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Parece que Jenny escolheu Julian em vez de Tom. Mas então seus amigos
começam a desaparecer, sugados para as Terras das Sombras e com
bonecos de papel deixadas em seus lugares. Agora Jenny poderá superar
Julian sem ceder inteiramente a suas exigências?
Jenny examinou a turma de direito comercial de Tom primeiro, mas ele não
estava lá. Ela desceu as escadas. Então começou a abrir caminho pelo
campus, andando em torno de colegas estudantes que estavam vigiando
seus bancos favoritos. Ela podia ouvir sacos de papel farfalhando e sen r o
cheiro do almoço de outras pessoas.
O grupo de Jenny não estava comendo juntos nas úl mas duas semanas -
isso causava muito burburinho. Mas hoje eles não teriam escolha.
Agora preciso achar Audrey, Jenny pensou. Ela passou pelo anfiteatro com
seus bancos de madeira cheios de bolhas e olhou para um dos quartos da
casa. Audrey estava no interior, decorando algo.
Jenny ficou parada na porta até Audrey, que estava com a professora,
levantar o olhar e vê-la. Ela fechou a pasta, largou-a na mochila e veio até
Jenny.
— O que é isso?
— Temos que juntar todos. — disse Jenny. — Você vai almoçar?
— Sim. — Audrey não perguntou por que eles nham que pegar todo
mundo. Ela apenas sacudiu a franja espetada de cobre dos olhos com um
movimento experiente da cabeça e apertou os lábios com brilho de cereja.
Elas atravessaram o centro do campus em direção ao ginásio feminino. O
sol brilhava na cabeça de Jenny, enviando um pouco de umidade pela parte
de trás do pescoço. Estava muito quente para maio, mesmo na Califórnia.
Então, por que ela sen u tanto frio por dentro?
Audrey e ela espiaram o ves ário. Dee ainda nem estava ves da, pegando
uma toalha e rindo com algumas garotas da equipe de natação. Ela estava
nua e completamente inconsciente, bonita e flexível como uma pantera
negra. Quando viu Jenny e Audrey olhando-a significa vamente, ela
ergueu uma sobrancelha para elas e depois assen u. Ela pegou uma
camiseta cor de granada e juntou-se a elas um minuto depois.
Elas encontraram Zach no bloco de arte, sozinho do lado de fora do
laboratório de fotografia. Isso não foi surpreendente - Zach geralmente
estava sozinho. O que surpreendeu Jenny foi que ele não estava dentro do
laboratório, trabalhando. O rosto magro e intenso de Zach sempre fora
pálido, mas ul mamente parecia quase giz, e nas úl mas semanas ele
passara a usar camisas de algodão preto. Ele mudou, Jenny pensou. Bem,
não é de se admirar. O que eles passaram teria mudado qualquer um.
Ele viu Jenny, que inclinou a cabeça na direção geral do estacionamento
dos funcionários. O lugar de sempre. Ele deu um breve puxão de cabeça
que significava concordância. Ele as encontraria lá.
Elas encontraram Michael perto do quarteirão inglês, pegando papéis e
livros espalhados no chão de concreto.
— Idiotas, porcos, incompetentes, neandertais. — Ele murmurava.
— Quem fez isso? — Jenny perguntou quando Audrey procurou por
hematomas em Michael.
— Carl Vertman e Steve Matsushima. — O rosto redondo de Michael
estava vermelho e seus cabelos escuros ainda mais desgrenhados do que o
normal. — Ajudaria se você beijasse aqui. — disse ele a Audrey, apontando
para o canto da boca.
Dee deu um soco em punho fechado na própria mão.
— Eu vou cuidar deles — disse, exibindo o seu sorriso mais primi vo.
— Vamos, precisamos conversar. — disse Jenny. — Alguém viu o Tom?
— Acho que ele matou aula hoje — disse Audrey. — Ele não estava na aula
de história, nem de inglês.
Maravilha, Jenny pensou enquanto Michael almoçava. Zachary usava um
preto mórbido, Michael estava sendo espancado e Tom, o super-aluno,
estava matando aula - exatamente quando ela mais precisava dele.
Sentaram-se no estacionamento, no que era comumente conhecido na
Vista Grande High como a colina gramada. Zach chegou e largou primeiro
seu saco de almoço, depois se jogou no chão, dobrando as pernas longas e
finas em um movimento fácil.
— O que está acontecendo? — Dee ques onou e Jenny respirou fundo.
— Tem essa garota — ela disse e fez o possível para descrever a Garota
Chorona. — Provavelmente é aluna da nona série. Algum de vocês a
conhece?
Todos balançaram a cabeça nega vamente.
— Porque ela disse que matamos Summer e escondemos seu corpo, e que
sabia que o PC não nha feito isso. Parecia alguém que realmente sabia, e
não apenas porque ela acredita nele ou algo assim.
Os olhos negros de Dee se estreitaram.
— Você acha...
— Eu acho que talvez ela o tenha visto naquela manhã. E isso significa...
— Que ela sabe aonde está a casa de papel. — disse Michael, parecendo
mais alarmado do que animado.
— Se ela souber, temos que encontrá-la. — disse Jenny e Michael gemeu.
Ela não o culpou. Tudo sobre a situação deles era horrível. A maneira como
as pessoas olhavam para eles agora, as perguntas nos olhos delas.
E o perigo. O perigo que ninguém, exceto o grupo, conhecia.
Muito disso foi culpa de Jenny. Tinha sido sua própria ideia brilhante.
Vamos dizer à polícia a verdade...
Havia duas policiais. Uma delas era havaiana ou polinésia e era bonita
como uma modelo. A outra era como uma pessoa materna
sobrecarregada. Ambas examinaram a pilha de fragmentos ao redor da
porta de vidro deslizante.
— Mas isso não tem nada a ver com Summer. — Jenny dissera, e então ela,
Tom, Michael e Audrey explicaram tudo novamente.
Não, não nha sido um OVNI. Bem, parecia que Juliano era um alienígena,
tudo bem, mas ele não nha quebrado a porta. Ele havia saído de um jogo
- ou pelo menos os sugou para um jogo. Ou pelo menos... Tudo bem. Desde
o começo novamente.
Jenny havia comprado o jogo na Avenida Montevidéu, em uma loja
chamada More Games. Tudo bem? Ela o comprou e o trouxe para casa e
eles o abriram. Sim, todos eles estavam aqui, os seis, e Summer. Foi uma
festa para o aniversário de dezessete anos de Tom.
Dentro havia um modelo de casa de papelão e eles haviam montado-o,
uma casa vitoriana, três andares e uma torre. Azul.
Em seguida, eles colocavam esses bonecos de papel dentro da cor que
pareciam com eles mesmas. Sim, certo, eles eram um pouco velhos para
brincarem com bonecos de papel. Mas não era apenas uma casa de
bonecos. Era um jogo.
O jogo era desenhar o seu pior pesadelo e colocá-lo em um cômodo da
casa e, a par r de baixo, seguir seu caminho até o topo. Passando pelo
pesadelo de cada pessoa até chegar lá.
Parecia um bom jogo. Só que se tornou real.
Sim, real. Real. Quantas maneiras diferentes de dizer "real"? Real!
Todos desmaiaram e, quando acordaram, estavam na casa. Dentro dela.
Não era mais papelão. Era sólido, como uma casa comum. Então Julian
apareceu.
Quem era Julian? O que era Julian, essa devia ser a pergunta. Se você
pensasse nele como um príncipe demônio, não estaria muito longe. Ele se
chamava de Homem das Sombras.
O Homem das Sombras. E como o Sandman, ele traz pesadelos.
A questão era que Julian havia matado Summer. Ele a fez encarar seu pior
pesadelo, que era um quarto bagunçado, com pilhas de lixo e baratas
gigantes. Sim, parecia engraçado, mas não era...
Não, nenhum deles nha lido Ka a.
Não era engraçado porque matara Summer. Ela foi enterrada em um
depósito de lixo horrível, debaixo de pilhas de sujeira e coisas podres. Eles a
ouviram gritando e gritando, e então finalmente os gritos pararam.
O corpo? Pelo amor de Deus, onde mais estaria o corpo? Estava lá,
enterrado no lixo, na casa de papel, no Mundo das Sombras.
Não! A porta de vidro deslizante não nha nada a ver com isso. Isso
aconteceu depois que eles escaparam do Mundo das Sombras. Jenny
enganou Julian e o trancou atrás de uma porta com uma runa de restrição
nela. Quando eles voltaram ao mundo real, Jenny colocou a casa de papel
de volta na caixa de jogos e depois chamaram a polícia. Sim, foi a ligação
feita às 6:34 desta manhã. Enquanto estavam no telefone, eles ouviram o
vidro quebrando e saíram para ver dois caras pegando a caixa por cima da
cerca dos fundos.
Por que alguém iria querer roubar a caixa? Bem, esses caras estavam
seguindo Jenny quando ela comprou o jogo. E ver o jogo fez algo com você.
Depois de ver a caixa branca brilhante, você a quer, não importa o quê. Os
caras provavelmente haviam seguido Jenny até sua casa para roubar a
caixa.
NÃO, SUMMER NÃO SE FOI COMO A CAIXA! SUMMER NÃO ESTAVA LÁ!
SUMMER JÁ ESTAVA MORTA ANTES DE ELES VOLTARAM!
Foi só depois de contar que Jenny viu como a história parecia louca. No
começo, a polícia não acreditava que Summer realmente estava
desaparecidA, não importa quantas vezes Tom exigisse um teste de
detector de men ras.
A polícia finalmente começou a acreditar quando ligou para os pais de
Summer e descobriu que ninguém a nha visto desde a noite passada. A
essa altura, Jenny e os outros estavam sentados no departamento de
dete ves em torno de uma mesa grande com mesas de dete ves ao redor.
Jenny já havia iden ficado fotos dos dois caras que haviam roubado o jogo.
PC Serrani e Sco Martell, mais conhecido como Slug, um nome que ele
mesmo havia escolhido. Ambos nham registros de furtos em lojas e dirigir
em alta velocidade com carros roubados. PC era o que usava a bandana e a
jaqueta de couro preto, e Slug uma camisa xadrez com aspecto velho.
E aconteceu que eles também estavam desaparecidos.
A pior parte foi quando os pais de Summer desceram à delegacia para
perguntar a Jenny onde a filha realmente estava. Eles não entenderam por
que Jenny, que conhecia Summer desde a quarta série, não contava a
verdade. Finalmente, as crianças fizeram um teste com detector de
men ras porque o pai de Summer insis u que a história soava exatamente
como as coisas que ele nha visto nos anos sessenta. Como uma viagem
muito, muito louca.
A senhora Parker-Pearson con nuou dizendo:
— O que Summer fez não importa. Apenas nos diga onde ela está.
Foi horrível.
Aba foi quem finalmente parou àquilo.
Bem no momento em que o barulho ficou maior e mais barulhento, ela
apareceu. Usava uma roupa laranja brilhante que mais parecia uma túnica
do que um ves do, e uma touca laranja como um turbante. Ela era a avó
de Dee, mas parecia visitar a realeza. Ela pediu à polícia que a deixasse
sozinha com as crianças.
Então Jenny, tremendo por todo o lado, contou a história novamente. Do
começo.
Quando acabou, ela olhou para cada um deles. Para Tom, o atleta
campeão, sentado com seus cabelos escuros normalmente arrumados e
desgrenhados. Audrey, a sempre chique, com o rímel estragado pelos
soluços. Zach, o fotógrafo inabalável, cujos olhos cinzentos estavam
vidrados de choque. Michael, com a cabeça pendida nos braços. Dee, a
única delas ainda sentada ereta, orgulhosa, tensa e furiosa, com os cabelos
brilhando pelo suor.
E Jenny, que olhou para ela com um pedido mudo de compreensão.
Então Aba olhou para os próprios dedos entrelaçados, os dedos de
escultora, longos e bonitos, mesmo que es vessem atados à idade.
— Eu já contei muitas histórias — disse ela a Jenny. —, mas há uma famosa
que acho que vocês não ouviram. É uma história da língua Hauçá. Meus
ancestrais eram quem falavam a língua, e minha mãe me contou isso
quando eu era pequena.
Michael lentamente levantou a cabeça da mesa.
— Certa vez, havia um caçador que saiu para o mato e encontrou uma
caveira caída no chão. Ele disse, embora es vesse realmente falando
consigo mesmo: "Por quê e como você chegou aqui?", e para sua surpresa,
o crânio respondeu: "Cheguei aqui conversando, meu amigo."
Tom se inclinou para frente, ouvindo. Audrey ficou olhando. Ela não
conhecia Aba tão bem quanto o resto deles.
Aba con nuou.
— O caçador estava muito animado. Ele correu de volta para sua vila e
disse a todos que nha visto uma caveira falante. Quando o chefe da vila
ouviu, ele pediu ao caçador que o levasse até a maravilhosa caveira. Então
o caçador levou o chefe até a caveira. "Fale", disse ele, mas a caveira não o
fez. O chefe ficou tão bravo por ter sido enganado que cortou a cabeça do
caçador e a deixou no chão. Depois que o chefe se foi, o crânio disse à
cabeça decepada ao lado: "Por quê e como você chegou aqui?" E a cabeça
respondeu: "Cheguei aqui conversando, meu amigo."
No longo silêncio depois, Jenny ouviu telefones distantes tocando e vozes
do lado de fora da sala.
— Você quer dizer que estamos conversando demais? — Michael disse
finalmente.
— Quero dizer que vocês não precisam contar tudo o que sabem à todos.
Há um tempo para ficar em silêncio. Além disso, vocês não precisam
insis r que a opinião de vocês é a única, mesmo que acreditem
honestamente. Aquele um caçador poderia ter vivido se dissesse: "Acho
que uma caveira falou comigo, mas posso ter sonhado".
— Mas nós não sonhamos. — Jenny sussurrou.
O que Aba disse, então, fez toda a diferença. Tornou tudo mais fácil, de
alguma forma.
— Eu acredito em vocês — disse ela calmamente e colocou uma mão gen l
e atada na de Jenny.
Quando a polícia voltou, todos estavam calmos. O grupo agora admi a
que, embora pensassem estar dizendo a verdade, poderia ter sido algum
po de sonho ou alucinação. A polícia agora teorizou que algo realmente
havia acontecido com Summer, algo tão horrível que as crianças
simplesmente não podiam aceitar o que nham visto, e então criaram uma
história histérica para encobrir a memória. Os adolescentes eram
especialmente propensos à alucinação em massa, explicou o inspetor
Somebody à Aba. Se eles pudessem passar no teste do detector de
men ras, provando que não haviam feito nada com Summer...
Eles passaram.
Então a polícia os libertou sob a custódia de seus pais, e Jenny foi para casa
e dormiu por dezesseis horas seguidas. Quando ela acordou, era domingo
e Summer, PC e Slug ainda estavam desaparecidos.
Foi assim que a nova teoria começou.
Ela era de que Slug e PC nha fugido com Summer ou que alguém nha
fugido com os três. O shopping local doou espaço para um centro de
pesquisa e centenas de voluntários saíram procurando em canos de
esgoto, valas e lixeiras.
Não havia nada que Jenny pudesse fazer para impedir isso. Todos os dias os
voluntários faziam mais, a busca aumentava.
Ela se sen u horrível. Mas então percebeu algo.
O corpo de Summer não estava em uma lixeira, mas a casa de papel podia
estar. Não traria resultados procurar por Summer, mas por Slug e PC sim.
— Porque — ela apontou tristemente para Dee e os outros. — se assim
como nós, eles entrarem na casa de papel, podem chegar ao terceiro
andar. E isso significa que eles podem abrir uma certa porta e deixar Julian
sair.
Depois disso, eles saíam todos os dias com os outros voluntários,
procurando uma pista de onde Slug Martell e PC Serrani pode ter aceitado
o jogo. Era uma corrida contra o tempo, pensou Jenny. Para chegar à casa
antes de Slug e PC chegassem a Julian. Porque depois do que ela fez com
Julian, enganando-o e trancando-o atrás daquela porta, e depois do que
havia prome do a ele - dizendo que ele ficaria ali para sempre - e depois
fugindo...
Se Julian saísse, a encontraria. Ele a caçaria. E se vingaria.
Na colina de gramas, Michael ainda estava gemendo ao pensar em
encontrar a garota que chorava.
— Ela provavelmente não sabe de nada. — disse Zach, os olhos cinzentos
como nuvens no inverno. — Ela provavelmente se pergunta se talvez nós
tenhamos feito isso. No fundo, acho que todo mundo se pergunta.
Jenny olhou em volta para o grupo: Dee esparramada preguiçosamente na
grama, os membros escuros brilhando; Audrey empoleirando-se sob uma
pasta para salvar seu smoking branco; Michael com seu corpo de ursinho
de pelúcia e olhos sarcás cos de spaniel; e Zach sentado como uma
espécie de monge betano com um rabo de cavalo. Eles não pareciam
assassinos. Mas ela sabia ue o que Zach disse era verdade.
— Temos que distribuir cartazes hoje, de qualquer forma. — disse Audrey.
— É melhor procurarmos essa garota enquanto es vermos fazendo nisso.
— Não vai fazer nenhuma diferença. — disse Zach, categoricamente.
CAPÍTULO 03
Os outros se viraram para Jenny. Ele é seu primo; você lida com ele, diziam
os olhares.
Jenny respirou fundo outra vez.
— Você sabe perfeitamente bem que isso fará, sim, diferença — disse ela
com firmeza. — Se não conseguirmos a casa de papel de volta, você sabe o
que pode acontecer.
— E o que você vai fazer se conseguirmos? Queimar? Destruir? Com eles lá
dentro? Não é assassinato, ou PC e Slug não contam?
Todos começaram a falar.
— Eles não se importariam conosco... — Audrey começou.
— Apenas se acalme aí — disse Dee, de pé sobre Zach como uma leoa.
— Talvez eles não estejam lá dentro. Talvez tenham apenas fugido da
cidade ou algo assim. — Michael opinou.
Jenny reuniu todo o seu autocontrole, depois se levantou, olhando
diretamente para Zach.
— Se você não tem nada ú l a dizer, é melhor ir embora.
Ela viu os olhares de surpresa dos outros. Zach não pareceu surpreso. Ele
ficou de pé, com o rosto fino e pontudo ainda mais intenso do que o
normal, encarando-a. Então, sem uma única palavra, ele se virou e saiu.
Jenny sentou-se novamente, sen ndo-se abalada.
— Que merda. — murmurou Michael suavemente.
— Ele mereceu. — disse Dee.
Jenny sabia que o ponto não era se Zach merecia ou não isso, mas que
Michael estava surpreso pelo jeito que ela tratara o primo.
Eu mudei, Jenny pensou. Ela tentou afastar o conhecimento com um "E
daí", mas isso a incomodava. Ela teve a sensação de que, no fundo, poderia
ter mudado mais do que sequer sabia.
— Temos que encontrar a casa de papel. — disse ela.
— Certo — disse Dee. — Mesmo que eu não ache que exista alguma
chance do PC e do Slug chegarem ao terceiro andar, onde Julian está. Não
com aquela cobra e aquele lobo por lá...
— A Rastejadora e o Espreitador. — Audrey disse com precisão.
— ...mas podemos muito bem estar seguros. — Dee con nuou e um sinal
tocou. — Te vejo em fisiologia. — acrescentou a Jenny, pegou sua lata de
energé co Carbo-Force vazia e correu para o bloco de arte.
Michael rou migalhas de biscoito do colo, levantou-se e começou a
caminhada para o ginásio.
Jenny sabia que deveria estar se apressando também. Ela e Audrey veram
que trocar de roupa. Mas no momento ela realmente não se importava se
estava atrasada ou não.
— Quer matar aula? — Ela ques onou Audrey.
Audrey parou no meio da reaplicação do batom. Então terminou, fechou o
estojo compacto e guardou o batom.
— O que aconteceu com você?
— Nada... — Jenny estava começando, quando percebeu que alguém
estava caminhando na direção delas.
Era um cara, um veterano, colega de literatura de Jenny. Brian De linger.
Ele olhou para Audrey incerto, mas quando ficou claro que ela não iria
embora, ele disse oi para as duas. Jenny e Audrey disseram oi de volta.
— Só estava pensando... — disse ele, olhando uma abelha pairando sobre
um grupo de lírios mexicanos. — se você tem, sabe, um par para o baile.
O baile acabou, Jenny pensou estupidamente. Então percebeu que é claro
que ele queria dizer o baile de formatura.
Os olhos castanhos de Audrey se arregalaram.
— Não, ela não tem. — disse ela instantaneamente, com a ligeira
contração dos lábios que destacaram sua marca de beleza.
— Mas eu namoro — disse Jenny, surpresa.
Todo mundo sabia disso. Todo mundo sabia que ela e Tom estavam juntos
desde a escola primária, que há anos as pessoas conversavam sobre eles
como Tom e Jenny, uma única pessoa, como se fossem o mesmo ser.
— Ah, sim — disse Brian De linger, parecendo vagamente envergonhado.
— É que pensei que... como ele não está mais por perto...
— Obrigada — disse Jenny. — Eu não posso ir. — Ela sabia que parecia
irritada e que Brian não merecia isso. Ele estava apenas tentando ser legal.
Mas ela ficou desequilibrada por toda a situação.
Obviamente, ela não poderia ter sido sua primeira escolha, já que hoje era
segunda-feira e o baile era neste sábado, mas ter sido convidada por ele foi
um elogio. Brian De linger não era apenas uma opção para um encontro
no úl mo minuto: ele disputado, o capitão do me de futebol com uma
legião de seguidoras líderes de torcida. Ele era uma estrela.
— Ma epazzo? — Audrey disse quando ele se foi. — Você está louca? Era
Brian De linger.
— O que você esperava que eu fizesse? Ir com ele?
Audrey sacudiu a cabeça e inclinou-a para trás, olhando Jenny de maneira
avaliadora através de cílios pontudos e pretos.
— Você mudou, sabe. É quase assustador. É como se você vesse
florescido, e todo mundo notou. Como uma luz se acendeu dentro de você.
Desde...
— Temos que ir para Educação Física — Jenny a cortou.
— Eu pensei que você queria matar aula.
— Não mais. — Jenny não queria que mais nada mudasse. Ela queria estar
segura, do jeito que estava antes. Queria ser uma aluna de ensino médio,
ansiosa pela férias de verão em mais ou menos um mês. Ela queria Tom. —
Vamos lá.
Por um momento, quando elas saíram, jogando garrafas de chá gelado na
lata de lixo de metal do corredor de inglês, Jenny teve a sensação de que
alguém a estava observando. Ela virou a cabeça rapidamente, mas não
conseguia ver nada
❊
Tom a observou par r.
Ele se sen a mal à espreita na sombra do edi cio de inglês, atrás dos
pilares de metal com cicatrizes que sustentavam o teto em forma de
varanda. Mas ele não conseguia ir embora.
Ele a perdera, e a culpa era dele.
A questão era que Tom já nha estragado tudo. Ele estragara tudo. A coisa
mais importante de sua vida - e ele sequer percebera que era a coisa mais
importante até dezessete dias atrás. 22 de abril. O dia do jogo. O dia em
que Julian chegou e levou Jenny embora.
Claro que ele amava Jenny. Amá-la era fácil. Mas ele nunca pensou sobre
como seria estar sem ela, porque sempre soube que ela estaria lá. Você
não senta e pensa: "Eu me pergunto como seria se o sol não surgisse
amanhã".
Ele presumira tudo, que as coisas estavam garan das. Tinha sido
desleixado. Era isso que acontecia quando tudo era entregue a você em
uma bandeja. De nunca ter que provar nada a si mesmo, de ter pessoas
bajulando você por causa de sua boa aparência, seu carro quente e sua
habilidade no baseball. De, essencialmente, ser Tom Locke. Você pensa que
não precisa provar nada.
Então você descobre o quanto está errado.
O problema era que, quando ele começou a perceber o quanto precisava
de Jenny Thornton, ela descobriu que não precisava dele.
Ele a vira naquele Outro Lugar, dentro daquela casa de papel que se
tornara real. Ela nha sido tão corajosa e tão bonita que fazia sua garganta
doer. Ela funcionou absolutamente perfeitamente sem ele.
Ainda poderia estar tudo bem, exceto Julian. O Homem das Sombras. O
cara com olhos da cor das piscinas das geleiras, o cara que havia
sequestrado todos porque queria Jenny. O que nha sido uma coisa
indiscu velmente má, mas na opinião de Tom, completamente
compreensível a se fazer.
Jenny havia mudado desde que Julian tentara tê-la. Talvez os outros ainda
não vessem notado ainda, mas Tom sim. Ela estava diferente agora, ainda
mais bonita. Haviam momentos em que ela se sentava com um olhar
distante, como se es vesse ouvindo coisas que ninguém mais podia ouvir.
Ouvindo a voz de Julian em sua mente, talvez.
Porque Julian a amava. Julian disse isso, disse todas as coisas que Tom
nunca pensou em mencionar. E Julián nha o charme do diabo.
Como Jenny resis ria a isso? Especialmente sendo tão inocente como era.
Jenny poderia realmente pensar que conseguiria mudar Julian ou que ele
não era tão mau quanto parecia. Tom sabia que era o contrário, mas de
que adiantava contar a ela? Ele os viu juntos, viu os olhos de Julian quando
a olhou. Viu o po de fei ço que Julian poderia lançar. Quando Julian
procurasse Jenny na próxima vez, Tom ia perder.
Então agora tudo o que ele podia fazer era espreitar nas sombras,
observando-a. Percebendo como as mechas de seu cabelo sopravam sobre
o resto, leves como o sândalo e a cor do mel à luz do sol. Lembrando de
seus olhos, um verde escuro tocado com ouro. Tudo nela era dourado, até
a pele. Engraçado que ele nunca se preocupou em dizer isso a ela.
Talvez fosse isso que De linger estava fazendo agora. Tom não ficou
surpreso que a estrela do futebol vesse vindo conversar com Jenny; ele
ficou surpreso com a rapidez com que Brian foi embora. Ele desejou poder
ter ouvido a conversa.
Isso não importava. Não importava quantos caras se aproximassem de
Jenny. Tom estava preocupado apenas com um - e era melhor tomar
cuidado.
Tom não podia mais tê-la, mas poderia protegê-la. Quando Julian voltasse -
não se; Tom estava pra camente certo de que sim - quando Julian voltasse
para Jenny e tentasse brincar com sua inocência novamente, Tom estaria lá
para detê-lo. Ele não sabia exatamente como, mas ele iria pará-lo.
Mesmo que isso o matasse.
E se isso fizesse Jenny odiá-lo, que assim fosse. Ela o agradeceria um dia.
Movendo-se silenciosa e propositalmente, Tom seguiu a cabeça de cobre e
a de ouro, perseguindo as meninas até a quadra.
Poderia ter sido sua imaginação, mas ele nha a estranha sensação de que
algo mais os perseguia também.
Eles dirigiram para o centro de buscas no shopping em dois carros; Jenny e
Audrey no pequeno Alpha Spider vermelho de Audrey, e Dee e Michael no
Fusca VW de Michael.
Não importava como ela se preparasse, algumas paredes ainda eram um
choque. Estavam cobertas de fotos de Summer.
Centenas delas. Não apenas os folhetos e pôsteres.
Os pais de Summer também trouxeram dezenas de fotografias para
mostrá-la sob diferentes ângulos ou talvez apenas para lembrar às pessoas
o que era realmente toda essa eficiência e empacotamento de envelopes.
Alguém nha colado uma das fotos em uma monstruosa impressão de
outdoor, de modo que os cachos loiros e macios de Summer mediam um
metro e meio e os olhos azuis os encaravam como os de Deus.
— Onde está o Tomcat1? — Uma dos voluntários perguntou a Jenny. Ela
era uma universitária e sempre perguntava por Tom.
— Eu não sei. — Jenny disse brevemente. A mesma pergunta a esfaqueava
desde o almoço.
— Se eu fosse você, saberia. Ele é um pedaço de mau caminho. Eu ficaria
de olho nele... — Jenny parou de ouvir. Como sempre, ela queria se afastar
do centro o mais rápido possível. Era um lugar quente, sério e ocupado,
cheio de esperança e bom ânimo - e era uma farsa.
Havia uma sensação de mal-estar no estômago de Jenny quando ela se
virou para o grande mapa na parede. O mapa mostrava quais áreas já
haviam do buscas e quais não. Jenny fingiu estudá-lo, embora já soubesse
para onde nha que ir. Se a garota que chorava fosse amiga de PC, poderia
morar perto dele.
Ela mal percebeu quando a porta do Centro se abriu e um dos voluntários
sussurrou:
— Foi essa médium que ligou. Ela é de Beverly Hills.
— Você vai olhar para aquela Mercedes? — Michael disse.
Jenny se virou e viu uma mulher com cabelos loiros foscos, decorada com
cordas de correntes de ouro caras. No mesmo momento, a médium se
virou e a viu - e ofegou.
Os olhos dela ficaram muito grandes. Ela deu vários passos em direção a
Jenny, até que seu perfume Giorgio dominou o Chloe Narcisse, de Audrey.
Ela olhou para o rosto de Jenny.
— Você os viu. — ela sussurrou. — Os do outro lado.
Jenny ficou paralisada, como se vesse sido eletrocutada.
— Eu tenho uma mensagem para você — disse a médium.
CAPÍTULO 04
Jenny gritou.
Ou saiu algo como um grito. O resto foi cortado quando algo a derrubou no
chão. Era a figura sombria à sua frente e estava gritando alguma coisa.
— Jenny, abaixe-se!
Seu cérebro só deu sen do às palavras depois que ela caiu. Houve uma
ba da maçante e uma ba da e correria que poderia ter sido o sangue em
seus ouvidos. Então o acidente parou.
— Espere, fique abaixada até ver eu se desapareceu. — disse a voz de Tom.
Jenny levantou-se assim mesmo, olhando-o com espanto. O que você está
fazendo aqui?, ela pensou. Mas o que disse foi:
— Você viu?
— Não, eu estava olhando para você. Eu ouvi e então...
— ...me derrubou — disse Jenny. — Você viu, Audrey?
— Eu? Eu estava tentando abrir minha porta e depois tentando abrir a sua.
Ouvi passar, mas quando olhei, a coisa se foi.
— Ela "não se foi" — disse Tom. — Acho que passou por cima... passou por
cima do capô do seu carro.
— Não pode ter sido. — disse Jenny. — Uma pessoa não... — Ela parou.
Mais uma vez uma imagem horrível de Nori, correndo como aranha,
entrou em sua mente.
— Não acho que era uma pessoa — Tom começou em voz baixa. — Eu
acho...
— Olha! — Audrey o interrompeu. — Lá embaixo, além da luz da rua,
algum po de animal... — Sua voz estava alta de medo.
— Ligue os faróis — disse Tom. Uma cunha de luz branca atravessou a
escuridão. O animal foi capturado diretamente nas vigas, os olhos
refle ndo em verde.
Era um cachorro.
Algum po de mistura de laboratório, Jenny deduziu. Preto o suficiente
para se misturar à noite ou às sebes. Ele olhou para eles com curiosidade,
então seu rabo deu uma sacudida rápida e incerta. Farfalhar nos arbustos,
Jenny pensou. Aquela cauda abanando! E a respiração rápida e ofegante.
— Bafo de cachorro — ela ofegou alto, quase histericamente. Após a
tensão, o alívio foi extremamente doloroso.
— E por isso eu perdi meus sapatos? — Audrey encostou a cabeça ruiva no
volante, soando ofendida. Então sentou-se encarou Jenny, que soluçava
fracamente.
— Vamos voltar e buscá-los. Sinto muito, de verdade. Mas estou feliz que
você esteja aqui — disse Jenny a Tom. Ele estava olhando para o cachorro.
— Eu não acho... — ele começou novamente. Então balançou a cabeça e
virou-se para ela. — Eu não quis te machucar.
— Não? — Jenny disse, não significando que o perdoava. Ela olhou para o
rosto dele. Tom se afastou para ajudar Audrey a pegar seus pertences
espalhados na calçada. Eles só conseguiram encontrar um sapato.
— Ah, deixe pra lá. — disse Audrey com nojo. — Não me importo mais. Só
quero chegar em casa e mergulhar na banheira por cerca de uma hora.
— Pode ir. Tom pode me levar para casa — disse Jenny. Tom a olhou,
parecendo assustado. — Você está com seu carro, não é? Ou caminhou?
— Meu carro está na rua. Mas...
— Então você pode me levar — Jenny o interrompeu, categoricamente.
Audrey levantou as sobrancelhas, entrou no carro e foi embora com um
"Ciao" resolvendo o assunto.
Tom e Jenny caminharam lentamente até o RX-7 dele. Uma vez lá dentro,
porém, Tom não ligou o motor. Eles apenas sentaram.
— Bem, você se tornou muito escasso hoje. — disse Jenny. — Enquanto o
resto de nós estava trabalhando. — Isso não parecia certo. Ela estava
chateada, esse era o problema.
Tom estava mexendo no rádio, ficando está co.
— Sinto muito, Jenny. Eu nha coisas a fazer.
Onde estava o sorriso dele, aquele sorriso maroto, conspirador e de lado?
Ele a estava tratando educadamente, como qualquer um.
Pior, ele a chamava de Jenny. Quando estava feliz, ele a chamava de Thorny
ou algum outro nome bobo.
— Tom, o que diabos está acontecendo?
— Nada.
— Nada? Do que você está falando? Tom, olhe para mim! Você está me
evitando o dia todo. O que devo pensar? O que está acontecendo?
Tom apenas balançou a cabeça levemente.
— Você mesmo está me evitando. De propósito. — Jenny não nha
acreditado até colocar em palavras. — Não apenas hoje, aliás. Está desde
que... — Ela parou. — Tom. Não é por... não tem nada a ver com... — Ela
não conseguiu dizer; era ridículo demais. Mas que outra explicação havia?
— Não tem nada a ver com o que aconteceu no jogo, tem? Com ele?
Ela percebeu pelo silêncio que estava certa.
— Você está louco? — Jenny disse em uma espécie de explosão silenciosa.
— Vamos apenas não falar sobre isso.
— Vamos apenas não falar sobre isso? — Em algum lugar dentro de Jenny,
a histeria estava aumentando, pronta para ser liberada.
— Olha, eu sei o placar. Melhor do que você. — À fraca luz do painel de
instrumentos, ela podia ver que a boca dele estava sombria. Jenny a pegou
e disse cuidadosamente:
— Tom, eu sou sua namorada. Eu te amo. Sempre es vemos juntos. E
agora de repente você mudou completamente, e você está agindo
como...como...
— Não fui eu quem mudou — disse ele. Então, virando-se totalmente para
ela, con nuou: — Você pode me olhar nos olhos e dizer que não pensa
nele?
Jenny ficou sem palavras.
— Pode me dizer isso honestamente? Que você nunca pensa nele?
— Só por ter medo dele — Jenny sussurrou, com a garganta seca. Ela teve
uma sensação terrível, como se terremotos e maremotos es vessem à sua
frente.
Ah, Deus, Jenny pensou. Sua mente estava cheia de imagens de pânico. Os
dedos de Julian em seus cabelos, leves como o tapinha macio da pata de
um gato. Julian inclinando o rosto para cima, Jenny fluindo em sua direção.
Julian sustentando seu peso, beijando sua nuca.
Mas Tom não nha visto tudo isso. Ele só nha visto ela e Julian juntos no
final, quando os pensamentos de Jenny estavam em rar seus amigos da
casa de papel.
— Eu estava tentando salvar a todos nós — disse ela, com segurança em
alto nível moral. — Você sabe disso.
— E isso significa que você não sen u nada por ele?
Men ra, Jenny pensou. Não havia razão para ela ter que men r. Ela não
sen a nada por Julian, mas estava tão confusa, tão assustada e confusa,
que não sabia mais o que sen a e o que estava acontecendo.
— Não — ela disse.
— Eu te conheço, Jenny; sei quando algo chega até você. Vi você responder
a ele. Ele traz um outro seu, a faz diferente.
— Tom...
— E eu vi o que ele pode fazer, tudo o que ele pode fazer. Ele é sobre-
humano. Como posso compe r com isso?
Ali estava o problema, Jenny pensou, com clareza. Se Tom Locke, o
Impecável, nha um defeito, era isso. Ele estava acostumado a sempre
vencer, e com facilidade. Tom não fazia nada que não pudesse fazer certo
da primeira vez. Ele não tentaria se pensasse que iria falhar.
— Além disso, você não precisa mais de mim.
Então era isso que ele pensava. Jenny fechou os olhos.
— Você está errado — ela sussurrou. — Eu precisei de você o dia todo
hoje. E você não estava...
— Ei, não, Jenny, não chore. Ei, Jen. — Sua voz mudou. Ele colocou a mão
no ombro dela, depois um braço em volta dela. Fez isso sem jeito, como se
fosse a primeira vez.
Jenny não conseguiu conter as lágrimas.
— Não chore. Eu não quis fazer você chorar. — Ele se inclinou para segurar
o outro ombro dela com a outra mão. Jenny abriu os olhos molhados.
Ele estava olhando no rosto dela, e estava tão perto. A expressão sombria
se foi, e em seu lugar havia preocupação e amor. Amor angus ado.
Naquele instante, Jenny viu por baixo do exterior liso e polido das defesas
de Tom Locke.
— Tommy... — ela sussurrou, e sua mão encontrou a dele, os dedos
travando juntos.
Então, um ou outro deles fez um movimento - Jenny nunca se lembrava de
qual - e ela estava nos braços dele. Eles estavam se segurando
desesperadamente.
O alívio inundou Jenny e ela soluçou um pouco. Era tão bom ter Tom a
abraçando novamente. Em um momento ele a beijaria, e tudo ficaria bem.
Mas então algo aconteceu. O interior do RX-7 era pequeno, como um
cockpit de avião, e o console central curvado para fora. Tom se afastou um
pouco para beijá-la, e sua mão ou cotovelo bateu nos botões do rádio.
Deve ter, porque de repente a música caiu no carro.
Era uma música que a mãe de Jenny tocava às vezes, uma música an ga de
Dan Fogelberg. Ela nunca nha notado as palavras antes, mas agora elas
ecoavam claramente através do carro.
"...Como as músicas que a escuridão compõe para adorar a luz..."
Jenny recuou, com o coração disparado. Deus, quem pensou nisso? Quem
já pensou nisso? O que alguns compositores dos anos setenta sabiam sobre
a escuridão adorando a luz?
Ela estava olhando para o rádio, paralisada. Pelo canto do olho, viu Tom
olhando para ela.
Jenny estendeu a mão e apertou o rádio, e o carro mergulhou em silêncio.
Ela nha que dizer alguma coisa, mas sua mente estava em branco. Tudo o
que ela podia ouvir era o eco da voz de Julian dizendo: "Eu a quero como...
luz para a minha escuridão.".
— Está vendo? — pressionou Tom.
O silêncio ficou terrível.
— É melhor eu levá-la para casa. — Ele con nuou, com uma voz tão vazia e
educada quanto havia começado. — Está tarde.
— Era apenas uma música — Jenny explodiu, mas sabia que a música não
era o problema. O problema foi a reação dela.
— Você mudou, Jenny.
— Estou tão cansada de ouvir isso! — Jenny respirou fundo e acrescentou:
— Se mudei tanto, talvez você não me queira mais. Talvez devêssemos
terminar.
Ela nha dito isso para chocar. Atordoada, ela percebeu que ele não a
contradizia.
— Melhor chegar em casa — ele disse novamente.
Jenny queria desesperadamente recuperar as palavras, mas era tarde
demais. Era tarde demais para qualquer coisa, e seu orgulho não a deixava
chorar ou falar. Ela ficou congelada enquanto dirigiam-se para sua casa.
Tom fez o mesmo.
A mãe de Jenny estava de pé no limiar da sala de estar.
— E onde você esteve? — ela exigiu. Sra. Thornton nha cabelos dourados
escuros e um temperamento rápido.
— É minha culpa, senhora Thornton. — disse Tom.
— Não é culpa dele. Eu sou responsável por mim — rebateu Jenny.
— Pelo menos você já está em casa. — disse a sra. Thornton, com um
suspiro. Seu temperamento, como o de Jenny, aumentou rapidamente e
morreu mais rapidamente ainda. — Você está com fome? Você jantou,
Tom?
Tom balançou a cabeça negra.
— É melhor eu chegar em casa — disse ele, evitando os olhos de Jenny.
— Sim, é melhor. — o Sr. Thornton disse suave, mas intencionalmente, da
poltrona. O pai de Jenny era um homem pequeno, mas nha um olhar
irônico que poderia matar do outro lado da sala. — Tenho certeza que seus
pais estão esperando você. E da próxima vez, voltem antes de escurecer.
Quando a porta se fechou atrás dele, Jenny disse com energia imprudente:
— Provavelmente não haverá uma próxima vez.
— Jenny? — A mãe dela ficou assustada. Jenny virou-se para a cozinha,
mas não antes de ver seus pais trocarem olhares. O pai balançou a cabeça
e voltou à revista Time. A mãe a seguiu até a cozinha. — Querido, você não
pode ficar chateada porque a queremos em casa mais cedo. Estamos
apenas tentando manter você e Joey a salvo.
— Não é isso. — Jenny estava lutando contra as lágrimas. — É só que acho
que Tom e eu vamos terminar.
A mãe dela ficou olhando.
— Ah, querida!
— Sim. E eu simplesmente não sei... Ah, mãe, tudo está mudando! — De
repente, Jenny se jogou nos braços da mãe.
— As coisas mudam, querida. Você está na idade em que tudo começa a
acontecer. Sei o quão assustador isso pode ser, e sinto muito por Tom...
Jenny balançou a cabeça silenciosamente. Ela e a mãe já haviam
conversado sobre crescer antes. Ela sempre se sen u secretamente um
pouco convencida de como estava lidando com tudo isso. Planejara tudo: o
ensino médio com Tom e depois a faculdade com Tom, e então, em algum
futuro confortável, o casamento com Tom, uma carreira interessante e uma
turnê mundial. Após a turnê, bebês. Um menino e uma menina.
Ela já havia mapeado o "crescer": sabia exatamente como seria.
Mas agora não mais. Seu futuro acolhedor estava desmoronando ao seu
redor.
Ela se afastou da mãe.
— Jenny... não há nada que você não esteja nos dizendo, digamos, sobre
Zach? Porque sua a Lily está realmente preocupada. Ela diz que ele está
agindo de maneira tão diferente... Ele até parece ter perdido o interesse
em fotografia...
— Que po de coisa? — Jenny sen u-se enrijecer.
— É claro que sabemos que Zach não machucou Summer de forma
alguma. Mas não ele foi quem inventou essa história, foi? E todos vocês
acreditaram porque se preocupam com ele. — Foi formulado como uma
teoria e Jenny ficou horrorizada.
— Não — ela disse. "Primeiro de tudo, ninguém inventou a história. —
Embora a sra. Thornton con nuasse a encará-la, Jenny notou que os olhos
castanho-dourados de sua mãe ficaram mais escuros com isso e pareciam
murar.
Era assim que todos os pais pareciam quando as crianças conversavam
sobre a realidade do que havia acontecido naquela noite. Eles estavam
ouvindo, mas não estavam ouvindo. Eles acreditavam em você porque
você era filho deles, mas não podiam acreditar em você. Então acabavam
olhando para você como zumbis educados e dando desculpas por trás dos
olhos deles.
— Ninguém inventou a história — Jenny repe u cansada, já derrotada. —
Olha, eu realmente não estou com fome. — Ela escapou para a sala da
família, onde Joey estava jogando videogame, mas não concluiu a fuga.
O telefone tocou e ela o alcançou automa camente.
— Olá?
ntontontontontontontonto.
Calafrios tomaram conta de Jenny.
O ruído indecifrável con nuou, mas por cima havia um sussurro. "Uma...
ishhshhshht ..."
— Joey, desligue a TV!
O sussurro veio novamente e Jenny ouviu a voz da médium em sua mente.
Desaparecidos...
— Desa-ppppareeeciiiidos. — A voz sussurrou.
Jenny apertou o telefone, esforçando-se para ouvir.
— Quem é? — De repente, ela ficou com raiva e não com medo. Ela nha
visões da médium loiro fosco do outro lado. Mas a voz parecia ser de
homem e nha uma qualidade distorcida que ia além do estrangeiro. A
palavra parecia desaparecidos, mas...
O telefone clicou, então houve um tom de discagem.
— O que há de errado? — a mãe dela disse, vindo da cozinha. — Alguém
ligou?
— Você não ouviu tocar?
— Não consigo ouvir nada com essa TV. Jenny, o que houve? Você está tão
pálida.
— Nada. — Ela não queria falar sobre isso com a mãe. Não suportava mais
perguntas - ou mais coisas estranhas, ou mais nada. — Estou muito
cansada — disse e foi para os fundos da casa antes que a mãe pudesse
detê-la.
Na privacidade de seu próprio quarto, Jenny caiu na cama. Era uma sala
agradável, e normalmente sua familiaridade a teria confortado. Michael
sempre dizia que parecia um jardim por causa do edredom Ralph Lauren
em rosa, papoula, ouro e azul empoeirado, e as cestas na cômoda
enfeitadas com flores de seda. No parapeito da janela, havia vasos de
petúnias e alyssum.
Agora mesmo, Jenny se sen a estranha. Como se não pertencesse mais à
sua familiaridade. Ela ficou ouvindo a casa. Ouviu os sons distantes da TV
da sala da família serem interrompidos e, depois, barulhos no banheiro.
Joey indo para a cama. Vozes no corredor e uma porta se fechando. Os pais
dela indo para a cama. Depois disso, tudo ficou quieto.
Jenny ficou ali por um longo tempo. Não conseguia relaxar para dormir;
nha que fazer algo para expressar a estranheza que sen a por dentro. Ela
queria - ela precisava - pensar em algo para relaxar e purificar-se. Sozinha.
Então pensou. Ela foi até a porta e cuidadosamente girou a maçaneta.
Entrou no corredor escuro, ouvindo. Silêncio. Todo mundo estava
dormindo; a casa nha aquela sensação silenciosa no meio da noite.
Silenciosamente, ela abriu o armário de roupas de cama e pegou uma
toalha. Ainda cuidadosa para não emi r o menor som, destrancou a porta
de vidro da sala da família e a abriu.
Uma lua de três quartos estava nascendo sobre o sopé. Jenny olhou para o
quarto dos pais, mas as venezianas estavam escuras e uma fileira de
arbustos altos de oleandros bloqueava a vista da piscina. Ninguém a veria.
Ela caminhou fur vamente para uma alcova da parede de blocos, onde
girou um interruptor. A luz da piscina acendeu.
Magia. Ele transformou um vazio sinistro em uma joia verde-azul
fluorescente.
Jenny suspirou.
Mantendo-se bem atrás da fileira de arbustos, rou a roupa. Então se
ajoelhou na beira da piscina, sentou-se nela, colocando as pernas na água.
Podia sen r o convés poroso de concreto nas costas de suas coxas e a água
fria nas panturrilhas. Ela olhou para os pés, verde pálido e ampliada na
água brilhante. Com um giro cuidadoso e um deslize, ela entrou.
Um leve choque de frieza. Jenny saiu da beira da piscina com os pés e
flutuou de costas, abrindo os braços. O cheiro de cloro encheu suas
narinas. A lua era pura prata no céu e muito distante. Agora mesmo, se
sen a tão distante das emoções comuns.
Então, o que você fez, pensou, flutuando, quando vendeu sua alma ao
diabo?
Esse era o problema. Ela deixou Julian colocar o anel em seu dedo. Um
anel de ouro com uma inscrição no interior: À tudo me recuso e a Ti
escolho.
Palavras mágicas, inscritas no interior do anel, para que descansassem
contra a pele dela e a ligassem à promessa.
Quando eles voltaram do Mundo das Sombras, Jenny havia colocado o anel
na caixa branca, aquela com a casa de papel, que PC e Slug roubaram.
Agora ela desejava tê-lo de volta. Ela deveria tê-lo derre do ou
estraçalhado.
A água deslizou agradavelmente entre as pontas dos dedos. Ela embalou
todo o seu corpo, tocando toda a sua pele. Era uma sensação muito
sensual, ser abraçada assim, sair em qualquer direção e sen r a frieza
passar por você.
Jenny sen u coisas mais agora. Descobrira isso na primeira semana depois
de voltar. Ela percebeu, para sua perplexidade e um pouco para seu horror,
que achava as coisas mais bonitas do que antes. O ar da noite estava mais
perfumado do que costumava ser, o pelo de seu gato era mais suave. Ela
notou pequenas coisas - pequenos detalhes delicados que nunca nha
visto antes.
Algo no tempo que passou com Julian a abriu para as coisas. Para sua
sensualidade, seu imedia smo. Talvez fosse isso que as pessoas estavam
percebendo quando disseram que ela havia mudado.
Ou talvez sempre tenha sido diferente. Porque ela fora escolhida. Julian a
escolheu, apaixonou-se por ela, começou a observá-la aos cinco anos de
idade. Porque quando ela nha cinco anos, abrira um armário secreto no
porão de seu avô, um armário esculpido com o símbolo Nauthiz, uma runa
de contenção.
Tinha sido uma coisa natural a se fazer. Deixe uma criança sozinha em um
porão onde uma estante foi movida para expor uma porta secreta, e o que
alguém esperaria? Qual seria o dano?
Isso dependia. Se o seu avô era como qualquer avô, um velhinho que
gostava de jardinagem e golfe, não fazia mal. Mas se o seu avô era um
aborrecedor nas artes negras, podia ser outra história. E se o seu avô
vesse realmente conseguido a ambição de chamar espíritos de outro
mundo, prendê-los... e se a porta que você abriu foi a que os segurava...
As consequências foram inimagináveis.
Jenny abriu a porta e viu uma mistura rodopiante e fervente de gelo e
sombras. E nas sombras-olhos. Olhos escuros, observadores, sardônicos,
cruéis, diver dos. Olhos an gos. Os olhos dos Outros, os Homens das
Sombras.
Eles foram chamados nomes diferentes em diferentes idades, mas sempre
sua natureza essencial era revelada. Eles foram os que assis ram das
sombras. Que às vezes levava as pessoas para seu próprio lugar.
A coisa de que Jenny mais se lembrava dos olhos era que eles estavam com
fome. Mal, poderoso e faminto.
— Eles adorariam ter um dente em você — Julian dissera a Dee. — Todos
os meus ancestrais, aqueles fantasmas an gos, sugadores de ossos e que
lambem os lábios.
De repente, a água parecia mais fria que fria. Jenny nadou até os degraus e
saiu, tremendo. Em seu quarto, se esfregou até parar de tremer. Então
ves u uma camiseta e se arrastou para a cama. Mas a visão de olhos
brilhantes a assombrou até que ela adormeceu de pura exaustão.
---
Ela acordou de repente quando o telefone tocou. O alarme, pensou,
confusa, e alcançou o relógio ao lado da cama. Mas o toque con nuou.
A janela dela estava escura. O relógio na mão mostrava um vermelho
brilhante às 3:35 da manhã. O toque con nuou assustadoramente alto,
como uma sirene.
Seus pais atenderiam a qualquer momento agora. Mas eles não o fizeram.
Jenny esperou. O toque con nuou. Eles nham que atender. Nem Joey
dormia profundamente. Cada explosão de barulho era como um raio
branco na casa escura e silenciosa.
Um calafrio percorreu a pele de Jenny. Ela descobriu que estava contando
inconscientemente. Nove toques. Dez. Onze. Doze. Quebrando a quietude.
Talvez fosse Dee; talvez ela e Michael vessem descoberto algo importante
e, por algum mo vo, não pudessem ligar até agora.
Com o coração disparado, Jenny pegou o fone.
— Fom — uma voz sussurrou.
Jenny congelou.
— Fom... Fa... into...
O ruído eletrônico sem forma embaçou a palavra. Jenny só conseguiu
dis nguir os sons de algumas letras e o suave silêncio no final. Fa e depois
int. Não parecia mais exatamente "desaparecido".
Ela queria falar, mas não conseguiu. Ela só podia segurar o telefone e ouvir.
— Fa... mim...
Famin? Não, era algo maior. F-int. Fom. Fa-into. Fa-min.
Ai, meu Deus, meu Deus, meu Deus, Meu Deus...
Puro terror a varreu, e todos os cabelos de seu corpo se ergueram. Jenny
sen u seus olhos arregalarem e lágrimas brotando neles. Naquele instante,
ela ouviu, realmente ouviu o que a voz estava dizendo. Ela sabia.
Não era desaparecidos. Parecia ser, mas não era. Era algo muito pior. A voz
sussurrada e distorcida com a cadência estranha dizia fome.
Faminto.
Jenny jogou o telefone o mais forte que pôde do outro lado da sala. Ela
estava de pé, a pele arrepiada, o corpo lavado com adrenalina. Faminto.
Faminto. Os olhos no armário. Os homens das sombras.
Aqueles olhos maus e vorazes...
É pra te comer!
CAPÍTULO 06
Michael olhou para o celular que nha acabado de desligar. Então olhou
inquieto para a janela do quarto. Ele se perguntou se deveria ter contado a
Jenny, mas ela nha muito para se preocupar. Além disso, não havia razão
para manchar sua própria teoria brilhante. Era apenas estresse pós-jogo, e
ele estava tão sujeito à isso quanto qualquer outra pessoa.
Estresse. Tensão. No seu caso, combinado com um temperamento
bastante nervoso. Michael sempre alegou sem vergonha ser um covarde.
Isso explicaria a sensação que teve o dia todo de estar sendo vigiado. E não
havia nada realmente se movendo para fora daquela janela. Afinal, seu
quarto era no segundo andar.
CAPÍTULO 08
No ar, ela foi derrubada para o lado com uma força impressionante. Um
brutal bloqueio. Ela caiu com o rosto esmagado na areia. Não no buraco,
mas na praia.
O caos estava acontecendo sob dela. Em cima dela. Era como um me de
futebol inteiro lutando. Rosnados grossos, respiração ofegante, e de
repente um grito. Areia chacoalhou ao seu redor.
Então tudo parou.
Audrey ficou imóvel por mais um momento, depois se virou para olhar.
Tom estava meio sentado, meio agachado na areia, seu cabelo escuro
desarrumado, o rosto arranhado. Ele respirava ofegante. Na mão nha um
canivete suíço, a lâmina não brilhando, mas escura. O lobo se fora. O
buraco também.
— Está morto? — Audrey ofegou. Ela podia ouvir a histeria em sua própria
voz.
— Não. Entrou naquele buraco. Então, o buraco desapareceu.
— Ah — disse Audrey. Ela olhou para ele e piscou. — Sabe, precisamos
parar de nos encontrar assim. — Então caiu de volta na areia.
— Audrey! Audrey, onde você está? Audrey!
Audrey raramente ouvia uma voz cheia de tanto terror, mas estava
flutuando em uma nuvem de excesso de esforço por endorfina. Mal podia
levantar a mão para acenar.
— Estamos aqui! Aqui! — Tom gritou. No momento seguinte, Jenny estava
de joelhos ao lado deles.
— Meu Deus, o que aconteceu? Você está bem?
— O lobo aconteceu — disse Tom. — Ela está bem, é apenas reação do
susto.
— Você está bem? Ah, Tom, você está sangrando!
Audrey ouviu o som do abraço. Normalmente, deixaria que eles se
reencontrassem em paz, mas agora ela disse:
— Eric ficou para trás. Não sei se ele está bem.
— Eu vou ver. — Tom se soltou dos braços de Jenny e foi embora. Jenny
virou-se para Audrey, ves do dourado brilhando na escuridão.
— O que aconteceu?
— Algo tentou me empurrar em um buraco. Um buraco. — Ela repe u,
antes que Jenny pudesse perguntar, e descreveu o que nha visto. — Não
sei por que, mas queria que eu caísse.
— Ah, meu Deus — Jenny sussurrou. — Meu Deus, Audrey, é tudo minha
culpa. E se Eric es ver morto...
— Ele não está — disse Tom, voltando. — Ele está respirando, e não
encontrei nenhum sangramento ou algo assim. O lobo não o queria; queria
Audrey.
Foi só então que Jenny perguntou:
— O que você está fazendo aqui?
Tom olhou para o oceano.
— Não achei que algo iria acontecer aqui, mas não nha certeza. Fiquei no
hotel por precaução. Quando vi Audrey indo para a praia, fiquei de olho
nela do convés lá em cima.
— Ah, Tom — Jenny disse novamente.
— Graças a Deus que você fez isso. — disse Audrey, levantando-se. Ela
estava machucada, mas tudo parecia estar em boas condições. Seu novo
Oscar de la Renta, no entanto, era outra questão. — É uma pena que você
não possa ter salvado o ves do também. — Enquanto subiam a rampa
arenosa do oceano até o terreno do hotel, ela disse pensa va: — Na
verdade, suponho que você salvou minha vida. O ves do não importa
realmente.
— Não podemos contar à polícia sobre Eric, porque não podemos perder
tempo e eles podem nos separar. — disse Jenny. — Mas também não
podemos deixá-lo lá.
Havia um tremor fino em todos os seus músculos, sua reação quase tão
severa quanto a de Audrey. Em seu interior, porém, havia um núcleo
determinado como aço. Ela sabia o que nha que ser feito.
— Por que não podemos perder tempo? — Tom perguntou.
— Porque temos que pegar os outros — disse Jenny. — Todos nós
precisamos ir a algum lugar e conversar. — Ela viu Audrey, que estava
lentamente fazendo reparos no cabelo e no ves do, lançar-lhe um olhar
afiado. — Vou explicar mais tarde. Por enquanto apenas confie em mim,
Tom.
Os olhos castanhos de Tom estavam escuros, perplexos, mas depois de um
momento ele assen u.
— Vou só me limpar um pouco e dizer na recepção que há alguém
inconsciente na praia. Então podemos ir.
Quando ele foi, levou também um aviso para entregar no salão do baile.
Foi de Jenny para Brian, explicando que ela nha que ir embora sem ele e
que sen a muito. Jenny fechou os olhos e se encostou na parede. Pense,
disse a si mesma. Não desmaie ainda, pense.
— Audrey, nós duas precisamos ligar para nossos pais. Temos que dizer a
eles alguma desculpa para não voltarmos para casa hoje à noite. E então
precisamos pensar em algum lugar para onde possamos ir. Quanto custa
um quarto de hotel?
Audrey, com dois grampos na boca, apenas a olhou. Ela não conseguia
falar, mas o olhar era suficiente.
— Não estamos fazendo nada perigoso — Jenny assegurou. — Mas
precisamos conversar. E acho que só estaremos seguros quando
es vermos todos juntos.
Audrey removeu os alfinetes e lambeu os lábios.
— E o apartamento de Michael? — ela disse. — O pai dele viajou por uma
semana.
— Audrey, você é brilhante. Agora pense no que dizemos aos nossos pais e
ficaremos bem.
No final, elas se decidiram pelo velho blefe duplo. Jenny ligou para casa e
disse à mãe que ficaria na de Audrey; Audrey ligou para a sua e disse à
Gabrielle, a governanta, que ela ficaria na de Jenny. Então elas ligaram para
Dee e a mandaram para o hotel em seu jipe, enquanto Tom levou o RX-7
para sua casa para buscar Michael. Finalmente, Tom foi até Zach, e depois
par ram para o apartamento de um Michael irritado pela interrupção de
seu sono.
Eram quase uma e meia da manhã quando estavam todos juntos.
— Cafeína — Michael murmurou. — Pelo amor de Deus.
— Impede o seu crescimento. Te deixa cego. — disse Dee.
"Por que não há nada nesta geladeira, exceto maionese e Coca Diet? —
Audrey ques onou.
— Deve haver requeijão em algum lugar — disse Michael. — E tem cream
cracker no armário; papai comprou uma caixa no mercado. Se você me
ama, me dê uma coca-cola e me diga o que está acontecendo. Eu estava
dormindo.
— E eu quase fui morta — disse Audrey, virando a tempo de ver os olhos
de Michael arregalarem-se. — Aqui. — Ela distribuiu coca-cola e bolachas
para todos, exceto Dee, que apenas bufou.
Que grupo incomparável somos, pensou Jenny, olhando para eles. Michael
e Audrey estavam no sofá, Michael no suéter cinza desbotado que usava
como pijama e Audrey nas ruínas do atrevido ves do preto. Dee estava do
outro lado de Audrey, ves da para a ação em shorts de ciclismo e uma
blusa cáqui, as pernas longas estendidas à frente.
Tom, no sofá de dois lugares, usava jeans e uma camisa azul escura. Zach
estava sentado no chão, junto à mesa, ves ndo uma roupa preta
vagamente oriental - talvez um pijama ou um moletom, pensou Jenny. Ela
própria estava empoleirada no braço do sofá de dois lugares, com seu
ves do dourado cin lante e totalmente inapropriado. Não nha pensado
em rá-lo, podia ver os olhos de Dee no ves do, mas não conseguiu
devolver o olhar diver do. Ela estava muito confusa.
— Alguém não vai explicar o que está acontecendo? — Michael disse,
quebrando uma bolacha.
— Audrey pode começar — disse Jenny, juntando as mãos e tentando
mantê-las paradas.
Audrey descreveu rapidamente o que havia acontecido.
— Mas o que tem nesse buraco? — Michael disse quando ela terminou. —
Desculpe perguntar, mas por que o lobo não a matou? Se foi o mesmo que
atacou Gordie Wilson.
— Porque é um Jogo — disse Jenny. — Um novo Jogo.
O penetrante olhar escuro como a noite de Dee estava nela.
— Você viu Julian — disse sem hesitar e Jenny assen u, apertando as mãos
ainda mais firmemente.
Tom se virou para olhá-la bruscamente, depois virou novamente, os
ombros tensos. Zach a encarou com uma expressão inescrutável, a roupa
preta acentuando sua palidez. Michael assobiou. Audrey, de costas muito
retas, disse:
— Nos conte.
Jenny contou. Nem tudo, mas a essência do que aconteceu, deixando de
fora os pedaços que ninguém precisava saber. Como o beijo.
— Ele disse que me daria a chance de me libertar da minha promessa. —
Ela terminou. — Que ele iria começar um novo jogo conosco e que todos
éramos jogadores. E no final, disse que o novo jogo era Ovelhas e
Monstros.
Audrey respirou fundo, franzindo a testa.
— Como aquela coisa que vimos as crianças brincando?
— Como assim Ovelhas e Monstros? — Michael exigiu. — Nunca ouvi falar
disso.
— É como Polícia e Ladrão. — explicou Jenny. — Começa como esconde-
esconde. Se você é o monstro, conta enquanto todos as ovelhas se
escondem. Então quando encontra uma, a persegue e se a marcar, ela está
presa. Você a leva de volta para sua base e a mantém como prisioneira até
que alguém se esgueire para libertá-la.
— Fofo. — disse Zach, depois caiu em silêncio.
— Se estamos jogando, é melhor descobrirmos as regras — disse Dee.
— Talvez não tenhamos que brincar — disse Jenny. Todos eles a olharam.
Ela sabia que estava corada. Pensava nisso desde que olhara por cima do
parapeito da varanda para ver a minúscula figura de Audrey desaparecer
na escuridão e à essa altura, já estava em um estado bastante estranho.
— O que você quer dizer? — Dee disse, estreitando o olhar.
Jenny ouviu-se dar uma risada estranha e pouco treinada.
— Bem, talvez eu deva acabar com isso agora.
Ela ficou surpresa com o volume do protesto.
— Não! — Audrey choramingou. — Ceder a um cara? Absolutamente não.
Nunca.
— Temos que enfrentá-lo — disse Dee, batendo com um punho fino na
palma da mão. — Você sabe disso, Jenny.
— Nós vamos lutar com ele — disse Tom sombriamente.
— É, olhe — disse Michael e sen u o cotovelo de Audrey nas costelas. —
Quero dizer, é melhor você não se entregar.
— É isso mesmo, você não vai — disse Audrey. — E fui eu quem foi
perseguida hoje, então sou eu quem tem o direito de decidir isso.
— Não vamos abandonar você — disse Dee, ambas as pernas compridas
no chão agora, inclinando-se para a frente na intensidade de sua emoção.
— Isso também é problema nosso.
Jenny podia sen r-se corando mais profundamente quando uma onda de
culpa a varreu. Eles não entenderam; não sabiam que ela quase se rendera
por vontade própria.
— Ele é mau — dizia Tom. — Você não pode simplesmente desis r e deixar
o mal vencer por nossa causa. Não pode, Jenny.
A voz seca de Zach cortou a atmosfera apaixonada.
— Não vejo muito sen do em discu r sobre isso. Porque pelo que Jenny
disse antes, parece que ela concordou com o novo jogo.
— Eu concordei. — disse Jenny. — Eu não sabia. Quando concordei, pensei
que ele deixaria vocês em paz. Não achei que vocês es vessem envolvidos.
— E ele disse que o Jogo havia começado. O que significa...
— Não há nada que ela possa fazer para mudar isso agora, mesmo que
quisesse. — Audrey terminou a frase de Zach com firmeza.
— Como eu disse.
Todos se entreolharam. Jenny viu o consenso em todos os rostos. Eles
estavam todos juntos agora, até Tom. Como nos velhos tempos. Um por
todos e todos por um.
Ela se sentou na poltrona ao lado de Tom.
— Então, o que precisamos fazer para vencer? — perguntou Audrey.
— Evitar sermos pegos — disse Zach laconicamente. Michael, revirando
tristemente sua bolacha, disse:
— Como? Não podemos ficar aqui para sempre.
— Não é tão simples assim — disse Dee. — Olhe, existem diferentes pos
de jogos, certo? O primeiro Jogo, o da casa de papel, foi como um de
corrida. Em um jogo de corrida, o obje vo é ir do início ao obje vo em um
certo período de tempo ou antes que todo mundo faça isso.
— Como Parcheesi. — disse Jenny.
— Não, como Rampas e Escadas! — Michael disse, olhando
animadamente. — Lembra-se disso? Você joga os dados e atravessa o
tabuleiro, e às vezes você pode subir uma escada, do jeito que subimos as
da casa de papel. E às vezes você cai em uma rampa...
— ...o que fizemos, no terceiro andar. — disse Dee.
— Tivemos esse jogo quando crianças — Zach olhou para Jenny. — Mas o
nosso se chamava Serpentes e Escadas.
— Tudo bem, o ponto é que muitos jogos são de corrida. — con nuou Dee.
Ela pulou e começou a andar pela sala. — Mas também existem os de caça;
esses são os jogos mais an gos de todos. Como esconde-esconde. Isso
começou como uma prá ca para perseguir animais selvagens.
— Como você sabe?
— Vovó Aba me disse. E Ovelhas e Monstros é para capturar animais
domés cos. Esse novo Jogo que Julian está fazendo é um de caça e
captura.
Tom deu de ombros sombriamente.
— Então ele está planejando caçar e capturar cada um de nós como
animais.
— Troféus — disse Zach em voz baixa. — Como o do meu pai.
— Não é como ele. — disse Dee, olhando-o. — O do seu pai está morto. É
mais como um jogo em que você pega cada um dos animais e os coloca em
uma fila para esperar o abate.
Michael engasgou com a coca-cola.
— Bem, é verdade — con nuou Dee. — Ele não disse que ia nos matar um
por um. Ele disse que iria nos capturar, até que alguém encontre a base e
nos livre.
Limpando a boca, Michael disse com a voz rouca:
— Vamos encontrá-lo agora e evitar isso.
— Mas esse é o ponto — Dee sentou-se no parapeito da janela. — Como o
encontramos?
— Como podemos? Não há esperanças. — Zach disse.
Tom ainda olhava para longe.
— Pode haver outra maneira — ele começou, então parou e balançou a
cabeça. Jenny não gostou da expressão em seu rosto. Não gostou da
maneira como as manchas verdes em seus olhos estavam.
— Tom... — ela começou, mas Audrey a interrompeu.
— Ele não te contou nada, Jenny? Aonde é a base dele?
— Não — Jenny negou. — Só que era um lugar para nos manter antes de
nos levar ao Mundo das Sombras.
— O que significa que não está no próprio Mundo das Sombras — Dee
concluiu.
— Graças a Deus. — Michael murmurou.
— Mas onde quer que esteja, você chega lá por aquele buraco? — Audrey
estremeceu. — Ah, maravilha. Eu desisto, obrigada.
— Agora esse buraco parece interessante. — disse Michael, pensa vo.
— Talvez porque você tenha um no lugar do cérebro. — Audrey mostrou
uma irritação que não usava com Michael há semanas e ele lançou-lhe um
olhar assustado, bem diferente de seu olhar ferido comum.
— Não, sério — ele disse. — Sabe, eles me fazem pensar em algo. Há uma
história de Ambrose Bierce... o livro provavelmente está por aqui em algum
lugar. — Ele virou a cabeça em direção às estantes de parede a parede que
eram a principal caracterís ca da sala de estar.
O pai de Michael escrevia ficção cien fica e o apartamento estava cheio de
coisas estranhas. Modelos de naves espaciais, pôsteres de filmes obscuros,
máscaras estranhas, mas principalmente livros. Livros transbordando das
prateleiras e empilhados no chão. Como sempre, Michael não conseguiu
encontrar o que procurava.
— Bem, de qualquer forma — prosseguiu ele. — Ambrose Bierce escreveu
esta trilogia sobre desaparecimentos estranhos e havia a história de um
garoto de dezesseis anos. Seu nome era Charles Ashmore e uma noite
depois de nevar, ele saiu para a primavera para pegar água. Mas o
problema foi que ele nunca mais voltou. Depois, sua família saiu para ver
qual era o problema e viram seus rastros na neve. E os rastros iam até
certo ponto, mas depois sumiam. — Michael abaixou a voz
drama camente. — Ninguém nunca mais o viu.
— Ó mo. Mas o que isso tem a ver com a gente? — Jenny ques onou.
— Bem, a história deveria ser ficção, certo? Mas havia outra parte do livro,
onde um médico alemão, Dr. Hern ou algo assim, nha uma teoria sobre
como as pessoas desapareciam. Ele disse que "no mundo visível existem
lugares vazios, como os buracos de queijo suíço".
— E aquele cara caiu em um? — Dee parecia intrigada.
— Caiu. Ou foi arrastado. Como eu disse, as histórias deveriam ser ficção.
Mas e se realmente houver vazios como esse? E se Julian puder, bem,
controlá-los?
— Essa é uma ideia sórdida — disse Dee. — Gostei.
— Você está dizendo que todas as pessoas que desaparecem caem no
Mundo das Sombras? — perguntou Audrey.
— Talvez não todos, mas alguns. E talvez não até o fim, apenas
parcialmente. Na história, quando a mãe de Charles Ashmore passou pelo
local onde ele desapareceu no dia seguinte, ela pôde ouvir a voz dele.
Ouviu isso cada vez mais fraco, todos os dias, até que finalmente
desapareceu completamente.
— Um espaço entre os mundos. — Jenny sussurrou. — Como a loja More
Games, em algum lugar entre o Mundo das Sombras e aqui.
Dee estava olhando para ela astutamente.
— Serviria como a base de Julian, hein? Um lugar para nos manter até que
ele nos leve ao Mundo das Sombras.
— E você ouve coisas sobre vór ces em Stonehenge e Sedona, no Arizona.
— disse Michael. — Foi como um vór ce, Audrey?
— Era grande e preto — Audrey detalhou brevemente. — Não sei o que
mais vór ce que isso pode ser para você. — Mas ela deu a Michael o
brinde que viera em seu pacote de bolachas Jack, uma lupa de plás co
azul. Ele a colocou ao lado do seu, um mini cartão de beisebol.
Jenny estava jogando distraidamente seu próprio brinde, sem realmente
abrir o pacote.
— Mas isso não nos ajuda a encontrar a base. A menos que pulemos em
um desses buracos, mas aí talvez nem voltemos.
— Fechou completamente — Tom os lembrou. — Depois que o lobo pulou
para dentro, ele simplesmente desapareceu. Acho que não poderíamos
encontrar sequer o lugar novamente.
— De qualquer forma, aposto que ele pode movê-los. — Michael estava
começando, quando Jenny ofegou.
Ela abrira seu pacote de prêmios. Estava brincando com o prêmio,
completamente preocupada com a questão dos buracos, até que algo
chamou sua atenção.
— O que é isso — Dee pulou do parapeito da janela.
— É um livro de poesia ou algo assim. — Era um livro muito pequeno, em
papel barato e com letras grandes. Uma frase por página. Mas eram
poemas muito estranhos para serem brindes de bolachas Jack.
Jenny leu:
— "No meio da palavra que estava tentando dizer, no meio de sua risada e
alegria, ela desapareceu suave e subitamente, pois o Snark era um
Boojum."
Houve um silêncio mortal na sala.
— Pode ser uma coincidência. — disse Zach lentamente. Michael estava
balançando a cabeça amarrotada.
— Mas essas linhas estão erradas. Eu tenho o livro e não é assim que elas
aparecem nele. — Ele entrou no quarto e saiu com um exemplar de Alice
no País das Maravilhas e Outros Contos. — Elas são de um poema, A Caça
ao Snark, sobre caras que saem para caçar esses animais imaginários. Mas
alguns Snarks são Boojums, e esses caçam você. No final, um deles
encontra um Snark e acaba sendo um Boojum. Mas é ele no poema: "No
meio da palavra que ele estava tentando dizer, no meio de sua risada e
alegria...".
— O fabricante das Jack não cometeria esse erro. — disse Tom, com um
sorriso irônico.
— Não — Jenny sussurrou. — É de Julian. Mas é sobre o que quase
aconteceu hoje à noite ou sobre algo que ainda vai acontecer?
O silêncio se estendeu. As sobrancelhas de Tom estavam juntas e Dee
estava com seu olhar felino, andando de um lado para outro. Os olhos
cinzentos de Zachary eram estreitos, seu corpo magro tenso e imóvel.
Michael largou o livro.
— Você acha que ele está nos dando pistas com antecedência?
— Seria um es mulo compe vo, eu acho — disse Jenny. — E ele me deu
uma pista na varanda, lembram? Ele disse que iria atrás da "Chapeuzinho
Vermelho" primeiro.
Todo se olharam especula vamente. De repente, Dee se virou e deu um
soco e chute veloz e fluente.
— Então isso pode ser uma. — A excitação passava de um para o outro
como faíscas viajando por um fusível. — Se pudermos descobrir mais
pistas... Não será um jogo injusto. — concluiu Dee.
— Eu sei que podemos! Sempre quis ser como Sherlock Holmes. — disse
Michael.
— Acho que pode dar certo — disse Tom. Uma nova luz acendeu em seus
olhos castanhos.
— Claro que vai funcionar! Nós vamos vencê-lo. — Dee riu animadamente.
Jenny ficou presa no fervor. Talvez eles pudessem superar Julian.
— Não vai ser fácil...
— Mas vamos fazer isso — disse Audrey. — Porque precisamos. — Ela deu
a Jenny um olhar inquisidor e pegou várias latas de Coca-Cola vazias para
levar até cozinha.
— É melhor começarmos com o que temos, então — Zach olhava
fixamente para o livro de charadas de Jenny.
— A menos que esse já tenha terminado — disse Michael. — Quero dizer,
se era sobre Audrey, ou devo chamá-la de Chapeuzinho Vermelho? — ele
gritou para a cozinha.
— Me chame de madame. — disse Audrey ao virar o corredor, seu bom
humor claramente restaurado. — Call me Al. I can call you Be y, and Be y,
when you call me, you can call me... — Ela cantava uma música de Paul
Simon.
— Do quê? — Michael gritou quando ela não terminou. — Do quê posso
chamá-la? — Audrey não respondeu e ele bufou: — Mulheres!
Zach estava dizendo:
— Certo, mas e se for uma pista nova? Diz ela, então também pode ser...
Jenny ouviu o primo como ele es vesse longe. Ela estava ouvindo, mas de
repente não conseguia respirar.
— Audrey? — Ela chamou. O som de latas chocalhando na cozinha havia
parado. — Audrey? Audrey?
Todo mundo estava olhando-a, assustados com algo em sua voz. O som do
pânico cru, Jenny adivinhou. Ela olhou para eles e suas imagens pareciam
tremer. Um silêncio absoluto veio da cozinha.
Então ela estava de pé e correndo. Dobrou o corredor antes de qualquer
um deles, até mesmo Dee. Jenny olhou para a cozinha e seus gritos
tocaram a luminária no teto.
— Não! Não! Meu Deus, não!
CAPÍTULO 11
Nada é tão assustador quanto acordar e não saber quem você é, sem saber
que é você quem está acordando.
Aconteceu com Jenny no domingo de manhã. Ela abriu os olhos e não
sabia em que direção ir. Não conhecia seu lugar no mundo, onde estava no
tempo e no espaço. Então lembrou.
Sala de estar de Michael. Eles estavam lá por causa de Julian. Jenny sentou-
se tão de repente que ficou tonta e procurou frene camente os outros.
Estavam todos lá. Michael quase enrolado em uma bola debaixo do
cobertor; Dee esparramada preguiçosamente no sofá como uma leoa
adormecida. Zach de costas no chão, seu rabo de cavalo loiro escorrendo
pelo travesseiro. Tom ao lado dela, o rosto virado para Jenny, uma mão
es cada em sua direção. Como se vesse estendido-a durante o sono, sem
se dar conta.
Jenny ficou um momento olhando-o. Ele parecia adormecido, muito jovem
e vulnerável. Às vezes, ela o amava tanto que era como uma dor sica, uma
dor no peito.
Dee bocejou e se espreguiçou, sentando-se.
— Todo mundo aqui? — ques onou, instantaneamente alerta e orientada.
— Então vamos chutar Michael e fazê-lo preparar um café da manhã.
Somos convidados.
Tom afastou a mão quando acordou e evitou os olhos de Jenny.
— Você realmente acha que podemos nos safar? — Michael perguntou
duvidoso.
— Nós precisamos — disse Jenny. — O que mais vamos dizer a eles? "Sinto
muito; sua filha foi sequestrada, mas não se preocupe, porque vamos
recuperá-la?"
— Vai dar tudo certo, desde que enrolemos a governanta. Eu falo com ela
enquanto você sobe até o quarto. — mapeou Dee.
— Então vamos a sua casa e você pode dizer aos seus pais que vai ficar
comigo. E Zach pode dizer aos pais que ficará com Tom, e Tom...
— Mas a questão é: eles acreditarão? — Michael levantou a dúvida. —
Quero dizer, não estamos falando apenas de uma noite aqui. Pode levar
dias até encontrarmos essa base.
— Vamos dizer que temos um projeto escolar e podemos levar algumas
noites trabalhando nele. Vamos fazê-los acreditarem. Temos que conseguir.
— disse Jenny.
Ela, Dee e Zach entraram no jipe de Dee, enquanto Tom e Michael
seguiram no RX-7. Tom não disse uma palavra para ela a manhã toda e
Jenny tentou esconder a mão esquerda sempre que podia. Sen u como se
o anel fosse uma insígnia de vergonha.
Eles decidiram ir à todos os lugares juntos a par r de agora. Ninguém
jamais deveria estar sozinho e, sempre que possível, os cinco deveriam
estar no mesmo lugar. Pararam na casa de Audrey, e Dee e Jenny bateram
na porta enquanto os meninos observavam da calçada.
— Oi, Gabrielle — disse Dee à governanta que respondeu e as deixou
entrar. — O Sr. e a Sra. Myers estão aqui? Ah, que pena. Bem, você poderia
dizer a eles que Audrey vai passar algumas noites comigo e Jenny na casa
dela?
Enquanto isso, Jenny rapidamente subiu as escadas da imponente casa e
voltou alguns minutos depois com uma braçada de roupas.
— Audrey apenas me pediu para pegar algumas coisas para ela. — explicou
para Gabrielle, e fez uma saída rápida com Dee.
— Ufa! — Dee disse quando elas estavam de volta no jipe. Jenny piscou
para afastar as lágrimas. Lidar com as roupas de Audrey trouxe de volta a
sensação de culpa. Mas nha que ser feito. Audrey nunca iria a lugar
nenhum da noite para o dia sem algumas roupas diferentes.
— Nós provavelmente deveríamos ter pegado o carro dela — disse Dee. —
Ela o leva para todos os lugares também.
— Talvez mais tarde. Peguei as chaves dela enquanto estava no quarto
dela. — Jenny revelou.
— Próxima ví ma — disse Zachary do banco de trás.
Tom descartou os pais rapidamente; ele e Michael saíram de sua casa de
es lo espanhol com uma trouxa de roupas cada um.
— E alguns livros didá cos. Para dar auten cidade. — disse Michael.
A mãe de Jenny estava na igreja. Jenny gritou sua mensagem para o pai,
que estava curvado sobre a piscina, lutando com o limpador flutuante.
— Vou ficar com Dee por alguns dias, pai! Estamos trabalhando em um
grande projeto de fisiologia!
— Ligue para nós ocasionalmente para nos informar que você está viva. —
ordenara o pai, erguendo os óculos, curvando o ombro e não soltando o
limpador de piscina.
Jenny deu-lhe um rápido olhar assustado antes de perceber que era uma
brincadeira. Sr. Thornton referia-se ao fato de ser pai de uma adolescente
com agenda social a va. Ela o surpreendeu correndo e beijando sua
bochecha suada.
— Irei, papai. Eu te amo. — Então fugiu novamente.
O relógio no jipe de Dee marcava 5:45. Mais de uma hora depois do que o
relógio no sonho de Jenny no quarto de Michael apresentava.
— Ah, Deus, vamos antes que seja tarde demais. — ela sussurrou. E era
sua culpa. Ela não nha acordado a tempo. Mesmo com o aviso de Julian,
ela não nha acordado a tempo. — Depressa, Dee! Depressa!
As árvores estavam em silhueta contra o amanhecer de um flamingo
quando chegaram à casa de Zach.
— Vamos pela garagem. — Tom disse, enquanto todos pulavam do jipe. —
A úl ma vez que es ve aqui, a porta estava destrancada.
Zach não seria tão estúpido hoje à noite, mas não havia tempo para
discu r, Jenny pensou. Ela estava seguindo os outros correndo para a porta
lateral da garagem. A porta se abriu sob a mão de Tom e todos entraram.
A luz da garagem estava acesa. Havia um cheiro forte e estranho no ar. Um
círculo escuro de fuligem no chão.
No centro, havia um boneco de papel com olhos cinzentos.
— Chegamos muito tarde. — Jenny disse estupidamente, olhando para o
boneco de papel de Zach que estava segurando. Ele olhou para ela, as
linhas finas de seu rosto sombreadas pela mão de ar sta do primo. Os
olhos a lápis pareciam vagamente surpresos.
Dee estava esfregando a fuligem entre os dedos. Tom estava em pé na
frente da esquina onde a câmera de Zach e um holofote de tungstênio
estavam derrubados.
— Houve uma briga — ele afirmou, e Michael apenas lambeu os lábios e
estremeceu.
— Seus pais não devem ter ouvido nada — Jenny disse lentamente, depois
de um momento. — Se não, estariam aqui embaixo. Então é melhor
escrevermos um bilhete para eles, como se fosse de Zach, dizendo que ele
já foi para a escola.
A voz de Michael foi moderada.
— Você está louca. Nós não podemos con nuar com isso. Eventualmente,
alguns dos pais vão conversar uns com o outro...
— Como vai ajudar meus os descobrirem que Zach sumiu? O quê eles
podem fazer?
— Nos colocar em macacões laranjas" — disse Dee, do chão. — Já são
muitos desaparecimentos. Se perdermos mais amigos, vamos para a
cadeia. Agora, vamos, vamos sair daqui. — acrescentou sucintamente.
De volta ao carro, Tom disse:
— Não vejo como podemos ir à escola. Não temos os mesmos horários.
— Então teremos que rar o dia de folga — disse Dee. — Poxa, que pena.
— Você está gostando disso, não é? — Michael a olhou com tristeza, do
banco do passageiro da frente.
Ela lhe deu um sorriso ni damente incivilizado.
— Temos que descobrir onde está a base — Jenny estava dizendo no banco
de trás. Desta vez, ela se controlara muito bem, pensou. Sem gritar ou
chorar, mesmo quando viu o boneco de papel de Zach. Mas o sen mento
de culpa ainda estava consigo. — Não tenho sido muito boa em descobrir
as pistas até agora. — Manteve a voz nivelada para que os outros não
pensassem que queria que sen ssem pena dela.
— Porque Julian quer assim — disse Dee. Jenny lhes contou sobre o sonho
no caminho até a casa de Zach, deixando de fora o beijo. — Ele não está
jogando limpo. Recebemos a primeira pista com antecedência, mas não
era clara o bastante. A segunda foi fácil, mas não nhamos tempo para
fazer algo.
— Eu deveria ter acordado mais cedo — Jenny disse em voz baixa. Ao lado
dela, Tom começou a alcançá-la e Jenny viu seu rosto, todos os aviões e
sombras à luz da manhã. Tom Locke até parecia o raiar do dia; ele acordava
assim.
Mas a mão de Tom voltou para o lado de seu corpo e Jenny sabia o que era
sem perguntar. Ela estava sentada à direita dele no carro e a mão
esquerda, com o anel, estava entre eles. Ela olhou pela janela ferozmente e
fingiu que não se importava.
— Há uma razão pela qual eu queria ir para a escola hoje — disse ela. —
Para saber algo sobre Eric, o cara com quem Audrey estava. Ver se ele está
bem.
— Eu poderia ligar para a casa dele e perguntar. Eu o conheço um pouco —
disse Tom, para mostrar que ainda estava conversando com ela, mesmo
que não a tocasse. Ah, somos terrivelmente corteses; sempre nos
ajudando, pensou Jenny, com ironia.
— Podemos ligar do apartamento — disse Michael. — Nós deveríamos
pegar comida primeiro.
— Não, eu digo o que temos que fazer — retrucou Dee, a voz com
excitação. — Vamos ver minha avó Aba.
— Tão cedo assim?
— Nem todo mundo dorme como você, Mikey. Além disso, ela pode nos
dar café da manhã.
No banco de trás, Jenny se inclinou para frente. Um peso gigante parecia
ter saído de seu peito, pelo menos por um momento.
— Você está certa. Vamos ver Aba. Talvez ela saiba o que devemos fazer.
Aba morava em uma casa ao lado da de Dee. Os dois edi cios estavam na
mesma propriedade, mas a casa de Aba nha um caráter dis ntamente
diferente. Dee e os amigos sempre a chamavam de Casa das Artes de
Jardim. Uma ala inteira era dedicada à arte de Aba, centrada no estúdio
onde ela fazia suas esculturas. A sala ampla e arejada era toda em paredes
e clarabóias assimétricas.
Aba estava trabalhando quando eles chegaram, pegando argila cinza úmida
de uma gela e batendo em uma armadura de arame.
— O que isso vai ser? — Dee perguntou, aproximando-se da avó.
— Bom dia — disse Aba com firmeza e quando todos a responderam, ela
con nuou: — Um vaso de Neetu Badhu, manicure de sua mãe. Ela tem um
rosto muito interessante e deve chegar aqui às sete.
— Então é melhor nos apressarmos. Tudo bem se usarmos o seu telefone,
vó? E tomarmos café da manhã?
— Há bolinhos de caramelo na cozinha. Peguem-os e depois voltem e me
digam por que estão aqui. — disse Aba.
Enquanto os outros foram para a cozinha, Tom pegou o telefone.
— Eric está bem — disse ele quando desligou. — Estava em casa hoje, mas
não há nada realmente errado com ele. A polícia está interessada em
conversar com quem viu o ataque, o que significa Audrey.
Michael parou de comer seu pão.
— O que significa que eles podem estar tentando localizá-la. Ó mo! —
bufou.
— Não se preocupe, Mikey — disse Dee confortavelmente. — Você
provavelmente será o próximo, então não estará aqui quando nossa
Grande Encenação desmoronar.
— Dee, você está men ndo? — disse Aba.
— Sim. Nossa vida inteira nos úl mos dias tem sido um teor de men ras.
Aba balançou a cabeça e enxugou as mãos manchadas de barro na bata de
brim.
— Agora, me digam. — ordenou ela ao grupo.
E eles fizeram. Contaram a verdade sobre o que estava acontecendo desde
que foram libertados da delegacia; como estavam procurando a casa de
papel, como a encontraram, o que Julian havia dito a Jenny sobre o novo
jogo. E o que aconteceu com Zach e Audrey.
Aba ouviu tudo, seu lindo rosto velho, sério e atento. Quando a manicure
chegou às sete horas, ela cobriu o vaso com um pano e a mandou embora,
con nuando a ouvi-los.
Quando terminaram, ela ficou em silêncio por um momento. Jenny meio
que esperava que ela dissesse algo sobre o quão errado era enganar seus
pais - Aba era um adulto, afinal. Ela meio que esperava que Aba dissesse
que Dee não podia ficar com o resto deles porque era muito perigoso. E,
embora não esperasse, desejava desesperadamente que Aba dissesse
"Aqui está a resposta" e resolvesse todos os problemas deles.
Aba não fez nada disso. Em vez disso, depois de vários minutos de silêncio,
disse: "Ontem à noite, sonhei com a história de Hausa que minha mãe
costumava me contar. Fazia muito, muito tempo que isso não acontecia.
Me pergunto se não sonhei com ela por causa de vocês".
— Por nossa causa?
— Sim. Talvez eu devesse contar a vocês. — Ela sentou-se e pensou por um
momento, depois começou: — A história é sobre um garoto e uma garota
apaixonados. Mas um dia, enquanto estavam sentados juntos no tapete,
Iblis apareceu e cortou a cabeça do garoto. O matou.
— Iblis? — O nome parecia vagamente familiar para Jenny. — Quem é
essa?
— Esse. É o príncipe das trevas. — disse Aba gravemente. — O príncipe dos
aaljunnu...
— Dos gênios — disse Dee, seus olhos brilhando para Jenny.
— Sim — confirmou Aba. — Mas em nosso folclore, os aljunnu não eram
gênios gen s. Eram covardes poderosos e maus, e Iblis era o líder deles.
Minha mãe nunca me disse por que ele cortou a cabeça do garoto. Mas
como Iblis sempre gostou de fazer apenas o mal... De qualquer forma, Iblis
matou o garoto e a garota não pôde fazer nada além de sentar no tapete e
chorar. Depois de um tempo, os pais do garoto apareceram e quando viram
o que acontecera, começaram a chorar também.
— "Então Iblis voltou. Ele acenou com a mão e o chão tremeu. Diante do
garoto, apareceu um rio de fogo, um rio de água e um rio de cobras. E Iblis
virou-se para a mãe do menino e disse: 'Se você gostaria de trazer seu filho
de volta à vida, tudo o que você precisa fazer é nadar pelos três rios para
pegá-lo'".
— Certo... — Michael murmurou quase inaudível. Aba sorriu para ele e
con nuou.
— "Mas a mãe do menino estava com medo. Ela se virou para o marido,
mas ele também estava com medo. Então a menina deu um salto. 'Eu vou
fazer isso', ela disse. Naturalmente, também estava com muito medo, mas
seu amor pelo menino era mais forte. Sem outra palavra, ela mergulhou no
rio de fogo. O fogo a queimava, é claro, mas ela nadou através dele mesmo
assim e pulou no rio de água. E a água a sufocava, mas a garota lutou
contra ela e foi para o rio de cobras. E as cobras a a ngiram..."
— ...como cobras fazem. — Dee interrompeu a avó, sorrindo.
— "Mas a garota conseguiu tropeçar nelas e a próxima coisa que soube era
que havia chegado ao garoto. Assim que o tocou, a cabeça do garoto voou
para seus ombros e ele levantou-se, vivo e bem. Iblis foi embora, xingando,
para fazer suas travessuras em alguma outra parte do mundo. E suponho
que o menino e a menina se casaram, embora eu realmente não me
lembre do que minha mãe disse sobre isso."
— Bem, essa é a história que minha mãe me contou. — finalizou Aba,
olhando-os. — Não sei que significado ela tem para vocês, talvez nenhum.
Mas você já a ouviram agora.
— Talvez signifique que o amor pode ser mais forte que o medo. — Jenny
arriscou suavemente.
— Talvez signifique que você não pode confiar em seus pais — Michael
opinou, absolutamente impassível, e Aba riu.
— Eu gosto mais da interpretação de Jenny. Mas como disse, pode não
haver sen do. Ou possivelmente é apenas uma história sobre os poderes
rela vos do bem e do mal.
— Você acredita no bem e no mal? — Jenny olhou rapidamente.
— Ah, sim. Fortemente. E acredito que o mal às vezes precisa ser
comba do pessoalmente. De mão para mão. Se você se importa o
suficiente para fazê-lo.
Michael se mexeu.
— Você sabe o que dizem sobre pessoas da nossa idade. Que não nos
importamos com o certo, errado ou algo assim. Que não nos importamos
com o futuro.
— Sim, que somos fúteis e alienados. — Dee os imitou, sorrindo.
— Que não nos importamos com nada nem ninguém a não ser nós
mesmos.
— Não é verdade. Nós nos importamos. — Jenny o olhou. — Você é
atencioso com todos, Michael, mais do que qualquer pessoa que eu já
tenha conhecido. Você finge que não, mas é. E é por isso que Audrey ama
você... — Ela parou porque Michael estava olhando para longe, os olhos
sarcás cos de spaniel agora quase marejados. — Vamos encontrá-la. —
prometeu, com a própria garganta apertada.
— Eu sei — concordou Michael e esfregou a ponta do nariz com os dedos.
Aba falou:
— Gostaria de poder ajudar, mas sou uma mulher velha. Meus dias de luta
terminaram.
— Bem, os meus não. — Dee ergueu um braço magro para examinar o
músculo duro sob a pele de veludo. — Os meus estão apenas começando.
Aba a olhou e sorriu levemente. Durante anos, ela e Dee brigaram por Dee
preferir o kung fu à faculdade e insis r em que não queria fazer nada
inteligente como a mãe ou ar s co como a avó. Mas naquele momento
Jenny sabia que Aba estava orgulhosa de sua neta guerreira.
— É a nossa luta de qualquer maneira — Jenny afirmou. — Ele não deixará
ninguém novo entrar no jogo. Apenas os jogadores originais, ele disse.
— Eu acho que se alguém puder encontrar seus amigos, será você, Jenny.
— disse Aba, olhando diretamente para ela. Os olhos da senhora eram
muito gen s e tristes; lembraram a Jenny as fotos de Albert Einstein.
— Eu vou tentar — disse Jenny.
Quando a velha se virou, Jenny apenas captou as palavras murmuradas:
"Mas me pergunto qual será o custo".
Antes de par rem, Aba os deixou invadir a cozinha. Eles pegaram queijo
co age e peitos de frango frios; brownies de cereais e uvas e maçãs. No
caminho de volta, pararam na casa de Audrey e pegaram seu carro.
A sala de Michael estava começando a parecer o resultado de uma festa
muito longa, pensou Jenny enquanto entravam no apartamento. Os móveis
foram empurrados para as extremidades do local para dar espaço aos
colchões e sacos de dormir. O sofá xadrez era um ninho de cobertores
amarrotados. Latas de coca-cola vazias estavam espalhadas por toda parte
e a maioria das super cies planas estava cheia de livros, roupas ou pilhas
de louça suja.
— Tudo bem — disse Dee, voltando da cozinha com Michael. — Agora, e a
base? — Ela se sentou em um banquinho com um pote de requeijão e
maçãs picadas.
— Não temos informações suficientes. Ele não me contou o suficiente. —
relembrou Jenny.
Toda vez que ela mencionava o sonho, Tom murchava. Não havia ajuda
para isso, assim como não havia para a coisa brilhante em seu dedo. Ele
captou todos os reflexos da luz do sol da primavera entrando pela janela da
frente de Michael, e ela jurou que podia sen r as palavras no interior do
anel.
— Tenho tentado pensar sobre prédios abandonados ou coisas assim;
lugares por aqui que ele pode tomar para si. Mas isso não parece certo.
— Nos mistérios, as coisas estão sempre escondidas no lugar menos
provável. — disse Michael, pensa vo. — Ou no lugar mais óbvio, porque
você sempre acha que é o menos provável. Acho que não poderia ser a
casa de papel.
— Estava um lixo. Acho que não aguentaria nada. — discordou Jenny. —
Além disso, como poderíamos entrar por conta própria? Foi Julian quem
nos levou da úl ma vez.
Ela sabia, de alguma maneira, que a base de Julian não estava na casa de
papel. E sabia de outra coisa: Julian não acharia o jogo diver do a menos
que houvesse uma chance deles encontrarem a base. Ele a colocara em um
lugar que eles poderiam chegar se fossem inteligentes o bastante para
descobrir para onde olhar.
— Acho que a loja More Games é muito óbvia. — Michael murmurou.
— Muito óbvia e sumiu. — suspirou Jenny. — É apenas um mural agora.
Não, Julian colocaria em algum lugar inteligente.
— O que foi, Tom? — Dee o olhou. — Você tem alguma ideia?
Tom estava com um ar de preocupação, o visual que usava atualmente.
Agora mesmo também parecia perturbado. Ele se levantou e caminhou em
direção à cozinha, com os dedos nos bolsos traseiros.
— Se você acha que sabe alguma coisa... — Dee insis u.
— Não. Nada. — Tom balançou a cabeça e sentou-se novamente.
— Ok, vamos voltar ao começo. — disse Michael.
Mas não ajudou. Conversaram inu lmente durante a manhã e a maior
parte da tarde, até que uma mulher idosa chegou e tocou a campainha,
exigindo que Michael movesse o carro de Audrey.
Dee saiu com ele. Tom andava devagar pelo corredor, enquanto Jenny
estava sentada no sofá, olhando sem rumo pela janela. Eles estavam
presos, nem perto ainda de descobrirem aonde estava a base. E ela estava
cansada. Jenny fechou as pálpebras, vendo a luz do sol dourada da tarde
em suas pálpebras fechadas. Então, de repente, a luz ficou escura.
Seus olhos se abriram. Embora vesse sido um dia claro e sem nuvens,
havia algum po de névoa cobrindo a janela. Impedindo-a de ver. Jenny
olhou para ela, pulsando rapidamente, depois respirou fundo e se inclinou
para mais perto.
Não era névoa - e isso já teria sido estranho o suficiente. Mas era algo
ainda mais estranho. Era gelo.
Impulsionada pelo Rei do Gelo, a mãe de Jenny costumava dizer que
pareciam estar na Pensilvânia quando as janelas congelavam assim. Jenny
não via isso desde os cinco anos de idade. Naqueles dias, ela adorava achar
as coisas no gelo com o calor do dedo...
Algo estava aparecendo na janela como se es vesse traçado por um dedo
invisível. Uma letra.
P.
Jenny não conseguia respirar. Sua boca se abriu para chamar Tom, mas
nenhum som saiu.
E.Q.U.E.N.A...
Pequena. As letras pareciam lentamente, como se a ponta de um dedo as
es vesse traçando na janela gelada.
C.O.M.I.L.O.N.A...
Jenny observou, os cabelos no couro cabelo arrepiando-se. Ela não
conseguia se mover. Era muito estranho estar aqui sentado à luz do dia e
ver algo que simplesmente não podia acontecer.
C.O.M.E.N.D.O...
Sou eu, Jenny pensou, dominada por uma certeza irracional. Desta vez sou
eu que ele está atrás. Sou a pequena comilona.
Q.U.E.I.J.O.E.M.P.O.T.E.A.O.R.E.D.O.R...
Ainda incapaz de se mover, os olhos de Jenny se moveram para cima. Uma
aranha. Ela nha medo de aranhas, grilos e todas as coisas rastejantes e
agitadas. Ela esperava ver um fio descendo do teto, mas não havia nada.
V.E.I.O.U.M.A.A.R.A.N.H.A.E.S.E.N.T.O.U.A.O.S.E.U.L.A.D.O...
Uma aranha.
The Spider, Jenny pensou. O carro de Audrey.
— Tom — ela sussurrou. E então de repente estava se movendo,
arrancando os olhos das letras que ainda estavam aparecendo. — Tom,
venha aqui. Tom!
Enquanto corria, quase caiu sobre o banquinho onde Dee es vera sentada
antes.
Comendo requeijão, que vinha em um po nho. Queijo em pote.
CAPÍTULO 13
— Ele vai pegar todos nós. — Jenny apertou a gaze em torno do tornozelo
de Michael, que murmurava. — Se Dee não conseguiu fugir dele, que po
de chance nós temos?
Ela colocou pequenos esparadrapos no cura vo e recostou-se.
— As pistas não são justas. — Ele protestou. Ainda estava respirando com
dificuldade, e seus olhos estavam muito arregalados, mostrando branco
em volta das íris escuras. — Você disse que Tom e você correram direto
para lá quando você conseguiu essa, o que significa que você não teve
tempo. Ele não vai dar tempo para nenhum de nós. E nunca vamos
encontrar a base.
Jenny fechou o kit de primeiros socorros de plás co. A boneca de papel
estava sobre a mesa de café ao lado. Caindo de costas, o que não era
caracterís co de Dee. Os olhos pretos de giz de cera encaravam o teto com
um olhar astuto.
Eles empurraram o carro de Audrey para o fundo da garagem, onde
esperavam que ninguém o encontrasse. Jenny supôs que veram sorte de
ninguém ter vindo inves gar o acidente, mas isso realmente importava
mais? Alguma coisa realmente importava?
— Estou falando sozinho mesmo? Vocês não vão dizer nada?
Jenny olhou para Michael e depois para Tom, que estava andando pelo
corredor, sem olhar para eles. Ela voltou-se para Michael e seus olhos
encontraram os dele. Seus olhares travaram uma batalha momentânea,
então ele afundou de volta no sofá, a raiva diminuindo.
— O que há para dizer? — Jenny devolveu.
Eles passaram a noite em silêncio; Tom andando e Michael e Jenny
sentados. Olhando para a tela da TV desligada.
Tudo iria desmoronar em breve, a men ra deles cuidadosamente
construída. Jenny ligou para a a Lily para dizer que Zach estava chateado e
passaria a noite com Tom. Ligou para a mãe de Dee e disse que Dee estava
com ela. Nenhuma mãe estava feliz. Era apenas uma questão de tempo até
que uma deles ligasse para a casa de Tom ou de Jenny e tudo viesse à tona.
E Michael estava certo. Eles não iriam encontrar a base, não com míseras
informações que nham. Precisavam de mais.
Por isso, Jenny ficou realmente feliz quando Julian apareceu em seus
sonhos naquela noite.
Levou um longo tempo para dormir - ela ficou deitada olhando horas para
o sofá vazio onde Dee deveria estar. A úl ma coisa clara de que se
lembrava era de decidir que não iria dormir àquela, e então deve ter
fechado os olhos. Quando os reabriu, soube que não havia aberto
realmente e que estava sonhando de novo.
Ela estava em pé em uma sala branca. Julian estava em pé na frente de
uma mesa, com a coisa mais estranha es cada na frente dele. Era uma
espécie de maquete, com casas e árvores, estradas e luzes da rua. Como
uma maquete ferroviária, só que sem o trem, pensou Jenny. Mas era a
maquete mais elaborada que ela já vira; as árvores e arbustos em
miniatura eram feitos com requinte e as casinhas nham várias janelas
acesas.
Não é apenas uma maquete, Jenny percebeu. É Vista Grande... é o meu
bairro. Ali está minha casa.
Julian estava segurando uma pequena figura de um lobo acima de uma das
ruas. A pousou na maquete com cuidado, olhou para Jenny e sorriu. Jenny
não sorriu de volta. Embora es vesse sonhando, sua cabeça estava limpa e
ela nha um obje vo em mente. Iria obter todas as informações que
pudesse dele.
— É assim que você diz a eles o que fazer? O lobo e a cobra?
— É possível — Ele foi vago, mas a olhava sério quando perguntou: — O
que é preto por dentro, branco por fora e quente?
Jenny, com a boca aberta para falar novamente, fechou-a e deu a ele o po
de olhar que Audrey freqüentemente dava para Michael.
— O que é? — disse ela firmemente.
— Um lobo em pele de cordeiro.
— É isso o que você é?
— Eu? Não, eu sou um lobo em pele de lobo. — Ele a olhou e a luz brilhou
em seus selvagens e exó cos olhos azul-safira.
Não sei como o confundi com um humano, pensou Jenny. Julian era de uma
raça mais velha e selvagem. Uma que fascinou e aterrorizou os seres
humanos desde o início. Não vou me distrair, ela disse a si mesma. Não
dessa vez. Vou lembrar o que quero dele.
— O que você achou do novo Jogo?
— Não é justo — disse Jenny prontamente. — Não é espor vo. —
acrescentou, lembrando o que Julian pensava sobre algo ser justo. — Não
é um jogo se não vermos a chance de encontrar sua base.
— Mas você achava mesmo que nha uma chance?
— Não com essas míseras informações.
Julian jogou a cabeça para trás e riu, seus cabelos brilhando como uma
pedra jade branca.
— Você quer uma dica? — Ele a olhou com aqueles olhos velados de um
azul líquido.
— Sim — Jenny foi categórica. — E você me daria se quisesse que fosse
algum po de compe ção limpa. Mas não é.
Ele estalou a língua nela.
— Você acha mesmo que sou um ogro, não é? Mas não sou tão ruim. Sabe,
se eu quisesse, poderia manipular o jogo para não perder. Por exemplo...
— Ele pegou o lobo e levou-o criteriosamente para outra rua. Jenny
reconheceu a casa de madeira cinza-clara e a minúscula figura de cabelos
na frente dela.
— Cam! — Ela olhou para Julian. — Você não faria! Você disse...
Seus longos cílios piscaram.
— Eu disse que manteria esse Jogo para os jogadores originais, e farei isso.
Só estou lhe dizendo o que eu poderia fazer. Assim, você vê que não sou
tão ruim, afinal.
— Gordie Wilson não era um jogador.
— Ele enfiou o nariz onde não devia.
— E o PC e o Slug?
O sorriso de Julian era arrepiante.
— Ah, eles eram jogadores, sim. Jogaram o próprio jogo. E perderam.
Então agora eu sei, Jenny pensou. Acho que terei que contar a Angela, se
eu viver para fazer isso.
Ela estava olhando para a figura minúscula de Cam quando algo mais lhe
ocorreu. Ela olhou para cima.
— Foi você quem fez aquelas crianças brincarem de Ovelhas e Monstros?
— Eu? — Ele deu sua risada de veludo preto novamente. — Ah, Jenny, eles
não precisam de mim. As crianças são assim naturalmente. Os jogos
infan s são assim. Você não percebeu?
Jenny nha, mas não disse nada. Ela se virou.
— Guerra, caça e perseguição; é tudo o que existe. É a vida, Jenny;
ninguém pode escapar. — Ele estava de pé atrás dela agora. — E por que
deveríamos tentar? Há emoção na perseguição, Jenny. Faz o sangue correr.
Envia calafrios pelo corpo...
Jenny se afastou. Seu sangue estava correndo. Sua voz, estranha e
assustadora como a melodia que ela ouvira na varanda do hotel no baile,
enviou um arrepio de consciência através dela.
Silencioso como um gato, ele a seguiu. Não vou me virar, ela pensou. Não
vou.
— Amor e morte são tudo, Jenny. O perigo é a melhor parte do jogo.
Pensei que você soubesse disso.
Uma parte dela sabia. A parte selvagem que ele havia mudado. A parte,
Jenny pensou de repente, que sempre pertenceria à ele.
— E eu pensei que você fosse me dar uma dica — ironizou ela.
— Claro, se você quiser. Mas nada é de graça.
Jenny assen u sem se virar. Ela esperava isso.
— Dê a dica primeiro — disse, sem rodeios.
— Você pode encontrar seus amigos atrás de uma porta.
Jenny franziu a testa.
— Que po de porta? Eu já a vi?
— Sim.
— Eu já passei por ela?
— Sim. E não.
— Que po de resposta é essa? — ela disse, brava o suficiente para virar-
se. Poderia enfrentá-lo quando estava furiosa.
— É tão claro quanto o preto e o branco, se você souber a maneira certa de
olhar. Agora — disse ele. —, o preço.
Julian foi até ela e inclinou a cabeça. Levou todo o autocontrole de Jenny
para permanecer rígida e sem resposta nos braços dele. Por fim, ela ofegou
e se afastou.
— Ah, Jenny. Vamos parar de fingir; não precisamos mais jogar este jogo.
Você pode ter seus amigos de volta... Você quer Dee de volta, não é?
— Eu vou recuperá-la. — Jenny disse trêmula. Ainda sen a formigamentos
de eletricidade em todos os lugares que Julian a tocara. — Vou pegar todos
de volta, do meu jeito.
— Como sempre, admiro sua confiança — disse ele. — Mas você não pode
vencer. Não contra mim, Jenny. Eu sou o jogador principal.
— Uma porta pela qual passei, mas não entrei — disse ela. — Uma porta
que precisa ser vista da maneira certa.
Ele sorriu.
— Uma porta nas sombras. Mas você não a encontrará até que eu a leve
através dela.
Vamos ver, pensou Jenny. As coisas estavam ficando embaçadas ao seu
redor, as sombras estavam crescendo. O sonho estava desaparecendo.
— Aqui. Para você lembrar de mim. — Julian colocou uma rosa de prata na
mão dela.
Jenny reconheceu. Era a rosa que ele lhe dera na caverna de Erlking, uma
flor semi-aberta cin lante, perfeita até nos mínimos detalhes. As pétalas
eram frias, mas macias na palma da mão.
Havia algo como um pedaço de papel branco enrolado no caule.
Desta vez vou acordar imediatamente, ela pensou.
E o fez. A rosa de prata estava no travesseiro dela. Ela levantou-se
rapidamente para olhar os sacos de dormir no chão da sala. Tom e Michael
estavam lá. Duas cabeças escuras em travesseiros brancos. Jenny se
inclinou e balançou o ombro mais próximo.
— Michael, Tom, acordem. Eu tenho a próxima pista.
Mas quando desenrolou o pedaço de papel da flor, não nha mais tanta
certeza.
— É francês — disse Michael. — E nenhum de nós fala francês. Não é
justo!
— A vida não é justa — Jenny murmurou, encarando com frustração as
palavras no papel. Haviam apenas seis.
Pas de lieu Rhone que nous.
— Se ao menos véssemos Audrey — disse ela. — Nous significa "nós, eu
acho... Ou é "você"?
— Talvez meu pai tenha um dicionário de francês-inglês em algum lugar. —
Michael respondeu, mas Tom nem tentou entrar na conversa. Ele olhou
para a rosa prateada e depois para Jenny, e depois se recostou. Agora
estava olhando para as próprias mãos.
Jenny começou a falar com ele, depois parou. Como havia dito a Michael
antes, o que havia para dizer?
O anel parecia tão frio e pesado quanto gelo e chumbo em seu dedo.
Tom nunca nha disparado uma arma antes. Ele roubara do pai de Zach o
rifle que segurava. O Sr. Taylor não ficaria feliz quando descobrisse que ele
estava faltando. Ou quando encontrasse a porta dos fundos aberta,
também.
Mas Tom não estaria por perto para ser punido. Ele não nha esperanças
quanto à isso. Se estavisse certo, essa era apenas uma viagem de ida.
Claro, a base de Julian poderia não estar aqui, no fim das contas. Não havia
portas naquela encosta da montanha e Julian havia dito a Jenny que os
outros estavam atrás de uma porta. Mas esse era defini vamente o lugar
aonde o lobo e a cobra ficavam juntos, e Tom não esperava que eles
perdessem a chance de atacá-lo.
Se ele conseguisse matar um deles, as chances de Jenny seriam melhores.
Se matasse os dois, talvez ela pudesse realmente conseguir.
A idéia surgiu pela primeira vez na noite em que Audrey desapareceu,
quando todos estavam conversando na sala de estar de Michael. Michael e
Dee estavam dizendo que a única maneira de ganhar o jogo de Julian era
encontrar a base e Tom havia dito: "Pode haver outro caminho", e então
parou. A outra maneira que ele pensava era muito perigosa. Muito
perigosa para Jenny, pelo menos. Não era uma viagem que ele queria que
ela fizesse.
Ele pensou em sua ideia durante os dois dias seguintes, analisando-a,
debatendo se deveria contá-la a Dee. Ela gostaria de par cipar. Mas isso
significaria deixar Jenny pra camente desprotegida. Esse era o problema
da ideia: se Tom deixasse Jenny, ela ficaria vulnerável.
Então Dee desapareceu, e de repente a situação piorou. Logo, Jenny não
teria ninguém para protegê-la... e Julian poderia invadir seus sonhos.
Foi isso que mo vou Tom. Ele não conseguia manter Julian fora do
apartamento - o que significava que ficar lá não ajudaria em nada. O que
ele poderia fazer, talvez, era lhe dar um inimigo a menos para lutar.
Aposto que os dois, o lobo e a cobra, levaram Dee, pensou, caminhando
pelo leito aquá co do riacho. Dee poderia ter enfrentado qualquer um
deles sozinha, mas não os dois. Talvez Jenny também vesse uma chance
se lutasse só contra um. Ou talvez, se a sorte de Tom realmente se
man vesse, ele poderia matar os dois antes que Julian o matasse.
Ninguém mais nha sugerido ir atrás dos animais. Simplesmente não lhes
ocorreu. Todos pensavam nas criaturas como fantasmas - e, Deus, não era
de admirar. O lobo das sombras que Tom vira na praia parecia um pesadelo
em movimento, um espectro luminoso. Mas era de carne e osso. Foi o que
a primeira viagem de Tom aqui mostrara.
As coisas negras e alcatroadas que ele raspara naquela rocha eram sangue.
Gordie deve ter ferido um dos animais antes do outro pegá-lo. As criaturas
podiam sangrar, como Tom havia provado na praia. Ele cortou o lobo e sua
faca ficou escura.
Eles podiam sangrar e deixar marcas sicas para trás, como os arranhões
no carro de Audrey. Eles nham algum po de existência material. Então,
talvez pudessem morrer. Tom ia descobrir.
A chuva estava pingando em seu rosto. Chuva fria, gotas ardentes; não
como um banho de primavera. As tranças no leito do riacho balançavam e
pingavam. Tudo estava cinza. Ele estava chegando perto do lugar agora.
Tom vinha do sul, na direção dos três sicômoros. Talvez até pudesse
surpreendê-los.
No frio cinzento, ele se confortou com uma foto de Jenny. Jenny, que era
todo o calor e luz do sol. Seus cabelos dourados e brilhantes contra o
vento. Jenny no verão, segura, feliz e rindo. Era isso que Tom queria, que
Jenny pudesse ver outro verão. No mundo deles, ao invés do mundo de
gelo e sombras. Mesmo que ele não es vesse lá para vê-lo com ela.
Algo moveu-se mais à frente. Tom olhou de soslaio para a chuva, depois
sorriu sombriamente. Sim, estava ali. Preto contra o fundo cinza,
impossivelmente grande, brilhando com sua própria luz preta como um
tronco de árvore podre e queimado. Uma criatura que parecia um lobo
pintado com nta luminosa na escuridão. Só aquela visão era suficiente
para fazer um humano gritar e correr.
Porque não era real, era sobrehumano. Era como um lobo comum; do po
que as crianças sonhavam, que inspirara histórias como Chapeuzinho
Vermelho. Do po que espreitava na parte de trás do cérebro humano,
eternamente agachado e pronto. Lembrando as pessoas de como o mundo
fora uma vez, um lugar selvagem onde os humanos eram a presa. Quando
dentes e garras chegavam até você à noite e você era comido.
Engraçado como a maioria das pessoas hoje em dia achava que não seria
comida, pensou Tom. Não fazia muito tempo - alguns milhares de anos,
talvez - que àquilo nha sido um problema real. Um perigo constante,
como ainda era para pássaros, ga nhos, ratos e gazelas.
A visão do Espreitador, o Lobo das Sombras, trouxe tudo de volta
claramente. Uma olhada e seu tronco cerebral lembrava de tudo. Como foi
ser perseguido por algo que queria invadir suas entranhas. Por algo que
você não pode negociar, não pode argumentar, algo sem piedade para
ouvir seus apelos. Algo interessado apenas em rasgar sua carne em
pedaços.
Tom não podia deixar algo assim perto de Jenny.
Ele estava quase perto o suficiente agora. Estava se movendo em sua
direção, lentamente, agachado. Ele podia ouvir os rosnados guturais sobre
o tamborilar da chuva.
Tom levou a arma ao ombro. Tenha cuidado. Ele era muito bom no Tiro ao
alvo, um excelente a rador. O lobo estava quase ao alcance. Tom
centralizou a mira. E ouviu um barulho atrás dele.
Um ruído deslizante e arrastado.
A Rastejadora. A cobra.
Mas Tom não se virou. Sabia que estava quase nele, que se não corresse
agora, neste instante, ela o pegaria. Mas ele não se virou. Com toda a sua
vontade, manteve os olhos no lobo.
Na mira. Agora! Agora!
Um sibilo horrível veio logo atrás dele.
Ignorando-o, Tom apertou o ga lho.
O recuar do corpo que a ação provocou o surpreendeu. As armas de Tiro
ao alvo não eram assim. Mas o lobo estava cambaleando; a força da bala o
fez cair.
Consegui! Consegui! Consegui...
A cobra atacou. Tom sen u o golpe no meio das costas. Já desequilibrado,
ele caiu. Mas tentou enquanto caía.
Se ele conseguisse disparar só mais um ro...
Tom estava deitado na lama. A cobra estava se erguendo sobre ele, uma
coluna de escuridão oscilante. Enorme e extremamente poderosa. Olhos
brilhando com uma luz sobrenatural, a boca aberta em um sibilo, a cabeça
escura gigante elevando-se de volta ao ataque.
Agora! Por Jenny!
Tom a rou direto na boca aberta e a cabeça da cobra explodiu.
Foi terrível. Sangue escuro jorrou por toda parte, sujando o rosto de Tom,
cegando-o. Bobinas pesadas, chicoteando em seus esparmos, caíram em
cima dele, açoitando-o. Ele não conseguiu rá-los. Tudo era um misto de
sangue, escuridão e terror.
Mas eu consegui, pensou Tom, arranhando loucamente a extensão da
serpente. Ah, Deus, se eu puder sair daqui... consegui. Eles estão mortos.
Foi quando ele ouviu o barulho.
Um rugido como uma cachoeira ao longe. Ou um rio. Aproximando-se
rapidamente. E ele não podia ver, não conseguia se levantar.
Jenny, Tom pensou. E então, a água o alcançou.
— Jenny, você está me assustando. — Michael disse quase em um gemido.
Ma Jenny não estava assustada.
A ideia de que a base de Julian poderia estar no riacho passou por sua
mente uma ou duas vezes, mas ela a dispensou ontem à noite porque não
se encaixava com a porta.
Tom obviamente pensou diferente.
— Con nue andando — disse ela. Parecia que eles estavam andando há
anos. Jenny sabia que eles estavam na área certa porque haviam
encontrado o carro de Tom, mas onde estava o leito aquá co do riacho?
Michael estava mancando muito.
— O que é isso?
Era um som líquido e apressado, mais alto que a chuva. Jenny sabia o que
veria antes mesmo de subirem ao chão e olharem para baixo.
Uma visão incomum para o sul da Califórnia, onde a maioria dos leitos de
riacho eram áridos e lentos. Já este estava cheio de água escura e
movendo-se rapidamente, cheio demais para a pouca chuva que caíra. Não
havia explicação natural para isso. Foi um evento assustador, uma
inundação repen na que deveria ter sido impossível.
Mas estava ali. Um rio inchado por uma encosta coberta de sálvia, levando
a três grandes plátanos. E em um pequeno redemoinho logo abaixo de
Jenny, girando e girando entre algumas pedras, havia um barquinho de
papel dobrado ordenadamente, tripulado por um boneca de papel de
cabelos escuros.
Ela não percebeu que o barco era a próxima pista até voltarem ao
apartamento.
Jenny es vera brincando com ele o tempo todo. Colocou o boneco de Tom
na de pés dobráveis com os outros, organizando-os com uma precisão
louca ao lado das chaves do carro que Michael jogara lá. Uma pequena
linha de bonecos de papel à sua frente, como se a olhassem enquanto
sentava-se no sofá. Ela estava virando o barco várias vezes enquanto
Michael se aconchegava em um cobertor no sofá de dois lugares.
Então, Jenny viu a escrita no papel ceroso.
Era muito simples, um enigma infan l. A pista mais simples de todas.
O que é que quanto mais ra, maior fica?
Ela ouvira aquela no jardim de infância, e eles sabiam a resposta.
Um buraco.
— Não diz quem é o próximo, mas acho que nem precisa. — Michael
puxou o cobertor para mais perto. — Ele vai te deixar por úl mo: o melhor
sempre fica para o final. Então sou o próximo. Não diz como vai acontecer,
mas isso não importa, né?! Contanto que saibamos que vai acontecer, e
vai. Sabemos disso, certo, Jenny?! Vai acontecer, e não há nada que
possamos fazer para impedir. — Ele riu como um luná co. — Julian é que
nem os Moun es4 e vai recrutar seus combatentes...
— Michael, acalme-se...
— Então há um buraco em algum lugar, e vou cair nele. É tudo o que
precisamos saber. Isso é tudo, pessoal!
— Talvez não. Você disse que Tom foi para matar a cobra ou o lobo. Talvez
ele tenha conseguido.
— Pode ser, pode ser... Ainda é maio, não é? — Ele olhou para a janela com
cor nas. Estava totalmente escuro lá fora. Ele voltou-se para Jenny. — Você
sabe que nunca vamos encontrá-lo.
— Não podemos ser nega vos. — As mãos de Jenny estavam geladas, mas
sua voz era feroz. — Eu tenho uma ideia, outra coisa que Julian disse. Algo
sobre a dica ser tão clara quanto preto e branco. E antes, no meu primeiro
sonho, ele disse algo sobre imagem e realidade.
— O que é essa "realidade", afinal? Como sabemos que saímos mesmo da
casa de papel? Talvez tudo isso seja uma ilusão, como quando você pensa
que acordou, mas ainda está sonhando. Talvez ainda estejamos no Jogo
an go. Talvez nada seja sólido. — Michael se inclinou, bateu na mesa de
café e riu de novo.
— Michael, por que você não se deita? Vou pegar um pouco de água...
— Não! Não me deixe! — Ele a agarrou enquanto Jenny passava. — Se
você me deixar, ele vai me pegar! O Homem das Sombras vai me pegar!
— Tudo bem, Michael. Tudo bem. — Jenny olhou para os olhos escuros
aterrorizados e acariciou os cabelos de Michael como se ele fosse mais
jovem que Joey.
— Não está tudo bem. Tenho que ir ao banheiro, mas ele pode me levar de
lá também.
— Não, olhe, eu vou com você. Vou ficar do lado de fora da porta.
— Ele vai me pegar. Você nunca ouviu falar de cobras saindo do vaso? Ele
vai me pegar, mas tenho que ir... Que dilema, não?! Deixo ele me pegar ou
faço xixi nas calças. — Michael estava em um misto de choro e riso.
— Michael, pare com isso. Pare com isso! — Pela segunda vez naquele dia,
Jenny o sacudiu. — Acalme-se! O Monstro do Vaso5 não vai pegar você, eu
prometo. Vamos procurar cobras antes de você entrar. Vamos acabar logo
com isso; então poderemos pensar na base.
Michael fechou os olhos e respirou fundo. Quando expirou, parecia mais
calmo.
— Tudo bem. — concoordou mas ainda cambaleou como alguém meio
adormecido quando Jenny o levou ao banheiro.
— Está vendo? Não há cobras aqui. E vou ficar aqui do lado de fora.
— Deixe uma fresta da porta aberta.
— Tudo bem. — Ela concordou, pacientemente.
— Jenny? — A voz dele atrás da porta parecia muito pequena. — Um
banheiro é muito parecido com um buraco...
— Vá logo, Michael!
— Certo.
Jenny ouviu o barulho de água da torneira correndo.
— Viu? Você está bem.
Mas Michael não respondeu; apenas o som da torneira era audível.
— Michael?
O som da água correndo.
— Michael, não é engraçado! Saia daí ou vou entrar.
Ainda apenas o som da água.
— Droga, Michael! Tudo bem, eu avisei... — Ela abriu a porta.
O banheiro estava vazio, enchendo-se loucamente, a água jorrando de
dentro do vaso sanitário.
Empoleirado na beira do assento de porcelana, havia um boneco de papel.
Ela nunca nha visto alguém parecer tão surpreso quanto Audrey, Zach,
Dee, Tom e Michael. Os cinco rostos estavam virados para ela, olhando
fixamente, bocas e olhos abertos, enquanto ela cambaleava para frente e
caía de joelhos.
O que aconteceu?, Jenny pensou, mas antes que pudesse olhar para trás,
eles estavam ao seu redor.
— Você entrou pela porta — disse Audrey, muito animada. Ela ainda usava
o ves do preto de Oscar de la Renta em que Jenny a vira pela úl ma vez, e
estava mais bagunçado do que nunca. Seu cabelo cobre estava solto.
— Você está bem? — Tom perguntou. Havia manchas lamacentas em suas
maçãs do rosto. Ele estendeu a mão para pegar a mão dela, a mão
esquerda, sem parecer se importar com o anel.
— Claro que ela está bem. Ela entrou pela porta — disse Dee alegremente.
Ela bateu na cabeça de Jenny em um frenesi de carinho. — Toma essa,
monstro!— gritou para o teto.
— Você men u para mim — Michael acusou. Ainda nha a aparência de
hamster, mas agora seu lábio inferior também estava emburrado
pate camente. — Você disse que ele não me pegaria e ele pegou.
Jenny se apoiou no calor e solidez de Tom e fechou os olhos, o que fez suas
lágrimas escorrerem. Nunca nha ficado tão feliz em ouvir Michael
reclamando em sua vida.
— É você; são todos vocês! — Ela abriu os olhos com um pequeno soluço
que soou estranho até para si mesma. — Vocês estão realmente aqui.
— Claro que estamos aqui — disse Audrey. Ela parecia zangada, o que
significava que estava se sen ndo carinhosa. — Onde mais estaríamos?
— Nós estávamos esperando você vir nos buscar, Gata. Eu não disse que
ela viria? — Dee sorriu.
Jenny olhou para Zach. Ele nha círculos pretos sob os olhos e sua pele
nha um tom de cera, mas havia algo estranhamente calmo em sua
expressão.
— Você está bem? — perguntou. — Vocês estão bem?
Zach deu de ombros.
— Estamos vivos. Parece que faz uma semana que estamos aqui, mas Tom
diz que são apenas alguns dias. Quero poder voltar e revelá-las. — Ele
balançou a câmera em volta do pescoço e Jenny olhou para ele surpresa.
— Consegui ó mas fotos daquela cobra. — Seus olhos encontraram os de
Jenny e ele sorriu. Jenny sorriu de volta.
— Eu es ve aqui sozinha primeiro — dizia Audrey. — Por mais de um dia
inteiro. Isso foi diver do.
— Não é tão ruim. — concordou Dee. — É como no exército. Nós
dormimos nas mesas; veja, há cobertores ali. E há um banheiro e a comida
sai por ali. Um refeitório é realmente um bom lugar para manter as
pessoas. Mas não conseguimos abrir a porta desde que chegamos aqui.
Jenny olhou em volta. Era como um refeitório, claro. O refeitório da Vista
Grande High School. Exatamente como na foto, exceto que as mesas
haviam sido empilhadas e as seis estavam em pé. A única coisa realmente
peculiar era que havia apenas uma porta em todas as quatro paredes, a
única porta que havia sido visível na foto.
— Então, como vocês chegaram aqui?
— Através do teto — revelou Michael, sombrio e Jenny olhou para cima.
Havia um grande buraco negro no centro. Eletricidade azul estalou na
escuridão.
— Não conseguimos alcançá-lo. — Tom falou baixinho ao lado dela. — Já
tentamos, mas não há mesas suficientes, e algo muito estranho acontece
quando se chega perto do ponto alto. O tempo parece desacelerar e você
começa a desmaiar.
Jenny olhou de volta para eles.
— Mas vocês estão todos bem. A cobra e o lobo não os machucaram?
— Não — negou Dee. — Eles só queriam que caíssemos nos vór ces. E
estão mortos agora. Tom os matou.
— Acho que consegui — disse Tom cautelosamente. — Michael disse que
vocês não os nham visto hoje à noite.
— Você os pegou. Deve ter conseguido, porque eles se foram. —
considerou Jenny. — Foi uma coisa muito estúpida de se fazer, sair sozinho
assim — Ela apertou a mão de Tommy com força. —, mas estou feliz que
você conseguiu, porque se não eu não estaria aqui. Tive que pular em um
buraco - ou um vór ce, seja lá como vocês chamam - e se eles es vessem
por perto, tenho certeza que teriam me perseguido.
— E aonde Julian estava quando você pulou? — Dee parecia interessada.
— No vór ce. Eu o empurrei.
Dee olhou para ela, então bufou de rir. Em um minuto, todos estavam
rindo histericamente. Até Zach. Dee deu um soquinho no braço de Jenny.
— Ele deve estar muito bravo. — Michael soluçou fracamente quando a
histeria diminuiu.
— Ele está. Mas que diferença faz? — Jenny disse friamente. — Encontrei a
base. Ganhei. — Ela acenou com a mão para eles. — Todos as ovelhinhas
dele estão livres.
Então olhou em volta e esperou. Mas nada aconteceu.
Eles sentarem-se no chão e o frenesi alegre mostrou as primeiras
rachaduras enquanto se encaravam, ainda esperando. As sobrancelhas de
Tom estavam se unindo sombriamente. Os lábios lindamente esculpidos de
Dee levantaram para mostrar os dentes.
— Você não trapaceou, não é?! — ela disse suave e perigosamente.
— Talvez tenhamos que gritar — disse Michael. — Tudo limpo! Podem sair!
— Não seja idiota — disse Zach. — Nós é que estamos dentro e precisamos
sair.
— E ele tem que nos deixar sair. — disse Jenny. Ela se levantou, olhando
para o buraco no teto. — São as regras do jogo. A menos que ele esteja
planejando trapacear. — acrescentou ela em voz alta, sen ndo-se
imprudente e ousada com a mão de Tom na dela.
— Eu nunca trapaceio — disse Julian, por trás deles. — Eu pra co
Habilidades de jogo, a arte de ganhar jogos mas sem trapaças.
Jenny se virou. Julian estava parado em frente à porta, que agora estava
aberta. O sinal vermelho de saída piscou e brilhou loucamente acima dele,
parecendo que iria queimar um fusível a qualquer momento. Isso deveria
ter sido um bom presságio, mas a expressão no rosto de Julian não era
nada animadora. Seus olhos estavam brilhando como vidro azul, e havia
algo cruel e predatório em sua boca.
— Então você vai nos deixar ir — disse Jenny, mas sem a ousadia de antes.
Ela firmou a voz e se obrigou a encontrar os olhos dele, erguendo o queixo
com orgulho. — Consegui por conta própria, Julian. Encontrei a base.
— Sim, você encontrou. — Mesmo aqui, no refeitório bem iluminado,
parecia crepúsculo ao seu redor. Um crepúsculo estranho e encantado, que
de alguma forma era mais brilhante e mais real do que qualquer dia que
Jenny já vira. — Você encontrou a base. Você venceu o jogo. Agora, tudo o
que você precisa fazer é sair.
— Enquanto você bloqueia a porta — Dee desdenhou. — Parece que terá
que fazer isso sozinho desta vez, já que seus amigos animais não estão aqui
por você.
— Bloquear a porta? — Julian arregalou os olhos inclinados de gato
inocentemente, de alguma forma parecendo mais perturbadoramente
bonito do que nunca. E mais triunfante. — Eu nem sonharia com isso. —
Ele se afastou da saída, ges culando com graça lânguida e descuidada,
como se quisesse introduzi-los. — Con nuem. Tudo o que precisam fazer é
andar por ela e estarão do lado de fora da foto. Na garagem de Zach. Sã e
salvos.
— Eu não confiaria nele tão facilmente. — Michael sussurrou no ouvido de
Jenny.
Mas Dee, sempre ansiosa por um desafio, já estava se movendo em
direção à porta. Ela lançou um olhar de desdém para Julian quando passou
por ele, e ele se curvou graciosamente. Então ele levantou a cabeça e
sorriu para Jenny, que estava de pé na proteção do braço de Tom.
— Eu disse uma vez para você não brincar comigo. — disse ele. Sob os
cílios pesados, seus olhos eram azuis como chamas.
Um alarme disparou através de Jenny.
— Dee — ela começou. Mas já estava acontecendo.
No momento em que Dee chegou à porta, houve um som tremendo; alto e
suave ao mesmo tempo. Era quase como o som que a boca de um fogão
emite quando você a liga e o gás acende. Um whopf abafado.
Só que isso era cem vezes mais alto e vinha de todos os lados. Os ouvidos
de Jenny estalaram. O calor a a ngiu de todas as direções ao mesmo
tempo e uma rajada de ar ardente fez seus cabelos correrem para cima.
Dee foi jogada para trás pela força da explosão, quebrando a própria queda
ao a ngir o chão primeiro com os antebraços e as palmas das mãos. No
instante seguinte, Jenny a segurava, a voz dura com ansiedade.
— Você está bem? Você está bem?
Os cílios fuliginosos de Dee tremeram. Seu peito magro estava arrepiado e
seu pescoço, longo e gracioso como o de um cisne negro, estava arqueado
no braço de Jenny.
— Dee!
— Eu vou dar à ele algumas Habilidades de jogo — Dee ofegou finalmente.
Seus olhos se abriram em estreitas fendas de ônix, a respiração ainda
engatada. — Vou dar agora mes...
— Ele se foi — Zach interrompeu categoricamente. — E temos problemas,
então poupe seu fôlego.
Por um momento, Jenny ficou tão feliz em ver Dee ilesa que não se
importou. Então olhou para cima e entendeu o que Zach queria dizer.
Eles estavam dentro de um anel de fogo.
Era apenas um pouco menor do que as dimensões do refeitório, e pelo que
Jenny sabia, as paredes ainda estavam do lado de fora dele. Mas não se
podia ver através do círculo para dizer. Era tão alto quanto o teto do
refeitório e estava quente.
E barulhento.
Incrivelmente barulhento. Jenny percebeu que ela e os outros estavam
gritando para serem ouvidos. Ele fazia um rugido inacreditável e
incessante. Como o estrondo das Cataratas do Niágara ou a explosão de
um furacão.
Que estranho, pensou ela, parte de sua mente examinando esse fato com
uma calma curiosa. Acho que quando você chega a um certo extremo,
todos os elementos soam igual; o fogo soa como a água, que soa como o
ar. Vou ter que lembrar disso.
Havia algo mais sobre o som. Era mortal. Dalguma forma, ficar ouvindo-o
seria absolutamente letal. Se a destruição nha uma voz, era aquele som.
— Suponho que é por isso que as pessoas pulam pelas janelas, mesmo do
vigésimo andar. — disse ela a Tom, quase sonhadora. — Sabe, de um
prédio em chamas, quero dizer.
Ele lançou-lhe um olhar penetrante, depois a levantou, pra camente
carregando-a para uma das mesas.
— Deite-se.
— Eu estou bem...
— Jenny, deite-se antes que você desmaie.
Jenny, de repente, percebeu que era melhor. Ela tremia violenta e
totalmente, pequenos tremores que pareciam vir do seu interior. Seus
dedos e lábios estavam dormentes.
— Ela está em choque — disse Audrey enquanto ela deitava em um banco.
— E não é de admirar, depois de tudo o que aconteceu. Jenny, feche os
olhos por um tempo. Tente relaxar.
Jenny fechou os olhos obedientemente. Podia ver o fogo tão bem quanto
com eles abertos. Uma onda de tontura a envolveu. Podia ouvir os outros
falando, mas seus gritos pareciam finos e distantes.
— ...Não vamos durar muito com esse calor — dizia Tom.
— Não, mas o que podemos fazer? — Esse era Zach.
— Nós vamos assar. — E esse era o Michael. — Melhor encontrar um
pouco de molho de pimenta.
— Cale a boca ou eu mesmo vou te obrigar, Mikey — Dee ameaçou.
Não posso deixá-los assarem, pensou Jenny. Seus pensamentos eram vagos
e oníricos, unidos pelas mais finas cordas flutuantes. Era um estado quase
como os momentos antes de dormir, quando as bobagens parecem
perfeitamente sensatas e palavras e imagens vêm do nada.
Agora ela estava experimentando algo como se afogar. Sua vida passou
diante dela - ou pelo menos as úl mas três semanas, ou alguns pequenos
momentos dela. Imagens desconectadas e confusas, cada uma ní da como
um clipe de um vídeo caseiro de alta qualidade.
Julian apareceu, lindo como uma manhã de dezembro, seus olhos como
safira líquida, seus cabelos molhados como a lua. "Eu nunca trapaceio.
Pra co Habilidades de jogo."
E Aba, seu rosto velho com seus ossos finos sob a pele aveludada e negra
da noite. "Ontem à noite sonhei com a história de Hausa..."
E Michael, o doce Michael, com o cabelo desarrumado, olhos escuros
brilhando de entusiasmo: "Seu cérebro é como um sistema de modelagem.
Ele pega a entrada que recebe de seus sen dos e cria o modelo mais
razoável possível..."
E Zach, olhos finos, de nariz pontudo e acinzentado brilhando com um
brilho feroz. "Uma imagem de um cachimbo não é um cachimbo."
Enquanto Jenny flutuava, ouvidos cheios do barulho do fogo, todas as
imagens pareciam flutuar juntas, mesclando e entrelaçando-se. Como se
Aba, Michael e Zach es vessem falando ao mesmo tempo.
"Sem outra palavra, a garota mergulhou no rio de fogo..."
"Tocar é apenas outro sen do. Também pode enganar."
"A imagem não é uma realidade. Mesmo que estejamos acostumados a
pensar assim a maior parte do tempo..."
"O fogo a queimava, é claro, mas ela nadou através dele mesmo assim..."
"Se o modelo criado é bom o suficiente, não há como dizer que não é real...
"
" Mostramos a uma criança a foto de um cachorro e dizemos "isso é um
cachorrinho", mas não é..."
Jenny sentou-se. O fogo ainda estava queimando ferozmente, como se
todas as fogueiras de praias do mundo es vessem fundidas em uma. Tom,
Dee e os outros estavam parados em uma espécie de grupo de futebol a
alguns metros de distância. Jenny sen u-se tonta, mas bem. Na verdade,
sen a toda a luz, como se bolhas carbonatadas a es vessem levantando
em direção ao teto, estourando dentro dela. Ela sen a-se gloriosa.
— É isso — Ela sussurrou. — É isso — Teve que gritar para fazê-los
ouvirem-na. — Tom. Tom, venha aqui; todos venham aqui. Eu entendi. Sei
como sair.
Eles se amontoaram ao seu redor. "Como?" "Você está brincando!" "Nos
diga."
Jenny riu pelo puro prazer de rir, sen ndo-se cristalina e brilhante. Como
uma esfera cheia de luar. Ela levantou os braços alegremente, sacudiu os
cabelos para trás e riu de novo. Os outros trocaram olhares, suas
expressões mudando de excitação para consternação.
— Não, está tudo bem — ela assegurou. — Eu sei como sair. Basta
caminharmos. Vocês não perceberam? O fogo não é real! É um modelo
que nosso cérebro está fazendo.
Eles não pareciam tão felizes quanto ela nha pensado. Olharam para ela,
depois um para o outro. Michael abriu a boca e depois fechou novamente,
olhando nervosamente para Audrey. Ela suspirou.
— Ah... — Dee olhou para os outros, depois deu um tapinha no ombro de
Jenny. — Tudo bem, Gata. Você volta a dormir, e depois falamos sobre isso.
— O quê, você acha que estou brincando? Não estou. Estou dizendo;
podemos sair daqui.
— Gata... — Dee olhou por cima do ombro para o fogo, depois de volta ela.
— Odeio dizer, mas esse fogo não é um modelo no meu cérebro. Está
quente. Tenho até queimaduras. — Ela mostrou a Jenny vários inchaços
cheios de líquido na mão.
Jenny olhou para eles, brevemente abalada. Então, se recuperou:
— Isso é porque você acreditou. Acreditou no calor e isso causou as
queimaduras. — disse ela. — Não, Dee, sem brincadeira, droga! Estou
falando sério. Você sabe como as pessoas hipno zadas podem ter uma
queimadura se lhes disser que estão tocando algo quente, mesmo que não
estejam. Acontece.
Michael passou as mãos pelos cabelos.
— Mas, Jenny, é muito quente. Não dá nem pra se aproximar.
— Isso é porque você acredita que está quente. Foi você quem disse,
Michael: se um modelo é bom o suficiente, você não consegue dizer se é
real ou não. — Ela olhou de um rosto para outro. A gloriosa leveza
desapareceu; agora Jenny sen a uma decepção esmagadora. — Vocês
acha que estou louca, não é?! Todos vocês.
— Jenny, você já passou por tanta coisa...
— Não quero sua pena, Audrey! Quero que você me escute. Você acredita,
Zach? — Ela se virou para ele desesperadamente. — Lembra-se de
Magri e? Você me disse que a imagem não é a realidade, e eu disse: "A
menos que exista alguém que possa transformá-la em realidade." Mas e se
não é isso que Julian faz? E se ele não transforma uma imagem em
realidade, mas nos faz pensar que é realidade? Se mostra aos nossos
sen dos algo tão convincente que nossos cérebros fazem um modelo e
acreditam nele, mesmo que seja só uma ilusão? Como um sonho?
— E se? — Zach citou de volta para ela. — Isso é um E se? muito grande,
Jenny. E se você es ver errada?
— Então estaremos torrados. — Michael murmurou.
— Mas é a única coisa que faz sen do — insis u Jenny. — Lembrem, Julian
disse que nunca trapaceava. Se o fogo é real e não há como escapar, então
isso é uma trapaça, não acham?!
— Eu acho que sua fé nele é encantadora — disse Audrey acidamente, as
sobrancelhas cor de cobre levantadas. Ela olhou para Tom, mas ele desviou
o olhar. Recusando-se a apoiar Jenny e sem coragem de assumir isso.
— Não é fé nele. Isso faz sen do — Jenny con nuou. — Você não veem?!
Aba teve um sonho quase exatamente assim. E a garota da história venceu.
Sua vontade foi forte o suficiente.
— Mas o fogo a queimou — apontou Michael.
— Mas não a matou. Não estou dizendo que não vai doer, tenho certeza
que vai, pelas queimaduras de Dee. Mas não acho que vai nos matar a
menos que deixemos. Temos forças o suficiente para passar por ele.
Mas Jenny podia ver pelos rostos deles que ainda não estavam
convencidos. O desespero agarrou seu peito.
— Dee? — Ela quase implorava. Dee mudou desconfortavelmente.
— Gata, se houvesse alguma chance... mas eu o toquei. Pareceu um fogo
de verdade para mim. E mesmo que eu me convencesse a entrar, o que
aconteceria se ao entrar, de repente, a vontade não fosse forte o
suficiente?
— ...torrada. — simplicificou Michael.
— É um risco muito grande. — Audrey falou decisivamente.
— Quando uma ilusão é muito boa pode ser muito real. — disse Zach. —
Ainda pode nos matar.
— Certo, eu entendo — Jenny ficou de pé. — Eu entendo; se não fosse
minha própria ideia, provavelmente também pensaria que era loucura. E
fui eu quem colocou todos vocês nisso, então é justo que eu os re. Eu vou
sozinha.
A cabeça de Tom virou-se.
— Ei, espere... — disse ele ao mesmo tempo que Zach: — Não, veja...
— Não, está decidido — Jenny con nuou. — Eu tenho a melhor chance, já
que sou eu quem acredita que posso superar isso.
— Isso só se sua teoria es ver certa — Dee ficou à frente de Jenny,
bloqueando-a. — Se você es ver errada, morre. Não, você não vai a lugar
nenhum.
— Sim, eu vou. — Jenny inclinou-se para frente, encarando Dee, ambas
com raiva. — A decisão é minha. Eu vou e ninguém vai me parar.
Entendeu?
Dee soltou a respiração bruscamente. Ela a olhou furiosa, mas recuou para
Jenny passar. Michael, de olhos arregalados, afastou-se apressadamente,
puxando Audrey com ele. Até Zach, embora seu rosto es vesse branco e
furioso, recuou, incapaz de segurar o olhar de Jenny.
Foi Tom quem pegou seu braço.
— Espere um minuto — pediu, sua voz razoável.
Jenny virou-se para ele, erguendo a cabeça como uma rainha porque
estava morrendo de medo, porque ele era o único aqui que poderia minar
sua determinação. Em sua mente, ela podia ver-se parada ali, es cada até
a altura máxima, com os cabelos soltos nos ombros à luz do fogo. Ela
esperava que parecesse dominadora. Se sen a alta, orgulhosa e bonita.
— Eu disse que ninguém vai me impedir, Tom. Nem você.
— Não estou tentando impedi-la — ele disse, ainda quieto e razoável. Seus
olhos castanhos eram firmes, quase luminosos à luz do fogo, e o rosto
estava limpo. Tranquilo, com um olhar de total convicção. — Eu vou com
você.
Jenny sen u uma onda de calor e gra ficação que a deixou tonta. Ela
agarrou a mão dele e apertou com força.
— Você acredita em mim!
— Vamos. — Ele apertou a mão dela de volta, depois a olhou e pegou a
outra mão, a com o anel. Seus dedos se entrelaçaram aos dela e Jenny se
sen u forte o suficiente para pular sobre o fogo.
— Vamos.
Eles se viraram para enfrentar o fogo juntos.
Era bom que Jenny es vesse se sen ndo invulnerável naquele momento,
porque o fogo era terrível. Mais quente do que ao colocar a mão no forno.
Ela podia sen r o suor escorrer pelos lados ao se aproximarem; a pele de
seu rosto tensa, quente e formigando.
— É melhor fazermos isso rápido! — Tom gritou sobre o rugido.
— Eu acho que a porta está ali. — Jenny apontou com a mão livre.
— Ei, esperem, gente! Esperem... — Michael gritava.
— Um, dois, três... — Jenny olhou para a luz do fogo refle da nos olhos de
Tom. Eles assen ram um para o outro e começaram e pularam nas chamas,
ignorando os gritos de pânico atrás deles.
— Grama fresca e molhada! Grama fresca e molhada! — Tom gritou e
então o fogo estava ao redor deles.
A pele de Jenny queimou. Era assim que parecia. Como se es vesse
esfolando-se em rar. Queimado tanto, que ficava preta e se abria.
Torrando. Fritando como bacon. Seu cabelo inflamava, queimando como
uma tocha na cabeça.
Tinha sido fácil dizer "Basta atravessar o fogo; é um modelo, não é real".
Mas no momento em que entrou, ela entendeu o que Dee quis dizer sobre
parecer real. Se ela vesse chegado perto o suficiente antes para sen r
algo desse calor, nunca teria ousado sugerir isso.
Aquele primeiro segundo foi a coisa mais horrível que já lhe aconteceu. Foi
angus ante e ela entrou em pânico. Perdeu a cabeça completamente.
Ela estava errada, não era uma ilusão, afinal, e ela estava no meio de um
incêndio. Estava pegando fogo. Tinha que correr para fugir disso. Mas não
sabia que caminho seguir. As chamas rugindo, crepitando e matando
estavam ao seu redor, queimando-a como uma boneca de cera jogada em
uma fornalha, assando-a viva.
Estou morrendo, ela pensou loucamente. Estou morrendo...
Então ouviu o fraco grito do seu lado:
— Grama fresca e molhada! Grama fresca e molhada!
E sen u a mão de Tom na dela. Tom estava puxando-a, arrastando-a.
Tenho que fazer isso por Tom, ela pensou. Se eu desmoronar, ele não vai
me deixar. Ele vai morrer também. Temos que con nuar.
De alguma forma, ela fez as pernas se moverem, disparando
desesperadamente pelas chamas na direção em que Tom estava levando-a.
Jenny apenas rezou para que fosse a certa.
"Ela também estava com muito medo, mas seu amor pelo menino era mais
forte."
— Grama fresca e molhada! — Tom gritava.
Então, uma grande frescura apressada invadiu Jenny. Ela caiu de cabeça na
escuridão e depois na luz. Bateu em algo duro e inflexível, e ela e Tom
estavam rolando.
Eles passaram.
Estavam no chão da garagem de Zach. O concreto estava frio como gelo, e
ela pressionou a bochecha contra ele. Es cou todo o corpo, absorvendo o
frio abençoado, querendo beijá-lo. Em vez disso, Jenny se apoiou em um
cotovelo e olhou para Tom. A luz da garagem estava acesa; ela podia vê-lo.
Ele estava bem, seus olhos se abrindo, seu peito arfando. Ela o beijou.
— Conseguimos — ele sussurrou, olhando para o teto, depois para ela. Sua
voz estava assombrada. — Conseguimos. Estamos realmente vivos.
— Eu sei, eu sei! — Jenny o abraçou e o beijou novamente, em uma agonia
de alegria. — Estamos vivos! Estamos vivos! — Estava loucamente
emocionada. Ela nunca pensou o quão bom era estar viva até que pensou
que estava morrendo.
Tom estava balançando a cabeça.
— Mas, quero dizer, era impossível. Ninguém poderia ter passado por
aquele incêndio.
— Tom... — Ela parou e olhou para ele. — Tom, era uma ilusão. Você sabia
disso, não é?!
— Hã... — Ele olhou em volta, depois bufou midamente, por um
momento parecendo Michael. — Na verdade não.
— Você não acreditou em mim?
— Bem...
— Então por quê veio comigo?
Ele olhou para ela, então, com olhos verdes, dourados e marrons como
folhas de outono rodopiando em uma piscina.
— Porque eu quis — disse simplesmente. — O que quer que vesse
acontecido, eu queria estar com você.
Jenny apenas o encarou por um momento. Estupefata.
— Ah, Tom! — sussurrou. E então estava nos braços dele, soluçando sem
fôlego. Apenas dizendo o nome dele, repe damente. Ela pensou que seu
coração iria explodir.
Eu poderia tê-lo perdido. Eu poderia tê-lo perdido para sempre. Toda a sua
coragem, todo o seu amor por mim. Eu poderia tê-lo perdido... Eu poderia
ter me perdido na escuridão de Julian.
Nunca mais, pensou ferozmente consigo mesma, agarrando-se a Tom
como se algo es vesse tentando arrancá-la. As sombras não têm mais
poder sobre mim.
Era como se o fogo, o grande fogo purificador, vesse queimado todos os
pensamentos sombrios dela. Queimando a parte que respondera a Julian,
que ansiava seu perigo e selvageria. Tomado essa parte como um sacri cio.
Agora que Jenny passara pelo fogo, sen a-se purificada e renovada. Uma
fênix renascida.
Mas a força que ganhou ao lutar contra Julian ainda estava com ela, isso
não havia mudado. Ela estava mais forte do que nunca desde que
atravessara o fogo.
E poderia amar Tom ainda mais causa dessa força. Eles eram iguais. Podiam
ficar lado a lado, sem ofuscar um ao outro. E agora ela sabia que podia
confiar nele até o fim. Só esperava que ele soubesse o mesmo sobre ela,
ou que ela pudesse provar isso à ele. Ela ficaria feliz em passar as próximas
décadas tentando.
O aperto de Tom na mão dela mudou. Ele estava segurando-a com muita
força; depois virou e se afastou para olhar. Jenny levantou a cabeça do
ombro dele.
— Acabou", disse Tom, pensa vo. — O anel.
— Claro — Jenny disse e mordiscou o queixo dele. Nada poderia
surpreendê-la agora. Tudo ficaria bem. — Acabou, porque vencemos.
Estou livre. Conhece alguém que quer uma namorada com pouca
manutenção e bom senso de humor?
— Ah, Jenny. — Os braços dele se comprimiram apressadamente. — Acho
que você terá que colocar um anúncio nos classificados — brincou ele sob
os cabelos dela. — Ah, Thorny, eu amo você.
— Deve mesmo, já que me chamou de Thorny — Jenny piscou para afastar
as lágrimas. — Eu também te amo, Tommy. Para todo o sempre.
Então, no meio de sua euforia, ela pensou em algo.
— Temos que pegar os outr... Meu Deus! — Jenny nha acabado de olhar
para a fotografia mural na parede.
Estava pegando fogo.
— Fique aqui! — Tom estava de pé, rando a jaqueta. Ele alcançou a
maçaneta de metal da porta na imagem infalivelmente.
— Eu vou com você!" — Jenny gritou de volta. Ela agarrou a mão dele
quando ele puxou a maçaneta. — Você nunca mais vai a algum lugar sem
mim de novo.
FIM DO LIVRO 2
A AUTORA:
L .J. Smith tem inúmeros livros para jovens publicados, muitos deles
frequentaram a lista de mais vendidos do New York Times e foram
inspirados em seus próprios pesadelos. Seu primeiro romance, The night of
the sois ce, foi lançado no ano em que ela se formou na faculdade. É
autora das séries "Diários do Vampiro" - que deu origem à série de
televisão Vampire Diaries -, "O Círculo Secreto" e "Mundo das Sombras".
Atualmente, vive na Califórnia com seu cachorro, Victor, três gatos e
aproximadamente dez mil livros.