. 5):

―A Marcha foi interrompida pelo Exército brasileiro, pois foi


considerada uma ameaça ao patrimônio público. A desconfiança dos
militares era oriunda de uma entrevista com Frei Davi (militante do
movimento) em que ele defendia uma revisão da história brasileira
no sentido de derrubar os ―falsos heróis‖ e substituí-los pelos
―verdadeiros‖. A entrevista era sobre uma cartilha elaborada por uma
comissão de padres e religiosos negros, em 1987, editada pela
editora Vozes‖.

Percebemos que a manifestação dos militantes foi de encontro a


programação planejada pelo governo. As vozes da resistência
ecoavam no centro da cidade do Rio de Janeiro, buscando mostrar a
história real da população negra no contexto pós-abolição, em
oposição a história oficial construída ao longo do centenário. Tal
entrevista mencionada na cartilha estava relacionada a
ressignificação pelos militantes, dos personagens que fizeram a
história do Brasil.

A dualidade entre Caxias e Zumbi dos Palmares, era a questão em


voga. A militância buscava mostrar a importância e a relevância de
Zumbi para a história da resistência negra. Entre a oficialidade e a
militância, uma resistência vigiada. A convocação do Exército para a
manutenção da ordem foi acionada, pois o governo temia o ataque ao
patrimônio público brasileiro, pelos manifestantes. A força da
repressão, evidencia o racismo, o desrespeito e a desconfiança
àqueles que buscavam desmistificar a harmonia pretendida no
discurso oficial, entre brancos e negros.

Entre a omissão e a ação, as novas vozes que criticam, analisam e


denunciam a escravidão no Brasil, buscam fazer o paralelo com a
atual situação que vive a sociedade brasileira do século XXI. Isso foi
retratado no enredo da Escola de samba do Paraíso do Tuitui.

212
Escravidão em Foco: Passado e Presente no caso do Paraíso
doTuiuti
Na madrugada de 12de fevereiro de 2018, a escola de samba Paraíso
do Tuiuti, fez uma reflexão sobre os 130 anos da escravidão no
Brasil, tendo como palco, a Sapucaí, no Rio de Janeiro.

No enredo, um questionamento do carnavalesco, Jack Vasconcelos:


―Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?". Revisitando o
passado, a Tuiuti reconta a história da escravidão no Brasil, critica o
racismo histórico e narra a trajetória de escravização da população
negra,fazendo uma reflexão com a situação socioeconômica dos
trabalhadores no Brasil atual. Denuncia a avassaladora opressão do
capital e da elite excludente, ―que pretendem reeditar a escravidão
de forma moderna e construir aqui um paraíso do empresariado
mundial‖. (NEGO TOM, 2018). Sobre o refrão do enredo, assim
descreve Ana Luiza Basílio (2018):

―Ao som do refrão ―Meu Deus! Meu Deus! se eu chorar não leve a
mal, pela luz do candeeiro, liberte o cativeiro social‖, a escola
surpreendeu já na comissão de frente, chamada ―O Grito da
Liberdade‖. Os passistas representaram escravos negros
amordaçados, com grilhões nos pulsos e corpos ensanguentados de
tanto apanhar do senhor do engenho, também negro‖.

A denúncia declarada publicamente na avenida carnavalesca teve


grande repercussão nas mídias, principalmente, nas alternativas. Tal
fato, possibilita o debate sobre o tema da escravidão, em sala de
aula. Essa manifestação popular foi tão maciça, que nos leva ao
entendimento de Pinsky; Pinsky (2012, p.23):

―O passado deve ser interrogado a partir de questões que nos


inquietam no presente (caso contrário, estudá-lo fica sem sentido).
Portanto, as aulas de História serão muito melhores se conseguirem
estabelecer um duplo compromisso: com o passado e o presente‖.
Esse acontecimento presente, nos permitir ir além da revisão
histórica. O Tuiuti fez um paralelo com a situação socioeconômica
contemporânea do Brasil, mencionando as Reformas Trabalhistas e
da Previdência, alvos do governo de Michel Temer. A esse respeito,
Nêggo Tom (2018) faz a seguinte comparação:

―As dores físicas provocadas pelo açoite, o qual eram submetidos os


escravizados de outrora, foram substituídas por uma falsa sensação
de liberdade, mantida dentro de um cativeiro social, onde a falta de
dignidade imposta, nos leva a um tormento existencial. O chicote do
capitalismo opressor, vai deixando marcas profundas de desigualdade
e destruindo a auto estima do nosso povo‖.

213
Essas narrativas sobre a escravidão protagonizaram o samba enredo
do Tuiuti. Esse acontecimento histórico, oportuniza a participação dos
alunos nos diálogos de sala de aula, promovendo um olhar crítico
sobre as relações de trabalho no Brasil. No entanto, é fundamental
que o professor, consolide essa informação em conhecimento
histórico, conforme afirmam Pinsky; Pinsky (2012, p.22):

―Para isso, é bom não confundir informação com educação. Para


informar aí estão, bem à mão, jornais e revistas, a televisão, o
cinema e a internet. Sem dúvida que a informação chega pela mídia,
mas só se transforma em conhecimento quando devidamente
organizada [...]‖.

Para tanto, nesse contexto de reflexões, é importante a mediação


docente.Percebemos que as conquistas da população negra ao longo
da história, são frutos da militância dos movimentos negros, que
rompendo o silêncio da oficialidade, ecoam vozes de liberdade e de
igualdade numa sociedade excludente. Quem duvida da existência ou
da permanência da escravidão, se surpreendeu com o
questionamento da Escola de samba Paraíso do Tuiuti, quando em
vozes coletivas na Sapucaí, mobilizou, com o seu refrão, um
momento de reflexão sobre a escravidão moderna, pretendida no
Brasil.

Considerações finais
A escravidão negra no Brasil, tem sido tema de diversas análises
históricas enos permite refletir, que mesmo pela força da Lei Áurea,
muitos negros, ainda na condição de livres, ficaram reféns da elite
branca. Sem assistência promovida pelo Estado, os negros libertos,
não contaram com medidas de inserção social. Ficaram à mercê da
própria sorte, sem documentos, sem escolarização e sem condições
de competir com a sociedade branca.

Nessa trajetória histórica, a resistência, é um marco. As


reivindicações de direitos e de inserção social ganharam novos
contornos, buscando desmistificar o ―mito da democracia racial‖, que
defendia a harmonia entre brancos e negros no Brasil. Uma
mobilização que deu visibilidade a luta do povo negro, foi a Marcha
pela Farsa do Centenário da Abolição em 1988. Promovida pelo
movimento negro contemporâneo, a Marcha, buscou mostrar para o
governo e para a sociedade brasileira que a população negra
continuava excluída de direitos e de igualdades sociais.
Reivindicavam também o reconhecimento do personagem principal da
luta negra, Zumbi de Palmares.

214
Essas ações e mobilizações voltadas a temática negra ao longo da
história, continuam em evidência. O medo do passado escravagista,
ameaça o trabalhador livre do Brasil Contemporâneo. No entanto, a
força da coragem gritou mais alto. E para homenagear os cento e
trinta anos de abolição da escravidão no Brasil, a Escola de samba,
Paraíso do Tuiuti, desafiou os dominantes, quando trouxe para a
avenida carnavalesca, para o Brasil e para o Mundo, uma análise
crítica da história do Brasil, destacando, o tema da escravidão.

O Paraíso do Tuiuti, ousou em fazer uma história comparada do


Brasil. A mão de obra escravizada do passado e a mão de obra livre
do presente, foram uma das principais críticas do enredo e repercutiu
de maneira vertiginosa na sociedade brasileira, provocando o
imediato compartilhamento das críticas, nas redes sociais.

Portanto, os acontecimentos históricos não podem ser ignorados,


muito menos romantizados. É preciso um olhar crítico, discutindo na
sala de aula a temática da escravidão, e relacionar sempre o presente
e o passado na construção de um Ensino de História crítico e
interessante.

Referências
Valdenira Silva de Melo é Especialista em História das Revoluções e
dos Movimentos Sociais –(UEM)- Universidade Estadual de Maringá e
docente da Rede Pública Municipal e Estadual em Santarém-Pará.

ABREU, Rodrigo Bueno de. A Marcha Contra a Farsa da Abolição na


Transição Democrática (1988). In: Revista Contemporânea. Ano 4, nº
5, vol.1. 2014.

AZEVEDO, Célia Maria de. Onda Negra, Medo Branco; o negro no


imaginário das elites século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

BASÍLIO, Ana Luiza. "Não sou escravo de nenhum senhor": Tuiuti


desfila contra retrocesso. In:
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-sou-escravo-de-
nenhum-senhor-tuiuti-desfila-contra-retrocesso Acesso em 04/03/18
às 17:30

COSTA, Emília Viotti da. O mito da democracia racial no Brasil. In: Da


monarquia à república: momentos decisivos. - 6. ed.- São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1999. – (Biblioteca Básica) p. 365- 384.

DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns


apontamentos históricos.In: Revista Tempo, 2007.

215
FUNES, Eurípedes Antônio; GONÇALVES, Adelaide. Abolição:
Manifestação e Herança. In: CLIO: Revista de Pesquisa Histórica.
1990. Periódicos.ufpe.br.

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro no Brasil: ausências,


emergências e a produção dos saberes. In: Dossiê Política &
Sociedade. Vol. 10 – Nº 18 – abril 2011.p.133-154.

GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira; SILVA, Petronilha Beatriz


Gonçalves e. Movimento Negro e Educação. In: Educação como
exercício da diversidade. – Brasilia: UNESCO, MEC, ANPEd, 2005, p.
181-228. (Coleção Educação para todos;7).

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa


e consequente. In: História na sala de aula: conceitos, práticas e
propostas/ Leandro Karnal (org.) - 6. ed., 2ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2012, p. 17-36.

TOM, Nêggo. Se o paraíso existe, ele fica no Tuiuti. In:


https://www.brasil247.com/pt/colunistas/neggotom/341876/Se-o-
para%C3%ADso-existe-ele-fica-no-Tuiuti.htm. Acesso em04/03/18
às 17:00

216
DEZ ANOS DA LEI 11.645: ENTRE MUDANÇAS E
PERMANÊNCIAS
Vânia Cristina da Silva
Cláudia Cristina do Lago Borges

O dia 10 de março de 2018 é a data que marca os 10 anos da Lei nº


11.645, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, já modificada pela Lei nº 10.639,
de 9 de janeiro de 2003, a fim de incluir no currículo oficial da rede
de ensino a obrigatoriedade da temática ―História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena‖.(BRASIL, 2008). Assim, o presente texto tem
como objetivo discutir as alterações propostas pela Lei nº 11.645,que
agora completa uma década,bem como compreender os impactos da
mesma no ensino de História e quais desafios ainda precisam ser
enfrentados para sua plena efetivação no contexto educacional.

Durante séculos, os povos indígenas, sua cultura e identidade foram


negligenciados, prevalecendo, sim, a negação dosdireitos à sua
diversidade, e até mesmo às suas etnias como construtoras da
história da sociedade brasileira. A visão europeia sempre prevaleceu
e a história contada/ensinada nas escolas abordando o processo de
colonização sempre foi a de um Brasil ―descoberto‖ por ―valentes
portugueses‖ que ludibriavam com facilidade os povos que aqui
viviam, sendo esquecido todo o processo de resistência empreendido
por essas populações.

A desconstrução desta imagem foi resultado de um longo caminhar


de lutas, numa busca constante pelo protagonismo dessas etnias. Um
dos marcos desta conquista foi justamente a promulgação da Lei nº
11.645, que menciona o seguinte:

―Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,


passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história
e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá
diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos,
tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos
negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional,
resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil.

217
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos
povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de
literatura e história brasileiras‖ (BRASIL, 2008).

A tentativa da referida lei é amenizar o preconceito que ainda se faz


presente em nossa sociedade e, desta forma, desconstruir as muitas
ideias estereotipadas que ainda prevalecem no contexto social, pois:

"Os indígenas, em muitas situações do nosso cotidiano, são o ―outro‖


da sociedade nacional e a disciplina escolar história é o espaço
privilegiado para o conhecimento e a compreensão do outro, levando
em conta as singularidades desse mesmo ―outro‖ (não é isso que nos
ensinam na Universidade?)". (OLIVEIRA, 2010, p. 160).

Para confirmar a afirmação de Oliveira (2010), basta que se lance o


seguinte questionamento: onde estão os indígenas do nosso país?
Como estes vivem atualmente? São muitas as dúvidas,assim como as
respostas negativas às perguntas mencionadas que prevalecem entre
a maioria da população, e isso nada mais é que o reflexo das muitas
generalizações sobre esses povos, que

―[...] também são chamados de ―tribos‖ a partir da perspectiva


etnocêntrica e evolucionista de uma suposta hierarquia de raças,
onde os índios ocupariam obviamente o último degrau; ou ainda
imortalizados pela literatura romântica produzida no Século XIX,
como nos livros de José de Alencar, onde são apresentados índios
belos e ingênuos, ou valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou
seja, bárbaros, bons selvagens ou heróis‖ (SILVA, 2012, p.41).

Outro exemplo comum que podemos mencionar se refere às


comemorações ao Dia do Índio, em 19 de abril. Notamos, durante
anos e anos, que nas escolas, esta data não passava de um dia para
que as crianças tivessem seu rostos pintados, usassem adereços tais
como tangas, cocares de penas e voltassem para suas casas com a
ideia do índio como um ser preso ao período colonial e, sem nenhuma
contextualização, quando o ideal seria que, junto aos estudantes,
ocorressem discussões capazes de demonstrar a cultura desses
povos; suas bandeiras de luta no passado, mas também nos dias
atuais; onde e como vivem hoje; dessa forma, cairia por terra ideias
equivocadas e comumente utilizadas de que: índio não pode usar
celular, não pode ter acesso às tecnologias, deve viver afastado de
tudo que não faz parte de sua cultura ancestral, entre tantas outras
ideias que precisam e devem ser desconstruídas.

218
O importante é que, a passos lentos, mas esses tipos de
generalizações vêm mudando e dando espaço a novos olhares sobre
essas populações, inclusive porque, nos últimos anos, vem crescendo
significativamente o número de indígenas em espaços antes jamais
ocupados por eles, tomemos como maior exemplo as universidades,
já que hoje é crescente a presença de pessoas pertencentes a essas
comunidades nos meios acadêmicos, não se limitando apenas à
conclusão de uma graduação, mas indo além, se tornando mestres,
doutores e pesquisadores respeitados. Gersem Baniwa, por exemplo,
mestre e doutor pela Universidade de Brasília, é autor do livro O índio
brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje, no qual ressalta que:

―[...] quando falamos de diversidade cultural indígena, estamos


falando de diversidade de civilizações autônomas e de culturas; de
sistemas políticos, jurídicos, econômicos, enfim, de organizações
sociais, econômicas e politicas construídas ao longo de milhares de
anos, do mesmo modo que outras civilizações dos demais continentes
europeu, asiático, africano e a Oceania. Não se trata, portanto, de
civilizações ou culturas superiores ou inferiores, mas de civilizações e
culturas equivalentes, mas diferentes‖. (BANIWA, 2006, p. 49).

É acerca dessa diversidade que precisamos falar nas aulas de


história, é sobre as muitas diferenças socioculturais que devemos
pautar o ensino de história indígena, pois, somente a partir de uma
visão mais ampla será possível alcançar o reconhecimento dessa
pluralidade e o reconhecimento dos direitos desses povos. Por esse
motivo é que consideramos a promulgação da Lei nº 11.645 como
um avanço nesse aspecto, pois esta, se colocada em prática
realmente, pode possibilitar a superação de lacunas que persistem na
formação escolar dos estudantes, esses mesmos que, futuramente,
poderão (ou não) permanecer mantendo visões esteriotipadas acerca
das populações indígenas. Isso depende muito da formação que irão
receber.

Passados dez anos da promulgação da referida lei, embora devamos


reconhecer certos avanços, ainda são muitos os desafios a serem
enfrentados. A esse respeito, nos alerta Silva (2012, p.44):

―É de fundamental importância, por exemplo, capacitar os quadros


técnicos de instâncias governamentais (federais, estaduais e
municipais) para o combate aos racismos institucionais. Mas, um
grande ou o maior dos desafios é a capacitação de professores tanto
os que estão atuando, a chamada formação continuada, quanto
daqueles ainda em formação nas licenciaturas em universidades
públicas e privadas, nos diversos cursos de magistério. O que

219
significa dizer que no âmbito dos currículos dos cursos de
licenciaturas e formação de professores, deve ocorrer a inclusão de
cadeiras obrigatórias ministradas por especialistas que tratem
especificamente da temática indígena, principalmente nos cursos das
áreas das Ciências Humanas e Sociais‖.

As colocações de Silva (2012), embora feitas há seis anos, ainda são


muito atuais, pois refletem uma realidade que ainda permanece, se
considerarmos as dificuldades enfrentadas ainda pelos cursos de
formação no trabalho com os estudantes do curso de história acerca
da temática do ensino de história indígena. Muito embora, seja
essencial informarmos que avanços significativos devem ser
considerados, já que muitos professores universitários têm, sim,
realizado trabalhos importantes nesse sentido, mas pensamos ser
necessário uma ampliação dessa discussão. Outro aspecto que
merece ser considerado como avanço são os materiais didáticos, já
que, nas últimas coleções aprovadas pelo PNLD, podemos perceber
muitos autores que se empenham na elaboração de livros que
contemplam a temática indígena, mas não como antes, quando
traziam esses povos como bons ou mal selvagens presos ao processo
colonizador, mas, agora, alguns materiais traçam toda a história das
comunidades indígenas, mapas atuais de onde vivem, como vivem e
toda sua luta e resistência dentro de toda a História do Brasil.

Diante disso, nossa perspectiva é que, entre mudanças e


permanências, ao completarmos dez anos de lei, temos seguido por
um caminho promissor, mas sempre pensamos que o que está posto
ainda pode avançar, melhorar, mas isso é uma questão de tempo,
sempre há quem se preocupe e enxergue com olhar diferenciado as
questões relacionadas à história dos povos indígenas. Que assim
possamos seguir adiante, na busca por um Brasil que respeite cada
vez mais a diversidade do seu povo.

Referências
Vânia Cristina da Silva é Doutoranda pelo Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal de Goiás.

Cláudia Cristina do Lago Borges é Professora Associada no


Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba.

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que você


precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília:
MEC/Secad/Museu Nacional/UFRJ, 2006.

BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. 2008. Disponível


em:

220
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/lei/l1164
5.ht> Acesso em: 01 mar. 2018.

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (coordenadora). História: ensino


fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2010. (Coleção Explorando o Ensino; v. 21).
(Capitulo 7: A experiência indígena no ensino de História – Itamar
Freitas).

SILVA, Edson. Povos indígenas: história, culturas e o ensino a partir


da lei 11.645. In: Historien – Revista de História. Petrolina, jun./nov
2012. Disponível em:
<file:///D:/Indígena/Silva,%20Edson.%20―POVOS%20INDÍGENAS_
%20HISTÓRIA,%20CULTURAS%20E%20O%20ENSINO%20A%20PAR
TIR%20DA%20LEI%2011.645‖.pdf>Acesso em: 03 mar. 2018.

221
PROBLEMÁTICAS NO ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA
Wesley de Oliveira Silva

O ensino de História Indígena certamente está causando muito


alvoroço a muitos dos docentes no Brasil, uma vez que como a
temática se tornou obrigatória, o que está preocupando os
professores é se existe uma formação que seja necessária para lidar
com este conteúdo em sala de aula [cf. SILVA, 2016, p. 148-149].

Mas o problema vai muito além, pois o desconhecimento de muitos


professores sobre a temática é apenas um dos problemas. Há
também a questão das percepções erradas sobre o assunto,
geralmente afirmando mitos famosos ou considerações que não
correspondem com as verdades envolvidas na história dos povos
indígenas.

Os discursos comuns e seus problemas


Uma crença comum é de que todos os indígenas são iguais, de que
todos têm a mesma cultura (especialmente no caso do Brasil), ou ao
menos são assim que muitos dos povos indígenas são retratados
diariamente. Todavia, ao analisarmos de forma mais crítica os
próprios conceitos que são frequentemente empregados para se
referir a algo neste objeto de estudo, encontramos mais problemas,
sendo o uso equivocado de conceitos, talvez, os mais preocupantes.
Desses conceitos equivocados e também etnocêntricos, um deles é o
de ―índio‖.

Sabendo que este termo não representa a complexidade a quem ele


quer referenciar, ou seja, a todos os habitantes da América durante a
chegada dos europeus ao continente americano, vemos um grande e
nítido problema: é um conceito extremamente genérico.

Ao se referir a sociedades de organizações políticas, culturais e


sociais diferentes, resumir tudo isso a uma palavra é no mínimo
muito descomedido. O conceito de índio foi atribuído logo nos
primeiros contatos entre os europeus e os americanos, sendo
empregado por Cristóvão Colombo, que em algumas de suas viagens
à América, ele estava certo que aquelas terras eram pertencentes a
Índia, consequentemente, chamando todos os habitantes de índios.
Mas logo o erro foi rapidamente percebido por outras pessoas, como
o navegador Américo Vespúcio, por exemplo[cf. SOUZA NETO;
SILVA; SCHURSTER, 2016, p. 25-28].

Contudo, embora muitos saibam que esse não é o melhor termo para
se referir aos povos nativos da América, o seu uso ainda se faz muito

222
presente até os dias de hoje, englobando todos estes povos nesse
conceito, sem respeitar ou considerar múltiplas diferenças culturais
[cf. SILVA, 2009, p. 121-123]. Hoje em dia, por exemplo, várias são
as notícias informadas em jornais, revistas, telejornais, ou obras que
abordam esses povos (seja em séries, novelas, filmes) que estão,
ainda e infelizmente, insistindo em utilizar essa palavra equivocada, o
que ocasiona bastante a perpetuação desse erro.

Partindo desta análise, outros conceitos frequentemente atribuídos


sem uma preocupação no seu significado e sem ter sequer um olhar
aos investimentos na historicização destes que os historiadores vêm
discutindo nos últimos anos, são ―selvagem‖, ―descobrimento‖,
―civilização‖, entre outros [cf. SILVA, 2015, p. 3-8].

O termo ―civilização‖ é um dos mais problemáticos e tão


frequentemente usado. Parece que sempre quando se trata de
sociedades existentes na América antes da chegada dos europeus,
surge uma necessidade de comparação com os Estados da Europa, a
todo momento colocando as americanas como inferiores ou não
civilizadas, salvo alguns raros casos. Nos livros didáticos, por
exemplo, essa é uma realidade muito comum.

As sociedades indígenas do Brasil são bons exemplos deste caso de


inferiorizarão em comparação aos Estados europeus, uma vez que
como não tem uma organização estatal, automaticamente o ponto de
vista de rebaixamento manifesta-se. Essas sociedades (as indígenas
que habitavam hoje o território do Brasil) organizam-se em ―grupos
tribais‖, uma vez que:

―Tribo é uma sociedade de agricultores sedentários, de no máximo


alguns milhares de pessoas, que possui vários clãs e não apenas uma
única linhagem de parentesco. Apesar de haver diferenciação de
status entre seus membros, não tem nem uma estratificação social
nem um chefe com poder de mando‖ [SILVA, 2009, p. 410].

Sendo assim, elas vão sofrer um longo e forte processo de


preconceitos que envolvem desde as considerações de ―preguiçosos‖,
por causa do modo em que eles vão conseguir e organizar a
alimentação, até de selvagens ou ingênuos pela forma de organização
social e cultural [CLASTRES, 2003, p. 210].

Dando continuidade, outro termo bastante utilizado (e tão


problemático o quanto) sem um certo cuidado na sua conceituação é
a expressão ―descobrimento‖. Segundo Kalina Vanderlei e Maciel
Henrique Silva, quando se utiliza a palavra descobrimento, refere-se
a vista pela primeira vez, ou seja, o que quer que seja foi achado

223
pela primeira vez. Contudo, quando os Europeus chegaram ao
continente americano já existiam pessoas morando neste local. A
América já havia sendo habitada há milênios. Portanto, seria melhor
o uso da palavra ―descoberta‖, já que diferente de descobrimento,
esta expressão refere-se a um achado, mas não pela primeira vez. E
decerto houve uma descoberta da América para a Europa, África e
Ásia, que desconheciam este continente [cf. SILVA, 2009, p. 93-96].

E os problemas não param por aí, os mitos (aqui sendo empregados


no sentido de imaginação deturpada da realidade) que são
empregados é que são difíceis de lidar, pois geram preconceitos
tremendos. Alguns dos mais embaraçosos são de que todos os ―índios
são burros‖ ou que ―a superioridade bélica dos europeus‖ foi o que
definiu a colonização da América [cf. RESTALL, 2006, p. 224-243].
Quando se estuda história do Brasil nas salas de aula do Ensino
Fundamental e Médio, e o livro didático dá muita margem para isso,
observamos que o processo de conquista foi quase exclusivamente
através dos portugueses.

Exclui-se o fato de que foram os indígenas que compunham a maior


parte das tropas lideradas pelos portugueses, por exemplo. Se
esquece, também, de que depois do século XVI, os indígenas não
desapareceram, muito pelo contrário, eles continuam muito atuantes
em todo o processo de colonização. A criação de aldeias é um bom
exemplo disso, uma vez que era necessário da ajuda dos indígenas
para o trabalho nos engenhos, cidades ou vilas, para marcharem nas
tropas nas batalhas travadas com povos estrangeiros (como os
franceses, por exemplo) ou contra outros indígenas (considerados
inimigos) que viviam no sertão [cf. CAVALCANTI, 2009, p. 22-24].

Além de cair no esquecimento dos autores dos livros didáticos por


vários anos, a interdisciplinaridade que é proporcionada por algumas
disciplinas ajuda muito a fomentar o imaginário de estereótipos
associados a povos indígenas. Um bom caso é quando se trabalha,
nas aulas de literatura, obras de autores que viveram no século XIX,
como José de Alencar e seu livro ―O Guarani‖, por exemplo. Este
período é muito complicado para se estudar história indígena, já que
esses livros levantam falsas imagens sobre a cultura desses povos
que até hoje são encarados como verdades absolutas em muitas das
escolas do Brasil. O típico índio de tanga e cocar com penas, que
sempre faz uma espécie de grito de guerra que é produzido ao se
colocar a mão na boca, é um bom exemplo. Fora outras
características. Lembrando que este também é o período em que o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro decide trazer um ensino de
história ao Brasil, iniciando um processo de ―busca de heróis
nacionais‖ e do resgate da história, que ajuda muito na criação de

224
estereotípicos para as características sociais e culturais indígenas [cf.
COSTA, 2006, p. 56-59].

Propostas para o reensino


Tendo em vista tudo isto posto, é preciso que o ensino de história
indígena seja revisto urgentemente. Sem dúvidas, uma boa medida
foi tornar obrigatório o ensino desta temática nas salas do Ensino
Fundamental e Médio das escolas do Brasil. Mas, como vimos, causou
muito desespero justamente por causa de muitos fatores como o
desconhecimento da temática, falta de entendimento de situações ou
conceitos que devem ter sempre um olhar especial para análise de
possíveis preconceitos (como o etnocentrismo, que é geralmente tão
comum), por exemplo.

Rever conceitos é a primeira etapa. A substituição da palavra índio


pelo termo ―indígena‖, por exemplo, é um significativo passo, já que
vai substituir um termo usado de forma errada por muitos anos, e
que ainda é tão comum nos dias atuais. No entanto, embora o termo
―indígena‖ seja de uso correto, é ainda mais preferencial a utilização
do próprio nome de cada povo, exemplo: maias, astecas, caetés,
incas, potiguaras, entre outros.

Para a docência em sala de aula, debater esses conceitos é


extremamente importante para o combate a preconceitos e também
para a desmistificação de termos e situações que não condizem com
a realidade dessas sociedades que já habitavam a América antes da
chegada dos europeus. Podemos ainda encontrar como recurso
diversos materiais.

O cinema pode ser um importante e interessante método de ensino,


tanto para construir uma melhor apresentação do conteúdo, como
para desconstruir situações que parecem estar invisíveis aos olhos de
todos, porém, que estão presentes geralmente por trás dos fatos que
são tão visíveis aos nossos olhos. Um bom exemplo é o filme
Apocalypto (EUA, 2006), que aborda as sociedades maia e asteca, em
que pode fazer uma análise das diferenças temporais e culturais dos
povos citados que são abordados no filme, geralmente sem diferença
e de forma confusa. É claro, sempre estando atento a quem irá
recomendar este material [SILVA, 2016, p. 148].

Outra boa indicação de filme é ―O Caminho para El Dorado‖ (EUA,


2000), pois ao se retratar de uma antiga lenda surgida na
Mesoamérica, é uma excelente forma de se discutir o contexto de
surgimento de várias formas de resistências contra os colonizadores
europeus que várias sociedades indígenas da América criaram como
tentativa de manter sua sobrevivência. No caso deste filme, a

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discussão sobre as mentiras como formas de reação as pressões da
colonização [cf. BRUIT, 1993, p. 21-22].

Desta maneira, torna-se essencial o debate, estudo e incentivo de


uma melhor qualificação de profissionais da educação no que se
refere ao ensino da história indígena, para buscar solucionar essas
problemáticas tão severamente ligadas a essa temática, assim como
pensar novos meios de docência.

Referências
Wesley de Oliveira Silva é acadêmico em História, Licenciatura Plena,
Pela Universidade de Pernambuco – Campus Mata Norte (UPE-CMN).
Esse trabalho foi desenvolvido com auxílio financeiro da Bolsa de
Monitoria da UPE, através da monitoria da disciplina de História da
América Indígena da mesma universidade, tendo como tema do
projeto ―Revendo o Ensino de América Indígena‖ e como orientadora
Kalina Vanderlei Silva. E-mail: wesley_oliveira18@outlook.com.

BRUIT, Héctor Hernan. O visível e o invisível na conquista hispânica


da América. In: KOSSOVITCH, Elisa Angotti. Caderno CEDES 30 – a
conquista daAmérica. Campinas, SP: Papirus. 1 Ed. 1993. p. 15 a 32.

CAVALCANTI, Alessandra Figueiredo. Aldeamentos e política


indigenista no bispado de Pernambuco – séculos XVII e XVIII.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2009.

CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado – Pesquisas de


Antropologia Política. São Paulo, Cosac &Naify, 2003. P. 208.

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In: István Jancsó. (Org.). Independência do Brasil: História e
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Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos / Kalina


Vanderlei Silva, Maciel Henrique Silva. – 2.ed., 2ª reimpressão. – São
Paulo: Contexto, 2009.

SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. Somos Todos Selvagens: O


Conceito de Civilização, a Crítica Historiográfica e o Ensino de
História. Boletim Tempo Presente (UFRJ), v. 01, p. 03-08, 2015.

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história indígena. In: BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA,
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histórica. 1ed.Rio de Janeiro/União da Vitória: LAPHIS/Sobre Ontens,
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ORGANIZAÇÃO

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