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1.

Descrição do trajeto da personagem

No conto “O búfalo”, de Clarice Lispector a personagem principal, uma mulher, entra num
Jardim Zoológico no intuito de encontrar algo, que seria a busca do que ela chama de “Ódio”.
Na totalidade do conto, fica evidente que essa busca foi ocasionada por uma frustração
amorosa, de modo que ela almeja encontrar seu par: “Oh Deus, quem será meu par neste
mundo?”.
A narrativa inicia-se com “Mas era primavera”. Nesta frase por meio da conjunção mas, nota-
se que existe uma anterioridade não explicitada ao leitor, todavia, pressuposta ao longo da
narração. O trecho a seguir elucida o desvelamento dessa anterioridade:
“‘Eu te odeio’, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. ‘Eu te odeio’,
disse muito apressada”. Daí pressupõe-se que a protagonista foi rejeitada.
Na chegada ao Zoológico, em frente à jaula, ela vê os leões acarinhando-se. Isto a deixa
profundamente revoltada, afinal o que ela busca é somente o ódio (isotopia para selvageria,
para a animalização), no entanto, o que encontra imediatamente é o amor (representado pelo
afeto) entre o leão e leoa. Ela desvia os olhos e tem os punhos nos bolsos.
Em seguida, ela se direciona para a girafa. A personagem a observa por um tempo e desvia os
olhos novamente. Ela se sente doente por não encontrar “o ponto pior de sua doença, o ponto
mais doente, o ponto de ódio” dentro de si mesma.
Ela saiu a procurar outros animais em prol de aprender com eles o que é ódio. E encontra o
hipopótamo, quieto. Assim como ele é mudo, ela se mantém muda ante a carne que “não sabe
pensar” e se afasta.
Enquanto aperta os punhos nos bolsos, observa os macacos, estes agitados, empoleirados,
uma macaca dá de mamar ao filhote, num ímpeto de mata-los a tiros devido à leveza feliz que
eles transmitem, à nudez. Um dos macacos a olha, segurando nas grades, tinha o peito pelado
e os braços abertos. A mulher desvia os olhos, pois vê um sentimento que não é o ódio.
Diante disso, implora: “Deus me ensine somente a odiar”, visto que, ela não quer sentir nada
além do ódio. Tal sentimento é tão notório, que seu corpo reflete a ira ao fechar seus punhos
no bolso do casaco, assim como, ao apertar os dentes até o maxilar doer.
Continuando a descrição percursiva da protagonista, observa-se que ela anda entre mães e
crianças até chegar próximo ao elefante. Diferentemente dela, o elefante “suporta o próprio
peso” (p.2), assim, o animal mais pesado do zoológico é mais leve que a mulher, pois esta
carrega consigo caça pelo ódio.
A próxima experimentação gira em torno do camelo; tal animal é descrito “[...] em trapos,
corcunda, mastigando a si próprio, entregue ao processo de conhecer a comida” (p.2). A
mulher revela não comer há dois dias, nota-se, aqui, mais uma comparação entre ela e um
animal, pois enquanto o ruminante está no processo de conhecer a comida, ela está com o
estômago vazio.
Distancia-se dos animais, rumo ao parque de diversão do Zoológico, com o intuito de ter sua
própria violência sozinha. A protagonista espera na fila da montanha-russa, composta por
casais de namorados, até sentar-se – separada de todos como numa igreja – no banco e olhar o
chão. Ela desvia os olhos, sentindo-se atraída pelo verde das ervas entre os trilhos, a brisa
passa-lhe pelos cabelos e ela estremece. Neste ponto, ocorre o que o leitor entende pela queda
livre do brinquedo, “vôo de vísceras”, “o banco a precipitava no nada”. O corpo da mulher se
torna mecânico, como o próprio maquinário, que é feito para diversão, o corpo se torna
“alegre”, agitado pela adrenalina. A protagonista enquanto se ressente por ser surpreendida
por essa euforia, é perplexa pelo grito das namoradas e ao mesmo tempo, sente-se exposta. O
carrinho refaz uma descida “a alegria de um novo mergulho no ar, insultando-a com um
pontapé”, o corpo da mulher se sacode no ar junto ao balanço.
Assim o trem para. Ainda sentada no banco, pálida, a mulher sente-se expulsa de uma igreja,
quase como se a parada bruta e olha o chão. Recuperando a postura ajeita a saia, mas evita
olhar para as pessoas. Nisto, a protagonista está arrependida, de maneira que é feito no
parágrafo a revelação de um acontecimento passado, em que ela deixara sua bolsa cair na rua
e todas as coisas foram espalhadas pelo chão. Essa ideia remete à exposição dela e os objetos
revelados “pó-de-arroz, recibo, caneta-tinteiro” à preocupação dela em sua intimidade ser
vista pelas outras pessoas. Só então ela se levanta do banco. Ela ajeita novamente a saia. Após
divagar, com as esperanças ainda mais diminuídas, ela recomeça a andar em direção aos
bichos.
A montanha-russa a tinha deixado cambaleante, ainda mais exausta do que estava, então ela
se apoia na grade de uma jaula. O quati a olha de dentro da jaula e ela a olha de volta. A
mulher desvia os olhos desse animal também, pois o acha ingênuo, como uma criança, e não
poderia odiá-lo. Ela aperta o rosto entre as grades e geme, depois novamente. Nesse ínterim,
ela sente a necessidade da vontade de matar crescente, implorante. Ainda não era o ódio que
ela buscava, aliás, buscava esse ódio por não saber odiar, por apenas perdoar. Ela dá um
gemido áspero e curto, o quati sobressalta-se e olha em volta, se encolhendo ao perceber que
ninguém a vê realmente, uma criança passa por ela correndo e não a percebe.
Ela volta a andar. Com os punhos de volta aos bolsos, fortificados, sentindo-se pequena. Ela
começa a andar muito depressa, quase correndo, como se tivesse encontrado um destino e ao
mesmo tempo, como se estivesse fugindo de algo. Nessa parte, percebe-se como ela é fraca,
frágil, declara-se “que não passava de uma delicada”. Os sapatos lhe doem, quer tirá-los, mas
o chão também é amor, então geme e para diante das barras de um cercado, ela encosta a testa
no ferro frio. Com os olhos bem fechados, ela tenta enterrar a cara entre as grades numa
necessidade que é comparada à do macaco filhote em relação ao peito da macaca. Ela sente
conforto pela resistência do metal.
Ela em seguida abre os olhos. Numa respiração calma, é dito que ela “recomeçou a enxergar”,
“as formas se solidificando”. Ela ergue a cabeça para as árvores e para o céu, vendo as nuvens
brancas que passam. Ela já está sem esperanças à essa altura. Ouve o som do riacho. Ela
abaixa a cabeça e ficou olhando o búfalo de longe. Ela apenas respirava, e esse ato soa mais
como um suspiro do que simplesmente respirar.
A brisa mexe-lhe os cabelos da testa suada. Ela observa o terreno em que o búfalo se
encontra. O búfalo é negro e fica imóvel inicialmente, depois passeia. ele anda devagar.
Então, se dá uma repetição de “búfalo negro”, enfatizando o fato. E logo após, “Tão preto
[...]”.
A mulher ouve o silêncio no fim de tarde.
Ela vê e ouve os passos vagarosos do búfalo, a poeira e os cascos. De longe, o animal a olha
um instante, e, no próximo, a mulher somente viu o corpo dele. Pensa que é obra de sua
imaginação que ele a tenha olhado. Porque os contornos dele se confundiam com a cor negra,
ela não tinha certeza; mas novamente ele pareceu tê-la visto ou sentido. Ela endireita um
pouco a cabeça, recuou-a em desconfiança. Ela esperou, imóvel.
Mais uma vez o búfalo pareceu percebê-la. E ela desviou subitamente o rosto e olhou uma
árvore diante a sensação. Seu coração não batia no peito, mas entre os estômagos e os
intestinos. O búfalo deu outra volta. Ela aperta os dentes, o rosto dói um pouco.
Ela suspira devagar assistindo-o. Ela divaga, até que novos passos do búfalo a acordam, ela
suspirando. Ela de pé, estava débil, sentindo-se perdida e olha o búfalo.
Parece que o búfalo estava maior. “Ah” ela diz com dor. O búfalo agora está de costas para
ela, sem se mover. O rosto dela está esbranquiçado. Ela o provoca com um “Ah” e repete
“Ah”. Ela está toda branca, sem cor, o rosto emagrecido, cheio de adoração ao animal. “Ah”
instigou com os dentes apertados. E o búfalo não a responde.
Ela apanha uma pedra no chão e joga para dentro do cercado. Ele não se move ainda assim.
“Ah”, continuou ela, sacudindo as barras. “Ah”, diz ela mais uma vez. Essa última vez por
causa da rejeição, representada pelo “primeiro fio de sangue negro”, o ódio que ela viera
buscar sendo desvelado pela atitude de notar do búfalo e ignorar.
Ela fica parada, sentindo-se desprezada. Ao mesmo tempo em que ela continua endurecida em
continuar sua missão, uma alegria a preenche.
O búfalo finalmente se volta para ela. Ele para e encara.
“Eu te amo”, disse ela com ódio para o homem que não a queria. “Eu te odeio”, disse pedindo
amor ao búfalo.
O búfalo começa então a se aproximar sem pressa. A poeira erguia-se. E ela esperava de
braços pendidos. Ela não recua à aproximação. Ele chega até as grades e para. Em vez de
olhá-lo, eles olham-se diretamente nos olhos. Ela fica dormente, mesmo de pé. Percebe os
olhos pequenos e vermelhos e surpreendendo-se, meneava a cabeça com espanto, pois ele a
olhava com ódio. Ela meneava a cabeça incrédula, a boca entreaberta, sentindo-se inocentada.
Ela o olha tão profundamente que não consegue desviar os olhos. “Presa como se sua mão
tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara.” Por fim, ela escorrega pelas
grades, em vertigem, e antes de seu corpo cair ao chão ela vê “o céu inteiro e um búfalo”.

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