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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE BACHARELADO EM JORNALISMO

Emanoel Rodrigues Lacerda


Ediogley Levi de Figueiredo

ESTUDO DIRIGIDO

Rio Branco – Acre


Janeiro de 2023
Emanoel Rodrigues Lacerda
Ediogley Levi de Figueiredo

ESTUDO DIRIGIDO

Trabalho apresentado no Curso de


Bacharelado em Jornalismo, da
Universidade Federal do Acre (UFAC),
como requisito parcial para obtenção da
nota de N1 na disciplina de Formação
Social da Amazônia.

Prof. Dr. Sérgio Roberto Gomes de Souza

Rio Branco – Acre


Janeiro de 2023
1) Tendo como referência o texto Margens míticas: a Amazônia no
imaginário europeu do século XVI, de Auxiliomar Ugarte (2003), analise as
produções dos primeiros cronistas/viajantes que percorreram o que
posteriormente se denominou enquanto “rio Amazonas”, expressando como
construções de longa duração permeavam seus imaginários e se manifestam
em suas elaborações, valendo-se os mesmos de conceitos, juízos, símbolos,
mitos e valores de suas civilizações para transmitir aos leitores/ouvintes,
imagens mentais que tornavam menos estranhas as novidades dos territórios
conquistados.

Essas chamadas imagens mentais abordadas por Auxiliomar Ugarte dizem


respeito a como o imaginário europeu recebia as narrativas criadas pelos primeiros
viajantes espanhóis, que estiveram na região amazônica a partir do final do século
XV. O avanço europeu nessa região acompanhava de uma marginalização dela;
diferente de outros territórios onde se concentravam estabelecimentos coloniais,
essa região dos trópicos se tornaria a margem do Novo Mundo. Inexplorada e
perigosa, não demorou para que a área fosse poluída pela visão de mundo
eurocêntrica dos desbravadores.
Criou e perpetuou para a sociedade europeia relatos místicos e sobrenaturais
sobre o espaço amazônico e os povos que aqui viviam. O europeu estava encantado
tanto com a terra que via, com água doce em abundância e solo fértil, como também
com aquilo que só existia em sua cabeça – riquezas dos mais variados tipos, seres
mitológicos, cidades escondidas. Essa ideia de riquezas, compreendia ouro, prata,
pedras preciosas, e servia como uma espécie de motivação para as suas “fantasias
da conquista”.
Geralmente, como no caso do português Diogo Nunes, havia a intenção de
impressionar, através do relato, a coroa portuguesa, para que assim fossem
financiadas mais expedições, na busca dessas riquezas supostamente abundantes
na região.
Uma lenda que se perpetuou no imaginário europeu foi a de guerreiras
amazonas na região. Os exploradores que geraram esses relatos traziam tais mitos
de sua própria história, mais exatamente na mitologia da Grécia Antiga, onde se
tiveram os primeiros relatos dessas mulheres. O mito das amazonas migrava então
do Velho para o Novo Mundo. Isso se dá muito em parte porque o homem europeu
trazia consigo a bagagem cultural, política e social de sua época, de modo que nos
relatos predominava a construção de crônicas que favorecem a visão patriarcal e
cristã dos viajantes europeus. Como traz o cronista Gaspar de Carvajal ao apontar
que “as ‘amazonas’ eram inferiores aos espanhóis na arte da guerra”.
A disputa simbólica nesses relatos era importante. Carvajal narra que os
homens com armas de fogo e a benção de Deus foram capazes de derrotar essas
guerreiras, que estavam em maior número. Isso ajuda a perpetuar a “fantasia do
conquistador” mencionada anteriormente, como também estabelecer os valores
europeus sobre a região.
Ainda, existia a disputa na dimensão dos ícones, através de imagens que
deixavam de ser mentais e, por meio da cartografia, viraram imagens formais que
ajudaram a ilustrar e legitimar a veracidade dos relatos desses viajantes, que
contavam também com o testemunho de indígenas, mesmo que fosse incapaz a
comunicação entre um e outro.

2. No texto Amazônia: paraíso dos naturalistas o historiador Hideraldo


Costa dialoga/problematiza com narrativas produzidas por viajantes que
vieram para esta região, priorizando como recorte cronológico o século XIX.
Entende o autor que esses discursos inventaram, descreveram, classificaram,
catalogaram, analisaram de forma supostamente objetiva e mesmo científica a
“Amazônia”. Com base nesta construção, analise:
a) A forma como esses naturalistas se posicionaram frente a natureza e
populações da Amazônia, considerando a relação que mantinham com as
ciências naturais e seus avanços no decurso do século XIX, importante fator
para o desenvolvimento da concepção que seus registros eram descrições
irretocáveis do “real”.

Hideraldo Costa aponta que a partir do século XIX, os expedicionários eram


“movidos por uma lógica que teve como vetor e mola propulsora a ciência”. Nessa
época, o ator aponta a predominância do racionalismo científico e das ciências
naturais no pensamento europeu, que começava a romper com os dogmas da igreja.
Ainda assim, uma vez que as viagens eram patrocinadas por governos e/ou setores
privados, não se pode ligar somente à produção do conhecimento científico as
expedições feitas nesse período. Na verdade, os principais interesses desses novos
viajantes, agora em sua maioria cientistas e pessoas da academia, era de coletar e
gerar o máximo de informações possíveis, servindo como agentes de informações
para os financiadores das expedições e suas lógicas coloniais.
Iniciava-se o rompimento com os temas não científicos dos exploradores
passados, apesar de ainda haver interesse em tópicos como a presença das
amazonas, como caso de Charles Marie de La Condamine, que inaugurou essa
nova era no Novo Mundo, motivado principalmente em atestar a veracidade de mitos
e lendas relatados por seus antecessores. Posteriormente, já não haveria
expedições que buscavam testar os mitos, pelo contrário, havia agora o interesse
em observar o ambiente da maneira mais racional possível, a fim de descobrir o
potencial de colônia dessa região para a metrópole. Com interesses político-
militares, a ciência, apesar de ser motivadora das campanhas, ficava em segundo
plano.
Aqui, os naturalistas “fizeram da região seu laboratório de pesquisa”, como
lembra Hideraldo Costa. Havia, no entanto, um problema para o homem europeu: os
povos originários. Se, na Amazônia, havia o potencial para riqueza e exploração, os
naturalistas olhavam para os povos dessa terra abençoada com decepção. Apesar
do interesse em atender à coroa e a elite europeia, os viajantes não deixaram de
observar e construir relatos sobre os hábitos e a cultura dos habitantes da região
amazônica.
Hideraldo Costa lembra que “os olhares desses estrangeiros sobre a região
não foram ingênuos e muito menos neutros, pois os viajantes tinham nas cidades e
lugarejos por onde passaram interlocutores”. Esse olhar do europeu estava
enviesado com os preceitos da academia europeia, que enxergava o indígena como
degenerado.
Com um olhar preconcebido sobre esses povos e uma visão que se limitava
aos lugarejos e arredores de cidade, não surpreende que boa parte dos relatos dos
naturalistas do séc. XIX descrevem os indígenas amazônicos como um empecilho
para o desenvolvimento da região. Muitos esperavam por uma extinção desses
povos, através da miscigenação, pois acreditavam que esses povos eram incapazes
à civilização. Como coloca Hideraldo Costa: “na visão do viajante, o problema da
região não era de caráter institucional e sim humano, pois faltava apenas no povo
uma adequada dose de virtude e inteligência para conduzir a nação a uma grande
prosperidade”. Assim também era visto os miscigenados, uma vez que dividiam
laços com esses povos.
Era de certo que os naturalistas, em sua maioria, consideravam eles uma
“raça rebaixada, sofredora, sem significação no conjunto dos outros”. De modo que,
ao construir esse olhar sobre a região, o homem europeu se colocava como
naturalmente predisposto a dominar o lugar, trazendo com sigo a civilização e a
modernidade. Essa própria ideia de dominação da natureza se manifestou, por
exemplo, na construção da ferrovia Madeira-Mamoré, onde o homem europeu, além
dos interesses capitalistas, possuía a vontade de superar o meio em que se
encontrava.

3. Explique como Euclides da Cunha justifica sua concepção de que o


clima da Amazônia era caluniado, enfatizando em suas análises o papel que,
segundo o mencionado autor, coube neste processo ao que denominou
enquanto “seleção telúrica”.

Referenciando as circunstâncias climáticas da região Amazônia,


principalmente das circunscrições territoriais geradas pelo Tratado de Petrópolis,
Euclides da Cunha faz um comentário sobre as adversidades climáticas do espaço
amazônico encontradas tanto pelos viajantes europeus, o qual enfrentaria tanto a
fadiga física de sua “musculatura, que desfibra, à própria fortaleza de espírito, que
se deprime”, como também dos imigrantes das grandes secas do século XIX e XX,
que foram, de certa forma, expatriados para essa região.
A forma que Euclides da Cunha descreve a ida para a região amazônica é
quase como uma condenação, a qual para ele a vinda salvadora seria a febre, isto é,
a malária, que daria ao viajante uma escusa para sair de lá. Quanto aos imigrantes,
que vieram de diferentes regiões do território brasileiro, esses enfrentavam
dificuldades antes mesmo de chegar na região, uma vez que não contavam com o
“mínimo resguardo, ou assistência social” em sua odisseia pela região dos trópicos.
Para o sertanejo, a forma de deixar para trás a seca e conseguir chegar na
vasta e despovoada Amazônia, era contraindo dívidas para si, como também para a
parte da família disposta a o acompanhar.
Ao mandar “todos os fracos, todos os inúteis, todos os doentes e todos os
sacrificados expedidos a esmo, como o rebotalho das gentes, para o deserto”, o
Poder Público, como escreve Euclides da Cunha, acreditava no desaparecimento
destas pessoas nesse deserto empantanado, realizando uma espécie de expurgo.
Mas, 30 anos depois, os imigrantes sobreviventes passaram a desenvolver a região.
Foi nesse quesito que Euclides da Cunha aponta uma seleção telúrica, onde
o homem perseverou sobre a região, seja por “uma sorte de magistratura natural, ou
revista severa exercida pela natureza nos indivíduos que a procuram.”
Na região do Acre e proximidades, o sertanejo sobreviveu, mas, por outro
lado, sobrevivia na miséria e sob dívidas, não havendo na região as estruturas de
um estado social e muito menos organização do trabalho. Essa vida de mazelas
levava a várias complicações, como tuberculose, alcoolismo, anemia e a febre.
Foi nesse terreno que surgiu a solitária figura do seringueiro, vítima da falta
de assistência dos poderes públicos e explorado por contratadores insaciáveis.
Como Euclides da Cunha diz: “O sertanejo emigrante realiza, ali, uma anomalia
sobre a qual nunca é demasiado insistir: é o homem que trabalha para escravizar-
se.

4. No texto intitulado Trópicos, o historiador Sérgio Souza trata sobre as


construções de viajantes e segmentos letrados da Amazônia, desenvolvidas
na segunda metade do século XIX. Neste caso, analise especificamente as
elaborações que representam as populações que viviam/vivem na Amazônia,
enquanto “indolentes” e de “moral contestável”, explicitando suas
argumentações.

Sem dar rosto e nome aos personagens, os viajantes generalizavam as


populações amazônicas como inimigas da atividade laboral e de má índole. O
historiador lembra que “narrativas que expressam essa concepção se constituem em
importantes referências para “legitimar” a dominação e desconstrução de diferentes
povos e culturas”, isso permite que ao mesmo tempo que o colonizador se coloque
como uma figura predisposta ao progresso e o desenvolvimento, ele também
categoriza o “outro” não europeu como algo a ser reformado.
A questão é que o colonizador carrega valores diferentes daqueles
encontrados na Amazônia. Oriundo de uma sociedade do capitalismo industrial, não
é estranho que ele estranhe a agricultura de subsistência dos povos originários, uma
vez que o viajante carrega com si a bagagem do capitalismo exploratório e guiado
pelo acúmulo de riqueza. Sérgio Souza traz os relatos Ferreira Reis, que ilustram
esse estranhamento do europeu com o essencialismo do homem da Amazônia:

Há ensaios para a plantação de cana de açúcar, cafeeiro, cacauzeiro,


algodoeiro e fumo. Mas em tão diminuta escala, que nos parece mais um
luxo do que o desejo de cultivar essas plantas. E se esse ramo da
agricultura se desenvolvesse em larga escala, aproveitando-se a uberdade
do solo, aí estaria constituída a riqueza pública. Porém, a indolência não dá
lugar para mais.

Ao relacionar a falta de interesse de um indígena em explorar a terra, o relato


pinta a ideia de que a não-exploração é oposta à civilização. Como Sérgio Souza
aponta, “era comum os viajantes relacionarem a fartura proporcionada pela
natureza, com a suposta pouca afinidade ao trabalho”. Isso permitiu, por exemplo,
que os europeus justificassem a vinda de trabalhadores de outras regiões, como os
sertanejos, para praticar a exploração da borracha. De tal forma que, lembra Sérgio
Souza, “para o colonizador, é importante apresentar os “outros” em contraste com o
“civilizado”.

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