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TUTÓIA-MA, 2023

| EDITOR-CHEFE

Geison Araujo Silva

| CONSELHO EDITORIAL

Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp)


Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Miguel Ysrrael Ramírez Sánchez (México)
Rita de Cássia Souto Maior (UFAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

E24
Estudos Interdisciplinares em Humanidades e Linguagens / Organizador Jairo da
Silva e Silva – Tutóia, MA: Diálogos, 2023. 300p.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-81-9
DOI: 10.52788/9786589932819

1. Linguagem e línguas. 2. Ciências Humanas - pesquisa. 3. Interdisciplinaridade.


I. Título. II. Silva, Jairo da Silva e.

CDD 400

contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
Sumário

8 Outras manhãs, outros outubros chegaram!

16 Entre fatos e silêncios: quais memórias farão parte das


narrativas oficiais?
Ana Carla Ferreira dos Santos

39 O protagonismo feminino no Projeto de Assentamento Frei


Vantuy: uma história de luta e resistência
Elionai Mendes da Silva

60 Assentamento Palmares: memória e resistência


Isabel Soares de Carvalho

77 História local a partir de narrativas orais como fonte de


pesquisa
Myrcéia Carolyne Guimarães da Costa
Cleonilson Rosário da Costa

99 Impressões sobre a escravidão no Brasil do séc. XIX em


Notas Dominicaes, de Tollenare
Julie Christie Damasceno Leal

118 Antropofagia em relatos de viagem: uma análise de Duas


Viagens ao Brasil, de Hans Staden
Mauro Lopes Leal
134 Literatura indígena brasileira na sala de aula: uma
proposta interdisciplinar
Sanya Adelina de Andrade Morais

149 El género teatral y la dramatización en clases de ELE:


reflexiones y acciones
Hernandes Baia Pires
Maria José Souza Lima

174 Desarrollo de las estrategias de comunicación en los


procesos de español como lengua extranjera
Cláudio José Dias

189 Alternativa de métodos pedagógicos para estimular alunos


com dislexia no ensino da Matemática
Katiane de Jesus da Silva

206 Materiais didáticos, fontes digitais e recursos educacionais


abertos (REA) no ensino de História
Cristina Ferreira de Assis
Rhadson Rezende Monteiro

223 Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação


no currículo da Educação Profissional: uma análise
entre teoria e prática interdisciplinar
Italanei Oliveira Fernandes
243 Caminhos de Formação: itinerários educacionais
dos estudantes do Ensino Médio Integrado no IF
Baiano Campus Uruçuca
Adeilton Dias Alves
Wesley dos Santos Sampaio

266 A educação na perspectiva intercultural: narrativas


e experiências docentes na Escola Municipal Criança
Esperança, Abaetetuba/PA
Antonilda da Silva Santos

287 Sobre o organizador

288 Sobre as autoras e os autores

298 Índice remissivo


Outras manhãs,
outros outubros chegaram!

Após a podridão que provamos nos últimos quatro anos de su-


cessivos ataques às Ciências Humanas e Linguagens, uma vez mais, a
Ciência triunfou! Em meio a tanto negacionismo acadêmico-científi-
co, chegar ao ano de 2023 com o esperançar de dias melhores para a
ciência, tecnologia, ao livre pensamento é mais que um alívio: é a ma-
terialidade de que a produção do conhecimento não se pode prender!
É certo que não é de hoje que há evidente tentativa de apresentar
“as humanas e linguagens” como improdutivas, desimportantes. To-
davia, desde 2016, com o golpe tramado contra a primeira mulher a
governar o Brasil [presidenta Dilma Rousseff] e consequentemente,
com a ascensão do neoultraconservadorismo [tendo como líder prin-
cipal, Bolsonaro], assistimos aos insistentes e persistentes ataques à ci-
ência como nunca visto antes desde a redemocratização do país.
Foram 4 anos de muitas teorias da conspiração, negacionismos
e desmontes da academia brasileira. Equivocadamente, a ingerência
governamental mirou em tais ciências como aquelas que poderiam
corromper a família e a nação. “É, preciso, portanto, sufocá-las, silen-
ciá-las, erradicá-las!” – estes são os mórbidos sentidos.
Ainda bem que outros outubros chegaram, assim como musicou
Bituca e Elis: “Nós iremos crescer, outros outubros virão. Outras ma-

8 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


nhãs, plenas de sol e de luz”1. Ainda bem que chegou a “primavera”,
pondo fim ao [quase] “interminável” inverno obscurantista. Apego-
-me à promessa poetizada por Neruda: “Podrán cortar todas las flores,
pero no podrán detener la primavera”2.
Nesse bojo, Estudos Interdisciplinares em Humanidades e Lin-
guagens é testemunha de como as Ciências Humanas e Linguagens
sobreviveram [e assim há de ser, sempre] ao amargo sabor do bolsona-
rismo, ao fel provado nos últimos quatro anos. Os estudos que aqui se
apresentam revelam a importância das humanidades e das linguagens
como necessárias para a nossa existência e, principalmente, resistência
– essa, sem dúvidas, é o que nos fez firmes até aqui.
Trata-se, portanto, de um potente encontro dialógico de catorze
trabalhos oriundos da interlocução entre dezoito pesquisadoras(es)
de áreas afins das Ciências Humanas e Linguagens, tais como: edu-
cação, ensino, história, memória, língua, teatro, literatura, oralidade,
identidade, território, inclusão, desigualdades sociais, questões étnico-
-raciais, interculturalidade e, novas tecnologias; configurando, dessa
forma um interessante – e necessário – diálogo sobre humanidades
e linguagens, tendo como ponto em comum, a interdisciplinaridade.
Sendo assim, apresentamos as ideias centrais manifestadas em cada
capítulo da obra, organizados em duas seções, por ordem de interlo-
cução.

1 Trecho de “O que foi feito de Vera”, canção de Milton Nascimento, lançada em 1978 no
álbum Clube da Esquina 1 e 2. Letra disponível em: https://www.letras.mus.br/milton-
nascimento/47439/. Acesso em: 20 jan. 2023.
2 Máxima atribuída ao poeta chileno Pablo Neruda. Em tradução livre: “Poderão cortar todas
as flores, mas não poderão parar a primavera”.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 9


Composta por sete capítulos e sob tratamento interdisciplinar, a
primeira seção versa sobre temáticas contemporâneas problematizadas
pela memória, história, resistência, questões étnico-raciais, narrativa,
oralidade, literatura. O capítulo inicial é intitulado: Entre fatos e si-
lêncios: quais memórias farão parte das narrativas oficiais? Escrito
por Ana Carla Ferreira dos Santos, além de problematizar a fissura de
um estado democrático quanto a violações de direitos humanos na
ordem da segurança pública, o estudo questiona, num contexto de
fatos e silenciamentos, dentro de uma estrutura social racista, quais as
memórias podem existir nas narrativas oficiais.
Já o segundo capítulo tem como título: O protagonismo femini-
no no Projeto de Assentamento Frei Vantuy: uma história de luta
e resistência. Elaborado por Elionai Mendes da Silva, o estudo dis-
cute a trajetória de luta e de resistência que possibilitou o despontar
do Assentamento Frei Vantuy, localizado em Ilhéus/BA, no cenário
regional, em diferentes seguimentos sociais, por meio da organização
e representação feminina enquanto instrumentos de lutas e resistência
contra o preconceito, o machismo e discursos hegemônicos que ten-
tam demarcar o lugar da mulher neste espaço social.
Nessa mesma esteira, o terceiro capítulo, intitulado: Assentamen-
to Palmares: memória e resistência. Sob a autoria de Isabel Soares
de Carvalho, busca entender de forma dinâmica e parcial a política de
memória contida nos 28 anos do Projeto de Assentamento Palmares,
fruto da luta pela Reforma Agrária no Sudeste do Pará, através do Mo-
vimento Sem-terra (MST). Para tanto, o estudo se fundamenta no pro-
cesso de identidade cultural e histórica pela via das artes, poesia, even-
tos artísticos e depoimentos de pessoas fundadoras do assentamento.

10 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


O quarto capítulo é de autoria de Myrcéia Carolyne Guimarães
da Costa & Cleonilson Rosário da Costa, e tem como título: História
local a partir de narrativas orais como fonte de pesquisa. O estu-
do promove relevante discussão sobre uma pesquisa de fontes orais
por meio de coleta de narrativas míticas a fim de servirem de suporte
para investigação de elementos do tempo presente: narrativas sobre a
entidade mitológica do Ataíde (ser monstruoso que vive nas áreas de
manguezais em Bragança/PA); como se deu o processo de transpo-
sição da narrativa oral para o registro escrito; como o mito interfere
na vida (real) dos indivíduos que “convivem” com ele; como o saber
tradicional envolto por este mito pode ter reflexos bem contundentes
no saber academizado.
Intitulado como: Impressões sobre a escravidão no Brasil do
séc. XIX em Notas Dominicaes de Tollenare, o quinto capítulo é de
autoria de Julie Christie Damasceno Leal. Nele, a autora analisa a refe-
rida obra do francês Tollenare-Gramez, tendo em vista as suas impres-
sões sobre a escravidão no Brasil do século XIX. O estudo identifica as
passagens que atestam a visão do europeu sobre os costumes e práti-
cas escravagistas no Brasil, efetuando uma interpretação que coloque
em destaque os contrastes decorrentes da visão que o outro tem dos
povos nativos e/ou escravizados. A análise revela que, por mais que o
estrangeiro busque desenvolver uma visão mais crítica e humanizada
acerca da escravidão, esta, ainda assim, será inculcada de preconceitos
e parcialidade.
Ainda na esteira dos estudos literários, o sexto capítulo é intitula-
do: Antropofagia em relatos de viagem: uma análise de Duas Via-
gens ao Brasil de Hans Staden e de autoria de Mauro Lopes Leal.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 11


O estudo interpreta a obra Duas Viagens ao Brasil, de Hans Staden,
tendo em vista o fenômeno da antropofagia. Considerando que Sta-
den foi cativo do povo Tupinambá, o qual demonstrava interesse em
canibalizá-lo, Leal situa duas culturas distintas, a europeia e a dos po-
vos nativos; lado a lado, visando reconhecer diferentes possibilidades
de interpretação do mesmo fenômeno, a antropofagia. Contrapondo
as duas culturas, apresenta diferentes perspectivas de mundo, partin-
do da distinção entre canibalismo e antropofagia, bem como, entre
antropofagia como um ritual sagrado (na perspectiva dos povos origi-
nários) e a visão eurocêntrica, marcada pela fé e doutrina cristã, a qual
irá demonizar tal prática cultural.
Com “um pé” na primeira e “o outro” na segunda seção, o próxi-
mo capítulo marca a transição entre ambas as seções, posto que, trata
de temáticas levantadas na parte inicial, tendo como pano de fundo, o
ensino. Ou seja, é formada por capítulos que reverberam a interlocu-
ção entre humanidades, linguagens e (re)construção de novas práticas
pedagógicas.
Sendo assim, no sétimo capítulo, Literatura indígena brasilei-
ra na sala de aula: uma proposta interdisciplinar, a autora, Sanya
Adelina de Andrade Morais, brinda-nos com um potente estudo que
visa auxiliar docentes de linguagens e códigos às práticas pedagógicas
da literatura indígena brasileira contemporânea, considerando em es-
pecífico a aplicação da .
O oitavo capítulo é intitulado: El género teatral y la dramati-
zación en clases de ELE: reflexiones y acciones. Sob a autoria de
Hernandes Baia Pires & Maria José Souza Lima, o estudo discute a
historicidade do Teatro, bem como a relação direta que seu uso pode

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ter nas aulas de Espanhol como Língua Estrangeira (ELE), promoven-
do, portanto, uma reflexão sobre as ferramentas à disposição docente
para o sucesso do processo de ensino/aprendizagem.
Ainda na perspectiva do ensino de línguas, o nono capítulo tem
como título: Desarrollo de las estrategias de comunicación en los
procesos de español como lengua extranjera. Elaborado por Cláu-
dio José Dias, o estudo tem como foco a utilização de estratégias didá-
ticas variadas para o ensino de língua estrangeira, buscando entender
o processo de comunicação e a importância da oralidade no ensino e
aprendizagem, além de sanar algumas dúvidas sobre os métodos de
ensino, bem como as atividades e exercícios que podem ser realizados
nesse processo.
Já no décimo capítulo, sob o título: Alternativa de métodos pe-
dagógicos para estimular alunos com dislexia no ensino da Ma-
temática, a autora, Katiane de Jesus da Silva, apresenta propostas de
materiais pedagógicos como recursos para o desenvolvimento do tra-
balho na educação inclusiva desde a abordagem Montessoriana, como
alternativa de estímulo na inclusão escolar para pessoas com deficiên-
cia, tendo como foco principal a pessoa com dislexia.
Elaborado por Cristina Ferreira de Assis & Rhadson Rezende
Monteiro, o décimo primeiro capítulo: Materiais didáticos, fontes
digitais e recursos educacionais abertos (REA) no ensino de His-
tória promove uma reflexão sobre como as novas linguagens e fontes
educacionais no ensino de História, impulsionam a necessidade dis-
cente quanto ao estudo da História com mais criticidade e maior en-
volvimento nas propostas pedagógicas apresentadas pelos docentes.
Sendo assim, o capítulo aborda emergentes reflexões sobre os recursos,

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 13


materiais e fontes do ensino de História como linguagens para cultura
escolar.
Já o décimo segundo capítulo é intitulado: Tecnologias Digitais
da Informação e Comunicação no currículo da Educação Profis-
sional: uma análise entre teoria e prática interdisciplinar. Sob a au-
toria de Italanei Oliveira Fernandes, o estudo discute como o acesso às
Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC’s) aliadas
à interdisciplinaridade prevista na Base Nacional Comum Curricular
apresenta-se como imprescindível na construção do conhecimento e
aprimoramento discente no curso técnico em Informática integrado
ao ensino médio no Campus Uruçuca do Instituto Federal Baiano.
Também sobre a realidade que permeia o Campus Uruçuca do
Instituto Federal Baiano, o décimo terceiro capítulo é produção de
Adeilton Dias Alves & Wesley dos Santos Sampaio e tem como título:
Caminhos de Formação: itinerários educacionais dos estudantes
do Ensino Médio Integrado no IF Baiano Campus Uruçuca. À
luz de postulados de Pierre Bourdieu, o estudo apresenta resultados
preliminares de pesquisa voltada ao perfil educacional dos estudantes
dos cursos de ensino médio integrado do supracitado campus do IF
Baiano, destacando, portanto, a necessidade de aprimoramento nas
políticas de permanência e êxito desses estudantes, dentre os quais
aproximadamente 86% se autodeclaram negros e são beneficiários de
ações afirmativas como as referidas políticas; fomentando, dessa for-
ma, reflexões sobre a educação das relações étnico-raciais.
Por fim, o décimo quarto capítulo é produção de Antonilda da
Silva Santos. Intitulado: A educação na perspectiva intercultural:
narrativas e experiências docentes na Escola Municipal Criança

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Esperança, Abaetetuba/PA, o estudo evidencia a importância de
incluir a diversidade humana no contexto escolar desde o questiona-
mento principal: como a educação intercultural pode se concretizar e
potencializar o currículo, a didática e a prática pedagógica no cotidia-
no da sala de aula?
Em suma, os trabalhos que compõem a obra Estudos Interdis-
ciplinares em Humanidades e Linguagens apontam: mesmo com as
constantes tragédias vivenciadas no quadriênio bolsonarista, o diálo-
go entre as humanidades e linguagens evidenciam a relevância e a ne-
cessidade do tratamento interdisciplinar às demandas sociais frente às
complexas relações que constituem a contemporaneidade, bem como
nos chama a atenção quanto à (re)construção de novas práticas peda-
gógicas para os dias atuais.
Desejamos, portanto, que o raiar das novas manhãs, plenas de
sol e de luz, irradiem o nosso viver diariamente, despertando-nos à
consciência frente às complexidades constituintes das Humanidades
e Linguagens. O convite à leitura, lançado está! Boa leitura a todas e a
todos!

Inverno amazônida, março de 2023.


Jairo da Silva e Silva
Organizador

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 15


capítulo 1

Entre fatos e silêncios:


quais memórias farão parte
das narrativas oficiais?
Ana Carla Ferreira dos Santos

DOI: 10.52788/9786589932819.1-1
Resumo: Este trabalho problematiza a fissura de um estado democrá-
tico quanto a violações de direitos humanos na ordem da segurança
pública. Objetiva questionar, num contexto de fatos e silenciamen-
tos, dentro de uma estrutura social racista, quais as memórias podem
existir nas narrativas oficiais. O recorte adotado abrange o uso da força
policial, dentro dos limites pregados no âmbito democrático de direi-
to, envolto nas legalidades que o estado brasileiro preconiza e se insere
nos termos assinados nos tratados e acordos internacionais, em rela-
ção à investigação e punição a violações de direitos humanos. Provoca
percepções diante de pensamentos expressos de forma naturalizada no
cotidiano frente a notícias que envolvem crimes, violência, chacinas e
mortes em favelas, quer seja em conversas informais ou comentários
em periódicos online, por exemplo. Nestas fontes sinalizadoras, algu-
mas, são até temerárias em seu teor, dentro de uma democracia. Com
muitas falas que convergem pensamentos onde o desprezo pelas in-
vestigações do Ministério Público – MP, imperam. Ao invés do apoio,
defesa e garantia do respeito à democracia e aos direitos humanos em
consonância com o cumprimento das leis. Imaginários infindos de en-
tendimentos que dissociam o caráter racial como fator determinante
diante das condições de desigualdade quanto à precariedade, no brasil.
Vários posicionamentos, mascaram este ponto não equânime e o asso-
ciam, só a questões econômicas. Assim, a solidificação de falsas ideias,
são mantidas em relação a gerações de pessoas pretas, que sobrevi-
vem com mínima condição de dignidade de vida nas grandes cidades.
Por metodologia adota base teórica historicizada do autor (SODRÉ,
2002) aliada a dados estatísticos em pesquisas atuais para configurar o
cenário em análise.
Palavras-chave: Chacina; Favela; Memória; Narrativas; Polícia.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 17


Introdução

O caminho do retorno só existe para quem teve a


oportunidade de ir alguma vez.

Em algum momento na vida, descobrimos que podemos ser en-


contrados pelos outros: seja pelo que somos, representamos e também
pelo que não somos. Não temos controle sobre como afetamos o ou-
tro, na esfera do convívio mais pessoal e muito menos no social, onde
distamos muito mais uns dos outros e o peso da estrutura da socieda-
de é bem maior e mais presente.
As pessoas vêm de trajetórias e valores distintos, valores e estes
convergem num imaginário bem mais amplo, que é o social. Isso não é
privilégio desta ou daquela sociedade em particular. É algo que ocorre
em qualquer lugar, mas o modo como alguém é lido, entendido como
outro faz total diferença para pessoas pretas.
Sua leitura pode cair no campo do exótico por ser diferente; na
estranheza pela falta de empatia e identificação, mas também pode ser
entendido como alguém temerário. Neste último ponto o perigo é
grande, pois é a partir dele donde se começa a sair do sentimento para
as ações. As percepções não se bastam mais, elas precisam de práticas
que garantam o afastamento do que se teme. O condicionante da cor
da pele é o elemento mais forte para diferenciar as pessoas em função
de toda a construção social do Brasil. Assim, o marcador racial da pele,
de cor preta, garantirá leituras dentro de um recorte racializado indis-
sociável da pessoa, em circunstâncias que a condicionarão a experiên-

18 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


cias que outros corpos não racializados sequer podem perceber que
existem quanto mais se incomodar.
Uma vez que o corpo é lido como representante do perigo, pra-
ticamente, nada que a pessoa faça, independentemente de ter “dado
causa”, vai fazer com que alguém a perceba de outra forma. Mudar de
atitude em relação ao outro não é tarefa fácil, individual, ainda mais
quando se vive numa sociedade estruturalmente marcada por diferen-
ciar os corpos sob a égide da hierarquia de poder como mantenedora
de privilégios.
Essa configuração social reflete as mais distintas esferas da socie-
dade brasileira; no objetivo e recorte deste artigo, abordará a relação
com o uso da força policial na Região Metropolitana do Rio de Janei-
ro nos casos que envolvem chacinas. Num discurso que envolve me-
mórias, imaginários e silenciamentos, apresentados correlacionados a
antecedentes estruturais preexistentes, numa perspectiva racializada
que contextualiza as ações policiais nas favelas.

Memórias e apagamentos como constituintes de uma


estrutura racista refletida na ordem da Segurança
Pública

A história em seus inúmeros casos de lembranças e silenciamen-


tos sempre elege o que é importante ou relevante para ser mantido na
memória. Mas, as histórias sociais são lembranças de quem? Quais
são as histórias, as existências que podem ser lembradas? Quais são os
lugares que devem ser lembrados e quais os que devem ser esquecidos?

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 19


Quais são os fatos relevantes? Em que circunstâncias as lembranças
podem ser mantidas? Quem pode narrar uma história?

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos


de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição.
Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode
falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não
pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância,
direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de
três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam,
formando uma grade complexa que não cessa de se modificar.
(FOUCAULT, 1996, p. 9).

Michel Foucault, no livro: A ordem do discurso, discorre sobre


procedimentos de exclusão a partir da interdição, entendida como
controle do discurso. O filósofo quer entender quais são os procedi-
mentos que os produtores do discurso fazem conjurar o perigo alea-
tório. Donde depreende-se que não existe texto falado ou escrito que
não tenha um discurso associado a ele. Assim, podemos compreender
que no discurso tem-se a construção e solidificação de sentidos, cren-
ças e valores. Onde a linguagem tem efeito, ela não é neutra. Lingua-
gem é existência!
Nos ensina Muniz Sodré (2002, p. 22): “Conhecer a exclusivida-
de ou a pertinência das ações relativas a um determinado grupo impli-
ca também localizá-lo territorialmente. É o território que, à maneira
do Raum1 heideggeriano, traça limites, especifica o lugar e cria carac-
terísticas que irão dar corpo a ação do sujeito.” Neste sentido, num
contexto de território, são vários os elementos que podem expressar o
modo de ser de um lugar.

1 Raum entendido com espaço para o filósofo Martin Heidegger.

20 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


O espaço vivido, concebido, o das percepções de quem mora ou
frequenta um lugar ao contrário de quem pouco transita por lá, ou
sabe dele sem nunca ter ido, é muito diferente. Em qualquer localida-
de, à parte da aparência, existem estruturas ocultas que apenas a vivên-
cia oferta conhecimento. Assim, as narrativas dos locais devem ter o
direito de ser ditas, ouvidas, ter espaço para ser expressas, reproduzidas
ao invés de serem silenciadas ou pré-julgadas.
É a partir das narrativas, de outras fontes de histórias é que serão
também, construídas memórias. Este ponto em si, o das memórias, é
algo bem sensível, pois, a memória se associa diretamente com o nosso
imaginário. Ela é sempre construída, se estabelece no processo, é múl-
tipla, flexível, plural, envolve sujeitos, campos de força. Memória é da
ordem do poder e neste sentido é alvo constante de disputa.
Dentro de um contexto social, onde destruir memória é destruir
sujeitos sociais, numa relação de favela/cidade existe um acontecer
hierárquico que vigora em função de uma razão local, de uma ordem
local. Ambas coexistem, mas com perspectivas diferentes: uma inter-
na e outra externa, cada qual a partir de seu referencial. Ao trazer um
recorte, no que tange às operações policiais na Região Metropolitana
do Rio de Janeiro, encontramos similaridades em pontos oriundos de
práticas colonialistas, pós-abolicionistas e republicanas.

Ora, como o afastamento de escravos e ex-escravos afigurava-se funda-


mental a uma sociedade que, no final do século XIX, sonhava em rom-
per social, econômica e ideologicamente com as formas da organização
herdadas da Colônia – e que já excluíam o negro dos privilégios da cida-
dania –, intensificaram-se as regras de segregação territorial, tradicionais
na organização dos espaços brasileiros. A Abolição – vinda de cima para
baixo, sem Reforma Agrária nem indenização aos negros – deixaria in-
tocado esse aspecto do Poder.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 21


O escravo configurava-se como um empecilho ideológico à higiene e
modernização. Discursos de diferentes procedências sociais colocavam-
-no lado a lado com miasmas e insalubridade. Na realidade, além da
condição escrava, o próprio homem negro – que já havia sido excluí-
do, por ocasião do Pacto Social implicado ao Movimento da Indepen-
dência, a composição de classes que constituiria, na visão do Estado, o
controle da nação brasileira – recebia conotações negativas de parte do
corpo social. Escravo e negro eram percebidos, na prática, como a mes-
ma coisa. (SODRÉ, 2002, p. 39, 41-42).

No trecho apresentado por Muniz Sodré (2002), dentro de uma


lógica de estado que higieniza e hierarquiza o local, encontramos tra-
ços estruturais que mostram os condicionantes da população preta
dentro do desenrolar pós-colonial. Ao priorizar à higienização, igno-
rou-se qualquer igualdade com os corpos pretos, que uma vez não ci-
dadãos e sem-terra eram impelidos para as periferias.
Tais condições e entendimentos, em relação aos corpos pretos,
embora distantes na temporalidade, ainda, refletem na leitura dessas
pessoas na sociedade brasileira vigente. Principalmente, em seu local
de moradia e nas formas como se ingressam em seus territórios as for-
ças policiais, em nome da ordem e da Segurança Pública.

O sintoma racista sustenta-se, em última análise, na separação radical


que a modernidade europeia opera entre natureza e cultura. O ‘outro’
é introjetado pela consciência hegemônica como um ser-sem-lugar-na-
-cultura. Emerge daí uma semiótica da monstruosidade: para a consci-
ência subjetivada, edipianizada, o ‘afro’ é um homem que a consciência
eurocêntrica não consegue sentir completamente humano; é, como o
monstro, não um desconhecido, mas um conhecido que finalmente
não se consegue perceber como idêntico à ideia universal de humano.
(SODRÉ, 2002, p. 177).

22 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Sodré (2002), nos traz o aspecto da dificuldade de aceitação do
outro, do corpo preto dentro da ideia universal de humanidade, onde
o consciente imaginário o coloca como o ser sem lugar na cultura.
Num cenário em que persistem segregações espaciais que separam o
que falsamente a cultura une. Onde a identidade única não existe fora
do discurso e se materializa na existência. Nela se evidenciam sistemas
de classificação que oscilam entre o implícito e o explícito, através de
estigmas, quanto a locais e pessoas, onde um degrada o outro.
Ao se separar bairros ricos, nobres de periferias e favelas, são ig-
noradas as diversidades. Numa estrutura muito desigual, a segregação
espacial é algo intrínseco e mantenedor do modelo vigente. Para não
haver confusão, dúvidas, misturas, a separação deve ser e é bem defi-
nida, mesmo que na ordem do discurso ela se contradiga. Afinal, a
segregação separa muito mais do que pessoas.

As favelas das metrópoles brasileiras são frequentemente focos segrega-


dos de desolação e desorganização, mas, quando observadas, revelam-se
bairros operários dotada de uma rede finamente estratificada de elos
tanto com a indústria quanto com os bairros ricos, aos quais fornecem
mão de obra para serviços domésticos’. (WACQUANT, 2008, p. 84).

De acordo com Wacquant (2008), podemos entender um as-


pecto, uma funcionalidade da favela como provedora de mão de obra
doméstica. Este entendimento corrobora para a compreensão da dis-
tribuição dos corpos nas metrópoles. Onde a estrutura em vigor, elege
quais são os corpos que pertencem a determinados territórios; quais
são as delimitações do seu ir e vir; em que circunstâncias esse desloca-
mento é permitido; bem como as ações que são legítimas de se fazer
nesses territórios.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 23


Na forma de agir da polícia, existe uma lacuna da ordem do invi-
sível entre a cidade e a favela. Uma zona de domínio onde o indizível se
faz presente, destarte das ações aceitáveis, através do braço do Estado
quando ele entra neste território com a força policial. À primeira vista,
pode ser percebida como uma atitude pessoal do agente de polícia,
de um grupo, de uma instituição, mas as ações finais espelham várias
camadas e agem em diversas dimensões de forma simultânea que ul-
trapassam o individual, no fundo, são composições.
A ferida tem origem antiga, com práticas frequentes que se atua-
lizam e conseguem apoio de quem é oprimido também. Tal quadro é
imbricado em sutilezas que percebidas dissociadas da história parecem
ter caráter novo e somente atrelado ao universo do tráfico de drogas,
do crime, sem qualquer viés racial ou social.

A marginalização socioeconômica do negro já se tornava evidente no


final do século XIX através da sistemática exclusão do elemento de cor
pelas instituições (escola, fábrica etc.) que possibilitariam a sua qualifi-
cação como força de trabalho compatível com as exigências do merca-
do urbano. Esta ‘desqualificação’ não era puramente tecnológica (isto
é, não se limitava ao simples saber técnico), mas também cultural: os
costumes, os modelos de comportamento, a religião e a própria cor da
pele foram significadas como handicaps negativos para os negros pelo
processo socializante do capital industrial. Era natural, portanto, que as
pessoas de cor no Rio de Janeiro reforçassem as suas próprias formas de
sociabilidade e os padrões culturais transmitidos principalmente pelas
instituições religiosas negras, que atravessaram incólumes séculos de es-
cravatura. As festas ou reuniões familiares, onde se entrecruzavam bailes
e temas religiosos, institucionalizavam formas novas de sociabilidade no
interior do grupo (diversão, namoros, casamentos) e ritos de contato
interétnico, já que também brancos eram admitidos nas casas. Como
toda a história do negro no Brasil, as reuniões e os batuques eram objeto
de frequentes perseguições policiais ou de antipatia por parte das auto-
ridades brancas, mas a resistência era hábil e solidamente implantada
em lugares estratégicos, pouco vulneráveis. (SODRÉ, 1998, p. 13-15).

24 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


O professor Muniz Sodré (1998), em: Samba, o dono do corpo,
ao caracterizar o enquadramento socioeconômico de pessoas pretas,
no final do século XIX, nos mostra um sistema que as marginalizava
em função dos aspectos econômicos e sociais nas instituições formais
e no mercado urbano de trabalho. O que as afastava tanto da inserção
como mão de obra qualificada quanto do convívio social. A forma de
sociabilidade delas não era aceita e o seu modo de ser era visto como
inadequado. A abordagem apresentada pelo autor fundamenta a per-
cepção dos corpos pretos, dos brancos pobres, dos desqualificados aos
olhos do entendido como aceitável, e que foi construída ao longo dos
anos no Brasil. Ela recai na atualidade sobre os moradores das perife-
rias e favelas associadas de antemão, aos agentes de Segurança Pública
quando chegam nestes locais para combater o crime.
Por conseguinte, as ações policiais vigentes não podem ser disso-
ciadas de construções mais antigas, inseridas dentro de um imaginário
social, em que elas são acolhidas por parte da sociedade. As técnicas
operacionais, as motivações da ordem da Segurança Pública, se mes-
clam com posturas baseadas na autoridade de agir de certa forma, em
determinados lugares.
Neste contexto, diante de tiroteios, chacinas e mortes violentas
cotidianas, coexistem pessoas afetadas em sua vida diretamente. E, cla-
mores de quem não é exposto da mesma forma, mas se insere numa
cidade silenciosa, que arfa seu peito através dos noticiários, num ques-
tionável entender, de que a justiça foi feita e se sentem mais protegi-
dos, pois estão apartados do mal e invisibilizam a dor do outro.
Mas, que justiça é essa que se fez? Àquela que não quero para
mim, nem onde eu moro, mas que legitimo em local alheio, no lugar

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 25


onde o outro foi quem deu causa, fez por merecer. Onde eu entendo
que às políticas públicas que me atendem não tem equidade para to-
dos, mas ignoro. Assim, os imaginários se perpetuam, se reforçam e
não é incomum nas entrevistas feitas pela mídia, nos comentários de
noticiários online, em que familiares, parentes, vizinhos, repetem que
seus filhos, irmãos, amigos... não eram bandidos, então não deveriam
ter sido mortos.
Falas que se contrapõem ao expresso nas leis, em contexto de pri-
vilégio de Direitos Humanos, e que são recorrentes na cidade do Rio
de Janeiro há décadas. As pessoas mesmo em sua dor, diante de injus-
tiça, abusos de poder legitimam o pensamento de que criminoso tem
que ser morto como algo natural, ao invés de entender que a morte
deve ser o extremo, o inevitável, o excepcional.
No recorte apresentado da memória, quais são as pessoas que
devem ser lembradas, o que as faz se distinguir de um número, um
aspecto quantitativo numa chacina. Quais têm direito a serem lem-
bradas? Quais podem ser consideradas pessoas, ter direito a uma in-
dividualidade?

As chacinas e as mortes que (não) devem ser esquecidas

A abordagem sobre mortes violentas no coletivo, comumente


chamadas de chacinas e massacres na Região Metropolitana do Rio
de Janeiro é algo cotidiano, e não esporadicamente tem-se no cenário
alguma, onde como um marcador ela se faz presente. O tratamento
dado pela imprensa e em estudos, nos ofertam uma pista pela forma

26 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


como elas são denominadas. Os títulos relacionados a tais fatos, inva-
riavelmente, associam o nome do lugar com o evento, e assim, pode-
mos perceber a recorrência e localização delas. Assim, tivemos entre
outras tantas, ao longo do tempo, nos últimos quarenta anos:
1) Chacina de Acari – 26 de julho de 1990 (11 mortos);
2) Chacina da Candelária – 23 de julho de 1993 (8 mortos);
3) Chacina de Vigário Geral – 29 de agosto de 1993 (21 mortos);
4) Chacina do Complexo do Alemão – julho de 1994 (14
mortos);
5) Chacina do Complexo do Alemão – 8 de maio de 1995 (13
mortos);
6) Chacina do Maracanã – 10 de outubro de 1998 (4 mortos);
7) Chacina da Vila Operária – Duque de Caxias – janeiro de
1998 (23 mortos);
8) Chacina de Senador Camará – janeiro de 2003 (15 mortos);
9) Chacina do Borel – 16 de abril de 2003 (4 mortos);
10) Chacina da Via Show – 05 de dezembro de 2003 (4 mortos);
11) Chacina da Baixada Fluminense – 31 de março de 2005 (29
mortos);
12) Chacina do Vidigal – julho de 2006 (13 mortos);
13) Chacina do Complexo do Alemão ou do Pan-Americano –
27 junho de 2007 (19 mortes);
14) Chacina de Itaboraí – 20 de janeiro de 2019 (9 mortos);
15) Chacina de Adrianópolis– Nova Iguaçu – 13 de fevereiro de
2019 (9 mortos);
16) Chacina do Fallet-Fogueteiro – 08 de fevereiro de 2019 (13
mortos);

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 27


17) Chacina de Nova Brasília – maio de 2020 (12 mortos);
18) Chacina do Morro da Caixa D’água – fevereiro de 2021
(10 mortos);
19) Chacina do Jacarezinho – 06 de maio de 2021 (28 mortos);
20) Chacina da Vila Cruzeiro – 24 de maio de 2022 (23 mortos)2.

A distribuição geográfica da área Metropolitana do Rio de Ja-


neiro, apresenta sua configuração, em 22 municípios3, numa área de
cerca de 12% do tamanho do estado. Deles, os cinco municípios me-
tropolitanos com os seis maiores PIB do Estado são: Rio de Janeiro,
Duque de Caxias, Niterói, Nova Iguaçu e São Gonçalo, onde estão
localizados os territórios com maior índice de chacinas.
Quanto mais às espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais
os indivíduos anormais forem eliminados, menos degenerados haverá
em relação à espécie – viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei, mais
poderei proliferar. A morte do outro não é simplesmente a minha vida,
na medida em que seria a minha segurança pessoal; a morte do outro,
da raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do anormal), é o
que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura. (FOU-
CAULT, 2002, p. 305).

Na lógica apresentada, em relação ao racismo, por Michel Fou-


cault (2002), na obra Em Defesa da Sociedade, ele desempenha papel
primordial ao possibilitar que os Estados Modernos façam uso do po-

2 Disponível em: Chacinas no Rio de Janeiro - Dicionário de Favelas Marielle Franco


(wikifavelas.com.br). Acesso em: 11dez. 2022.
3 Segundo o Instituto Rio Metrópole - IRM, órgão do Governo do Estado do Rio de Janeiro,
a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, compreende 22 municípios do Estado do Rio de
Janeiro, a saber: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí,
Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis,
Queimados, Seropédica, São Gonçalo, São João de Meriti, Tanguá, Cachoeiras de Macacu e
Rio Bonito. Disponível em: www.irm.rj.gov.br. Acesso em: 10 dez. 2022.

28 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


der de matar. Não é coincidência que as localidades onde as chacinas
aconteceram convergem para as favelas, periferias, territórios onde
reina a precariedade de condições e a maioria da população é preta.
Dados do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos – GENI/UFF4,
nos informa que quanto à relação entre a localidade e a caracterização
das chacinas policiais:

Tabela 1: Chacinas policiais e mortos em chacinas policiais.


Município Chacinas Chacinas Mortos em Mortos em
(Números (Porcentagem) chacinas chacinas (Por-
absolutos) (Números centagem)
absolutos)
1. Rio de Janeiro 383 64,6% 1599 67,4%
2. São Gonçalo 44 7,4% 156 6,6%
3. Belford Roxo 39 6,6% 148 6,2%
4. Niterói 35 5,9% 126 5,3%
5. Duque de 32 5,4% 125 5,3%
Caxias
6. Nova Iguaçu 19 3,2% 67 2,8%

7. Japeri 15 2,5% 52 2,2%


8. Mesquita 6 1% 19 0,8%
9. São João de 6 1% 19 0,8%
Meriti
10. Itaboraí 4 0,7% 18 0,8%
Fonte: GENI/UFF, 2022.

4 Disponível em: Chacinas policiais | GENI (uff.br). Acesso em: 11 dez. 2022.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 29


A tabela nos revela quanto ao local de ocorrência na caracteri-
zação das chacinas policiais, que no período de análise da pesquisa
(2007-2021), a região com a maior concentração do número de cha-
cinas é a capital, sucedida pela Baixada Fluminense e o Leste Flumi-
nense.
Assim, no Leste Fluminense, os municípios que concentram o
maior número de chacinas foram: São Gonçalo (44 chacinas) e Ni-
terói (35 chacinas); na Baixada Fluminense: Belford Roxo (39 chaci-
nas) e Duque de Caixas (32 chacinas) apresentaram a maior frequên-
cia de eventos registrados, conforme apresentado no estudo.
As circunstâncias em que as chacinas acontecem permeiam um
quadro de violações na conduta dos agentes envolvidos; alta letalida-
de; desproporcionalidade no uso da força; cumprimento de manda-
dos de prisão; tentativa de desarticulação de organização criminosa;
movimentação de criminosos e brigas entre facções rivais em tentativa
de conquistas de territórios.
Onde as mortes viram saldo de operações policiais em detrimen-
to aos tratados e acordos internacionais, aos quais o Brasil é signatário
quanto à investigação e punição a violações de Direitos Humanos.
Na maioria das vezes estas ações são decorrentes de alguma operação
policial. Estas ocorrências, invariavelmente, não acontecem nos ditos
“bairros nobres”.
Destarte, às apreensões de drogas, armas, munições, dentre ou-
tros, se o saldo das operações policiais for visto em função do quanti-
tativo de mortes decorrentes de suas ações, pode-se depreender que o
resultado morte significa o objetivo alcançado em função das medidas
tomadas para se atender a um determinado fim.

30 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Entretanto, não podemos negligenciar outra percepção que
aponta para tempos antidemocráticos, de democracia em risco, pois
como no raciocínio apresentado neste texto, o Rio de Janeiro, apre-
senta um histórico contraditório quanto ao exercício policial na Se-
gurança Pública.

O exemplo do Jacarezinho

Trata-se de um exemplo emblemático em face do número da leta-


lidade de uma chacina. Em 06 de maio de 2021, na favela do Jacarezi-
nho – Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro aconteceu a mais letal
chacina da história do estado do Rio de Janeiro.
Numa situação em que 28 pessoas foram mortas, no cenário de
uma megaoperação que trouxe horror para os moradores locais. Com
vários relatos, em meio a circunstâncias questionáveis em função da
ação policial, apontadas pelo Ministério Público - MP, familiares e
moradores quanto a violações de direitos, agressões, abuso de poder
e execuções sumárias.
Vale ressaltar, que o ocorrido se deu no contexto da pandemia da
COVID-19, com restrições por parte do Superior Tribunal Federal
em relação às ações policiais neste período, tendo por base a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 635. Na análise
da conjuntura que envolve esta ação, de acordo com reportagem do
Projeto Jornalístico Colabora5, no contexto de falar sobre a Chacina

5 Disponível em: Polícia do Rio produz sua maior chacina numa favela: 28 mortos
(projetocolabora.com.br). Acesso em:14 dez. 2022.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 31


do Jacarezinho em maio de 2021, em função do expressado pelo Gru-
po de Estudos de Novos Ilegalismos – Geni/UFF tem-se que:

‘Até agora foram salvas 288 vidas’, calcula o levantamento. ‘Importante


dizer que isto ocorreu sem que fosse percebido aumento da crimina-
lidade: nesse mesmo ano houve redução tanto os crimes contra vida
(- 24%), como dos crimes contra o patrimônio (- 39%). É muito impor-
tante destacar isso, porque prova que o respeito aos direitos humanos, a
dignidade da vida humana e o enfrentamento da letalidade policial não
se opõem ao controle do crime, muito pelo contrário.

A avaliação do grupo de estudos enfatiza a não contrariedade de


uma política de Segurança Pública em ações enquadradas no respeito
aos Direitos Humanos.

Na ocupação paulatina do Rio de Janeiro, sobrou para os negros o pior,


ou seja, a periferia insalubre e os morros (Favela, Santo Antônio, Pro-
vidência e outros), onde eram péssimas as condições de vida. Tal foi o
nomos originário e também progressivo do território carioca. De fato,
depois das reformas urbanas no início do século XX e na expansão da
cidade para os subúrbios (Zona Norte), tocaram ao negro as partes mais
inóspitas, contidas na região de Manguinhos, Benfica ou, de modo ge-
ral, a zona hoje compreendida entre os ramais ferroviários da Leopol-
dina e Avenida Brasil, onde se gerou a grande Favela do Jacarezinho.
(SODRÉ, 2002, p. 42).
A conjuntura em que se encontra a favela do Jacarezinho é decor-
rente de um processo histórico do Rio de Janeiro, em relação a popu-
lação preta como nos mostra o professor Muniz Sodré, em: “O Terrei-
ro e a Cidade”, ao traçar um panorama que chega até a comunidade.
A Chacina do Jacarezinho repercutiu bastante no Brasil e no
mundo. Até dezembro de 2022, não foram divulgados os avanços em
relação as investigações do ocorrido. Muito embora, várias organiza-
ções da sociedade civil e defensores dos Direitos Humanos tenham

32 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


denunciado e cobrado providências, na apuração dos fatos e dos res-
ponsáveis. Temos, entretanto, dois fatos peculiares que envolvem a
questão da memória e do apagamento que influenciam na construção
das narrativas frente ao acontecido. Em 25 de maio de 2021, informou
o jornal El País6:

Os detalhes sobre a chacina do Jacarezinho permanecerão no escuro. A


Polícia Civil do Rio de Janeiro decretou o sigilo de cinco anos sobre os
documentos relacionados à operação policial mais letal da história do
Estado. Realizada no dia 6 de maio, uma quinta-feira, a ação resultou na
morte de ao menos 28 pessoas. Mas a falta de transparência não parou
por aí. A corporação estendeu o sigilo para todos os documentos refe-
rentes a operações policiais durante a pandemia, a partir de 5 de junho
de 2020. Nesse dia, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Fe-
deral, concedeu uma liminar – posteriormente respaldada pelos demais
ministros – que restringe as ações durante a crise sanitária, determinan-
do que elas sejam feitas em casos excepcionais e depois de uma justifica-
tiva ao Ministério Público do Rio. Ou seja, com o movimento, a polícia
confronta o STF. (EL PAÍS, 2021, s/p.).

A informação sobre o sigilo veio à público em função da solici-


tação do portal UOL7, do pedido à Polícia Civil, por meio da Lei de
Acesso à Informação – LAI, ao requisitar acesso a dois documentos
referentes à Chacina do Jacarezinho. A saber: o comunicado enviado
pela instituição ao Ministério Público com a justificativa da excepcio-
nalidade da ação, conforme determina o Supremo Tribunal Federal e
o relatório final da ação com a descrição de todos os atos ocorridos no
dia do evento.

6 Disponível em: Em afronta ao STF, polícia do Rio impõe sigilo a operação do Jacarezinho
e outras ações na pandemia por cinco anos | Atualidade | EL PAÍS Brasil (elpais.com). Acesso
em: 12 dez. 2022.
7 Disponível em: Jacarezinho: Polícia do Rio impõe sigilo de 5 anos a relatório; OAB critica -
24/05/2021 - UOL Notícias. Acesso em: 6 dez. 2022.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 33


A situação resultou na resposta da Polícia Civil de que os docu-
mentos eram reservados e com restrição de acesso por cinco anos. Em
função do caráter sigiloso das informações, relativas a planos e opera-
ções estratégicas de Segurança Pública e que podem comprometer ou-
tras atividades de investigação. O sigilo também foi estendido para to-
das as operações da instituição pelo mesmo prazo, a partir desta data.
Conforme foi noticiado, ainda, pelo jornal Correio Brasiliense8:
“Os órgãos responsáveis pela investigação têm amplo acesso a todas as
informações, sem qualquer sigilo, garantindo a transparência e eficá-
cia da investigação, conforme informação da Polícia Civil.”
As reflexões oriundas da postura da instituição policial nos oferta
um silenciamento institucional em meio a possibilidades de confron-
tos a partir de questionamentos de ações. Se o tempo de cinco anos
de sigilo, poderá preservar as investigações, os envolvidos e a apuração
dos fatos só o tempo dirá.
Junto a esse encaminhamento, algumas instâncias da sociedade
civil se manifestaram quanto a legalidade do fato, mas a restrição foi
mantida. Enfim, frente à pronunciamento ou cobrança alguma nar-
rativa terá que ser evidenciada no final. O afastamento das indagações
no presente reflete também, o espírito do tempo político por qual
passamos no cenário democrático quanto à solicitação de sigilo de di-
versas informações, por parte de nossas autoridades em várias esferas.
O segundo fato alusivo à Chacina do Jacarezinho, ocorreu em
maio de 2022, um ano depois do fato. Uma homenagem simbólica foi
feita para remeter ao episódio, com a instalação de um memorial com

8 Disponível em: Polícia coloca sigilo de 5 anos em documentos da operação no


Jacarezinho (correiobraziliense.com.br). Acesso em 12 dez. 2022.

34 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


uma placa dentro da favela, com os nomes dos mortos na chacina, in-
clusive o de um policial. A polícia fez registro do material como prova
pericial e destruiu a materialização da homenagem, sob a alegação de
apologia ao crime.
Diante de questionamentos e posicionamentos no entendimen-
to de arbitrariedade na ação de destruição, foi informado pela autori-
dade policial, que não havia autorização da prefeitura para tal feito.
Por outro lado, também inexistia solicitação à família do policial mor-
to de autorização para inclusão do nome dele na placa. O site UOL9,
em alusão ao sigilo no caso da Chacina do Jacarezinho trouxe a fala de
dois especialistas quanto ao ocorrido:

Para Daniel Hirata, professor e coordenador do Grupo de Estudos dos


Novos Ilegalismos da UFF (Universidade Federal Fluminense), não há
justificativa plausível para decisão da Polícia Civil de decretar sigilo des-
ses documentos, porque não há informações sensíveis. ‘O argumento
de sigilo muitas vezes ilumina a opacidade do Estado brasileiro, sobre-
tudo das instituições de segurança pública, que não têm por princípio a
transparência e a prestação de contas sobre as suas ações’, diz.
A advogada Nadine Borges, vice-presidente da Comissão de Direitos
Humanos da OAB-RJ, apontou falta de transparência. ‘Qualquer deci-
são que impeça transparência quando se trata de evidências de violações
de direitos humanos é perigosa porque destoa de todos os tratados in-
ternacionais que o Brasil é signatário.’ (UOL, 2021, s/p.).

No contexto apresentado, existe um ponto em comum, no que


concerne à memória da Chacina do Jacarezinho tanto em relação à
lembrança do fato, um ano após o episódio, quanto em referência ao
sigilo por cinco anos, por parte da polícia frente ao caso. Temos, no

9 Disponível em: Jacarezinho: Polícia do Rio impõe sigilo de 5 anos a relatório; OAB critica -
24/05/2021 - UOL Notícias. Acesso em: 10 dez. 2022.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 35


que se refere ao discurso, uma questão central que é a disputa de nar-
rativas, ligadas a um controle do discurso.
Onde por um lado, diante da presença de vestígios de um passa-
do, mais difícil é a possibilidade de se inventar, e consequentemente,
mais preso a estes limites dados por esses vestígios se está.
Por outro lado, quanto mais ausente é este passado em termos
materiais, mais amplia-se a possibilidade da invenção. Neste sentido,
como a memória é ligada a representação, a torcida é que o imaginário
criado com a apuração dos fatos não seja distorcido num jogo de ver-
sões, nem nada nos seja ocultado.

Considerações finais

Por mais que a memória oficial seja seletiva, ela não pode apagar
os fatos. As narrativas silenciadas podem sempre subverter a lógica e
encontrar alguma brecha para serem propagadas. Entre erros e acer-
tos, os caminhos podem ser percorridos, o tratado neste artigo está en-
volto em um panorama atravessado por questões profundas que não
podem ser ignoradas e devem ser trabalhadas em prol de um horizonte
mais justo, menos desigual, menos letal.
Entendemos a necessidade de trilhar para o afastamento de: um
palco de matanças de repercussão nacional e internacional; alta letali-
dade de criminosos, inocentes e policiais; ações frequentes de ocupa-
ção policial onde deveria ser exceção; polícia que mata e não é respon-
sabilizada pelos seus crimes; alta impunidade; fragilidade no controle
de entrada, circulação de drogas ilícitas e armamentos, bem como,

36 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


avaliações descompromissadas quanto a julgamentos de inocentes e
culpados.
Numa lógica comum, de separar os mortos com antecedentes
criminais dos sem passagem pela polícia, após as chacinas, como por-
menorização, por parte de jornalistas, populares e policiais. Com pen-
samentos que refletem imaginários onde se condenam no discurso,
pessoas sem formulação de acusação e nem garantia do amplo direito
de defesa, em função da cor da pele e local de moradia. Num sem-fim
de ampliação de perversidade, preconceitos, discriminação e desvalo-
rização dos seres humanos em sua singularidade.
Mesmo diante de criminosos e principalmente no risco que se
expõe as pessoas que moram nesses locais, em detrimento da forma
de agir em outras partes da cidade. Essas ações reiteradas, mantém o
pensamento de higienização e reforçam o imaginário da dualidade da
limpeza x sujeira como ordem social.
A questão racial, no que se reflete na configuração do país como
uma nação, precisa ser trabalhada em todas as esferas da formação edu-
cacional e profissional brasileira. O entendimento e transformação de
nossa estrutura associada a racialização pode ser a chave mais próxima
da diminuição da desigualdade social que nos afasta da democracia na
questão da Segurança Pública.
Não há Democracia sem cidadania plena de um povo e a ques-
tão racial não permite que todos os brasileiros sejam cidadãos. Neste
sentido, a compreensão a partir do recorte das ações policiais relacio-
nadas às chacinas, não difere da seletividade quanto ao acesso à saúde,
à alimentação, por exemplo, dentre outras áreas no Brasil o que nos
apresenta um enorme horizonte a ser trabalhado.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 37


Referências

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes,


2002.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia
da COVID-19 no Brasil [livro eletrônico]: II VIGISAN: relatório final/Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar – PENSSAN. São
Paulo: Fundação Friedrich Ebert: Rede PENSSAN, 2022. Disponível em: Olhe
para a fome | Oxfam Brasil. Acesso em: 9 dez. 2022.
MBEMBE, Achille. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, polí-
tica da morte. 3 ed. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
SODRÉ, Muniz. O Terreiro e a Cidade: a forma social negro-brasileira. Rio de
Janeiro: Imago, 2002.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Maud, 1998.
WACQUANT, Löic. As duas faces do gueto. Rio de Janeiro: Boitempo, 2008.

38 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


capítulo 2

O protagonismo feminino no
Projeto de Assentamento Frei Vantuy:
uma história de luta e resistência
Elionai Mendes da Silva

DOI: 10.52788/9786589932819.1-2
Resumo: A história da comunidade rural do Projeto de Assentamen-
to Frei Vantuy é marcada por grandes lutas. Lutas essas que atravessa-
ram 23 anos de resistência contra o preconceito, o machismo e discur-
sos hegemônicos que tentam demarcar o lugar da mulher neste espaço
social. Nesse contexto, o protagonismo feminino ganha destaque ao
propor ações que rompem com paradigmas pré-estabelecidos, ampli-
ficando as suas vozes e destacando o papel da mulher na construção
identitária desta comunidade, bem como de sua própria história de
vida, na busca pela igualdade de gênero e participação cidadã. Diante
desse panorama, este trabalho objetiva discorrer, em breves palavras,
sobre a trajetória de luta e de resistência que possibilitou o despontar
do Assentamento Frei Vantuy, Ilhéus/Bahia, no cenário regional, em
diferentes seguimentos sociais, por meio da organização e represen-
tação feminina. Para tanto, realizaremos um resgate da memória e de
vivências daquelas que abrigam em seu âmago o amor e o cuidado
pela terra. Uma terra que alimenta sonhos e pessoas, que resgata vidas
e que torna a mulher protagonista no desempenho de diferentes pa-
péis sociais enquanto atua ativa e politicamente na sociedade brasilei-
ra. Assim, nossas discussões se materializam, neste espaço discursivo,
por meio das narrativas de mulheres que lutou, luta e vive da e pela
terra, a fim de proporcionar-lhes notoriedade e reconhecimento por
suas constantes lutas ao potencializar esse lugar de fala.

Palavras-chave: Mulheres; Resistência; Conquistas; Representação;


Identidade.

40 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Introdução

A história da comunidade rural do Projeto de Assentamento Frei


Vantuy se confunde com outras que têm em suas raízes o enfretamen-
to às mazelas impostas pelo Projeto de Reforma Agrária, uma vez que
seu maior objetivo é proporcionar a redistribuição da terra de forma
justa e igualitária, para que mais pessoas tenham acesso a ela. Ter aces-
so à pequenas parcelas de terra é um direito historicamente constitu-
ído, que a tantos brasileiros e a tantas brasileiras lhes foi negado em
detrimento do grande latifúndio do poder elitista, que, mesmo após
tantas lutas, ainda continua a limitar a organização fundiária tanto no
Brasil quanto em outros países da América Latina (BARONE, et al,
2009). Logo, trata-se de uma história marcada por lutas de homens e
mulheres pela dignidade humana, por igualdade de condições, pelo
direito à terra e pela vida.
No Projeto de Assentamento Frei Vantuy, com o passar dos anos,
as lutas travadas em prol do direito à terra, inicialmente, um bem cole-
tivo, foram dirimidas na relação de luta, concorrência e até rivalidade
entre homens e mulheres, os quais, antes companheiros de luta, passa-
ram a concorrer pelos mesmos espaços de poder, agora, inter e exter-
namente, na busca por aquilo que acreditavam ser o correto perante
a este grupo social: a busca por uma representatividade atravessada
por questões estruturais socio, cultural e historicamente construídas,
cortinadas por um viés ideológico, por vezes, inconsciente. Perdia-se,
assim, a (IN) consciência de quem eram, fruto do desejo de domina-
ção uns pelos outros. Acerca disso, Freire (1986, p. 20) nos lembra que
“Estes, que oprimem, exploram e violentam, em razão de seu poder,

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 41


não podem ter, [...], a força de libertação dos oprimidos nem de si
mesmos. Só o poder que nasça da debilidade dos oprimidos será sufi-
cientemente forte para libertar a ambos”. Tudo isso concorre para um
complexo emaranhado de crenças, valores, subjetividade e uma pitada
de ilusão que manipula a noção de liberdade e conquista, transfor-
mando o oprimido em opressor. Com isso, a possibilidade de uma
segregação era iminente e inevitável, dada a complexidade caracterís-
tica de projetos agrários (SANTOS, et al, 2011), os quais têm em sua
essência a diversidade como marca expressiva, cujo escamoteamento é
promovido, em algumas situações, pela noção de igualdade.
Nesse contexto, a voz da mulher, da assentada, da agricultora é si-
lenciada, pois, agora, as lutas são outras. São lutas travadas entre o Eu
e o Outro. Esse mesmo outro que a constrói. Lutas que representam e
atravessam 23 anos de resistência contra o preconceito, o machismo e
discursos hegemônicos que tentam demarcar o lugar da mulher neste
espaço social, obrigando-a a criar mecanismos de ruptura que possam
romper com tais paradigmas estruturais social e historicamente cons-
truídos.
Diante disso, intencionamos neste breve relato, apresentar um pe-
queno recorte das lutas, em especial das mulheres, na conquista por
uma representatividade que, por muito tempo, foi, majoritariamente,
constituída pela figura masculina, denotando a imposição do machis-
mo, do sexismo e do preconceito nesta comunidade. Para tanto, apre-
sentamos um breve histórico que narra a origem do Assentamento Frei
Vantuy, localizado na cidade de Ilhéus, Bahia, Brasil. Em seguida, cons-
truímos um relato baseado em narrativas e vivências de mulheres assen-
tadas nesta comunidade rural e, por fim, nossas breves considerações.

42 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Onde e como tudo começou

O Projeto de Assentamento (doravante, P.A.) Frei Vantuy está


localizado em uma área privilegiada e de muito prestígio regional, na-
cional e internacional. Isso porque a sua localização geográfica local
leva o nome de um renomado poeta brasileiro, além de estar situada
em uma cidade conhecida mundialmente como “a linda princesinha
do sul”1. Estamos falando, caros leitores, do grande e magnânimo
Jorge Amado e nada mais e nada menos do que da cidade baiana de
Ilhéus2, a qual serviu de inspiração para muitas das lindas histórias
contadas nos romances deste poeta. Assim, o P.A. Frei Vantuy se lo-
caliza em uma das margens da Rodovia Jorge Amado, BR 415, km
18, entre os bairros de Banco da Vitória e Vila Cachoeira, nas proxi-
midades de duas comunidades ribeirinhas, uma região marcada por
grandes conflitos de terra no tempo da “era de ouro” do cacau e, hoje,
devastadas pelas catástrofes naturais provocadas pelas fortes chuvas
que se abatem sob estas regiões desde novembro de 2021 até o presen-
te momento.
Quanto a sua origem, as narrativas e os registros documentais
dão conta de que o Projeto de Assentamento Frei Vantuy se originou
de uma negociação entre os donos da antiga Fazenda Bom Gosto com
um grupo organizado de acampados. Em uma entrevista realizada
com as lideranças femininas desta comunidade rural, Multari (2014)
relata que tudo começou com uma relação amigável entre o líder do

1 A expressão “a linda princesinha” do Sul foi alcunhada pelo compositor baiano Itamar.
2 A cidade de Ilhéus foi e ainda é um dos cenários que ficou imortalizado na escrita de Jorge
Amado.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 43


Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST)3 de nome Manoel
Bonfim e o até então fazendeiro e principal dono daquelas terras o Sr.
Pereira Ventim (como todos o conheciam na região). Ocorre que, com
a perda do filho, o proprietário da fazenda Bom Gosto ficou muito
desgostoso da vida para continuar lidando com as terras, inclinando-
-se, assim, para uma possível negociação de sua fazenda com aquele
movimento.
Diante desta inclinação, o Manoel Bonfim viu naquele gesto a
oportunidade que ele tanto aguardara. Logo, o mesmo afasta-se do
MSLT para formar um grupo de famílias oriundas das cidades de
Ilhéus e Una, as quais já se encontravam acampadas às margens da
Rodovia Jorge Amado, antiga Rodovia Ilhéus/Itabuna, desde o ano
de 1988, em decorrência da adesão aos movimentos sociais a fim de
fazerem parte do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal.
Conforme relatos (MULTARI, 2015) a partir de então, houve
um acordo firmado entre o dono da Fazenda Bom Gosto e o, agora,
representante das quase 100 famílias que ali estavam acampadas, au-
torizando-os a adentrarem àquela propriedade. Em seguida, o grupo
se organizou institucionalmente ao criar uma associação própria, pos-
sibilitando, assim, a sua instalação legal e amigável na Fazenda Bom
Gosto (ou em parte dela), onde foi possível residir nas casas antigas.
Neste momento, as famílias passaram a plantar culturas diversificadas,
mediante trabalhos comunitários. De pronto, observa-se, por este pa-
norama, que havia ali um grupo coeso, harmônico e organizado em
prol de um bem comum: a conquista da tão sonhada terra, o que veio

3 O Movimento de Libertação dos Sem Terra – MLST – anos depois, foi subdividido em dois
movimentos: O Movimento Livre da Terra (MLT) e o Movimento dos Sem Terra (MST).

44 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


a ocorrer, ainda em 1988, com a requisição desta fazenda para fins de
reforma agrária.
Diante deste contexto, a vitória da luta pela terra já estaria con-
solidada, uma vez que tudo favorecia a este desfecho. Todavia, não foi
bem assim que aconteceu, meus caros leitores. Os próximos aconteci-
mentos indicavam que esta luta estava apenas começando, pois, após
os representantes da Associação formada terem juntado, organizado
e legalizado toda a documentação necessária para a posse da proprie-
dade junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), já em 1999, o senhor Pereira Vantin foi acometido por um
Acidente Vascular Cerebral (AVC), popularmente conhecido como
derrame, ficando impossibilitado de tomar qualquer decisão. E para
a infelicidade dos já ocupantes a filha deste proprietário ficou sendo
a responsável pela administração dos bens do pai, e não concordava
com a desapropriação da fazenda, vindo então a procura da justiça
para requer a expulsão dos acampados bem como de suas famílias.
E assim, por uma decisão judicial, uma ação de despejo expulsou
todos que estavam naquele local, os quais foram obrigados a deixar
imediatamente a propriedade. Apesar disso, não se deram, naquele
momento, por vencidos, pois ainda não era o fim. Nesta passagem
da história, há relatos de que uma força policial esteve no local com
intuito de, é claro, fazer valer a decisão judicial, mas também inibir
ou coibir qualquer manifestação contrária por parte dos ocupantes ao
impor a presença de um dos Aparelhos Repressores do Estado (AL-
THUSSER, 1992), uma vez que, para eles, não havia ali ocupantes,
e sim invasores de terras alheias como até os dias atuais alguns ainda
defendem. Resistindo e persistindo em seus ideais, pelo direito à terra

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 45


e por uma vida digna, ao serem expulsos os acampados e suas famílias
decidiram permanecer nas mediações da fazenda na esperança de ha-
ver uma reviravolta no caso. Não havendo outro lugar para ficar, uns
acamparam-se à beira do rio Cachoeira e outros às margens da BR 415
em barracos de lonas, plásticos, panos, ou qualquer outro material dis-
ponível no momento.
Ao nosso ver, este é um capítulo decisivo na história do P.A. Frei
Vantuy e na trajetória de vida de todas aquelas famílias que são hoje
(re) conhecidas como pioneiras nessa luta, mas também de todas as
outras que vieram depois, podendo ser considerado o divisor de águas
de um rio, cujos braços fortes e força bruta levam tudo que está à sua
frente, mas que também abraça, ampara, afaga e aplaca a angustia, a
dor e a tristeza de quem dorme sonhando com a concretização de um
sonho e acorda no meio de um grande pesadelo. Este imenso, forte e
avassalador rio se chama Vida. Vida que nos prega peças e também
gratas surpresas. Nos dias atuais, este capítulo é contado como uma
grande façanha dos primeiros acampados, pioneiros, assentados, e,
hoje, donos da terra, os quais são vistos como os grandes heróis, como
aqueles Dons Quixotes vencendo as imensas pás rodantes dos moi-
nhos de vento. Ao menos é assim que os vemos.
Bem, mas voltando a 1999, em meio àquela situação de disputa
entre a filha do dono da fazenda, cujo nome não se tem lembrança,
e as famílias acampadas, eis que o senhor Manoel Bonfim procura o
INCRA para obter maiores esclarecimentos sobre o impasse que se
estalara entre as partes interessadas naquele bem. Neste encontro algo
muito interessante aconteceu. Este órgão informou que o processo de
posse da terra em questão já havia sido concluído considerando que

46 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


ao tomar a decisão de concede-la para fins de reforma agrária o senhor
Pereira Vantin gozava da mais perfeita saúde física e mental, não ca-
bendo, por tanto, abertura de processo de recurso.
Neste ínterim, vale lembrar que a solicitação de posse da área re-
querida havia sido realizada em nome do até então MSLT e não em
nome da Associação. Fato que contribuiu para a publicação do decre-
to, no ano de 2000, autorizando a criação do P.A. Frei Vanuty. Ape-
sar disso e, também, por isso, na solenidade de entrega da terra, este
movimento teve que se fazer presente, haja visto que a documentação
fornecida por aquele órgão informava que a destinação das terras ca-
bia ao movimento. Fato que deu origem a um novo conflito, desta
vez, entre os dois grupos formados da seguinte maneira: De um lado
a associação formada por Manoel Bonfim e pelas pessoas que estavam
na terra e lutaram pela sua posse e, de outro, o grupo que fazia parte
do MLST liderado agora por um senhor chamado Moacir.
Com os ânimos exaltados em decorrência da disputa pela terra,
esse conflito se acirrava cada vez mais. Diante disso, e para apaziguar
tal situação, entra em cena um frei que, não por acaso, inspirou aos as-
sentados a nomearem o P.A. Frei Vanuty. Esta personagem foi respon-
sável por estabelecer a ordem e o diálogo entre as pessoas, fazendo-as
capazes de analisar, avaliar e decidir quais seriam as famílias que de fato
e de direito seriam assentadas. Após muitas discussões acerca desse as-
sunto e avaliados os casos pelo INCRA, coube ao órgão a difícil de-
cisão de avaliar e informar quem ficaria e conquistaria a tão almejada
terra e quem estaria naquele momento dando adeus ou adiando um
pouco mais os seus planos e projetos de vida.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 47


Logo, das quase 100 famílias presentes, foi decidido que, em vir-
tude do tamanho da área e pensando em sua produtividade, apenas
48 famílias permaneceria naquela propriedade, tendo como principal
critério as pessoas que estavam associadas da Associação criada pelo se-
nhor Manoel Bonfim e não as cadastradas pelo MLST. Esta passagem
nos deixa profundamente tocadas, pois compreendemos a necessida-
de de valorizar a organização, a união, a força e a perseverança daquele
grupo, mas compreendemos também que havia de considerar outros
fatores como, por exemplo, o perfil socioeconômico de cada família,
a sua estrutura familiar, além da participação fundamental dos movi-
mentos sociais na conquista pela terra e a permanência na terra. Ob-
servando por este prisma, é possível dizer que ao INCRA lhe coube
uma única tarefa: realizar aquilo que era mais fácil de se fazer naquele
momento, omitindo-se diante das problemáticas que envolvem o pro-
grama de reforma agrária em nosso país e todo aglomerado das mais
diversas situações existentes como a corrupção e a grilagem de terras.
Para fechar esta primeira seção conflitante, após a posse, imple-
mentação de várias políticas públicas envolvendo o INCRA e algu-
mas cooperativas com a disponibilização de créditos inicias para a
compra de insumos, produção, habitação, ajuda e formação técnica,
dentre outros, o senhor Manoel Bonfim foi envolvido em escândalos
de corrupção e conflitos internos o que ocasionou em sua expulsão da
Associação e do assentamento. Diante disso, realizou-se uma eleição
por meio de votação simples, cujo presidente eleito foi o senhor Nival-
do. Na sequência, houve mais uma eleição, cujas representações con-
tinuaram a ser masculinas. Contudo, após inúmeros conflitos e iden-
tificação de fraudes envolvendo membros e as respectivas diretorias,

48 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


em 2005, foi eleita a primeira presidenta do P.A. Frei Vantuy, mais
um episódio que se consagrou como um divisor de águas na história
da comunidade e na trajetória das mulheres, ecoando vozes de mulhe-
res empoderadas até então silenciadas pelo poderio masculino. Esta
amplificação sonora deu início a uma nova configuração dos papéis
sociais da supracitada comunidade, o que caracteriza e marca a era do
protagonismo feminino no P.A. Frei Vantuy. Sobre isso, passaremos a
discutir na seção seguinte.

O protagonismo feminino no P.A. Frei Vantuy: vencendo


barreiras

Atualmente, o protagonismo feminino no Assentamento Frei


Vantuy tem despertado o interesse de estudiosos de diversas áreas e
Instituições. Dentre estas, destacamos a parceria firmada entre a Uni-
versidade Estadual de Santa Cruz, por meio da assinatura de um ter-
mo de cooperação técnica, aliado a contratos firmados com institui-
ções financeiras de diferentes segmentos, por intermédio de docentes
que atuam em cursos de graduação e pós-graduação como, por exem-
plo, Ciências Agrárias, Economia, Ciências Sociais, Letras, Línguas
Estrangeiras Aplicadas, dentre outros. Disto, é importante pontuar
que todos os projetos apresentados por estas instituições visam a con-
tribuir para o empoderamento feminino em diferentes segmentos, so-
bretudo os que estão diretamente relacionados à promoção da auto-
nomia financeira das mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Contudo, esta notória visibilidade só foi possível graças uma organi-

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 49


zação feminina que legitimou o lugar de destaque que hoje a mulher
ocupa na comunidade rural do P.A. Frei Vantuy.
Neste mesmo empreendimento, os trabalhos de Fernandes
(2015; 2016) ressaltam a importância da organização feminina para
o desenvolvimento desta comunidade, bem como para o empodera-
mento das mulheres que moram e vivem da terra. Em seus escritos a
autora discute como uma participação ativa e cidadã contribui para
ressignificar a história de vida dessas mulheres protagonistas de sua
própria história, devolvendo dignidade e autoestima. Por tanto, tal
protagonismo só se torna possível graças à coragem, ousadia e união
por parte das assentadas, que não se amedrontaram frente ao caos, ao
machismo e aos preconceitos de toda a natureza promovidos pelos
“lideres” que, até então, ditavam as regras de um jogo perverso e re-
trógado, construído sob as bases e valores de uma sociedade patriarcal,
machista, preconceituosa e sexista.
Tanto que, até o ano de 2005, as mulheres eram, simplesmente,
proibidas de participar das assembleias gerais ordinárias e extraordi-
nárias e, assim, opinar sobre a organização social que ali se instaurava,
ou seja, eram invisíveis para aqueles que estavam na liderança, no po-
der (melhor dizendo) para representá-las e defender os seus direitos,
os direitos coletivos de toda uma comunidade em construção. Logo,
ver-se que a negação de direitos constitucionais da mulher, em pleno
século XXI, havia um único propósito: excluí-la de toda e qualquer
conquista vindoura que resguardasse os seus direitos. Dessa forma,
elas não existiam para a sociedade. Há relatos, inclusive, de mulheres
que não possuíam a documentação mínima para acessar os programas
sociais oferecidos pelo Governo Federal como, por exemplo, o Bolsa

50 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Família, porque o marido não permitia que as mesmas tivessem ne-
nhuma independência financeira. Fato este que em muito contribuiu
para a submissão feminina perante ao homem, acirrando ainda mais a
desigualdade entre os sexos. Tudo isso, até então, outorgado pelo IN-
CRA, considerando o fato de que só apenas em 2007, a partir de uma
normativa, a mulher passa a ser reconhecida como titular principal da
Relação de Beneficiários (RB), assegurando a amplificação de suas vo-
zes e salvaguardando os seus direitos. Este acontecimento marca uma
mudança significa na relação desigual entre a mulher e o homem do
campo.
A Instrução Normativa (IN) nº 38, de 13 de março de 2007
(BRASIL, 2007), que tem como objetivo promover, ampliar e for-
talecer os direitos da mulher no que diz respeito ao acesso à terra,
considera os dispositivos legais que asseguram igualdade de direitos
entre homem e mulher. Além disso, em caso de dissolução da união
conjugal, esta mesma normativa prevê que é assegurado o direito da
mulher à terra, desde que, havendo filhos, a mulher fique com a guar-
da dos mesmos. Cabendo ao INCRA encaminhar a outra parte a uma
outra parcela de terra que pode ser no mesmo assentamento rural ou
em outro. Dessa maneira, assegura tanto o direito da mulher de per-
manecer na terra quanto do homem. Algo que antes da publicação
dessa IN não acontecia. Algumas trabalhadoras relatam que as mulhe-
res nessas condições eram humilhadas por seus maridos sempre que
havia qualquer desentendimento entre eles, e, em caso de separação,
a mulher saia, até mesmo com os filhos, e o homem ficava. Devido a
esta arbitrariedade, algumas situações se arrastaram até os dias atuais,
encontrando-se ainda, sem uma definição.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 51


Antes de 2007, ainda em 2005, as mulheres começam a se orga-
nizar e a protagonizar novos capítulos desta história. Após os escânda-
los envolvendo os últimos dirigentes, os sócios assentados sentiram a
necessidade de propor mudanças administrativas na comunidade do
P.A. Frei Vantuy. Tais mudanças viriam com a constituição de uma
nova e renovada diretoria, agora, constituída por mulheres na lideran-
ça. Uma liderança feminina que deu o que falar. Preferindo discursos
machistas, alguns assentados bradavam “Agora, o assentamento veste
saia”. Este enunciado remonta um imaginário machista de que ho-
mem e mulher se desguiem pela indumentária que usam. Homens
vestem calça e mulheres vestem saia ou meninos usam azul e meni-
nas usam rosa? O sentido desses enunciados é um só: o determinador
de quem nós somos. Como se tal sentido nos definisse ou definisse o
caráter, a sapiência, a capacidade, as habilidades para gerir um grupo
de pessoas. Que bom que tal informação não procede, pois, se assim
o fosse, não haveria se quer espaço para que as mulheres pudessem
adentrar, ocupar e conquistar seu lugar, um lugar de fala, de voz, de
representatividade feminina.
Neste contexto, vale, ainda, lembrar o preconceito sofrido pelas
pioneiras assentadas as quais, muitas vezes, foram, segundo relatos,
submetidas a realizar atividades braçais de igual proporção aos ho-
mens. Pasmem com o tamanho absurdo dessa conduta! Essas mulhe-
res eram solteiras, algumas com filhos outras não. O fato é que elas não
tinham um homem para chamar de “seu” e, assim, representá-las nos
trabalhos braçais e trabalhar na lida da roça, e tampouco condições
financeiras para pagar um trabalhador rural, prática inclusive proibida
pelo INCRA. Por isso, eram humilhadas pelos homens que as obri-

52 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


gavam a fazer as mesmas atividades que eles, embora fossem trabalhos
coletivos. Uma delas (que a denominaremos por Verdade) conta que
era uma briga danada entre os homens porque nenhum deles as que-
ria em seu grupo de trabalho em virtude de sua força física não render
muita coisa. Verdade lembra, com muito carinho, que havia apenas
um senhor (o qual apelidaremos por Livramento) que as aceitava de
bom grado. Durante os trabalhos coletivos, ele as colocava para limpar
com escovão os galhos dos cacaueiros, retirando todo o limo e algu-
ma erva daninha que ali habitara, com o objetivo de garantir melhor
floração e, consequentemente, a colheita e produtividade do cacau,
um trabalho “mole”, segundo ela. Esse episódio nos lembra a noção
de equidade. Noção tão cara à compreensão humana quando a sanha
pela manutenção dos lugares hierarquizados não nos permite ver as
necessidades e as fraquezas do outro.
Voltando à constituição da nova diretoria, diante do caos que
havia se instaurado na comunidade, formou-se uma chapa só de mu-
lheres para concorrer às eleições do ano de 2005. Curiosamente, apre-
sentou-se apenas essa chapa para este pleito eleitoral, a qual foi eleita,
a contragosto de muitos, por sinal, por maioria de votos, pois, diante
dos últimos acontecimentos, não houve interessados em assumir o
compromisso de renovar aquele sentimento inicial que unia os novos
assentados e assentadas. Tinha-se, assim, a primeira presidenta eleita e
a primeira representação feminina da Associação Agrícola do Projeto
de Assentamento Frei Vantuy, cujo nome que atribuiremos, aqui, será
Magda. Assim, a nova direção foi composta por: presidenta, vice-pre-
sidenta, secretária, vice-secretária, tesoureira e vice-tesoureira, além
dos fiscais e seus suplentes, estes últimos do sexo masculino.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 53


Está direção teve como principal objetivo mudar a forma de or-
ganização do assentamento. Para isso, a primeira medida tomada foi
buscar apoio junto aos órgãos competentes para instalar uma escola
na comunidade que até então não havia. Esta primeira conquista fe-
minina representava o resgate de anos de anonimato para aqueles e
aquelas que nem o nome escrevia. Com a instalação da escola foi pos-
sível ofertar aulas tanto para alunos dos anos inicias do Ensino Fun-
damental (1º ao 5º ano) quanto para alunos da Educação de Jovens e
Adultos – EJA (seguimento I) em dias e horários flexíveis conforme a
rotina do assentamento. Com isso, muitos passaram a ler e a escrever,
podendo participar, finalmente, da vida pública ao experenciar o efe-
tivo exercício da cidadania. Porém, até a concretização da ideia, a lide-
rança atual teve muitos entraves para alcançar o objetivo pretendido,
sobretudo no que tange à construção e manutenção do espaço físico,
os quais seriam de responsabilidade do município.
Apesar de todos os esforços, a luta pelo estabelecimento da edu-
cação no campo foi e continua sendo grande. Hoje, a escolinha fun-
ciona ainda como um anexo da Escola Herval Soledade que se encon-
tra em funcionamento no bairro Banco da Vitória. Ainda é regida por
um currículo urbano sem nenhuma relação com a vida no campo.
Durante 12 anos de história, a escola sobreviveu graças ao refugo de
instituições acolhedoras e à persistência dessas mulheres guerreiras. Já
em 2021, a comunidade pleiteou e conseguiu realizar uma pequena
reforma junto à Secretaria de Educação do município, porém, devi-
do à ausência de mobiliários novos ficou inviável iniciar às aulas na
escola “nova”. Para o ano de 2023, esperamos que todas as demandas
necessárias para um ensino de qualidade sejam acolhidas pelo poder

54 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


público municipal na esperança de que um dia a comunidade tenha a
sua própria escola, uma escola com a sua identidade, com um currícu-
lo próprio, capaz de refletir suas experiências e vivências voltadas para
o campo.
Dentre essa e outras conquistas alcançadas pelo empoderamento
e protagonismo da mulher assentada do P.A. Frei Vantuy, destacamos
ainda a contratação de uma empresa por meio da Companhia de De-
senvolvimento e Ação Regional – CAR em parceria com o projeto
Bahia produtiva que beneficiará a comunidade com a reforma de uma
fábrica de agro aproveitamento, na qual será possível produzir do-
ces, geleias, frutas desidratadas, polpas de frutas, dentre outros. Vale
lembrar que antes desta fábrica havia uma outra que foi fechada judi-
cialmente por questões que envolveram a rivalidade entre homens e
mulheres desta comunidade, mas este episódio será narrado em outro
momento.
Em alinhamento aos projetos anteriores, este tinha como públi-
co-alvo mulheres. Não em sua totalidade, uma vez que a questão não
é excluir, mas sim incluir e equiparar direitos. Aliás, os homens da co-
munidade e também de outras localidades são vistos e aceitos como
parceiros de luta na construção de uma sociedade melhor. Mas para
que se alcançasse este patamar civilizatório foi necessário (DES) cons-
truir novos valores e relações de amizade e companheirismo. Ainda
assim, para este pleito, exigiu-se que a maioria das beneficiárias fosse
MULHER, e foi graças a isso, à competência e organização feminina
que a comunidade foi aprovada nesse edital e ganhou uma nova fábri-
ca, a qual será gerida em sua grade maioria por mulheres.
Espera-se que os trabalhos a serem desenvolvidos nesta fábrica

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 55


possam contribuir para o desenvolvimento econômico e social da co-
munidade do Assentamento Frei Vantuy, oportunizando a indepen-
dência financeira de jovens, adolescentes e mulheres, além de atrair
muitos outros projetos e programas capazes de modular esta comuni-
dade rural em uma vitrine aberta para o mundo a partir da fabricação
de seus produtos, do carisma contagiante de sua população, da alegria
que permeia todos os ambientes deste lugar e do amor por tudo que as
mãos das trabalhadoras e também dos trabalhadores rurais plantam,
produzem e constroem.
Outra ação impulsionada pelas mulheres, que vale a luz de mui-
tos refletores, foram as mudanças estatutárias propostas durante o
processo democrático do estatuto social da Associação, ocorrido entre
os anos de 2018 e 2019. Dentre tais mudanças, lançamos luzes fluores-
centes para duas ações, a saber: a inserção dos filhos e filhas de assenta-
dos como membro parte do corpo de sócios da associação, ampliando
ainda mais a participação das famílias, inclusive das mulheres; e a prio-
ridade de membros da própria comunidade na substituição de alguma
família que por motivo de força maior opte por deixar o assentamento
e sair do programa de reforma agrária.
As ações supracitadas representam uma grande conquista das
mulheres, principalmente daquelas que são mães. Em primeiro lugar
por garantir a participação direta dos filhos em possíveis projetos a
serem implementados no lote da família, uma vez que, enquanto só-
cios, estes filhos podem acessar programas em parceria com diversos
órgãos que só os associados acessam, além de estarem cobertos pelo
amparo social e jurídico que a Associação pode oferecer, usufruindo
dos mesmo direitos e deveres que seus pais, servindo também de inspi-

56 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


ração para outras comunidades. E em segundo lugar por primar pelo
convívio permanente com os filhos crescidos que tenham constituído
família na convivência dos seus pais, evitando, assim, o êxodo rural e o
distanciamento entre as novas famílias, além de evitar possíveis confli-
tos que podem surgir com pessoas estranhas à comunidade.
Para concluir, é necessário enfatizar que o protagonismo femini-
no marca o lugar de pertencimento da mulher não apenas na comuni-
dade do P.A. Frei Vantuy, mas também no mundo. Um pertencimen-
to marcado pelas lutas e pelos enfrentamentos da vida em sociedade,
mas que encoraja, que incentiva, que acolhe todos e todas, que diz
“Este é o meu lugar”. “O lugar que eu conquistei, que nós conquista-
mos”!

Considerações finais

Diante das reflexões aqui desenvolvidas, percebemos que o pro-


tagonismo da mulher na comunidade rural do P.A. Frei Vantuy foi
consolidado por valorizar princípios básicos que devem nortear a vida
em sociedade, tais como: o respeito às diferenças e a dignidade huma-
na, a igualdade de direitos, a solidariedade, a união, o amor à terra e à
vida. Para que este patamar fosse alcançado foi preciso compartilhar
coisas boas e também ruins; aprender a conviver com as dicotomias
da vida em comunidade. Foi preciso abdicar, muitas vezes, dos seus
próprios sonhos e desejos em prol de melhorias para um coletivo com
profundas distinções, mas unido na luta pela terra. Sim! Foi e ainda é
preciso lutar! E essa luta não se encerra aqui, pois é ela que nos move

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 57


dia a dia na esperança de um futuro melhor. A luta por uma vida no
campo digna e desejada de ser vivida. Uma luta de quem nasce, vive
e sonha por um país mais igual e tolerante; por gerações de homens e
mulheres melhores, por pessoas melhores.
E é esse conjunto de fatores que constrói a mulher assentada do
Frei Vantuy, que enquanto se constrói, se reconhece, se fortalece na re-
lação com a terra e na relação umas com as outras em um movimento
recíproco de trocas intercambiáveis e interruptas. Assim, posso dizer
que as palavras proferidas por mim, até aqui, advêm da relação que há
algum tempo mantenho com esta comunidade, com as mulheres que
lá conheci, com a terra que aprendi e aprendo diariamente a cultivar.
A cada planta que brota do chão, a cada colheita de cacau, a cada flor
que nasce das árvores, em cada plantio descubro um novo protagonis-
mo dentro e fora de mim. Empoderar-se também significa colher. Mas
não qualquer colheita, e sim a que dar sentido à vida, pois não há nada
mais significante para a mulher protagonista da sua própria existência
do que a certeza de que ela é capaz de plantar e colher as melhores coi-
sas que desejar. E é dessa forma que me sinto como produtora rural,
assentada e tão bem representada e acolhida pelo protagonismo femi-
nino do P.A. Frei Vantuy. E assim encerro este texto na esperança de
que as nossas vozes ecoem tão alto, mas tão alto que o eco ressoe em
potência para o fortalecimento de outras mulheres, na promoção de
seu protagonismo social e autônomo.

58 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Gra-


al,1992. 128 p.
BARONE, Luís Antônio; FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta; BERGA-
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experiências em balanço. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, v. 17/18
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article/view/1985. Acesso em: 11. jan. 2023.
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cional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Brasília, DF, 2007. Dispo-
nível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/
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ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 59


capítulo 3

Assentamento Palmares:
memória e resistência
Isabel Soares de Carvalho

DOI: 10.52788/9786589932819.1-3
Resumo: Este trabalho busca entender de forma dinâmica e parcial a
política de memória contida nos 28 anos do Projeto de Assentamen-
to Palmares, fruto da luta pela Reforma Agrária no Sudeste do Pará,
através do Movimento Sem-terra -MST. O trabalho se fundamenta no
processo de identidade cultural e histórica pela via das artes, poesia,
eventos artísticos e depoimentos de pessoas fundadoras do assenta-
mento. Trata-se de uma análise documental, para melhor contextuali-
zar ao leitor de que lugar se fala. A proposta é descrever de forma clara
essa narrativa evidenciando as relações e modo de viver dessa comuni-
dade que se fundamenta na história da luta pela terra no sudeste do
Pará. O cuidado com a terra, a cultura e costumes que se encontram
numa comunidade formada por indivíduos de diferentes regiões do
país e se reinventam no processo de resistência e organização social.
Palavras-chave: Memória; História; Identidade.

Introdução

A cultura de um povo é o seu maior patrimônio. Preservá-


-la é resgatar a história, perpetuar valores, é permitir que
as novas gerações não vivam sob as trevas do anonimato.
(Nildo Lage)

Parauapebas, cidade localizada há cerca de 720 km da capital Be-


lém-PA, no sudeste do estado. É uma região que concentra matéria
prima em seu subsolo, abrigando a maior mina do minério de ferro
a céu aberto do mundo. A cidade concentra uma população oriunda

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 61


de diversos estados e regiões do país. Recentemente tendo completa-
do 37 anos de emancipação é uma das cidades de maior concentração
de riqueza devido a exportação de minério pela mineradora vale. Por
conseguinte, é também uma cidade com enorme índice de desigualda-
de social. A cidade, assim como boa parte das demais cidades da região
norte, além da riqueza contida em solo e subsolo, está no ranque da
disputa e conflitos agrários.
Parauapebas agrega uma identidade cultural muito peculiar, que
surge a partir do Programa Grande Carajás, o qual através da propa-
ganda de incentivo ao crescimento e desenvolvimento na região atraiu
uma legião de trabalhadores, sobretudo do Nordeste em busca de me-
lhores condições de vida. A partir desse programa surge o Projeto Fer-
ro Carajás. Dessa forma a cidade torna-se uma referência na dinâmica
da migração, no crescimento desordenado.
Atualmente a cidade mantem um grande leque de atividades e
manifestações culturais e artísticas, algumas consideradas tradicionais
como: o festival Jeca Tatu, o qual recebeu o título de Patrimônio Cul-
tural de Parauapebas, O círio de Parauapebas e Semana da Mulher;
conta também com o recentemente criado museu de Parauapebas, o
centro cultural, atividades para incentivar o turismo ambiental, entre
outros. além, dos povos das diferentes regiões o município abrange
em seu território a reserva indígena Xikrin do Catete, os quais se di-
videm em quatro aldeias e estão na região desde antes dos anos 40, de
acordo as informações do Departamento de Relações Indígenas do
município. É nesse cenário que nasceu e resiste o Assentamento Pal-
mares ainda na década de 90, através da luta pela Reforma Agrária.
Para a metodologia desse trabalho partimos do estudo biblio-

62 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


gráfico a partir de produções que reiteram a descrição do município,
mais sobretudo do assentamento Palmares sendo esse o assunto prin-
cipal desse ensaio. O mesmo está dividido em tópicos como forma de
melhor descrever esse trabalho. E para melhor contextualizar diversos
autores ao longo do texto, destacamos fontes importantes e impres-
cindíveis para realizar esse trabalho, como relatos documentados nas
edições da Revista Palmares (2009/2019).
A Revista Palmares, a RP, é uma publicação não periódica da
APROCPAR- Associação de produção e Comercialização dos Traba-
lhadores e Trabalhadoras Rurais do Assentamento Palmares e Região,
última edição foi o especial 25 anos de Palmares em 2019, fazendo
uma homenagem e levantamento de informações dos mais diversos
setores do assentamento, dentre esses, educação, saúde, coletivo de
mulheres, juventude, produção, juventude, entre outros.

Movimento Sem Terra

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, é um


movimento que tem como principal forma de luta, a ocupação de ter-
ras improdutivas ou griladas, exigindo do governo uma resposta sobre
a concentração de terras no país. A luta pela reforma agraria consiste
na democratização do direito a terra para camponesas e camponeses,
para que nela produzam e usufruam dos seus benefícios.
O MST, está organizado em 24 estados da federação brasileira, já
assentou mais de 450 mil famílias. Uma das principais contribuições
para a sociedade brasileira é produzir alimentos saudáveis, a partir das

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 63


associações, cooperativas e agroindústria dos assentamentos, com o
objetivo de fortalecer a cooperação solidaria, potencializando a parti-
cipação das famílias assentadas.
Importante ressaltar que a conquista da terra é apenas o primei-
ro passo para a reforma agraria, a organicidade das famílias continua,
para melhor situar existe um processo de organização muito peculiar,
formação de NBs, que são núcleos de base, é um grupo que senta para
tomar decisões, estudar, alinhar as combinações, ouvir e decidir o
andamento desse grupo, geralmente é coordenado por um homem e
uma mulher.
Ainda faz parte do processo de organização os setores, também
formado pelos moradores de assentamento e acampamentos como for-
ma de democratização das discussões e acesso as decisões que determi-
narão o andamento de todas e todos que fazem parte. Esses setores são:
cultura, lazer, educação, produção, entre outros, onde se discute sobre:
agroecologia, infraestrutura e direitos básicos, formação, juventude,
mulheres, setores organizados, lutas antirracista, violência doméstica,
LGBTfobias no campo, são bandeiras de luta de uma forma geral.
O acesso à educação e cultura, além de ser direito básicos, são for-
mas de valorizar os conhecimentos tradicionais de um povo. O que o
MST almeja é a democratização da cultura, a popularização de acesso
aos bens culturais, o incentivo à leitura, a escrita, a poesia como fer-
ramenta de luta e resistência. O acesso a arte, compreender a estética
da arte para além da beleza, o simbolismo da resistência camponesa
e valorização de sua produção no campo da arte, educação e cultura.
Arte e cultura são fundamentais para a construção de uma identidade
sem-terra.

64 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Ainda sobre a reforma agraria é necessário compreender que tem
um caráter popular, é pela garantia do acesso à terra para quem nela
trabalha, incorporando todas as comunidades originarias, quilombo-
las, pela demarcação e preservação das terras indígenas. Sobretudo o
uso da terra de forma consciente, limitando a propriedade exploração
e respeitando a natureza, biodiversidade, rios e nascentes. Pensar a re-
forma agraria é também pensar numa produção nacional de alimenta-
ção saudável e no combate à fome e as violências.
A reforma agraria popular pressupõe uma verdadeira revolução
cultural para o MST, é a transformação das relações entre homem,
mulher, natureza. Se entende a juventude e a militância como força
crítica, criativa e ousada. A luta das mulheres pelo reconhecimento do
seu trabalho, das lutas pelo fim das violências, da igualdade de gênero,
cooperativismo feminino são bandeiras do movimento sem-terra.
Assim como o reconhecimento e respeito do sujeito LGBTQIA+
dentro dos assentamentos, acampamentos, tem pautado a partir do
primeiro seminário “o MST e a Diversidade sexual” em 2015, marcan-
do a partir de então a diversidade sexual e a identidade de gênero como
lutas fundamentais e necessárias. A reforma agraria é um assunto que
cabe a todas, todos e todes no processo de democratização da terra, do
direito de viver e existir.
Como forma de valorização da produção dos assentamentos o MST
tem organizado de forma coletiva a Feira Nacional da Reforma Agraria,
o foco da feira, além da divulgação, venda de produtos da agricultura
familiar, a circulação da cultura das mais diversas regiões. As feiras es-
taduais também estão se intensificando, e de forma periódica as feiras
dentro dos assentamentos e nos centros de venda de vários municípios.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 65


Outra forma de divulgar o trabalho da produção das famílias as-
sentadas, são os armazéns do campo. O armazém do campo é um espa-
ço que além da venda permanente de produtos e símbolos da Reforma
Agraria, dinamizando o lugar da cultura, da arte e valorização dos ar-
tistas das áreas de assentamento e acampamento, dialogando sobre ali-
mentação saudável, comida verdadeira e agricultura camponesa. É um
espaço de socializar a cultura, encantar com a mística, a poesia, e a arte.

Assentamento Palmares

O sudeste do Pará é uma região que há décadas está refém do


contexto de desenvolvimento de políticas econômicas baseadas na ex-
ploração mineral. Na esperança de melhorar a condição de vida, mui-
tos sujeitos migraram de sua terra natal em busca de oportunidades,
atraídos pela ideia de enriquecer numa região pouco explorada, visto
que esse processo migratório é antigo conforme Brito (2016).
O assentamento Palmares II é fruto do processo de migração,
uma comunidade que ao longo da história acolheu os trabalhadores,
migrantes que até então estavam as margens da sociedade. Essa comu-
nidade no processo de resistência e ainda faz força no enfrentamento
ao grande capital que predomina a exploração do solo e subsolo da re-
gião, sobretudo é uma região de fronteira, é uma longa história, Brito
(2016). A comunidade Palmares dois nesses 28 anos, possui uma his-
tória de lutas, persistência que se embala na memória e no cotidiano
dos sujeitos que dela fazem parte. A Revista Palmares, (2009) faz um
resgate dessa história:

66 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 foi fun-
damental para um aprimoramento das questões sindicais, pois, nesse
momento os procedimentos educacionais teriam como responsabili-
dade leis federais, leis essas que foram construídas também dentro do
seio do movimento e que, a partir de agora colocaria graus de ensino
sob a responsabilidade de municípios, caso do ensino fundamental
(anos iniciais) e do estado, provocando uma série de novas reinvindi-
cações, como o projeto de planos cargos e carreiras, assim como novas
demandas sociais.

Entre 24 e 26 de junho de 1994, a então Companhia vale do Rio Do-


ce-CVRD, viveu um dos seus maiores pesadelos: mais de duas mil fa-
mílias organizadas pelo Movimento Sem Terra- MST, ocupavam de
modo pacifico e ordeiro uma área continua de terras, do lado de lá do
rio Parauapebas, chamada pelos camponeses Sem Terra da região de
‘Cinturão Verde’ área ainda hoje sob concessão de uso da empresa (na
época uma empresa do povo brasileiro). Durou pouco a permanência
dos sem-terra na área. Logo, o aparato policial e paramilitar a serviço
do grande capital entrou em cena para garantir a expulsão das famílias.
Começava assim o longo êxodo dessas famílias rumo a ‘terra prometi-
da’. Terra prometida que só chegaria quase um ano depois, com a ocu-
pação da Fazenda Rio Branco, que em novembro de 1995- com a terra
liberada- deu origem ao Assentamento Palmares, depois transformados
em três projetos de assentamentos diferentes (Rio Branco, Palmares
Sul, Palmares Norte, que hoje abriga mais de dez mil pessoas). Palmares
surgiu como homenagem ao símbolo maior da luta contra a escravidão
no Brasil colonial, o líder negro Zumbi e seu povo liberto de Palmares,
na Serra da Barriguda em Alagoas, quem em vez de esperar pelas leis
dos brancos e senhores da Terra, resolveram enfrentar com as armas nas
mãos os ideários de liberdade e igualdade. Naquele 20 de novembro
de 1995, os lutadores do povo comemoravam 300 anos da Republica
Negra de Palmares e de seu líder Zumbi, que tombou na luta contra le-
galistas a serviço dos latifundiários e da Coroa Portuguesa. (REVISTA
PALMARES, editorial, 2009).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 67


A descrição resume o que outrora foi um longo processo para se
conseguir o que hoje é a comunidade Palmares, sua existência se deve
às diversas formas de manifestações e mobilizações organizadas que
de forma organizada define o caráter dessa comunidade frente ao en-
frentamento do capital econômico respaldado pela atual VALE e em-
presas terceirizadas, um redemoinho de situações diversas as quais a
comunidade está sujeita. Nesse intuito, Palmares se torna território de
resistência e acolhe outros sujeitos e suas diversas formas de luta por
sobrevivência e na defesa da terra, das águas e da floresta. Ao apontar
os desafios da cultura a RP (2019), destaca:

Nesses 25 anos, Palmares tem desenvolvido um conjunto de ações cul-


turais, que de certa forma resgata sua história de resistência e luta. Mes-
mo as margens das políticas públicas de cultura os agentes culturais lo-
cais insistem, sabem que é necessário esforço próprio para garantir lugar
ao sol. Exemplo são as quadrilhas juninas Explosão da Roça e Espalha
Palha, que passando por várias gerações sempre estão presentes quan-
do chegam nossas festividades de aniversário. Outras iniciativas têm se
destacado como as meninas do Grupo Flor de Carajás, os meninos do
IDESCAP da Janaina, os trabalhos nas escolas que estimulam as artes
plásticas, a poesia e a literatura. Para os agentes culturais ligados a músi-
cas também não tem sido fácil. Sem apoio de um programa permanente
várias promessas acabaram deixando a comunidade. O atual gestor da
cultura, tem apontado com a possibilidade de estender política pública
de cultura `a periferia, ou seja, fora do centro de Parauapebas. Entre as
possibilidades animadoras, está a de extensão da Escola de Música Val-
demar Henrique a ser implantada na Escola Crescendo na Pratica, e um
Projeto de Música na comunidade a ser realizada com a Banda de Músi-
ca da Guarda Municipal. ‘Diferente do que alguns pensam, ‘a gente não
quer só comida... a gente, quer inteiro e não pela metade’.

Importante enfatizar que essa pesquisa documental é uma forma


de descrever ao leitor e leitora de que lugar estamos falando e qual sua
origem. O Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra- MST, é

68 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


um movimento camponês que tem como principal bandeira de rein-
vindicação a Reforma Agraria. A iniciativa de ocupar a terra é uma
forma de expressão dessa luta, como forma de pressionar quem detém
o poder. É uma espécie de expressão da organização camponesa, por
condições socias, econômicas e digna.
Dessa forma Palmares tem uma característica de consolidação
e contínua busca de melhorias para os habitantes do assentamento,
embora as contradições também sejam vigentes. É nesse território
que que se faz importante o fortalecimento da reforma agrária, para
a democratização do acesso à terra, a moradia digna, o acesso a saúde,
educação e alimentação saudável.

História e resistência

A história do Assentamento Palmares é de encher os olhos, de


emocionar quem esteve desde o princípio, em baixo da lona preta, dos
temporais do inverno rigoroso do sudeste do Pará, que outrora caia
sobre a região, depois de tanta exploração do solo, queimadas e derru-
badas, desmonte do relevo, o clima também tem sido afetado.
O nome Palmares, foi decidido por unanimidade em assembleia,
precisamente em 11 de março de 1996, passou de acampamento para
assentamento com mais de quinhentas famílias, hoje se estima que
mais de dezenove mil pessoas vivem nas redondezas do assentamento.
Ainda na RP especial 25 anos, Jorge Neri, hoje presidente da Asso-
ciação de produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do
Assentamento Palmares e região - APROCPAR, diz o seguinte:

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 69


Se Palmares tivesse que nascer em 26 de junho de 2019, estaria condena-
da a não existir. O cenário político, econômico e social que vivemos ao
nos aproximarmos dos primeiros 20 anos do século XXI é catastrófico
para os pobres. No cenário internacional uma crise sem precedentes,
motivados por guerras regionais, crise do capitalismo e que também nos
arrasta para uma crise climática, provocando uma onda migratória que
atinge todos os continentes, o que tem estimulado ódio, racismo, homo-
fobia, intolerância religiosa, egoísmo e violência contra os mais pobres.
No cenário nacional, a expressão desse tipo de bestialidade humana, foi
a eleição de um presidente que expressa toda a carga de preconceitos das
classes dominantes de nosso jovem país, contra os pobres, negros, mu-
lheres, idosos, educadores, cultura e arte, conhecimento... e de modo
especial, um ódio de morte contra os trabalhadores rurais, em especial
os Sem Terra, ligados ao MST. E prenderam o Lula para consolidar um
golpe. Corte de verbas para educação, desemprego que atinge mais de
12 milhões de brasileiros, despejo de famílias sem-terra em assentamen-
tos de mais de 10 anos, como Dalcidio Jurandir em Eldorado dos Ca-
rajás. Se Palmares fosse começar sua vida nesses dias, não existiria. Mas
existimos e resistimos 25 anos após o início de nossa jornada. Entre os
novos desafios internos está a necessidade de nos reinventarmos como
território camponês e popular. Na sociedade o caminho é retomar as
ruas na luta em defesa dos direitos de nosso povo. (RP-Editorial, 2019).

Por toda sua história até aqui Palmares carrega um nome signi-
ficativo. Ele surge no encontro entre a luta dos povos do campo no
encontro do Movimento Sem Terra e a história de resistência do Qui-
lombo dos Palmares, liderados por Zumbi. O nome de todas as ruas
do Assentamento faz uma homenagem a mártires e datas que foram
e são importantes na luta pela terra, lutaram por justiça aos mais ne-
cessitados.
O MST, está na região desde o início dos anos 90, nesse período
havia ocupado uma parte da fazenda Rio Branco. O grupo decidiu
por unanimidade ocupar uma imensa faixa de terra do outro lado do

70 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Rio Parauapebas, denominada Cinturão Verde, na época sob domí-
nio da CVRD- Companhia Vale do Rio Doce, hoje VALE.
No dia 26 de junho de 1994, mais de duas mil famílias ocupa
essa área denominada cinturão verde, foi uma das maiores ocupações
no país, que logo foi derrotada em menos de uma semana, o despejo
ocorreu de forma violenta, havia muitas pessoas mais ainda não esta-
vam totalmente organizados. Mais não durou muito para que estives-
se se reorganizando e de volta a ocupação. Em 1995 completou-se 300
anos do Quilombo de Palmares, em novembro do referido ano mês
da consciência negra iniciou-se a criação do projeto de Assentamento
Palmares.
A história do Assentamento Palmares, vem sendo registrada em
diversos documentos, resultado de trabalhos de estudantes, professo-
res, moradores filhos de assentados e pesquisadores externos. Palmares
então completou 28 anos em junho de 2022. A tradição festiva para
celebrar e homenagear o Assentamento Palmares faz parte de uma
cultura própria, mais que também herda significados importantes da
própria história da luta pela terra no Brasil.

Quando se copia uma manifestação cultural se copia o signo, não o sig-


nificado. Descobrir isso é um processo de interpretação permanente.
Toda a interpretação é uma interpretação, uma leitura sempre sujeita
a reexame, a reformulação, quer dizer, a leitura do significado é sempre
um processo em aberto. Para quem estuda cultura é interessante, por-
que nunca vai faltar o que fazer! (POZENATO, 2003, p. 32).

Durante esses anos, a comunidade de Palmares, tem conquistado


diversos direitos básicos e desenvolvido um conjunto de ações cultu-
rais essenciais para o bem estar da comunidade, ações que resgata a

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 71


história de resistência e de luta pelos direitos sociais e forma dignas de
viver. A saber as quadrilhas juninas: explosão da roça e espalha palha,
vem passando por várias gerações e se fazem presente no aniversário
do assentamento e no festival junino de Parauapebas, o festival Jeca
Tatu1.
Ainda existem outras iniciativas que além de incentivarem a par-
ticipação e organização de grupos distintos, contribuem na promoção
do incentivo à cultura, como o grupo de mulheres Flor de Carajás, co-
letivo de juventude, as escolas que promovem e incentivam o trabalho
com artes plásticas, artistas da terra.
Sobre a ausência das políticas públicos no incentivo e apoio aos
eventos culturais dentro do assentamento. Ainda assim a comunida-
de faz o esforço de priorizar o acesso e garantir o incentivo à cultura,
a alimentação saudável, produção e cultura camponesa. Jorge Neri,
presidente da Associação de Produtores Camponeses de Palmares e
Região- APROCPAR, uma das associações mais antigas da região
completou 26 anos e faz uma análise de conjuntura desses anos no
assentamento Palmares à revista RP, 2022:

Nesses 26 anos o cenário político e econômico passou por várias mu-


danças conjunturais e estruturais, assim como a própria luta pela terra,
pela Reforma Agrária e pela Democracia. E assim, sempre tendo como
horizonte as orientações política do Movimento Sem Terra e as lutas
sociais por direitos que aqui chegamos. As transformações socio, eco-
nômicas e ambientais provocados pela expansão dos projetos de mi-
neração implementando pela Vale e pelo estado brasileiro nos últimos
25 anos, provocou uma explosão demográfica nas cidades do entorno
dos grandes projetos minerários. O Assentamento Palmares que con-

1 O Jeca Tatu é um evento organizado pela Liga das Agremiações Junina de Parauapebas
(Liajup) em parceria com a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura (Secult).

72 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


tava no início com 516 famílias, um pouco mais de 2000 mil pessoas,
conta atualmente com aproximadamente 17.000 mil habitantes, dentro
de um território de 15.00 hectares de terra. De uma economia predo-
minantemente agrícola, o assentamento teve seu curso mudado pelo
impacto do aumento pela procura de ferro e outros minérios no mer-
cado mundial, pela consequente ampliação de projetos da mineradora
vale. A ampliação desses projetos motivou uma demanda gigantesca por
mãos de obra, em especial a de baixa qualificação na construção civil
para dá conta das demandas de logística e infraestrutura de transporte.
Com uma crise no processo de financiamento e falta de políticas para
agricultura e reforma agraria, a mão de obra da juventude dos assenta-
mentos se tornou a fonte natural de abastecimento dessa demanda por
emprego e renda. Um percentual enorme da juventude se deslocou para
o núcleo urbano e mesmo para a cidade ficam à disposição das empresas
da cadeia mineral. Ao mesmo tempo, trouxe para dentro do território
uma massa salarial, renda distribuída através de outros serviços, dentro
do território, o que esvaziou as famílias de uma mão de obra necessária
que poderia dar suporte para uma transição geracional na agricultura.
Os assentados pioneiros agora estão mais velhos e cansados, e a nova
geração sendo exaurida pela exploração nas minas e na cadeia de explo-
ração mineral. (PALMARES, março 2022).

Diante do exposto, percebe-se que estando a comunidade numa


região assolada pela exploração mineral, são muitas as contradições, a
própria disputa de território já é uma grande demanda na possibilida-
de de organização das famílias. Enquanto parte memorável desses vin-
te e oito anos de existência e resistência. Um dos marcos dessa história
é a escola Crescendo na Prática. Escola essa que surge no seio da luta
pela terra das famílias que na época estavam acampadas no Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA em Marabá,
mais precisamente em agosto de 1984.
Nesse período a escola era apenas um barraco de palha e lona
improvisado com madeira, espaço pouco apropriado pra escola, mais
era o que se tinha no momento pra não deixar as crianças ainda mais

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 73


prejudicadas. Educadoras e educadores eram leigos e trabalhavam vo-
luntariamente. Para garantir que pudessem ter acesso a leitura e es-
crita, mesmo em um momento de muita tensão e caos em um espaço
inadequado.
Depois de saírem da porta do INCRA, ao retornarem para o lo-
cal onde hoje é Palmares, no período que vai de 1994 a 1986 a escola
continuou de forma improvisada, com mais alunos e funcionários, o
nome da escola foi decidido em assembleia, para o Movimento Sem
Terra, a assembleia é um dos lugares de discussão mais democrático, é
onde se expõe as questões necessárias, as urgências, e se ouve os demais
e toma as decisões acatadas pela maioria.

Considerações finais

Atualmente é umas das maiores escolas do campo no país, sen-


do agora a primeira escola de ensino integral do setor de educação do
campo no município de Parauapebas-Pará. Além dela, o assentamen-
to já possui mais três escolas para suprir a necessidade dos moradores,
uma de educação infantil e creche, uma de ensino fundamental dos
anos iniciais e a escola de ensino médio.
Dessa forma essa comunidade vem se forjando construindo a
própria identidade, embasados pela memória de lutas e anseios por
uma vida digna. Por isso a festa de aniversário do assentamento é uma
grande celebração, com homenagem aos veteranos, animações da ju-
ventude, atividades culturais.

74 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Para concluir esse texto, considera-se que faz parte da vida o pro-
cesso da memória, história de um povo, que no seu cotidiano luta pelo
reconhecimento da forma de viver. Nem sempre uma memória feliz
e saudosa, mas é onde o sujeito se segura, é onde se estabelece uma
conexão com o eu o outro e o lugar.
Ao afirmar uma identidade, a partir do território ao qual se per-
tence. Portanto, diante do que foi exposto aqui, pode-se perceber que
muita história ainda está por vir na existência do Assentamento Pal-
mares. O que poderia ser um simples vilarejo, é um dos lugares mais
forte e resistente localizado numa região de tantos conflitos e contra-
dições nesse país.

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ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 75


RP-Revista Palmares, é um ensaio de publicação comunitária de responsabi-
lidade do setor de comunicação do assentamento Palmares. Edição 2019. Pa-
rauapebas, Pará.
SITE DO MST. https://mst.org.br/. Acesso entre: 08 jul. 2022.

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capítulo 4

História local a partir


de narrativas orais como
fonte de pesquisa
Myrcéia Carolyne Guimarães da Costa
Cleonilson Rosário da Costa

DOI: 10.52788/9786589932819.1-4
Resumo: Neste trabalho temos uma pesquisa de fontes orais por meio
de coleta de narrativas míticas a fim de servirem de suporte para inves-
tigação de elementos do tempo presente. A saber: narrativas sobre a
entidade mitológica do Ataíde (ser monstruoso que vive nas áreas de
manguezais em Bragança-PA); como se deu o processo de transposi-
ção da narrativa oral para o registro escrito; como o mito interfere na
vida (real) dos indivíduos que “convivem” com ele; como o saber tra-
dicional envolto por este mito pode ter reflexos bem contundentes no
saber academizado. Realizou-se, portanto, um diálogo entre os pon-
tos de vista teóricos, historiográficos e metodológicos sob a perspecti-
va social. A base metodológica deu-se pela pesquisa bibliográfica e de
campo com imersão no cotidiano da comunidade pesqueira do Ta-
peraçu-Porto acerca da história oral, memória e entrevista, esta sob a
perspectiva da transcrição/tradução cultural. Assim, o embasamento
teórico sobre História e Sociologia é fundamentado em Noronha &
Rocha (2008), em ralação à História destaca-se Ciro Cardoso (2005)
e, para História Oral, Alessandro Portelli (1997). Larrosa (1996) e Re-
eves-Ellington (1999) protagonizaram as discussões acerca de transcri-
ção e tradução. Dessa forma, as análises possibilitaram compreender o
homem, sua relação com o mundo e com o presente.

Palavras-chave: Narrativas Orais; Ataíde; Mito; História; História


Oral.

78 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Introdução

Este artigo propõe um debate teórico-metodológico acerca da


história local obtida por meio de relatos orais, debate este que nos nor-
tearam com o trabalho de utilizar narrativas orais e suas relações entre
memória e história a fim de evidenciar aspectos do tempo presente.
As narrativas trabalhadas são de natureza mitológica, pertencem
ao campo do maravilhoso, por meio delas puderam-se perceber clara-
mente fatores do tempo presente, mesmo que elementos do universo
real sejam amalgamados a elementos do universo imaginário.
Far-se-á um arcabouço teórico sobre história oral, memória e
entrevista, evidenciando esta última sob o prisma da transcrição/tra-
dução de narrativas míticas com a finalidade de destacar sua relevân-
cia para compreender o homem e sua relação com o mundo e com o
presente. Especial destaque será dado à passagem do texto oral para o
texto escrito, o trabalho que ela envolve e as consequências dela decor-
ridas.
Para tanto, como fontes balizadoras, temos Noronha & Rocha
(2008) – que fazem um contraponto das teorias de Elias e Bourdieu
sobre História e Sociologia –, Ciro Cardoso (2005) tratando sobre
História, e Alessandro Portelli que versa a respeito de História Oral.
Em relação à transcrição/tradução, Jorge Larrosa (1996) e Reeves-
-Ellington (1999) fazem o referencial teórico, bem como outros auto-
res cujas teorias foram significativas ao tema ora abordado.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 79


O fazer histórico na pós-modernidade

Alguns questionamentos estão sendo recorrentes no debate acer-


ca do futuro da História no século 21, isso se deu em razão a uma
atmosfera de pessimismo na qual os elementos históricos estavam
fadados à morte, ou seja, o fim da História estava próximo. Tal pen-
samento desencadeou uma reflexão entre os historiadores a respeito
de como conceberiam seu trabalho e, dentro deste cenário, Cardoso
(2005) faz uma abordagem não do declínio da disciplina e sim aponta
como tendência o que permaneceria relevante para os estudos e o que
poderia ficar de fora das discussões historiográficas.
Um dos pontos a que o autor chama a atenção é o “debate sobre
o método” propondo mais amplamente que as dimensões históricas
são transpostas pelos dilemas que abrangem as disciplinas humanas e
sociais, visto que leva em conta que os estudos do homem em socie-
dade possuem duas abordagens: a material e a mental. Na primeira,
a relevância recai nos aspectos que definem sua ação – os objetos, a
língua, a divisão do trabalho, etc.; na segunda, consideram-se a sub-
jetividade, as vivências, a religião – sonhos, mitos, o inconsciente ou
não-consciente coletivo.
Na segunda abordagem justifica-se a escolha do tema desta pes-
quisa – narrativas mitológicas –, visto que agora há um paradigma
que contempla recursos tão presentes na dimensão humana, mas que
não se configuravam como elemento idôneo para os estudos históri-
cos. Mesmo que o mito resida na esfera do abstrato, das subjetividades
e seus enredos, embora pertencentes ao universo maravilhoso e encan-
tado, elencam fatos que se relacionam com o universo real.

80 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Ainda nesse sentido, em que se retirou o enfoque histórico do
campo exclusivo do concreto e documental, Noronha & Rocha
(2008), destacando o pensamento de Norbert Elias, revelam que este
autor deu especial importância ao quotidiano das pessoas incluindo
as redes de relações em sua totalidade que os indivíduos possuem.

Elias, que se aventurou em uma empreitada inédita, realizando uma for-


ma de história que até pouco tempo era entendida como marginal e de
pouca importância: a dos costumes. A questão da relação entre o indiví-
duo e a sociedade já aparecia no centro de suas reflexões. (NORONHA
& ROCHA, 2008, p. 48).

Assim, é possível depreender nas narrativas mitológicas questões


comportamentais, sociais e históricas do sujeito entrevistado, bem
como aspectos em comum partilhados pela comunidade em que se dá
a coleta das narrativas.
Na esfera material é comum utilizar uma abordagem analítica e
explicativa a respeito dos aspectos sociais, possível, então de uma ex-
plicação holística; por sua vez, a esfera mental privilegia o campo da
interpretação, dos valores, da subjetividade individual e coletiva, não
cabendo, pois, a abordagem holística. As duas esferas são intimamente
interligadas, mas que a opção por uma das correntes é uma prática
existente – e muito complexa – nos estudos históricos, complexa por
não ser possível desagregar o material do mental em razão de que todas
as ações (individuais ou coletivas) são realizadas em um determinado
tempo, dentro de uma ideologia, ligada a um determinado mito, en-
fim, os indivíduos interagem sempre dentro de algum contexto.
Cardoso (2005) assinala que as dimensões material e mental re-
caem sobre diversas áreas que não propriamente a história, abrange

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 81


esta dimensão para a linguagem (Linguística e Semiótica), pois esta
se realiza pelo elemento social. Também passa pelo campo da cultu-
ra (História Cultural), fazendo uma apreciação ao que caberia à área
da Antropologia e à área da Sociologia. A Antropologia se ocuparia
da “cultura”, incidindo um enfoque micro – trabalho com grupos
pequenos, com comunidades reduzidas; ao passo que a Sociologia se
ocuparia da “sociedade” e suas interações.
A relação metodológica do historiador cultural com as lições de
Antropologia é suscetível à variação, Robert Darnton1 postula que
para adentrar em uma cultura alheia, os melhores caminhos de acesso
foram revelados pelos antropólogos, que, mesmo não compreenden-
do determinado elemento significativo para o nativo, pode vir a obter
um sistema estranho de significação com a finalidade de interpretá-lo
posteriormente.
Bourdieu2, entrando na discussão sobre paradigma objetivista
e paradigma subjetivista, cujo debate era como proceder a fim de
incorporar a ação do sujeito sem rejeitar a existência de estruturas
objetivas que incorrem nas ações dos homens, de tal forma que à
dicotomia objetivo x subjetivo estava subtendido o desmembramento
entre indivíduo e sociedade, faz uma reflexão sobre o fato de que, de
um lado a atuação da sociologia é com as estruturas, ao passo que,
de outro, os indivíduos é quem faziam a história. Sua apreciação
estava em realizar uma “tentativa de construir uma nova sociologia-
histórica a partir da compreensão de indivíduos e sociedade como
indissociáveis”. (NORONHA & ROCHA, 2008, p. 52).

1 Apud Cardoso (2005).


2 Apud Noronha & Rocha (2008).

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Bourdieu e Elias apresentam conceitos que servem de orientação
para o trabalho do pesquisador junto aos informantes que colaboram
com a pesquisa, oferecendo fundamentação teórica e prática para as
análises do indivíduo que narra as histórias e as relações dele com seu
ambiente.
Um deles é a noção de habitus proposto por Bourdieu, que é
quem orienta as ações humanas de acordo com as regras internas da
sociedade da qual faz parte, e este homem é capaz também de sub-
verter essas regras configurando um constante movimento em que a
interação com a sociedade é algo intrínseco e inerente à sua condição
humana. Adentrar no habitus de um indivíduo é fazer uma análise de
sua trajetória individual integrada à história do seu ambiente.
Bourdieu também nos apresenta a noção de campo, que são os
campos que possuem estruturas e lógicas próprias perceptíveis por
meio de análise empírica, têm por finalidade a compreensão de como
é constituído um espaço com certa independência do restante da so-
ciedade e que possui uma lógica própria, contudo, se relacionam de
maneira homóloga em relação aos outros campos.
Ainda nesta questão, temos a noção de figuração proposta por
Elias, esta noção se aproxima do conceito de campo de Bourdieu,
como figuração entende-se que existe uma rede de interdependência
entre os indivíduos cuja função é fortalecer a ideia de que os seres hu-
manos não são isolados do seu contexto social e, ainda, (a figuração)
está em contínuas mudanças, pois nela incidem as ações humanas e as
relações das figurações entre si, visto que os indivíduos fazem parte de
mais de uma figuração.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 83


Ele pode (conceito de figuração), por este motivo, ser utilizado pelo his-
toriador que visa compreender a relação entre indivíduo e sociedade, de
modo a compreender que aspectos individuais representam tensões so-
ciais, e que aspectos sociais representam tensões individuais, na medida
em que o homem - na visão de Elias - não se apresenta como um átomo
isolado. (NORONHA & ROCHA, 2008, p. 53).

Desta feita, é válido ressaltar a relevância desses conceitos a fim de


servirem de instrumentalização para se realizar uma pesquisa empírica
para qualquer situação, no sentido em que o modelo de se conduzir
o pensamento de maneira “‘relacional’ permite um maior manejo do
historiador, ao adequar ideias a épocas históricas.” (NORONHA &
ROCHA, 2008, p. 54).

Narrativa

A teoria da tradução e as narrativas orais

A contação de narrativas é uma atividade muito recorrente na


humanidade, todas as culturas possuem uma tradição oral, que, de
tanto serem contadas, repassadas de geração em geração, se firmam
como importante elemento de identidade cultural. Seters (2008) enfa-
tiza que a tradição é realizada através das formas verbais escritas e orais
e que ela ultrapassa o campo do verbal, refletindo também modos de
ação e comportamento daqueles que dela participam. É nesse ponto
que reside a importância das narrativas orais se firmando como tradi-
ção cultural.

84 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


As narrativas orais, em particular as de cunho maravilhoso (como
as analisadas aqui, com seus mitos e lendas) constituem um fator ex-
tremamente relevante e marcante como traço de uma cultura. Simões
(2004), em relação aos habitantes da Amazônia, afirma que suas vidas
são atravessadas por valores dogmáticos que expressam a multiplici-
dade do viver amazônico, pois através das narrativas são envolvidos
sentimentos, emoções, sonhos, anseios, ideais, medos, concretizações
de objetivos e frustrações de pessoas que interagem num ambiente de
grandes selva e água.
A coleta das narrativas deu-se por meio de gravações de áudio e o
processo de transcrição é baseado na interpretação. Transcrever é in-
terpretar segundo Larrosa (1996), e muito importante é a figura do re-
ceptor do texto, pois este deve se permitir atravessar pelo lido/ouvido
a fim de que haja a “experiência”. Este autor compreende experiência
como algo que transforma o receptor de acordo com sua vivência, pois
experiência não é o que acontece, e sim aquilo que acontece em nós.
Jorge Larrosa utiliza-se de metáforas para explicar a leitura e uma
delas é a metáfora da tradução, na qual expõe que a atividade de ler é
semelhante a transplantar o sentido dado em uma língua para outra
língua diferente, com uma condição: a de que o objeto transplanta-
do não seja realizado mecanicamente, e sim modifique a língua à qual
se incorporou. Essa afirmação nos faz refletir sobre a função do tra-
dutor, função esta que trará mudanças para o texto de partida, pois
o tradutor procurará meios pelos quais seu produto final chegue ao
entendimento do leitor, para que este também passe pela experiência
da “experiência”, sem, contudo, alterar-se a essência de texto original.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 85


É nesse sentido que Reeves-Ellington (1999) afirma, citando
Kahn (1982)3 que já há o reconhecimento por parte de alguns estu-
diosos para com as dificuldades do trabalho do tradutor, dando espe-
cial relevância às influências de natureza pessoal, cultural e ideológica
que são trazidas pelo intérprete/tradutor para as narrativas. É nessa
perspectiva que Zaidan (2013), tomando as ideias de Alberti (2004)4
afirma, ao tratar de histórias orais, que elas se mostram como um cam-
po de versões possíveis e por ampla carga de subjetividade. Da mesma
forma, o tradutor também não é isento de subjetividade, nas palavras
de Gorovitz (2011, p. 15): “Ele (o tradutor) se coloca entre dois espa-
ços, tendo um olho voltado para trás e outro para frente, efetuando
assim uma operação de duplo sentido: ele observa em si mesmo a obra
do outro, observando o outro em sua própria obra”.
Reeves-Ellington, toca em um ponto primordial no trabalho de
traduzir narrativas orais – diz respeito à consciência acerca do pro-
blema da tradução e representação. Quem detém (geralmente) com
mais propriedade essa consciência são os pesquisadores que traduzem
suas próprias entrevistas, em virtude de possuírem a oportunidade de
esclarecimento do objetivo a que se propuseram alcançar por meio
do texto final. Assim, “pesquisadores que traduzem as próprias entre-
vistas geralmente são mais conscientes sobre aspectos problemáticos
da tradução e representação, podendo às vezes explicitar o que deseja-
vam obter através das versões produzidas”. (REEVES-ELLINGTON,
1999, p. 104).

3 Apud REEVES-ELLINGTON, 1999, p. 1.


4 Apud ZAIDAN, 2013, p. 3.

86 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Há uma relação bastante próxima entre pesquisador, narrador e
narrativa, “o pesquisador e o narrador são coprodutores da narrati-
va. [...] As histórias que o pesquisador grava não lhe pertencem. Seus
informantes são parceiros no processo”. (REEVES-ELLINGTON,
1999, p. 106). Os dois protagonistas na captação da narrativa estão en-
volvidos numa mesma ação, o tradutor, segundo seu intento e saben-
do a que público vai atender, faz ajustes para transformar a narrativa
oral em texto escrito. As suas decisões podem acarretar em mudanças
no texto de partida mesmo que o narrador tenha um alto grau de con-
trole sobre sua cooperação no decorrer da entrevista. Essas decisões
existem com a finalidade de o tradutor procurar causar no leitor o
mesmo efeito que as histórias, na voz do narrador, causou nele, por
isso a reação do leitor torna-se um aspecto importantíssimo nas toma-
das de decisão durante a tradução.

Narrativa sobre o Ataíde

Esta narrativa foi contada pelo Sr. Domingos Ferreira da Silva,


conhecido na localidade como Seu Raiol. Esta é a segunda versão, para
o público leitor.

‘Lá na praia do Mata Boi, quando existia, agora não existe mais. Fomos
três: eu, um pescador meu e um passageiro. Chegamos lá de noite. Logo
na chegada tinha um rancho com moradores. Então perguntaram (ao
rapaz):
– Tu vai dormir aonde?
– Eu vou dormir lá em cima, acolá.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 87


O dono da casa, que era muito amigo do meu empregado, disse:
– Rapaz, dorme aqui em casa. A cozinha é grande, arma tua rede por
cima da mesa. A mulher tá aí com os menino. Umas dez horas da noite
eu vou sair pra pegar isca pra pescar amanhã. Tu fica aí, ao menos acom-
panha a mulher.
Então o rapaz armou a rede por cima da mesa e ficou lá. Quando deu
dez horas, o dono da casa saiu com os dois menino pra pegar isca. Ele
ainda estava acordado e depois dormiu. Quando foi meia-noite pra uma
hora, ele ouviu mexer na escada, mas pensou que era o homem que foi
pegar isca. Depois, nem olhou mais, ficou naquela madorma5.
Aí o cabra entrou e foi certinho na rede dele. Pegou o rapaz com rede e
tudo, por baixo. O bicho não meteu a mão por dentro da rede pra pegar
só ele, começou a balançar, balançar, que chegou a balançar o rancho.
A mulher se espantou lá dentro do quarto, ela trabalha com lamparina
grande, pegou o fosso, riscou, acendeu. Aí quando clareou, o bicho sor-
tou ele. Ela falou:
– Que é, Pedrinho?
Ele não falou nada, não respondeu nada. Ela veio do quarto e quando
chegou, ele tava desmaiado dentro da rede, mortinho. Ela, aperreada6,
chamou uma vizinha e perguntou se ela tinha água benta. Queimou
algodão pra botar no nariz dele e então, o cabra tornou7 e ficou meio es-
pantado. Ele levou mais de hora pra começar a conversar. Estava falando
todo atrapalhado, gaguejando, depois foi melhorando até que passou a
contar a história.
– Quando, quando acendeu a luz, o cabra me largou. Ele, ele não desceu
pela escada, ele pulou de embalo.
Aí a mulher disse:
– Será que foi, foi o Ataíde que queria lhe agarrar?
– Eu acho que foi mesmo, que se ele me pega de jeito, mete a mão assim
por dentro da rede...

5 Mesmo que madorna e modorra: Vontade patológica de dormir. Sonolência, Apatia. In:
PRIBERAM DICIONÁRIO. http://www.priberam.pt/.
6 Causar ou sofrer incômodo ou aflição. In: PRIBERAM DICIONÁRIO. http://www.priberam.
pt/.
7 Recobrou os sentidos.

88 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Ele tava enrolado na rede, se ele tivesse desenrolado, o bicho tinha leva-
do mesmo.
Então desceram e foram ver. Dizendo ele, que era mais de parmo8 o
rastro. Ainda viram o rastro. E de lá pra cá, foi a primeira e a derradeira
vez que ele foi. Ele disse assim:
– Eu murro9 desse mundo, Raiol, mas lá nesse Mata Boi eu não vou
mais!
E não foi mesmo.

Na tradução da narrativa coletada procurou-se conservar o máxi-


mo possível da voz do narrador, mantendo palavras e expressões pró-
prias de sua linguagem (devidamente explicadas em notas de rodapé),
construções linguísticas que desviam da norma culta da língua, e tudo
mais que possa aproximar o texto falado do texto escrito (de certo que
se tem consciência de que as duas modalidades apresentam especifici-
dades próprias, que uma não é espelho da outra), a fim de se preservar
o encantamento que o tradutor obteve ao escutá-lo.

Espaço onde circula a narrativa

As narrativas em torno do ser mitológico Ataíde, ocorrem nas


áreas de manguezais da costa Amazônica, o material desta pesquisa foi
coletado na comunidade pesqueira do Taperaçu-Porto, área rural lo-
calizada a aproximadamente 12 quilômetros do município de Bragan-
ça no Pará. Esta comunidade, inserida no ecossistema de manguezal,

8 Palmo.
9 Morro.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 89


tem como atividades econômicas a retirada de caranguejo e, sobretu-
do, a pesca. Para a retirada de caranguejo, o indivíduo deve adentrar o
manguezal e é justamente neste momento que se dá o aparecimento
do Ataíde. Ele ataca mais os coletores de caranguejo que os pescado-
res, pois o encontro dá-se em terra, os pescadores são atacados quando
precisam se fixar em ranchos (palafitas localizadas à beira do mar que
servem de abrigo aos pescadores para refeição e pernoite).

Caracterização da entidade

O Ataíde, de acordo com a descrição dos narradores entrevista-


dos do Taperaçu-Porto, é um ser com formas humanas, porém, mui-
to grande, preto, cabeludo, catinguento (transpiração malcheirosa),
muito feio, só se vê no escuro (“ele é quase invisível”), tem um grito
pavoroso e medonho parecido com o grito da guariba10 e possui o
órgão genital de tamanho exagerado. Disseram que o Ataíde atrai as
pessoas (homens e mulheres), prende-as e as leva para dentro do man-
guezal, os narradores são reticentes, evitam falar o que acontece no
interior deste ambiente durante o ataque, para isso fazem um gesto
levantando os ombros e movimentando para baixo os lábios fechados.
Diante de minha insistência perguntando se havia estupro, eles disse-
ram que sim, que, às vezes ele “se serve dos atacados” e, outras vezes há
espancamento, “o Ataíde surra as pessoas”.

10 Denominação comum a vários macacos da América do Sul e Central; Corpulentos, mas


ágeis, caracterizam-se pela cabeça maciça e pelo queixo barbado dos machos. Andam em
bandos, saltando de galho em galho sob o comando do macho mais velho. In: FERREIRA,
A.B.H. Aurélio Online. Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/. Acesso em: 17 fev.
2014.

90 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Narrativas orais e o tempo presente

Diversas são as histórias sobre o Ataíde contadas pelos moradores


da comunidade do Taperaçu-Porto, elas pertencem ao acervo das me-
mórias desses narradores e, mesmo com enredos diferentes, existem os
pontos em comum que as “unificam”. Alessandro Portelli11, ao tratar
de memória afirma que se trata de um produto social, visto que a ex-
periência do indivíduo é uma experiência social, não se pode, porém,
eleger a memória de um sujeito como o registro de memória coletiva,
“então, o que vemos, mais que uma memória coletiva, é que há um
horizonte de memórias possíveis”. (ALMEIDA & KOURY, 2014, p.
201).
As memórias, oriundas da história oral, permitem ver (ao contrá-
rio dos arquivos e da História convencional), a vida quotidiana. Na
tradição de narrativas populares podemos perceber as diferenças en-
tre narrativas factuais e narrativas artísticas a respeito de um registro
como “verdade”. Em vista disso, Portelli afirma que:

Enquanto a percepção de um registro como ‘verdade’ é relevante tanto


para a lenda como para a experiência pessoal e para a memória histórica,
não há gêneros de história oral especificamente destinados a transmiti-
rem informações históricas; as narrativas históricas, poéticas e míticas
sempre se tornam inextricavelmente misturadas. (PORTELLI, 1997, p.
30).

Ante a essas considerações e à natureza desta pesquisa, será fei-


ta a partir da narrativa acerca da entidade mitológica do Ataíde uma

11 Apud ALMEIDA & KOURY (2014).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 91


ligação entre mito e questão factual, através da qual podemos captar
elementos do tempo presente.
Segundo Eliade (2000), ao mito é atribuído o papel de contar
uma história sagrada no que se refere ao “princípio” das coisas, uma
narrativa de “criação” no plano do “sobrenatural”, na qual há explica-
ções e justificativas com fundamentos e significados para a existência
do mundo, do homem e da sociedade.
O caráter de sacralidade do mito torna suas histórias (para os que
estão inseridos em seu contexto) verdadeiras, no sentido em que elas
sempre se referem à realidade. Aos acontecimentos que não se podem
explicar pelos aspectos naturais, cabe ao mito lucida-los a fim de que
faça sentido às pessoas e, mesmo que envolvidos em uma atmosfera
divina, sobre-humana, por vezes mágica, as narrativas míticas são con-
sideradas reais exatamente por penetrarem em campos nos quais o en-
tendimento não chega.
Os fatos explicados pelo mito possuem uma natureza esotérica,
pois além de se tratar de um “conhecimento secreto”, é também im-
buído de um “poder” mágico-religioso, poder este que permite “do-
minar”, “multiplicar” ou “reproduzir” os fenômenos agregados aos
valores míticos. Diante disso, os fatos atribuídos ao mito não objeti-
vam saciar a curiosidade de cunho científico (entendendo este sob o
paradigma dominante do conhecimento científico), e sim como fatos
que, nas palavras de Eliade “faz reviver uma realidade original, que sa-
tisfaz a profundas necessidades religiosas, aspirações morais, a pressões
e a imperativos de ordem social, e mesmo a de exigências práticas.”
(ELIADE, 2000, p. 24).

92 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Para o Racionalismo, o verdadeiro conhecimento está sujeito ao
pensamento, é este quem configura o princípio e o fundamento do
conhecimento humano e, para receber esta denominação, é necessário
que seus resultados obtenham validade universal. Assim, encontra-
mos nas reflexões de Hessen (2000) um relevante apanhado sobre a
teoria racionalista: “o pensamento impera com completa independên-
cia da experiência (...). Por isso, todos os pensamentos que formula
distinguem-se pelas notas características da necessidade lógica e da va-
lidade universal.” (HESSEN, 2000, p. 37).
Este modelo de conceber conhecimento, ciência através da razão
tornou-se hegemônico e duradouro, pois perdura até hoje. Vivemos
ainda sob a égide do que rege o Racionalismo, mesmo sem nos darmos
conta, o sistema impõe o modo como devemos nos portar seguindo
o que prescreve o Racionalismo, moldando nosso comportamento,
pensamento e concepções de acordo com o pensamento lógico-cientí-
fico desenhado (nos seus primórdios) no século XVII.
As elucidações da esfera mítica são de ordem sobrenaturais que
ultrapassam o plano físico, de modo que não há espaço para este tipo
de conhecimento no mundo racional da ciência que o relegou à mar-
ginalização como conhecimento prestigiado assim como os saberes
tradicionais não academizados.
Todavia, o conhecimento mítico (e os saberes tradicionais) sobre-
viveu. Mesmo às margens do conhecimento científico, não sucumbiu
totalmente ao paradigma dominante. Atualmente há uma corrente
que questiona a hegemonia do paradigma dominante. Nela, não se
prevê uma ciência unificada nem tampouco uma teoria geral para to-
dos os campos, propõe, ao contrário, pontos temáticos que não sejam

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 93


estanques e permitam que o conhecimento não científico caminhe
junto ao conhecimento científico e, assim, dar espaço à filosofia da
prática. Não se objetiva, com isso que haja uma disputa por suprema-
cia de modelo de teoria, aspira-se sim a um caminhar harmônico em
que uma contribua com a outra a fim de se chegar ao melhor resultado
para a humanidade.
Partindo desse ponto de vista, é oportuno retirar o conhecimen-
to mítico da marginalidade perante o conhecimento científico e ra-
tifica-se isso tomando como exemplo a figura mítica do Ataíde – ser
mitológico dos manguezais da costa amazônica bragantina – em cujas
narrativas encontram-se os elementos que o caracterizam como tal,
conforme as descrições supracitadas sobre mito.
Como explicar cientificamente (aos moldes do paradigma domi-
nante) o fato de os tiradores de caranguejo conhecerem o período de
defeso12 desse crustáceo há muito tempo, se a política de defeso é uma
medida governamental recente? Essa medida fora tomada depois de
pesquisas científicas que apontaram o período do ano em que os ca-
ranguejos se reproduzem, contudo, os tiradores já obedeciam a “essa
lei” por, dentre outras coisas, temerem o castigo do Ataíde. Como eles
sabiam disso? Como e por que a ciência desconsidera esse saber? Por
que não, como sugere o paradigma emergente, associar o conhecimen-
to do senso comum ao conhecimento científico?
Podemos demonstrar a motivação para essas perguntas através da
narrativa coletada pelo escritor Walcyr Monteiro (2010):

12 Período de acasalamento e reprodução da espécie, cuja captura é proibida pelo poder


governamental.

94 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Não dá para imaginar castigo pior. Pelas várzeas e alagados paraenses,
corre a lenda do Ataíde, entidade mítica protetora dos manguezais.
Ele é descrito como um ser monstruoso, com mais de dois metros de
altura, de forma humanóide, porém todo feito de lama. De acordo
com a crença, ele não faz mal para aqueles que sobrevivem do mangue,
extraindo caranguejos. Mas para aqueles que não respeitam o soatá
(período de acasalamento da espécie, quando é proibida a extração
do crustáceo), a sua vingança é terrível. Os desafetos de Ataíde são
estuprados impiedosamente. (MONTEIRO, 2010).

Podemos observar o caráter moralizador do mito, se não houver


o respeito ao período de defeso, a entidade mítica aplica uma puni-
ção extremamente rigorosa, produzindo pavor e temor dos tiradores
em relação ao Ataíde. Esta figura adquiriu uma simbologia que lhe
conferiu estatuto de sagrado, de sobrenatural. Mesmo permeado de
elementos sobrenaturais, o elemento real, concreto, está presente: o
período exato de reprodução do caranguejo.
Essa relação com o mito interfere de maneira crucial na vida so-
cial e no trabalho dos indivíduos das comunidades extratoras de ca-
ranguejo da região bragantina. Santos (2008), sobre isso, afirma que
na ciência pós-moderna existe o diálogo entre ciências naturais e ciên-
cias sociais. O saber tradicional do “homem comum” está ganhando
espaço, pois se trata de um conhecimento prático e quotidiano que
orienta as ações e dá sentido à vida. O que, no paradigma dominante,
era superficial e falso, o paradigma emergente reconhece como virtua-
lidades que enriquecem nossa relação com o mundo.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 95


Considerações Finais

Esta pesquisa possibilitou adentrar em um campo um tanto


quanto melindroso: fontes orais como referência de pesquisa para
captar elementos do tempo presente, “agravado” por se tratar de nar-
rativas de caráter mitológico. Esse tema não é visto como apropriado
no meio científico, no entanto, as teorias dos pesquisadores demons-
tram e sinalizam para uma mudança de paradigmas no que concerne
a essas questões.
Como vimos, o fazer histórico está se reconfigurando e tomando
novas feições, admitindo elementos que contemplam a História Oral,
que retira da exclusividade o caráter puramente documental, enfim,
que abrange mais recursos para se perscrutar a História de maneira
mais geral e inclusiva.
Basear a pesquisa em narrativas míticas demonstrou que o saber
tradicional popular pode (e deve) ser levado em consideração por se
mostrar como elemento idôneo para investigação e que este tipo de
conhecimento tem seu valor e seu lugar de destaque para as atividades
científicas.
Portanto, este trabalho se constituiu como um importante regis-
tro da cultura oral através de um tratamento adequado a fim de buscar
preservar os aspectos da oralidade dentro das limitações escritas basea-
do no que importantes pensadores teorizaram sobre assunto sugerindo
a(s) postura(s) que o tradutor deve assumir a fim de realizar um traba-
lho profícuo para todas as partes que compõem o processo de tradução
– o narrador, o texto, o tradutor e o receptor do texto traduzido.

96 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Com efeito, a valorização da pesquisa sobre mito nos fez refletir
acerca de como está se configurando o fazer científico na contempo-
raneidade. O que, na modernidade era razão, prescrição, e até pre-
conceito, na pós-modernidade é aceitação e partilha de saberes, o que
torna o universo científico muito mais humanizado e aberto a novos
horizontes. O mito, neste caso, vem contribuir com questionamentos
e sugestões que podem originar pesquisas e conclusões científicas, de
modo algum ele deve ser deixado à margem da ciência e ser tratado
como falso ou anedótico, no sentido de intensões ridicularizadoras.
E, para finalizar, serão utilizadas as palavras de Eliade nas quais
podemos verificar um direcionamento para a confluência entre mito
e ciência:

O mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana; longe


de ser uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva, à qual
se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata
ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião
primitiva e da sabedoria prática. (ELIADE, 2000, p. 19).

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(entrevista) – História Oral e Memórias: Entrevista com Alessandro Portelli.
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seer.ufu.br/index.php/historiaperspectivas/article/view/27504. Acesso em: 25
jan. 2023.
CARDOSO, Ciro. A História na virada do milênio: fim das certezas, crise
dos paradigmas? Que história convirá ao século 21? In: Um historiador fala de
Teoria e Metodologia. São Paulo: Edusc, 2005, p. 151-168.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 97


ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Trad. Manuela Torres. Lisboa: Perspectivas
do homem/ Edições 70. 2000.
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SANTOS, C.A; ROSCOE-BESSA, C; HATJE-FAGGION, V (orgs). Tradução
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ZAIDAN, Junia C. S. Mattos. Sobre vozes, ecos e sua irrupção no texto
traduzido. Tradução & Comunicação. n. 25, 2012 p. 33-52. Disponível em:
https://bit.ly/3J2QHMv. Acesso em: 16 fev. 2014.

98 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


capítulo 5

Impressões sobre a escravidão


no Brasil do séc. XIX em Notas
Dominicaes, de Tollenare
Julie Christie Damasceno Leal

DOI: 10.52788/9786589932819.1-5
Resumo: O presente trabalho propõe-se a analisar a obra Notas
Dominicaes, do aventureiro e comerciante francês Louis-François de
Tollenare-Gramez, tendo em vista as suas impressões sobre a escravidão
no Brasil do século XIX. Para tanto, identificamos, a partir de escopo
interpretativo adotado e das correlações com estudiosos da área, que
Tollenare empreende críticas à prática da escravidão em território
brasileiro, considerando, contudo, que se trata ainda do olhar do
estrangeiro acerca da escravidão. Objetiva-se, portanto, identificar as
passagens que atestam a visão do europeu sobre os costumes e práticas
escravagistas no Brasil, efetuando uma interpretação que coloque
em destaque os contrastes decorrentes da visão que o outro tem dos
povos nativos e/ou escravizados. Tendo em vista que, mesmo que o
estrangeiro busque desenvolver uma visão mais crítica e humanizada
acerca da escravidão, ainda assim será inculcada de preconceitos e
parcialidade.

Palavras-chave: Escravidão; Notas Dominicaes; Tollenare.

Introdução

Louis-François de Tollenare ou Louis-François de Tollenare-Gra-


mez, (4 de abril de 1780 – 25 de setembro de 1853) foi um comer-
ciante francês que viajou ao Brasil e permaneceu no referido país pelo
tempo decorrido de um ano, período no qual teve a oportunidade de
travar conhecimento e relações com os brasileiros e sua cultura, in-
cluindo a questão referente à escravidão, prática esta à qual Tollenare

100 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


se opôs de forma vigorosa. Em seu livro Notas Dominicaes, datado
de 1905, Tollenare narra a viagem que fez ao Brasil nos anos de 1816,
1817 e 1818, mais especificamente a cidade de Pernambuco.
Os detalhes de sua viagem são descritos com minucias em seu
livro, o que permite uma visão rica do período referido sobre a po-
pulação pernambucana, bem como os seus costumes, práticas sociais
e questões políticas e econômicas. Neste âmbito, suas descrições e
relatos relativos à questão da escravidão são de expressiva relevância,
posto que Tollenare apresentava-se como ferrenho combatente de tal
prática, como será visto no decorrer do presente trabalho.
Deste modo, será analisado a visão de um estrangeiro sobre a prá-
tica da escravidão no Brasil e como tal prática se configurava diante da
compreensão de mundo, civilização e progresso de um outro que se
encontra em posição externa, ou seja, seu olhar, justamente por se efe-
tuar de fora para dentro, encontra-se destituído de possíveis conexões
que possam afetar seu entendimento e julgamento sobre a escravidão
em solo brasileiro.
Sobre o referido autor, poucos trabalhos podem ser encontrados
abordando seus escritos referentes às viagens efetuadas ao Brasil, o que
em nada desmerece sua importância e a relevância das suas narrativas.
A falta de algum interesse mais aprofundado em torno de tais obras
deve-se, provavelmente, ao grande número de outros viajantes que
descreveram suas façanhas em solo brasileiro, o que torna o estudo
mais aprofundado de tais autores uma tarefa hercúlea.
Outro fator, deve-se ao fato de que há uma visão ainda marca-
da por um certo preconceito contra obras de tal natureza, uma vez
os relatos encontrados em tais narrativas muitas vezes não podem ser

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 101


comprovados e sua autenticidade, ou seja, se os fatos ali apresentados
de fato ocorreram é algo que, não raro, por vezes se mostra quase im-
possível de confirmar.
Contudo, neste trabalho, converge-se para um terceiro caminho,
a saber, de que as narrativas de viagem são fontes preciosas e docu-
mentos valiosos de uma determinada época e região do país que não
podem ser ignoradas dada a sua importância histórica no sentido de
reconstrução de um passado, principalmente no que diz respeito ao
Brasil, que ainda apresenta muitas lacunas.
As observações de Tollenare referentes à escravidão são o cerne
motivador deste artigo, abordando-se outros aspectos também rele-
vantes ao sistema escravista brasileiro, bem como a própria vida dos
escravos, seu cotidiano e suas formas de resistência a tal prática que
marcou o Brasil de forma negativa, uma vez que foi o último país na
América a abandonar a escravidão. Nesse sentido, sabe-se que o Bra-
sil abandonou a prática escravagista por pressão estrangeira, uma vez
que se buscava ampliar o mercado consumidor dos produtos euro-
peus, necessitando, para tanto, de indivíduos com poder de compra,
de aquisição de produtos.

Escravidão em terras brasileiras pelo olhar de um


europeu

A escravidão no Brasil teve início na primeira metade do século


XVI, com a produção de açúcar e a necessidade de mão de obra. O
comércio de homens e mulheres oriundos da África foi a solução ado-

102 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


tada, uma vez que a utilização da mão de obra nativa se mostrou um
fracasso:

As dificuldades maiores, encontradas na etapa inicial advieram da


escassez de mão-de-obra. O aproveitamento do escravo indígena, em
que aparentemente se baseavam todos os planos iniciais, resultou
inviável na escala requerida pelas empresas agrícolas de grande
envergadura que eram os engenhos [...]. É quando a rentabilidade do
negócio está assegurada que entram em cena, na escala necessária, os
escravos africanos. (FURTADO, 1987, p. 41-42).

Desse modo, o africano teve a sua humanidade retirada e a si foi


atribuído o estatuto de mercadoria: os que eram vendidos e expostos
nas feiras não eram mais serem humanos, mas animais, a serem do-
mesticados e utilizados nas plantações. Os mais dóceis e obedientes
trabalhavam dentro da casa dos seus senhores. Fazia-se também a dis-
tinção entre escravos fortes, novos e saudáveis, dos fracos, velhos ou
doentes, o que resultava no fato de que os primeiros eram “melhor
avaliados” que os do segundo grupo.
Com a exploração do outro, os cativos africanos, e das pedras
preciosas, os escravizados também foram utilizados nas minas, para
a retirada do material e posterior envio para a metrópole. Os maus
tratos, as péssimas condições de vida, a exploração desenfreada, a má
alimentação, os constantes castigos, dentre outros fatores, faziam com
que a vida de uma pessoa escravizada fosse drasticamente reduzida, o
que gerava um alto índice de mortalidade entre as mesmas.
Com a Lei Eusébio de Queiróz, instituída em 1850, por pressão
estrangeira, foi extinto oficialmente o tráfico negreiro no Brasil. Mas
a abolição documental, propriamente dita, ocorreu no ano de 1888,

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 103


com a Lei Áurea. As transformações econômicas na Europa, o surgi-
mento e expansão do capitalismo, a crise do sistema colonial foram
fatores de expressiva relevância para que o Brasil fosse pressionado a
encerrar suas atividades escravocratas:

[...] a acumulação capitalista, a revolução nos meios de transporte


e no sistema de produção, assim como o crescimento da população
na Europa e a crescente divisão do trabalho acarretaram a expansão
do mercado internacional, tornando impossível a manutenção dos
quadros rígidos do sistema colonial tradicional. (COSTA, 1998, p. 29).

Desse modo, Tollenare apresenta em sua obra Notas Dominicaes,


o auge desse período escravocrata, com sua funcionalidade e aceitação
instituídas em terras brasileiras de forma satisfatória, ao menos para
aqueles que dela se beneficiavam. Tollenare inicia sua narrativa des-
crevendo uma parte da cidade de Recife, que nesta época era ainda
nomeada como bairro, expondo desde o início uma crítica não apenas
à organização social da referida cidade, mas também a própria estru-
tura da mesma:

O bairro da península, ou o Recife propriamente dito, é o mais antigo


e movimentado, e também o mais mal edificado e o menos asseiado. A
maior parte das jauellas são guarnecidas de grades em toda a altura, as
ruas são geralmente estreitas, as casas têm de dous a quatro andares com
três janellas de fachada; são construídas de pedras caiadas, excepto as
molduras das portas e jauellas que são de grés conchylifero muito bem
talhado. São somente as grades que lhes dão o aspecto tristonho que
offerecem1. (TOLLENARE, 1956, p. 24).

A presença das pessoas negras se faz sentir desde o início da obra:


Tollenare (1956, p. 24), aponta para o vai e vem constante dos negros,

1 Buscou-se manter a caligrafia original da obra.

104 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


exercendo seus trabalhos e se animando mutuamente por meio de um
canto simples e monótono. Enquanto as negras também estão nas
ruas, vendendo lenços e outras fazendas que trazem na cabeça, dentro
de cestos, Tollenare nota a ausência das mulheres brancas nas ruas, o
que indica um costume bastante antigo e patriarcal no Brasil, ou seja,
as mulheres brancas, de família privilegiada econômica e socialmente,
não poderiam caminhar pelas ruas, principalmente desacompanha-
das. E se o fizessem, se utilizariam de carruagens ou outras formas si-
milares de transporte.
A nudez parcial das escravas nas ruas, aparentemente, era vista
como um fator natural: “As vendedeiras, mui succintamente vestidas,
algumas de cachimbo ao queixo, preparam grosseiros manjares para o
povo; a sua nudez não é attrahente, a algumas, porém, não falta graça
e elegância nos movimentos” (TOLLENARE, 1956, p. 25). Depre-
ende-se, de suas observações que, apesar de, forçosamente, o olhar es-
trangeiro buscar naturalizar a nudez dos corpos negros, eles não eram
completamente desprovidos de atributos para os mesmos.
Tollenare apresenta outros aspectos referentes à escravidão: os ca-
tivos aprisionados comportam-se de modo distinto, pois há os que se
mostram submissos e há os que, de forma feroz, buscam inutilmente
se libertar, e muitos deles encontram-se doentes, o que se pode atestar
pelas pústulas repugnantes. Crianças filhas de cativos brincam nuas
pelas ruas, o que não incomoda os transeuntes. Mulheres amamen-
tam seus filhos nas ruas, ambos vestidos de forma ínfima. A tudo isso
e muito mais, Tollenare adverte aos estrangeiros que chegam ao Brasil
pela primeira vez:

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 105


O aspecto geral não apresenta nem prantos, nem gritos, nem desespero;
entretanto o estrangeiro que acaba de desembarcar não pode se furtar
a um sentimento penoso, que lhe causa em primeiro logar a vista da
escravidão, e em segundo o cheiro desagradável que se desprende desta
população de captivos. (TOLLENARE, 1956, p. 26).

O aspecto brutal da escravidão nauseia aos que com ela não estão
acostumados. Mas para os que dela usufruem ou lucram, torna-se algo
sedutor. É o que ocorre com os religiosos, segundo o viajante francês,
que em muitos momentos testemunhou membros do clero recebe-
rem um tratamento distinto por parte dos escravos:

Os frades só conservaram aqui certo império sobre a plebe; vi em


Olinda mulatos se prosternarem aos pés dos meus companheiros e
beijar-lhes a fímbria do habito; mas, diz-se que estes actos de veneração
não são devidos senão á facilidade com que lhes concedem a absolvição
e o ardimento com que pregam irrevocavelmente todos os crimes,
sem mencionar assaz expressamente a necessidade do arrependimento
e do firme propósito de mantel-o. Os frades de Santa Thereza de
Olinda são servidos por escravos; testemunhei o meu pasmo por ver
christãos manterem christãos na escravidão; responderam-me que os
benedictinos possuiarn engenhos e por consequência escravos. Parece
que as leis canónicas o autorisam. (TOLLENARE, 1956, p. 33).

A Igreja Católica possuiu forte influência na questão da escra-


vidão e utilização da mão de obra escrava no Brasil, pois legitimou
tal prática seguindo interesses essencialmente econômicos da coroa
portuguesa. As missões missionárias não possuíam apenas o projeto
de catequização e salvação e arrebanhamento de novas almas para a
Igreja Católica, mas também de promover a exploração direta da terra
através da utilização de pessoas escravizadas. Este cenário, aterroriza
Tollenare, posto que ele compreende os povos escravizados sob outro

106 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


olhar, um tanto distinto, ou mais humanizado, diferente da própria
Igreja Católica, que vislumbrava na desclassificação do escravo como
ser humano, tido como alguém sem alma, a justificativa para a con-
quista de riquezas no novo mundo:

Neste contexto, Igreja e Coroa Portuguesa estreitavam suas relações,


unindo forças na conquista das riquezas e das almas além-mar. Isso
porque, colonização e evangelização faziam parte de um grande
empreendimento, no qual a cruz e a espada configuravam-se como
elementos indissociáveis na conquista da América. Dessa forma, a
Igreja surge como principal legitimadora das ações das Coroas Ibéricas,
incluindo a escravização dos africanos. (COSTA, 2008, p. 03).

As ordens missionárias no Brasil tinham como um dos seus ob-


jetivos salvar as almas dos povos originários, enquanto que o negro
africano não possuía qualquer direito e nem era considerado como ser
humano. A consequência disto é que muitas destas ordens possuíam
cativos como suas propriedades, objetos:

Lembremos também o tratamento que era dado ao negro na legislação.


O contraste entre o indígena e o negro é nesse aspecto evidente, estes
contavam com leis protetoras contra a escravidão, embora estas fossem
pouco aplicadas. O negro escravizado não tinha direitos, mesmo porque
era considerado juridicamente uma coisa e não uma pessoa. (FAUSTO,
2006, p. 54).

Sobre a questão entre os nativos (indígenas) e negros cativos, Tol-


lenare também se posicionou:

Em vão os jesuítas protejeram os índios; estes eram caçados como


anímaes para serem reduzidos á escravidão. O governo, vacíllando
entre a consciência e a ambição, prohibia este horrível attentado, mas
não punia os trangressores das suas ordens. Pouco a pouco os índios

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 107


foram instruídos ou expulsos, e substituídos por negros da costa
d’Afríca. Actualmente apenas se encontram algumas miseráveis aldeias
de índios baptisados a 20 e 30 léguas do Recife, e as hordas indígenas
não apparecem mais a menos de 150 léguas da cidade. (TOLLENARE,
1956, p. 36-37).

A substituição de indígenas por negros como mãos de obra a ser


explorada foi justificada com bases em trechos da própria bíblia. Con-
tudo, notou-se que utilizar o indígena em trabalhos forçados e peno-
sos não teria resultados positivos, uma vez que os povos originários
não estavam adaptados a este tipo de trabalho, acrescentando-se a isto
o fato de que eles conheciam as florestas, o que permitia sua fuga com
facilidade.
Fez-se necessário a mudança de tal mão de obra por outra, no
caso a africana, que aos olhos dos cristãos portugueses era pagã, pela
crença em diferentes divindades, elementos e fenômenos da natureza,
bem como, espíritos de antepassados, enquanto sobre os povos nati-
vos foi criada a imagem de ingenuidade, aquele que não deveria ser
punido por simplesmente desconhecer a palavra de Deus, mas que se
fosse algo a ser objetivado pela coroa, ele poderia ser converter e ser
salvo. Já o negro pertencia, segundo a visão religiosa da época, a uma
raça amaldiçoada, pois descendiam de Caim:

[...] três interpretações diversas, mas convergentes, eram apresentadas


para explicar a origem da escravidão negra. A primeira delas afirma que
a escravidão era consequência do pecado de Adão, e da maldição divina
imposta ao homem de trabalhar a terra ‘com o suor’ do rosto... A segunda
versão considerava os africanos como descendentes de Caim e, portanto,
traziam ainda na carne a maldição divina, ao primeiro homicida da
humanidade... Na tradição popular, os negros eram considerados como
a raça maldita de Caim, sendo a negritude de sua pele o sinal imposto

108 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


pelo próprio Deus. De acordo com a terceira interpretação, os africanos
eram os descendentes de Cam, o filho de Noé, amaldiçoado pelo pai
por ter zombado de sua nudez, quando jazia embriagado após provar o
fruto da videira. (AZZI, 1987, p. 80).

São distintas interpretações sobre a escravidão dos povos negros,


porém todas têm algo em comum: atestam uma espécie de desprezo e
justificativa moral/religiosa pela/para a escravidão, fundamentadas em
textos e narrativas cristãs.

O testemunho particular sobre o engenho: a vida dos


povos cativos segundo Tollenare

A visita de Tollenare a um engenho merece destaque, uma vez


que ele descreve com detalhes a vida em tais locais, buscando observar
as cenas do cotidiano dos senhores portugueses e principalmente dos
cativos sob uma ótica aparentemente imparcial, mas, como veremos,
incompleta ou efetuando julgamentos por vezes equivocados.
O engenho por ele observado não se difere dos demais: africa-
nos cativos trabalhando exaustivamente sob o calor pernambucano e
o olhar severo do capataz, que diante de qualquer indício de descanso
está autorizado a golpear o escravo. No engenho, segundo Tollenare,
não há tempo para o repouso ou momento de inatividade, tudo está
em movimento, em produção constante, visando o lucro, a venda, o
comércio, no qual entram inclusive os filhos das escravas, que também
serão posteriormente vendidos.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 109


O espectáculo do engenho é bem diíferente. Aqui, nada de apathia;
tudo é trabalho, actividade; nenhum movimento é inútil, não se
perde uma só gotta de suor. [...] Vê-se em primeiro lugar uma extensa
construcção ao rez do chão, tendo em frente uma galeria sustentada por
columnas; é a senzala dos negros, deserta durante as horas de trabalho.
Vê-se apenas errar sob o alpendre uma ou duas negras que acabam de
dar á luz; são dispensadas do trabalho por alguns dias; amamentam
os filhos concebidos na escravidão, que serão escravos e que o senhor
poderá vender amanhã. Da senzala domina-se a planice onde se cultiva
a canna. O calor é de 27 a 28’, o sol abrasador; vejo expostos ali ao seu
ardor 30 negros e negras curvadas para a terra, e excitadas a trabalhar
por um feitor armado dum chicote que pune o menor repouzo; ali oito
negros vigorosos cortam as cannas que cinco raparigas enfeixam; os
carros, atrellados de quatro bois, vão e vem dos cannaviaes ao engenho;
outros carros chegam da matta carregados de lenha para as fornalhas.
Tudo é movimento. (TOLLENARE, 1956, p. 55).

A lógica da produtividade constante nos engenhos é apresentada


por Tollenare, que expõe o engenho como um lugar que se distan-
cia consideravelmente de determinadas obras que os descrevem como
verdadeiros infernos para os cativos. Contudo, é preciso observar que
a viagem de Tollenare ao Brasil foi efetuada no século XIX. Tendo
a escravidão iniciada no século XVI, pode-se afirmar com segurança
que muitos cativos observados por Tollenare são descendentes dos
africanos trazidos da África, ou seja, já nasceram na condição de seres
humanos escravizados, o que os tornavam, segundo a lógica de Tolle-
nare, mais dóceis e acatavam com mais facilidade as ordens dos senho-
res.
Segundo a percepção do viajante francês, no engenho por si visi-
tado, notou apenas cinco rostos sombrios que talvez buscassem uma
provável vingança contra a condição na qual estavam sendo obrigados
a viver:

110 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Em meio de todo este movimento, procuro e difficilmente encontro a
expressão do pezar e do soffrimento. Em toda a fabrica, que se compõe
de 120 a 130 individuos, não descubro mais do que 3 ou 4 physionomias
sinistras, cujo olhar revela o desejo da vingança. Os que trabalham no
campo parecem embrutecidos; entre os occupados no engenho alguns
mostravam-se aífeiçoados. (TOLLENARE, 1956, p. 58).

Tollenare observa, de forma equivocada, que os castigos físicos


permanecem, mas não são aplicados com frequência e quando ocor-
rem são aplicados mais aos jovens mais imprudentes e aos fracos. Con-
tudo, contradizendo-se ao estado passivo dos cativos em relação à sua
própria condição de cativo, Tollenare apresenta o caso de um negro
que havia fugido, o que demonstra que havia de fato o sentimento de
revolta e o desejo de liberdade por parte dos povos escravizados:

Acabam de trazer um negro que havia tugido para omatto ha cinco dias.
Estava num estado lastimável; não tinha tido o instincto de se alimentar
de fructos silvestres [...]. Não soffreu severa correcção devido ao seu
estado doentio; receio, porem, que isto aconteça quando se restabelecer.
O cirurgião que foi chamado me disse que attribue o estado do fugitivo
a ter elle comido terra; me assegura, bem como o plantador, que os
negros, por preguiça ou por desespero, sabem muito bem tornar-se
doentes por este processo que os faz inchar e frequentemente morrer.
Estas suspeitas são confirmadas pelo entorpecimento do pulso; me
informam que a moléstia occasionada pelo envenenamento pelo
succo da mandioca se manifesta por uma desigualdade e acceleração
considerável das pulsações. O Sr. R., no começo do seu estabelecimento,
perdeu vários negros que se tinham envenenado com terra, e os faz vigiar
cuidadosameute quando manifestam symptomas de melancholia.
(TOLLENARE, 1956, p. 59).

É preciso observar que ao senhor, proprietário de engenho, ter


revoltas de escravizados ou transformar o açoite e a agressão em atos
cotidianos era algo que, não raro, afetava significativamente a produ-

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 111


ção. Portanto, não eram raros os senhores que negociavam com os
cativos o uso da terra, além de promover datas festivas e incentivar a
religião entre os mesmos, o que tornava a vida destes aparentemente
menos angustiante. Talvez tenha sido neste cenário que Tollenare te-
nha observado os cativos de alguns engenhos que visitara e atestado
até mesmo uma espécie de alegria em alguns rostos, como afirma Reis
e Silva (2009, p. 29): “Quem se diverte não conspira; promover por
todos os meios o desenvolvimento das ideias religiosas; e, finalmente,
permitir que os escravos tenham roça e se liguem ao solo pelo amor
da prosperidade; o escravo que possui nem foge, nem faz desordens”.
Tais informações, se de fato ocorreram, devem ter advindo em
casos bastante específicos. O que houve, de fato, foi a exploração atroz
de seres humanos em nome da exploração econômica que não media
esforços e não se evitava, nem mediante reflexões morais ou religiosas.
A captura do escravizado testemunhada por Tollenare demonstra que
a realidade dos engenhos, na verdade, era a não sujeição a tal prática
desumana e o anseio por liberdade.
O ato de comer terra, geofagia, era uma prática comum entre os
cativos, uma vez que ela se configurava, através do suicídio, como uma
forma de resistência e libertação de sua condição de propriedade a ser
explorada. O próprio Tellanare confirma através da fala do proprietá-
rio de engenho, que a perda de escravos pela ingestão de terra é algo
preocupante e por isso a vigilância é constante, posto que o escraviza-
do desenvolve a “melancolia”.
Tollenare visitou ao todo, seis engenhos e entre os senhores ob-
servou diferentes tipos, desde os que buscavam não adornar ricamente
suas casas, até aqueles que exibiam luxos e modos exagerados. Há tam-

112 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


bém, no engenho, além dos cativos, do senhor e sua família, os chama-
dos colonos ou moradores, homens livres aos quais o senhor permite a
construção de uma cabana e o uso da terra para cultivo. Geralmente se
constituíam de negros libertos, índios e mulatos que pagam ao senhor
um dado valor pelo usufruto da terra.

Os moradores são pequenos colonos aos quaes os senhores de engenho


concederam a permissão de elevar uma cabana no meio do matto e
de cultivar um pequeno pedaço de terra. O foro que pagam é muito
diminuto, vale no máximo o dízimo do produto bruto, sem prejuízo
do dizimo real. Como os lavradores não tem contracto; o senhor pôde
mandal-os embora quando quizér. São em geral mestiços de mulatos,
negros livres e índios; índios e negros puros são raramente encontrados.
Esta classe livre é hoje o verdadeiro povo (plebe) brasileiro; é paupérrima
porque pouco trabalha. Parece que do seu seio deveria sahir um numero
de trabalhadores assalariados; mas tal não acontece. O morador recusa
o trabalho, planta um pouco de mandioca e vive na ociosidade; a sua
mulher faz um pouco de renda. (TOLLENARE, 1956, p. 95-96).

A descrição de Tollenare sobre um suposto povo brasileiro, algo


bastante equivocado pois nesta época ainda não há uma nação conso-
lidada, pode-se notar, está carregada de uma visão europeizada, pre-
conceituosa, marcada pela visão do trabalho e do acúmulo de riquezas
como prioridades. Aqueles que não se encaixam em tal estilo de vida
são os preguiçosos, desestimulados.
A relação destes moradores com o senhor de engenho por ve-
zes se mostra conflituosa e, conforme o viajante francês, culmina em
consequências mais violentas, pelos mais diversos motivos, desde pa-
gamentos insuficientes por parte dos colonos até envolvimento dos
senhores com as esposas daqueles:

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 113


Os moradores vivem isolados, longe de toda autoridade civil ou religiosa,
sem conhecer, por assim dizer, o valor da propriedade. Substituíram os
selvagens brasileiros e valem menos do que eles, porque estes conheciam
ao menos um vínculo político e nacional; os moradores só conhecem
os seus cercados, e consideram quase como inimigos todos os que lhe
são estranhos. Os senhores de engenho procuram as suas mulheres para
seu gozo; dizem-nas muito galantes, mas destas seducções resultam
vinganças e punhaladas. Em geral, despreza-se e teme-se esta classe [...].
Os assassinatos são frequentes, e não dão lugar a perseguição alguma;
conheci certo senhor de engenho que não se afastava só um quarto de
légua de sua cosa, por causa da inimisade e da perfídia dos moradores.
Havia incorrido no seu ódio; não sem semelhantes motivos de receio
entrei muitas vezes nas suas cabanas. (TOLLENARE, 1965, p. 96).

Sobre a questão da violência quase desmedida, Tollenare afirma


que leis de fato existem, mas não são seguidas ou mesmo encontram
dificuldades em serem aplicadas, o que resulta em ações desmedidas,
sendo, portanto, comum o crime e o assassinato provocado tanto por
senhores quanto por colonos.
Sobre o comércio de cativos, Tollenare mostra uma visão con-
denatória. Reafirmando sua crítica ao sistema escravocrata brasileiro,
Tollenare além de questionar tal prática, aponta o trabalho assalariado
como o fator para o desenvolvimento do Brasil e o fim da classificação
de preguiçoso do brasileiro:

Um mestre de obras, um marceneiro, um carpinteiro, um ferreiro, um


pedreiro, um chefe, enfim, de qualquer destas profissões, em lugar de
assalariar operários livres, compra negros e os instrua. Lamenta-se que
este afastamento dos homens livres de todas as ocupações industriaes
extinga o gérmen do trabalho, espirito que não exigirão senão a ocasião
para se desenvolver, e que mantenha a indolência de que são acusados os
brasileiros. (TOLLENARE, 1956, p. 143).

114 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Como já conhecido, o Brasil foi o último país das América La-
tina a abandonar a prática da escravidão, posto que os senhores de
engenho durante muito tempo exerceram grande influência política
e econômica no Brasil. A resistência contra o trabalhador brasileiro
assalariado efetivava-se, principalmente, pelo pensamento retrógrado
que marcava de forma intensa o pensamento de tais senhores.
Tollenare testemunhou ainda outros fatos significativos na histó-
ria brasileira, como uma tentativa de revolução em Pernambuco, que
foi sufocada pelo governo português, resultando no enforcamento de
dois militares e dois eclesiásticos. Sua narrativa finaliza com uma nota
de pesar, pois ao sair de Pernambuco, ainda lançou um olhar sobre a
cabeça de um dos padres enforcados e decapitados, exposta na praça
do Comércio.

Considerações finais

A narrativa de Tollenare se mostra rica e significativa para o es-


tudo e conhecimento da história do Brasil, desde que lida sobre uma
perspectiva acentuadamente critica uma vez que o mesmo não bus-
cou compreender a realidade brasileira sob seus aspectos mais funda-
mentais e específicos, limitando-se, em diversos momentos a sobrepor
ideologias europeias sobre o cenário brasileiro e a composição ainda
recente do seu povo. Dentre muitos os assuntos abordados por Tolle-
nare, destaca-se a questão da escravidão, que observou tal fenômeno
com olhar crítico, condenatório e sensibilizado.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 115


Tal olhar, no caso do comerciante francês, expressa o contraste
que inevitavelmente se apresenta entre o aqui e o lá, entre terras bra-
sileiras e as estrangeiras, além da forma distinta de pensar e conduzir
determinados problemas e assuntos. A leitura das narrativas de via-
gem, como a de Tollenare, exige mais do que mera curiosidade, mas
também o posicionamento daquele que escreve, que narra com a
percepção estrangeira da realidade do outro, no caso a brasileira, ex-
primindo-se assim a compreensão distinta de coisas, acontecimentos,
relações humanas, valores morais.
Essas distinções, discordâncias, se fazem presente a todo momen-
to no relato de Tollenare entre o que ele acredita e sabe, o que observa
e descobre em solo brasileiro. Neste contraste reside a riqueza cultural
do ser humano, a sua multiplicidade, como se percebe em Notas Do-
minicae, que por vezes assusta, amedronta e, em alguns casos, afasta,
mas também maravilha, seduz, integra-se, em maior ou menor grau.
Não se pode sair de uma experiência de contato com o outro sem um
ganho mínimo, sem a expansão de um olhar que se espraia de si para
outra concepção mais profunda sobre o ser humano.

Referências

AZZI, Riolando. A cristandade colonial: mito e ideologia. Petrópolis: Vozes,


1987.
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 3. ed. São Paulo: Editora da
Unesp, 1998.
COSTA, Robson Pedrosa. As ordens religiosas e a escravidão negra no Brasil.
Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme: Revista de

116 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. Disponível em:
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais. Acesso em: 10 maio 2019.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12 ed. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2006.
FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 9. ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987.
REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociações e conflito: a resistência negra no
Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
TOLLENARE, Louis-François de Gramez. Notas dominicais: tomadas
durante uma viagem em Portugal e no Brasil em 1816, 1817 e 1818. Bahia:
Progresso, 1956.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 117


capítulo 6

Antropofagia em relatos de
viagem: uma análise de
Duas Viagens ao Brasil,
de Hans Staden
Mauro Lopes Leal

DOI: 10.52788/9786589932819.1-6
Resumo: O estudo em questão tem por escopo interpretar a obra
Duas Viagens ao Brasil, de Hans Staden, tendo em vista o fenôme-
no da antropofagia. Faremos uma apresentação dos relatos presentes
na obra, uma vez que Hans Staden foi cativo do povo Tupinambá,
o qual demonstrava interesse em canibaliza-lo. Desse modo, situare-
mos duas culturas distintas, a europeia e a dos povos nativos, lado a
lado, visando reconhecer diferentes possibilidades de interpretação do
mesmo fenômeno, a saber: a antropofagia. Contrapondo as duas cul-
turas, teremos a opção de entrever diferentes perspectivas de mundo,
partindo da distinção entre canibalismo e antropofagia, bem como,
entre antropofagia como um ritual sagrado (na perspectiva dos povos
originários) e a visão eurocêntrica, marcada pela fé e doutrina cristã, a
qual irá demonizar tal prática cultural.

Palavras-chave: Antropofagia; Relatos de viagem; Sagrado.

Introdução

Atos de canibalismo, ao contrário do que se acredita, não fazem


parte apenas de sociedades compreendidas, arbritariamente, como
culturalmente inferiores: relatos de semelhantes ações são recorrentes
na história de determinados países, como Grécia, Alemanha, França.
Mais do que o simples ato de alimentar-se de outra pessoa, o canibalis-
mo assinala valores e evidencia costumes que permitem uma compre-
ensão mais profunda do que se compreende por cultura e como esta,

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 119


não raro, está submetida aos padrões morais estabelecidos em uma de-
terminada época e que pode fazer parte da tradição de um grupo, uma
comunidade ou uma sociedade inteira.
Assim, este trabalho possui como objetivo abordar o fenômeno
social do canibalismo presente na obra de Hans Staden, denominada
Duas viagens ao Brasil, datada de 1557, cujo título original era: His-
tória Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis
Comedores de Seres Humanos, Situada no Novo Mundo da América,
Desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas Terras de Hessen até os
Dois Últimos Anos, Visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen,
a Conheceu por Experiência Própria e agora a Traz a Público com essa
Impressão.
Nesta, Hans Staden apresenta através de relatos o seu contato
com o povo Tupinambá, que, na ocasião, intentava canibalizar o aven-
tureiro e mercenário alemão. Desse modo, serão situadas lado a lado
duas culturas que se fundamentam em preceitos diversos, apontan-
do-se para a visão de Staden sobre os costumes canibais indígenas, o
que não significa uma primazia ou superioridade da cultura europeia
sobre a indígena, mas somente o estudo da compreensão de Staden
sobre o referido costume, permitindo-se o entendimento de uma cul-
tura sobre a outra.
De início, é preciso, para o prosseguimento do presente estudo,
efetuar a distinção propriamente dita entre antropofagia e canibalis-
mo: quando relacionado a rituais, cerimônias, práticas sociais cole-
tivas, o ato denomina-se de antropofagia ou canibalismo ritual. Já o
termo canibalismo significa a ação propriamente dita de alimentar-se,
por fome, principalmente, do corpo de um outro ser humano. Mas

120 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


também está relacionado ao ato de comer a carne de outro ser huma-
no motivado unicamente pela crueldade ou o desejo de aplicação de
um ato violento extremo.
Cada sociedade, ao seu modo, entendeu o canibalismo conforme
sua própria visão e compreensão do que vem a ser a ingestão da carne
de um adversário ou inimigo. No caso dos povos nativos brasileiros,
a questão do canibalismo também se apresenta de forma complexa,
pois, para determinados povos, como os Ianomâmis, a prática do cani-
balismo somente seria possível no sentido funerário, ou seja, quando
o indivíduo canibalizado viesse a falecer de forma natural. Já os Wari
possuem entendimento diverso, pois para tal tribo o canibalismo esta-
va fortemente interligado à questão da guerra, ou seja, da canibaliza-
ção de prisioneiros de guerra ou de valentes guerreiros.
Deste modo, tem-se vieses sobre a prática do canibalismo que o
tornam um costume complexo e variado, que adquire significados di-
ferentes e modos distintos de aplicação, pois dependendo da tribo, por
exemplo, a carne deveria ser proibida para determinados membros.
Ainda sobre os Yanomâmis, estes, segundo Jacques Lizot (1988), con-
sumiam apenas os ossos, que eram reduzidos a cinzas, e descartavam
a carne.
No que se refere aos relatos de Hans Staden, este insere-se na an-
tropofagia guerreira, pois, como se verá mais adiante, este combateu
os Tupinambás e foi feito prisioneiro.”.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 121


Hans Staden entre Tupinambás

Hans Staden esteve por duas vezes no Brasil: na primeira vez, par-
tiu da Alemanha para Portugal e deste para Pernambuco. Ao lado dos
portugueses nesta primeira empreitada, auxiliou-os na busca por pau-
-brasil e no combate às embarcações de nacionalidade francesa. Na
sua segunda viagem, Staden partiu de Sevilha em direção ao Rio da
Prata. Entretanto, a embarcação naufragou no litoral que atualmente
pertence a Santa Catarina.
Rumou para São Vicente com o intuito de fretar um navio que
deveria levá-lo a Assunção, mas este também naufragou. Salvou-se na-
dando até a praia juntamente com outros companheiros. Tornou-se
artilheiro dos colonos portugueses para defender o Forte de São Filipe
da Bertioga. Foi tornado prisioneiro ao sair para caçar acompanhado
de uma pessoa escravizada:

Quando eu estava andando na floresta, eclodiram grandes gritos dos dois


lados da trilha, como é comum entre os selvagens. Os homens vieram
na minha direção e eu reconheci que se tratava de selvagens. Eles me
cercaram, dirigiram arcos e flechas contra mim e atiraram. Então gritei:
‘Que Deus ajude minha alma!’ Nem tinha terminado estas palavras, eles
me bateram e empurraram para o chão, atiraram e desferiram golpes de
lança sobre mim. Feriram-me – Deus seja louvado – apenas numa perna,
mas me arrancaram a roupa do corpo, um deles o casaco, um outro, o
chapéu, o terceiro, a camisa, e assim por diante. (STADEN, 2008, p. 18).

O viajante alemão, desde o início da sua captura, torna-se objeto


de disputa entre os indígenas, que reclamam para si a posse do estran-
geiro, o qual será inevitavelmente canibalizado conforme as palavras e
ações dos próprios tupinambás:

122 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Perto dos barcos ainda havia uma grande quantidade de selvagens, e assim
que viram como eu estava sendo levado, todos acorreram na minha dire-
ção. Estavam, como é comum entre eles, ornados de penas e mordiam-se
nos braços para fazer-me entender de forma ameaçadora que iriam me
comer. À minha frente agitava-se um chefe com uma maça, como aquelas
que usam para matar os prisioneiros. (STADEN, 2008, p. 50).

Forçado a adentrar na canoa, Staden é agredido e vê-se, em de-


terminados momentos, como objeto de disputa entre os demais indí-
genas, que insistiam na divisão do prisioneiro, o que indicava que ele
deveria ser executado imediatamente:

Eram de várias aldeias e alguns estavam contrariados porque voltariam


para casa sem presa. Por isso discutiram com os que tinham a minha
posse. Alguns diziam que estiveram tão perto de mim quanto os outros,
por isso também queriam um pedaço de mim; portanto, eu deveria ser
morto na hora. (STADEN, 2008, p. 50).

Através do comportamento dos próprios indígenas, percebe-se


que a questão do canibalismo era para eles de significativa relevância,
pois como narra Staden, todos querem participar do banquete que ele
se tornará, algo que, para alguns grupos indígenas, deveria ser cum-
prido imediatamente com a execução do prisioneiro ainda na canoa.
Staden crê, portanto, que será executado naquele momento, contudo
o chefe considera a possibilidade de conduzi-lo à tribo para que a sua
presença fosse objeto de festejo dos demais membros da tribo:

Eu estava ali e rezava e olhava ao meu redor, porque esperava o golpe a


qualquer momento. Finalmente, o chefe que queria me guardar tomou
a palavra e disse que deviam me levar vivo para casa, para que seus
amigos também me vissem vivo e tivessem prazer comigo. (STADEN,
2008, p. 50).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 123


O evento do canibalismo possuía, antes de tudo, uma forte signi-
ficação social e política: ele evidenciava o caráter hierárquico da tribo,
pois apesar de ser um evento comunitário, haviam além daqueles que
não fariam parte do banquete, os que deveriam se alimentar após os
membros mais importantes da aldeia ou de outras aldeias, que foram
convidados para o banquete, o que realça o caráter também festivo de
tais eventos, e evidencia a solidariedade reforçada em tais momentos,
pois canibalizar um inimigo podia representar um ato de honra a um
parente, ou seja, o banquete adquiria um caráter de vingança; bem
como podia representar um momento de honra aos que se foram.
Desse modo, é evidenciado o caráter comensal do ato antropofá-
gico, comensabilidade esta que “[...] remete a uma das expressões da
solidariedade básica do grupo familiar ou da comunidade” (CASCU-
DO, 2004, p. 57).

Antropofagia do “outro” nos relatos de viagem

A importância das narrativas de viagem é inegável: é com estes


relatos, muitas vezes estruturados em forma de diários e cartas, que
se pode ter uma visão de como determinadas sociedades, como as in-
dígenas no Brasil, se estruturavam, quais costumes cultivavam, como
se modificaram ao longo do tempo, como viviam e, em alguns casos,
como deixaram de existir.

Evidentemente que tais relatos estão carregados de visões parti-


culares, sobre aquilo que o próprio viajante compreende como bom

124 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


ou ruim, certo ou errado, uma vez que se mostra impossível textos de
tais naturezas se apresentarem imparciais. Entretanto, estas narrativas
possibilitam ainda uma interpretação do passado remoto e imemorial
de uma dada comunidade, tribo ou de um povo inteiro.
O olhar sobre o outro traz ao grupo observado uma percepção
abalizada, algumas vezes carregada de preconceitos e distinções, que
fazem parte da interação entre sujeitos de diferentes grupos sociais.
O distanciamento também é de significativa proeminência, uma vez
que o contato entre sujeitos de civilizações distantes acentua o estra-
nhamento, a percepção que se tem sobre o outro e o julgamento que
se efetuará de ambos os lados. Assim, uma das características do relato
de viagem é a distância, o expressivo afastamento daquele que observa
e o que é observado.
Outro ponto a ser observado, é que a motivação para a realização
de tais viagens são as mais variados possíveis: questões referentes à guer-
ra entre duas ou mais nações, o controle comercial, o caráter científico,
a exploração de uma determinada região, e até mesmo o fator religioso,
uma vez que muitas expedições de missionários, com o intuito de ca-
tequizar, foram realizadas da Europa para o Brasil, buscando-se, dessa
forma, ampliar o controle religioso e expandir o número de novos de-
votos, em uma espécie de corrida não para salvar almas, mas estabelecer
determinado território como seu, a ser explorado e controlado.
Por isso, muitos autores desse tipo de narrativa eram “[...] explo-
radores que se colocavam a serviço de uma ou de outra dessas catego-
rias” (TODOROV, 2006, p. 67).
É através destes relatos, confeccionados também com o intuito
de fornecer informações a Europa sobre novas regiões, novos povos,

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 125


animais, plantas, apresentando ao homem europeu, orgulhoso da sua
cultura, outra sociedade, adentrando-se, deste modo, no outro, exóti-
co por vezes, que aguça a curiosidade e fomenta a imaginação:

Pode-se afirmar a existência de uma estética condizente com pontos


de vista de viajantes. A viagem sempre foi um meio eficiente, melhor
dizendo, um método pelo qual o sujeito deixa o âmbito cotidiano
e a esfera do mesmo para experimentar o outro ponto de vista, outra
visão, quer desvendando a diversidade do mundo quer colocando em
confronto o universo interior e exterior (BELLUZZO, 1994, p. 34).

O mundo mostra-se mais vasto do que se pensa com as narrativas


de viagem: o outro surge, ao sujeito europeu dos séculos passados, não
raro, sob feições horrendas, monstruosas, ou portador de uma moral
questionável, uma vez que este outro se encontra distante ou em com-
pleto estado de ignorância quanto ao aspecto religioso dominante,
ignorando-se dessa forma qualquer outro tipo possível de religião ou
simplesmente relegando-a arbitrariamente à nomenclatura de pagã.
O canibalismo, por exemplo, tão significativo para a cultura indí-
gena, é compreendido pelo homem do Velho Continente como uma
prática horrenda, satânica, antiga, uma vez que a compreensão deste
homem está impregnada da moral cristã e daquilo que o Cristianismo
considera sagrado, bem como correto e salutar:

[...] o canibalismo dos canibais, que será, a bel-prazer interpretado


como repugnante, vestígioso de um estado arcaico ou como uma cópia
caricatural de essência, evidentemente, diabólica; uma macaquice de Satã;
este como sabemos um plagiário nato. (LESTRINGAND, 1991, p. 20).

Cristóvão Colombo, ao representar os povos indígenas da Amé-


rica do Norte e a prática da antropofagia praticada por estes, inclina-se

126 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


a representá-los como medonhas criaturas de um olho só e que possuí-
am focinhos de porcos. Esta representação grotescamente exagerada e
deturpada de Colombo revela, dentre outras coisas, não apenas a visão
eurocêntrica de tal indivíduo, mas sua completa aversão pela pratica
do canibalismo, uma vez que para Colombo, tal povo que se lança
a esta prática não pode ser considerada como pertencente aos seres
humanos, mas algo puramente animalesco. Ou em um sentido sim-
plório, algo que está para além da própria natureza, pois uma criatura
com tais características não se encontra no plano do natural, mas do
diabólico, do deformado, do inclassificável.
Tal representação marca a percepção da cultura europeia acerca
dos mundos “recém descobertos”. Tudo isso por ser lido como exces-
so de imaginação, mas também, implicitamente, sob outro aspecto:
que os homens europeus estão em confronto com criaturas horrendas
e estão não apenas saindo vitoriosos, mas os estão sobrepujando, evi-
denciando dessa forma a superioridade da cultura europeia.
Hans Staden, por sua vez, segue em uma direção distinta: em suas
narrativas, nota-se a apresentação do canibalismo sob uma esfera an-
tropológica, posto que o viajante alemão retrata tais costumes inserin-
do-os em um caráter ritualístico, tal como o é de fato. Neste aspecto,
Staden apresenta os indígenas não apenas como animais vorazes que
se alimentam de carne humana, como outros viajantes o fizeram, pos-
to que reveste suas práticas de um caráter significativamente social:
“Então iriam me matar, cauim pepica, isto é, preparar bebida, reu-
nir-se, fazer festa e comer-me, todos juntos. Assim foi decidido e me
amarraram com quatro nós no pescoço” (STADEN, 2008, p.50).
Sua chegada na tribo é festejada desde o início entre os indígenas:

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 127


Muitas mulheres estavam empenhadas em arrancar raízes, e eu fui
obrigado a gritar-lhes em sua língua: ‘Aju ne xé pee remiurama’, isto
é: ‘Estou chegando, sou a vossa comida’. Desembarcamos. Nesse
momento, todos, jovens e velhos, saíram de suas cabanas, que ficavam
no morro, e queriam me ver. Os homens foram com seus arcos-e-flechas
para suas cabanas e entregaram-me às mulheres, que ficaram comigo.
Algumas andavam à minha frente, outras atrás de mim, enquanto isso
dançavam e cantavam uma canção, o que, segundo seus hábitos, fazem
perante o prisioneiro que querem comer. (STADEN, 2008 p.54).

Como se vê, há toda uma interação entre a tribo e o inimigo que


será canibalizado demonstrando que o ato de canibalismo para os
indígenas possuía um sentido muito mais profundo do que a visão
europeia cristianizada poderia auferir no caso dos Tupinambás. Espe-
cificamente, o ato de canibalizar o inimigo estava atrelado fortemente
ao ato de vingar amigos e parentes mortos por aqueles que são compa-
nheiros do prisioneiro, por isto, as agressões também fazem parte da
rotina daquele que será o objeto das práticas antropofágicas:

No interior da caiçara as mulheres se jogaram sobre mim, golpearam-


me com os punhos, arrancaram-me a barba e disseram na língua delas:
‘Xe nama poepik aé!’, ‘com este golpe vingo o homem que foi morto
pelos teus amigos’. Nisto me levaram para uma cabana onde tive de
me deitar numa rede, e mais uma vez vieram as mulheres e bateram em
mim, arrancaram meus cabelos e mostraram-me de modo ameaçador
como pretendiam me comer. (STADEN, 2008, p. 54).

Conforme Lestringant (1997), o termo antropofagia origina-se


do grego antigo anthopos, que significa “homem” acrescido de pha-
gein, ou seja, “comer”. A junção destes dois termos, portanto, pode ser
traduzida como “comer homem”. Tal prática está cercada de determi-
nado juízos morais, principalmente na atualidade, o que a classificam

128 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


como um ato monstruoso, pois o corpo, que pertenceu há um deter-
minado indivíduo, um ser humano, o outro, não deve ser violado ou
maculado desrespeitosamente mesmo quando destituído de vida.
Os rituais fúnebres, na modernidade, sobretudo, apropriam-se
do corpo no sentido de conceder ao mesmo um destino que seja digno
e respeitoso. Enterrar ou cremar são as duas formas mais usuais de se
encerrar a jornada do corpo na terra:

É válido destacar que a ritualística é a forma de se comunicar com os


deuses ou se relacionar com o sagrado, um ritual é composto pela união
de comportamentos padronizados que se distinguem de uma rotina do
ponto de vista comportamental, equivalente a diferença entre sagrado e
profano. Desse modo, os eventos religiosos são sempre rituais, mas nem
todo ritual é religioso ou diz respeito ao sagrado. (MERGULHÃO,
2020, p. 23).

Contudo, entre alguns povos indígenas antigos, a prática do ca-


nibalismo, inclusive dos seus mortos, era prática sagrada corriqueira,
pois ao se alimentar seja da carne ou das cinzas, estava-se demonstran-
do que o espírito do morto estava entre os vivos. Desse modo, perfa-
zia-se para com o morto, honra e absoluto respeito.
O próprio Staden presenciou, quando ainda cativo, a canibaliza-
ção de outros prisioneiros:

Tiraram no da cabana do chefe Guaratinga, e dois deles seguraram-no,


pois ele estava tão doente que não percebia o que pretendiam fazer com
ele. O homem a quem foi dada a incumbência de matá-lo avançou e
desferiu um golpe na cabeça de forma que os miolos saltaram para fora.
Depois deixaram-no em frente à cabana e quiseram comê-lo. Advertiu-
os que não o fizessem, pois era um homem doente e eles poderiam ficar
igualmente doentes. Aí não souberam o que fazer, até que veio um
homem da minha cabana e disse às mulheres que fizessem uma fogueira

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 129


junto ao morto. Ele cortou-lhe a cabeça, pois o Carijó só tinha um olho
e, devido à doença que o acometeu, tinha uma péssima aparência. Jogou
a cabeça fora e fez chamuscar o corpo sobre a fogueira para que a pele
se desprendesse. Depois retalhou-o e dividiu em partes iguais com os
outros, como é costume deles. Eles o comeram com exceção da cabeça
e das tripas, de que tiveram náusea, pois estava enfermo. (STADEN,
2008, p. 81).

Posteriormente, o mesmo fim tiveram alguns portugueses que


foram aprisionados:

Frente à minha cabana, bem perto, ficava a do chefe Tatámiri. Era


dele um dos cristãos assados, e, de acordo com o costume, mandou
os selvagens prepararem a bebida. Muita gente reuniu-se, beberam,
cantaram e fizeram uma grande festa. No dia seguinte, depois da
bebedeira, esquentaram mais uma vez a carne assada e a comeram. A
carne do outro, Jerônimo, no entanto, estava dependurada dentro de
um cesto, na cabana onde eu estava, e ficou sobre o fumeiro durante três
semanas, até tornar-se dura como madeira. (STADEN, 2008, p. 93).

Observa-se, com as descrições detalhadas de Staden, que o cani-


balismo entre os indígenas seguia regras claramente delimitadas e que
não deveriam ser rompidas, pois a tradição deveria ser mantida. A car-
ne humana consumida não é a mesma de outro animal qualquer, é a
de um inimigo, que deve ser respeitado.
Durante toda a narrativa do mercenário alemão, os prisioneiros
foram tratados de forma festiva, inclusive celebrando com a tribo e, se
assim o quisessem, também poderiam provar a carne de outros prisio-
neiros canibalizados, demonstrando-se deste modo que o canibalismo
adquiria inclusive um caráter de sagrado, pois mesmo do prisionei-
ro enfermo, como visto acima, a carne não poderia ser desperdiçada,
acentuando-se o aspecto religioso de tal ato: “O canibalismo ritual,

130 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


por exemplo, é o resultado de uma concepção religiosa trágica” (ELIA-
DE, 1992, p. 55).
O respeito pelo outro, que causou sofrimento à tribo e morte de
entes queridos, reforça o sentido ritualístico da antropofagia entre os
indígenas: não há em tal ato o desejo de pura vingança, de cobrar por
uma dívida através do simples sofrimento e da dor alheia. O inimigo
é alguém a ser respeitado, ao contrário de outras civilizações, inclusive
os próprios europeus, que em busca de expansão econômica e van-
tagens territoriais, saquearam, mutilaram e cometeram genocídio de
povos inteiros motivados somente pela ganância.
Os próprios Tupinambás tratavam os portugueses como inimi-
gos por já terem sido traídos por estes em outras oportunidades, como
explica Staden. Este, evidentemente temeroso da morte, observou o
canibalismo sob o olhar cristão: apesar de ter testemunhado tal prática
sob uma perspectiva mais apurada, ou seja, como um acontecimento
social para a tribo, Hans Staden também compreendia o canibalismo
sob o olhar da imagem criminosa, pecaminosa e como forma profana-
dora dos corpos de seres humanos. Desse modo, a antropofagia obser-
vada por Staden, que sempre intercedia pelos prisioneiros que seriam
comidos, era algo bárbaro aos olhos do mercenário germânico, uma
atitude animalesca e não civilizada.
Com o passar do tempo e da presença cada vez mais constantes de
jesuítas na terra da Santa Cruz, a prática do canibalismo foi aos pou-
cos cedendo aos preceitos religiosos e se tornando antinatural, brutal e
impiedosa, perdendo seu aspecto ritualístico e de sacralidade.
Ainda na atualidade, algumas tribos mantêm a prática da antro-
pofagia, mas em um sentido funerário, demonstrando a importância

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 131


da mesma para tais comunidades. Fora deste âmbito, o canibalismo
torna-se crime e está sujeito aos rigores da lei.

Considerações finais

O presente estudo, sobre a obra Duas Viagens ao Brasil, de Hans


Staden, abordou a questão da antropofagia presente nos relatos do au-
tor, observando-se tal prática como um ato de caráter social e religioso
para os indígenas, em contraposição ao olhar europeu, este muitas ve-
zes marcado pelos ditames religiosos do catolicismo.
A visão de Staden sobre o canibalismo não poderia ser outra:
condenou-a como um ato imoral e não cristão, negando aos povos
indígenas a sua representação particular de tal cerimônia. A ingestão
de carne inimiga, para os indígenas, como os Tupinambás, era uma
celebração na qual a tribo toda partilhava, demonstrando o caráter
primeiramente comunitário do canibalismo.
Matar pelo simples prazer de fazê-lo não fazia parte da cultura
de tais povos, que também situavam a antropofagia sob um aspecto
religioso. No decorrer de toda a sua narrativa, Staden apresenta a sua
visão cristã, argumentando aos indígenas que a prática do canibalismo
era algo que não está de acordo com os princípios estabelecidos pelo
Deus cristão, o que nada significava aos indígenas, que possuíam suas
próprias divindades.
No decorrer da sua narrativa, Staden apresenta a força do seu
Deus como única e insuperável, o que não poderia deixar de ocorrer,
pois como narrador, sua visão irá imperar sob as demais culturas dis-
tintas da sua, bem como as suas crenças.

132 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Contudo, à exceção destes detalhes, o exame do canibalismo en-
tre determinados povos indígenas brasileiros na narrativa de Staden
se mostra de significativa relevância, pois é posto em estudo a visão
de um povo sobre os costumes do outro, o estranhamento até mesmo
repulsa que a cultura de um determinado grupo provoca. Contudo,
é preciso observar que valores culturais devem ser respeitados e, por
mais estranhos que pareçam ao olhar alheio, precisam receber uma
percepção mais acurada e cuidadosa, pois fazem parte da multiplicida-
de de um povo e são artefato indelével da história do Brasil.

Referências

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Salvador: Fundação Odebrecht, 1994.
CASCUDO, Luís Câmara. Histórias da Alimentação no Brasil. São Paulo: ed.
Global, 2004.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Tradução Rogerio Fernandes. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.
LESTRINGAND, Frank. O canibal: grandeza e decadência. Brasília: Ed.
Universal de Brasília, 1997.
LIZOT, Jacques. O Círculo dos fogos: feitos e ditos dos índios Yanomami.
Tradução de Beatriz Perrone Moysés. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
MERGULHÂO, Bruna R. de Vasconcelos. O silêncio que fala: os ritos fúnebres
como performance e o cemitério como lugar de memória. 2020. Dissertação
(Mestrado em Antropologia). Ciências Humanas e Sociais, Instituto
Universitário de Lisboa, Lisboa, 2020.
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil.
Porto Alegre: L&PM, 2008.
TODOROV, Tzvetan. A viagem e seu relato. In: Revista de letras da UNESP.
São Paulo: v. 46, n. 1, 2006.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 133


capítulo 7

Literatura indígena brasileira


na sala de aula: uma proposta
interdisciplinar
Sanya Adelina de Andrade Morais

DOI: 10.52788/9786589932819.1-7
Resumo: Este trabalho visa auxiliar docentes de linguagens e códigos
às práticas pedagógicas da literatura indígena brasileira contemporâ-
nea, considerando em específico a aplicação da Lei nº 11.645/2008,
que menciona a obrigatoriedade do estudo da história e cultura in-
dígena e também afro-brasileira na sala de aula de educação básica e
respectivas literaturas. Como objetivos principais, intenciona-se a
princípio refletir sobre essa temática ainda pouco conhecida e traba-
lhada (como expressões artística na dança e objetos artesanais) por
profissionais dessa área voltada à literatura, tendo em vista que esses
docentes quando discentes universitários, não tiveram preparo bási-
co para essa abordagem em sua profissão; e instruir como a literatu-
ra indígena poderá ser aplicada de forma relevante em suas escolas.
Quanto à metodologia, decidiu-se pela abordagem quantitativa e com
procedimentos bibliográficos, tendo por fundamentação teórica, es-
tudos às práticas da literatura em sala de aula (DALVI et al., 2013)
bem como à Literatura Indígena Contemporânea (DORRICO et
al., 2018). Como resultado dessa pesquisa, observamos que ainda há
desconhecimento a abordagem indígena na escola voltada a produção
literária, tanto pelo corpo docente quanto pelos discentes. Concomi-
tante com essa informação, pode-se pensar, planejar e praticar uma
educação decolonial e significativa para ambos da comunidade escolar
com propostas didáticas, bem como ressaltar a relevância dos povos
indígenas em nossa construção cultural e identitária.

Palavras-chave: Literatura Indígena; Prática docente; Lei nº


11.645/2008.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 135


Introdução

A Literatura Indígena Brasileira é um fenômeno político-cultural,


com início em meados dos anos 1990, inserindo o ativismo, militância
e o engajamento de minorias à margem da sociedade historicamente
“apagadas”, aliando-se ao movimento indígena ao final dos anos 1970
como resposta aos projetos de expansão socioeconômica criados e im-
postos pelos governantes da época. Esse movimento literário tem como
base de conteúdo das produções estético-literárias, o relato-denúncia
de situações atuais e das situações ao longo da história desse país que os
excluem como forma de desvalorização de seu povo. Tendo em vista es-
sas afirmações, a Literatura Indígena Brasileira tem como meio a práxis
político-pedagógica de resistência, que marca o ativismo das próprias
vítimas dessa terra “descoberta e civilizada” pelo “colonizador”.
Na sequência dessas observações acerca não do que já sabemos
sobre literatura no mundo, mas sim, sobre o que a maioria dos bra-
sileiros acreditam saber sobre os povos indígenas, é preciso antes de
tudo, esclarecer o uso comum de palavras rotineiras e o estereótipo
da imagem que desvalorizam, marginalizam e excluem toda a riqueza
cultural e identitária dos povos originários.
Nesse sentido, afirma a pesquisadora Ana Lúcia Liberato Tetta-
manzy (2018) que é raro um brasileiro que, tendo passado por um
livro didático de História do Brasil, não conhece o quadro “Primei-
ra Missa no Brasil” (1861) do pintor Victor Meirelles. Nesse estudo,
Tettamanzy descreve o que vê nessa pintura, dando a perceber que
os corpos indígenas presentes, nada mais são do que “molduras” para
ornamentar a cena em questão.

136 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Quando pensamos em história do Brasil e falamos dos povos que
aqui sempre estiveram, nos vem à memória aqueles desenhos que sem-
pre estão nos livros didáticos ilustrando o índio aquele de corpo quase
nu, pele avermelhada, corpo pintado, descalço, etc. Essa palavra e es-
sas imagens que temos ainda hoje dos povos originários, são conceitos
pejorativos incluídos em nossa formação escolar ao longo dos anos, e
que nas últimas décadas, a partir desse fenômeno literário, temos ten-
tado desconstruir esses pré-conceitos.
Dando continuidade a essa afirmação, Daniel Munduruku
(2017) propõe que precisamos entender que não existem índios no
Brasil. “Índio”, palavra criada pelo colonizador que desvaloriza toda
a cultura e reduz a diversidade dos povos indígenas a um só povo.
Então, compreendemos que o uso dessa palavra ainda é comum para
identificar uma etnia, porém nega a existência da pluralidade de todos
os povos existentes nesse território. É correto mencionar Povos Indí-
genas1, e quando necessário, identificar qual povo essa etnia pertence,
como por exemplo: o povo Munduruku, o povo Krenak, o povo Ma-
cuxi, e assim por diante.
Com base nas informações que estão sendo aqui levantadas para
a reflexão de uso, é que desenvolveremos algumas ideias pedagógicas,
espelhando nos estudos de Daniel Munduruku (2017), Julie Dorrico
(2018), no que diz respeito ao que é a literatura indígena, possibili-
tando auxiliar docentes, especificamente da área de Linguagens e suas
Tecnologias às práticas da Literatura Indígena Brasileira na sala de
aula no Ensino Médio, assim como prevê a Lei nº 11.645/2008, que

1 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE 2010, existem 341
Povos Indígenas tanto em contexto rural quanto urbano (segundo a tabela de Povos/etnias).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 137


menciona a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena e
também afro-brasileira na sala de aula de educação básica e respectivas
literaturas. Já no âmbito pedagógico, usaremos as sugestões metodo-
lógicas propostas por José Helder Pinheiro Alves (2013), que defende
a necessidade de ampliar a variedade de leitura nas escolas para outras
manifestações literárias brasileiras de origem popular.

A literatura na sala de aula

Quando pensamos em trabalhar literatura em nossa sala de aula,


muitas vezes o tema já vem pré-selecionado no livro didático, outras
vezes, que é raro, o professor tem a possibilidade em escolher algu-
ma obra a ser lida e trabalhada com seu aluno. Algumas questões são
importantes de se pensar para planejar e abordar a literatura em sala,
como: qual é o papel da literatura na educação? O que sabemos sobre
literatura para ser desenvolvido com os alunos? O que podemos e o
que queremos desenvolver na escola com essa prática? Que literatu-
ra ensinar? Qual compartilhamento de valores será necessário con-
tribuir? Essas reflexões, dentre outras, são de suma importância para
que o professor de sala de aula (re)pense em seu planejamento sobre o
tema literatura, ainda mais, se essa literatura a ser trabalhada na escola
for a Literatura Indígena Brasileira.
Com base nessas indagações, o professor deve ser, antes de to-
das as suas funções escolares, um leitor, e também, dessa literatura em
questão, pois, o docente tendo o conhecimento da obra a ser trabalha-
da tanto da teoria quanto do conteúdo, poderá guiar a atenção do alu-

138 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


no para o texto e fazer com que levantem hipóteses e cheguem a inter-
pretações aceitáveis ou satisfatórias, tal como explica Annie Rouxel (et
al, 2013) em seu estudo sobre metodologias do ensino da literatura.
Tendo em vista, que o professor deve ser também um leitor para
que possa desenvolver e influenciar o discente no gosto pela literatura,
é que partimos essa pesquisa em forma de survey para averiguarmos o
possível conhecimento sobre a Literatura Indígena em algumas esco-
las do interior do Ceará.

A prática do ensino de literatura nas escolas do interior


do Ceará

Para a análise da hipótese dessa pesquisa de cunho quantitativa,


que verificará a frequência leitora, qual tipo de literatura costuma es-
colher, se já teve contato com a Literatura Indígena Brasileira e quan-
do, tanto docentes e discentes, utilizou-se um questionário online,
criado através da plataforma Google Forms e enviado o link aos gru-
pos das áreas por intermédio de algum professor das escolas e também
para alunos.
As perguntas voltadas a informações pessoais e profissionais/ es-
tudantis, totalizando 9 (nove) informações, tais como: sobre o gênero,
o nome da escola em que atuam, função na escola, se a escola aborda a
literatura em questão e como aplicam o tema.
Participaram desse questionário 35 (trinta e cinco) pessoas (par-
ticularmente, um número baixo, porém significativo para esse estu-
do) 22 (vinte e duas) se identificam no gênero feminino, 13 (treze) se

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 139


identificam no gênero masculino, e nenhum se identificou como no
gênero LGBTQIA+2. As cidades do Ceará que participaram desse
survey foram: Aiuaba, Crato, Juazeiro do Norte, Mauriti, e no critério
Outros, quando analisamos individualmente, houve uma participação
positiva de um docente do Estado do Pará. Em relação ao corpo esco-
lar, participaram 24 (vinte e quatro) estudantes, 10 (dez) professores e
apenas 1 (um) coordenador.
Dando continuidade à pesquisa, gerou-se gráficos para visualizar-
mos de forma ampla as seguintes informações:

Gráfico 1: Porcentagem de frequência de leitura.

Fonte: Elaborado pela autora (2022).

Observando de forma geral, percebemos que 37,1% das pessoas


que participaram desse questionário, são leitores com frequência óti-
ma, 5,7% não gostam de ler, e em empate, 28,6% leem às vezes, quando
é pedido na escola, e/ou quando alguém apresenta um autor ou livro.

2 De acordo com o portal de jornalismo CNN Brasil, essa sigla se tornou um acrônimo
para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queer, com um sinal “+” para reconhecer
as orientações sexuais ilimitadas e identidades de gênero usadas pelos membros dessa
comunidade.

140 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Partindo dessas porcentagens, resolvemos analisar de forma in-
dividual as respostas enviadas, e obtivemos os seguintes resultados: 6
(seis) estudantes responderam que sempre estão lendo algum livro, 16
(dezesseis) estudantes às vezes leem quando é pedido na escola e/ou
alguém lhes apresentam um autor ou livro, e apenas 2 (dois) estudan-
tes afirmaram que não gostam de ler. No caso dos professores, 6 (seis)
sempre estão lendo algum livro, e 5 (cinco) incluindo o coordenador,
às vezes leem quando é pedido na escola e/ou alguém lhes apresentam
um autor ou livro.

Gráfico 2: mostra a porcentagem do tipo de Literatura que se conhece.

Fonte: Elaborado pela autora (2022).

Como se observa nesse gráfico sobre os tipos de literatura conhe-


cidos pelos participantes, no ranking a Literatura Brasileira Clássica,
Literatura Brasileira Moderna e a Literatura Estrangeira Clássica, res-
pectivamente. Sem embargo, vemos também que outras literaturas
são mencionadas como a Literatura Indígena Brasileira por 8 (oito)
vezes e a Literatura de Autoria Negra por 4 (quatro) vezes, já que po-
deria ser escolhido mais de uma opção. É importante ressaltar, que

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 141


nesse gráfico individual das respostas enviadas, nenhum professor do
Ceará mencionou conhecer Literatura Indígena, e muito menos de
Autoria Negra, atribuindo então ao conhecimento apenas dos estu-
dantes os números validados.

Gráfico 3: mostra a porcentagem de tipo de Literatura escolhida para sua


leitura.

Fonte: Elaborado pela autora (2022).

Nota-se com esse gráfico, que mesmo dentro de sua escolha lite-
rária, a Literatura Indígena ainda é pouco mencionada. Autoria Bran-
ca, Autoria Negra e Autoria Feminista, comportam o ranking dessa
categoria. Das 5 (cinco) pessoas que mencionaram escolher autoria
indígena, 4 (quatro) são estudantes e apenas uma, professor, mesmo
assim, sendo de outro estado. Das escolhas feitas pelos estudantes para
leituras dentro dos últimos cinco anos, foram citadas as literaturas de
autoria negra, branca, indígena, feminista e LGBTQIA+, já nas es-
colhas dos professores e coordenador, mencionaram apenas, autorias
branca, negra e feminista.

142 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Gráfico 4: Porcentagem da abordagem sobre Literatura Africana na escola.

Fonte: Elaborado pela autora (2022).

O gráfico aponta um número igual na porcentagem, tanto para


os que afirmam nunca terem lido literatura de autoria negra na es-
cola, quanto para os que afirmam sempre lerem durante o ano essa
literatura em questão. Ainda dando ênfase aos resultados individuais,
9 (nove) dos 10 (dez) professores, mencionaram nunca terem lido na
escola literatura de autoria negra, contra apenas 7 (sete) estudantes de
um total de 24 (vinte e quatro) participantes.

Gráfico 5: Porcentagem da abordagem sobre Literatura Indígena na escola.

Fonte: Elaborado pela autora (2022).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 143


Encontramos nesse gráfico um número igual na porcentagem,
tanto para os que afirmam nunca terem lido literatura de autoria in-
dígena na escola, quanto para os que afirmam sempre lerem durante o
ano essa literatura em questão. Na perspectiva individual, dos 10 (dez)
professores, 9 (nove) afirmam nunca terem lido literatura indígena na
escola, contra 5 (cinco) alunos dos 24 (vinte e quatro) participantes.
A inferência que podemos fazer nessa pesquisa a partir desses da-
dos, é que os professores estão tendo menos contato com a variedade
de tipos literários que são ofertados, e que provavelmente, os estudan-
tes que tiveram contato com a literatura indígena na escola, tenha sido
através da própria curiosidade e/ou livros existentes e ofertados na bi-
blioteca de suas respectivas escolas.

A literatura indígena brasileira e a sala de aula

É notório que quanto mais experiência se tem na função docen-


te, mais o professor se sente confiante em abordar diversos assuntos
em sua sala de aula, amplamente amparado por variedades de teorias e
abordagens metodológicas no que diz respeito a temas do que se refe-
re a Educação. Não diferente, podemos citar no âmbito da literatura
vários livros que embasam esse estudo.
Contudo, voltados para a Literatura Indígena Brasileira, é rele-
vante indicar a base teórica sobre essa ótica e para quem se identifica
com o estudo das expressões estético-literárias das minorias, a obra
Literatura Indígena Brasileira Contemporânea, sob a organização da
intelectual de origem macuxi, Julie Dorrico et al, publicado em dois

144 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


volumes (2018; 2019). Nesse trabalho, podemos encontrar a singula-
ridade étnico-antropológica, a história de vida enfrentada por povos
indígenas citados. Assim como, textos de narrativas indígenas e textos
teóricos de não indígenas que reiteram a poética indígena no contexto
de outras linguagens. Essa indicação de leitura é para o aprofunda-
mento de conhecimento sobre a teoria dessa literatura.
Para a Formação Continuada Docente, indicamos como primei-
ra leitura, o livro Mundurukando 2: Roda de conversa com Educado-
res, de Daniel Munduruku (2017). Nesse livro, o professor que ainda
está experimentando os saberes dessa literatura indígena, começa a re-
fletir sobre muitas situações do nosso cotidiano que precisam ser (re)
pensadas ao uso de palavras e comportamentos discriminatórios no
que se refere aos povos indígenas. O autor dedica também um capí-
tulo apenas para abordar o que se entende como Literatura Indígena,
que assim, segundo o mesmo, “nasceu com o primeiro sopro vital e
criador. Foi crescendo Palavra e se transformando em escrita mais re-
centemente” (MUNDURUKU, 2017, p. 122), como indica outros
livros e autores indígenas.
No que diz respeito à metodologia de sala de aula, tenho como
base o estudo do professor José Hélder Pinheiro Alves (2013), que
afirma sobre a importância de se trabalhar a literatura popular no
meio escolar para ampliar saberes. Defende a literatura de cordel como
exemplo do que se ler em sala de aula, e articulando essa leitura com
outras obras de outras literaturas.
Pensando assim, juntamente com a metodologia comparativa
de obras a partir da literatura de cordel com outras obras e autores
pelo professor Hélder Pinheiro (2013), propomos a ser trabalhado a

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 145


escritora indígena e cordelista cearense, Auritha Tabajara, que teve seu
livro intitulado Magistério Indígena em Verso e Poesia (2007), consi-
derado como leitura obrigatória nas escolas públicas pelo Estado do
Ceará, (que apesar desse título, nas escolas, em sua maioria não exis-
tem exemplares para leitura) e o poeta popular, Patativa do Assaré,
também cearense, o livro Cante Lá que Eu Canto Cá (2014).
Abordando quem são os autores, e comparando suas poesias, po-
demos observar como falam de sua terra, como descrevem seu lugar,
o ambiente em que vivem, a luta de seu povo contra a seca e demais
situações que denunciam as desigualdades sociais. Desenvolvendo as-
sim, a leitura em voz alta, como sugere Alves: o folheto é para ser lido.
Ele pede voz (ALVES, 2013, p. 41).
Nessa perspectiva metodológica, trabalha-se dois grandes escri-
tores locais populares, de literaturas distintas na narrativa, porém se-
melhantes na poética escolhida. Em contra partida, pode-se abordar
outro gênero como crônicas, assim já escolhidas pelo escritor indígena
Daniel Munduruku, que as reúne em um livro chamado: Crônica In-
dígenas: para rir e refletir na escola (2020), outro meio didático para
nos auxiliar em sala de aula sobre a temática indígena.

Considerações finais

Nesta pesquisa, buscamos verificar sobre o conhecimento dos


docentes e discentes no que diz respeito a suas escolhas literárias e
abordagens nas escolas, principalmente se reconhecem a literatura de
autoria indígena. A escolha desse tema se deu, sobretudo, percebendo

146 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


a necessidade da Formação Continuada de professores da área de Lin-
guagens e suas tecnologias, na busca de conhecimento sobre a Litera-
tura Indígena Brasileira, uma vez que, a mesma já está prevista na Lei
nº 11.645/08 sobre sua aplicação e abordagem em sala de aula.
No entanto, esse estudo mostrou que mesmo com a Lei nº
11.645/08, dando obrigatoriedade à temática envolvendo tanto a
cultura indígena e afro-brasileira em forma de literatura, o desco-
nhecimento dos docentes ao assunto de ambas as literaturas ainda é
significante no que diz respeito tanto para ser desenvolvido em sala
de aula, quando para seu crescimento pessoal, afinal, como defende
o professor Hélder Pinheiro (2013), para que se trabalhe literatura,
o professor antes de tudo, tem que ser também um leitor (ALVES,
2013, p. 47).
Por fim, é preciso desenvolver formações aos professores dessa
área do conhecimento sobre essa literatura, já que nas universidades
formadoras de docentes, ainda se necessita também de profissionais
conhecedores dessa teoria. Cabe ao profissional de sala de aula, tam-
bém, essa busca pela atualização de suas práticas docentes e metodo-
lógicas.

Referências

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In: DALVI, Maria Amélia; REZENDE, Neide Luiza de; JOVER-FALEIROS,
Rita (org.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. p. 35-50.
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BRASIL, Presidência da República. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 147


Altera a Lei nº 9.394, [...], para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
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DORRICO, Julie; DANNER, Leno Francisco; CORREIA, Heloisa Helena
Siqueira; DANNER, Fernando (orgs.). Literatura Indígena Brasileira
Contemporânea: criação, crítica e recepção: Porto Alegre Editora Fi, 2018.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://
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MUNDURUKU, Daniel. Crônicas indígenas para rir e refletir na escola.
(Ilustração: João Montanaro). 1. ed. São Paulo: Moderna, 2020.
MUNDURUKU, Daniel. Mundurukando 2: sobre vivências, piolhos e afetos
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ROUXEL, Annie. Trad.: REZENDE, Neide Luiza de. Aspectos metodológicos
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TETTAMANZY, Ana Lúcia Liberato. Falas à espera de escuta. In: DORRICO,
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DANNER, Fernando (orgs.). Literatura Indígena Brasileira Contemporânea:
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148 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


capítulo 8

El género teatral y la
dramatización en clases de ELE:
reflexiones y acciones
Hernandes Baia Pires
Maria José Souza Lima

DOI: 10.52788/9786589932819.1-8
Resumo: Estender o tempo de exposição dos alunos a distintas situ-
ações de uso da língua estrangeira, é primordial para o êxito do pro-
cesso de ensino/aprendizagem. Pensando nisso, este trabalho busca
apresentar o gênero teatral e a dramatização como ferramentas capazes
de gerar o uso no contexto real da língua meta e até ser um meio pelo
qual pode-se trabalhar em sala de aula as quatro habilidades linguísti-
cas (leitora, escrita, escuta e fala) que são o objetivo de aprender um
segundo idioma (L2). Tendo o espanhol como língua meta e Cristina
Cebulski (2012) Juntamente com Hidalgo Martín (2012) como prin-
cipais contribuições teóricas e a obra “La casa de Bernarda Alba” de
Federico García Lorca (1936) como nosso objeto de exemplificação, o
presente trabalho busca atingir seu objetivo pela exposição da história
do teatro, bem como a relação direta que seu uso pode ter nas aulas de
ELE, através de uma análise bibliográfica, ou seja, uma pesquisa quali-
tativa; posteriormente, discorremos sobre nossas projeções em relação
a este estudo, as se pode resumir no desejo de gerar uma reflexão no
professores de ELE a respeito das ferramentas que temos disponíveis
para aperfeiçoar nosso trabalho docente e, por fim, encerra-se este tra-
balho concluindo que o Teatro pode ser uma boa ferramenta de ensi-
no/aprendizagem.

Palavras-chave: Teatro; Metodologia; Ensino/aprendizagem de ELE.

150 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Introducción

Pensar en la práctica pedagógica de enseñanza/aprendizaje de len-


guas extranjeras es, necesariamente, pensar en las diversas posibilida-
des que nosotros profesores somos capaces de otorgar en esta práctica.
Con eso, e ya involucrados a la temática de este trabajo, cuestionamos:
¿Nosotros (profesores) consideramos el Teatro una de esas posibili-
dades? ¿Qué alternativas metodológicas el Teatro puede ofrecernos?
¿Cuáles son las maneras de usárselo en clases de ELE? ¿Qué resultados
son posibles cuando se usa el Teatro en clase?
Estas preguntas van a ser contestadas a lo largo del desarrollo de
este trabajo, pero antes es necesario tener en cuenta que, según Ri-
chards y Rodgers (2001), desde el enfoque comunicativo para la en-
señanza/aprendizaje de segundas lenguas (L2) se ha planteado que los
aprendientes necesitaban ser presentados a un sistema de adquisición
lingüístico basado en las circunstancias más reales posibles de su uso.
Con eso podemos plantear que el Teatro es una alternativa capaz
de suplir a estos puntos del enfoque comunicativo porque con él es
posible trabajar, de forma contextualizada, la lectura (al leer las obras
llevadas a clase); el habla (al realizar la dramatización de estas obras);
la escucha (durante la representación el alumno tendrá que oír a su
compañero de escena) y la escrita (en caso de que el profesor proponga
una actividad de construcción de una pieza teatral).
Cada una de estas posibilidades conspiran juntas en el intento
de entregar al profesor la oportunidad de adaptar o, mejor dicho, de
acercar su metodología a las necesidades y/o potencialidades de sus

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 151


alumnos. Tal adaptación, cuando hecha de manera adecuada, logra a
su principal objetivo, que es el de hacer con que las ganas por el apren-
dizaje no sean despertadas de la nada en los estudiantes, sino que esta
nazca a partir de un punto promovedor de afinidad – por así decirlo –
entre el alumno y el contenido que se está aprendiendo por medio de
los métodos de enseñanza usados en clase por el profesor.
Todo lo ya mencionado anteriormente, hace referencia al hecho
de que el contenido que se debe enseñar se ubica en el mismo sitio
que cómo enseñar. Por eso buscamos conducirles a reflexionar sobre
los caminos que se pueden trillar a la hora de enseñar una segunda
lengua, más precisamente, tratamos del Teatro como contenido (el
género teatral) igual que como instrumento (la dramatización) de la
enseñanza/aprendizaje del español como lengua extranjera.
De este modo el presente trabajo se desarrolla con el presupues-
to de presentar el género teatral y la representación dramática como
herramientas que los profesores de español como lengua extranjera
pueden lanzar mano a la hora de impartir sus clases según la intencio-
nalidad del enfoque comunicativo de la lengua. Sin embrago, para que
todo quede bien aclarado, inicialmente vamos a hablar de la historici-
dad del Teatro (sus orígenes y desarrollo histórico).
En seguida, discutiremos sobre la relación que tiene y/o que pue-
de desarrollar el teatro en el proceso de enseñanza/aprendizaje de ELE;
a continuación, tratamos de criterios de elección para una pieza teatral
(esto se comprueba con el uso de la obra “La casa de Bernarda Alba”
de Federico García Lorca); posteriormente, hacemos nuestras consi-
deraciones a respecto de este estudio y lo concluimos.

152 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


El teatro

La comprensión de lo que es el Teatro (como acto representacio-


nal igual que como género literario) tiene que ver, primordialmente,
con la necesidad que los seres humanos poseen desde sus orígenes, de
transmitir a otros su realidad, sus conquistas e incluso sus proyeccio-
nes – esto vemos en la historia desde las pinturas rupestres de las ca-
vernas – y junto a dicha necesidad surge el acto de la representación
como una forma de suplirla.
La acción representacional que se desarrolló por la historia de la
humanidad ha sido nombrado como Teatro que, según el diccionario
electrónico de la Real Academia Española1, es una palabra provenien-
te del latín theātrum, y esta del griego. θέατρον théatron, de θεᾶσθαι
theâsthai que hace referencia al verbo ‘mirar’. O sea, el Teatro es la
manifestación representativa de lo que uno mismo conoce, vive o ima-
gina presentada por él frente a otros individuos; además de eso, el dic-
cionario Señas (2010) configura el Teatro como género literario de los
dramas u obras compuestas para ser representadas en un escenario.
Por la historia el teatro se ha utilizado como complemento de
celebraciones religiosas, como medio para divulgar ideas políticas o
para difundir propaganda a grandes masas, como entretenimiento y
también como arte, pero también se conoce como teatro el edificio
donde se representan las obras dramáticas. (FERNANDES, A., 2004,
p. 1). Por eso creemos que el Teatro tuvo papel significativo en el desa-
rrollo de la humanidad por entre las grandes épocas históricas, (Edad

1 Disponible en: https://dle.rae.es/teatro?m=form.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 153


Media, el Renacimiento, las Vanguardias, el Modernismo, etc.) como
veremos a seguir:

Desarrollo histórico del Teatro

Hablar de la historicidad del Teatro no es una tarea sencilla, pues-


to que algunos estudiosos están seguros de que las primeras manifes-
taciones artísticas de la humanidad provienen de las danzas prehistó-
ricas (FERNÁNDEZ, M., 2010) y de estas no se tiene registros que
se puedan comprobar. Todavía se supone que el Teatro tuve su inicio
debido la necesidad que los primeros hombres y mujeres tenían de
imitar/representar a algunos fenómenos naturales que los seres huma-
nos so sabían explicar (la lluvia, el rayo, el día, etc).
Cebulski (2012) afirma que conocer los orígenes del teatro es ubi-
carse, históricamente en el periodo de la Antigüedad y geográficamen-
te en el Mar Mediterráneo en cuyas orillas se desenvolvieron variadas
civilizaciones que realizaban representaciones teatrales relacionadas a
ceremonias religiosas. Todavía la concretización de lo que actualmen-
te nosotros conocemos como Teatro empezó en la Grecia antigua,
donde los griegos celebraban rituales religiosos muy “extravagantes”.
El dios del vino y de la vegetación, Dionisio recibía de los atenienses
ritos a su honor; tales rituales se constituían por un coro llamado diti-
rambos2, cantos y danzas a través de los cuales se contaban la historia
de la deidad homenajeada. Con en el tiempo el coro se dividió y estas

2 Del lat. dithyrambus < gr. dithyrambos, composición poética en honor al dios Dioniso
(Grecia) o Baco (Roma) Disponible en: https://es.thefreedictionary.com/ditirambo.

154 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


respondía una al otra liderados por alguien llamado corifeo/jefe que, a
sus veces, dialogaban y con eso surgió lo que hoy conocemos como los
personajes. (PERÚ, 2007, p. 5).
La referida implementación de personajes proporcionó al Tea-
tro su caracterización como género literario, en verdad, el dramático
donde la “voz narrativa” es entregue a los personajes que cuentan la
historia por medio de diálogos o monólogos. Este género literario, a
su vez, es dividido en dos modalidades (la tragedia y la comedia) que,
por Abaurre, Abaurre y Pontara son descritas de la siguiente forma:

En el inicio, la tragedia hacía referencia a dramatización que presentaban


acciones humanas que simbolizaban la trasgresión del orden en el
contexto familiar o social. El elemento trágico, por definición, era la
pasión (pathos) que llevaba a los seres humanos a portarse de modo
violento e irracional y, de esta manera, ignoraban las leyes humanas o
divinas que organizaban la vida. (…) el origen de la comedia es el mismo
de la tragedia: los festivales realizados en honor a Dionisio. Algunos de
estas fiestas ocurrían durante la primavera y solían presentar un cortejo
de mascarados. Tales cortejos recibían el nombre de komos y de ellos
provienen el nombre comedia (…) ellos iban por los campos danzando,
cantando y recitando poemas jocosos en los cuales satirizaban
personalidades y acontecimientos de la vida pública. (ABAURRE,
ABAURRE Y PONTARA, 2008, p. 50; Traducción nuestra).

Ya en el siglo IV a.C., con la expansión del Imperio Romano,


Grecia se quedó bajo su dominio y los romanos acabaron por apro-
piarse de algunos de sus costumbres culturales hasta provocar una
mezcla de las dos culturas (cultura grecolatina). Hasta el siglo II d.C.
la pasión por el teatro se desarrolló de tal manera que hasta las san-
grientas luchas de los gladiadores se organizaban de modo teatral. En
este momento la censura por parte de la Iglesia emerge gracias a la gran
inclinación del pueblo para la obscenidad reflejada en estas luchas.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 155


La caída del Imperio Romano en 476 d.C., junto a dicha inter-
vención – muy fuerte y presente – de la iglesia católica en todos los
ámbitos de la sociedad, incluso en los espectáculos, caracteriza La
Edad Media (siglo V al XV de la era cristiana)3. Para mejor compren-
der el Teatro de esta época Cebulski (2012) la divide en dos partes: la
Alta y la Baja Edad Media:

En la Alta Edad Media, el teatro heredado del período clásico greco-


romano, ya en débil declino, fue abiertamente combatido por la Iglesia
Católica, (…) limitando así, el hacer teatral. (…) Sin embrago, el teatro
empieza a resurgir, brotando en la baja Edad Media, cuando justamente
la iglesia se acerca a él para educar los fieles – la mayoría analfabetos – en
la doctrina cristiana. (CEBULSKI, 2012, p. 23. Traducción nuestra).

Canavaggio (1994), en el primer volumen de Historia de la li-


teratura española4 reafirma el declino del teatro español en la Edad
Media cuando habla que este posó por “un momento de ausencia, de
casi desaparición”, según el autor, en este periodo:

La crítica sostenía que la tradición occidental avalaba la existencia de un


teatro que, en Francia, en Inglaterra y en Alemania, había presentado
diversas formas, litúrgicas o semilitúrgicas. Ese tipo de teatro, por lo tan-
to, tenía que haber existido en Castilla debida esta misma tradición. Se
aludía a las dificultades de la conquista para explicar la ausencia de tex-
tos, aun cuando en España oriental, en Cataluña, sobre todo, sí se había
conocido el desarrollo precoz y continuado de un teatro religioso cuyos
textos han llegado hasta nosotros. (CANAVAGGIO, 1994, p. 231).

Lo que hace Canavaggio más aún es poner en relieve que el Tea-


tro español surge vinculado al culto religioso. Miguel A. Fernández

3 Cebulski (2012, p. 23).


4 Se trata de una colección de seis obras organizadas por Jean Canavaggio. Los volúmenes I
y II fechan de 1994 y los demás de 1995.

156 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


(2010) nos habla en sus escritos que la representación de la muerte y
resurrección de Cristo en la miza caracterizaba el drama de la época;
de este periodo los primeros diálogos fueron creados por los clérigos
y completamente basados en la Biblia y sus representaciones cada vez
más largas y con elementos profanos y cómicos añadidos acaban por
salir de las iglesias y comienzan a realizarse en lugares públicos.
De esta época también figura el conocido Teatro Medieval Profa-
no. Cebulski (2012) lo fecha alrededor del siglo XIII y dice que este se
realizaba en lugares públicos, detenía temáticas cómicas y contaban y
cantaban las historias del cancionero popular, escenando monólogos
dramáticos que imitaban el tipo borracho, el loco y otros.
Históricamente cerrado el periodo de la Edad Medieval, se inicia
el del Renacimiento (un tiempo histórico y un movimiento cultural,
intelectual y artístico) que se extendió por los siglos XVI y XVII. En
este periodo, según Cebulski (2012):

(…) algunas ciudades de Europa sufrieron fuertes cambios culturales,


sociales y económicos, los cuales fueron promovidos por la invención
de la imprenta, por las grandes navegaciones y descubrimientos, y aún
por la reforma protestante, la nueva religión de la burguesía industrial
y de los intelectuales. (CEBULSKI, 2012, p. 31. Traducción nuestra).

Además de eso, la autora discursa sobre el teatro citando que él


ha sufrido cambios ligados a la creación y recreación de distintas mo-
dalidades dramáticas por cuenta de las particularidades de cada región
en las cuales él estaba presente. Por la consecuencia del estilo de vida
de esta época, que se localiza en las grandes ciudades como Paris, Lon-
dres, Madrid y otras, surgen las compañías regulares de teatro.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 157


Estas exhibían influencias directas de la cultura greco-romana;
incluso porque el periodo Renacentista se caracteriza como un mo-
vimiento de retomada o del renacimiento – como sugiere su nom-
bre – de dicha cultura. Estos grupos teatrales “alejándose de los dog-
mas religiosos se acercaban a la filosofía humanista, que preconizaba
el hombre como el centro de todas las cosas – el antropocentrismo”
(CEBULSKI, 2012, p. 31. Traducción nuestra).
Ya en el siclo XVIII, tres grandes marcos históricos inician la
contemporaneidad: las Revoluciones Industrial, Americana y Fran-
cesa. Estos cambios que se extendieron por los ejes económico, social,
científico y cultural tuvieron como sus generadores la burguesía. En
este periodo el teatro se dividió en dos distintas manifestaciones: el
teatro burgués (intentaba hacer el público conmoverse por medio de
su tono de voz) y el teatro romántico (tenía por objetivo despertar
nobles sentimientos en el publico).
Ahora, en el siglo XIX nuevas formas de dramatizaciones, de in-
terpretaciones y nuevas concepciones de representaciones emergen.
Este periodo ha sufrido influencias de los movimientos Realistas y
Naturalistas y sobre eso Cebulski (2012) nos dice que:

En el teatro, el Realismo empieza en Francia, desde la constatación


de que el dramaturgo debe mirar hacia el mundo y para la sociedad
que lo constituye, analíticamente, transponiéndolos para el palco si
distorsiones o retoricas. De esta manera, (…) pasan a frecuentar los
palcos, temas y tipos humanos más verdaderos. (…) El Naturalismo
fue, para todas las artes, la exacerbación de las concepciones estéticas
del Realismo y defendió ideas y métodos científicos para el arte,
presentando el comportamiento de los personajes condicionados por
rasgos heredados y por el carácter histórico-social. (CEBULSKI, 2012,
p. 47 – 53. Traducción nuestra).

158 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Por fin, llegamos al siglo XX, es decir, a la contemporaneidad.
Desde la segunda década del siglo las manifestaciones teatrales sufrie-
ron influencias en distintas regiones: en Europa sucedieron por las
Vanguardias, en Rusia por la Revolución Rusa (1517), ya en Inglate-
rra y en Alemania sucedieron respectivamente, por diversas influen-
cias, la creación del “teatro del absurdo” (sin objetivos) y del “teatro
épico” que buscaba desmitificar la sociedad. La presencia del existen-
cialismo europeo en el teatro también fue posible por dichos influjos.
Para cerrar este tópico, creemos que es imprescindible mencio-
nar el espacio escénico y su desarrollo (como se muestra en la ima-
gen abajo). Según los escritos de PERÚ (2007) las dramatizaciones,
inicialmente (en la época del Teatro clásico), se representaban en las
plazas públicas bajo toldos y tiendas, en seguida se escenificaba en edi-
ficaciones localizadas en las ciudades más importantes y estos espacios
solamente objetivaban tener en su interior la realización el acto repre-
sentativo.

Imagen 1: Disposición del modelo de teatro griego.

Fuente: https://bit.ly/40jzpS4.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 159


La forma de dichos espacios fue, en un primer momento, de una
área circular y plana llamada orquestra (lugar donde se baila) que los
coros usaban para ejecutar sus danzas. Posteriormente, alrededor de la
orquestra se construyeron graderías semicirculares, reforzadas con pie-
dras nombrado de theatrón5. En estos lugares era posible acomodarse
en torno de quince a veinte mil espectadores. Ya el escenario como
lo conocemos hoy día nació a partir de un espacio existente entre las
tiendas y/o toldos que se amaraban en las plazas para los actores (tenía
una forma rectangular) y la orquestra. Además

Conforme los actores ganaban importancia y la del coro disminuía,


los escenarios se fueron agrandando y tomando parte del espacio de la
orquesta. Además, se erigieron tres niveles que separaban a los grupos
participantes en la ceremonia: en el más bajo se situaba el coro; en el
intermedio, los actores, y en el más alto, los dioses. (PERÚ, 2007, p. 7).

En síntesis, según el transcurso histórico del teatro como el acto


de la representación que hemos visto, él ha sufrido diversos cambios
en razón de variados hechos o, mejor dicho, variadas influencias hasta
llegar a las configuraciones que nosotros conocemos en la contempo-
raneidad. Todavía, creemos que ahora nos hace falta saber – más deta-
lladamente – cuales son los rasgos principales del teatro como género
del campo de estudio literario y eso, vamos a ver a continuación:

El teatro como género literario

La literatura es definida, por el diccionario Señas (2010), como


un arte que se expresa por medio de la palabra. Y existen diversas for-

5 Palabra griega que significa “lugar desde el cual se ve”.

160 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


mas de alguien expresar-se, lo que llévanos a pensar que la literatura
detiene esta misma diversidad. Esta afirmación posee su justificativa
en el hecho de la existencia de los géneros literarios que, a su vez, son
una ordenación de obras que comparten rasgos comunes, las cuales se
involucran en cuestiones de forma y de contenido. Criterios semánti-
cos, sintácticos, fonológicos, formales, contextuales, entre otros son
los que se usan para clasificar los géneros literarios, que básicamente
son divididos en tres, según nos ha escrito Aristóteles: El género épico,
el lirico y el dramático6.
El género dramático puede ser definido como el “género litera-
rio al que pertenecen las obras destinadas a la representación escénica,
cuyo argumento se desarrolla de modo exclusivo mediante la acción
y el lenguaje directo de los personajes, generalmente es un dialogo7.
Además de eso, el texto teatral es pensado para ser constituido de una
historia capaz de mantener vivo en el público el interés y eso es lo que
lleva a destacar la acción, el conflicto y los gestos de los personajes en
una ejecución representativa. Según Alonso Chamorro:

El teatro al fin y al cabo es una representación de la vida, una transmisión


de ritos y costumbres de una cultura. Como medio de comunicación,
el teatro se ha utilizado desde su nascimiento para contar historias,
para doctrinar a las personas o para tratar de que abran los ojos ante
situaciones intolerables. (ALONSO CHAMORRO, 2012, p. 12).

En este género, la voz narrativa es completamente entregue a los


personajes y los actores cuentan historias por medio de diálogos o de

6 Disponible en: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/generos-literarios.htm.


7 Disponible en: www.juanmanuelinfante.es.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 161


monólogos que son implementados, por los sentimientos (ALONSO
CHAMORRO, 2012). Con eso, es posible decir que el teatro es una
manifestación compleja ejecutable por media de la unión del texto
literario con elementos escénicos cuyos principales son la acción, el
tiempo y el espacio y, según la concepción de Aristóteles, estos tres
elementos constituyen las unidades básicas del teatro:

Corresponde al conjunto de acontecimientos que les suceden en


escena a los personajes durante la representación; es decir, el argu-
mento que se desarrolla ante nuestros ojos. Además, la acción dra-
mática se estructura de dos formas: la estructura interna que tiene
que ver con la tensión dramática y la estructura externa que dice
La acción respecto a la división de la obra en grandes apartados denomina-
dos actos. La acción teatral se establece, generalmente, a partir del
dialogo de intervenciones breves y encadenados entre los persona-
jes o por medio de un monologo que son palabras pronunciadas
por un personaje para si proprio, sin compañía en escena que no
sea la de su público.
Siempre es un tiempo concentrado, porque la representación
transcurre en tiempo real, ante los ojos del espectador. La división
de la obra teatral en actos es incluso una manera de ordenar el
El tiempo paso del tiempo. Los actos suelen desenvolverse en el transcurso
de un tiempo lineal y entre el final y el inicio de un acto se pue-
de insertar una elipse temporal: un tiempo que no se representa,
pero es imprescindible para el avance de la acción.
Este es el lugar o lugares en los que se desarrolla la acción. Se cons-
truye a través de las acotaciones escénicas8. Este “espacio” no debe
El espacio
confundirse con el espacio escénico, que es el espacio físico por el
que se mueven los personajes.

Los elementos supra citados son estrechamente involucrados con


los nombrados componentes escénicos que, a su vez, merecen un lugar

8 Son las indicaciones que escribe el autor sobre el modo en que debería llevarse la obra a las tablas.

162 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


de destaque por contribuyen con el espectáculo y por constituyeren
la escenificación. El vestuario (en concordancia con los estilos de la
época en que la historia se pasa), la música de fondo, la iluminación
adecuada y la escenografía bien adaptada a la obra que se está repre-
sentando son los más significativos componentes de esta naturaleza.
Además, para una comprensión efectiva de lo que es el Teatro,
resulta imprescindible acentuar la existencia de subgéneros dramáti-
cos en lo que dice respecto al teatro como género literario. La tragedia
tiene su fin – en la mayoría de las veces – bajo la muerte de uno o de
varios personajes, que generalmente son reyes, nobles o héroes, o sea,
seres superiores a nosotros9. Todavía, cunado los personajes de una
obra teatral son seres normales esta suele recibir el nombre de dra-
ma10.
Los demás de subgéneros dramáticos son: la comedia, que es
opuesta a la tragedia, sus personajes generalmente son gente del pue-
blo, personajes cotidianos no muy distintos de nosotros, la comedia
aprehende la acción teatral por medio de la risa; la tragicomedia es
caracterizada por establecer un medio camino entre la tragedia y la
comedia (Suelen ser tragicomedias aquellas obras de final desafortu-
nado en las que aparecen elementos cómicos y personajes de distinta
extracción social)11.
Como ejemplos de grandes obras teatrales que hacen referencia
a cada uno de los subgéneros dramáticos ya mencionados se puede
citar, respectivamente, a “La casa de Bernarda Alba” de Federico Gar-

9 Disponible en: www.juanmanuelinfante.es.


10 El DRAE define el drama como “obra de teatro o de cine en que prevalecen acciones y
situaciones tensas y pasiones conflictivas (https://dle.rae.es/drama?m=30_2).
11 Disponible en: www.juanmanuelinfante.es.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 163


cía Lorca; “El perro del hortelano” de Lope de Vega y “La Celestina”
o “Tragicomedia de Calisto y Melibea”, de Fernando de Rojas. Junto
a representación de estas grandes obras nacieron nuevos tipos de re-
presentaciones que se configuran como piezas breves, constituida de
rasgos cómicos, presentadas en los entreactos de representaciones más
extensas. El auto sacramental (poseía carácter religioso y era presen-
tada en solamente un acto) y la farsa (obra cómica, breve, y sin otra
finalidad que la de hacer reír) son los principales exponentes de dichas
representaciones.

El teatro en el sistema de enseñanza/aprendizaje

Sabemos que hoy día, en el proceso de enseñanza/aprendizaje,


distintos son los materiales que los profesores utilizan en sus clases
(libros didácticos, películas y series, músicas, aplicaciones de teléfono,
etc.). Bajo eso, buscamos exponer el papel que puede ser desarrollado
por la dramatización en clase, puesto que esta consiste:

(…) educación para la vida; las personas participantes no solo están


recibiendo conocimientos del lenguaje dramático, sino que al mismo
tiempo están ampliando sus posibilidades creativas, comunicativas y
de mediación en el mundo. El teatro resulta ser un aliado de primera
mano en la formación de un individuo. La expresión dramática como
actividad expresiva es siempre acción, por lo que constituye una
experiencia eminentemente práctica, que involucra un mundo en el
que se representa y, en consecuencia, se puede observar, pensar, analizar,
explorar y estudiar aquello que se está experimentando o se ha vivido.
Puede ser un hecho artístico, una creación colectiva y en todos los casos
es una experiencia de aprendizaje colaborativo, en la que cada cual juega
o desarrolla su papel, su función y aporte a la construcción individual y
colectiva. (DURÁN y FULLE, 2013, p. 13).

164 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Los puntos mencionados arriba testifican que el juego dramáti-
co12, la dramatización y el teatro son un medio por lo cual el aprendi-
zaje se vuelve efectivo en razón de que la dramatización no solo desa-
rrolla la vocación artística sino también la vocación humana, la parte
afectiva, la conciencia social, el potencial expresivo y comunicativo de
todos cuantos participen de ella. (DURÁN y FULLE, 2013).
La dramatización es una actividad que se puede usar en clase y
esta se ubica en medio a los métodos lúdicos de enseñanza/aprendiza-
je. La dramatización puede ser entendida como uno de estos métodos
porque su objetivo, según Durán y Fulle (2013), es “entretener al pro-
ducir y representar imágenes del contexto real con todas sus compleji-
dades y condensarlas en un contexto ficticio delimitado”. Además, la
expresión teatral involucra a todos cuantos participan de ella de for-
ma integral ya que se trabaja con el cuerpo, la voz, las sensaciones, los
pensamientos y las relaciones grupales, igual que la enseñanza de un
nuevo idioma, como veremos a continuación:

El uso del teatro en la adquisición de ELE

Pensar en la enseñanza de una segunda lengua (L2) es, necesaria-


mente, imaginar el aprendiente en un contexto de uso real de la mis-
ma, poniendo en práctica los contenidos teóricos que ya tenga visto
en clase, el Marco Común Europeo de Referencia para las Lenguas

12 Donde se combinan básicamente dos sistemas de comunicación: el lingüístico y la


expresión corporal.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 165


(MCERL) conceptualiza eso como propósitos comunicativos. En el
apartado que dice respecto a los usos estéticos de la lengua el MCERL
(2002) expone la representación de obras teatrales como una de las
posibles actividades de este uso.
Con eso y con todo la ya dicho anteriormente sobre el Teatro y la
dramatización, podemos percibir que ellos son mucho más que sim-
ples metodologías de las cuales el profesor puede lanzar mano a la hora
de impartir sus clases. Estos son la posibilidad real que nosotros tene-
mos de realizar una verificación – tras las clases de contenidos teóricos
– del desarrollo que nuestros alumnos han obtenido de la competen-
cia comunicativa que, de acuerdo con el MCERL (2002) comprende
a componentes lingüísticos, sociolingüísticos y pragmáticos.

Todos estos componentes pueden trabajarse a partir de la literatura


y, más concretamente, del teatro. La competencia lingüística incluye
destrezas léxicas, fonológicas y sintácticas que, como en todo tipo de
textos, pueden trabajarse con textos teatrales. (…) En lo referente a la
competencia sociolingüística, el teatro puede ayudarnos en el sentido
de que mediante las relaciones de los personajes de las obras dramáticas
pueden entenderse y practicarse ‘las convenciones sociales, así como
reflexionar sobre ellas (…) En cuanto a la competencia pragmática,
el teatro también supone un excelente recurso ya que la riqueza del
corpus de obras que puede trabajarse nos ofrece excelentes escenarios de
intercambios comunicativos y el trabajo sobre esta tipología textual, tan
completa por la cantidad de hablantes que intervienen en ella y por la
variabilidad de contextos y situaciones, nos ofrece un recurso magnífico
para trabajar la ironía, la parodia y los actos de habla (…). (HIDALGO
MARTÍN, 2012, p. 16-17).

Como podemos percibir, al usar el recurso teatral para desenvol-


ver la competencia comunicativa de los aprendientes se los ponemos
frente a la realización de un teste hecho por ellos mismo de sus habi-

166 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


lidades delante de actividades que exigen la necesidad de uso de dicha
competencia. Según el MCERL tales actividades corresponden a las
de comprensión, de expresión y de interacción, y sobre estas Hidalgo
Martín (2012) habla que:

Tanto la comprensión como la expresión en sus variantes orales y escritas


se ponen en uso en un taller de teatro. La lectura y comprensión de la
obra, de los compañeros y del profesor o director del grupo es esencial
para conseguir un buen producto. La expresión oral en actividades para
mejorar la dicción y la expresión escrita para hacer anotaciones, hacer listas
de materiales, escribir cartas, hacer resúmenes, etc. Ambas son primarias y
sin duda dan lugar y posibilitan la interacción que se da tanto en la ficción
de la representación como en la hora del taller de teatro entre compañeros
y con el profesor o director. (HIDALGO MARTÍN, 2012, p. 19).

Sin embargo, como todo y cualquier método que se puede añadir


al proceso de enseñanza/aprendizaje de ELE, el Teatro posee puntos
positivos y negativos en su aplicación en clase cuyas principales, en
acuerdo con Hidalgo Martín (2012), son:

Él presenta la posibilidad de transformación del espacio acadé-


Ventajas mico, la posición activa que el alumno toma y el desarrollo de su
creatividad y espíritu crítico.
Se refieren a la cohibición de unos estudiantes por la extroversi-
Desventajas ón de otros, el tiempo demasiado que exige la planificación de
actividades con este tipo de textos.

En práctica

La labor de seleccionar una obra para trabajarse en clase de ELE


es un proceso que ocurre bajo el procedimiento de análisis de unos

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 167


puntos principales que, nosotros tenemos por obligación hacerlo en
el momento de incluir la dramatización en nuestras metodologías de
enseñanza. Hidalgo Martin (2012) al discursar sobre esta temática nos
presenta las pautas que deben tener en cuenta en el proceso de elección:
La primera se refiere a la autenticidad de la obra, que puede ser
un escrito literario o una creación de los estudiantes, la segunda al len-
guaje presentada por ella que tiene que ver con la variación del idioma
y el periodo de la escritura, pesto que la lengua ha evolucionado a lo
largo de la historia. La tercera menciona que la pieza tiene que presen-
tar un eje relacionado con los intereses de los participantes (alumnos/
actores y profesores/directores).
Poniendo un paréntesis en el asunto, es importante destacar que
la actuación del profesor no se acaba después de que él haya elegido a
la obra para dramatizar, según Alonso Chamorro (2012) su papel de
fomentar la espontaneidad y la improvisación es continuo. Adaptar
las actividades al nivel y ritmo de aprendizaje de los alumnos, motivar
a los estudiantes a no solamente hacer preguntas, sino buscar por si
mismos las contestaciones, priorizar y valorar el proceso de aprendiza-
je y creación sobre el producto final también son atribuciones suyas.
Remitiéndonos otra vez al proceso de elección de una obra para
trabajar en clases de ELE veremos, a continuación, la efectividad de
este proceso en la explotación de cómo y porque nosotros optamos
por trabajar con La casa de Bernarda Alba, obra del escritor español
Federico García Lorca, publicada por primera vez en el ano de 1936.
Pero antes, creemos que existe la necesidad de conocer a García
Lorca, su autor que – según Carmen Guillen13 – fue no solamente

13 Disponible en: https://www.actualidadliteratura.com/breve-resumen-de-la-obra-la-casa-

168 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


un excelente poeta, sino un brillante dramaturgo e incluso él mismo
dibujaba los figurines para los vestidos de los actores, decidía sobre los
decorados de sus obras y además dirigía la representación. Su primera
obra teatral, “El maleficio de la mariposa”, se fecha de 1920. Los prin-
cipales temas de sus producciones son la lucha por la libertad, el amor
y la muerte.
Con La casa de Bernarda Alba no se pasa de manera distinta,
puesto que la trama se desarrolla – en resumen – bajo la tiranía moral
y la represión sexual que Bernarda ejercía sobre sus hijas (libertad).
Además, la matriarca se las impone un aislamiento social de ocho años
de luto por la muerte de su marido. El amor se presenta en esta obra
con la inserción del personaje de Pepe el Romano, un tipo dispuesto
a casarse con la hija mayor, Angustias, y que es el gran amor de la me-
nor, Adela. Al intentar sintetizar la obra, Nogueira (2016) afirma que:
Se trata de un drama dividido en tres actos, escrito en un momento
y en un contexto muy conturbado de la historia española, en 1936,
año en que tuve inicio la Guerra Civil y que García Lorca fue fusilado.
En un clima lleno de tensión, la figura de Bernarda Alba es presentada
en el convivio con sus cinco hijas, su madre y las empleadas de la casa.
(NOGUEIRA, 2016, p. 1. Traducción nuestra).

Lorca, típicamente, presenta en sus obras un personaje rebelde


en el que se presenta la oposición entre la autoridad y el deseo y en La
casa de Bernarda Alba este se refleja en Adela, que es quien ahoga las
ansias de libertad y de vida lo que genera una pelea continua con la
tiranía y exacerbación de las normas sociales que presenta Bernarda.
El desarrollo de la obra sucede bajo la siguiente estructura:

de-bernarda-alba-de-federico-garcia-lorca/.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 169


Al morir su marido, Bernarda Alba impone a sus cinco hijas
(Angustias, Magdalena, Amelia, Martirio y Adela) guardar luto
Acto durante 8 años seguidos. En medio de este ambiente opresivo,
primero Adela (la más joven de todas las hijas) se entera de que Angustias,
la hermana mayor, va a contraer matrimonio con Pepe el Roma-
no, con quien Adela mantiene relaciones en secreto.

Acto
La Poncia descubre la relación entre Adela y Pepe el Romano.
segundo

Adela se rebela y reclama su derecho a ser la mujer de Pepe el


Romano. Bernarda dispara contra él y dice que lo ha matado a
Acto tercero
pesar de haber errado su tiro. Adela, desesperada, sale corriendo
y se encierra dispuesta a quitarse la vida.
Fuente: https://www.actualidadliteratura.com/breve-resumen-de-la-obra-la-
-casa-de-bernarda-alba-de-federico-garcia-lorca/

Ahora que ya estamos familiarizados con la obra en cuestión, se


nos resta decir que la hemos elegido por el hecho de que La casa de Ber-
narda Alba atiende a las pautas que propone Hidalgo Martin (2012),
es decir, la obra de García Lorca es auténtica, posee un lenguaje extre-
madamente accesible por tratarse de un escrito de medias del siglo XX,
o sea, tiene un carácter de usabilidad que hoy día aún se aplica.
Además de eso, la obra presenta ideas muy planteadas en la actua-
lidad, como el deseo de la libertad (Adela), la imposición de normas
(Bernarda) y más allá de un drama, es una historia poseedora de ele-
mentos de amor, odio y muerte que, creemos, son temáticas que ha-
cen parte de las lecturas recurrentes de los lectores más asiduos. Y por
fin, La casa de Bernarda Alba no es un texto largo, lo que posibilita
que le trabaje por completo en clases de ELE.

170 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Consideraciones finales

En efecto, este trabajo ha tenido como objetivo principal generar


una reflexión acerca del acervo metodológico de los profesores de ELE
puesto que, en esta área de enseñanza, la monotonía se queda fuera de
cogitación y el texto teatral y la dramatización son elementos, o me-
jor, herramientas capaces de otorgar un nivel mucho mayor de apro-
vechamiento de la clase en que dice respecto al proceso de enseñanza/
aprendizaje.
Esperamos que los esfuerzos que nosotros aplicamos en la cons-
trucción de este articulo sean de gran ayuda a profesores que buscan,
más que transmitir conocimiento, promover el real y efectivo aprendi-
zaje de la lengua meta, en este caso de la lengua española, involucran-
do a sus alumnos al mundo hispánico a través de las metodologías ya
presentas.
Objetivamos que suceda, el proceso de inmersión lingüística y
cultural por medio del Teatro, tanto por el género literario como por
la dramatización propiamente dicha, puesto que, según todo lo que
hemos visto, el Teatro puede ser un gran amigo del proceso de ense-
ñanza/aprendizaje de la lengua española.

Referencias

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contexto, interlocução e sentido. São Paulo: Moderna, 2008.
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ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 171


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172 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


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Berlinder. ed. 3. São Paulo: WFM Martins Fontes, 2010.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 173


capítulo 9

Desarrollo de las estrategias de


comunicación en los procesos de
español como lengua extranjera
Cláudio José Dias

DOI: 10.52788/9786589932819.1-9
Resumen: Este trabajo tiene como enfoque el uso de estrategias de
enseñanza variadas para la enseñanza de lengua extranjera, de esta ma-
nera, objetiva comprender el proceso de la comunicación y la impor-
tancia de la oralidad en la enseñanza y aprendizaje, además de aclarar
algunas dudas sobre los métodos de enseñanza, así como las activida-
des y ejercicios que puedan ser realizados en este proceso, o como el
uso de estrategia de aprendizaje para viabilizar la enseñanza como un
todo. Para el alcance de los objetivos se optó por la metodología de
revisión de literatura, teniendo en vista que la pesquisa bibliográfica
posibilita el levantamiento de la producción literaria relativa al tema
abordado (SOUSA; OLIVEIRA; ALVES, 2021). Para que los facto-
res como la ansiedad, la falta de autoestima, la inhibición y la falta de
motivación presente en la adquisición de un nuevo idioma no per-
judiquen el aprendizaje de la lengua existen estrategias que ayudan a
perder el miedo a participar o a cometer errores, a sentirse en un am-
biente agradable y a formar parte de un grupo de mutua ayuda y coo-
peración, son el caso de las estrategias directas e indirectas. Así como
respecto a la aptitud, la personalidad y el estilo de aprendizaje se puede
destacar la relación que guardan con las estrategias de aprendizaje y
de comunicación, ya que estos tres factores determinan las estrategias
que usarán los aprendices tanto para asimilar el conocimiento como
para solucionar las limitaciones durante el proceso comunicativo.

Palabras claves: Oralidad; Enfoque; Estrategias de enseñanza/


aprendizaje.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 175


Contextualización

En la lingüística, estudiamos el uso de la lengua y sus áreas de


enseñanza, aprendizaje y adquisición de la lengua, y eso ha mereci-
do mucha atención en los últimos años. El principal abordaje ha sido
la comunicación que ha ocupado un lugar relevante en las pesquisas.
Pues, tanto el profesor como el alumno una vez que tengan contacto
en una clase tendrán una serie de tareas hasta que vuelvan a encontrar-
se de nuevo, el profesor va a evaluar, corregir, discutir, preparar, selec-
cionar y producir hasta que tengan el próximo encuentro y el alumno
hará las tareas, buscará ocasiones de uso, practicar, discutir, asociar,
pesquisar, etc.
La importancia de la clase de lengua extranjera es el contacto fase
a fase, ese muchas veces es el contacto inmediato de ambos con el idio-
ma, o quizás sea aún más para el alumno, pues nunca o muy poco
encuentra otro lugar para esa interacción, que no sea el contacto con
el profesor. Por eso, es importante estudiar estrategias que ayuden en
el desarrollo de la adquisición de una nueva lengua.
Las estrategias de aprendizaje son pensadas desde diferentes en-
foques y a partir de varios aspectos. Hay quien diga que es un proceso
por el cual cualquiera puede adquirir una nueva habilidad o nuevo
conocimiento, en este caso, basta la mezcla de experiencia con la en-
señanza, pero hay otros que piensan que es solo un cambio de con-
ducta que se adquiere con la experiencia o que es una consecuencia
del aprendizaje. Entonces las estrategias de aprendizaje son como un
camino maleable y consciente para alcanzar el beneficio de los objeti-

176 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


vos propuestos y para el proceso de aprendizaje con la utilización de
materiales y métodos adecuados.
Según Sánchez (2010, p. 5), eso puede ser visto de la siguiente
manera:

[…] El concepto de ‘estrategia de aprendizaje’ también se relaciona con


el enfoque comunicativo. Dicho enfoque lleva consigo una implicación
metodológica que ha de fomentar la independencia, la responsabilidad
y la capacidad de controlar el proceso de aprendizaje. En este sentido, la
función del profesor será ayudar a que sus alumnos consigan desarrollar
su propia autonomía. Con este fin, ha de fomentar y hacer que
reflexionen sobre los diferentes estilos de aprendizaje y la utilización de
las diferentes estrategias. El alumno ha de ser activo y participativo, ha
de autoevaluar su propio proceso de aprendizaje teniendo en cuenta sus
necesidades, intereses y objetivos. Cuanta más autonomía se tenga en el
aprendizaje, mayor competencia comunicativa se alcanzará. Y cuantas
más estrategias de aprendizaje se utilicen, más autónomo se llegará a ser.

En el campo de la educación han sido muchas las definiciones


que se han planteadas para explicar este concepto. Hoy en día se reco-
noce la importancia de las estrategias de aprendizaje no sólo por aque-
llo que abarcan recursos cognitivos que utiliza el estudiante cuando se
enfrenta al aprendizaje; sino, porque estas se manifiestan además en
la disposición y motivación del estudiante, así como en los procesos
metacognitivos que el sujeto pone en marcha cuando se enfrenta al
aprendizaje. Sobre eso Arias et al (1998) refiere:

[…] Hablar de estrategias suele ser sinónimo de cómo aprender,


también es verdad que las razones, intenciones y motivos que guían
el aprendizaje junto con las actividades de planificación, dirección y
control de todo este proceso constituyen elementos que forman parte
de un funcionamiento estratégico de calidad y que puede garantizar la
realización de aprendizajes altamente significativos.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 177


Aun según Arias et al (1999) las estrategias de aprendizaje son
como secuencias de procedimientos o planes orientados en dirección
a la obtención de metas de aprendizaje, mientras que los procedimien-
tos específicos dentro de dicha secuencia se denominan tácticas de
aprendizaje. De este modo, las estrategias podrían ser procedimientos
de un cierto nivel que están incluso diferentes técnicas o tácticas de
aprendizaje.
Ese trabajo nos hace entender que, a pesar de muchas veces el
estudiante haber recibido una enseñanza tradicionalmente fuerte,
basado en una perspectiva normativista existe muchas estrategias que
nos hace cambiar un poco esa idea y creer en un aprendizaje que for-
me un estudiante autónomo y crítico de la lengua, pues de esa forma
entenderá y asumirá su papel social, discursivo y libre en el mundo
en que vive. De esta manera, podemos percibir que el estudio de las
estrategias de aprendizaje revela una variación y enriquecedora forma
de actuar y comunicar.
Por lo tanto, enseñar y aprender una lengua con esta visión no re-
duce solamente esa rutina tradicional, sino que, principalmente, hace
realizar un trabajo significativo con una lengua que es viva y operante,
a pesar de sus variables manifestaciones y funcionalidad, siendo así,
aquello que parecía muy difícil y casi imposible en la adquisición de
una nueva lengua, pasa a ser algo más apetecible y posible de alcanzar-
se.
Los contextos en que se desarrolla el mundo actualmente nos in-
dican que las habilidades de comunicación son más decisivas que en
cualquier época para la enseñanza y aprendizaje de una lengua. Las ac-
tividades que planean los docentes a diario deben estar direccionadas

178 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


a desarrollar estas prácticas, ya que este mundo tecnológico, variable
y globalizado nos exige un nivel de comunicación oral tan alto como
de producción escrita, obligándonos a expresarse de manera clara, con
sentido y precisión, para desarrollar competencias comunicativas que
nos permitan comprender y explicar el mundo que nos rodea. Así
como dice Gonzales:

La lengua abarca una gran variedad de discursos que van desde los más
coloquiales, que son los que los niños aprenden de manera natural en
su entorno familiar y con los que algunos llegan a la escuela, hasta los
más formales que requieren de un grado de preparación, que suponen
un proceso de enseñanza y aprendizaje sistemático, continuo. Asumir
la enseñanza y el aprendizaje de habilidades orales que permitan
la construcción de sujetos participativos, democráticos, los cuales
demandan la construcción de una voz propia, el uso de la palabra
pública y el ejercicio de una atenta escucha. Por lo tanto, es imperativo
abrir espacios en el aula que tengan como propósito principal el trabajo
de la oralidad, desde los diversos géneros discursivos, en los cuales, las
normas, las reglas o pautas regulen las interacciones verbales. Donde las
situaciones que se provoquen sean de interés de los niños, con temas
también expresados y elegidos por ellos, y convertidos en escenarios de
preparación para enfrentarse a los diferentes tipos de interacciones de la
vida, dentro y fuera de la escuela. (GONZALES, 2018, p. 10).

Podemos observar que preparar al estudiante para que sea capaz


de interactuar oralmente fuera del ambiente restringido del aula de
clases, implica formarles para un desempeño satisfactorio en cuanto
a resolver problemas, tomar decisiones o establecer contactos sociales
con el nativo. Legítimamente, las exigencias de un proceso docente,
como lo constituye la enseñanza de una lengua extranjera, demandan
la necesidad de la inserción de elementos que contribuyan a que el
aprendiz emplee la estrategia de comunicación para resolver las difi-

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 179


cultades que se le puedan presentar durante la comunicación, mien-
tras que desarrolle sus habilidades no sólo para el uso de estas alterna-
tivas, sino también para fomentar su autoaprendizaje.
La comunicación es algo que siempre existió, mucho antes de ser
estudiada, y las palabras iban formándose según fuera necesario, pues
como dice Gadañón (1999) “Antes de profundizar en lo que es una
clase de conversación como tal, hemos de recordar que la riqueza de la
palabra, entendiendo por palabra tanto lo dicho como los silencios, es
enorme” (GADAÑÓN, 1999, p. 379), y sigue:

Siendo así, el lenguaje, en el más completo sentido de la palabra, es


muy impresionante pues no sólo sirve para enunciar, comunicar y
expresar o para presentar individualidades, pero también nos da poder
para influir en los demás y crear nuevas ideas, nuevas sensaciones de
dominio. Estamos, entonces, ante una de las peculiaridades que mejor
han definido al hombre y a su complejo entendimiento sicológico,
emocional, epistémico y social (GADAÑÓN, 1999, p. 380).

La oralidad, enseñanza/aprendizaje del español

Entonces con base en eso hemos percibido que, en la oralidad,


igual que en las otras competencias comunicativas, se completan per-
fectamente dos procesos: la emisión que podemos llamar de “habla”
y la recepción que podemos llamar de “escucha”. Podemos decir que
la oralidad es la primera herramienta del pensamiento que contribuye
a designar el mundo real y el mundo ficticio, lo que se ve y lo que no
se ve, lo concreto y lo simbólico. “Siendo así, en la oralidad es poten-
cialmente posible crear y recrear individuos, formas y significados.”

180 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


(“¿qué es la oralidad y para qué sirve?”) Por eso que el proceso grama-
tical es importante para conocer lo que se está hablando, la estructura
y la combinación de palabras, creando micro habilidades y estrategias
(LLACH apud BENÍTEZ, 2010).
Hasta ese momento, se observan variaciones entre las metodo-
logías de enseñanza de LE, casi siempre basadas en teorías lingüísti-
cas, psicológicas, pedagógicas o determinadas por contextos sociales.
La organización de los cursos de LE, independientemente de la base
adoptada, relaciona los contenidos desde los temas gramaticales, a
excepción del Método Nocional-Funcional que empieza a usarse
en 1972 y que presenta una transformación brusca de los objetivos
y prioridades establecidas para la enseñanza de LE (FERNANDÉZ;
MACIEL, 2007).

Estrategias de aprendizaje

“Estrategia” significa “el arte de dirigir las operaciones militares”.


En la actualidad ha perdido la expresión militar, avanzó a otras ramas
y está más relacionado con actuaciones realizadas para lograr un ob-
jetivo o solucionar un problema. Sobre eso Benítez (2010) comenta
sobre otros conceptos de la palabra estrategia:

Cuando trabajado al aprendizaje, la concepción pasa a referirse a los


procedimientos necesarios para procesar la información, es decir, a la
adquisición, a la codificación o almacenamiento y a la recuperación
de lo aprendido. En este sentido, ‘estrategia’ se vincula a operaciones
mentales con el fin de facilitar o adquirir un aprendizaje. En cuanto al
ámbito del aprendizaje de una lengua, nos vemos obligados a definir el

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 181


concepto de estrategia con la realización de una tarea comunicativa: si
aprender unos suplementos lengua es aprender a comunicarse con ella,
las estrategias para el aprendizaje de una lengua estarán en función de
entender, expresar o interaccionar. (BENÍTEZ, 2010, p. 6).

Quiere decir que no solamente las estrategias de comunicación


son suficientes, sino que, como señala Fernández apud Benítez (2010,
p.7) “vamos a necesitar tanto estrategias generales o comunes a otro
tipo de aprendizaje (de tipo cognitivo o afectivo, por ejemplo) y otras
específicas, que son las que conocemos como las propiamente comu-
nicativas.”

Clasificación de las estrategias

Uno de los principales problemas con los que nos encontramos


a la hora de programar los contenidos estratégicos para el aprendizaje
es la dificultad de su clasificación. La ardua tarea supone ofrecer una
clasificación única de las estrategias debido a que depende de diferen-
tes criterios y decantarnos por una clasificación supondrá desechar o
eliminar unas estrategias u otras ya que estas diferentes clasificaciones,
en ocasiones, no se excluyen, sino que se complementan (BENÍTEZ,
2010, p. 13). Segundo las varias clasificaciones posibles existentes, se
hace necesario una clasificación que pueden ser más interesante a la
hora de tener una visión general de tema.
Desarrollar las estrategias es la capacidad de entender y hacerse
entender en la lengua que se aprende, la comunicación oral o escrita se
constituye en una destreza o habilidad de comunicación que no tiene

182 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


sentido sin la comprensión, sin el procesamiento y la interpretación
de lo escuchado. También implica la interacción y la dirección en que
un contexto es compartido, dependiendo de la situación por la cual
deben negociar los significados, por lo modo que hablamos e interpre-
tamos la expresión oral, la lectura y la escritura.
Por medios de las actividades cotidianas podemos detectar que
el uso de la lengua oral va sufriendo cambios a los nuevos medios de
comunicación, también por los nuevos hábitos de la sociedad moder-
na, por eso el método de las estrategias es hacer con que lo estudiante
empiece a pensar en la nueva lengua y construya un nuevo sistema
lingüístico independiente del de su lengua materna. En este caso, para
tener la formación de un alumno autónomo y dinámico el uso de las
estrategas de aprendizaje es de suma importancia para que sea inclui-
do en este proceso, y también para facilitar la realización de su apren-
dizaje.
R. OXFORD (2003) divide las estrategias de aprendizaje en dos
clases o grupos “estrategias directas e indirectas. En el primer caso se
habla de procesar y usar lenguaje. En el segundo caso, existe una preo-
cupación por el seguimiento el aprendizaje”.
Cuando hablamos de la clase estrategias directas se percibe que
se dividen según sus funciones en tres tipos: estrategias de memoriza-
ción, estrategias cognitivas y estrategias compensativas. Las de memo-
rización ayudan al alumno a crea imágenes mentales que sirvan para
tomar conciencia de que sentido está transmitiendo de esta forma la
información que se visualiza y transcribe en forma de palabras. Las
cognitivas sirven para ayudar en el proceso de la información del texto,
analizando palabras, buscando siempre patrones de lenguaje, y, por

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 183


otro lado, las compensatorias ayudan al aprendiz cuando le falta cono-
cimiento o cuando no recuerda lo que ha sido estudiado previamente.
Y la clase denominada estrategias de aprendizaje indirectas se sub-
dividen en tres tipos que son: metacognitivo, afectivo y social. Según
Benítez (2010) las metacognitivas son posto en escena que ayudan en
la organización y también en el aprendizaje, reutiliza y establece la re-
lación con los contenidos ya aprendidos, también establece el objetivo
de la finalidad de las actividades, haciendo en cierto modo una au-
toevaluación y la búsqueda para practicar. Por otro lado, las afectivas
ayudan al aprendiz a lidiar con sus emociones con la ansiedad que tie-
ne con relación al aprendizaje de la lengua, esta estrategia también es
muy importante porque ayuda en la motivación y reflexión, teniendo
siempre un pensamiento positivo en relación con el aprendizaje. Y las
estrategias sociales ayudan los estudiantes a interactuar con sus com-
pañeros, desarrolla la comprensión cultural y toma conciencia de los
sentimientos y pensamientos de los demás independente de su nivel
intelectual.
De esta forma, como señala Arias (1999, p. 429):

Al servicio de las estrategias de aprendizaje existen diferentes tácticas


o técnicas específicas para lograr las metas de aprendizaje, donde hace
falta la puesta en acción de ciertas destrezas o habilidades que el alumno
posee, muchas de las cuales no necesitarán de mucha porción de
organización, planificación y de reflexión en el momento de ponerlas
en funcionamiento, debido a que gracias a la práctica y al aprendizaje
anterior obtenido ciertas destrezas y habilidades se encuentran
automatizadas.

184 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Consideraciones finales

Una vez que el estudiante adopta un enfoque de aprendizaje frí-


volo, tiende a retener y memorizar mecánicamente los detalles y he-
chos sin tener en cuenta las relaciones estructurales inseparables en las
informaciones que están siendo aprendidas, con los resultados emo-
cionales o afectivos de sentimientos de insatisfacción, aburrimiento o
un cierto rechazo por el trabajo y el esfuerzo que ellos suponen. Pero,
si el estudiante adopta un enfoque de aprendizaje profundo pasa a
comprender la complejidad estructural de la tarea y pasa a poseer la
sensación de sentimientos positivos con respecto a la misma. El enfo-
que del logro conduce a rendimiento en los exámenes y evaluaciones,
un autoconcepto académico y el sentimiento de satisfacción por los
resultados obtenidos. Los enfoques de aprendizaje son eficaces cuan-
do los estudiantes están conscientemente seguros de sus propios pro-
cesos de aprendizaje e intentan deliberadamente controlarlos.
Es posible alcanzar buenos resultados cuando las estrategias que
se utilizan en el aprendizaje son coherentes y análogas con los estados
motivacionales dominantes del estudiante. Una buena estrategia fun-
ciona o trabaja más eficazmente cuando el estudiante está motivado
interiormente o cuando está motivado hacia el logro (obtención de
resultados).
Con eso, logramos entender que las estrategias de aprendizaje
según vayan activándose sus distintos escalones de superación, va ha-
biendo la necesidad de la existencia de una clasificación para que su
uso sea organizado y eficaz. Cuando tomamos conciencia del proceso

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 185


de aprendizaje de una lengua, pasamos a tener presente su finalidad,
sus intereses sean ellos personales o generales, así como comprender lo
que se aprende y como se aprende, y para qué sirve todo eso. Tener la
motivación, la actitud positiva y el control de los elementos afectivos
ante el aprendizaje, ante la lengua y ante la cultura, nos permite ir muy
lejos en el proceso de enseñanza y aprendizaje.
De todos modos, es importante señalar que estas estrategias no
solo deben tenerse en cuenta en una sola de las fases el proceso de
aprendizaje, sino que pueden y deben activarse a lo largo del todo el
proceso, de lo contrario, solo daríamos atención al comienzo o al final,
cuando en realidad, todo el eje es importante desde el inicio, medio y
final, una vez que las estrategias facilitan la comunicación pues están
relacionadas con la comprensión, interacción y expresión oral y es-
crita. Activando así, cada punto de conocimiento para reconectar la
capacidad de comprender que cada uno tiene, reconocer la capacidad
de expresarse y generar una comprensión mutua. Y, no podemos decir
que esas son estrategias únicas, existen muchas otras; lo importante es
que se tenga en cuenta que a la hora de analizar los distintos factores
en la enseñanza de la lengua tendremos que aportar, encontrar y ana-
lizar otras estrategias que pueden ser atendidas.
Es de suma importancia que los profesores trabajen con los estu-
diantes el uso de estrategias de aprendizaje, pues con eso están apoyan-
do en su desarrollo y a su vez con la enseñanza directa y dando forma
al censo de aprendizaje del estudiante. Igualmente, suscitar el empleo
de estrategias de aprendizaje en los alumnos ayuda bastante en la au-
torregulación, la metacognición, la autoevaluación, la autonomía y la
destreza y en la reflexión personal.

186 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Para finalizar, puedo decir que el secreto de la buena enseñanza
y aprendizaje está relacionado con el entusiasmo personal del apren-
diente que viene de su voluntad, deseo y amor al conocimiento. Este
entusiasmo puede o debe ser canalizado mediante planeamiento y me-
todología adecuada, teniendo como objetivo alzando en todo el incen-
tivo del aprendiente para realizar con su propia iniciativa y esfuerzos
intelectuales que todo aprendizaje exige. Creo que las instituciones de
enseñanza deberían tener en su cuerpo docente profesores que tengan
una auténtica vocación para enseñar y también darles el total apoyo e
incentivo para que puedan enseñar con autonomía y libertad.

Referencias

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188 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


capítulo 10

Alternativa de métodos
pedagógicos para estimular
alunos com dislexia no ensino
da Matemática
Katiane de Jesus da Silva

DOI: 10.52788/9786589932819.1-10
Resumo: Este artigo apresenta propostas de materiais pedagógicos
como recurso para o desenvolvimento do trabalho na Educação Inclu-
siva numa abordagem teórica. A pesquisa destaca os recursos didáti-
cos como alternativa de estímulo na inclusão escolar para pessoas com
deficiência, tendo como foco principal a pessoa com dislexia. Portanto
recorreu-se aos pressupostos teóricos de Snowling (2004) e Montes-
sori (1965), baseia-se na lei nº 9.394, lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação (LDB), a qual rege a educação nacional e pode ser considerada
uma representação da inclusão neste discurso. Diante exposto lança
luz às alternativas, técnicas e recursos, através da teoria de Montesso-
ri no ensino da Matemática bem como suas relações educacionais no
ambiente escolar. Um conjunto de variáveis interfere nesse processo,
em decorrência de fatores e métodos pedagógicos a serem aplicados
em sala de aula, levando em consideração que a dislexia causa uma
desvantagem pedagógica, insegurança e interfere na autoimagem do
disléxico. Dessa forma, há necessidade de mudança nos métodos apli-
cados para que a educação inclusiva seja realmente efetivada nas esco-
las, além do espaço o meio preparado e o material didático têm como
função, estimular e desenvolver na criança um impulso interior que se
manifesta no trabalho espontâneo do intelecto.

Palavras-chave: Educação Inclusiva; Dislexia; Métodos Montessori.

190 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Introdução

Atualmente, a ideia de inclusão é mais recorrente e discutida em


vários setores da nossa sociedade. No Brasil, a lei 9.394, de 20/12/96
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB) sendo a lei que rege a
educação de nosso país, pode ser considerada uma representação da
inclusão neste discurso. Nessa perspectiva inclusiva e integradora, fo-
ram desenvolvidos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de
1999, com o objetivo de nortear o ensino brasileiro e determinar fun-
ções dos órgãos de ensino e da inclusão das necessidades educacionais
de pessoas com deficiência, que defendem adaptações curriculares em
apoio às especificidades.
Em contrapartida, a Constituição Federal de 1988 por exemplo,
ao tratar sobre a educação especial diz: “O dever do estado com a edu-
cação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional
especializada aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino” . No que diz respeito à realidade do cotidiano es-
colar, problemas classificados como transtornos de aprendizagem
comprometem o processo de alfabetização, sendo um dos principais,
a dislexia. Nesse sentido, considerando o quão ainda são raros os de-
bates sobre a inclusão de pessoas com transtornos de aprendizagem no
Brasil, o presente estudo reverbera algumas propostas de materiais pe-
dagógicos como recurso para o desenvolvimento do trabalho na Edu-
cação Inclusiva desde uma abordagem teórica. Para tanto, destacamos
alguns recursos didáticos como alternativa de estímulo na inclusão es-
colar para pessoas com deficiência, em especial, a dislexia, tendo como

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 191


foco principal, o ensino inclusivo da Matemática direcionado às séries
iniciais do 2º e 3º ano do ensino fundamental menor.

O que é a dislexia

Figura 1: Desenho - dislexia.

Fonte: https://images.app.goo.gl/oXPXvEFLkfiZ91gv9.
Acesso em: 28 jan. 2023.

A palavra dislexia é formada pela contração das palavras gregas


diz e léxis. A primeira significa difícil; a segunda caracteriza-se por
uma dificuldade na área da leitura, escrita e soletração. É considerada
como um distúrbio específico de aprendizagem, que se caracteriza por
demora na aquisição da leitura e da escrita. Em Snowling (2004, 25)
encontramos definição de dislexia elaborada pela Associação Interna-
cional de Dislexia:

192 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


A dislexia é uma das diversas incapacidades distintas na aprendizagem.
É um distúrbio específico baseado na linguagem, de origem
constitucional, caracterizado por dificuldades na decodificação de
palavras isoladas, que geralmente refletem habilidades insuficientes
de processamento fonológico. Essas dificuldades na decodificação
de palavras individuais são frequentemente inesperadas em relação à
idade ou a outras capacidades cognitivas; elas não são resultantes de
uma incapacidade de desenvolvimento ou de um comprometimento
sensorial. A dislexia se manifesta por uma dificuldade variável em
diferentes formas de linguagem, incluindo, além de um problema na
leitura, um problema conspícuo na aquisição de proficiência na escrita
e no soletrar. (SNOWLING, 2004, p. 25).

Dislexia, conforme citação acima é uma dificuldade de aprendi-


zagem que frequentemente manifesta-se combinada com outros dis-
túrbios, sendo importante analisá-los separadamente, para posterior
tratamento. Prever, também, problemas na decodificação de letras,
números, notas musicais e na escrita, e, não na compreensão da leitu-
ra, sendo uma patologia de cunho neurológico.
Segundo Ianhez & Nico (2002, p. 13), “é um distúrbio de origem
neurológica, congênito e hereditário, sendo comum apresentar-se em
parentes próximos, com maior incidência no sexo masculino, atin-
gindo 15% da população.” Snowling, cita a constatação de Vellutino
(1979), um estudioso que preparou os estudos contemporâneos sobre
dislexia, sobre a melhor opção de grupo de crianças para estudo in-
cluindo crianças com;

Inteligência média ou acima da média, acuidade sensorial intacta (ou


corrigida), ausência de lesões neurológicas ou outras incapacidades
físicas debilitantes e que não tenham sido impedidas por problemas
emocionais ou sociais sérios, desvantagens socioeconômicas ou
oportunidades para aprender. (SNOWLING, 2004, p. 30).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 193


Ao selecionar um grupo de crianças com boa capacidade de
aprendizagem era possível analisar minunciosamente as causas e as
consequências da dislexia. A dislexia consta da Classificação Interna-
cional de Doenças (CID), que descreve suas características e sintomas
é também uma condição de aprendizagem de base genética, ou seja,
tem natureza hereditária a percepção dos sons da fala tem suas mani-
festações durante a fase de alfabetização. São persistentes e acompanha
o sujeito ao longo da vida, com apoio tratamento e estímulos adequa-
dos, as dificuldades poderão ser minimizadas.

Quem foi Maria Montessori

Nascida em 31 de agosto de 1870, na cidade de Chiaravalle, norte


da Itália, Maria Montessori desde muito cedo se interessou por biolo-
gia. Este foi um dos motivos que fez com que ela enfrentasse seu pai e
o preconceito de toda a sociedade para ser uma das primeiras mulheres
a cursar medicina em seu país.
Formou-se em julho de 1896. Demonstrou certo interesse pela
Psiquiatria, e então, dedicou suas atividades a esta área. Começou a
se interessar pelas crianças, em especial aquelas com problemas men-
tais, enquanto visitava asilos e via como o tratamento dado a elas era
questionável e desumano. Em 1909, escreveu “Pedagogia Científica”,
que se consagrou com o título “Método Montessori”. Depois disso,
lecionou nos Estados Unidos, Espanha e Inglaterra. O sucesso de seu
método foi tamanho que em 1922 o governo a nomeou como Inspe-
tora Geral das Escolas da Itália.

194 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Maria Montessori foi a primeira médica italiana e depois de sua li-
cenciatura, dedicou-se à educação de crianças excepcionais num hospital
psiquiátrico em Roma. Os conhecimentos e experiências acumulados
nesse período encontraram grande difusão nas escolas primárias, jardins
de infância e escolas especiais Montessori. Baseado na individualidade
e liberdade do aluno, a teoria da educadora provocou uma verdadeira
revolução educacional. Entre as principais mudanças em relação à edu-
cação tradicional, o professor deixa de ser o protagonista da sala de aula
e assume o papel de atuar como auxiliar no processo de aprendizado.

O que é o Método Montessori de ensino

O método defende a autoeducação. De acordo com a autora, en-


tende-se que todos nós nascemos com a capacidade de ensinar a nós
mesmos, se nos forem dadas as condições ideais para isso. Ou seja, a
educação é tida como uma conquista da criança, enquanto o professor
é visto como o responsável por acompanhar este processo e detectar as
particularidades do potencial de cada um, jamais impondo o que será
aprendido.
Outro ponto importante, é que a cada época a criança apresenta
necessidades e comportamentos distintos, o que ela chama de “planos
de desenvolvimento”. Assim, levando em consideração as questões
individuais de cada um, por meio do método é possível traçar perfis
comportamentais gerais e dar possibilidades de aprendizado específi-
cas para cada faixa etária.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 195


Na obra “Pedagogia Científica de 1965, Montessori explica que
o Método Montessori é o nome que se dá ao conjunto de teorias, prá-
ticas e materiais didáticos criados ou idealizados inicialmente por Ma-
ria Montessori”. De acordo com a pensadora italiana o ponto mais
importante do método é não tanto seu material ou sua prática, mas a
possibilidade criada pela utilização dele de se libertar a verdadeira na-
tureza do indivíduo, para que esta possa ser observada, compreendida,
e para que a educação se desenvolva com base na evolução da criança,
e não o contrário. Conforme levantamentos bibliográficos, o Método
Montessoriano possui seis pilares fundamentais. São eles:
1. Autoeducação: capacidade inata da criança em querer apren-
der. Para que ela se desenvolva no seu ritmo, são disponibili-
zados uma série de materiais;
2. Educação como ciência: educador utiliza o processo científico
de observação e hipótese, para entender o processo de ensino
e verificar o desenvolvimento do trabalho no dia a dia;
3. Educação Cósmica: é a forma como o professor deve levar o
conhecimento às crianças, sempre de forma organizada;
4. Ambiente Preparado: construído pensando em atender a to-
das as necessidades da criança, com materiais didáticos livres
para o uso;
5. Adulto Preparado: nome dado ao profissional responsável
por acompanhar e guiar a criança em seu desenvolvimento
completo;
6. Criança Equilibrada: qualquer criança em seu desenvolvi-
mento natural.

196 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


De acordo com Montessori, a eficiência de seu método está jus-
tamente na visão de não contrariar a natureza humana, pelo contrário.
Segundo ela, quando nascem, as crianças não são incompletas, por-
tanto, não há necessidade de o centro da sala de aula ser o professor.

Recursos

Uma sala de aula montessoriana, pesos, medidas, quantidades e


demais conceitos matemáticos são trabalhados com o auxílio de ma-
teriais e recursos tangíveis, que vão se tornando mais complexos à me-
dida que a criança vai aguçando seu raciocínio lógico e pensamento
abstrato. Esses materiais, chamados de multissensoriais, estabelecem
uma ligação entre situações matemáticas, objetos e movimentos.
Os materiais criados por Montessori têm papel preponderante
no seu trabalho educativo partindo do concreto (o material didático)
para o pensamento abstrato. A criança literalmente vê e sente através
do material didático preparado, o tema a ser aprendido. O meio prepa-
rado e o material didático têm como função, estimular e desenvolver
na criança um impulso interior que se manifesta no trabalho espontâ-
neo do intelecto.
Exemplos desses materiais são: material dourado, movimenta
de pinça, numerais e as formas geométricas. Nesta concepção faz-se
necessário apresentar através de imagens alguns materiais/métodos
Montessori como proposta de trabalho com a criança disléxico.
Ao trabalhar as formas geométricas, a didática do professor pre-
cisa ser diferenciada, para que possa utilizar recursos necessários e

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 197


oferecer diferentes suportes gráficos e variedade de materiais para a
produção de registros, estimulando o contato com obras de arte, ma-
nuseando o “tangram” e os blocos lógicos, observando suas formas
geométricas e descobrindo o que pode ser construído, proporcio-
nando atividades para que as crianças possam: identificar, comparar,
descrever e classificar figuras geométricas; explorando transformações
geométricas através de composição e decomposição de figuras, desen-
volvendo o raciocínio e a atenção.

Material dourado

Figura 2: Material dourado.

Fonte: https://bit.ly/3wA4N0X. Acesso em: 28 jan. 2023.

O Material dourado é um dos materiais mais conhecidos criado


por Maria Montessori. Este material baseia-se nas regras do sistema
decimal, inclusive para o trabalho com múltiplos. Pode ser compos-

198 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


to por: cubos, placas, barras e cubinhos. O cubo é formado por dez
placas, a placa por dez barras e a barra por dez cubinhos. Conhecido
originalmente como material de pérolas douradas (daí o nome “mate-
rial dourado”). O cubo, as placas, as barrinhas e as unidades são for-
mados por pérolas douradas. Este material é de grande importância
na numeração, e facilita a aprendizagem dos algoritmos da adição, da
subtração, da multiplicação e da divisão.
Este método desperta no aluno a concentração, o interesse, além
de desenvolver sua inteligência e imaginação criadora, pois a criança
está sempre predisposta ao jogo. Além disso, permite o estabelecimen-
to de relações de graduação e de proporções, e finalmente, ajuda a con-
tar e a calcular.

Movimento de pinça/coordenação motora fina

Figura 3: Movimento de pinça/coordenação motora fina.

Fonte: https://bit.ly/3Y8kGHJ. Acesso em: 28 jan. 2023.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 199


A habilidade para realizar o movimento de pinça é um grande
avanço na coordenação motora da criança. O movimento de pinça
é o movimento que envolve os dedos polegar e indicador para pegar
pequenos objetos. De segurar os objetos com as mãos a ser capaz de
fazer isso utilizando os dois dedos, esse avanço aumentará, de maneira
expressiva, as possibilidades de aprendizagem, crescimento, indepen-
dência e exploração. Embora cada bebê tenha seu próprio ritmo de
desenvolvimento, essa destreza com os dedos costuma aparecer por
volta dos 8 ou 9 meses do bebê, mas é aprimorada com o tempo – e,
como tudo na vida e com a prática! E graças a essa habilidade motora
fina que podemos segurar um lápis para rabiscar, desenhar ou escre-
ver, fechar um zíper ou segurar uma agulha etc.
Além de muitas coisas que se pode fazer para estimular a coorde-
nação motora fina. Tem como objetivo estimular a criança no intuito
que ela consiga pegar objetos usando o dedo indicador e o polegar é
uma conquista muito importante para o desenvolvimento da coorde-
nação motora fina das crianças.

Caixa de areia

Trabalhar os números através da caixa de areia é um dos materiais


mais populares de Montessori com a qual é possível realizar distintas
atividades/jogos de pré-escritura. Isso prepara as crianças para a etapa
seguinte de ler e escrever. Quando falamos de materiais sensoriais, re-
ferimo-nos a todos aqueles materiais manipuláveis que estimulam as
capacidades/habilidades das crianças mediante a vista, o tato, o olfato,

200 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


o ouvido e o gosto. Para as crianças, é muito mais simples, por exem-
plo, aprender a somar e diminuir manipulando do que realizando
operações abstratas (cálculo mental).
Figura 4: Caixa de areia.

Fonte: https://bit.ly/3wDcyDq. Acesso em: 28 jan. 2023.

As atividades sensoriais aplicadas à leitura e escrita têm como


objetivo desenvolver a grafo motricidade. Essa é a habilidade manual
que implica, de um lado, mobilidade, destreza e força na mão, dedos e
pulso. E, de outro, implica coordenação olho mão para poder empre-
ender o processo de escrita. Durante décadas, a educação se esforçou
em ensinar a ler e escrever com lápis e papel.
Uma boa grafo-motricidade, praticamente, garante a ausência de
problemas na hora de escrever (desaparecem os problemas motores,
como a pressão excessiva do lápis ou um mal agarre postural), evitan-
do o bloqueio no processo de escrita. Boa parte dos problemas dos fra-
cassos escolares começa com a falta de adequação do método à criança.
Os benefícios da caixa de areia são evidentes:
• Facilita o aprendizado das letras;

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 201


• Um aprendizado sensorial, de acordo com as necessidades e
capacidades da criança entre os 2-3 e 6 anos;
• A criança não precisa controlar um lápis para aprender a re-
presentar/escrever e reconhecer/ler um símbolo. Utiliza seus
dedos, uma ferramenta muito mais inata e natural para ele,
que já domina muito bem.
Por esse motivo, antes de começar com a escrita no papel, o mé-
todo Montessori se preocupa da preparação da mão. Uma atividade
muito efetiva e lúdica que consiste em realizar traços com o dedo na
areia contida em uma caixa.

Formas geométricas

Figura 5: Formas geométricas.

Fonte: https://bit.ly/3HhDHAq. Acesso em: 28 jan. 2023.

A geometria poderá ser feita criando-se inúmeras figuras e per-


sonagens de histórias, assim a criança perceberá a versatilidade das

202 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


formas, sua rotação e translação no espaço. Por exemplo, criar com
os alunos uma história onde as figuras geométricas estejam soltas no
espaço e, resolvam agrupar-se e formarem coisas que existam forman-
do números e etc. As figuras devem ser estilizadas, mas mantêm-se o
nome e a nomenclatura das figuras geométricas.
O objetivo deste método é possibilitar os alunos o aprendizado
sobre figuras geométricas, construindo os vínculos cognitivos neces-
sários às abstrações matemáticas espaciais e transformando, de forma
leve, os conteúdos em conhecimento e, assim, contribuindo para a
manutenção da frequência escolar. Mostrar que as cores e formas ge-
ométricas estão presentes no ambiente onde vive e que fazem parte de
seu cotidiano, identificar e nomear cores e formas geométricas (triân-
gulo, quadrado, retângulo e círculo) percebendo as características de
cada uma e desenvolver a percepção visual através do uso das diferen-
tes cores.

Tangram

Figura 6: Tangram.

Fonte: https://bit.ly/40bBRK7. Acesso em: 28 jan. 2023.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 203


O Tangram visa desenvolver o raciocínio lógico e a discriminação
de formas e cores, dentre outras Ele pode aparecer em conteúdos de
matemática e de artes, desenvolvendo a criatividade e conhecimento
das formas e cores. Além de estimular a coordenação motora, a con-
centração, a criatividade, a imaginação e a memorização das formas
geométricas.
O professor pode estimular as crianças a montarem várias figuras
diferentes utilizando as peças. Dessa forma, estará trabalhando a com-
posição e a decomposição. No geral, o Tangram é um tipo de quebra-
-cabeças, que além de trabalhar a criatividade, estimula a paciência e
a concentração nas crianças. Já foi analisado que a sua aplicação traz
ótimos resultados para o processo de ensino aprendizagem e na alfa-
betização das crianças.
A escola é um espaço de produção de saberes e transformação de
realidades e, a saber, muda a realidade do professor, que se torna uma
pessoa melhor e diferente para os alunos. Estes, pelo aprendizado, fa-
zem desabrochar a consciência de sua existência.

Considerações finais

Crianças e jovens disléxicos escondem grandes potenciais. Ser dis-


léxico não é sinônimo de baixa inteligência. A história nos apresenta
casos de grandes nomes ligados aos transtornos de aprendizagem. En-
tre os casos mais conhecidos, temos figuras históricas como Thomas
Edison, Albert Einstein, atores de Hollywood como Orlando Bloom,
Tom Hanks entre outros.

204 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Na perspectiva de Montessori, em que os alunos costumam tra-
balhar em grupos ou individualmente, com materiais acessíveis e que
vão de acordo com cada particularidade e necessidade de cada aluno,
se faz necessário à aplicação dos métodos de acordo com cada parti-
cularidade, vez que cada criança tem uma forma de comportamento
diferente, esta concepção, Montessori ao dar voz a um ensino baseado
no desenvolvimento dos sentidos proporciona espontaneidade, dan-
do oportunidade e liberdade à criança. Infere-se, para que o proces-
so inclusivo seja eficaz é necessário à renovação da práxis docente por
meio do uso de materiais concretos e a contextualização de temáticas
de ensino conforme a realidade de seus educandos.

Referências

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Bases da Educação Nacional.
IANHEZ, Maria Eugênia; NICO, Maria Angela. Nem sempre é o que parece:
como enfrentar a dislexia e os fracassos escolares. Rio de Janeiro: Elsevier; 2002.
MONTESSORI, Maria Pedagogia científica: a descoberta da criança. São
Paulo: 1965.
MONTESSORI, Maria. Psicoaritmética. Barcelona: Casa Editorial Araluce,
1934.
MONTESSORI, Maria. Psicogeometria. Barcelona: Casa Editorial
Araluce,1934.
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Ministério da Educação, Brasília, 1999.
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2004.
VELLUTINO, F. R. Dislexia: Theory and research. Cambridge: MIT Press. 1979.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 205


capítulo 11

Materiais didáticos,
fontes digitais e recursos
educacionais abertos (REA)
no ensino de História
Cristina Ferreira de Assis
Rhadson Rezende Monteiro

DOI: 10.52788/9786589932819.1-11
Resumo: Com o advento da globalização, as sociedades passam a vi-
venciar uma nova mudança em relação ao tempo e espaço, uma vez
que os fatos e acontecimentos ocorridos ganham novas proporções e
abordagens (JENKINS, 2009). Com isso, a necessidade de novas lin-
guagens e fontes educacionais no Ensino de História, se faz primor-
dial, onde os alunos percebam o estudar História com mais criticidade
e maior envolvimento nas propostas pedagógicas apresentadas pelos
professores (KARNAL et al., 2020). O presente capitulo de livro traz
reflexões sobre os recursos, materiais e fontes do ensino de história
como linguagens para cultura escolar. A discussões em torno da práti-
ca de ensino em História requerem um longo percurso teórico no que
tange ao modo como ensinar e aprender História no tempo presente.
O objetivo é, portanto, apresentar a discursão teórica sobre a temática
a luz da bibliografia, com abordagem qualitativa e objetivo explora-
tório. Como conclusões são apresentadas práticas e possibilidades do
uso de diversas linguagens e didáticas para o ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: História; Didática; Ensino; Fontes; Linguagens.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 207


Introdução

A História está repleta de pessoas que, como


resultado do medo, ou por ignorância, ou por cobiça
de poder, destruíram conhecimentos de imensurável
valor que, em verdade, pertenciam a todos nós. Nós
não devemos deixar isso acontecer de novo.
(Carl Sagan)

A cultura escolar, bem como seu espaço físico e os indivíduos que


nela atuam, possui uma articulação constante com a cultura produzi-
da e compartilhada além dos muros da escola. O que não quer dizer
que a escola seja uma instituição passiva na recepção de ideias, concep-
ções e valores, quando na verdade ela também produz suas próprias
culturas através das práticas, linguagens e saberes compartilhados.
Partindo dessa compreensão, a escolarização é um processo dinâ-
mico, cujas demandas e perspectivas advindas da sociedade ora inci-
dem, ora colidem com os interesses da escola. O que significa dizer que
na relação entre o ensino e as práticas escolares, há tensões e disputas
de narrativas acerca do papel da escola, sua função e daquilo que deve
ou não deve ser ensinado.
Nesse contexto, o ensino de História se vê constantemente ame-
açado, seja pelos revisionismos promovidos pelos pseudo-intelectuais
acerca dos saberes difundidos na escola, seja mediante ao engessamen-
to curricular promovido pelas normativas, que reduzem tanto a auto-
nomia docente, quanto o caráter epistemológico da prática de ensino
em História.

208 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Em direção oposta, busca-se por um caminho em prol da cons-
trução de ambientes cujo trabalho colaborativo e as experiências de
ensino e aprendizagem sejam possibilitadoras de uma educação de-
mocrática, crítica e reflexiva. Com o advento da globalização, as so-
ciedades passam a vivenciar uma nova mudança em relação ao tempo
e espaço, uma vez que os fatos e acontecimentos ocorridos ganham
novas proporções e abordagens (JENKINS, 2009).
Com isso, a necessidade de novas abordagens educacionais no
Ensino de História, se faz primordial, onde os alunos percebam o estu-
dar História com mais criticidade e maior envolvimento nas propostas
pedagógicas apresentadas pelos professores (KARNAL et al., 2020).
Partindo dessa exposição inicial, a discussões em torno da prática
de ensino em História, requerem um longo percurso teórico no que
tange ao modo como ensinar e aprender História no tempo presen-
te. Ademais, essa discussão vem sendo acompanhada do desenvolvi-
mento de metodologias e de recursos que auxiliam a prática docente,
almejando dar sentido e significado à relação dos alunos com o saber
histórico nas escolas.
Nessa direção, mediante a amplitude dessa temática, tornou-se
necessário assumir alguns enfoques. Por isso, o debate a seguir con-
centra-se em elucidar brevemente a consolidação da prática de Ensino
em História enquanto espaço formativo na licenciatura. Em seguida,
a partir do conceito de Didática, segundo Rüse, apresentam-se os usos
de tecnologias digitais mediante as metodologias ativas na escola com
ênfase para as Fontes digitais e Recursos Educacionais abertos (REA).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 209


A prática de ensino de História e a formação docente

Pensando na prática de ensino em História, sua legitimidade


enquanto um espaço do saber ganhou contornos desde a década de
1970, no processo de redemocratização brasileira, quando na implan-
tação das pós-graduações e disputas em torno da formação do profes-
sor o campo do Ensino de História assumiu seu espaço. Até então, as
práticas de professores, assim como a didática, cabiam exclusivamente
ao campo da Educação.
Cabe mencionar aqui outro conceito central na compreensão da
tarefa de ensinar, que Libâneo (2011, p. 192) define como “mediação
didática, isto é, o ensino como atividade de mediação para promover
o encontro educativoformativo entre o aluno e a matéria de ensino,
explicitando o vínculo entre teoria do ensino e teoria do conhecimen-
to”. Depreende-se dessa definição que ensinar História não se reduz
ao domínio do conhecimento histórico, pois existem enfoques espe-
cíficos sobre os conteúdos e sobre as metodologias que requerem o
estabelecimento de relações estreitas entre a teoria e a prática.
De acordo com Selva Fonseca (2003), na obra Didática e prática
de ensino em História, houve avanços significativos na formação do-
cente, especialmente em virtude de uma aproximação com as pesqui-
sas educacionais, contribuindo para romper com uma racionalidade
técnico-formadora nos modelos de formação.
Contudo, até a década de 1990, as pesquisas acerca da formação
de professores de História identificavam uma formação acadêmica de
abordagem bastante distinta dos problemas e fontes da história ensi-

210 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


nada na educação básica. Ademais, até a promulgação da Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação de 1996, não havia uma carga horária espe-
cífica para a prática de ensino, cabendo aos respectivos conhecimentos
serem inseridos na Didática geral, disciplina pedagógica vinculada a
formação de professores. Nos anos seguintes, a elaboração das Dire-
trizes Curriculares Nacionais também não apontava especificidades
acerca da prática de ensino, cabendo aos colegiados dos cursos de his-
tória assumirem suas posições teóricas e políticas.
Em outra abordagem acerca da formação inicial de professores, a
pesquisa realizada por Mauro Cezar Coelho, apresentada no minicur-
so “Formação docente e BNCC: a História em discussão”, atividade
do GT de Ensino de História e Educação, com apoio da Associação
Nacional de História/ Seção Bahia, analisa a estrutura curricular dos
cursos de licenciatura e bacharelado em História nas universidades fe-
derais anterior à resolução 02/2019 do CNE. A amostra realizada a
partir das instituições públicas considerou todas as regiões brasileiras,
evidenciando a preponderância de uma grade curricular que dialoga
de forma reduzida com o campo da Educação, ao passo em que são
privilegiados os pressupostos teóricos, especialmente, eurocêntricos.
Partilhando dessa consideração, Cerri (2009) assinala que o mes-
mo europeísmo que atravessa o certame curricular do Ensino de His-
tória na Escola Básica transborda aos bandos nas universidades forma-
doras de docentes.
Na contramão das discussões de pesquisadores e das conquistas
de movimentos sociais pela História da África e pela História indíge-
na, por exemplo, a nova Base Nacional Comum Curricular, aprovada
em 2018, repercutiu não apenas no saber histórico ensinado, como

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 211


também na formação desses profissionais. Alinhada aos princípios da
BNCC, assim como ao contexto político no qual ela foi promulgada,
a formação docente almejada pela resolução de nº 02/2019 propos-
ta pelo Conselho Nacional de Educação espera que um professor de
História domine mais as metodologias chamadas de inovadoras e o
uso das tecnologias digitais que o desenvolvimento metodológico do
saber historiográfico vinculado à formação de uma consciência histó-
rica.
No desenvolvimento formativo proposto pela referida norma-
tiva, os conteúdos de História parecem retomar a ideia de História
Magister Vitae, ensinando a partir dos exemplos e retomando aos
grandes feitos e grandes homens do passado. Por outro lado, esse cur-
rículo quadripartite desconsidera as epistemologias do sul, a atuação
de negros, mulheres e trabalhadores na História, a questão indígena
e aposta em uma concepção de pluralidade que apaga as diferenças,
que também estão presentes no atual modelo de escola, assim como as
demandas de novos sujeitos. Por outro lado, as conquistas alcançadas
com as referidas legislações tendem a se tornar reduzidas no ensino de
História na educação básica, já que o espaço para discussão sobre ne-
gros e indígenas seria dissolvido entre os demais conteúdos prescritos.
Além disso, foram alteradas as cargas horárias do curso, nova-
mente, atendendo aos conteúdos disciplinares da BNCC, de modo
que as disciplinas teóricas perderiam espaço em prol de outras, prati-
cistas. Assim, a resolução nº de 02 do Conselho Nacional de Educação
apresentava as bases nacionais comuns para a formação docente, assim
como na educação básica, pensando em um ensino dimensionado a
partir das competências e habilidades. Mas, ao desenvolver um curso

212 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


de História baseado no praticismo, o espaço para as pesquisas se tor-
naria limitado, promovendo, por fim, uma separação entre historiado-
res e professores de História.
Ao criticar a nova estrutura curricular, D´Ávila (2020) assinala
sobre o papel da didática, que a ênfase recai sobre os aspectos técnicos
e não sobre a didática enquanto campo epistemológico. Para a temá-
tica da didática, o documento estabelece uma lista de habilidades a
serem adquiridas pelo futuro professor. profissional próprio”. Para
D’Ávila (2020), o fenômeno educativo, foco desse grupo, está reduzi-
do ao conhecimento das práticas, como se as práticas fossem higieni-
zadas da contaminação ideológica da teoria, como se a simples prática,
o neotecnicismo e o praticismo, não fossem eles também movimentos
profundamente ideológicos.
Além desse desafio, busca-se no processo de formação docente
por espaços de diálogo entre o ensino e a pesquisa através de diversas
ações didáticas e acadêmicas que superem a dicotomia entre ensino e
pesquisa e entre o saber escolar e o saber acadêmico. Assim, a prática
de ensino enquanto componente curricular ocorre, por exemplo, na
forma de laboratórios de Formação docente e de Pesquisa Histórica,
bem como no estágio supervisionado, onde se discutem técnicas e
métodos característicos da didática e do ensino de História. Também
nesses espaços, vislumbra-se a produção e o desenvolvimento de téc-
nicas, a elaboração e organização de materiais didáticos articulando as
discussões acadêmicas e interdisciplinas do curso ao ensino – aprendi-
zagem na educação básica.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 213


Didática, recursos educacionais abertos e fontes no
ensino de História

Desde os anos 2000, a defesa dos pesquisadores sobre a prática


de ensino se aproximava da Didática de Jörn Rusen, de modo que a
prática do ensino de História passou a ser vista como um lugar de re-
flexão específica da própria área, cabendo novos contornos aos cursos
de História. Notadamente, uma série de entraves e tensões marcaram
esse debate ao longo dos últimos anos, de modo que as disputas em
torno da formação de professores não se restringiram apenas ao cam-
po da História. A Didática proposta por Rüsen implicava na reflexão
sobre o ensino e aprendizado da História, de modo que sua produção
estivesse articulada aos problemas práticos da vida.
Assim, os pesquisadores do campo do Ensino de História con-
cordam que a transposição didática, sozinha, não é capaz de levar a
uma aprendizagem que preze pela criticidade e que esteja aberta para
novas interpretações. No cotidiano da regência em classe, as práticas
que objetivam formar indivíduos autônomos e criativos, além de pro-
tagonistas, visam atribuir maior valorização ao processo em relação ao
produto. Ou seja, no processo de ensino - aprendizagem se agregam à
disciplina escolar uma série de características que perpassam o cotidia-
no e demais questões culturais que vão além do currículo prescrito.
Na fundamentação de diferentes possibilidades no ensino de
História, a utilização de recursos didáticos, materiais didáticos, nar-
rativas, ou mesmo de diferentes objetos mediadores no processo de
ensino-aprendizagem, referenciados por professores/as evidencia que

214 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


as abordagens da Educação Histórica estão se inserindo, ainda que
mereça maior evidência.
Através das abordagens propostas e das diferentes práticas utili-
zadas, também se constrói a autonomia do ensino no espaço escolar,
haja vista as possibilidades de conexões entre o que se ensina e o que se
aprende em História.
Além das normativas acima apresentadas e impostas para a pro-
posição curricular da educação básica assim como para a formação de
professores, vem se apresentando estratégias de ensino que busquem
trabalhar com situações reais e integradas ao cotidiano. Trata-se de re-
cursos metodológicos que visam conferir sentido pessoal às atividades
propostas. Inserido em uma atividade promove-se a consciência e o
desenvolvimento humano, permitindo aos alunos se colocarem na
História e se apropriarem dela e das práticas sociais.
A ideia de inserir o aluno como protagonista no processo de ensi-
no – aprendizagem não é recente, sendo essa uma discussão levantada
já nas primeiras décadas do século XX através do Manifesto dos Pio-
neiros da Escola Nova. Pensadores como John Dewey já defendiam
um modelo de escolarização pautado em uma metodologia firmada na
experiência e no desenvolvimento da autonomia dos alunos.
Atualmente, essa perspectiva vem se desdobrando nos usos de
metodologias ativas, que se caracterizam pela inter-relação entre ele-
mentos internos e externos à escola, como a cultura, a sociedade e a
política. Em síntese, as metodologias ativas são basicamente uma for-
ma de desenvolver o processo de ensino e aprendizagem a partir de si-
tuações que se traduzam no maior significado para o aluno. Em outras
palavras, a aproximação e identificação de um aluno com determinado

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 215


conhecimento ensinado pode ser ampliada a partir do modo como
aquela temática é abordada e das estratégias que evidenciem partici-
pação efetiva dos alunos. Algumas abordagens podem auxiliar o de-
senvolvimento dessas metodologias, tais como: a sala de aula compar-
tilhada, a sala de aula invertida, o ensino híbrido, ensino baseado em
projetos, trabalho colaborativo na resolução de problemas, gamifica-
ção. De toda forma, são recursos pensados para que seja ultrapassada
a limitação das aulas aos livros didáticos, como instrumentos tradicio-
nais utilizados na transposição didática.
Dialogando com Bacich e Moran (2018), combinadas ao uso de
tecnologias digitais, as metodologias ativas compõem uma importante
estratégia de inovação pedagógica. Por sua vez, as tecnologias móveis
ampliam as possibilidades de pesquisa, comunicação e compartilha-
mento em rede, tornando o processo de ensino-aprendizagem visível
em seus avanços e desafios. Ademais, elas corroboram para a interlocu-
ção entre o espaço formal e o não formal de aprendizagem. Alinhando
as metodologias ativas às tecnologias de ensino e aprendizagem, os au-
tores defendem que o acesso e a aprendizagem podem ocorrer a partir
de qualquer espaço, reforçando-se a ideia de criatividade e autonomia
por parte dos alunos, ampliando-se assim seu interesse pelo ensino.
Entretanto, inevitavelmente, a renovação das técnicas e práticas
de ensino perpassam pelas metodologias ativas, aliadas ou não aos re-
cursos tecnológicos. Nos referimos também a negativa desses recur-
sos, já que a utilização das metodologias ativas não necessariamente
dependa da instrumentalização digital. O que significa dizer que há
estratégias já mencionadas como a sala de aula compartilhada, a sala de
aula invertida, o ensino baseado em projetos, o trabalho colaborativo

216 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


na resolução de problemas, e a própria gamificação sejam possibilita-
das envolvendo materiais já utilizados nas escolas, por exemplo.
Nessa mesma direção, também é importante lembrar que não há
soluções exatas, modelos ou metodologias ideais para a educação. A
seleção de fontes e recursos a serem adotados, bem como o formato
das aulas e práticas de ensino necessariamente dependem de outros
fatores, como o acesso à tecnologia e o perfil da escola e dos alunos.
Trata-se, portanto, de lançar possibilidades, sem esquecer dos desafios
enfrentados pelas escolas públicas, especialmente, aquelas localizadas
em locais mais periféricos.
Por isso, é de imprescindível importância fazer uma reflexão crí-
tica acerca dessa renovação ou estratégia de prática de ensino conside-
rada inovadora para professores nas escolas. Sabemos que esse ainda
é um tema sensível, já que a realidade das escolas públicas brasileiras,
incluindo o uso de computadores e tecnologias digitais ainda é um
desafio a ser enfrentado, de modo que esse entrave se tornou ampla-
mente conhecido durante a Pandemia entre 2019 e 2021, acirrando as
diferenças entre escolas públicas e privadas. Enquanto os alunos de es-
colas públicas foram drasticamente afetados pela ausência de recursos
que permitissem o acesso as aulas transmitidas online, as escolas priva-
das empreenderam rapidamente uma série de estratégias utilizando os
recursos digitais, o que invariavelmente levou a resultados ainda mais
díspares acerca da aprendizagem dos alunos dessas duas esferas passa-
dos dois anos de isolamento.
Partindo desse cenário tão recente, a discussão a seguir concen-
tra-se em elucidar criticamente os aspectos da prática de ensino em
História mediante ao uso das tecnologias digitais e metodologias ati-

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 217


vas na escola, utilizando-se de fontes digitais e Recursos Educacionais
Abertos (REA). O perfil do docente esperado para atender as neces-
sidades da sociedade atual implica na adoção de práticas inovadoras,
como já mencionado na apresentação da BNCC, bem como nas reso-
luções de 2015 e de 2019 que incidiram sobre a formação dos novos
professores, amparada em uma perspectiva praticista das competên-
cias e habilidades.
Ademais, o Plano Nacional de Educação 2014-2024 já apresen-
tava em sua meta 15 a necessidade de reforma curricular e pedagógica
nas licenciaturas, focalizando no aprendizado do aluno e incorporan-
do as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). O
que significa dizer que a aproximação com o mundo digital tem susci-
tado a emergência de novas práticas escolares, assim como a remode-
lação de outras, agora, sobre novas perspectivas. A escola não poderia
se ausentar dessa discussão, especialmente porque seu público-alvo,
é composto pelos chamados “nativos digitais”, como foi nomeada a
geração daqueles que nasceram na década de 1990 em diante. Anita
Lucchesi (2019) defende uma prática que seja mais híbrida de modo
que a noção de historiografia escolar digital dialogue com experimen-
tações criativas.
Por outro lado, é necessário admitir as tensões e ausências acer-
ca de uma formação continuada que oriente os professores a lidarem
com as novas abordagens. A discussão entre os pesquisadores não se
destina a contrapor novos e antigos métodos de aprendizagem ou
culpabilizar o uso das tecnologias, mas pensar em sua utilização de
forma qualitativa. O desafio atual é fazer com que os recursos digitais
e tecnológicos sejam apropriados pelo maior número de pessoas nos

218 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


diferentes contextos para que os alunos e professores se tornem pro-
dutores de culturas e de conhecimentos ao invés de meros consumi-
dores de informações.
Na prática docente, por exemplo, o uso dos livros didáticos per-
manece constante nas escolas públicas trazendo algumas modifica-
ções, como: infográficos, mapas interativos, QR codes e muitos outros
mecanismos aliados aos recursos digitais, que certamente contribuem
para a ampliação do saber escolar mediante a autonomia dos alunos
na busca por novas informações. Contudo, quando se pensa na for-
mulação de uma aula, o professor já reúne elementos oriundos dos
meios digitais sem que possa ser considerado um autor ou intelectual
responsável pela criação daquele conteúdo.
O REA surgiu em 2005, segundo a Unesco, como a viabilização
de tecnologia de informação e comunicação para consultas, usos e
adaptações, sem fins comerciais. Desde então, aliado ao conceito de
Educação Aberta (EA) o REA possibilita reunir cursos, materiais
didáticos, metodologias que permitem o acesso de professores e alu-
nos a materiais hospedados em ambientes virtuais independentes da
licença de direitos autorais. Desde modo, um mecanismo para a utili-
zação do REA na prática docente, seria a criação de materiais didáti-
cos, permitindo que seu acesso e leitura pudessem ser compartilhados
abertamente, fornecendo a liberdade de novos usos e adaptações em
contraposição aos usos de materiais com direitos reservados. Essa é a
defesa de Tel Amiel (2014) que desde na última década vem sendo um
expoente na busca pelos recursos abertos em prol de práticas didáticas
que priorizem a construção do conhecimento, no que ele chama de
“ciclo virtuoso”, já que raramente o planejamento docente é valoriza-

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 219


do em sua produção intelectual, ainda que sejam reunidos fotos, his-
tórias, mapas, vídeos e jogos, que também são considerados recursos
educacionais.

Considerações finais

Se um professor deseja, por exemplo, estender um conhecimento


sobre a história local, mas está limitado pelo livro didático ao privi-
legiar aspectos gerais sobre uma determinada temática ou pelo pro-
grama de ensino prescrito, a proposta de aplicação do REA incide na
possibilidade de alteração e incorporação de outras fontes ao livro, em
formato digital. Em outras palavras, a produção em larga escala de re-
cursos do PNLD poderia ser canalizada para atender demandas regio-
nais ou locais, apoiando produções alternativas nas unidades escolares
ou nas secretarias municipais e estaduais de educação. Em síntese, a
proposta equivale a uma abertura técnica, o que significa criar arqui-
vos em formatos abertos e acessíveis para novas alterações ao maior
número de pessoas possível.
Se estamos pensando em um ensino de história pautado em uma
perspectiva crítica e aberta a novas interpretações, Amiel dialoga com
Marieta de Moraes Ferreira (2008) no sentido de pensar em professo-
res capazes de ir além da transmissão de conhecimentos. Para isso, o
desafio consiste em aliar pesquisa e docência aos questionamentos da
sociedade contemporânea.
Nesse sentido, também podem ser utilizados recursos educacio-
nais diversos que favorecem sua aplicação e possibilitam uma aprendi-

220 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


zagem significativa. A exemplo desses recursos, temos: Júri simulado;
Mapa Conceitual e Mental; Infográficos; Linha do tempo; Produção
de videodocumentários; Redes sociais através de grupos de pesquisa/
estudos, dentre outros. O uso de estratégias de ensino que promovam
maior aproximação dos alunos no processo de construção do conheci-
mento passa a ser visualizado como caminho para esse novo universo
de transformações na contemporaneidade.

Referências

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didático de história. Revista História Hoje, 2014.
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educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso,
2018.
CAIMI, Flávia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões
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Niterói-RJ, v. 11, n. 21, p. 27-42, jun. 2006. Disponível em: http://www.scielo.
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Marieta de Moraes (coord.). Dicionário de Ensino de História. Rio de Janeiro:
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História. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 21, n. 41, p. 79-93, 2008.
FONSECA, Seiva Guimarães. Didática e prática de ensino de história.
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ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 221


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JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira
de Educação. v.1, n. 1, p. 9-42, jan./jun. 2001.
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LIBÂNEO, José Carlos. Conteúdos, formação de competências cognitivas e
ensino com pesquisa: unindo ensino e modos de investigação. In: PIMENTA,
Selma Garrido; ALMEIDA, Maria Isabel de. Pedagogia Universitária:
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LUCCHESI, Anita. Novas Tecnologias. In: FERREIRA, Marieta de Moraes
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MONTEIRO, Ana Maria; PENNA, Fernando de Araújo. Ensino de História:
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RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história, fundamentos da ciência
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SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Concepções de
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Revista, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 203- 213, jan./jun. 2009.

222 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


capítulo 12

Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação no
currículo da Educação Profissional:
uma análise entre teoria e
prática interdisciplinar
Italanei Oliveira Fernandes

DOI: 10.52788/9786589932819.1-12
Resumo: A todo o momento o mundo está em transformação, não
sendo diferente no contexto escolar, onde a comunidade acadêmica
precisa estar a todo tempo atualizando suas práticas dentro e fora de
sala de aula. Tal dinâmica também ocorre na educação profissional,
onde as questões das tecnologias digitais e o currículo precisam estar
em constante transformação. Nos últimos anos, com o advento da
BNCC (Base Nacional Comum Curricular) essas questões reforça-
ram a necessidade de um trabalho interdisciplinar. Sendo assim, no
presente artigo pretende-se observar como o acesso às Tecnologias
Digitais da Informação e Comunicação aliadas à interdisciplinaridade
prevista na BNCC apresenta-se como imprescindível na construção
do conhecimento e aprimoramento dos indivíduos no curso técnico
em Informática integrado ao ensino médio no Instituto Federal Baia-
no Campus Uruçuca. Para tanto será observado o currículo utiliza-
do por esse curso, e como o papel das tecnologias digitais auxiliam
nesse processo de interdisciplinaridade. Trata-se; portanto, de um
estudo qualitativo, com procedimentos bibliográficos e documental,
tenho em vista que o embasamento teórico assenta-se em documen-
tos educacionais institucionais como a LDB, DCNEM E BNCC por
exemplo observando a prática docente e as ferramentas utilizadas para
desenvolver um trabalho que atenda ao que se espera do ensino pro-
fissional da Rede Federal utilizando as tecnologias da informação e
comunicação, de modo a facilitar o acesso às questões ligadas à prática
pedagógica.

Palavras-chave: Educação profissional; Interdisciplinaridade; Tecno-


logia da Informação; Comunicação.

224 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Introdução

As constantes transformações sociais que se impõem na contem-


poraneidade modificam modos de interação e aprendizagem entre os
sujeitos, bem como sua profissionalização, o que, por sua vez, possi-
bilita uma rede de comunicação que, cotidianamente, traz novos de-
safios para as relações interpessoais e profissionais. No ambiente
digital, especificamente, é urgente a necessidade do desenvolvimento
de habilidades para a formação de um sujeito letrado digitalmente e
que tenha desenvoltura tanto em contextos interativos no ciberespa-
ço, quanto em sua atuação na sociedade e no mundo do trabalho.
Sabe-se das dificuldades quando pensamos no uso de tecnologias,
da inserção das TDICs no ensino. A nova Base Nacional Comum
Curricular – BNCc, levou ao Novo Ensino Médio novas diretrizes
políticas educacionais, que se somam às Diretrizes Curriculares Na-
cionais para o Ensino Médio – DCNEM, à Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB, e nessas leis pode-se observar a presença
das tecnologias digitais da informação e comunicação em todas elas.
Nos últimos tempos, o acesso às TDICs aumentou considera-
velmente, exigindo assim que a comunidade acadêmica se adeque a
essa nova realidade. As novas tecnologias têm alavancado o processo
ensino-aprendizagem, favorecendo um avanço na sistematização do
conhecimento contribuindo para uma educação pública mais demo-
crática e de maior qualidade, atinente às problemáticas e demandas da
sociedade referente a falta de acesso as tecnologias da informação.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 225


Paralelo ao uso das TDICs, estão os currículos dos cursos, que
são importantes indicadores sobre o que e como vamos ensinar, bem
como a quem ensinaremos. A partir do currículo, podemos questio-
nar como tem se dado a formação de nossos jovens, considerando,
nesse sentido, uma formação integral, para a vida e para o mundo do
trabalho, ressalto aqui que essa formação integral não tem a ver com
a carga horária destinada ao curso e sim a formação cidadã integral.
A inserção das TDICs no currículo da educação profissional
pode auxiliar a formar cidadãos capazes de inferir sobre diversos as-
suntos, de preparar para o mundo do trabalho e para a vida acadêmica.
O currículo direciona quanto a conteúdos, carga horária, ressaltando
que as relações no espaço escolar vão além de conteúdos, estão envol-
tas relações interpessoais, de conhecimento e aprendizagem.
A partir desse entendimento, a forma como o currículo aliado as
questões das tecnologias da informação e comunicação mudou, as es-
colas passaram a analisar o contexto em que a comunidade escolar está
inserida, a cultura e a refletir sobre os sujeitos envolvidos no processo
de ensino e aprendizagem. Há um entendimento de que o currículo
não é estático, que deve estar em constante movimento e adequando-
-se ao público ao qual vai ser submetido, pois não é neutro.
É preciso, ainda, considerar os conhecimentos prévios que os
alunos trazem na construção do currículo, visto que isso ajudará o es-
tudante no seu crescimento intelectual, pessoal, profissional e social.
Assim, as TDICS e o currículo integrado aliam o crescimento pessoal
ao profissional na medida em que fazem uma integração da formação
básica com o mundo do trabalho.

226 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Considerando, assim, que currículo integrado tem por objetivo
“[...] disponibilizar aos jovens que vivem do trabalho a nova síntese
entre o geral e o particular, entre o lógico e o histórico, entre a teoria
e a prática, entre o conhecimento, o trabalho e a cultura.” (KUEN-
ZER, 2002, p. 43-44). A escola é o espaço onde o currículo integrado
possibilita ao estudante contato com as questões técnicas, científicas,
culturais e do mundo do trabalho, na perspectiva de formação de alu-
nos críticos, conscientes do seu papel na sociedade.
Entende-se, portanto, como é importante, necessárias e justificá-
veis as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação no cur-
rículo da educação profissional, à luz das políticas educacionais e da
práxis docente, na busca por um trabalho interdisciplinar, sendo esse
trabalho interdisciplinar fundamental para o aprimoramento e for-
mação desses estudantes.

Educação Profissional e Currículo no contexto do IF


Baiano

No Instituto Federal de Educação Baiano, Campus Uruçuca,


busca-se privilegiar princípios éticos, humanos, políticos e profissio-
nais. Onde a educação e a prática social estão ligadas, estreitando a
aprendizagem profissional à tecnológica, na busca pela produção de
conhecimento, de forma que o sujeito e suas particularidades sejam
peças principais no fortalecimento do seu conhecimento.
Pretende-se com isso, que exista uma educação dialógica, na qual o
sujeito seja um ser autônomo, social, com pensamento criativo e crítico.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 227


A educação profissional tem algumas características, tais como, a
relação dos componentes propedêuticos com a área técnica profissio-
nal, a estreita relação entre a teoria e a prática, a busca pelo trabalho
interdisciplinar entre os diversos componentes e o diálogo entre as di-
versas áreas, no entanto isso se configura um constante desafio, não é
fácil fazer uma organização curricular que privilegie a interdisciplina-
ridade partindo de um currículo onde a média de componentes disci-
plinares é de quinze a dezessete a casa ano, é preciso uma articulação
grande para que esses componentes se comuniquem.
Os cursos técnicos Integrados ao Ensino Médio implantados no
Campus Uruçuca têm como fundamento as bases legais e os prin-
cípios norteadores da LDB nº 9.394/96 e no conjunto de leis, de-
cretos, pareceres e referenciais curriculares que norteiam a Educação
Profissional e o Ensino Médio no Sistema Educacional Brasileiro, tais
como Decreto nº 5.154/2004, Parecer CNE/CEB nº 39/2004, Re-
solução CNE/CEB nº 04/99 e Resolução CNE/CEB nº 01/2005,
bem como nos documentos que versam sobre a integralização destes
dois níveis de ensino cujos pressupostos são a formação integral do
cidadão – profissional. De acordo com Eliezer Moreira Pacheco, tais
documentos

[...] reafirmam que formação humana e cidadã precede à qualificação


para o exercício da laboralidade e pauta-se no compromisso de
assegurar aos profissionais formados a capacidade de manter-se
permanentemente em desenvolvimento [...]. [Tal desenvolvimento se
dá] com base nas premissas da integração e da articulação entre ciência,
tecnologia, cultura e conhecimentos específicos e do desenvolvimento
da capacidade de investigação científica como dimensões essenciais à
manutenção da autonomia e dos saberes necessários ao permanente
exercício da laboralidade, que se traduzem nas ações de ensino, pesquisa
e extensão. (PACHECO, 2010, p. 15).

228 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


De forma que as questões de formação profissional são impor-
tantes, mas que elas não podem deixar de lado a questão da pessoa, do
cidadão. Sendo os Institutos Federais de Educação criados a partir da
lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, a qual acentua que a forma-
ção humana e o trabalho caminham lado a lado, essas instituições têm
por base a tríade Ensino-Pesquisa-Extensão, conforme cita na seção II:

I- Ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e


modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação
profissional;
VII - desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e
tecnológica;
VIII - Realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o
empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e
tecnológico;
IX - Promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de
tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio
ambiente. (BRASIL, 2008, online.)

Trata-se, nesse sentido, de questionar que tipo de educação que-


remos e o que nós, que estamos dentro das instituições federais de
ensino técnico, também podemos oferecer aos nossos discentes. É pre-
ciso, dessa forma, nos distanciarmos da chamada educação bancária,
que apenas deposita conhecimento nos alunos, e nos aproximarmos
de pedagogias libertadoras, que possibilitem autonomia aos estudan-
tes, inspirados pelas práticas freirianas. Esse redimensionar da peda-
gogia implica, necessariamente, em uma nova abordagem sobre o cur-
rículo, um currículo abrangente e que vise a interdisciplinaridade, a
participação do discente e seus conhecimentos já internalizados.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 229


De acordo com Nilma Lino Gomes (2012, p. 99), esse proces-
so de tensionamento quanto ao currículo é fundamental para que as
instituições sejam questionadas e sejam realizadas mudanças impor-
tantes quanto ao que se ensina e ao como se ensina. Gomes (2012)
aponta ainda que muitas das modificações curriculares têm surgido
justamente a partir de demandas apresentadas pelos próprios alunos,
em diversos níveis de ensino.
Disso decorre, também, a necessidade de suscitarmos uma dis-
cussão mais cautelosa e investigarmos sobre as mudanças ocasionadas
pela nova BNCC. Logo no início do documento, ao referir que tem
como proposta para a educação básica o desenvolvimento de compe-
tências, são listadas dez competências que devem ser desenvolvidas pe-
las três etapas da educação básica, incluído aqui o ensino médio. Onde
se deve valorizar o mundo físico, social, cultural e digital, utilizando
diferentes linguagens, bem como a compreensão e utilização das tec-
nologias digitais da informação e comunicação.
Conforme podemos observar, já no início da BNCC, como re-
ferência para toda a educação básica, há uma menção à cultura digi-
tal e de forma mais específica às TDICs. Entendemos que esse é um
aspecto importante, pois mostra como o texto contempla demandas
específicas da contemporaneidade, além de ser importante diretriz
curricular-pedagógica a ser considerada.
Todavia, se inicialmente esse atendimento à cultura digital é incen-
tivado, ao chegarmos na seção que trata do ensino médio – EM especifi-
camente, há certa demora no texto para enfatizar a inserção das TDICs
no currículo, ainda que trate a todo o tempo sobre as mudanças trazidas
pela tecnologia. Ao apresentar as finalidades do EM, a BNCC diz:

230 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Subjacente a todas essas finalidades, o Ensino Médio deve garantir aos
estudantes a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com a prática:
• compreender e utilizar os conceitos e teorias que compõem a
base do conhecimento científico-tecnológico, bem como os
procedimentos metodológicos e suas lógicas;
• apropriar-se das linguagens das tecnologias digitais e tornar-se
fluentes em sua utilização. (BRASIL, 2018, p. 467).

Observa-se, assim, que a aquisição das linguagens das TDICs


aparece como uma das finalidades do EM que devem ser garantidas.
Entretanto, ao mesmo tempo, a BNCC trouxe mudanças significati-
vas quanto à carga horária e à disposição das disciplinas e conteúdos
abordados, bem como propõe a construção de um projeto de vida e
de itinerários formativos. Nos questionamos, nesse sentido, como ali-
nharmos todas essas mudanças no contexto da educação profissional
técnica e, mais ainda, como isso será absorvido por professores e alu-
nos.
Nesse sentido, várias reuniões aconteceram na busca por um
atendimento justo e coerente aos componentes, as cargas horárias, e
o mais importante, a formação cidadã do nosso estudante. Cumpre
esclarecer que o currículo integrado, que é utilizado no Campus, esta-
belece o conhecimento e o desenvolve do processo de ensino- apren-
dizagem de forma que os conceitos sejam alcançados como sistema
de relações de uma totalidade concreta que se pretende compreender.
A designação de currículo integrado tem sido utilizada como
tentativa de considerar uma compreensão global do conhecimento
e de promover maiores parcelas de interdisciplinaridade na sua cons-
trução. A integração da educação profissional e o currículo destaca

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 231


a unidade que deve existir entre as diferentes disciplinas e formas de
conhecimento nas instituições escolares.

Papel das TDICs no currículo do Curso Técnico em


Informática

Antes de falarmos sobre as TIDCs no currículo do curso técnico


em informática é importante entendermos a definição desse termo.
De acordo com Ana Elisa Ribeiro, ao analisar esse termo no Glossário
CEALE, que é uma publicação digital que reúne especialistas para de-
finir termos relativos ao campo das letras e do ensino, discorre:
Considerando o quanto, em nosso dia a dia, estamos rodeados
pelas tecnologias digitais, conforme indica Ribeiro (2014), foi tam-
bém natural que a sociedade incorporasse em seu cotidiano tais tecno-
logias. Entretanto, essa incorporação não é assim tão simples, muito
menos nem todas as pessoas têm acesso às tecnologias digitais. Há, in-
clusive, aqueles que têm acesso, mas que não sabem utilizá-las adequa-
damente. É necessário, portanto, falarmos em letramentos ou letra-
mentos digitais, que são essenciais também no contexto profissional.
A partir da criação da nova Base Nacional Comum Curricular
(BRASIL, 2018), houve a necessidade de uma reformulação na ma-
triz curricular dos cursos de nível médio, de modo que o curso técni-
co de informática integrado ao ensino médio do Campus Uruçuca,
também sofreu mudanças. Essas alterações implicam diretamente no
currículo do curso e promovem mudanças que envolvem tanto conte-
údo quanto a forma de ensino, atingindo diretamente a formação dos
estudantes para um mundo excessivamente tecnológico.

232 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Sendo o curso de informática por natureza ligado às tecnologias,
a discussão sobre a relação entre as TDICs e o currículo, é ainda mais
importante, num curso onde a tecnologia é base especifica trabalhar a
interdisciplinaridade é critério primordial, e observando o dia a dia da
escola e a aplicação desse currículo percebe-se que isso tem sido busca-
do, no entanto ainda é difícil colocar em prática a interdisciplinarida-
de em seu conceito principal, ela ainda acontece muito pontualmente,
cada componente, cada professor ainda desenvolve as atividades volta-
das para o seu conteúdo, ao invés de pensar num todo, cada um pensa
sua ementa por exemplo.
Considerando, nesse sentido que, a Educação Profissional Técni-
ca de Nível Médio, tem por base a formação humana integrada, edu-
cação, ciência, tecnologia e trabalho, que privilegia os itinerários for-
mativos, a escola vem trabalhando para desenvolver tanto do professor
quanto do estudante, e todos os atores que coordenam o trabalho pe-
dagógico com esse olhar interdisciplinar a partir do novo currículo do
ensino médio.
Questões como a forma que as TDICs são inseridas (ou não) no
currículo do curso de informática integrado ao ensino médio, no IF
Baiano, campus Uruçuca, o modo como os professores do referido
curso pode inserir as TDICs em suas disciplinas. Qual o papel e fun-
cionalidades das TDICs na educação profissional a partir da BNCC,
da LDB e da lei 11.892/08, como os discentes percebem o uso (ou
não) o uso das TDICs no seu curso, quais as proximidades e os dis-
tanciamentos que podem ser observados entre o que diz o currículo.
A partir de 2018, com a nova BNCC, as instituições federais pre-
cisaram se adequar a esse novo processo de ensino-aprendizagem, que

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 233


visa ter o aluno como protagonista do seu conhecimento, na constru-
ção dos saberes, estruturado com base nas suas habilidades. No cam-
pus Uruçuca, os projetos pedagógicos dos cursos foram reformulados
para atender a essa nova realidade educacional, a partir da criação de
comissões para discutir esse documento, uma vez que não foi, ou me-
lhor, não uma mudança simples.
Foi preciso mudar a matriz curricular e, com essa nova proposta
da Base nacional comum curricular muitos componentes sofreram
redução em suas cargas horárias, e em alguns momentos foi discutida
até a retirada de determinado componente, o que não aconteceu nos
projetos pedagógicos dos cursos do Campus, as discussões quanto a
projetos interdisciplinares se intensificou, mais uma vez pensamos na
formação desse cidadão integral.
Nessa perspectiva, a BNCC (BRASIL, 2018) como uma nova
ferramenta na educação pública, precisou funcionar como instru-
mento na organização da nova matriz curricular, numa educação inte-
grada, incentivando ainda mais o uso das TDICs, observando tanto a
realidade das salas de aula, quanto a realidade do estudante e a prática
do professor, ajustes precisaram ser feitos, adequações foram neces-
sárias, inclusive discussões sobre precarização da educação, principal-
mente para estudantes das escolas públicas, uma vez que muitos deles
não tem acesso a tecnologias nem na escola, nem em casa.
As tecnologias digitais da comunicação e informação foram fun-
damentais para o currículo integrado, foi necessário uma atenção
ainda mais direcionada, para o ensino-aprendizagem e as atividades
interdisciplinares, como já foi dito, não é uma coisa fácil de ser feita,
sabe-se que a escola é um espaço social e político e que nela se dão

234 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


várias relações de poder e conflito, assim o currículo integrado teve
que buscar desenvolver a autonomia dos professores e dos estudantes,
principalmente quando todos nós vivemos um momento nunca espe-
rado, como foi o caso da pandemia da COVID 19.
Foi preciso refletir sobre o papel social e político da escola, suas
fragilidades e as mudanças que foram necessárias para o enfrentamen-
to desse momento, e as tecnologias digitais foram postas em xeque, e
toda a comunidade acadêmica precisou se adequar, a escola foi desafia-
da a se reestruturar, essa reestruturação já era prevista a algum tempo.
Para Rojo (2013, p. 7), é “[...] preciso que a instituição escolar prepare
a população para um funcionamento da sociedade cada vez mais digi-
tal e também para buscar no ciberespaço um lugar para se encontrar,
de maneira crítica, com diferenças e identidades múltiplas.”.
Entendendo que a sociedade está cada vez mais tecnológica, con-
tudo, ainda há muitas lacunas que distanciam diversas pessoas, in-
cluindo não apenas os jovens, como também os professores de um
uso consciente do meio digital. Por isso é importante tratarmos aqui
da prática docente, sabemos que nos últimos anos esses professores
foram desafiados a sair da sua zona de conforto e se inteirar mais com
as tecnologias da informação e comunicação.

Prática docente e o uso das TIDCs

Ao relacionarmos as tecnologias digitais com o ambiente social,


não podemos negar que uma área, em particular, está sendo bastante
influenciada por elas: a escola. Para Moran (2018, p. 9), “[...] escolas

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 235


não conectadas são escolas incompletas (mesmo quando didaticamen-
te avançadas)”. Nesse sentido, entendemos que, ao mesmo tempo em
que o processo de ensino e aprendizagem é interpelado pelas tecnolo-
gias digitais, compreender como a instrumentalização e uso das tecno-
logias afeta o processo educativo é essencial para acompanharmos as
mudanças educacionais que os novos tempos exigem.
As tecnologias digitais fazem parte do atual contexto escolar, no
processo de ensinar e aprender; e parte significativa dos alunos, em sala
de aula, sobretudo em contextos urbanos, já não consegue desvincu-
lar-se dos aparelhos móveis para ter acesso à internet e, em particular,
às redes sociais. Entendemos, então, como tarefa urgente levar a cul-
tura digital para a sala de aula para mediar e melhorar o processo de
ensino e aprendizagem, sobretudo na formação técnica, considerando
o aprimoramento pessoal e o profissional.
Sabemos que, apesar de já ser tema recorrente, as TDICs ainda não
são uma prática frequente no cotidiano de muitos docentes em sala de
aula, visto esses professores ainda estão num contexto analógico. De
acordo com Adelina Silva (2006, p. 48),

Uma das explicações levantadas para justificar esse quadro, consiste no


fato de que os professores sentem que possuem dificuldade em lidar
com as TDIC e, em geral, vão fazendo pequenas concessões, mas sem
mudar a sua prática. Muitos ficam receosos de revelar suas dificuldades
tecnológicas diante dos alunos. Assim, seguem mantendo em suas aulas,
uma estrutura repressiva, controladora, repetidora.

Para que tenhamos uma práxis docente inovadora, esse profissio-


nal deve conhecer o conteúdo que será ensinado, organizar pedagogi-
camente esse conteúdo, dominando-o, paralelo a isso é essencial que

236 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


ele tenha acesso às TDICs, que se dedique ao processo de formação
continuada e esteja em busca de uma mudança na sua prática pedagó-
gica. Destacamos, assim, que a escola precisa acompanhar os processos
de inovação tecnológica com a mesma velocidade que as informações
chegam aos estudantes.
Ao docente, cabe a mediação entre o sujeito e o objeto da apren-
dizagem, propondo desafios, problematizações, investigações e con-
clusões, levando o aluno a mobilizar diversos recursos cognitivos. O
docente faz intervenções intencionalmente planejadas, contemplando
a adoção de estratégias apropriadas, discussão em grupos e a reflexão
analítica. O ensino, portanto, deve ser planejado em consonância com
as características sociais, culturais e cognitivas, de modo a desenvolver
o cidadão crítico, participativo, capaz de compreender e atuar na socie-
dade. Assim, entendemos que será possível constituir uma educação
profissional pública de qualidade, autônoma e democrática.
O sujeito contemporâneo tem sido cada vez mais impactado com
as tecnologias digitais, sobretudo os jovens, conhecidos atualmente
como “nativos digitais” (PRENSKY, 2001). Vivemos em um contex-
to no qual é perceptível uma crescente conectividade à internet com
o uso de aparelhos como smartphone, tablet, i-pad, notebook, dentre
outros.
De forma geral, quem tem condições, na maioria das vezes, já não
consegue mais desvincular-se de um aparelho móvel, o que nos permi-
te compreender que o aparato passou a ser considerado um acessório
indispensável para o envolvimento social que circunda a comunicação
entre as pessoas.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 237


No entanto, para que isso aconteça de forma efetiva, o docente
deve organizar suas atividades de sala de aula de maneira que trabalhe
conjuntamente diversas ferramentas, incluindo as tecnologias digi-
tais. A proposta curricular dos cursos e dos componentes curriculares
deve zelar pela interdisciplinaridade, contextualização e flexibilização
na definição dos objetivos e competências, dos conteúdos e práticas
pedagógicas. Esta construção ocorre de forma coletiva e colaborativa,
assegurando a autonomia, os saberes específicos, pedagógicos e das
experiências dos profissionais, bem como a realidade local, regional e
demandas sociais.
Dessa forma, a prática docente precisa privilegiar o diálogo per-
manente, investigação, seleção e organização de ideias, as quais levam
o discente a experimentar descobertas e adotar uma postura de ques-
tionamento frente à ciência, ampliando seus conhecimentos. Refor-
çando à necessidade do uso das TDICs estarem fundamentadas em
princípios psicopedagógicos, dado que não se trata de simplesmente
inserir por inserir as tecnologias no currículo.
É preciso, nesse sentido, que haja uma funcionalidade e o diálo-
go com toda o currículo, a fim de que seja algo que instrumentalize
os discentes e faça sentido para eles, essa instrumentalização também
precisa estar presente no contexto do docente, para que não haja um
descompasso entre docente e discente quanto as tecnologias digitais.
Reconhece-se a necessidade de atualização constante das diver-
sas mídias digitais pelos professores, uma vez que os estudantes estão
em constante movimento quando se fala em tecnologia, como o curso
que estamos tratando aqui é um curso de nível médio temos o foco
nos estudantes de determinada faixa etária, contudo o debate acerca

238 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


do uso das TDICs no ensino amplia-se para todos os níveis e moda-
lidades da educação, dada a necessidade dos letramentos digitais dos
professores trazerem as TDICs para a sala de aula, como forma de ins-
trumentalizar pessoal e profissionalmente a todos os discentes.
Mariana Batista de Lima e Paula Bacarat de Grande (2013) cha-
mam a atenção para o fato de que, mesmo que a escola não tematize as
TDICs, de forma geral, os jovens continuarão a dialogar com saberes
que não são legitimados pela escola, sobretudo a partir das TDICs.
Nesse sentido, elas discutem que “[...] o que se pode constatar é que os
alunos não deixam de ter contato com esses saberes que se apresentam
nas novas mídias; o que ocorre é que eles usam mais os meios digitais
fora do ambiente escolar e para uma gama de diferentes propósitos.”
(LIMA; GRANDE, 2013, p. 57). É, portanto, uma função primor-
dial da escola, e, nesse contexto, dos professores.
O professor, nessa concepção, busca favorecer um aprendizado
que vá ao encontro da realidade do aluno, desenvolvendo a autono-
mia e criticidade do educando. Pretende-se a formação integral e hu-
manística aliada à formação técnico-científica para que o educando
seja um cidadão mais participativo e agente transformador em sua
sociedade, protagonista do seu próprio aprender e conhecer. Nesse
processo, os componentes curriculares devem promover o trabalho
interdisciplinar (aprendizagem interdisciplinar), favorecendo a rela-
ção entre conhecimentos de forma a tornar o aprendizado mais signi-
ficativo (aprendizagem significativa).
Isso a fim de que o discente seja capaz de relacionar o aprendiza-
do em sala de aula com seu universo de conhecimentos prévios, ex-
periências e situações profissionais. A utilização das TDICs ganhou

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 239


importância maior no aprendizado do estudante, e na formação do
professor como mediador da aprendizagem, como ferramenta para o
crescimento e o aprimoramento dos estudantes, aqui falamos dos es-
tudantes do curso técnico em informática do IF Baiano Campus Uru-
çuca, mas é importante ressaltar que a prática docente a partir do uso
das TIDCs é fundamental para a formação de todo estudante, seja em
qual modalidade ou curso estejam.

Considerações finais

Ao final desse trabalho chega-se à conclusão que para que haja


uma construção do conhecimento e aprimoramento dos indivíduos
no curso técnico em Informática integrado ao ensino médio no Ins-
tituto Federal Baiano Campus Uruçuca, é preciso que aconteça de
forma eficiente nas escolas o uso das tecnologias digitais da informa-
ção e comunicação, no entanto o uso dessas tecnologias não acontece
apenas em sala de aula, é preciso que esse uso aconteça fora das salas de
aula e da prática docente.
É fundamental que toda a comunidade acadêmica entenda a im-
portância dessa ferramenta, uma vez que as gerações estão nascendo
cada vez mais tecnológicas, e após o mundo viver uma pandemia não
há como retroceder apenas as ferramentas utilizadas quando não ha-
via a tecnologia. Não há como imaginar o mundo sem tecnologia, nas
últimas décadas os avanços tecnológicos contribuíram para modificar
o comportamento do homem, nas diversas formas de se relacionar.
Para tanto é necessário que os professores tenham consciência

240 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


dessas mudanças, que conheçam os documentos institucionais, que
coloquem em prática a interdisciplinaridade ainda muito superficial
no dia a dia das salas de aula, uma vez que a relação com aprendiza-
gem e o consumo de conteúdo tem acontecido em tempo real, os es-
tudantes estão conectados com as informações e compartilhando esse
conhecimento de forma dinâmica e interativa.
Dessa forma as TDICs são ferramentas para aprimoramento do
conhecimento, melhorar a qualidade da educação, e a forma de apren-
dizagem tem se tornado a forma mais atraente para o contexto de sala
de aula, é um ótimo auxilio para os estudantes sejam os que tem facili-
dade ou mesmo para os que tem dificuldades de aprendizagem, sabe-
mos que é um desafio para a prática docente, no entanto uma vez que
o docente entende como essa ferramenta pode facilitar suas atividades
verá que ela está ali como aliado da sua prática.

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242 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


capítulo 13

Caminhos de Formação: itinerários


educacionais dos estudantes do
Ensino Médio Integrado no IF Baiano
Campus Uruçuca
Adeilton Dias Alves
Wesley dos Santos Sampaio

DOI: 10.52788/9786589932819.1-13
Resumo: As diferentes abordagens da Sociologia da Educação já des-
nudaram que a trajetória educacional de um indivíduo é um caminho
complexo, que envolve muito mais que apenas o seu próprio esforço.
Há fatores sociais que potencializam ou obstaculizam o sucesso es-
colar. A identificação de tais fatores é crucial para retroalimentar as
práticas e políticas institucionais. No rumo desse pensamento, não é
suficiente apenas garantir que adolescentes e jovens estejam na esco-
la. É preciso compreender e intervir nas questões relacionadas à per-
manência e desempenho escolar. Por isso mesmo, este trabalho tem
como objetivo apresentar resultados preliminares de pesquisa voltada
ao perfil educacional dos estudantes do IF Baiano Campus Uruçuca,
nos cursos de Ensino Médio Integrado. Ainda em execução, a investi-
gação tem permitido a produção de séries temporais de dados estatís-
ticos a partir de três fontes distintas, devendo estes dados serem ana-
lisados não apenas por meio de modelos estatísticos, mas também à
luz da Teoria da Reprodução, de Pierre Bourdieu, com destaque para
os conceitos de Habitus e Capital Cultural. Os insumos provenientes
da análise desses dados devem informar o conteúdo de sugestões de
aprimoramento nas políticas de permanência e êxito para estudantes
do Ensino Médio Integrado no IF Baiano Campus Uruçuca, dentre
os quais aproximadamente 86% se autodeclaram negros e são benefi-
ciários de ações afirmativas como as referidas políticas; fomentando,
portanto, reflexões sobre a educação das relações étnico-raciais (MU-
NANGA; GOMES, 2016).

Palavras-chave: Desigualdades Sociais, Ensino Médio, Capital


Cultural.

244 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Introdução

Instituídos pela lei 12.892 de 29 de dezembro de 2008, os Insti-


tutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia são atualmente uma
importante política pública cujo potencial pleno ainda não se reali-
zou. Apesar disso, têm aportado relevantes contribuições para diver-
sos municípios e regiões em todos os estados da Federação, em termos
de promoção do acesso à educação pública, gratuita e de qualidade. Já
com 15 anos de existência e muitas conquistas em termos de difusão
da Educação Profissional e Tecnológica – EPT – são ainda gigantescos
os desafios para a Rede Federal em termos de sua contribuição para a
redução das desigualdades regionais e da pobreza no país.
Entre os principais desafios, destacamos a ampliação do acesso,
permanência e êxito de estudantes, especialmente quando oriundos
de famílias de baixa renda que vivem em situação de pobreza. São
inúmeras as barreiras sociais que se interpõem ao desenvolvimento
educacional pleno de adolescentes e jovens do país e, no caso aqui
em análise, especialmente da Bahia, estando entre elas: desigualdade
de renda, negação de direitos e oportunidades às famílias, estruturas
opressoras com a permanência e reprodução do racismo e machismo,
entre outras.
Defendemos que para fazer frente a estes obstáculos históricos,
é necessário que as políticas de permanência aliadas aos princípios da
EPT sejam o foco de atuação destas instituições, mais especificamente
numa abordagem de abrangência territorial, considerando as dinâ-
micas regionais já presentes nos diversos territórios do país. O texto

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 245


emerge como notas preliminares de pesquisa de um projeto denomi-
nado Caminhos de Formação: itinerários educacionais dos estudantes
do Ensino Médio Integrado no IFBAIANO Campus Uruçuca entre
2018-2021.
Considerando os limites deste trabalho, não pretendemos aqui
um aprofundamento de cada um dos desafios mencionados, mas sim
organizar reflexões preliminares em torno dos dados e informações do
projeto Caminhos de Formação, considerando a realidade do territó-
rio de atuação IF Baiano Campus Uruçuca. Tal conteúdo deverá ser
detalhadamente explorado ao longo dos desdobramentos do processo
de pesquisa, que se estende ao longo do ano de 2023.
Nesse sentido é salutar dividirmos o texto em três partes, a sa-
ber: (i) Caracterização da abordagem do projeto e das condições de
sua emergência, (ii) principais conceitos envolvidos e estratégias de
método; (iii) Reflexão em torno dos dados preliminares e principais
descobertas.
Agradecemos ao IF Baiano e FAPESB (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia), pelo financiamento do projeto e espe-
ramos que os seus resultados sejam insumos para discussão e refino de
estratégias e de ação, seja no Campus Uruçuca ou em qualquer outro
ambiente em que houver pessoas interessadas em promover educação
de qualidade, comprometida com a redução da pobreza e das desi-
gualdades que afetam estudantes e suas famílias em todo o país, espe-
cialmente na região Norte e Nordeste do Brasil.

246 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Percurso do projeto

O IF Baiano – Campus Uruçuca, oferece oportunidades de for-


mação dentre as quais os cursos de Técnico em Informática Integrado
ao Ensino Médio e Técnico em Guia de Turismo Integrado ao Ensino
Médio são destaques tanto em termos de quantidade de estudantes,
quanto em termos de resposta às demandas da região em termos de
formação educacional. Com exceção do período em que as famílias
brasileiras foram acometidas pela pandemia de Covid-19, anualmente
ingressavam em média entre 90 e 100 estudantes distribuídos nestes
dois cursos.
Apesar dos esforços institucionais, atualmente não há no cam-
pus nenhuma informação organizada, sistematizada e devidamente
estratificada que permita conhecer e manter atualizado o perfil dos
estudantes, o acompanhamento de seu progresso educacional, bem
como os itinerários que traçam após concluírem seus cursos. Essa la-
cuna dificulta os esforços da comunidade acadêmica em oferecer aos
estudantes uma formação educacional em constante aprimoramento.
Também dificulta as ações de comunicação junto à comunidade exter-
na, haja vista a inexistência ou insuficiência de dados concretos e qua-
lificados, especialmente quando estes discentes se tornam egressos.
Além de carecer de fundamentação científica adequada, o Pro-
grama de Nivelamento e Aprimoramento da Aprendizagem (PRO-
NAP) é implementado no campus de maneira assistemática, dificul-
tando que sejam produzidas “séries históricas de dados que permitam
analisar a cada ano as mudanças no perfil dos estudantes, bem como

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 247


suas necessidades de aprendizagem, entre outras” (ALVES, TRIN-
DADE, et al., 2017).
Das ações promovidas pelo campus, a que mais se destacou foi
a realização de uma pesquisa diagnóstica junto aos 128 estudantes
ingressantes em 2017.1, para os cursos supracitados. A despeito de
tratar-se de iniciativa profícua, a referida pesquisa está limitada a co-
nhecer o perfil do ingressante em um ano específico. Carece de apro-
fundamento, ampliação de seu escopo teórico e empírico com vistas
tanto a qualificar a abordagem, quanto a produzir séries históricas de
dados, estatísticas e outras informações que fomentem e fundamen-
tem as discussões e intervenções levadas a cabo no interior do campus
e na sua relação com a comunidade externa.
Faz-se, portanto, necessária a realização de pesquisas sociológicas
que tornem a abordagem tanto mais profissional quanto mais fun-
damentada. Não há como abrir mão da fundamentação científica na
análise de um problema de tamanha amplitude, que pode ser inter-
posto a partir da articulação de três questionamentos-chave: afinal,
qual o perfil do estudante que ingressa nos cursos de Ensino Médio
Integrado ofertados pelo IFBAIANO Campus Uruçuca? Que contri-
buição o Instituto agrega à formação desses estudantes ao longo dos
três anos do curso? Qual o itinerário seguido pelos egressos em termos
de atividades estudantis e profissionais?
Estas três perguntas referem-se a três momentos específicos da
vivência desses estudantes: a) como chegam ao Instituto, em termos
de perfil educacional; b) a maneira como sua formação educacional é
incrementada a partir de sua vivência nos cursos, e; c) a direção que to-
mam tanto em termos de continuidade de estudos, quanto em termos

248 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


de integração ao mundo do trabalho. O conhecimento sistemático e
gradual dessas três variáveis (perfil educacional inicial, contribuição
do Instituto, escolhas acadêmico-profissionais) que permeiam a edu-
cação desses estudantes é para o IF Baiano uma oportunidade singu-
lar.
Singular primeiro porque sabemos que, em média a cada 3 estu-
dantes ingressantes, apenas 1 tem apresentado desempenho adequa-
do, esperado para a sua idade e série (ALVES, TRINDADE, et al.,
2017). Isso significa que aproximadamente 66% dos estudantes desses
cursos ingressam numa séria condição de desvantagem social e educa-
cional cujas origens precisam ser amplamente conhecidas e debatidas
pela comunidade acadêmica. Não havendo mudança significativa nes-
sa situação (durante os três anos nos quais cursam o Ensino Médio
Integrado), a tendência é que a referida desvantagem continue como
um contrapeso, limitando as possibilidades de construção de uma
vida digna e exercício da cidadania pelos estudantes, endereçando-os
aos postos de trabalho mais vulneráveis às diversas formas de explora-
ção e precarização.
Há também um recorte étnico-racial, se considerarmos que em
média 88% dos estudantes ingressantes no Campus Uruçuca se de-
claram pretos ou pardos (ALVES, TRINDADE, et al., 2017). Infe-
lizmente, a única pesquisa sistemática existente, já mencionada, não
possibilitou cruzar esta variável com o desempenho educacional, pois
desse modo seria possível aferir em detalhes como a população negra
é fortemente afetada pela negação do acesso às oportunidades no de-
correr de sua trajetória formativa. O projeto Caminhos de Formação
busca inclusive preencher esta necessidade, pois os dados sugerem que

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 249


estes estudantes já chegam ao Ensino Médio com sérias lacunas em seu
desenvolvimento, dificultando sobremaneira o seu sucesso escolar.
Sem enfrentar esta realidade, a intenção de potencializar o “fortaleci-
mento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais” (BRASIL,
2008) é seriamente atenuada, comprometida na fonte.
É, portanto, urgente a necessidade do IF Baiano Campus Uru-
çuca estruturar seu conhecimento e abordagem a respeito desta pro-
blemática, que afeta sensivelmente o desenvolvimento da sua região
de atuação, bem como a trajetória individual de cada estudante. Ao
enfrentar este desafio o Instituto assume a possibilidade de compreen-
der e aprimorar suas práticas, alinhando-as às necessidades do seu pú-
blico prioritário, posto que pelo menos 50% das vagas dos Institutos
Federais são, por força de lei, necessariamente destinadas ao Ensino
Médio Integrado (BRASIL, 2008). Poderá, por isso mesmo, oferecer
à sociedade estudantes mais preparados, corrigindo distorções educa-
cionais que pesam na trajetória da maioria da população da região sul
da Bahia (ALVES, TRINDADE, et al., 2017).
Além dessa possibilidade, o conhecimento atualizado do perfil
dos estudantes permite o aprimoramento das Políticas de Assistência
Estudantil e de Inclusão, bem como deve influenciar de maneira efe-
tiva na avaliação e aprimoramento dos cursos ofertados no Campus
supramencionado, desde que haja intenção da comunidade acadêmi-
ca. Dentre as políticas de diversidade e inclusão, também passíveis de
aprimoramento de sua atuação, pode ser mencionado o Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros e Indígenas – NEABI, regulamentado pela
Resolução nº 33, de 25 de novembro de 2015 (IFBAIANO, 2015). O
amadurecimento destas políticas depende da compreensão e acompa-

250 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


nhamento da situação de discentes e suas famílias no território, bem
como da disposição inarredável em sempre de novo religar e reorientar
as ações da instituição às duas finalidades e intenções primeiras.

Educação e desigualdades sociais

As diferentes abordagens da Sociologia da Educação já desnu-


daram que a trajetória educacional de um indivíduo é um caminho
complexo, que envolve muito mais que apenas o seu próprio esforço.
As estruturas sociais limitam algumas possibilidades dos sujeitos, ao
passo que impulsionam outras. Há nos indivíduos uma disposição
para a ação (habitus) que é constituída socialmente e que pode ser en-
tendida como um duplo movimento de interiorização da sociedade e
exteriorização de sua subjetividade (BOURDIEU, 2013).
Ambos os movimentos se complementam e se implicam na exis-
tência dos sujeitos. Dizendo de outro modo, as desigualdades sociais
também são incorporadas, passando a influir na exteriorização das
práticas dos indivíduos, ou seja, em suas maneiras de sentir, pensar e
agir. E, cabe acrescentar, as instituições de ensino nem sempre estão
preparadas para compreender e atuar sobre essa situação.
Foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu um dos primeiros a iden-
tificar que a tendência geral da educação, das instituições educacio-
nais, é a reprodução das desigualdades existentes na sociedade. Apon-
tou, por isso mesmo, a necessidade de constante estudo e avaliação
dessas instituições, de suas políticas e de suas práticas (BOURDIEU;
PASSERON, 2013).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 251


Assim, qualquer escola enquanto instituição tende a reproduzir
a as desigualdades e legitimar a estratificação social que em grande par-
te é construída fora de seus muros. Não há nenhum sociólogo que
desconheça que, ao contrário do que pensa o senso comum, o sucesso
ou fracasso escolar não está exclusivamente ligado a fatores meritocrá-
ticos. Não são, portanto, uma questão restrita ao esforço individual.
Sucesso e fracasso, nesse contexto, têm muito mais a ver com a forma
como na sociedade as oportunidades são organizadas e distribuídas
entre os indivíduos.
Bourdieu conseguiu examinar essa problemática a partir do con-
ceito de Capital Cultural, percebendo como os estudantes chegam à
escola já com uma bagagem cultural que a uns lhes possibilita cor-
responder às exigências culturais legitimadas e valorizadas pela escola,
como por exemplo, a norma culta da língua escrita e falada, bem como
o conhecimento de idiomas estrangeiros (NOGUEIRA; CATANI,
1998). A outros, geralmente oriundos de comunidades empobreci-
das, não lhes possibilita a mesma correspondência.
Por conseguinte, podemos compreender que as desigualdades
não são geradas na escola, mas lhe penetram desde o meio social mais
amplo. O que geralmente a escola faz é amplificar e legitimar tais de-
sigualdades, selecionando os alunos “vencedores”, para os quais estão
reservadas as profissões de melhores remuneração e prestígio; enquan-
to que para os outros, os considerados “perdedores” ou “medíocres”,
estão reservadas reprovações, bem como as profissões menos remune-
radas e valorizadas.
Neste sentido, a maneira pela qual a instituição escola funciona
legitima e define o lugar social a ser ocupado pelos indivíduos que por

252 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


ela passam, aprofundando inclusive o abismo entre trabalho manual
(menos prestigiado) e trabalho intelectual (mais prestigiado e melhor
remunerado).
Ao subjetivar o meio social e objetivar as suas individualidades,
os indivíduos conformam um habitus, que Bourdieu compreende
como natureza incorporada, disposições do sujeito orientadas para a
ação, quase como que uma postura orientada para a ação. Trata-se da
incorporação das estruturas sociais. O habitus “[…] como indica a pa-
lavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital
[…], indica a disposição incorporada, quase postural -, mas sim o de
um agente em acção […]”. (BOURDIEU, 2007, p. 61).
Depois de Bourdieu, somente alguém desinformado poderia
analisar os fatores do sucesso ou fracasso escolar sem levar em consi-
deração a trajetória dos estudantes, a posição que eles ocupam no jogo
social desigual onde são distribuídas e disputadas as oportunidades.
Salvo exceções estudadas por Xypas (2017) em sua “Sociologia do Im-
provável”, nesses jogos, tenderão a sair vencedores a maioria daqueles
cuja trajetória de vida lhes permitiu herdar e acumular um maior Ca-
pital Cultural, em termos de gostos, conhecimentos, diplomas, entre
outros valores legitimados em nossa cultura. O que se deve analisar é
um itinerário que foi socialmente construído, passível, portanto, de
reconstrução.
Considerando o exposto, desde que a comunidade acadêmica
se mantenha reflexiva e crítica em sua prática, o IF Baiano Campus
Uruçuca pode contribuir para mitigar as distorções que pesam sobre
o histórico educacional de milhares de adolescentes e jovens de Uru-
çuca e das cidades circunvizinhas e com isso alterar de modo positivo

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 253


a dinâmica de reprodução das desigualdades sociais que pesam sobre
o Território Litoral Sul.
Para isso, é necessário não apenas conhecer dados e indicadores
socioeconômicos, mas também acompanhar suas dinâmicas evolutiva
e involutiva, bem como tomar as decisões estratégicas e operacionais
com base nestas descobertas. Fora deste quadro analítico e decisório
não é possível manter viva a intencionalidade e racionalidade das ações
de qualquer instituição educacional.
Embora o enfoque dessa pesquisa venha exigindo a mobilização
de conhecimentos a respeito da pesquisa de natureza quantitativa
e qualitativa, este último termo predomina como característica dis-
tintiva. Basicamente, a primeira está interessada na extensão dos fe-
nômenos, enquanto a qualitativa se interessa pela intensidade destes
(DEMO, 1995). Essa é uma articulação possível e desejável, uma vez
que os dois enfoques podem complementar-se mutuamente em suas
lacunas e em suas vantagens.
Ao longo da execução do projeto vem sendo necessário fazer
uso de técnicas estatísticas frequentemente utilizadas em Sociologia
para organizar as séries históricas de dados. Histogramas de frequên-
cia, tabelas, testes de hipóteses, diagramas de dispersão, entre outros
gráficos que deverão ser produzidos a partir de dados provenientes de
instrumentos como questionários estruturados, contendo perguntas
de tipo fechado. O conteúdo dos trabalhos de Triola (2013) e Barbet-
ta (2007) tem sido a base para estruturação dos modelos estatísticos,
testes e questionários por meio dos quais os dados da pesquisa vêm
sendo construídos.

254 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Tais resultados são oriundos de três vias distintas: a) Questioná-
rios estruturados, respondidos de forma presencial para todos os es-
tudantes localizados no campus, bem como disponibilizados na web
para estudantes que estejam residindo em outras cidades e estados; b)
Análise quantitativa e qualitativa dos documentos dos estudantes,
presentes na Ficha do Aluno, disponíveis na Secretaria do Campus,
disponibilizados mediante solicitação prévia, e; c) Dados estatísticos
disponibilizados na web pelo INEP/MEC a respeito do desempenho
dos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem, entre
outros dados secundários pertinentes. Até o momento da elaboração
deste texto, apenas dados referentes ao item “a” já estão disponíveis
para análise, sendo que os demais estarão na sequência da execução.
De posse dos dados provenientes das três fontes mencionadas,
será necessário abordar tais informações pelo enfoque conhecido
como tabulação cruzada (TRIOLA, 2013), uma variante da abor-
dagem triangular. É, portanto, um cruzamento que possibilitará ar-
ticular as informações oficiais disponibilizadas pelo MEC – fonte
secundária -, a documentação institucional disponível na Secretaria
do campus e os dados primários, provenientes das respostas aos ques-
tionários por parte dos adolescentes e jovens estudantes.
Apesar de as estatísticas revelarem as tendências e característi-
cas importantes a respeito do perfil dos estudantes, é necessário fun-
damentar um quadro teórico de análise que vá para além da análise
matemática dos números. Nesse caso, o legado de Pierre Bourdieu e
também os trabalhos de Xypas (2017) cumprem importante função,
à medida que possibilitam compreender a trajetória educacional dos
estudantes no desenvolvimento de uma reflexão teórico conceitual

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 255


que integra e amplia as possibilidades de interpretação dos dados es-
tatísticos.
Cabe destacar que não se trata de repetir o que Bourdieu fez em
seus estudos do sistema educacional francês (BOURDIEU; PASSE-
RON, 2013). Trata-se sim de identificar, por exemplo, no perfil dos
estudantes se há diferenças culturais significativas entre aqueles que
apresentam diferentes desempenhos educacionais.
Nesse sentido, será possível verificar se e de que maneira os con-
ceitos Capital Cultural e de Habitus, são eficazes na análise da trajetó-
ria dos estudantes do IF Baiano Campus Uruçuca. Tais conceitos são
operadores cognitivos que contribuem para desenvolver uma análise
teórico-empírica das condições sociais que obstaculizam ou impul-
sionam os estudantes na busca pelo sucesso escolar. Nessa linha de
raciocínio, a pesquisa vem fomentando a compreensão dos desafios e
obstáculos mais recorrentes entre os estudantes e de que maneira eles
estão sendo enfrentados.
Todos os instrumentos produzidos para a viabilização da pesqui-
sa estão sendo elaborados numa perspectiva de continuidade através
do tempo, equipando o IF Baiano de instrumentais científicos capazes
de, tanto serem implementados no Campus Uruçuca, bem como em
outros campi que eventualmente manifestem interesse em conhecer
essa abordagem. Caso o campus monitore anualmente os dados a in-
formações relativos à situação socioeconômica e educacional de estu-
dantes e famílias, poderá dispor das séries históricas que possibilitarão
análises de caráter longitudinal, que deve embasar decisões de caráter
estratégico.

256 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Os sujeitos prioritários são conjuntos dos estudantes egressos,
definidos no recorte temporal da pesquisa e estratificados por amos-
tras representativas, de caráter incidental. No entanto, aqueles cuja
formação está em curso serão também pesquisados, no intuito de ar-
mazenamento dos dados que possam informar a série histórica, de-
vendo, portanto, ser complementados à medida que esses estudantes
forem se tornando egressos.
Esperamos que com o passar dos anos, esses dados se tornem
cada vez mais relevantes e qualificados, uma vez que deverão revelar
tendências históricas, numa ampliação crescente do conhecimento
a respeito do perfil educacional dos estudantes da região. Governos
(especialmente municipais) e Sociedade Civil poderão se beneficiar
dessas informações de maneira ampla, incluindo-as em seus esforços
de proposição e ajuste de políticas públicas.

Dados preliminares e descobertas

Com média de idade de 16 anos, até o momento, 121 discentes


já participaram da primeira fase da pesquisa, sendo 49% ingressantes
em 2017 e responderam aos questionários em 2018 e 51% ingressaram
no instituto em 2018 e responderam em 2019. Abaixo segue tabela
apresentando dados preliminares sobre os discentes:

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 257


Tabela 1: Dados discentes.
Identificação Curso Município Ano de Ingresso
Guia de
Meninos Meninas Informática Uruçuca Outros* 2016 2017 2018
Turismo
44% 56% 69% 31% 48% 52% 14% 40% 46%
* 21 outros municípios.
Fonte: elaboração própria, 2018.

Além do número de meninas 12% maior que o de meninos, tam-


bém é importante destacar que em 2018 os discentes residentes em
Uruçuca totalizaram 48%, o que mostra que a maioria, 52%, proveio
de 21 diferentes municípios do território. Isso ressalta a importância
da inserção do IF Baiano nos diferentes municípios da região, aten-
dendo a estudantes e famílias de diversas regiões dentro de sua área de
atuação.

Tabela 2: Dados socioeconômicos discentes.


Utiliza Alojamento no Ens. Fundamental em
Casa Própria Quitada
Campus Escola Pública
Sim Não Sim Não Sim Não
53% 47% 63%% 37% 52% 48%
Fonte: elaboração própria, 2018.

É importante destacar a importância das políticas de assistência


estudantil, se considerarmos que pouco mais da metade dos discentes
provém de escola pública e depende do alojamento do campus, que é
a residência estudantil. Os dados de renda e escolaridade dos pais cor-
roboram estas afirmações, como pode ser observado na tabela abaixo:

258 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Tabela 3: Escolaridade dos pais e renda familiar.
Renda Familiar Mensal em
Escolaridade dos pais
Salários Mínimos
Pai Mãe 0 – 0,5 SM 24%
Fundamental Incompleto 31% 16% 0,5 – 1 SM 38%
Fundamental Completo 08% 12% 1 – 2 SM 22%
Médio Completo 23% 41% 2 – 3 SM 06%
Superior Completo 13% 24% 3 – 5 SM 03%
Não sabe 25% 07% +5 – SM 07%
TOTAL 100% 100% TOTAL 100%
Fonte: elaboração própria, 2018.

Quando somamos os dados das faixas de renda declaradas entre 0


a 1 salário mínimo, temos que 62% dos discentes localizados nesta par-
cela. Ou ainda, podemos afirmar que 84% dos estudantes declaram ter
renda familiar mensal de 0 a 2 salários mínimos. A título de ilustração,
dados da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica indicam
que em 2018 a distribuição de matrículas por renda per capita familiar
de até 1 salário mínimo era de 99,41%.
No entanto, este indicador não pode ser comparado diretamen-
te com os percentuais que identificamos em nossa pesquisa devido à
diferença na forma de composição do mesmo, que (i) abrange o todos
os campi do IF Baiano, (ii) enfoca a renda per capita, além de que em
nossa pesquisa nós contamos cada pessoa apenas uma vez, e o indica-
dor do MEC, por ser (iii) enfocado em matrícula, pode contar mais
de uma vez uma mesma pessoa que esteja matriculada em mais de um
curso naquele período específico.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 259


A despeito de não poderem ser comparados, os dois dados man-
têm uma coesão: o público atendido é composto majoritariamente
por famílias de baixa renda, o que demanda atenção especial às políti-
cas de inclusão e de assistência estudantil, com finalidade de permitir a
permanência e êxito dos estudantes na conclusão de seus cursos.
Os dados apresentados na tabela abaixo expõem as opiniões dos
discentes quanto suas expectativas de futuro e quanto às condições
oferecidas pelo IF Baiano:

Tabela 4: Condições de Êxito e Expectativa de Futuro.


O IF lhe Ofereceu Condições para
Expectativa de Futuro
Concluir o Curso com Êxito
Entrar na Universidade 78% Concordo 55%
Trabalhar na Área do Curso 10% Concordo em Partes 44%
Ainda Não Sabe 12% Discordo 01%
TOTAL 100% TOTAL 100%
Fonte: elaboração própria, 2018.

É perceptível que a maioria (78%) nutre expectativa de continuar


os estudos, ingressando na Universidade. Por si só este fato é positivo,
uma vez que pode significar que estudantes se sentem estimulados em
sua confiança e/ou desejo de seguir estudando. 55% concorda que o
Instituto lhes ofereceu condições adequadas para a conclusão de seu
curso com êxito, enquanto 44% concorda parcialmente e apenas 1%
discorda. Dando continuidade à apresentação dos dados, vejamos a
próxima tabela:

260 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Tabela 5: Expectativas, Desempenho e Participação.
Participa das Discussões
O IF Baiano atendeu Considere Seu
Sobre o Curso e a
suas expectativas? Desempenho no Curso
Instituição?
Em Partes 73% Satisfatório 33% Sim 36%
Pouco Satisfa-
Plenamente 17% 55% Às Vezes 54%
tório
Não Atendeu 10% Insatisfatório 12% Nunca 10%
TOTAL 100% TOTAL 100% TOTAL 100%
Fonte: elaboração própria, 2018.

O IF Baiano atendeu parcialmente as expectativas de 73% dos


discentes, e plenamente as de 17%. Apesar de a grande maioria desejar
ingressar na Universidade, apenas 33% considera que seu desempenho
no curso foi satisfatório. 55% afirmou que seu desempenho foi pouco
satisfatório, enquanto a opção “insatisfatório” foi escolhida por 12%.
Também foi perguntado aos discentes se utilizam computador para
estudar e a resposta foi cruzada com a avaliação que eles fazem de seu
desempenho. O resultado aponta que: dentre aqueles que utilizam
computador para estudar, apenas 7% está com desempenho abaixo do
esperado, enquanto naqueles que não o utilizam, a proporção é da or-
dem de 20%. No que tange à participação nas discussões sobre o curso
e também sobre a instituição, apenas 36% confirma que participa e
54% participa às vezes.
Até o atual estágio da pesquisa, o dado que mais chama atenção é
a reflexão que surge quando confrontamos os percentuais relativos ao
pertencimento étnico-racial com aqueles relativos à forma de ingresso,
conforme disposto na tabela abaixo:

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 261


Tabela 6: Forma de Ingresso e Pertencimento Étnico-Racial.
Forma de Ingresso por Modalidade de
Pertencimento Étnico-Racial
Ação Afirmativa
Branco 10% Raciais 00%
Preto 40% Baixa Renda 07%
Pardo 46% Escola Pública 46%
Amarelo 04% Ampla Concorrência 47%
TOTAL 100% TOTAL 100%
Fonte: elaboração própria, 2018.

Nenhum discente se declarou indígena e 86% se declaram pretos


e pardos, enquanto 10% se reconhecem como brancos e 4% amarelos.
Este número corrobora a pesquisa realizada em 2017, cujo percentual
de declarados pretos e pardos foi de 88% (ALVES; TRINDADE et.
al., 2017). Apesar disso, 0% dos estudantes optaram pelas cotas raciais
como forma de ingresso. Enquanto 46% optaram pelas cotas destina-
das aos oriundos de escola pública, 7% por aquelas destinadas a famí-
lias de baixa renda e 47% por ampla concorrência.
É curioso tal fato e cabe ser abordado nas próximas fases da pes-
quisa, incluindo possivelmente um grupo focal para realização de en-
trevista abordando esta questão. Podem ser várias as razões desta si-
tuação, estando entre as principais hipóteses as questões burocráticas
relativas às exigências de documentação comprobatória; baixa com-
preensão dos discentes sobre as ações afirmativas e sua importância,
entre outras.

262 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Considerações finais

Até o momento já nos é possível caracterizar o estudante dos


cursos integrados do IF Baiano Campus Uruçuca como de baixa ren-
da, provenientes de escola pública, em sua maioria pretos e pardos,
oriundos de famílias com baixa escolaridade; metade é dependente da
residência estudantil, estando distribuídos em mais de 20 municípios
localizados no entorno de Uruçuca, desejosos de ingressar na Univer-
sidade, parcialmente satisfeitos com seu desempenho e com as condi-
ções oferecidas pelo IF.
Ainda que preliminar e parcial este perfil corrobora as reflexões
a respeito do conceito de capital cultural (BOURDIEU, 2013), que
devem ser aprofundadas nas fases subsequentes da pesquisa. 76%
destes jovens afirma ter acesso à internet e 69% diz que utiliza com-
putador para estudar, ainda que apenas 46% afirme ter computador
em casa. Informações como esta, quando consolidadas num quadro
analítico mais amplo, possibilitam triangulações e testes de hipóteses,
especialmente quando a população da pesquisa aumentar, agregando
estudantes dos anos seguintes a 2018, definidos no recorte temporal
que fizemos. O desdobramento das próximas atividades do projeto
permitir aferirá como estes mesmo estudantes, atualmente egressos,
organizaram suas vidas após sua saída do Instituto, bem como que
itinerários profissionais seguiram e quais foram os seus ‘caminhos de
formação’.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 263


Referências

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resultado do teste diagnóstico realizado junto aos estudantes ingressantes em
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para uma teoria do sistema de ensino. Tradução de Reinaldo Bairão. 6. ed.
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de Gestão das Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e
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264 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


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Petrópolis: Vozes, 1998. (Coleção Ciências Sociais da Educação).
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Tradução de Ana Maria Lima Farias e Vera Regina Lima Farias. 11. ed. Rio de
Janeiro: LTC, 2013.
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origem popular. Crítica Educativa, 3(1), 5-18, 2017. Disponível em: https://
doi.org/10.22476/revcted.v3i1.214. Acesso em: 30 nov. 2022.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 265


capítulo 14

A educação na perspectiva
intercultural: narrativas e experiências
docentes na Escola Municipal Criança
Esperança, Abaetetuba/PA
Antonilda da Silva Santos

DOI: 10.52788/9786589932819.1-14
Resumo: o presente capítulo tem a intenção de evidenciar a impor-
tância de incluir a diversidade humana no contexto escolar, pois as pes-
quisas sobre questões que envolvem a diversidade no ambiente escolar,
pode ser justificada pelo fato de que precisamos trabalhar na perspec-
tiva de uma educação pautada na pluralidade. Para tanto, partimos
do seguinte questionamento: como a educação intercultural pode se
concretizar e potencializar o currículo, a didática e a prática pedagó-
gica no cotidiano da sala de aula? Sendo assim, traçamos os seguintes
objetivos: analisar o sentido cultural de se educar a partir do trabalho
pedagógico pautado numa educação intercultural; dimensionar quais
os desdobramentos que as práticas pedagógicas fundamentadas numa
educação intercultural provocam enquanto elementos potencializa-
dores para a promoção do respeito a diversidade; identificar em que
medida os professores da escola, lócus da pesquisa, conseguem traba-
lhar na perspectiva de uma educação intercultural dialogando com o
currículo oficial da escola correlacionando didática e prática pedagó-
gica. A pesquisa pauta-se a partir de referenciais teóricos atinentes aos
estudos sobre interculturalidade (FLEURI, 2001; WALSH, 2009),
bem como ao currículo (APLLE, 2000) e ao planejamento escolar
(LIBÂNEO, 2013). Quanto à metodologia, estudo em foco é resul-
tado pautou-se em uma abordagem qualitativa (MINAYO, 1994),
com procedimentos bibliográficos e análise de conteúdo (BARDIN,
2011). Os resultados apontam que os professores conseguem perce-
ber que as práticas pedagógicas inovadoras são necessárias para o re-
conhecimento e valorização da diversidade cultural, e a escola tenta
materializar a educação intercultural no espaço escolar.

Palavras-chave: Currículo; Diversidade; Interculturalismo.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 267


Introdução

A escola sempre teve dificuldade em lidar com a plurali-


dade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las.
Sente-se mais confortável, com a homogeneização e a pa-
dronização. No entanto, abrir espaços para a diversidade,
a diferença e para o cruzamento de culturas se constitui o
grande desafio que está chamada a enfrentar.
(Moreira & Candau)

A partir das narrativas dos professores da Escola Municipal


Criança Esperança, este estudo pretende evidenciar, como se materia-
liza no currículo oficial as práticas pedagógicas para o reconhecimento
da diversidade cultural, considerando que na escola, lócus da pesqui-
sa, diversidade se faz pressente. Nesse sentido, muitas questões desa-
fiam o campo da educação como a retomada de uma visão pragmática
da educação, a BNCC, que traz uma padronização da educação, des-
considerando a diversidade presente na escola, os métodos avaliativos
aplicados em sala de aula, métodos que não consideram as diferenças
em sal de aula; ou seja, os múltiplos sujeitos presentes na escola, a con-
cepção de currículo e sobretudo como este se materializa no processo
ensino aprendizagem.
Partindo da perspectiva intercultural como materialidade do cur-
rículo e das práticas pedagógicas para o reconhecimento da diversidade
cultural; escutando e refletindo acerca dos relatos dos professores da
escola pesquisada muitas questões interpelam o problema da pesquisa
aqui inferido, sendo que as de especial relevância tem a ver com as rela-
cionadas às diferenças culturais que fazem parte do cotidiano da escola,

268 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


com suas faces e interfaces. A educação e sua cultura apresentam-se de
forma variada nos ambientes escolares, uma vez que temos diferentes
sujeitos, linguagens, costumes, práticas, saberes, pensamentos, apren-
dizagens, elementos estes que se fazem presentes no dia a dia da escola.
Nesse sentido, o reconhecimento das diferenças neste espaço é de
fundamental importância e de urgência no que tange as possibilidades
de práticas pedagógicas que possam contribuir de forma significativa.
Mediante ao cenário de luta por uma educação que valorize a di-
versidade no ambiente escolar partimos do seguinte questionamento:
Como a educação intercultural pode se concretizar e potencializar
o currículo, a didática e a prática pedagógica no cotidiano da sala de
aula? Dessa forma, a partir da questão problema considera-se algumas
hipóteses relevantes, como: através de um projeto intercultural, isto é,
uma proposta pedagógica que busque desenvolver relações que pos-
sam cooperar com a construção de novos conhecimentos e o reconhe-
cimento de que a escola é um espaço heterogêneo no seu mais amplo
sentido, no qual os sujeitos que a ocupam, que transitam todos os dias
neste espaço, são diferentes em vários aspectos, os quais são refletidos
no interior deste espaço.
Esta realidade exige que compreendamos que as diferenças cul-
turais devem ser entendidas nas suas diversas dimensões entre elas, di-
mensão política, social e cultural, o que nos leva a pensar nas relações
entre as culturas, hoje definida pelo termo interculturalidade. Dessa
forma objetivamos analisar o sentido cultural de se educar a partir do
trabalho pedagógico pautado numa educação intercultural; dimen-
sionar quais os desdobramentos que as práticas pedagógicas pautadas
numa educação intercultural provocam enquanto elementos poten-

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 269


cializadores para a promoção do respeito a diversidade; Identificar em
que medida os professores da escola - lócus da pesquisa – conseguem
trabalhar na perspectiva de uma educação intercultural dialogando
com o currículo oficial da escola correlacionado didática e prática pe-
dagógica.
Assim, motivação para a realização desta pesquisa o que culmi-
nou na produção deste artigo, tem a ver com a minha própria ex-
periência como docente na escola, lócus da pesquisa, observações,
inquietações acerca de como os professores da escola trabalham e se
organizam quanto ao currículo oficial na sala de aula, considerando a
diversidade cultural existente no cotidiano escolar e por acreditar que
uma proposta pedagógica que vise o diálogo, o reconhecimento entre
as culturas que permeiam a escola só irão contribuir para uma educa-
ção democrática.
O caminho metodológico trilhado durante a pesquisa deu-se da
seguinte forma: Inicialmente traçamos como critério de seleção dos
participantes por atuação profissional na docência e na coordenação.
As transcrições das narrativas dos participantes foram realizadas bus-
cando-se fidelidade aos relatos de cada entrevistado. As respostas fo-
ram agrupadas em unidades temáticas, para assim categorizá-las, con-
siderando os contextos similares (JACOB, 2004, MORAES, 1999).
No que se refere aos dados coletados, estes foram analisados a
partir do diálogo com autores que tratam da educação na perspectiva
intercultural. Para a análise dos dados foi utilizado o método de Aná-
lise de conteúdo baseado em Bardin (2011, p. 125), o qual apresenta
as diferentes fases de análise:

270 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


A pré-análise, diz respeito à organização e à exploração do material
a ser analisado e a interpretação do conteúdo coletado, neste caso as en-
trevistas. Esta fase acontece em consonância com o referencial teórico,
o que requer a escolha do material a ser investigado e a realização de lei-
turas que dialoguem com o objeto investigado. Em continuidade a esta
análise e com o objetivo de construção do corpus da investigação recor-
tamos as respostas específicas das entrevistas, codificando assim o texto,
bem como a constituição das categorias, em seguida foram seleciona-
dos trechos das falas dos entrevistados agrupando-se em categorias.
É nesta perspectiva que o presente artigo se apresenta como a pos-
sibilidade de reconfiguração de uma prática pedagógica, privilegiando
questões como: as diferenças culturais, isto é, a interculturalidade, e
a materialização da interculturalidade no currículo oficial trabalhado
na referida escola, com a possibilidade de potencializar este currículo
com significados, sentidos, bem como a didática e a prática pedagógi-
ca dos professores.

A educação intercultural e o currículo: pressupostos


teóricos

Partindo de uma dimensão histórica, é importante destacar o


conceito de interculturalidade, com a intenção de distinguirmos de
outros conceitos, assim como nos recomenda Walsh (2001):

- Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e


aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade
mútua, simetria e igualdade;

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 271


- Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos,
saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um
novo sentido entre elas na sua diferença.
- Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais,
econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade
não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados.
- Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade,
que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar
modos de responsabilidade e solidariedade.
- Uma meta a alcançar.
A autora define a interculturalidade como possibilidade de cons-
truirmos relações justas e simétricas, considerando a vasta diversidade
existente nos mais diversos espaços na sociedade, em especial no es-
paço escolar, onde emergem de forma latente, e que trazem conflitos,
tensões dentro deste espaço, o qual deve ser educativo privilegiando o
reconhecimento e o respeito à cultura do outro,
É importante que compreendemos que o processo de coloniza-
ção deixou como herança a desigualdade social, econômica, cultural
e também a colonização dos conhecimentos, das subjetividades, ou
seja, historicamente o processo de colonização consolidou e padroni-
zou grupos, centros dominadores e que se julgam superiores identifi-
cando-se como única cultura a sua, a qual se coloca num contexto de
agentes mediadores e de referências em detrimento de outras culturas,
consideradas inferiores e sem significado algum.
Neste cenário, falar de educação na perspectiva intercultural, re-
quer que reconheçamos que vivemos em um contexto de diversidade
e pluralismo cultural, e como educadores precisamos desenvolver um
olhar unilateral a esta diversidade, na tentativa de desconstruir a or-
dem dominante, e construindo outra, novas visões de mundo, bem

272 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


como reconhecer outras questões que interpelam acerca da diversida-
de, reconhecer ainda as formas diferenciadas que o ser humano adqui-
re, constrói conhecimentos e manifesta suas crenças e religiões.
Conforme Candau (2013, p. 1):

A educação intercultural parte da afirmação da diferença como riqueza.


Promove processos sistemáticos de diálogo entre diversos sujeitos-
individuais e coletivos- saberes e práticas na afirmação da justiça social,
cognitiva e cultural- assim como da construção de relações igualitárias
entre grupos socioculturais e da democratização da sociedade, através
de políticas que articulam direitos da igualdade e da diferença.
(CANDAU, 2013, p. 1).

A autora acima citada, nos remete a uma definição sobre a inter-


culturalidade no sentido de sinalizar que a diferença não é algo negati-
vo, mas sinônimo de riqueza, e para além disto, ponta a interculturali-
dade como uma nova dimensão para o ensino escolar.
Desta forma, podemos inferir que a educação na perspectiva in-
tercultural, pode contribuir para o fortalecimento da identidade pró-
pria de cada cultura e de referência de cada população, grupo social,
comunidades tradicionais. Portanto, valorizando a cultura particular
de cada um.
Sob este viés, um elemento que faz parte da educação e que de
alguma forma pode determinar como o ensino se dá no espaço escolar
é o currículo. Assim, é necessário que discorremos sobre o currículo
e sua dinâmica para que possamos ter um efetivo conhecimento am-
plo e que respeite a diversidade presente na escola e ainda que haja o
rompimento do reducionismo do saber, assim como não dever ser o
currículo descontextualizado, pois:

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 273


No currículo descontextualizado não importa se há saberes; se há
dores e delícias; se há alegrias e belezas. A educação que continua
sendo ‘enviada’ por esta narrativa hegemônica, se esconde por traz de
uma desculpa de universalidade dos conhecimentos que professa, e
sequer pergunta a si própria sobre seus próprios enunciados, sobre seus
próprios termos, sobre porque tais palavras e não outras, porque tais
conceitos e não outros, porque tais autores, tais obras e não outras. Esta
narrativa não se pergunta sobre os próprios preconceitos que distribui
como sendo ‘universais’. Desde aí o que se pretende é, portanto, colocar
em questão estes universais. O que está por traz da ideia de ‘Educação
para a convivência com o Semi-Árido’ é, antes de qualquer coisa e defesa
de uma contextualização da educação, do ensino, das metodologias, dos
processos. (MARTINS, 2004, p. 31-32).

Desse modo, quando pensamos e almejamos uma educação na


perspectiva intercultural precisamos conceber o currículo como algo
em movimento, em constante fluxo e transforma (GOODSON,
2001) uma vez que o ensino aprendizagem não é estático, parado, mas
em constante movimento e transformação, o que requer a possibilida-
de de articulação entre as culturas diversas e que fazem morada na sala
de aula, no território escolar. Desta forma o currículo escolar precisa
estar em diálogo com a diversidade cultural escolar apontando assim
rupturas com a efetivação de um conhecimento considerado como
único, que oprime, que explora, que subalterna.
Nessa direção Sacristán (2000, p. 15-16), salienta que:

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um


modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias
das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do
projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão,
da função socializadora e cultural que determinada instituição tem,
que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas
diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida
em instituições escolares que comumente chamamos de ensino. O

274 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


currículo é uma prática na qual se estabelece diálogo, por assim dizer,
entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a
ele, professores que o modelam.

O currículo escolar precisa ter como objetivo a ato de comunicar


de forma clara, objetiva, a proposta educativa, mas de forma que seja
sempre flexível, aberto a discussão, a alterações necessárias. O currí-
culo necessita estar imerso numa proposta pedagógica que fortaleça
as identidades culturais existentes no espaço escolar, a fim de que seja
construído uma organização curricular adequada e que privilegie a di-
versidade cultural através de práticas pedagógicas o entendimento da
sua história, assim como compreenderem a realidade no qual estão in-
seridos, pois o currículo perpassa pela seleção de conteúdos, os quais
são ensinados aos estudantes.
Sob essa linha de raciocínio, a prática pedagógica deve ser pri-
mordial em sala de aula no sentido de possibilitar uma aprendizagem
significativa e que possa transformar a vida dos alunos, tornando-os
sujeitos críticos e conscientes da sua própria história e da atual realida-
de da qual fazem parte.

Didática e prática pedagógica: articulação da teoria e


da prática

Partindo de um espectro histórico, é importante destacar a im-


portância de compreender o percurso histórico da didática e suas
implicações na formação dos professores e consequentemente na sua
prática pedagógica.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 275


A didática compreende as relações entre professor e aluno, con-
tribuindo assim no processo de organização da prática pedagógica do
professor, no entanto, necessário notar que a didática surge com a in-
tenção de mostrar que o processo ensino- aprendizagem se constitui
na indissociabilidade ente teoria e prática.
A didática tem uma trajetória em paralelo com a história da edu-
cação, assim como a didática tem como foco a formação do professor,
possibilitando também a construção da identidade do professor, a
qual se dá a partir das ações dos professores em consonância com suas
teorias e práticas.
Historicamente, a didática surge em 1951, com Comenius, o
qual reconhece o direito à educação e a Didática vem à tona, no sen-
tido da sua importância no que tange ao ensino e ao aprendizado na
vida de homens e mulheres. E nesse contexto, a diferença ente o ensi-
nar e o aprender é levado em consideração.
Houve, historicamente, a difusão de novas tendências educacio-
nais, as quais ficaram conhecidas como Teorias de Ensino. Podemos
destacar: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada, Pedagogia Tec-
nicista e a Pedagogia Crítica. A didática se caracteriza de forma diversa
de acordo as teorias de ensino, bem como nos momentos históricos,
políticos e sociais.
Outrossim, a didática e a prática pedagógica se constituem como
elementos fundamentais para valorizar os processos educacionais, uma
vez que a prática docente precisa estar além de uma atividade exclusiva-
mente acadêmica, ou seja, a prática pedagógica deve perpassar por uma
análise crítica sobre os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais
que constitui o contexto histórico e que até hoje se fazem presentes.

276 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


De acordo com Pimenta et al. (2013, p. 150):

[...] didática é, acima de tudo, a construção de conhecimentos que


possibilitem a mediação entre o que é preciso ensinar e o que é necessário
aprender; entre o saber estruturado nas disciplinas e o saber ensinável
mediante as circunstâncias e os momentos; entre as atuais formas de
relação com o saber e as novas formas possíveis de reconstruí-las.

Conforme a autora, didática possibilita a compreensão entre o


ensinar e o aprender, os quais se fazem de forma diferenciada e em mo-
mentos diferentes, considerando que o ato de ensinar e de aprender
passam por momentos de desconstrução e reconstrução.
A prática pedagógica se constitui nesse contexto, como fator no
sentido de contribuir na construção de conhecimento dos alunos, e
que sobretudo os aprendentes possam estar refletindo acerca deste co-
nhecimento construído lhes ajudem a usá-los no seu dia a dia, para
resolver problemas e problematizar situações que muitas vezes são na-
turalizadas no cotidiano.
Freire (1997, p. 32), destaca:

[...] Podemos concorrer com nossa incompetência, má preparação,


irresponsabilidade, para o seu fracasso. Mas podemos, também, com
nossa responsabilidade, preparo científico e gosto do ensino, com nossa
seriedade e testemunho de luta contra as injustiças, contribuir para que
os educandos vão se tornando presenças marcantes no mundo.

Nesta perspectiva, o autor chama atenção para a importância da


postura do docente frente à luta por uma educação justa, de um posi-
cionamento contra as injustiças, aspectos estes que devem ser materia-
lizados nas práticas pedagógicas.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 277


Materialidade do currículo e das práticas pedagógicas
para o reconhecimento da diversidade cultural na
Escola Criança Esperança: narrativas e experiências
dos professores

Nesta seção, analisamos as narrativas dos professores, os quais


foram entrevistados. As pesquisas baseadas em entrevistas costumam
ser analisadas qualitativamente, por meio de Análise de conteúdo.
Nesse sentido, Bardin (2011) enfatiza que a Análise de conteúdo é:
“um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis, em
constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos extremamente
diversificados” (p. 15).
Ao se investigar junto aos entrevistados sobre se acreditam numa
educação que respeite as diferenças notou-se que houve mais menções
positivas com relação a esse aspecto

Categoria: “Diversidade”

A professora A, por exemplo, considera que: “Sim, é o papel da


escola é promover essa educação desenvolvendo um fazer pedagógico
que proporcione o respeito à diversidade e a vida em harmonia, que
sabemos ser indispensável em uma sociedade tão plural como a nos-
sa.” (PROFESSORA A, entrevistada em 06/11/2022).
A coordenadora pedagógica ressalta que:

Sim, acredito, na verdade como educadora nós precisamos acreditar


que o nosso fazer pedagógico seja a partir desta perspectiva, a de

278 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


respeitar as diferentes opiniões, que é a partir das diferenças que nós
nos construímos e nos formamos enquanto pessoas e formadores de
opinião. (COORDENADORA PEDAGÓGICA, entrevistada em
23/11/2022).

Diante desses relatos, é notório que as professoras evidenciam


as suas crenças sobre o fazer pedagógico enquanto possibilidade de
respeito às diferenças, considerando as diferenças como algo positivo
para a formação dos próprios professores
Quando questionadas sobre de que forma podemos trabalhar
em sala de aula para respeitar a diversidade cultural? Objetivemos as
seguintes respostas: “Pode-se trabalhar com diversas metodologias, fil-
mes, vídeos, rodas de conversa, notícias que identificam situações que
ainda são muito recorrentes na nossa sociedade.” (PROFESSORA C,
entrevistada em 06/11/2022).

Em primeiro lugar nós precisamos conhecer, precisamos ter o


conhecimento daquilo que estamos trabalhando precisamos ter
formação, para a partir daí trabalhar nessa perspectiva dentro da sala
de aula, que o nosso planejamento pedagógico deve sempre partir desta
perspectiva de que nós vivemos numa imensa diversidade cultural
e que essa diversidade precisa ser pensada trabalhada e respeitada.
(PROFESSORA B, entrevistada em 06/11/2022).

As professoras entrevistadas atribuíram respostas bem parecidas,


demonstrando que a forma do professor trabalhar em sala de aula
com a intenção de respeitar às diferenças perpassa por alguns aspectos
formação de professores e planejamento pedagógico. Sobre esta ques-
tão, Nóvoa (1998, p. 18) postula: “[...] impossível imaginar alguma
mudança que não passe pela formação de professores.” Ou seja, uma
formação que valorize as experiências dos professores e dos alunos,

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 279


que abranja o desenvolvimento pessoal e profissional docente, mas
não somente por um momento, um período, mas por sua vida toda.
Nóvoa (1998), defende a existência de um programa de formação que
não só considere as experiências de professores, mas sobretudo que
transforme suas experiências e saberes em conhecimentos, possibilite
a reflexão docente sobre sua prática, e a reconstrução do seu fazer pe-
dagógico.
As professoras e a coordenadora ao serem questionadas sobre se
a escola na qual atuam (Criança Esperança) trabalha na perspectiva
intercultural? De que forma? Responderam: “Sim, a escola busca or-
ganizar seu fazer pedagógico de forma a respeitar as diferenças e for-
mar cidadãos preparados para lidar com as mais variadas situações no
convívio em sociedade.” (COORDENADORA PEDAGÓGICA,
entrevistada em 23/11/2022).

Acredito que os professores têm conhecimento e entendimento de


que é preciso pensar o planejamento da aula a partir da perspectiva
intercultural, ou seja, a partir do entendimento de que precisamos
pensar a educação sempre promovendo valores como a igualdade o
respeito pelo outro pela cultura do diferente, pela valorização dos
mais diversos meios de cultura, vivências, saberes e conhecimento.
(PROFESSORA C, entrevistada em 06/11/2022).

Importa aqui o destaque para a escola organizar seu fazer peda-


gógico na perspectiva de ter uma proposição intercultural. E a pro-
posição intercultural deve se preocupar com o respeito às diferenças,
dessa forma teremos o que tanto se almeja uma sociedade que inclui a
todos. A Organização das Nações Unidas (1995, apud.Sassaki, (1999)
enfatiza que:

280 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


A sociedade inclusiva precisa ser baseada no respeito de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais, diversidade cultural e
religiosa, justiça social e as necessidades especiais de grupos vulneráveis
e marginalizados, participação democrática e a vigência do direito.
(NAÇÕES UNIDAS, 1995, apud Sassakii, 1999, p. 9).

A citação acima traz uma reflexão acerca de pensarmos que res-


peitar as diferenças se configura ao respeito à diversidade como garan-
tia de direito humano, pois trabalhar a diversidade na escola pode pos-
sibilitar aos sujeitos aprendentes a reconhecer e valorizar as diferenças.

Categoria “Currículo”

No que tange ao currículo, as professoras ao serem questionadas,


verbalizaram as seguintes respostas:
O currículo da escola é pensado e organizado a partir dos docu-
mentos oficiais que também de uma forma mais micro é pensado pelo
município, no entanto pouco se enxerga descrito nas matrizes curri-
culares com relação às questões interculturais, no entanto sabemos
que no fazer pedagógico do professor muito se faz através do diálogo e
das intervenções Pedagógico que podemos chamar de currículo ocul-
to. (PROFESSORA A, entrevistada em 06/11/2022).
O currículo é organizado com base nos documentos do município
que foram elaborados baseados na BNCC, a partir desse documento e de
acordo com a realidade da turma o professor tem liberdade para elaborar
suas aulas valorizando conteúdos que de fato colaborem para a aprendi-
zagem e principalmente com a formação de valores relacionados à res-
ponsabilidade social. (PROFESSORA B, entrevistada em 06/11/2022).

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 281


Nas manifestações discursivas das professoras trazem consigo o
entendimento do currículo como a partir da organização dos docu-
mentos oficiais como a BNCC, porém ressaltam que através do peda-
gógico os professores da Escola Criança Esperança trabalham as ques-
tões das diferenças.
Fleuri (2001, p. 61), postula que nos contextos, nos quais os
sujeitos que estão em relação com outros sujeitos e vão elaborando
e reelaborando sentidos “[...] a função do currículo e da programa-
ção didática será a de prover e preparar recursos capazes de ativar a
elaboração e circulação de informações entre sujeitos, a partir de seus
respectivos contextos sócios culturais”.
O autor traz como destaque em sua análise, que nesses contextos
tanto alunos como professores se auto organizem, de forma recíproca,
levando em consideração as experiências, vivências individuais e cole-
tivas, com outras comunidades, com outros povos, pessoas, culturas e
a construção dos conhecimentos passam por um processo de elabora-
ção e reelaboração.

Categoria “Interculturalismo”

Ao serem questionadas sobre a presença e prática do intercultu-


ralismo na escola, lócus da pesquisa, trazem em suas falas, uma partici-
pação parcial, o que é evidenciada no discurso abaixo:

Acredito que ainda de forma parcial, já que ainda se faz necessário


maior engajamento de todo o corpo docente, bem como estratégias
que aumentem um maior comprometimento com a pluralidade no

282 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


ambiente escolar. Mas eu procuro no meu fazer pedagógico tornar os
alunos protagonistas, acolhendo suas diferenças na sala de aula, e usando
aquilo que sei a respeito da diversidade e do que os meus alunos levam
para dentro da sala de aula, seus conhecimentos, vivências, experiências.
(PROFESSORA C, entrevistada em 06/11/2022).

Nesta fala, a professora expressa um posicionamento, enquanto


sujeito que acredita na discussão da diversidade cultural em sala de
aula e que a diversidade cultural está relacionada aos saberes pessoais.
Sobre esta abordagem Tardif (2014, p. 63) torna claro que esses sabe-
res se caracterizam: “[...] pela história de vida e pela realização primá-
ria” daqueles estão envolvidos no processo ensino aprendizagem.
A diversidade cultural é uma das marcas das escolas, pois, a escola
é lócus da expressividade dos sujeitos que ali se encontram todos os
dias. Dessa forma, é necessário que possamos romper com os modelos
padronizados de ensino aprendizagem, isto é, é de fundamental im-
portância que pensemos em uma educação que possibilite a “[...] rup-
tura com modelos únicos e homogêneos”, no sentido de promover a
vivência da “[...] complexidade do/no cotidiano em sua diversidade e
riqueza” (SANTIAGO, AKKARI, MARQUES, 2013, p. 78).
Assim, se faz necessário efetivar uma educação que reconheça e
valorize as diferenças existentes no espaço escolar, nas suas mais di-
versas formas de se manifestar e, o currículo é muitas vezes fator de-
terminante para reduzir as diferenças existentes nas escolas, porém o
currículo a partir de uma análise pode começar a fomentar atividades
comprometidas com a diversidade, contribuindo para que a escola se
torne um espaço menos excludente.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 283


Considerações finais

O objetivo deste estudo foi compreender concepções e práticas


sobre as questões culturais na Escola Criança Esperança (localizada
em Abaetetuba/PA) a partir das narrativas dos professores que traba-
lham na escola.
Com análise e discussão das narrativas indicou algumas concep-
ções acerca da educação na perspectiva intercultural, no sentido de
que essa visão de educação na perspectiva cultural pode enriquecer
a prática docente a partir do reconhecimento dos conhecimentos de
cada cultura.

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286 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Sobre o organizador

Jairo da Silva e Silva. Doutorando em Letras


na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
Mestre em Letras/Linguística pela Universidade
Federal do Pará (UFPA). Pós-graduado Lato sensu
em Linguagens, suas tecnologias e o mundo do tra-
balho pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Licenciado em Letras Português/Espanhol pela Universidade Estadual
do Maranhão (UEMA). Graduando em Direito pela Faculdade de Edu-
cação e Tecnologia da Amazônia (FAM). Professor na área de Letras no
Instituto Federal do Pará (IFPA, Campus Abaetetuba). Membro do
Grupo de Estudos em Educação, Memórias e Culturas na Amazônia Pa-
raense (GEMCA/IFPA), cadastrado no diretório do CNPq. Pesquisador
no Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI) do Instituto
Federal Baiano (IF Baiano, Campus Uruçuca). Faz parte da Comunidade
Multiétnica Wyka Kwara (Ananindeua/PA). Currículo Lattes: http://
lattes.cnpq.br/3826053383334980.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 287


Sobre as autoras e os autores

Adeilton Dias Alves. Doutor em Ciências So-


ciais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Pela Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte (UERN) possui mestrado
e graduação em Ciências Sociais. Na ONG Visão
Mundial, foi Gerente de Unidade Operacional e
Assessor Nacional de Planejamento, Monitoramento e Avaliação de
Programas Sociais. Tem interesse em estudos sobre Educação no Semi-
árido, Planejamento e Avaliação de Programas Sociais Urbanos e Ru-
rais, Juventudes e Educação. Atualmente se interessa por Teorias Socio-
lógicas, Cultura e Sociologia da Educação, Justiça nas Relações
Étnico-raciais, bem como Ensino de Sociologia na Educação Básica.
Professor efetivo do Instituto Federal Baiano, Campus Uruçuca. Currí-
culo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4205637509102525.

Ana Carla Ferreira dos Santos. Mestra em


Cultura e Territorialidades pela Universidade
Federal Fluminense (PPCULT-UFF). Pós-gra-
duada lato sensu em Políticas Públicas de Justiça
Criminal e Segurança Pública pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Licenciada e Bacha-
rel em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Membro dos Grupos de Pesquisa do Laboratório de Identi-
dades Digitais e Diversidade da Universidade Federal do Rio de Janei-
ro (LIDD-UFRJ) e Núcleo de Estudo em Geografia Regional da Áfri-

288 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


ca e da diáspora da Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEGRA-FFP/UERJ),
cadastrados no diretório do CNPq. Faz parte do Núcleo de Estudos
sobre Gênero, Raça, Classe e Trabalho da Universidade Federal do
Delta Parnaíba (NEGRACT-UFDPar), em Parnaíba/PI. Currículo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3539624738063519.

Antonilda da Silva Santos. Mestre em Educa-


ção e Cultura pela Universidade Federal do Pará
(UFPA). Especialista em Educação para as Rela-
ções Étnico-raciais pelo Instituto Federal do Pará
(IFPA). Licenciada em Pedagogia pela Universi-
dade Federal do Pará (UFPA). Professora da rede
municipal de Abaetetuba/PA. Professora Substituta no Instituto Fe-
deral do Pará (IFPA). Membro de dois Grupos de Pesquisas: Educa-
ção Interdisciplinar da Amazônia (GPEBIAT/IFPA); Memória, For-
mação Docente e Tecnologia (GEPME/UFPA). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0291292083698650.

Cláudio José Dias. Acadêmico na Universidade


Federal do Pará-Campus Abaetetuba (UFPA).
Membro do conselho da faculdade desde 2020.
Colaborador do projeto de extensão “O espa-
nhol em Abaetetuba-José Martí”. Fez curso de
atualização para professores de Espanhol (APEE-
BA, 2022). Bolsista do programa LABRIFRA (Projeto de Ensino-
-Graduação Modernização do Laboratório de Linguagem). Fez parte

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 289


do PIBID (Programa institucional de bolsas de iniciação à docência,
2018-2020). Estudou Espanhol avançado em 2012 no IES Francisco
Ayala-Granada/Espanha. Possui certificação de proficiência em espa-
nhol nível C1-Marco Comum Europeu pelo Instituto Cervantes.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4753666923674662.

Cleonilson Rosário da Costa. Mestrando em


Linguagens e Saberes na Amazônia pela
Universidade Federal do Pará (UFPA). Pós-
graduado lato sensu em: Tecnologias Digitais
Aplicadas à Educação (UNIASSELVI); Gestão
Escolar (UFPA); Pedagogia Empresarial (UVA).
Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Pará
(UFPA); Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Pará
(UFPA); Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA). Professor na Secretaria Municipal de Educação de Bragança/
PA (SEMED) e Técnico em Educação na Secretaria de Educação do
Estado do Pará (SEDUC/PA). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/8096295527514328.

Cristina Ferreira de Assis. Professora


Assistente da área de Prática de Ensino de
História na Universidade Estadual de Santa
Cruz (UESC). Doutoranda em Educação pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) na
linha: Processos Civilizatórios: Educação,
Memória e Pluralidade Cultural. Mestre em História pela Universidade

290 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Estadual de Santa Cruz (UESC). Pela Universidade Federal de Ouro
Preto (UFOP) é Mestre em Educação e licenciada em História.
Vinculada: ao Grupo de Estudos História, Cultura, Educação e
Linguagens (GEHCEL/UNEB); Grupo de Estudos do Atlântico e da
Diáspora Africana (GPEADA/UESC) e ao Núcleo Sociedade, Família
e Escola (NESFE/UFOP). Produziu materiais didáticos para o Ensino
de História na educação básica. Realizou pesquisas referentes a:
escolarização em camadas populares e juventudes em situação de
vulnerabilidade. Atualmente, vem pesquisando Livros Didáticos de
História, Professores e Intelectuais com enfoque no Ensino de
História e na História da Educação da Bahia. Currículo Lattes: http://
lattes.cnpq.br/2344216728826463.

Hernandes Baia Pires. Estudante de Inglês


como língua estrangeira pela Minds High Scho-
ol. Professor na Instituição de Ensino Uppgra-
de, curso preparatório para o Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem), em Abaetetuba/PA.
Licenciado em Letras/Língua Espanhola pela
Universidade Federal do Pará (UFPA/Campus de Abaetetuba). Cola-
borador no Projeto de Pesquisa Literatura Infantil em Tradução: aná-
lise de obras literárias no par linguístico (UFPA). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0623962631941310.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 291


Isabel Soares de Carvalho. Arte-educadora no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST/PA). Professora na área de Arte e
Linguagens na Secretaria de Educação do Estado
do Pará (SEDUC) e na Secretaria Municipal de
Educação de Parauapebas/PA (SEMED). Pós-
graduada em Arte e Educação pela FAPAC. Mestranda no Programa
de Pós-Graduação em Cidades, Territórios e Identidades, linha de
pesquisa 2: Linguagens Práticas e Representações, na Universidade
Federal do Pará (UFPA). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/7407234954652079.

Italanei Oliveira Fernandes. Doutoranda em


Letras: Linguagens e Representações pela Uni-
versidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Mes-
tre em Práticas de Educação Básica pelo Colégio
Pedro II. Pós-graduada em Metodologia do En-
sino de Língua Portuguesa e Literatura (FA-
CINTER). Licenciada em Letras/Espanhol pela Universidade Esta-
dual de Santa Cruz (UESC). Servidora efetiva do Instituto Federal
Baiano, Campus Uruçuca. Membro do Grupo de Estudos de Gênero
e Diversidade (GENI) e do GEDISEX-IFbaiano. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2840080144339598.

292 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


Julie Christie Damasceno Leal. Pela Universi-
dade Federal do Pará (UFPA), possui as seguin-
tes formações: Doutora em Letras; Mestra em
Letras; Mestra em Filosofia; Pós-graduada lato
sensu em Educação, Pobreza e Desigualdade So-
cial; Licenciada e Bacharel em Filosofia. Profes-
sora no Instituto Federal do Pará (IFPA/Campus Abaetetuba). Mem-
bro do Núcleo Interdisciplinar Kairós - Estudos de Poética e Filosofia
(NIK/UFPA), grupo de pesquisa que atualmente desenvolve o proje-
to “O educar poético e a existência como obra de arte em Ser e Tempo,
de Martin Heidegger”, cadastrado no diretório CNPq. Currículo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5187330372003136.

Katiane de Jesus da Silva. Especialista em


Neuropsicopedagogia Institucional e Clínica
pela Faculdade de Educação e Tecnologia da
Amazônia (FAM). Pós-graduada lato sensu em:
Psicopedagogia com Ênfase na Educação Espe-
cial pela Faculdade de Educação Montenegro
(FAEM). Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação e Tec-
nologia da Amazônia (FAM). Cursa Bacharelado em Direito pela Fa-
culdade de Educação e Tecnologia da Amazônia (FAM). Mediadora e
Conciliadora Judicial pela Escola Judicial do Poder Judiciário do Esta-
do do Pará, em parceria com o Núcleo Permanente de Métodos Con-
sensuais de Soluções e Conflitos (NUPEMEC). Professora na rede
municipal de Abaetetuba/PA na Instituição de Ensino da Primeira
Infância Creche Municipal Francisco Maués Carvalho. Associada na
Sociedades Brasileira de Neuropsicopedagogia (SBNPp). Currículo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5261833504833553.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 293


Maria José Souza Lima. Mestranda no
Programa de Pós-Graduação Criatividade e
Inovação em Metodologias de Ensino Superior
da Universidade Federal do Pará (PPGCIMES/
UFPA). Especialista em Língua Espanhola pela
Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI).
Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e
Estrangeira pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER).
Licenciada em Letras/Língua Espanhola pela Universidade Federal
do Pará (UFPA). Tem experiência na área de Letras, ênfase em Línguas
Estrangeiras Modernas, para o Ensino-Aprendizagem de Espanhol
como Língua Estrangeira. Além de professora, tem fascínio pela área
de artes, atualmente escreve crônicas, contos, poesias e possui
composição musical em língua portuguesa e espanhola. Professora
Substituta na Universidade Federal do Pará (UFPA/Campus
Universitário do Baixo Tocantins-Abaetetuba). Membro perpétuo da
Academia Castanhalense de Letras. Currículo Lattes: https://lattes.
cnpq.br/1175447822304778.

Mauro Lopes Leal. Doutor em Letras pela Uni-


versidade Federal do Pará (UFPA), com bolsa
Capes. Mestre em Letras pela Universidade Fe-
deral do Pará (UFPA). Pós-graduado lato sensu
em Estudos Linguísticos e Análise Literária pela
Universidade do Estado do Pará (UEPA). Licen-
ciado em Letras/Língua Portuguesa pelo Instituto Federal do Pará
(IFPA, Campus Belém). Licenciado e Bacharel em Filosofia pela Uni-
versidade Federal do Pará (UFPA). Professor substituto na Universi-

294 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


dade do Estado do Pará (UEPA). Membro do grupo de pesquisa em
Filosofia Contemporânea (PPGFIL-UFPA). Currículo Lattes: http://
lattes.cnpq.br/0092850690902693.

Myrcéia Carolyne Guimarães da Costa.


Mestra em Linguagens e Saberes na Amazônia
pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Pós-
graduada lato sensu em: Libras (FAEL); Ensino-
Aprendizagem de Língua Portuguesa e
Literaturas (UFPA); Metodologia do Ensino de
Língua Inglesa (UNINTER); Licenciada em Letras Português pela
Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora no Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA/Campus Bragança).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0699450653174081.

Rhadson Rezende Monteiro. Doutorando em


Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Uni-
versidade Estadual de Santa Cruz (PRODEMA/
UESC). Mestre em Ciências Sociais pela Univer-
sidade Federal do Espirito Santo (UFES). Gra-
duado em Direito e em História pela Universi-
dade Federal de Ouro Preto (UFOP). Analista na Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC) e Professor Substituto de Direito
Ambiental na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB/
Campus Cruz das Almas). Também atua como advogado. É membro
dos Grupos de Pesquisa em Interações Socioambientais e Linguagens
(GEPISAL/UESC), do Laboratório de Etnoconservação e Áreas Pro-

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 295


tegidas (LECAP/UESC) e do Núcleo Participação e Democracia
(NUPAD/UFES), cadastrado no diretório do CNPq. Currículo Lat-
tes: http://lattes.cnpq.br/1273558929692512.

Sanya Adelina de Andrade Morais. Especialis-


ta em Ensino de Língua Inglesa e suas Literaturas
pela Universidade Regional do Cariri (URCA).
Graduada em Letras pela mesma universidade
(URCA). Atua como docente nas Escolas Esta-
duais do Ceará desde 2010, onde também parti-
cipa como professora capacitadora em Formações Continuadas para
Docentes da Área de Linguagens e Códigos. Se interessa por estudos
nas áreas da Educação Básica, Literatura Clássica e Contemporânea,
incluindo a Literatura Indígena Brasileira, e Estudos de Língua Ingle-
sa e Espanhola e suas respectivas literaturas. Currículo Lattes: http://
lattes.cnpq.br/6862970523925002.

Wesley dos Santos Sampaio. Me chamo Wes-


ley, tenho 23 anos e nasci na cidade de Taboão da
Serra, São Paulo. Realizei toda minha jornada
estudantil no ensino público, estudando na Es-
cola Estadual Antônio Ruy Cardoso. Não tinha
expectativa de realizar um curso superior, mas
após finalizar o Ensino Médio, tive a oportunidade de estudar em um
curso preparatório para o vestibular na escola de Psicologia da USP.
Comecei a ter contato com diversos professores que me incentivaram
a cursar o ensino superior. Participava de um projeto na comunidade

296 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


que morava, chamado Horta di Gueto, onde pela primeira vez tive
conhecimento da Agroecologia. Ao realizar o ENEM, consegui apro-
vação no Instituto Federal Baiano, onde atualmente curso Agroecolo-
gia. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6099673382451515.

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 297


Índice remissivo

A
Antropofagia 11, 119, 120, 125
Assentamento Frei Vantuy 10, 40, 41, 42, 43, 44, 50, 54, 57, 60
Assentamento Palmares 10, 61, 62, 63, 64, 67, 68, 70, 72, 73, 76
Ataíde 11, 79, 88, 89, 90, 91, 92, 95, 96
B
Base Nacional Comum Curricular 15, 212, 225, 226, 233, 242, 285
C
Capital Cultural 245, 253, 254, 257
Chacina 18, 28, 29, 32, 33, 34, 35, 36
Conquistas 41
Currículo 228, 243, 268, 282, 285, 286, 288, 289, 290, 291, 292, 293,
294, 295, 296, 297, 298
D
Desigualdade social 38, 63, 273
Dislexia 191, 193, 194, 206
Diversidade 66, 265, 268, 279, 289, 293
E
Educação inclusiva 13, 191
Educação profissional 225
Ensino de História 208, 210, 211, 212, 215, 222, 223, 291, 292
Ensino Médio 15, 138, 226, 229, 232, 244, 245, 247, 248, 249, 250,
251, 256, 292, 297
Escravidão 101, 103
Español como lengua extranjera 13, 153, 172, 175, 188, 189

298 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]


F
Favela 22, 24, 25, 32, 33, 36
H
Habitus 99, 245, 257
História local 11, 78
História oral 79, 80, 92, 99
I
Identidade 9, 10, 24, 41, 56, 62, 63, 65, 66, 75, 76, 85, 274, 277
IF Baiano 15, 228, 234, 241, 244, 245, 247, 248, 250, 251, 254, 257,
259, 260, 261, 262, 264, 288
Interculturalidade 9, 268, 270, 272, 273, 274
Interdisciplinaridade 9, 15, 225, 229, 230, 232, 234, 239, 242

L
Lei nº 11.645/2008 136, 138
Literatura indígena 12, 136, 138, 145, 146
M
Maria Montessori 195, 196, 197, 199
Materiais didáticos 197, 214, 215, 220, 292
Memórias 20, 98, 288
Metodologias 140, 210, 211, 213, 216, 217, 218, 220, 275, 280
Mito 11, 79, 81, 82, 93, 95, 96, 98, 117
N
Narrativas orais 11, 78, 80, 85, 86, 87
Notas Dominicaes 11, 100, 101, 102, 105

P
Polícia 25, 34, 36, 37, 38

ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM HUMANIDADES E LINGUAGENS 299


Prática docente 5, 210, 220, 225, 236, 239, 241, 242, 277, 285
Protagonismo feminino 10, 40, 41, 50, 58, 59
R
Racismo 29, 71, 246
REA 13, 207, 210, 219, 220, 221
Representação 10, 37, 41, 54, 87, 128, 133, 191, 192
Resistência 9, 10, 25, 40, 41, 43, 61, 62, 65, 67, 69, 70, 71, 73, 74, 103,
113, 116, 118, 137
S
Sagrado 12, 96, 120, 127, 130, 131, 134
Segurança pública 10, 18, 36
T
Teatro 12, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 160, 164, 167, 168,
172, 173
Tecnologias Digitais 15, 224, 225, 228, 291

300 JAIRO DA SILVA E SILVA [ORG.]

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