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“E se eu não a tivesse encontrado naquele dia?

” era a pergunta que se passava na mente


de Lily durante todo o tempo depois daqueles acontecimentos.

Era final de tarde. O sol preparava-se para ir embora e dar lugar a lua. A hora dourada
banhava a vila de Erith com um rosa alaranjado intenso, dando um semblante pacifista e
calmo para aquele lugar. Os telhados marrons, paredes e as estruturas quebradiças das
casas dos aldeões tornavam-se um verdadeiro poema de antiguidades. Era o momento
perfeito do dia. Pelo menos de longe, Erith parecia um lugar longe dos problemas.

Como se se misturasse com o tom que o sol esbanjava, os cabelos ruivos da garota
movimentavam-se suavemente, dando espaço para o vento soprar. O rabo de cavalo que
usava limitava um pouco o balançar dos fios laranjas, mas permitia que ela pudesse correr
sem se atrapalhar. As roupas que usava também davam para ela mais flexibilidade. Seus
movimentos não seriam rápidos se a mesma estivesse usando vestidos ou saias longas.
Então, sua simples calça com tecido barato roubado de algum aldeão irrelevante, suas
botas e seu gibão bordô a deixavam extremamente confortável para os serviços diários.

FOTO LILY

Por mais que a aura do lugar fosse calma, hoje era dia de trabalho. Lily caminhava
rapidamente para o centro da vila, onde havia diariamente uma grande concentração de
pessoas. No grande centro eram onde os aldeões realizavam as suas atividades
comerciais. Vendiam carne, couro e frutas, além de armas e poções. O comércio era
extenso. Essas atividades duravam até a noite surgir, e o dia ainda não havia acabado. A
garota já estava próxima de seu destino. Pretendia se encontrar com Jeff ali mesmo, no
meio da multidão, assim poderiam partir para o local da caça juntos.

Não demorou muito para que ela pudesse avistá-lo. Jeff, o seu melhor amigo e
provavelmente o único. Um elfo alto e com porte médio. Sua pele negra absorvia a luz e
possuía um corte militar em seu cabelo. Usava uma túnica amarronzada por cima de um
casaco de couro preto com as mangas apertadas. O jovem rapaz estava encostado numa
pequena estaca de madeira que sustentava uma barraca de frutas. Ele segurava uma maçã
mordida em sua luva de couro e aproveitava para degustar da mesma.

— Curtindo o lanchinho da tarde? — diz Lily se aproximando de Jeff e mordendo um


pedaço de sua maçã.

— Ei! Sabia que eu não comi nada desde hoje de manhã? Foi a única coisa que eu
consegui comprar daquele velho idiota. — Jeff aponta para o mercador da barraca de
frutas, que o encara com um olhar raivoso. — 10 reis por uma maçã? Pelos Deuses…

— Ele realmente te odeia. Suas habilidades de barganha me surpreendem a cada dia,


Jeff. — Lily sorri, olhando para o velho mercador. — Mudando de assunto… — Ela volta
a encarar para o rapaz — Você trouxe os equipamentos?
— Acha mesmo que eu ia esquecer? Aqui está a sua… — Jeff pega a sua bolsa e puxa
uma adaga para fora.

Lily o impede imediatamente. Ela segura a sua mão, e ele percebe o que ela quis dizer.

— Está louco? — como se ninguém pudesse escutar, ela sussurra — Já basta os


problemas que temos com os mercadores daqui. Não quero que eles saibam que temos
armas. É aí que vão nos chamar de ladrões com razão.

— Lily, os aldeões não são burros. Eles sabem para quem trabalhamos. — Jeff a
encara com um sorriso no canto de sua boca. De fato, todos sabem para quem eles
trabalham.

— ...eu só não gosto de chamar atenção. — ela desvia o olhar, observando um grupo
de crianças brincando com galhos. — Eu trouxe as poções. Adam disse que iríamos
precisar. Nos deixarão mais focados.

— Ótimo! Vamos partir para a ação! — o rapaz abre um sorriso animado. Ele
certamente gosta do seu trabalho. Ao menos, em partes.

A floresta de Erith. Um lugar não muito frequentado pelos camponeses. Isso se deve
pelo fato da floresta estar fora dos portões da vila. Ninguém se atreve a colocar os pés
na floresta. Ninguém além de pessoas que sabem lutar e se defender. Lily e Jeff
possuem confiança o bastante para isso. Eles já frequentaram aquele lugar muitas
vezes, mas sabem bem que não é brincadeira, apesar do senso de humor dos dois. Era
um lugar silencioso, apenas com o barulho do vento e das folhas. Nem os pássaros se
atreviam a cantar. Pelo menos, o laranja do pôr do sol dava um pouco de cor para o
ambiente.

Os dois jovens caminhavam sorrateiramente por dentro da mata. Observavam cada


mínimo detalhe do lugar com o máximo de cuidado possível. Lily ia na frente, enquanto
Jeff prestava atenção nas suas costas. Era imprevisível saber quando algo iria atacar.

— Sabe o que estamos procurando, não é? — Jeff pergunta para a garota. Sua voz se
mantém baixa enquanto ele segura a sua espada com as duas mãos.

— A “mamãe” daquele grupo de Gons ridículos? Sei muito bem! — A garota sorria
enquanto sussurrava. Assim como Jeff, ela estava armada, segurando duas adagas
extremamente afiadas em cada mão.

— Adam me disse que os Gons não são monstros de planta qualquer que brotam do
chão. Tipo, eles não devoram humanos sem motivo nenhum. Algo comanda eles a
fazerem isso. É por isso que são inteligentes de certa forma. — Jeff explica enquanto
mantém a guarda.
— E ele suspeita que há um líder entre esses monstros. — Ela completou.

— Exato! Os camponeses avistaram um Gon diferente dias atrás. Ele não era verde e
cheio de folhas pelo corpo como os que nós estamos acostumados a matar. Era
totalmente preto e possuía chifres enormes. E seus chifres, eram de osso puro, não de
galhos.

— Bom, eu suspeito que vamos ter que lavar as nossas roupas depois da luta. Não
vamos ficar com apenas folhas pelo corpo dessa vez. — Lily brinca, sorrindo para Jeff.

Gons. Grandes e horrendas criaturas compostas por plantas, galhos e flores. Esses
seres surgiram antes mesmo de Lily nascer. As criaturas brotaram do chão um pouco
antes do Ano Dourado, que é o ano em que um novo rei é coroado. Dizem que eles
foram um aviso de que o Rei Francis não seria bom e próspero para todos, mas ele foi o
único rei que conseguiu conter esses monstros. Conter quase todos. Ninguém sabe
como os Gons surgiram de fato, mas o que importa é que todos devem se defender
deles, afinal, são monstros sedentos por carne humana.

Lily não acredita que as palavras tenham o poder de atrair coisas, mas todo o assunto
sobre esses seres horríveis faz um deles brotar bem na frente dos dois jovens. A
criatura, coberta de folhas verdes e galhos quebradiços, literalmente surge do solo num
piscar de olhos. O espécime era um quadrúpede e possuía quase o tamanho de um
adulto. Sua boca possuía dentes enormes e afiados, além de soltar um líquido
desconhecido pela língua. Seus olhos brilhavam com um azul intenso e assustador. O
animal se assemelhava a um lobo gigante.

— Este não é o que estamos procurando. — diz Lily para Jeff, que já estava preparado
para atacar.

— Não, mas este aí não vai desistir da gente! — Jeff olha para a criatura, que estava
rodeando os dois.

Não demorou muito para que o ser partisse para cima dos jovens. Com uma grande
velocidade, a fera abre a sua boca ferozmente, emitindo um barulho perturbador. Era
quase como se falasse para eles irem embora. Seus dentes tentam a todo custo
alcançar Lily, que esquiva várias vezes enquanto segura as suas adagas. Jeff,
aproveitando a oportunidade, tenta cravar a sua espada na perna traseira do monstro,
que imediatamente chuta o rapaz com a mesma.

A pancada na barriga machuca Jeff, mas não é o suficiente para derrubá-lo. Em


seguida, Lily corre diretamente para a fera, que tenta morder a garota assim que ela se
aproxima. Com muita flexibilidade, a garota dá uma rasteira para baixo do monstro. Ela
termina o seu ataque cravando as suas adagas profundamente no peito da criatura e
rasgando até a barriga, ele não sangra, mas geme de dor raivosamente. O Gon
enfurecido tenta retirar Lily debaixo dele com a sua boca, mas Jeff finaliza-o subindo em
cima dele e arrancando ferozmente a sua cabeça. Dava para sentir o ódio proferido no
golpe do rapaz só de ver os seus olhos. Sem ter sequer tempo de reagir, o Gon cai no
chão totalmente morto. Lily, que estava embaixo dele, cai com o peso do bicho em cima
de seu corpo. Jeff respira por um momento e se recompõe.

— Precisa de uma mãozinha aí? — O elfo perguntou sorridente. Ele está em cima do
corpo do Gon, que está em cima de Lily.

— Ugh! Não fui eu quem tomei um… chute na barriga! Haha! — mesmo com dificuldade
para falar e respirar com todo aquele peso, ela diz em meio aos risos. — Dá pra me tirar
daqui?

— É pra já, vossa majestade! — com um tom de deboche, o elfo fala tentando empurrar
o corpo para o lado. — Fica alerta. Se este apareceu, quer dizer que tem mais deles.

— Sinceramente, anos atrás havia mais deles por aqui. Parece que estão
desaparecendo aos poucos. — A garota aproveita para tirar as suas adagas do
cadáver.

— Eles podem estar em números menores, mas ainda são muitos. — Jeff a observa
com a espada apoiada no ombro. — Este aqui foi fácil. Lembra da vez em que
enfrentamos cinco deles de uma vez?

— Você quer dizer da vez em que você desmaiou quando acidentalmente bateu a
cabeça do bicho contra a sua? — Ela brinca, ainda fazendo força para tirar a adaga.

— Você sabe… — Ele gagueja. — eu tava meio enferrujado naquele dia! Mas acordei
logo depois.

— Depois de uns 30 minutos! Você ficou até mesmo com uma cicatriz na testa e
ainda… Por quê essa merda não sai?! — Interrompendo a própria fala, ela puxa com
ainda mais força a sua adaga, que finalmente se desprende do corpo da fera.

Assim que ela tira sua arma, o cadáver começa a se dissolver. No lugar de folhas
verdes e galhos e marrons, flores começam a desabrochar. Uma por uma, elas vão
cobrindo o corpo morto da criatura até não sobrar nenhum vestígio de que havia algo
vivo ali. Era uma cena bonita, mas triste ao mesmo tempo. Em seguida, o Gon
desaparece completamente, deixando apenas um rastro de margaridas amarelas. Uma
quietude paira no ar. Apenas o som do vento batendo nas folhas das árvores é ouvido.
Lily quebra o silêncio.

— Por que essas criaturas tão horríveis morrem de forma tão bela?

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