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O menino estava amarrado sobre a cama, contorcendo-se de dor.

A
lua cheia brilhava no céu e o chamava, convidando-o para correr através
dos campos. Os pais, desesperados, lutavam para acalmá-lo enquanto
eram assistidos pelos demais membros da família, mas o esforço era
vão. Cada movimento do jovem era acompanhado por estalos altos,
como se seus ossos estivessem se quebrando, e gritos animalescos de-
sesperados.
De repente, os olhos do menino reviraram-se e ele passou a
convulsionar violentamente enquanto espumava pela boca. Em poucos
minutos, a espuma tornou-se vermelha, o menino vomitou uma enorme
quantidade de sangue, sujando a si mesmo e à cama, e ficou imóvel logo
em seguida. Os pais da criança estavam perplexos com aquela situação.
A mãe caiu de joelhos, chorando tão alto que era possível ouvi-la ainda
do lado de fora da casa. O pai sentou-se numa cadeira perto da parede
do lado direito do quarto; não sabia como reagir, fitava o chão com seus
olhos inexpressivos, parado no tempo como uma estátua. Sua vida
nunca fora fácil, mas nenhuma adversidade fora tão dolorosa quanto a
morte de um filho, ainda mais naquelas condições. Na casa havia
parentes, vizinhos e alguns amigos da família, todos que estavam
presentes se apressaram para consolá-los; a maioria também tinha filhos
e temia que os seus fossem os próximos.
Num instante, todos que estavam fora do quarto ficaram
paralisados, quando, sem aviso algum, uma figura sombria entrou pela
porta da frente. Era um homem alto, magro, com pele bronzeada e uma
barba negra rala. O sujeito vestia-se de forma semelhante a um
vaqueiro, mas certamente não era um. Sua presença era ameaçadora, e
seu olhar, frio.
– Quero ver a criança – disse o estranho, sua voz era grave,
rasgada e misteriosa.
Ninguém entendeu o porquê do pedido, mas pelo tom de voz era
perceptível que ele não aceitaria um “não” como resposta, então abriram
passagem e o homem caminhou até o quarto. A atmosfera estava tensa
de tal maneira que os presentes nem ousavam se mexer – alguns
evitavam até respirar.
O homem entrou no cômodo, calmamente foi até a cama e passou
a analisar o cadáver do menino. Aquela cena horrível não o abalava, não
era a primeira vez que via uma criança morta naquele estado – e nem
seria a última.
– Há quanto tempo ele estava doente? – perguntou ao pai do
garoto, que ainda estava em choque. Repetiu a ação, mas o homem
permaneceu em silêncio. Vendo que não teria opção, deu-lhe um tapa
forte no rosto, trazendo-o de volta à realidade, e fez a pergunta mais
uma vez.
– Há três semanas, eu acho. – A fala do homem estava lenta, mas
era melhor que ficar em silêncio.
– Isso já aconteceu com alguém antes dele?
– Sim. Alguns dos jovens e crianças da nossa vila têm morrido da
mesma forma, achamos que é uma praga que não conhecemos.
No instante em que o pai da criança terminou de falar, o estranho
encontrou uma cicatriz profunda perto das costelas do menino. Suas
suspeitas haviam sido confirmadas, só precisava saber de mais alguns
detalhes.
– Ele foi atacado por algum animal?
– Sim – respondeu o pai. – Já faz um tempo que um bicho vem
rondando por aqui, atacando gente, então começamos a fechar as portas
perto do anoitecer. Certo dia, meu filho e outras crianças disseram que
iriam brincar num campinho aqui perto, mas mentiram para nós e foram
até um rio que fica no fim de uma trilha que conduz até a parte mais
profunda da floresta. Eles perderam a hora e precisaram voltar para casa
no escuro. No meio do caminho foram atacados. Nem todos sobrevive-
ram: um dos amiguinhos dele foi levado; procuramos na mata por dias a
fio, mas nunca achamos o corpo. A sorte foi que uma das crianças
conseguiu escapar e nos avisar a tempo de salvar os outros.
– E ele ficou doente pouco tempo depois?
– Nas primeiras duas semanas após o ataque ele estava bem, os
ferimentos se curaram numa velocidade impressionante para a
gravidade deles. Entretanto, no fim da terceira, o menino estava tão
fraco que mal conseguia ficar de pé. Da quarta semana em diante,
passou a ter episódios de alucinações, dizendo que seu corpo estava
sendo consumido por fogo, e, mesmo doente, debatia-se sobre cama;
esses episódios tornaram-se cada vez mais violentos, então tivemos que
amarrá-lo para que não acabasse machucando alguém.
– As pessoas que morreram, todas foram atacadas por esse animal?
O pai confirmou com a cabeça, o estranho deu-lhe as costas e saiu
andando.
– O que você sabe sobre isso? – perguntou a mãe, quando ele havia
alcançado a porta do quarto, mas não obteve resposta alguma.
Sem dizer uma palavra, ele saiu da casa, montou seu cavalo e foi
embora.
Por duas semanas o estranho vagou pela região, reunindo
informações. Precisava conhecer o lugar, seus habitantes e o estrago que
estava sendo feito em suas vidas. Desde a chegada do predador
misterioso, carcaças de animais silvestres eram encontradas nas flores-
tas, brutalmente mutiladas e parcialmente devoradas. As pobres
criaturas eram mortas com tanta crueldade, que nem mesmo os
caçadores mais experientes da vila se atreviam a entrar nas matas,
convencidos de que aquilo era obra humana.
As fazendas também eram atacadas. Porcos amanheciam partidos
ao meio, galinheiros destruídos; vacas prenhas tinham suas colunas
quebradas e, em seguida, seus bezerros eram arrancados e devorados.
Até cavalos grandes e fortes tornavam-se vítimas, tendo suas gargantas
mutiladas, ficando incapazes de relinchar, então tinham suas pernas
traseiras brutalmente arrancadas e eram devorados ainda vivos.
Havia relatos de um bicho grande e pesado correndo pelas estradas
enquanto era perseguido por cães, de casas sendo rodeadas por uma
criatura cujo odor de morte era nauseante, além de uivos sinistros eco-
ando nas matas, todas as coisas ocorriam somente à noite. Quanto mais
ele descobria, mais tinha certeza da criatura com a qual estava lidando.
Precisava agir, e rápido!
Entretanto, ele não foi rápido o suficiente. Na madrugada do
vigésimo primeiro dia após a chegada do forasteiro, uma casa foi
invadida. A besta se jogou contra a porta com toda a sua ferocidade até
que ela cedesse. Os cadáveres dos moradores ficaram irreconhecíveis,
porém, o mais perturbador era que a neném da família, de apenas 6
meses, havia desaparecido. Ele já havia caçado dezenas de feras, mas
nenhuma fora tão cruel como aquela.
Não havia mais tempo a perder! Aquela criatura maldita precisava
morrer!
Pelos próximos sete dias, ele reuniu seu melhor arsenal e, junto aos
homens da vila, passou a montar as armadilhas – as chances de pegar o
monstro através delas eram mínimas, mas esperava, ao menos, feri-lo ou
atraí-lo para finalizá-lo a tiros.
Os dois próximos dias serviram para que as pessoas pudessem
fortalecer suas casas. O caçador ordenou que, no trigésimo dia, os
homens permanecessem com suas famílias e as defendessem a todo
custo. Ele sabia que a besta atacaria com tudo, pois a lua estaria cheia e
lhe daria força total. Já havia perdido as contas de quantas vezes viu
homens inexperientes colocarem suas vidas e as de outros em perigo ao
tentarem matar uma fera, e como suas famílias foram destruídas por
isso.
A manhã do trigésimo dia foi dedicada a espalhar vísceras de
animais em todas as armadilhas. Perto do anoitecer ele subiu em uma
árvore com a melhor visão para a armadilha principal, a única que
possuía uma isca viva – um porco, cuja perna havia sido quebrada para
que seus gritos atraíssem o predador. Seu fiel rifle Winchester estava
carregado e pronto para a ação. As horas se passaram, sem qualquer
sinal que indicasse a presença da criatura, mas ele sabia que era apenas
questão de tempo. A lua brilhava no céu, imponente, sua luz atravessava
as folhagens, iluminando um pouco a floresta escura. Perto da meia-
noite, passadas pesadas foram ouvidas, deixando-o em estado de alerta.
Os ruídos se aproximaram, o cheiro de carniça incensou o ar e os
grunhidos da respiração rouca tornaram-se mais altos. Foi então que o
monstro apareceu. A cabeça era semelhante à de um cão, já o corpo, da
cintura para cima, lembrava um ser humano muito forte. Os braços eram
longos e suas mãos possuíam garras extremamente afiadas; as pernas
eram curtas e lembravam às de cão. Por conta disso, a besta era forçada
a andar sobre as quatro patas. À medida que ela aproximava-se
furtivamente do porco, a saliva escorrendo por entre os dentes
avantajados, o homem preparava-se para disparar.
De repente, ela parou e olhou para a esquerda, os olhos brilhantes
encararam os do caçador. Vendo que havia sido descoberto, ele atirou,
mas ela foi mais rápida e desapareceu na escuridão. Podia ouvi-la
correr, flanqueando-o. Foi então que a árvore tremeu com um golpe
muito forte, a criatura havia se jogado contra o tronco na tentativa de
derrubar o homem, porém, ele manteve o equilíbrio e efetuou mais um
disparo, acertando o ombro da fera, que correu para longe novamente.
Não se ouvia mais nada, mas a podridão indicava que aquilo ainda
estava por perto. A tensão crescia a cada minuto; abaixar a guarda,
ainda que por poucos instantes, poderia ser fatal. De repente, o som de
trotados pesados vindo pela direita rompeu a quietude; o homem teve
tempo apenas de ver a besta saltando em sua direção. Ela prendeu-se ao
tronco da árvore, realizando investidas na tentativa de agarrar o homem
ou derrubá-lo, e, apesar do ferimento no ombro e da dor que sentia,
tentava escalar para alcançar a presa – e estava conseguindo.
Aquele era o momento! O monstro estava a menos de um metro e
meio, e diminuindo a distância. O homem preparou o próximo disparo,
desviou novamente das garras enormes – que por pouco não o acertaram
–, apontou o rifle para o rosto da fera, olhando bem no fundo de seus
olhos.
– Diga “oi” ao diabo por mim.

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