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O Homem ao Cubo

Leon Eliachar

Edição integral
CIRCULO DO LIVRO
Desenhos do autor
Digitalizador: desconhecido
Formatado por: SusanaCap
www.portaldetonando.com.br/forumnovo
Este livro deve ser lido desde o início.

NÃO CONTE O FINAL A NINGUÉM

NINGUÉM DEVOLVE NADA,

SE QUISER EMPRESTAR, EMPRESTE.

O RISCO É SEU.

Assinatura do autor, caprichada, para ganhar tempo


nas noites de autógrafos.
Necrológio

O meu quem faz sou eu, que não sou bobo. Detesto
a pressa dos jornalistas que querem fechar a página do
jornal de qualquer maneira e acabam enchendo o espaço
com os lugares-comuns do sentimentalismo. Nada de
"coitadinho, era um bom rapaz" nem de "era tão moço",
porque há muito deixei de ser um bom rapaz e nem sou
tão moço assim. Quero que o meu necrológio seja
sincero, porque de nada me valerá a vaidade depois de
eu morrer — a não ser a vaidade de estar morto. Fui
mau filho, mas isso não quer dizer que meus pais
fossem melhores filhos que eu — se fosse eu o pai. Não
fui mau marido e acredito que seja porque não tive
chance de ser, vontade não me faltou. Nunca roubei,
nunca menti: esses os meus piores defeitos. Minha
grande qualidade era ter todos os outros defeitos. Fui
egoísta toda vida, como todo mundo, mas nunca revelei
nada a ninguém, como todo mundo. Passei a vida
tentando fazer os outros rirem de si mesmos: é possível
que agora riam de mim. Fui valente e fui covarde, só tive
medo de mim mesmo, o que prova a minha valentia.
Nunca amei ao próximo como a mim mesmo, em
compensação nunca ninguém me amou como eu mes-
mo. Tive milhões de complexos e venci-os todos, um por
um, com exceção do complexo de morrer: esse morre
comigo. Nunca dei nem tomei nada de ninguém, mas
faço questão de deixar tudo o que tenho para os que têm
menos do que eu. Nunca cobicei a mulher do próximo:
só a do afastado. Jamais entendi perfeitamente o que
eram o "bem" e o "mal", embora a maioria das pessoas
me achasse um homem de bem e este era o mal. Defendi
a minha vida como pude, mas nunca arrisquei a vida
para defendê-la. Nunca me preocupei com dinheiro, pois
sempre tive pouco. Acreditei mais nos inimigos do que
nos amigos, porque os amigos nem sempre se
preocupam com a gente. Jamais tive um segredo, passei
todos adiante. Conquistei muitas mulheres, algumas
com os olhos, outras com os lábios e outras com o
braço. Tive pavor dos médicos, porque eles sempre
descobrem as doenças que a gente nem sabia que tinha
há tanto tempo. Me orgulho de ter vivido oitenta anos
em apenas quarenta: finalmente me livrei dessa maldita
insônia.

***

Às mulheres,

em geral,

que muito me

ajudaram —

não dando
palpites
NÃO existe coisa mais deprimente do que a mentira —
isto é uma verdade.

NÃO existe coisa mais chocante do que a verdade — isto


é uma mentira.

***

TOMO I

a profissão ideal

Muito estranha é a vida dos homens. Os coveiros


passam a maior parte do tempo mergulhados na terra,
os homens-rãs no fundo do mar, os aviadores flutuando
no espaço, os trapezistas dando cambalhotas no ar, os
cabineiros trancados em suas cabines, todos eles
subindo e descendo e ouvindo números. Todo homem
tem uma profissão. Em criança quer ser uma coisa e
quando cresce acaba sendo outra. A gente se mata pra
viver ou vive pra se matar? Você aí, confesse no meu
ouvido: está mesmo satisfeito com o seu trabalho? Quem
pode me garantir que o dentista vive feliz, empunhando
a sua broca das oito da manhã às oito da noite, vendo
desfilar um punhado de dentes, quase todos furados e
estragados? E o advogado, que tenta equacionar na
justiça o drama dos seus clientes e fica sem tempo pra
cuidar do seu próprio? E o médico, que receita remédios
pra tomar antes ou depois das refeições justamente pra
garantir as suas? E o bombeiro, que enfrenta o fogo real
com uma água fictícia? E a menina-moça que fica
posando o seu sorriso de anúncio e não consegue
esconder a tristeza dos olhos? E o ator, que fica en-
saiando dia e noite um papel que no dia da estréia lhe é
ditado pelo ponto? E o ponto, coitado, que passa as
noites metido num buraco? E o crítico de arte, que é
obrigado a ver as coisas com a disposição prévia de não
gostar? E o mecânico, que vive deitado debaixo dos
automóveis pra ver se um dia consegue deitar em cima?
E o violinista da orquestra, que chega em casa com a
mão dolorida trazendo uma pequena percentagem dos
aplausos? E o maestro, que vive de costas para o
público e não tem chance de ser fotografado de frente? E
o gari, que sai a passeio todas as manhãs com uma
vassoura debaixo do braço? E a babá, que pra namorar
precisa de um bebezinho como pretexto? E o parteiro,
que nunca tem o prazer de tirar o telefone do gancho? E
a telefonista, que chega em casa resmungando
números? E o açougueiro, que só tem prazer mesmo na
hora do banho? E os presidentes, que só abrem o jornal
pra ler denúncias e acusações à sua pessoa? E o
jornaleiro, que é obrigado a vender notícias em dias de
chuva? E o vendedor de guarda-chuva, que passa o dia
torcendo pelo mau tempo? E o public-relations, que
almoça e janta de oito a dez vezes por dia? E o tabelião,
que não consegue conversar espontaneamente neste mil
novecentos e lá vai fumaça do nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo? Por favor, amigos, não me digam
de novo que a pior profissão é a de humorista: me
deixem viver como eu penso que quero, embora em
criança nunca sonhasse que só seria engraçadinho
quando ficasse grande. Hoje é exatamente o que quero
ser, quando crescer.
TOMO II

o n ze h i s to ri n h a s s em
compromisso

Garantia
A mulher virou para o lado, cobriu a cabeça com o
travesseiro e falou, com a voz sufocada:

— Desliga esse rádio, Élcio. Já é meia-noite e você


precisa ir embora.

Élcio nem dava bola. As palavras agora não eram


tão importantes quanto os números. Aumentou o
volume do rádio e falou:

— Só mais uma urna.

A mulher sentou-se na cama, indignada:

— Só quero ver a sua cara, quando o meu marido


chegar.

Élcio sorriu:

— E quem é que você pensa que estou ouvindo no


rádio, meu bem?

Papel duplo
Isabela era atriz de teatro, ia para o ensaio:
— Por que não vem comigo, amor?

Nelson, seu noivo, foi positivo:

— O último ensaio que vi, você estava muito


entusiasmada, beijando aquele calhorda.

— Arte é arte, meu bem.

— Você está muito enganada. A arte tem limite.

— Discordo. A arte não tem limite.

— Mas a minha paciência tem.

— Deixa de ser bobo, você não confia em mim?

— Confio, não confio é nele.

— Você parece que nem conhece gente de teatro.


Noventa e nove por cento não é de nada.

— E como é que posso saber que o sujeito que você


beija não é o 1 por cento?

— Porque estou lhe dizendo que ele não é de nada.


Isabela foi, Nelson ficou. Meia hora depois, ele não
resistiu, ligou para o teatro:

— Por obséquio, a Isabela pode atender?

— Quem?

— Aquela moça que é beijada o tempo todo.

— Escuta, meu chapa: em cena ou fora de cena?

— Em cena, é claro!

— Então não sei quem é.


Surpresa
Zoroni era mágico há dezoito anos, há dois meses
estava sem emprego. Sua mulher não se conformava:

— E agora, de que adiantam os seus truques?


Quero ver é você tirar o bife da cartola. De conversa já
ando cheia.

Uma noite, ele chegou em casa e teve a surpresa: a


mesa estava posta, com os melhores pratos que pudesse
pensar. Aparelho de jantar inglês, faqueiro de vermeil
francês, cristais tchecos e toalhas de cambraia bordadas
em Portugal. Ficou intrigado, mas não disse palavra.
Comeu o que pôde, acendeu um cigarro, esparramou-se
no diva, pensativo. Quando a mulher lhe perguntou por
que estava tão triste, aproveitou :

— Nada, não. É que arranjei hoje um emprego de


faquir.

E ela:

— E isso é tão trágico assim?

— Trágico, não, humilhante. O mágico sou eu, mas


quem faz a mágica é você.

Quem te viu e quem tevê


Sempre que ligava a televisão, Heloísa não resistia:

— Um dia, ainda serei garota-propaganda.

Dito e feito. Tanto insistiu que acabou arranjando


um teste. Passou em todas as provas, de imagem, de
som, de dicção, de interpretação, de arte dramática, de
cinismo, de paciência, de irritação, de embaraço, de falta
de jeito, de sorriso parado, de gritinhos sexy, de apontar
o dedo na cara, e até no "teste do jantar", que é o mais
difícil — pois teve de jantar com o patrocinador. Um mês
depois, começou a abraçar geladeiras, eletrolas, fogões,
máquinas de lavar, como se estivesse abraçando o
próprio patrocinador. Em casa, coitadinha, estava
impossível:

— Sabe, mamãe, arranjei um noivo que é ó-ó-ótimo!


A mãe delirava de alegria, achava a sua filha um en-
canto de moça. E ela não saía disso:

— Um noivo que é uma ma-ra-vi-lha!

E de adjetivo em adjetivo, foi comprando tudo:


casa, automóvel, sítio, jóias, cachorrinho, peles, um ver-
da-dei-ro-es-tou-ro! Em sua casa, ninguém mais
trabalhava: família com patrocínio é fogo.

Tempo instável
Todos os dias de manhã, Eugênia vestia o short,
pegava a barraca, despedia-se do marido e dizia que ia
para a praia. Apesar da chuva, o marido não dava muita
importância, pois não queria desmoralizar o seu
emprego: trabalhava no Serviço de Meteorologia. Na
véspera, Eugênia perguntava:

— Amanhã vai chover?

— Claro que não.

Não dava outra coisa. Às vezes, ele tentava sair pela


tangente:

— Tempo instável, sujeito a chuvas.

Essa não. Ela queria saber, no duro, e quando ele


afirmava, dava sempre o contrário. Era discussão em
cima de discussão. Até que um dia, ele resolveu ir à
forra. Quando ela chegou na sala de short e barraca em
punho, ele apontou a chuva na vidraça:

— Hoje não sai, não senhora, que a culpa do mau


tempo não é minha. Pedi demissão ontem, olha aqui o
papel assinado pelo chefe.

Quando acabou de falar, apareceu o maior sol na


janela.

Desafio
Valentim era pintor de nus artísticos. Sua mulher
costumava dizer:

— Tantos anos na Escola de Belas-Artes, pra no fim


dar nisso. Isso é lá profissão de gente?

Valentim respondia:

— O que você tem é ciúme, Margarida. Um dia, ela


foi agressiva:

— É muita falta de imaginação de sua parte,


Valentim. Só consegue ver mulher nua com um pincel
na mão.

Ele deu um riso de piedade:

— O ciúme transtornou você, Margarida. Ela se


queimou:

— Ciumento é você, quer apostar? Ele não recuou:

— Quero.

— Então me pinte nua, agorinha mesmo, e depois


ponha o quadro numa exposição.

— Feito.
Ela tirou a roupa, ele espalhou as tintas. Dois
meses depois, o quadro ganhou medalha de ouro numa
exposição abstracionista.

A janela
Gracinda só gostava de dormir com a janela
fechada. Seu marido, João, só gostava de dormir com a
janela aberta. Moravam no térreo, o que vem provar a
teoria de que os últimos serão os primeiros, pois no
mundo de hoje começa-se a morar de cima para baixo —
por causa das cascas de banana que costumam jogar lá
do alto. Mas isso não vem ao caso, o que importa é que
quando apagavam as luzes para deitar, Gracinda e João
mantinham sempre o mesmo diálogo:

— Estou com frio, João.

— Estou com calor, Gracinda.

Ninguém dormia. Um esperava o outro cochilar,


levantava de mansinho e ia até a janela pra colocá-la a
seu gosto. O outro levantava depois e fazia o contrário.
Depois das quatro é que dormiam de cansaço, às vezes
com a janela aberta, às vezes fechada. Só de manhã
cedo é que conferiam pra ver quem ganhou a parada.
Nesta noite, a cena se repetiu, como num vídeo tape.
Gracinda falou sem sair debaixo do lençol, com a voz
sonolenta:

— Fecha a janela, João.

Um vulto saiu por detrás das cortinas:

— João, não, Pedro.

No dia seguinte, deram por falta das jóias.


Cartas na mesa
Quando o ônibus parou, Dorotéia viu um anúncio
de cartomante. Saltou depressa, decidiu arriscar a sorte.
No velho casarão, com móveis antigos, uma senhora
idosa espalhou as cartas em sua frente:

— Vejo um louro em sua vida.

Dorotéia se arrepiou, dentro dos seus quarenta e


seis anos,

— Um louro alto e forte? E a cartomante, sinistra:

— Um louro baixo e fraco. Um papagaio.

O quarto
Quando Gertrudes ligou pra saber do quarto de
frente para o mar, não esqueceu da exigência do
locador: "para pessoa de fino trato".

— Por obséquio, cavalheiro, foi daí que colocaram


um anúncio muito bem redigido, procurando uma
pessoa para co-habitar com a sua distinta família?

— Em primeiro lugar, minha senhora, não tenho


família, em segundo, não botei nenhum anúncio no
jornal, em terceiro, isto aqui é um supermercado e tenho
muito que fazer e vê se não amola.

Desligaram. Gertrudes tentou de novo, veio a


mesma voz e a mesma resposta. Tentou diversas vezes, o
sujeito já estava engrossando. Olhou o anúncio com
cuidado, conferiu o número, a mesma voz sem
educação. Gertrudes perdeu a paciência, acabou
perdendo também o "fino trato", discou pela última vez:

— Olha aqui, seu cafajeste. Sei que o senhor não


tem família, sei que o senhor não quer alugar um
quarto, sei que aí é um supermercado. Mas presta
atenção, seu imbecil, de outra vez que botar um anúncio
no jornal vê se põe o telefone direito, ouviu?

E desligou, aliviada.

Acidente
Leocádia era dessas que tinham verdadeira
alucinação por lingerie. Pra ela, o mais importante na
linha da elegância era a roupa de baixo. Todos os dias,
chegava em casa, abria os embrulhos na frente do
marido, exibia calcinhas com bordadinhos e rendinhas
de todas as cores e de todas as qualidades de tecidos. O
marido não entendia:

— De que adianta tudo isso, se ninguém vê? Ela


sorria, orgulhosa:

— É o que você pensa. Pode dar um ventinho na


rua, sabe lá?

Um dia ele estava no escritório, quando o


chamaram ao telefone. Era do Hospital dos Acidentados,
pra lhe comunicar que a sua mulher havia sofrido um
desastre. Correu pra lá e assim que fez a descrição da
mulher, um enfermeiro disse pro outro:

— Ei, você aí. Leve este senhor naquele quarto.


Está procurando aquela senhora sem calça.

Teve um troço, foi medicado ali mesmo. Duas


semanas depois de Leocádia ter alta, ele continuou no
hospital, em convalescença.

Amnésia
Zora chegou em casa tarde da noite, encontrou a
porta encostada, foi diretamente para o quarto. Mudou
de roupa no escuro, pra não acordar o marido, deitou ao
seu lado. Quando percebeu que ele estava acordado, foi
falando:

— Você me desculpe, Henrique, mas é que estou


com amnésia profunda. Não me lembro de nada, perco a
memória temporariamente e quando a recupero, não
tenho a menor idéia do que se passou. Hoje peguei um
ônibus pra vir pra casa, mas devo ter ido parar muito
longe, não sei nem como explicar. Se você me perguntar
como foi, não sei dizer.

A luz se acendeu e Zora pôde ver um homem nu ao


seu lado exclamar:

— E agora, já recuperou a memória? Zora ficou


perplexa, quase muda de emoção:

— Claro que já. E ele:

— Então pode ver facilmente que não me chamo


Henrique, não sou seu marido e a senhora
provavelmente deve ter entrado no apartamento errado.

Zora desmaiou. Dessa, nunca mais ela ia esquecer.

TOMO III

a mulher em flagran te

A MULHER FOI O SEGUNDO HOMEM QUE DEUS FEZ


— PASSADO A LIMPO.
Isto sim, é um círculo vicioso: onde começa a
mulher, aí acaba o homem.

Mulher que mente perde 90 por cento. Só não perde


100, porque não existe mulher 100 por cento.

Viúva honesta é aquela que só procura um homem


depois que o seu marido morre.

A estatística não falha: para cada homem solteiro


há sempre uma mulher casada.

Certas mulheres, depois que jogam o cigarro fora


esquecem de jogar a pose.

Mulher é como telefone, a gente sempre consegue


uma extensão.

Dizem que a mulher tem o sexto sentido. É pouco:


tem o sétimo, o oitavo, o nono, o décimo, até o terraço.

O futuro das mulheres está guardado nas


cartomantes. Mais dia, menos dia, elas irão buscá-lo.

A vaidade é a bússola da mulher. Ela se desorienta


por ela.

Segredo de mulher entra por um ouvido e sai pelo


outro, de outra mulher.

As mulheres são sempre muito queridas. Umas,


quando chegam, outras, quando partem.

Eis a mulher ideal: bonita, silenciosa,


aerodinâmica, rápida e macia. Infelizmente, esses
requisitos só existem em anúncios de automóvel.

É nas compras que a mulher revela a capacidade


do seu marido em gastar mais do que ele ganha.
Quando está amando a mulher perde todos os
assuntos. Fica só com esse.

Chama-se de solidariedade feminina o fato de duas


mulheres partilharem do mesmo homem sem dizer nada
uma à outra.

É na balança que a mulher toma as maiores


decisões de sua vida. Depende do ponteiro.

Toda vez que a mulher diz "adeus" ouça-se "até


breve".

A sensação que dá uma mulher com brincos muito


caros é que ela vive pendurada neles.

As mulheres se dividem em dois grupos: as que são


a favor dos homens e as que são dos homens por favor.

A mulher esconde o seu diário e fica torcendo para


que todo mundo o leia escondido.

Mulher adora discussão, mesmo que não saiba o


que está discutindo.

Não há a menor dúvida que algumas vezes uma


mulher concorda com a outra. É quando ambas
descobrem.

Mulher não tem alternativa: passa a metade da vida


sonhando com o "enfim sós" e a outra metade evitando o
"enfim só".

Quando o telefone toca, a mulher pensa uma coisa,


quando atende pensa outra e quando desliga pensa uma
porção.

Certas mulheres são semelhantes a um estepe de


automóvel: nasceram pra ser substituídas — enquanto a
outra fica no conserto.

Espirro de mulher é uma espécie de comercial que


anuncia a sua próxima atração: a gripe.

A mulher nunca deixa para amanhã o que não pode


fazer hoje.

Mulher que se aprofunda demais num assunto


nunca mais vem à tona.

Quando a mulher acaba de entrar numa vaga com


o seu carro é que verifica que o da frente e o de trás já
saíram.

Mulher só consulta o relógio para ver quem está


atrasando mais, se o relógio ou ela.

Existem mulheres telegráficas: chegam tarde, falam


pouco e tudo truncado. E na maioria das vezes se
extraviam.

Mulher nova é como carro novo: nos primeiros mil


quilômetros é preciso amaciar.

A mulher tem a capacidade de condensar todo o


seu drama dentro de uma lágrima. Aí começa o drama
do homem.

Algumas mulheres são fiéis demais. Contam tudo.

Algumas mulheres são tão ingênuas que chegam


até a confessar isso.

É um erro dizer que todo ano surgem novas safras


de brotos. O certo mesmo é novas cifras.

Algumas mulheres são contra o biquíni. Elas sabem


que o biquíni também é contra elas.
A lógica da mulher não é compreendida nem por
outra mulher.

Quando apaga a luz a mulher tem um encontro


consigo mesma. Salvo exceções.

A mulher só se arrepende daquilo que ela não pode


fazer de novo.

Dize-me o teu perfume e te direi quem te deu.

A mulher se veste na proporção inversa da


velocidade com que se despe.

Uma mulher curiosa nunca faz perguntas a outra


mulher. Senão interrompe.

Num grupo de mulheres a falta de assunto é


sempre o homem.

A mulher discreta é justamente a que mais chama


atenção.

As mulheres de hoje são as mesmíssimas de ontem.


Só que muito mais velhas.

Homem algum põe a mão no fogo por uma mulher.


As mulheres costumam ''atear fogo às vestes" pelo
homem.

Mulher volúvel é a que tem porta giratória no


coração: sai um, entra outro.

Quando se casa, a mulher coloca o marido dentro


da aliança.

A eterna intuição feminina! Ela, a outra e a amiga


da outra: as três sabem que existe mais uma.

Existem dois tipos de mulher: essa e a outra. Mas


qualquer delas está arriscada a ser a outra.

A imaginação da mulher não tem freios, por isso ela


sempre chega aonde não quer.

Mulher que se preza não mente. Inventa verdades.

Fantástico! As mulheres conseguem falar meia hora


em apenas dez minutos.

Há mulheres que são verdadeiras sociedades


anônimas: ninguém sabe qual é o maior acionista.

Quando duas mulheres chegam a um acordo, aí


começa a discussão.

Existem mulheres pontuais, mas com essas


ninguém marca encontro.

Uma mulher apaixonada espera um telefonema


durante dez minutos até o dia seguinte.

Compreendo que lá uma vez ou outra as mulheres


tenham vontade de dar uma fugidinha. Mas que diabo,
por que voltam?

Faça as contas e tire a conclusão: de cada dez


mulheres, três têm ciúme doentio do marido, três são
ligeiramente desconfiadas, três se separam por motivos
fúteis e duas vivem perfeitamente felizes.

Quando a mulher bebe muito quem dá o vexame é


o marido.

Mulher nunca bate papo. Contracena.

Quando a mulher pensa que tem razão — perde


completamente a razão.

Mulher inflacionária é a que consegue gastar


exatamente a metade do que o seu marido ganha.

Aos dezoito anos a mulher pensa que só ela existe.


Aos quarenta, começa a desconfiar que não é a única.

A mulher tem verdadeiro pavor da solidão.


Principalmente da do seu marido.

Em determinados dias do ano os maridos têm


oportunidade de conhecer melhor a sua mulher.
Geralmente é nos dias 30 de cada mês.

Antes de casar, a mulher esquece tudo. Depois, que


memória!

Mulher compreensiva não existe. O que existe é


mulher que finge que não vê.

Uma mulher realizada é a que pensa que conseguiu


realizar um homem.

Eis dois tipos de mulher perigosa: a que fala demais


e a que fala de menos.

A mulher persegue o homem até ele alcançá-la.

A mulher mais cara é a cara-metade, que


geralmente custa o dobro.

A mulher passa anos escolhendo um noivo, no fim


arranja mesmo é um marido.

Muitas mulheres vivem presas demais às etiquetas,


principalmente às dos vestidos.

É no retrato da carteira de identidade onde a


mulher menos pode ser identificada.

Vá lá, esse crédito a mulher merece: ela sabe ser


paciente até a hora de descarregar a pistola na cara do
marido infiel.

Existe um ângulo que favorece qualquer mulher. É


atrás de uma fechadura.

Que desculpa as mulheres dão aos maridos quando


estes chegam cedo em casa?

Mulher nunca tem pressa, a qualquer hora que


chega, alguém está esperando. Se não é na ida, é na
volta.

Só a mulher consegue essa proeza: receber a


mesada de quinze em quinze dias.

Quando a mulher passa na rua, ninguém é capaz


de adivinhar para onde ela vai. Nem ela.

Mulher apaixonada só pensa em duas coisas, no


seu futuro e no passado dele.

O tamanho da bolsa faz a mulher diminuir ou


aumentar o seu próprio tamanho.

Grande invenção, as gêmeas! Dia sim, dia não, uma


descansa.

Uma mulher bonita às vezes custa os olhos da cara.


Experimente mexer com uma que esteja acompanhada.

O primeiro compromisso do homem com a mulher


ocasiona a dúvida. O segundo, a dívida.

Mulher viciada é a que se casa com separação de


fichas. O lado interior das mulheres vem por fora.

É no altar que a mulher diz o único "sim"


convincente de sua vida.

Mulher feia vale por duas. O marido sempre arranja


outra.

A solidariedade é a forte característica da mulher.


Ela é incapaz de falar mal de uma amiga se já houver
outra falando.

Para a mulher, a maior conquista da arte


fotográfica foi o retoque.

Quando a mulher vai com o marido comprar uma


casa, o mais importante é a cozinha. Depois que compra
é a cozinheira.

Mulher eficiente, compreensiva, meiga e resignada


mora sempre no mesmo lugar: letra de samba.

O que mais se nota na mulher é o esforço que ela


faz pra parecer indiferente.

Quando a mulher decide afirmar a sua


personalidade, aí começa o show.

Mulher ao volante: quando freia pra não bater no


carro da frente, bate no de trás.

Ao receber flores, a mulher não se importa muito de


quem sejam: primeiro coloca na jarra, depois lê o cartão.

Quando a mulher diz "sim" a um homem é porque


está mentindo para ele. Quando diz "não", está
mentindo para ela.

Não existe nada mais divertido do que uma mulher


de quarenta anos, no dia do seu 28.° aniversário.

Este é o itinerário comum: primeiro, a mulher


desconfia, depois finge que não vê, depois finge que
compreende. Daí pra frente a vida do homem é um
inferno.
A mulher nunca fica indecisa entre dois homens.
Ela quer mesmo os dois.

Da dúvida para a certeza, a mulher troca apenas de


cartas: sai da cartomante e apela para a carta anônima.

É nas entrelinhas dos jornais que o homem toma


conhecimento de todos os problemas domésticos. Entre
uma linha e outra, sua mulher está falando.

Milagres a mulher sabe fazer: consegue calçar um


sapato menor que o seu pé e entrar numa cinta que é a
metade do seu corpo.

Mulher alguma prega botões na camisa do marido.


Deposita.

A mulher que dá muita liberdade ao homem sabe o


que está fazendo. Ela, não ele.

De manhã cedo, o espelho é o confidente sincero da


mulher. De noite, um hipócrita que se deixa subornar
pela sua maquilagem.

No cabeleireiro a mulher gasta três horas de sua


paciência e quando chega em casa começa a gastar a do
marido.

No dia em que as mulheres aprenderem a sentar, lá


se vai um dos mais belos espetáculos da vida.

Certas mulheres dizem que não três vezes. Outras


não chegam nem na segunda.

Existem dois tipos de mulher: as compreensivas e


as que não sabem de nada.

Quando recebe flores, a mulher pensa em duas


coisas: em quem mandou e em quem deveria mandar.
Mulher não tem alternativa: se não desconfia do
marido, desconfia de si mesma.

Mulher ingênua é a que durante muitos anos


pensou que fosse ingênua.

A prova de fogo pra saber se uma mulher é


encabulada é quando se encontra diante de um prato de
azeitonas.

Toda mulher tem dois princípios. Um deles é o fim.


Mulher perdoa tudo, menos não ser perdoada.

Quando se casa, a mulher assume dois


compromissos: um com ela mesma e outro com o
marido. Justiça se lhe faça, a metade ela cumpre.

Aos cinqüenta anos, a mulher completa


definitivamente dez anos de quarenta.

TOMO IV

c rô n i c a s ex - c ol h i da s

Crônica

de bons princípios
Li um livro de boas maneiras e confesso que a
maioria delas eu já tinha sem sequer saber se eram
boas, enquanto outras acho tão cretinas que não sei
como foram se meter no livro. Quem é que decide, afinal,
quais as boas ou más maneiras? Existem tantos "guias"
nesse sentido que nunca se sabe se as maneiras que um
ensina são as mesmas do outro. Isso pode causar
confusão, pois a gente pode tomar atitudes que leu
justamente pra pessoas que leram outras atitudes. Acho
que as maneiras, como o traje feminino, deviam ter
também a sua moda: em certas épocas do ano se usaria
agir assim, em outras assado. E haveria também os
lançadores de maneiras, franceses ou italianos, ou
mesmo nacionais, que passariam o tempo todo
esboçando os figurinos da conduta humana. Haveria
época em que seria chiquérrimo meter o dedo no nariz
na frente de todo mundo, mas o toque parisiense seria
meter o dedo mindinho, da linha francesa, já que a linha
italiana certamente indicaria o polegar. Haveria moda de
espancar a mulher na rua, ao invés de dentro de casa, e
todo sujeito "bem" deveria cometer no mínimo um crime
passional por ano. Empurrar mulheres vestidas para
dentro da piscina seria um passatempo muito snob,
enquanto espirrar dentro da sopa, dar nó nos
guardanapos, bocejar na cara dos outros e cuspir no
chão, poderiam ser hábitos elegantes. Tudo seria uma
questão de convenção — porque basta se convencionar
pra todo mundo se convencer. Um cavalheiro jamais
mandaria um ramo de flores para a sua amada:
mandaria uma bomba-relógio, que seria muito mais
divertido —- depois de estourada a bomba, ela ainda
ficaria com o relógio. A pontualidade seria apenas uma
questão de originalidade, quem quisesse esperar pelo
outro era só chegar na hora, hábito que muita gente usa
hoje em dia, por mero descuido. Uma campanha bem
orientada decidiria sobre as "boas maneiras" de cada
ano, pra evitar as dúvidas. Assim como está, as boas
maneiras se comparam à nossa ortografia: cada um
escreve como sabe e ninguém se entende. É muito
desconcertante fazer uma gentileza com "f" pra quem
ainda acredita no "ph".
Crônica

na base da insistência
Toca a campainha, sou obrigado a abrir a porta,
pois não tenho olho mágico e mesmo que tivesse não
acho que fosse tão mágico assim. Olho mágico seria
aquele que conseguisse dar sumiço em quem a gente
não quer receber, porque esses que existem o máximo
que conseguem é transformar um chato pequenino em
um chato enorme, quando a gente abre a porta. Porque
sempre abre mesmo e, com raras exceções, aparece um
vendedor "já falando". Aí é que está; assim que dei de
cara com ele, fui logo dizendo que não queria comprar
nada, ele insistiu, disse que se visse o mostruário ia
acabar querendo. Eu disse que não queria ver o
mostruário, ele disse que valia a pena ver, sem
compromisso. Eu disse que não queria ter nem o
compromisso de ver, ele disse que não custava nada,
que era de graça. Eu disse que não era de graça porque
estava perdendo meu tempo, ele disse que eu não estava
perdendo, porque poderia concorrer a prêmios
valiosíssimos. Eu disse que não queria concorrer a coisa
alguma, ele disse que eu poderia ganhar até um
automóvel ou um apartamento, fora uma porção de
brindes de consolação. Eu disse que ele estava sendo
muito insistente e que eu não estava disposto a me
deixar convencer, pois quanto mais ele insistisse mais
eu desistia. Ele quase que disse que quanto mais eu
desistisse, menos ele desistia..Tem certos caras que não
têm desconfiômetro: não sei mesmo como é que conse-
guem certos empregos — ou se conseguem certos
empregos por causa disso. Vontade que dá é de dar com
a porta na cara deles, mas eles contam com a educação
da gente achando muito lógico que a gente também
conte com a- chateação deles. Vai daí que o sujeito me
mostrou quatrocentos catálogos coloridos e acabou
ligando na tomada uma enceradeira elétrica "último
tipo". Foi então que aproveitei pra dar o gozo e lhe
mostrei que o piso da casa era todo forrado com tapete.
Foi o bastante pro sujeito me vender um aspirador de
pó. E agora, que faço com dois?

Crônica

imprópria pra 18
E daí? Estou com vontade de desabafar coisas e
ninguém tem nada com isso. Vou pensar em voz alta,
azar de quem escutar, porque estou mesmo com
intenção de chocar e causar impacto da opinião pública.
Quando eu era menino, sempre tive vontade de ser
dramaturgo, fui crescendo, crescendo, não sei se foi
sorte minha não ser, já que a única vantagem que se
tira disso é dizer o que se quer, mesmo que se ache que
o que se diz não é nada daquilo que se queria dizer. Eu
também digo e pronto. Por exemplo, acho que o enterro
é uma bobagem onde só devia comparecer o cadáver —
os outros querem fazer média com os parentes do
defunto, ninguém me convence do contrário. Conheço
muito morto que nunca foi procurado por ninguém,
enquanto era vivo, e nunca vai saber que uma porção de
gente que o evitava foi ao seu enterro. Verdade que se
aprende um monte de anedotas novas, mas não preciso
ir até o cemitério só por causa disso, basta procurar um
cara que tenha ido, que ele conta todas. Não sei se isso é
chocante, se não é, desculpem, porque a minha intenção
neste momento é de chocar mesmo. Se essa dose não foi
boa, aqui está outra: acho que toda mulher engana o
homem, nem que seja com o marido. Garanto que essa
vai dar o que falar, pelo menos aos maridos de hoje, que
casam cada vez mais e quanto mais casam ficam sendo
menos maridos — e quanto menos maridos, melhor pra
gente porque sobra mais mulher sem marido. Essa foi
um pouco complicada, não custa ler de novo pra
entender, mas essa outra é mais difícil ainda: o crime
passional é uma necessidade sexual. Não sei bem o que
quer dizer isso, mas quem estiver me lendo, na cadeia,
deve achar o máximo, dependendo naturalmente do
motivo por que está preso. E veja essa: o adultério não
existe — o marido é o primeiro a saber, antes de
acontecer, e o último, depois que acontece. Bárbaro, não
acha? Essa é melhor e mais audaciosa: o marido
enganado prorroga a sua dúvida até o momento em que
ninguém mais tem dúvida de que ele já sabe de tudo.
Pensa bem: a hipocrisia é a melhor arma pra se vencer
na vida, mesmo quando se descobre que a pessoa é
hipócrita, porque a hipocrisia dos outros jamais deixará
transparecer que se descobriu alguma coisa. E agora
vou entrar de sola: o maior crime é matar um
desconhecido, na guerra. Muito mais justificável que se
mate um conhecido, na rua, ao menos se sabe por que
se mata. Gostou? Mas vá lá o Código Penal entender
dessas nuances, me conta. Dos suicídios, o mais
prático, o mais eficiente e o mais delicioso é ser pego em
flagrante por um marido ciumento — vai dizer que não
é. Amigo, se você não se chocou até agora é porque tem
menos de dezoito anos. Desisto. Leia esta crônica em voz
alta, pra sua irmãzinha menor, na frente do papai.
Chegou a hora de mostrar que é um rapazinho arejado:
peito é peito, irmão. E você, menina, que é que está
fazendo aí? Arranque depressa esta crônica senão a
mamãe te toma o livro — pra ler escondida no banheiro.

Crônica

anti-social
Casou um amigo meu e não fui cumprimentá-lo,
acho que sou anti-social. Não vou a casamento de
inimigo, muito menos de amigo. Confesso que me dá
pena ver aquele sorriso forçado, nos lábios do noivo,
como quem se justificado seu ato e.. quer mostrar que
está feliz. A fisionomia da noiva, esta sim, não engana
ninguém. Sua intranqüilidade desaparece totalmente no
dia do casamento: é aí, justamente, onde começa a dele.
Mas de uma vez por todas, ambos ficam livres da
pergunta: "quando é o casório?" Não sei por que existe
essa pseudopreocupação dos casados com os solteiros.
Me parece que querem uma forra, já que eles casaram —
que todo mundo case pra ver só como é bom. Não gosto
de admitir meus amigos metidos num fraque, durinhos,
de dedinho mole para receber a aliança. Tenho a
impressão que uma aliança deve dar a mesma sensação
de uma algema, e nunca sei se essa algema é colocada
porque o homem foi capturado ou se entregou. De
qualquer forma, é bonito o ritual. Todos saem à rua pra
ver passar o carro da noiva, num cortejo branco de
felicidade cristalina, não gosto de escrever assim mas já
que saiu, fica. As noivas são mansas e suaves, quando
entram na igreja. Os noivos parecem bonecos mal
lubrificados. Mas é lindo saber que entram dois e saem
um, depois de terem jurado que só a morte os separará,
já que naquele momento ninguém pensa na inflação.
Daí em diante, há um outro mundo à espera,
completamente imprevisível. O amor, por si, é uma coisa
bela — feio é estereotipá-lo de convenções, propagá-lo,
divulgá-lo como um jingle de frases feitas. Falar em
jingle, tem gente que se repete: casa várias vezes e diz
sempre a mesma coisa.

Crônica

feita a martelo
Sou considerado dos chamados sujeitos que têm o
"sono pesado". Não sei por que se chama assim, mas já
que se chama, devia haver sono de 900 gramas, de 2
quilos, de 5 ou de 10. O meu é de 20. Só acordo com o
tilintar do telefone no meu ouvido e assim mesmo
quando não é cobrador, que conheço pelo toque. Esta
semana, tenho acordado todos os dias às sete da
manhã, com marteladas na cabeça. No primeiro dia fui
reclamar ao vizinho de baixo, em nome da "Lei do
Silêncio", que começa às dez da noite e termina às oito
da manhã. Ele disse que eu estava enganado: que acaba
às sete. Liguei pro distrito, furioso, e o comissário me
disse que era às sete mesmo. Voltei ao vizinho pra pedir
desculpas pelo meu erro. Ele me disse que devíamos
continuar amigos — mas* não me lembro nunca de ter
sido seu amigo. Também não queria ser inimigo e lhe
disse que martelasse à vontade. Descobri, então, pelo
porteiro, que o meu vizinho estava colocando ladrilhos
na casa toda. Em uma semana, devo ter ouvido 46 000
marteladas e não consegui fazer as contas de quantos
ladrilhos ele colocou, pois não sei de quantas
marteladas precisa cada ladrilho. Só sei que enquanto
outros dormem contando carneirinhos eu durmo
contando ladrilhos. Hoje não houve barulho. Foi
estranho. Ou acabaram as obras ou os ladrilhos. Já
estava tão habituado com o barulho que agora as
marteladas do vizinho estão fazendo falta. E durma-se
com um silêncio destes.

Crônica

congelada
Minha geladeira tem quatro anos de idade, mas tem
garantia de cinco. Não é como o ser humano, que nasce
e não tem garantia nenhuma. Os parteiros deviam dar
às criancinhas, que também são "indústria nacional",
um certificado de duração de pelo menos dez anos — e
qualquer defeitozinho as peças seriam substituídas ou
então trocariam a criança por uma nova. Fabrica-se
criança no Brasil há muito mais tempo do que geladeira,
mas nesse ponto a indústria de geladeiras é mais
adiantada: dá uma garantia de funcionamento. Só é
chato quando dá defeito. A gente telefona pra firma onde
comprou, a firma toma nota do número do motor, do
número do modelo, do número da série, do número do
talão, da data da compra, da data da garantia, do
número de defeitos, depois telefona pra fábrica e a gente
fica esperando que o técnico apareça, não sabe a que dia
nem a que horas, que eles não estão à nossa disposição.
Justiça seja feita, a indústria de geladeiras nacionais
está indo muito bem, que ela não é besta de dar
assistência de cinco anos por um negócio que
enguiçasse facilmente. Mas quando isso acontece, o pior
não é desenguiçar a geladeira — é desenguiçar o técnico.
A minha, por exemplo, começou a suar. Engraçado uma
geladeira suar, mas sua mesmo e sua frio, como se
estivesse resfriada, o que não é de estranhar, passando
dias e noites, como ela passa, sujeita a uma
temperatura muito baixa. Pois bem, quando o técnico
chega, desmonta a porta, desforra-a todinha e estende-a
sobre o sofá, como se fosse submetê-la a uma operação
cirúrgica: só falta mesmo anestesia. Fica horas
trabalhando, no fim cobra a visita, como se fosse um
médico, e mais o serviço. O fato é que ela pára de suar,
pelo menos naquele momento. Só começa de novo no dia
seguinte, em local diferente: ao invés de suar na testa,
sua na barriga. O ritual é o mesmo: telefona pra cá,
telefona pra lá, vem outro técnico, fala mal do serviço do
outro e repete a mesma operação, isto é, cobra a visita e
a mão-de-obra. Aí a geladeira pára de suar e quem
começa é o dono, que dono de geladeira não tem
regulador, fica suando até cair duro — e pra ficar duro
não custa muito. O melhor é deixar a geladeira suando,
até que a maçaneta quebre e a porta fique aberta a
semana inteirinha, com um banquinho encostado na
porta pra escorar. Quando o técnico chega de novo,
cobra o que quer pra tentar consertar, depois diz que
não tem jeito e põe uma nova por um preço que ele diz
que é de amigo, imagine se fosse de inimigo. Ele garante
que a porta não fica mais aberta e acerta em cheio: não
dura dez dias e a porta não abre mais — de jeito
nenhum. Não se pode colocar nada lá dentro nem tirar,
é aí justamente quando a gente começa a pensar pra
que diabo ter uma geladeira em casa que fica ocupando
espaço à toa, e chama de novo o técnico. Da próxima vez
que eu comprar uma geladeira não vou pedir garantia
nenhuma pra ela: vou pedir é garantia para os técnicos
— que não estou aqui pra entrar numa fria.

Crônica

de sangue
O crime evoluiu, a polícia não. Não se ouve dizer
que cinco policiais prenderam um assassino, é sempre
um policial que "ocasionalmente passava pelo local".
Isso quando coincide do policial passar pelo local em
que se cometeu o crime, porque geralmente policial só
anda em lugar onde não se comete nada, que ele não é
bobo. O criminoso, ao contrário: só anda em lugar onde
acontece crime, porque se não acontece ele mesmo faz
acontecer. E a prova de que o crime evoluiu é que
antigamente o assassino "com um tiro certeiro prostrou
a vítima ao solo". Hoje não faz por menos: "matou a
amante com cinco balaços na cara", "deu 64 facadas na
amásia por ter sido repelido", "fuzilou o marido com
quatro tiros no escritório", "comprou a pistola e baleou o
vendedor", "trucidou o sócio com dezoito machadadas",
"capataz matou lavrador com quinze foiçadas", "violento
tiroteio em pleno coração da cidade". As balas estão
mais caras, os revólveres caríssimos, os punhais e
derivados custam os tubos. Não resta dúvida que as
armas estão pela hora da morte, inclusive utilizadas
para trocadilhos como esse. Acho que o assassino as
usa maior número de vezes justamente pra compensar o
seu preço. Um punhal, digamos, de 2 500 cruzeiros,
dando apenas uma punhalada, essa punhalada custará
exatamente 2 500 cruzeiros. É muito lógico que dando
25 punhaladas, cada uma custará 100 cruzeiros. Dando
cinqüenta, custará 50. E de punhalada em punhalada, o
punhal acabará ficando de graça — e daí em diante,
tudo é lucro. Acho que é por isso que os crimes quase
sempre são cometidos pela mesma arma e um dia a
polícia descobrirá que as armas são muito mais
criminosas do que os seus portadores, tanto que quase
ninguém tem porte de arma. O certo então seria con-
denar as armas a cinco, dez ou vinte anos de reclusão e
soltar os seus donos. Me parece que os criminosos,
quando entram no xadrez, deixam suas armas na
portaria, como quem deixa o guarda-chuva, e recebem
um ticket. Depois de interrogados e identificados como
"indivíduos sem identificação", apresentam o ticket e
levam a arma de volta. E enquanto aguardam o decorrer
do processo, vão praticando outros crimes, que é pra
valorizar a arma. Por isso é que se vê, de vez em quando,
a polícia realizando verdadeiras caçadas à arma
assassina. Os detetives ficam tão empolgados pela "arma
do crime" que acabam esquecendo os criminosos.

Crônica

pra vencer a inflação


Amigo, tenha calma, vou lhe ensinar o meio mais
prático de enfrentar com a cabeça erguida, ou quase, o
impetuoso custo de vida. Quando acordar, se tiver
conseguido dormir, não tome café: você economizará
pelo menos 20 cruzeiros. Se além de não tomar café,
também não chupar uma laranja, não comer dois ovos,
não comer pão nem manteiga, nem biscoitos, nem
torradas, então sua economia será aí por volta de 90
cruzeiros. Ou 900 — conforme o lugar onde você não
comer. É uma questão de bom senso, quanto mais você
não comer, mais economia fará. Isso assim não parece
nada, mas multiplique por trinta e veja quanto, no fim
do mês. Sei que você gosta de fumar o seu cigarrinho
logo depois do café, mas se já não tomou café, não há
necessidade do cigarrinho. Só a prática ensina, filho:
nada melhor que não fumar um cigarro depois de não
tomar um café. Daí que você, pra fazer hora enquanto
não vem o momento de não almoçar, deve encher o
tempo deixando de comprar uma porção de coisas que,
de agora em diante, não precisará mais, como verduras,
cereais, frutas, sabão em pó, bombril, pratos, cinzeiros,
panelas e uma série de inutilidades domésticas, porque
não almoçando não precisará de nada disso. E muito
menos de empregada, que, aliás, é um capítulo à parte,
pois a metade das pessoas passa o mês botando
anúncio pra procurar a empregada dos outros, enquanto
a outra metade fica em casa procurando a própria. Mas,
voltando ao assunto, quanto mais caras as coisas que
você não comprar, mais economia. Não é nada, não é
nada, vá somando tudo o que você não está gastando
pra ver só que alívio. Sei que à tardinha você terá von-
tade de ir a um cineminha, que agora é cinemão, e já
que não vai mesmo, deixe de ir logo a dois ou três que a
economia será bárbara. E agora lhe pergunto: pra que
banho, se você pode poupar sabonete? De cada dez
sujeitos econômicos, um não usa sabonete nenhum —
que a estatística da propaganda sabe o que está
dizendo. E pra que pasta de dente se você não vai sorrir
mais pra ninguém? E pra que mudar de roupa se pode
ficar com essa mesma, que diabo, não estamos em época
de esbanjar. Imagine-se num alfaiate, numa camisaria,
num sapateiro e estará deixando de gastar os tubos.
Com vantagem de não precisar voltar pra casa cheio de
embrulhos e já que não vai voltar, não volte de táxi pra
poupar mais. Fique em casa, lendo este livro, que afinal
de contas é um bom investimento. O quê, está
duvidando? Então vá amanhã mesmo à livraria e
pergunte quanto já está custando.
Crônica

pra fazer hora


Bom mesmo é viver salteado, dia sim, dia não. A
gente viveria menos, mas viveria melhor. Pelo menos,
um pouco mais descansado. Não acrescentar nada do
ontem para o hoje nem esperar nada do hoje para o
amanhã: a verdadeira pausa. Seria como se se deixasse
o relógio sem corda, durante 24 horas; os números
estariam ali, nos mesmos lugares, e voltariam a
funcionar normalmente no dia seguinte. Pouparia um
pouco o desgaste da máquina, daria folga aos ponteiros,
nessa rotina irremediável que marca as horas, os mi-
nutos e até os segundos — dividindo a liberdade do
homem que se diz livre. O homem é um prisioneiro do
tempo, vive algemado num relógio de pulso. No dia em
que decidi me libertar do tempo, joguei fora o meu
relógio. Mas ninguém imitou o meu gesto e minha
situação piorou: agora estou preso ao relógio dos outros.
O homem traz no pulso um relógio como o detento traz
no peito um número: nenhum dos dois pode ir tão longe
quanto pensa. Quem tem relógio tem a vantagem de
atrasar ou adiantar o tempo, conforme as suas
conveniências. O relógio é uma convenção social como
outra qualquer, porque o que é tarde para um é cedo
para outro e o que é cedo para outro é tarde para um. As
horas oscilam de acordo com o temperamento de cada
pessoa e não de cada relógio. Só a "meia-noite" é
pontual, pode conferir: meia-noite nunca é antes nem
depois da meia-noite. O relojoeiro é o único sujeito que
consegue desenguiçar o tempo. Com apenas doze
números o homem vive uma eternidade. O pêndulo nos
dá a sensação de que o tempo passa e volta atrás pra
passar de novo. O relojoeiro que conserta despertadores
dorme a prestação. Os ponteiros do relógio são a bússola
do homem civilizado: o pequeno lhe indica pra onde deve
ir, o grande lhe diz se deve ir devagar ou depressa.
Crônica

com um mínimo de bom senso


Havia uma cobra que ficou louca, daí o seu médico
querer interná-la no Instituto Butantã. Mas até hoje
estou na dúvida se o casamento é realmente o final-feliz
de um romance: meu pai adorava minha mãe, minha
mãe adorava meu pai, depois que nasci se separaram. O
que é mais poético, dar uma surra na mulher com um
ramo de flores ou atirar-lhe na cara um frasco de
perfume? Há quem acredite em brotos de mais de treze
anos, principalmente os brotos de mais de treze anos.
Não sei o que é mais chato, se uma criança prodígio ou
um adulto retardado. O triângulo amoroso já está
superado, agora é o quadrilátero. O mau marido é o que
deixa a sua viúva sem marido. É preferível derramar
lágrimas no túmulo a depositar uma coroa: ambas
custam os olhos da cara. Em certas peças de teatro os
intervalos são mais eficazes, porque a platéia representa
muito melhor. A verdade é a mentira de todos e a
mentira é a verdade de cada um. Isso dito assim sem
mais nem menos, parece não ter sentido — vai ver, não
tem mesmo. A não ser que cada um descubra um
sentido que não foi o sentido que eu não quis dar, de
qualquer maneira thank you, que fui criado em Oxford.
Me dá três cartas. Mais três. Outras três. Agora mela
tudo, que estou com nove cartas. A crônica acaba aqui,
mas como sei que vão continuar lendo, não custa
escrever mais um pouquinho. "Mãos ao alto", disse o
gatuno para o halterofilista. E só assim ele conseguiu
levantar 180 quilos. Todo magro deve , engordar, todo
gordo deve emagrecer: o meio-termo não existe. Valente
é o poste, que nunca sai da frente. Pobre miserável era
aquele, que não conseguia contar mais de sete
carneirinhos na hora de dormir. Vai ser bom advogado
assim no inferno: conseguiu condenar todo o corpo de
jurados que absolveu o réu que ele acusava. "Depois do
que ela fez comigo nunca mais quero vê-la", disse o
homem que a mulher acabara de cegar. Ovelha infeliz:
foi expulsa do rebanho depois que caiu dentro de um
balde de tinta preta. E ainda por cima, caiu rindo,
pensando que ninguém ia entender.

TOMO V

eu saí de casa

Um carioca em São Paulo


São Paulo é uma cidade de 12 milhões de
habitantes. Comigo, 11.999.999 — porque no dia em
que cheguei, estavam saindo dois.

A previsão do tempo é fácil de fazer, não tem que


errar: "tempo frio, sujeito a mais frio".

Em dias de chuva, não se vê táxi em São Paulo. Em


dias normais, só se vê antes de pegar, porque depois nos
arrancam os olhos da cara. E a gente não vê mais nada.

O trânsito de São Paulo não chega a ser perfeito,


mas é organizado. O paulista, via de regra, obedece as
regras da via. E detesta trocadilhos.

É uma cidade adiantada: tem bondes fechados,


ônibus elétricos, automóveis de luxo, táxi, lotação,
caminhão. Mas o meio de transporte mais usado, no
centro, é o sapato. É a única maneira de se meter os pés
pelas contramãos.

São Paulo tem tanto cinema que a gente pega a fila


de um e acaba entrando em outro.

A polícia é pequena por fora e grande por dentro.


Em São Paulo a união não faz a força; a força faz a
União.

Há dezenas de bancos de créditos, centenas de


bancas de jornais, milhares de bancos de jardins. Os
primeiros financiam os jornais, os segundos vendem os
jornais — e os terceiros foram instalados pra se ler os
jornais.

O que não falta são ambulâncias, todas novas e


equipadas. O paulista não morre vítima de socorro: o
máximo que pode acontecer é morrer atropelado pela
própria ambulância.
Em São Paulo não se perde tempo. Quando se co-
meça a discar os três primeiros números do telefone, já
dá o sinal de ocupado.

Existem placas nas esquinas: "É proibido entrar à


esquerda". Grande parte da população passa a metade
do tempo andando pra direita. Alguns dão a volta na
cidade toda pra chegar em casa e, quando chegam, já
está na hora de sair de novo. Este é um dos motivos por
que dizem que São Paulo não pode parar.

Um dos orgulhos do Estado é a Catedral de São


Paulo, a oitava do mundo, em tamanho, com capacidade
para 8 000 pessoas. Quando a igreja está lotada, a
cidade fica quase deserta.

Detalhe curioso: a Penitenciária do Estado está


localizada nas proximidades da Rua Voluntários da
Pátria.

O Tóquio mágico

Rapaziada, eu lhes conto que namorar uma


japonesinha é um conforto. A gente pensa em acender
um cigarro, lá está ela com a brasa na mão. Pensa em
sair, ela dá banho na gente, traz a nossa roupa, penteia
o nosso cabelo, calça as nossas sandálias e taça um
roupão no nosso corpinho privilegiado. É exatamente o
contrário da mulher ocidental, que passa o dia inteiro se
enfeitando e quando a gente chega em casa ela sai.

Mulher japonesa anda sempre atrás do marido: é


tradição. Mulher brasileira também anda atrás, mas é
desconfiança.

Mulher brasileira diz "eu te amo". Mulher japonesa


diz "você é meu amo".

Mulher brasileira às vezes tem gêmeos. Japonesa


tem sempre — mas um de cada vez.

Sua Majestade, o ônibus

O ônibus é o tanque de guerra brasileiro. Destrói


postes, árvores, muros e trens: só tem medo de outro
ônibus.

Um ônibus equilibrado não faz uma viagem por me-


nos de quatro batidas: duas de propósito e duas sem
querer.

A maioria dos ônibus tem freio, quem não tem é o


motorista. A prova é que quando ônibus bate, o moto-
rista sai correndo.

Ônibus que se preza não espera o passageiro ir


para o ponto. Apanha-o mesmo dentro de casa.

Para o ônibus não existe linha curva: por isso ele


passa por cima das calçadas.

O ônibus não faz quilômetros por hora: faz passa-


geiros por hora.

A indústria do ônibus é paradoxal: algumas linhas


começam com um e acabam com trezentos, outras
começam com trezentos e acabam com um.

O bom motorista não usa porte de arma. Usa "porte


de ônibus".

Motorista de ônibus quando dorme não conta


carneirinhos: conta fusquinhas.

Para se ter uma idéia da velocidade do ônibus,


basta dizer que sempre que passa um, vem outro atrás.
É que o de trás é o mesmo — que já foi e voltou.

Eu parei o trânsito
Verdade seja dita: motorista carioca faria sucesso
em qualquer circo do mundo. Sua missão é tão
arriscada que quando ele sai de casa, não diz até-logo à
família: diz adeus. O trânsito do Rio pode ser comparado
a um imenso parque de diversões, porque cada um se
diverte com o malabarismo do outro. Poderia mesmo ser
usado como uma das maiores atrações turísticas da
cidade, em matéria de organização. Os ônibus não
ultrapassam os carros pequenos, passam por cima. O
carro de praça não corre, fica parado no ponto. O carro
oficial respeita a ambulância, porque sabe que só existe
uma. Há muitos sinais no meio da rua que dão um
colorido especial ao trânsito, muitos deles apagados —
mas isso não tem importância, porque muitos
motoristas também estão. As ruas são inteiramente
democráticas: um dia dão mão pra um lado, outro dia
pro outro — e a maioria das vezes pra nenhum, por
causa dos consertos. Os veículos só estacionam em local
proibido, porque todo local é proibido. Aí entram os
carros-reboques: dois contra uma cidade inteira. E fica
tudo como está. O tráfego se divide em duas partes,
sinalização e analfabetização. O equipamento do
motorista é o palavrão, o do pedestre, a vela. A beleza do
trânsito não se deve exclusivamente à inspetoria, mas
também ao povo, que está satisfeitíssimo com o trânsito.
Tanto assim que pedestre carioca não anda, pula. Deve
ser de contente.
TOMO VI

eu voltei pra casa

Agora sou um telespectador


A televisão é igual em qualquer parte do mundo,
tem uma porção de botões que a gente mexe, até chegar
nos dois que servem: um pra ligar os risquinhos e outro
pra fazer as cabeças subirem.

Em todas elas se fala inglês e não se entende as


legendas, a não ser quando o filme é dublado e se
entende menos ainda.

A diferença de programação de uma cidade pra


outra é que variavam as caras: agora nem isso, pois já
inventaram o vídeotape.
O vídeotape foi bolado pra evitar os erros durante a
transmissão. Agora os erros são feitos durante a
gravação.

Algumas televisões têm controle remoto, mas isso


não é o bastante: precisam inventar o controle super-
remoto — pra desligar a do vizinho.

Ironia: a gente passa meses pagando um aparelho


de televisão pra passar as noites vendo anúncios de
outra televisão que dizem ser muito melhor que a nossa.

Quando a televisão enguiça pela primeira vez a


gente chama um técnico uma porção de vezes, pela
última. Depois ele sugere pra gente comprar uma nova.
HUMORISMO
BANGUE-BANGUE

POLÍTICA

HORA CERTA
A especialidade da televisão é passar desenhos
animados de 1935. Às vezes passa um novo, de 1936.

A maior parte dos artistas gasta o tempo agra-


decendo a oportunidade que lhe deram de aparecer em
frente às câmaras. Muitos chegam a dizer "o meu melhor
muito obrigado", o que faz supor que eles têm outros
"muito obrigado" piores.

A televisão moderna é o rádio de trinta anos atrás


— com imagem.

Segundo a estatística, o que mais se ouve em


televisão é que "infelizmente o nosso tempo já está
esgotado".

Um programa de tevê se divide em duas partes:


tempo e contratempo.

As três coisas mais importantes na televisão: o


microfone, a câmara e o caixa. Mas nunca funcionam
em conjunto.

A televisão leva vantagem sobre o cinema, porque


no cinema a gente paga ingresso pra entrar e a televisão
entra em nossa casa sem pagar nada.

A entrevista moderna é feita sempre com duas


câmaras: uma pro artista olhar pra outra e a outra pra
pegá-lo de perfil.

COMERCIAL AO VIVO
TOMO VII

manchetes definitivas

NOVA TENTATIVA DE DESPEJO NA LEI DO


INQUILINATO

SÓ O GOVERNO PODE GARANTIR QUE O RISO NÃO É


O LIMITE

Novo Salário Mínimo Permitirá Que o Operário Viva Até


o Próximo

SOBEM AS TARIFAS DOS COLETIVOS:


ATROPELAMENTOS MAIS CAROS

DITADOR ACORDOU MAL HUMORADO E NÃO


MANDOU FUZILAR NINGUÉM

CATÁSTROFE:

RADIALISTAS VENCERAM A BARREIRA DO SOM

TOMO VIII

u m b ra s i l e i ro n o co sm o

PRIMEIRO ESTÁGIO
O primeiro grande problema pra se mandar um
brasileiro ao espaço não é a fabricação do foguete; é do
homem que vai. No Brasil, ninguém quer ir a lugar
nenhum — a não ser que esteja tudo pago.

Mas isso não chega a ser bem um problema, pois


patrocinador é o que não falta. Certamente a coisa será
feita na base de uma externa de televisão.

Seria aberta uma concorrência entre as


companhias de seguro, nenhuma delas toparia a
parada. Sabe lá o que é pagar o preço de um foguete que
foi roubado na véspera do lançamento?

O "brasileiro espacial" seria escolhido através de


um concurso, bastando preencher o cupão e enviar
nome e endereço para o sorteio — porque sem sorteio
brasileiro não se interessa por nada.

A propaganda seria feita mais ou menos assim: "Vá


ao espaço e ganhe um liquidificador Walita". Ou:
"Conquiste o espaço com Gumex sem desmanchar os
cabelos". Ou ainda: "Sinta o corpo mais leve indo ao
espaço com um sabonete Vale Quanto Pesa". Na volta,
provavelmente, o patrocinador seria outro: "Nove entre
dez estrelas do cosmos usam sabonete Lux"...

SEGUNDO ESTÁGIO
Uma vez escolhido o candidato, o foguete seria
construído na Fábrica Nacional de Motores, com a
percentagem inicial de 33 por cento brasileiro e 67 por
cento estrangeiro, como toda indústria nacional que
nasce. Quanto ao combustível, não precisaria ser nem o
russo nem o americano: seria o brasileiro mesmo que é o
que mais sobe.

O local do lançamento seria disputado entre o


Maracanã e o Pacaembu, uma vez que o foguete
certamente seria paulista e o piloto carioca. De qualquer
forma, seria cobrada a entrada a quinhentas pratas por
cabeça, cuja renda reverteria em benefício da ABBR.

O batismo do foguete seria feito por Dom Hélder


Câmara, que procuraria dizer, com a sua habitual
simplicidade, que a Igreja não tem nada contra o espaço.

No dia do lançamento, os repórteres-volantes das


estações de rádio seriam barrados na porta e ficariam
entrevistando personalidades do lado de fora — num
tremendo esforço de reportagem.

A volta do "brasileiro espacial" seria uma incógnita:


ninguém saberia ao certo se ele desceria no Galeão ou
no Santos Dumont — mas ele acabaria mesmo em
Congonhas, depois de ficar duas horas dando voltinhas
— aguardando teto.

TERCEIRO ESTÁGIO
Em terra firme, começaria a exploração: seria
entrevistado em auditório de rádio, assinaria colunas de
jornais, acabaria gravando marchinhas para o carnaval
sob o pseudônimo de "cantor astronauta".

Haveria muitas comemorações, provavelmente seria


decretada a "semana do astronauta", com remarcações
de preços e ofertas especiais do comércio local. O
"brasileiro espacial" ficaria exposto no Museu de Arte
Moderna, dentro de uma câmara de vidro, com uma
tabuleta: "Pioneiro do Espaço" — mas que devido a ser
feita em cima da hora, sairia com erro de revisão:
"Prisioneiro do Espaço".

A Ex-quadrilha da Fumaça faria piruetas sobre a


praia de Copacabana, desta vez sem fumaça — uma vez
que a fumaça seria considerada superada. A Semana da
Asa seria riscada do calendário, por ser inteiramente
obsoleta.

No Grande Baile de Carnaval, o "brasileiro espacial"


ganharia o concurso de fantasias e receberia como
prêmio uma passagem de ida e volta Rio—São Paulo—
Rio, por um avião da Ponte Aérea.

Faria parte do júri da comissão julgadora do


concurso Miss Brasil, com a qual manteria um romance
para fins publicitários (de ambos). As revistas
publicariam as declarações dela: "Meus filmes favoritos
são os de science-fiction". E as dele: "Vamos passar a
lua-de-mel na Lua".

Depois de tanto esforço, o "brasileiro espacial"


acabaria onde acaba qualquer cidadão brasileiro que se
projeta em qualquer coisa: na política. Seria disputado
por todos os partidos, mas ingressaria na oposição com
o slogan de "astronauta trabalhador". Seus comícios
seriam todos feitos em aeroportos, pra conquistar a
classe dos aeroviários — mas não seria eleito, porque,
infelizmente, o problema do Brasil não é de espaço.

TOMO IX

i magen s q uas e ní ti das

A natureza custa os olhos da cara.

O sol é o public-relations da paisagem.


Os olhos são o periscópio da alma.

Existem mulheres impróprias pra dezoito anos.

Embrulho de jornal agora é luxo.

O álcool é o subconsciente da gente.

Astronauta é um homem cercado de Terra por todos os


lados.

Concurso de misses é um strip-tease de meia-confecção.

A música em 33 rotações parece que dura mais tempo.

O homem gripado coloca a alma no gesso.

A noite foi inventada para os desajustados.

Amor- remendado acaba desfiando.


O relógio é um desafio à resistência humana.

A gorjeta é o combustível das malas de viagem.

A janela é a lata de lixo do homem civilizado.

TOMO X

ex ame de máq uina

Minha máquina de escrever me deu a maior


bronca, decidiu escrever sozinha, portanto, não me
responsabilizo. Vai na raça, pois decidi levá-la a um
psiquiatra. Deita aí, minha filha, e conte as suas
mágoas. "Doutor, o negocio é o seguinte: desde que
nasci que sofro de complexo de "x"." Taí, metida a fazer
piadinhas. Melhor ainda: tem sempre uma piadinha na
ponta dos de dos. "Vocês podem pensar o que quiser,
mas pelo tamanho do bocejo sei perfeitamente a duração
de um discurso. Fabuloso é o sujeito que perde a perna
mecânica e ela volta sozinha pra casa." Essa máquina
está mesmo biruta, acho que precisa de um exame físico
primeiro. Entre naquela sala, minha filha, e tire a fita.
Começou o vexame: esta é a primeira vez que a Smithy
(este é o seu nome na intimidade) se despe na frente de
estranhos. Diga trinta e três. "Trinta e trêx." Eu disse
trinta e TRÊS. "Não adianta, doutor, só sai trinta e
TRÊX." Isso é grave, talvez seja um caso de
hereditariedade. Algumas máquinas, por exemplo,
quando o dono quer dizer "sopa" só escrevem "copa".
Outras, quando o dono quer dizer "sofisticado", só sai
"sophisticado". Alguns bicheiros, quando escrevem "coe-
lho", a máquina só bate "10", "jacaré" só sai "15". É sem
dúvida um fenômeno de transferência do consciente do
dono para o subconsciente da máquina. Diga depressa,
minha filha: "eu gosto de escrever depressa". Pois não:
"iu gotos ed srevep tepressas". Pulsação fraca. Entre
naquela sala e diga o que lhe vier ao teclado. Pois não:
"doutorachoqueaquinãopossofalarporquenãohãespaçosu
ficienteparamim". Tem razão, minha filha, então entre
neste salão, deite ali naquele divã e desabafe. Pois não:
"Há livros que são mais chatos de abrir do que de ler".
Muito bem, minha filha, isso vem provar que você é
muito observadora. Apesar disso, não diz coisa com
coisa, talvez esteja precisando de um repouso numa
oficina particular. Talvez mesmo de uma lubrificação
mensal, acho que você está com excesso de letras.
Agora, se não me leva a mal, vamos fazer um pequeno
teste psicológico: seu patrão escreve com os dez dedos?
"Claro, ou o senhor acha que ele poderia guardar os
outros oito no bolso?" Você escreve freqüentemente em
vermelho? "Não senhor, só quando o meu patrão quer
frisar alguma coisa que ele pensa que os outros não vão
entender." Você prefere escrever em espaço 1, 2, ou 3?
"Prefiro o espaço 3 por que sofro um pouquinho de falta
de ar." De que é que você mais gosta? "Sair da margem
pra ver o meu patrão se irritar.", O que é que você mais
detesta? "Ser emprestada." Qual a tecla da sua
predileção? "O circunflexo e o til - porque não me dão o
menor trabalho: nem me mexo." Pode levantar, minha
filha, tome esta folha de papel almaço de duas em duas
horas. O que você tem não é nada grave, apenas está
precisando de umas férias. Por que não manda seu dono
pra fora? "Já tentei, mas infelizmente o meu destino está
nas suas mãos."
TOMO XI

o drama de cada doi s

Num país onde o divórcio é uma perspectiva e o


casamento uma falta de perspectiva, a maioria dos
casais sofre problemas os mais disparatados que nem
eles próprios conseguem resolver. Daí apelarem para o
bom senso (ou falta de) dos colunistas especializados em
pôr em ordem os distúrbios neurovegetativos de cada
um. Como se vê, o desespero e a falta de preparo
emocional para a convivência em comum levam os pares
humanos a pedir conselhos a pessoas estranhas ao
serviço. Essas receitas apressadas nem sempre decidem
um destino apoiado na insensatez. No meu caso, sempre
achei útil levar minha experiência e o meu profundo
conhecimento dos enguiços da alma até aqueles que
precisam de um bisturi moral. Respondo a essa gente
em "curto-circuito", certo de que encontrarão em minhas
palavras um fusível para os seus casos.

CARTA: — Meu marido nunca usou aliança, desde


que nos casamos. (Vladmira — Florianópolis)

RESPOSTA: — O importante no casamento,


Vladmira, não é que o homem use a aliança — é que use
a mulher.

CARTA: — Sempre que vou à praia, meu marido


exige que eu fique deitada de costas. Resultado: estou
com a frente preta e as costas completamente brancas.
O senhor acha isso normal? (Sandrinha — Guarujá)

RESPOSTA: — Gosto não se discute, Sandrinha.


Vai ver, seu marido gosta de mulher de banda branca.

CARTA: — Meu marido deu pra ver televisão de


cabeça pra baixo, preciso tomar uma providência.
(Jupira — Nilópolis)

RESPOSTA: — Isso não é tão grave. Procure ver se


a sua tevê está na posição certa. Se não estiver, chame
um técnico pra examinar o aparelho; se estiver, peça ao
técnico pra examinar seu marido. Há maridos que
andam com a cabeça virada, às vezes é só trocar uma
válvula. Mas não deixe, em hipótese alguma, levarem
seu marido pra oficina: ele voltará pior do que estava.

CARTA: — É a quinta nota de 500 que meu filho


engoliu esta semana e estão me fazendo falta pra pagar
o aluguel, que são 5 000. Meu marido já disse que não
me dá outros. (Lurdes — Ibituba)

RESPOSTA: — Espere ele engolir mais cinco notas


de 500 e depois pague o aluguel com o seu filho.

CARTA: — Gravei o sonho do meu marido e gostaria


que o senhor ouvisse. (Iracema — Santos)

RESPOSTA: — Com todo prazer. Mas de preferência


quando ele estiver dormindo.

CARTA: — Minha mulher tem ido demais ao


dentista e só chega em casa de noite. Resolvi segui-la e
de fato ela estava no dentista. (Mauro — Sorocaba)

RESPOSTA: — Agora experimente seguir o dentista.

CARTA: — Minha mulher costuma receber flores


quase diariamente e sempre rasga o cartãozinho sem
deixar eu ver de quem é e coloca as flores numa jarra
com todo o carinho. (Augusto — Magé)

RESPOSTA: — Seja sensato: pior seria se ela


rasgasse as flores e colocasse os cartõezinhos na jarra,
com carinho.

CARTA: — Acordei sobressaltado com os gritos da


minha mulher gritando "fogo! fogo!" Quando abri os
olhos, havia um homem saindo pela janela. (Adalberto —
Barbacena)

RESPOSTA: — Então, meu caro, é fogo mesmo.

CARTA: — Depois que meu marido comprou um


automóvel nunca mais saiu de casa. (Raquel —
Salvador)

RESPOSTA: — Você devia ficar feliz com isso. Pior


se ele comprasse uma casa e nunca mais saísse do
automóvel.

CARTA: — Contratei um detetive pra seguir meu


marido e comecei a seguir o detetive para ver se de fato
ele seguia meu marido. Um dia encontrei o detetive
batendo o maior papo com meu marido. Devo contratar
outro detetive? (Mabel — Petrópolis)

RESPOSTA: — O mais prudente é contratar outro


marido.

CARTA: — Tenho sido insistentemente pedida em


casamento, mas não sei se devo aceitar por causa da
diferença de idades: ele tem 42 e eu dezoito. (Ofélia —
São João del-Rei)

RESPOSTA: — A diferença de um homem para uma


mulher não é idade, Ofélia. Medite bem nisso.

CARTA: — Minha mulher passa horas no telefone e


nunca me diz com quem está falando. (Zeca — Rio)

RESPOSTA: — Seja homem e tome uma atitude.


Chegue perto de sua mulher e lhe diga frontalmente:
"Você sabe com quem está falando?" Depois, prepare-se.

CARTA: — Em frente à minha casa, todas as noites,


fica um homem de terno cinza acenando para a minha
mulher. Ela insiste em dizer que se trata de uma estátua
e não posso conferir pois sou paralítico e ela não me leva
até lá. (Zé Eduardo — Volta Redonda)

RESPOSTA: — Sua mulher é muito sensata. Já


imaginou se ela o leva até lá e a estátua sai correndo?
Além de paralitico, você acabaria débil mental.

CARTA: — Já fiz operação plástica no nariz, nos


olhos e nos lábios. Uso peruca, cílios, unhas e dentes
postiços. Nem assim consegui arranjar um marido.
(Arminda Rio Claro)

RESPOSTA: — Sua "operação-marido" foi um pouco


exagerada. Ampute rapidamente o dedo anular
esquerdo, vai ser difícil colocar uma aliança nele.

CARTA: — Peguei um trem e só quando cheguei em


casa foi que reparei que dentro da minha capa havia um
homem. (Arnalda — Engenho de Dentro)

RESPOSTA: -E o que foi que você fez: botou a capa


no armário, com homem e tudo, ou guardou só a capa?
Esse detalhe, embora não pareça, é muito importante
para ajudá-la.

CARTA: — Durante o noivado, minha noiva fazia


questão de levar um primo para todos os nossos
programas. Agora que nos casamos, ela faz questão que
ele venha morar conosco, pois o coitadinho é órfão. Que
acha disso? (Orfeu — Taubaté)

RESPOSTA: — Depende do tamanho do primo. Se


for pequenininho, acho que vai dar muito trabalho a ela.
Se for grandinho, vai dar muito trabalho a você.

CARTA: — Tenho medo de dormir sozinha e meu


marido trabalha de noite. (Maria Clara — Copacabana)

RESPOSTA: — Ligue para uma dessas agências de


empregados e peça um acompanhante. Eles têm de
tudo. Se um dia o seu marido passar a trabalhar de dia,
vai ser o diabo pra se livrar do acompanhante.

CARTA: — Há vários anos que meu marido não me


dá um par de sapatos, no entanto troca de carro todos
os anos. (Ariana — Teresópolis)

RESPOSTA: — Há maridos que custam a se decidir,


minha cara. A mulher deve ter paciência. Agüente a
mão, ou melhor, agüente o pé.

CARTA: — Minha mulher deu pra desconfiar de


mim, logo agora que vamos completar 56 anos de
casados.

RESPOSTA: — Já desconfia tarde.

CARTA: — Meu psicanalista está doido, disse que


eu precisava me casar com um psicanalista e acontece
que já sou casada com um psicanalista, que é
justamente ele. (Beatriz — Niterói)

RESPOSTA: — Então ele demonstrou ser um ótimo


psicana-, lista e um péssimo fisionomista.

CARTA: — Meu farmacêutico é anão e toda vez que


vem me dar injeção, meu marido proíbe. Acha que eu
seria capaz de simpatizar com um anão? (Florilda —
Recife)

RESPOSTA: — Não acredito que seu marido tenha


alguma coisa contra o anão. Talvez seja porque ele, ao
aplicar a injeção, não alcance o seu braço.
CARTA: — Todas as manhãs, quando abro o
armário, meu terno marrom sai andando e pega o
elevador. (Alcindo — Espírito Santo)

RESPOSTA: — Por enquanto, não há perigo. Chato


vai ser quando seu terno marrom sair e voltar azul.

CARTA: — Passei três meses viajando pra esquecer


um homem, agora não me lembro mais quem é ele.
(Harilda — Pelotas)

RESPOSTA: — Faça outra viagem pra ver se se


lembra.

CARTA: — Os vestidos de minha mulher


encolheram e ela não manda fazer outros, fica com o
busto de fora e não pode sentar sem mostrar os joelhos.
E quer me convencer que está na moda. (Pedrinho —
Brasília)

RESPOSTA: — De uma certa forma, sua mulher


está com a razão: busto e joelho de mulher não caem
nunca da moda, pelo menos enquanto não completam
cinqüenta anos.

CARTA: — Sempre que vou ao cinema com minha


mulher, ela senta em cima e eu embaixo. O senhor acha
isso normal? (Alfredo — São Paulo)

RESPOSTA: — Absolutamente, acho isso ridículo. E


os vaga-lumes, não dizem nada? Se sua mulher é muito
pesada, o lógico seria você sentar em cima.

CARTA: — Meu marido passa as noites escrevendo


o seu diário. Mas isso é o menos, o pior é que costuma
escrever com um garfo. (Ira — Rio)

RESPOSTA: — Consulte um garfologista.

CARTA: — Procuro sempre fugir dos meus


problemas, não tenho coragem de enfrentá-los. (Gracia
— Diamantina)

RESPOSTA: — Então continue sempre fugindo, não


pare nunca. Qualquer freadinha, um dos problemas lhe
pega por trás e pode até derrubá-la.

CARTA: — Sou míope, mas não uso óculos por


vaidade. Meus amigos dizem que sou metida a besta só
porque me cumprimentam e não respondo. (Floriza —
Manaus)

RESPOSTA: — De agora em diante, cumprimente


todas as pessoas. Seus amigos ficarão felicíssimos e você
fará um número enorme de novas relações, garanto.

CARTA: — Meu marido é vendedor de cosméticos e


sempre chega em casa cheio de batom, com o maior
cinismo. Não acha isso um descaramento? (Suzana —
Florianópolis)

RESPOSTA: — Não acho que ele seja mau marido,


acho que é um péssimo vendedor, pois chega em casa
cheio de batom.

CARTA: — Meu marido gosta de dormir com o


cobertor por cima do lençol. Todas as noites discutimos
esse assunto e nunca chegamos a um acordo, há mais
de dez anos. (Florisbela — São Luís)

RESPOSTA: — O problema é simples, Florisbela.


Ponha o cobertor por cima do lençol e um dorme em
cima e outro embaixo. Agora, por simples curiosidade:
vocês têm filhos?

CARTA: — Na noite de núpcias, descobri que minha


mulher tem uma navalhada de alto a baixo. Para mim,
foi um choque. (Ernesto — Caxambu)

RESPOSTA: — Se pra você isso foi um choque,


imagine pra ela — na hora em que levou a navalhada.

CARTA: — Não acredito em Papai Noel, mas todos


os anos minha mulher recebe presentes e diz que foi o
Papai Noel quem deu. Ainda por cima, debocha da
minha falta de fé e fica me censurando porque não
ponho os sapatos na janela e não escrevo cartinhas
pedindo presentes. Já começo a ficar na dúvida: afinal
de contas, Papai Noel existe ou não existe? (Jô — Rio)

RESPOSTA: — Isso é, como diz sua senhora, uma


questão puramente de fé: ela acredita em Papai Noel, faz
os pedidos e recebe os presentes. Logo, o Papai Noel dela
existe — disto não tenha a menor dúvida. Por que você
não tem também um pouquinho de fé, como ela deseja,
e faz os seus pedidos ao Papai Noel dela? Garanto que
ele terá o máximo prazer de atendê-lo — para que você
não perca a fé.

CARTA: — Meu marido é caixeiro viajante. Há


quatro anos que fez a sua primeira viagem e não voltou
até hoje nem nunca escreveu uma carta. Minhas amigas
dizem que a culpa é do Correio, acha que devo
reclamar? (Aríete — Natal)

RESPOSTA: — Ao que eu saiba, Aríete, nunca o


Correio devolveu nenhum marido extraviado.

CARTA: — Minha mulher disse que ia ser a melhor


dona-de-casa do mundo e não fazem dois meses que nos
casamos e ela está querendo se divorciar, sem mais nem
menos. (Serafim — Estado do Rio)

RESPOSTA: — Ela não mentiu, Serafim.


Provavelmente, com o desquite, ela acabará ficando com
a casa.

CARTA: — De uns meses para cá, comecei a


receber cartas anônimas que dizem certas coisas de
minha mulher que, francamente, dão pra desconfiar.
Minha mulher diz que é tudo mentira. (Marito —
Carangola)

RESPOSTA: — Das duas, uma: ou você acredita em


sua mulher e joga fora as cartas, ou acredita nas cartas
e joga fora a sua mulher.
CARTA: — Há dois anos que minha mulher me
pede 5 000 cruzeiros por dia. Se eu tivesse dado, ela
estaria hoje com 3 milhões no banco e provavelmente
me chutaria. (Jofre — Belo Horizonte)

RESPOSTA: — Nesse caso, quem deve estar com os


3 milhões é você e esta é uma grande oportunidade de
você chutá-la.

CARTA: — Em casa não tem nenhum relógio


funcionando. Meu marido se aproveita disso pra chegar
à hora que bem entende e eu nem posso reclamar
porque ele sempre diz que ainda é cedo. (Dagmar —
Campinas)

RESPOSTA: — Cedo pra quê, ele nunca explica? No


fundo, é bem capaz de ter razão. Procure saber para que
é que é cedo.

CARTA: — Tenho dezesseis anos e moro num


prédio que dá frente para a praia e fundos para um
terreno baldio. Papai quer que eu fique nos fundos e
mamãe quer que eu fique na frente. Não sei o que fazer.
Se eu ficar na frente, papai disse que abandona mamãe,
se eu ficar nos fundos, mamãe disse que abandona
papai. (Joelzinho — Leblon)

RESPOSTA: — Tenha paciência. Fique no meio da


casa, até os vinte anos, para que seus pais não se
separem. Depois vá para os fundos, para que sua mãe
abandone a casa, e volte pra frente para que seu pai
também abandone. Aí, você será um homenzinho de
vinte anos, com uma casa só pra você.
CARTA: — Meu marido costuma andar em trajes
menores dentro de casa, mesmo quando recebo visitas.
Acha isso direito? (Conceição — Caxambu)

RESPOSTA: — Melhor levá-lo a um alfaiate mais


cuidadoso — que lhe faça a roupa de acordo com o seu
tamanho.

CARTA: — Sou branca, meu marido é branco e


tivemos um filho preto. Como o senhor explica isso?
(Jandira — Aracaju)

RESPOSTA: — Lamento muito, mas quem tem de


se explicar é a senhora. Vocês que são brancos que se
entendam.

CARTA: — Meu marido emprestou sua dentadura


ao meu cunhado e ele não devolveu até hoje. Faz quinze
dias que minha mãe tem nos convidado pra jantar e não
tenho mais desculpas pra recusar. Que faço? (Carmem
— São João de Menti)

RESPOSTA: — Só há uma saída, minha filha:


convide sua mãe pra jantar na casa de seu cunhado e
bom apetite pra todos.

CARTA: — Tenho 1 metro e 48 de altura e meu


namorado tem 1 metro e 92. Meu drama é que toda vez
que quero beijá-lo, tenho de pedir a ele pra se abaixar.
(Rosita — Nova Iguaçu)

RESPOSTA: — Primeiro, passe a usar salto duas


vezes maior e peça a seu namorado que ande descalço:
nessa operação você pode tirar uma diferença de uns 9
centímetros. Procure também freqüentar lugares onde
ambos possam ficar sentados e sente sempre em cima
da bolsa: nessa outra operação, se a sua bolsa for
volumosa, você poderá ganhar mais uns 5 ou 6
centímetros. O resto, deixe por conta dele. Não há
homem, por mais orgulhoso que seja, que não se curve
alguns centímetros pra beijar uma mulher.

CARTA: — Tenho pernas mecânicas, meu marido


também. Há dias ele botou as dele no prego e fugiu com
as minhas. (Asdrogilda — Morro Velho)

RESPOSTA: — Não se preocupe, primeiro porque


ele não suportará ir muito longe com o seu andar.
Segundo, porque suas pernas podem conduzi-lo, pela
força do hábito, a algum lugar onde você não gostaria
que ele soubesse que você ia. Quando ele voltar pra dar
ô estrilo, você aproveita e toma as pernas dele.

CARTA: — Gostaria imenso de conhecê-lo


pessoalmente, é possível? (Paula, ou Paulo — Gávea)

RESPOSTA: — Levei sua carta à farmácia, pra


saber se o seu nome termina com "a" ou com "o". Não
pude saber: deram-me um remédio e me mandaram
tomar de duas em duas horas.
TOMO XII

nosso amigo, o gráfico

O VENDEDOR DE ARAME FARPADO:


A VENDEDORA DE LÃ:
O PSICANALISTA:
O VENDEDOR DE MUNIÇÃO:
O VENDEDOR DE FECHO-ÉCLAIR:
O EXPLORADOR DE PETRÓLEO:
O VENDEDOR DE FIOS:
O VENDEDOR DE PLANTAS:
O VENDEDOR DE CORDA:
TOMO VIII

ficção científica

A experiência
Eu era a cobaia. Quando subi na balança, depois
de um regime apertadíssimo de dois anos e meio, estava
pesando "menos 48 quilos". Era a primeira vez que via
um homem pesar "menos" — e esse homem era eu. Pra
subir na balança eu precisava descer: colocaram no meu
pé uma espécie de âncora que me puxava pra baixo. Pra
sair, era só desatarraxar a corrente que eu saltava. Foi o
que fizeram, quando comecei a subir. Lá embaixo, os
cinco cientistas esfregavam as mãos, cada vez menores.
Uma sensação de alívio, à medida que me afastava
deles. Não sentia o meu corpo e, pra ser franco, nem sei
mesmo se ainda tinha corpo, pois não era possível pesar
"menos" e ainda ter um corpo. Tentei me apalpar, mas
não tinha forças pra mover os braços. Só a muito custo
percebi que nem sequer tinha braços. Isso de não ter
braços foi o que mais me preocupou — até eu descobrir
que também não tinha pernas. Nem tronco. Nem
pescoço. Incrível, eu não tinha mais eu. Era um
absurdo. Como é que eu estava pensando? Pelo menos
devia ter cabeça — mas como verificar, se não podia
perguntar a ninguém e os cientistas ficaram lá embaixo,
cada vez mais pequenininhos e cada vez menos
cientistas? Tentei me lembrar do primeiro dia em que
me apresentei como voluntário e para isso usei o
sistema do flash back, muito usado pelo cinema
americano. Tudo foi ficando fora de foco e quando
começou a ficar nítido, o tecnicolor estava impecável — e
eu sempre imaginei que só se pensava em preto e
branco.

— Voluntário 1335!

Era eu. Aquela voz gritando o meu número nunca


mais me saiu da cabeça. E dizer que a cabeça era a
única coisa que me restava. Acredito que sim, porque
sem ela eu nunca poderia pensar tudo isso que vou
pensar. Eu estava num desses laboratórios de pesquisas
cósmicas e aceitei sentir as emoções de uma cobaia para
um novo invento. Ouvi dizer que estavam tentando
lançar no espaço um homem sem máquina e isso era
um bom assunto para uma grande reportagem. E os
outros 1 334 voluntários, que fim levaram?

— Está com medo?

Lembro-me que sorri quando desafiaram a minha


vaidade. Achei que seria uma grande reportagem e
pensei na cara incrédula dos diretores do jornal, quando
eu chegasse à redação com uma série de artigos: "Eu
voltei do espaço". E se eu não voltasse, como mandar a
reportagem? Pensei num novo título: "Eu não voltei do
espaço", primeira e última de uma série. Mas quem
escreveria? Não pude nem terminar de raciocinar: um
homem barbado me olhou dos pés à cabeça (bons
tempos aqueles em que eu ainda tinha pés) e disse
categórico:

— O senhor será submetido a um severíssimo


tratamento de despersonalização material. Está
disposto?

Não tive tempo pra decidir. Dois braços fortes me


carregaram e me colocaram dentro de um cofre de vidro.
Do lado de fora, dezenas de olhos faiscavam de
curiosidade pra ver o que acontecia. O Dr.
Krutschneider, ou Kafinotch, não me lembro bem,
chegou a falar em desintegração do corpo humano como
o primeiro passo para a nova conquista da ciência.
Nessa altura dos acontecimentos eu só pensava na
reportagem, mesmo porque não havia outro remédio,
pois do lado de fora eu tinha a impressão que ninguém
ouvia nada.

— Ligue o comutador número 3!

— Pronto.

— Comutador número 4!

— Pronto.

— Comutador número 5!

Até aí eu ouvia tudo o que diziam, nitidamente. Não


sei se chegaram a ligar o comutador número 6 porque
quando me tiraram do cofre me disseram que eu já
estava lá há um mês. Pedi uma Coca-Cola, a única coisa
que me ocorreu pedir, e fiquei sabendo que ali era o
único lugar do mundo onde não havia chegado a Coca-
Cola. Fantástico. Se eu contasse isso na reportagem,
ninguém acreditaria. Levaram-me para um salão todo
branco e me submeteram a um processo de
desidratação e, logo em seguida, de descalcificação, o
que era muito perigoso, pois estavam fazendo de mim
um sujeito descalcifiçado: qualquer errinho de revisão,
seria fatal para a minha reputação.

— Tire a roupa. Tirei.

— Tire o corpo.

— Como?

— Tire.o corpo.
Vontade eu tinha de tirar o corpo fora, mas de que
jeito? Dois enfermeiros se aproximaram com uma
máquina de calcular. Na contagem dos meus glóbulos
vermelhos e brancos houve um saldo de 0,00000000002
a favor dos vermelhos e, pra acertar as contas, foi
preciso contratarem o maior contabilista do país pra
tirar a diferença. Segundo a teoria do Dr. Germigold, que
estava fazendo um estágio ali, pois ganhara uma bolsa
de estudos, o meu desaparecimento seria feito
consubstancialmente e quando lhe perguntei o que
significava isso ele limitou-se a me olhar com um ar de
superioridade, como quem quer evitar de me chamar de
ignorante.

— Ignorante!

Mas não evitou. Foi justamente aí que comecei a


perder rapidamente o peso. Quando cheguei a "zero
grama" era como se não existisse mais. Não tinha fome,
não tinha sede e ainda que tivesse não tinha por onde
engolir, pois a minha garganta havia sumido. Ainda
assim, eles não ficavam satisfeitos: queriam que eu
pesasse menos do que menos.

Um ano e meio depois eu não sentia mais o corpo,


só sentia a cabeça. Pedi um comprimido e me disseram
que isso de nada adiantaria pois "o comprimido não
tinha por onde circular. Imaginei-me só cabeça, com
manchetes nos jornais e fotografia do meu rosto: "Foi
vista em Belo Horizonte a cabeça voadora". No princípio
ninguém acreditaria, porque em Belo Horizonte acontece
tudo de tudo. Mas depois minha cabeça seria vista no
Alasca, na Indochina, no Afeganistão, no Meyer e em
Cabo Canaveral. Provavelmente eu seria fotografado pelo
Jornal do Brasil, só para meter inveja no O Globo.
Haveria enquetes a meu respeito: "Você acredita na
'cabeça voadora'?" O IBOPE faria pesquisas e concluiria
que 57 por cento dos homens já haviam visto a "cabeça
voadora"; 24 por cento das mulheres também; 13 por
cento das crianças tinham pavor e 0,6 por cento se
negariam a responder. Possivelmente um vespertino
americano ofereceria 1 000 dólares pela minha cabeça
— "viva ou morta".

Parece que descobriram que eu estava pensando


demais. Só pode ser isso, do contrário não lhes ocorreria
nunca me submeterem também à prova de
desmemorização. Afinal, só me restava a cabeça, que é
que eles queriam fazer com ela? A. última dúvida que
tive foi se já haviam mandado o meu corpo ao espaço ou
se pretendiam mandar a minha cabeça, depois de darem
sumiço no meu corpo. Que pretendiam eles? Se fizessem
desaparecer também a cabeça nada lhes restaria pra
mandar ao espaço. Assim não era vantagem: mandar
nada ao espaço era muito simples, era o mesmo que não
mandar, pois não havia o que mandar. Quem estaria
falhando: os cientistas, que já estavam perdendo a
minha cabeça ou eu que já estava perdendo a cabeça
dos cientistas? O certo é que se me fizeram ficar sem
memória como é que não conseguiam me impedir de
raciocinar? Outra coisa: e quem poderia garantir que eu
estivesse raciocinando direito? Vou ser franco: este,
aliás, foi o meu último raciocínio lógico, porque daí em
diante não consigo me lembrar de mais nada.
Absolutamente nada. Foi quando perdi a cabeça.
TOMO XIV

artigos do dia

O "ballet" da ortografia
Sei mais ou menos o sentido de cada palavra em
relação a cada homem, sei também a palavra exata que
faz cada homem ficar sentido — embora muitos deles
não tenham nenhum sentido. Ainda assim, confesso que
na hora de escrever fico indeciso diante de certas
palavras. Por exemplo, não sei por que "exemplo" se
escreve com "x" e não com "z", se a gente pronuncia
"ezemplo". Outras vezes fico sem saber se se escreve
"asa" ou "aza" e me explicam que "asa" é com "s", "azar"
é que é com "z". Pego alguns livros de noções
elementares e fico cada vez mais sem noção e cada vez
mais elementar. Certas regras a gente tem de decorar,
não só as regras como também as exceções, e a maioria
das regras têm mais exceções do que regras — salvo
exceções. Bolas, se tiver de decorar tanta coisa, não
consigo escrever, preocupado que fico com as regras.
Sinto-me assim uma "garota-propaganda" que fica mais
preocupada com o texto que decorou do que
propriamente com a mensagem que está transmitindo:
não se sente nenhuma espontaneidade no que diz,
justamente porque nem mesmo ela sabe o que está
dizendo. Depois me explicam que não existe mais "k" no
alfabeto: abro os jornais e vejo JK pra cá, JK pra lá. Às
vezes penso que o "k" foi substituído pelo "q" — mas logo
verifico que até o "q" renunciou, pois todos insistem em
dizer que está tudo oká. Às vezes escrevo contacto, a
revisão corrige para contato. Mas quando escrevo jato, a
revisão corrige para jacto — ninguém percebe que um
jato sem o "c" fica muito mais leve e tem muito mais
possibilidades de chegar. O "c" eles devem guardar para
a propaganda, quando dizem DC-3,

DC-6, DC-qualquer número, porque também acho


complicado esse negócio do avião se chamar DC-8 e ser
quadrimotor. Às vezes quero dizer que saí e mandam
botar acento no "i", porque se tirar o acento, quem sai
não sou eu, é o outro — e é aí que está a diferença.
Falam-me em ditongos, em hiatos, em dissílabos e
proparoxítonas — palavras que me trazem amargas
recordações de uma infância cheia de zeros. Quando vou
a uma festa, nunca sei se devo dançar com "ç" ou com
"s". Só depois dos primeiros passos é que percebo que
quem dansa com "s" não sabe dançar. E quem não sabe
dançar fica cansado, com "s", pois só analfabeto se
cança com "ç". Buzina é com "z", mas quem pode me
garantir que se eu businar com "s" ninguém vai ouvir?
Caçar é com "ç", mas também tem cassar, com "ss" —
mas isso se explica: caça-se um bicho e cassa-se um
documento. Só não se pode cassar o documento de um
sujeito que esteja caçando sem documentos. Que a
língua portuguesa tem seus truques, lá isso tem: o
próprio truque, com "que", é uma adaptação do "truc"
francês, provando que o truque brasileiro tem um certo
"q". Mas isso não impede que o bale brasileiro seja
dançado em francês, pois a palavra "ballet" impressiona
mais, tanto que a usei no título. Mas vamos deixar isso
pra lá, que é falando que a gente se entende e não
escrevendo. Porque se há coisa que não me conformo é
"ele" não ter mais assento, o que me fez ficar um tanto
circunflexo só em pensar como é que ele vai se sentar.

Procura-se uma explicação


Um mundo de mistérios se esconde por trás dos
pequenos anúncios. Nunca pude avaliar, pelas suas
fórmulas, quais as suas verdadeiras intenções. Fico a
imaginar se o desespero de quem vende está na mesma
proporção emocional de quem quer comprar. Objetos
perdidos, quase sempre de estimação, documentos
importantes, cachorrinhos desaparecidos, tudo na base
do "gratifica-se bem". Mas o que é gratificar bem, por
exemplo, a uma pessoa que acha uma carteira com 5
000 cruzeiros e se abala do Encantado pra ir entregar lá
no Leblon? Mil cruzeiros é bom? Cinco mil? Acho que
vale dez — nesse caso ninguém deve devolver quantia
menor, sob pena de estar tendo prejuízo, de cara, em 5
000. Um homem honesto só deve achar dinheiro acima
dos 50 000, senão não compensa.

Acho que há um pouco de ironia e de deboche da


parte de toda pessoa que põe um anúncio — e muito boa
vontade da parte de quem acha que ali está a sua
oportunidade. Há vários anos que encontro promessas
de "lugar de futuro" e acho incompreensível que esse
futuro não chegue nunca, e que as vagas continuem
sempre disponíveis. Ou as pessoas acabam por
descobrir que o seu futuro está fora dali ou são outras
firmas que estão se iniciando para oferecer novos fu-
turos a futuros candidatos. Há uma certa ilusão de lado
a lado: quem anuncia o futuro dos outros está pensando
no seu presente e quem procura o seu futuro no
presente de quem anuncia acaba é fazendo o futuro dos
outros.

Até que ponto é sincero um anúncio que procura


moças de boa aparência, de dezoito a 25 anos, com
prática de datilografia e um mínimo de 150 batidas
certas por minuto? Uma moça nessa idade, de boa
aparência, passará mesmo o tempo praticando
datilografia? E ainda que passe, não basta que ela dê as
150 batidas? É tão necessário que sejam todas as bati-
das certas? Que acerte duas ou três, não é o bastante?
Acho que exigir as outras 147 ou 148 não é bem um
exagero — já é abuso.
E esses que vivem vendendo objetos, um de cada
vez, "por motivo de viagem"? Será que o dinheirinho de
um aparelho de televisão ou de uma máquina de costura
ou de um gravador último tipo lhe pagarão a passagem?
Talvez a viagem seja conseqüência: depois de vender os
objetos o melhor será mesmo abandonar a cidade.

E os técnicos? É impressionante como tem gente


especializada anunciando sua especialidade. Mecânico e
eletricista sempre me deram um bruto complexo de
inferioridade, dão-me a impressão de verdadeiros heróis,
criados entre fios e ferramentas, arriscando a cada
minuto as suas vidas. Alguns fingem levar choque pra
valorizar o trabalho e sempre frisam que não é nada e
que nunca fizeram seguro de vida. Há preço que pague
isso? Montam e desmontam qualquer aparelho em
menos de cinco minutos e no fim sempre nos entregam
três ou quatro parafusos que não têm a menor utilidade.
Penso na economia monstruosa que as fábricas fariam
se, ao montarem seus aparelhos, houvessem contratado
os técnicos do "atende-se a domicílio". O parafuso que
nos dão a mais deve ser pra compensar o que eles têm a
menos.

Uns certos sorrisos


De repente, me vejo sorrindo diante do espelho.
Verdade é que ninguém sorri assim sem mais nem
menos, muito menos no espelho. Mas foi até bom,
porque decidi analisar quais os motivos que levam o ser
humano a sorrir e quase vice-versa: quais os seres
humanos que se deixam conduzir até o sorriso. Me
parece que o sorriso é, hoje em dia, o clímax de uma
trajetória, o momento culminante de uma empreitada, o
justo instante de um segundo aparente de felicidade.
Quero crer, inclusive, que está havendo uma indústria
involuntária do sorriso. Não me refiro, é claro, ao sorriso
das garotas-propaganda da tevê nem aos instantâneos
fotográficos que procuram fixar o aroma e o sabor de um
dentifrício, porque esses são sorrisos permanentes,
melhor dito, são "sorrisos-profissão". Por estranho que
pareça, há gente que vive de fazer rir e há gente que vive
exclusivamente de rir. Não sei, sinceramente, qual das
duas categorias a mais difícil, embora isso pareça um
absurdo, por exemplo, para os public-relations, que
trazem sempre pendurada nos lábios uma coleção
inteira de diversos tipos de sorrisos, adequados a cada
ocasião. O public-relations malsucedido é o que se
engana de sorriso: solta uma estrondosa gargalhada ao
invés de mostrar ligeiramente os dentes superiores.

Folheando os jornais, qualquer pessoa pode


verificar que existe um tipo de sorriso para cada
ocupação: há o "sorriso presidencial", por exemplo, que
se divide em duas fases — antes da eleição ("sorriso
campanha") e depois da eleição ("sorriso vitória"). Desses
dois, nenhum presidente escapa, os outros são
ocasionais, que não contam muito em sua sorridente
carreira. Existe o sorriso inconfundível das aeromoças,
inspirando confiança a não sei quantos mil pés de
altura. Além do cinto, os aviões oferecem a aeromoça,
que é o "sorriso de segurança": a gente se aperta naquele
sorriso e não há cúmulos-nimbos que nos desamarre.
Mas há também os sorrisos enigmáticos das estrelas de
cinema: ninguém tem certeza se elas estão rindo dos
maridos que se vão ou dos que estão chegando. Há o
sorriso apatetado dos entrevistados na televisão, mal a
câmara os apanha em dose, procuram fingir
espontaneidade fazendo aquela cara que todo mundo
sabe. Há o "sorriso permanente" dos diretores de
trânsito, o mesmo que eles usam no dia em que se
empossam do cargo e prometem que agora a coisa não
vai ficar assim não — mas a verdade é que se o sorriso
não muda, muito menos o trânsito. Há o sorriso do
chefe de polícia, do bicheiro, do contraventor, do puxa-
saco, do palhaço, do candidato a deputado, do ministro
de Estado, do pintor, do galã, da vedete, do náufrago, do
publicitário, do dentista, das dez mais, do médico, do
atleta, do débil mental, do -mendigo, do analfabeto, do
eleitor. Ninguém sabe ao certo de que provém e aonde
quer chegar: é exatamente igual ao sinal amarelo do
tráfego, espremido entre o verde do avança e o vermelho
do pare. Dura o tempo suficiente pra gente adivinhar
onde está pisando, se no freio ou no acelerador.

TOMO XV

o doutor, esse
desconhecido

Pra médico ler na maca


— Há muito tempo que não sinto nada, doutor, isso
é grave?

— Prefiro examinar os dois ouvidos pro senhor fazer


um abatimento. Hemmmmmmmmmm?

— Descubra o senhor mesmo qual dos meus três


olhos é o de vidro.

— Gostaria que o senhor me receitasse umas


pílulas pra eu perder essa mania de tomar pílulas.

— Não sei o que fazer, doutor, engoli a dentadura


sem mastigar.

— Deixei de fumar definitivamente, agora quero que


o senhor me tire o hábito de comer cigarros.

— Doutor, juro que foi o meu primeiro salto mortal,


mas foi autêntico.

— A primeira vez que o senhor me visitou eu estava


mole, mole. Agora estou duro.

— Seja franco, doutor, tenho ou não tenho razão de


esquecer que me lembro das coisas?

— Não se assuste, a última vez que dei o braço a


torcer, nunca mais desenrolou.

— Se o doutor tiver a gentileza de tirar o pé de cima


da minha cabeça eu lhe explico por que não cresci.

— Não entendo a minha insônia, sempre que ela me


ataca, durmo.

— Meu cão ficou louco, agora só fala inglês.

— Depressa, doutor, trouxe aqui os quinze


bombeiros que foram apagar o incêndio lá de casa.

— Vamos pelo princípio, doutor, meu filho é um


menino prodígio há mais de 29 anos.

— Aquele remédio que o senhor me deu me fez


dormir mais de três anos. Quanto é a consulta, agora?

— Agora vou descansar um pouco, doutor, que


estou cansado de tanto repousar.

O psicanalista ao alcance de todos


— Sonho sempre em inglês, mas o sonho vem sem
legenda e não entendo zerusca, doutor.

— O senhor é muito vivo, doutor, no carnaval só se


fantasia de paciente.

— Minha mulher cismou que é automóvel, doutor, e


o pior é que foi rebocada ontem por estacionamento
proibido.

— Sempre conto carneirinhos na hora de dormir,


mas ontem foi o diabo, doutor: quando cheguei a
dezenove foi que percebi que tinha deixado a outra porta
do quarto fechada.

— Aquele doente mental está ficando louco, meu


caro, temos de lhe dar alta.

— Engoli um parafuso, o senhor ainda acha que


tenho um a menos?

— Meu caro psicanalista, tenho a mania de


comprar divãs. Levo esse?

— Me diga sinceramente, doutor, o que é que o


senhor acha que eu acho do senhor?

— Não sei se estou errado, mas acho que vocês


psicanalistas se cumprimentam meio desconfiados um
do outro.

— Deixe de bobagem, você está bonzinho, sente-se


naquele espelho e espere um pouco que preciso
conhecer bem os seus reflexos.
TOMO XVI

a hora da coragem
TOMO XVI

pra ler na p raia (a d ois)

Fig. 1

MODO DE USAR
Pegue uma pequena e convide-a a ir à praia com
você. Não importa que leve barraca ou não, o essencial é
que leve este livro. Abra exatamente neste capítulo e
coloque o livro na areia. Depois peça à pequena que
deite de bruços de frente para o livro e deite você tam-
bém de frente para o livro, no sentido oposto. Ambos
ficarão um de frente para o outro, com o livro no meio
(fig. 1). Parece complicado pra ler, mas você verá que
não, pois este capítulo foi feito para isso. Quanto aos ou-
tros, espero que você já tenha convencido a pequena a
deitar ao seu lado.
nos bons tempos em que ainda não
Quarenta graus à sombra que o tempo é marcado pelo sol, como
que ninguém leva relógio para a praia: é
Na praia o que faz suar não é o sol, é o mulheres vêm sempre por fora. Já sei por
biquíni. O Serviço Meteorológico me que não é bobo, por isso é que as
parece muito meteoro e pouco lógico, não deixa ninguém entrar dentro dele,
nunca prevê o tempo estável sujeito a diminuem. Aliás, biquíni que se preza
brotos, com ligeira elevação no decorrer mas é pura ilusão: os biquínis é que
do período: banho de mar de tarde só dá brotinhos de hoje crescem mais depressa,
velhota. Quanto vale uma vida humana? cara. A impressão que se tem é que os
Os banhistas salvam, em média, umas calção, que está custando os olhos da
dez por mês que, divididas pelo seu salá- seiscentas pratas, cada uma, fora o
rio, devem custar aí por volta de umas rio, devem custar aí por volta de umas
seiscentas pratas, cada uma, fora o dez por mês que, divididas pelo seu salá-
calção, que está custando os olhos da Os banhistas salvam, em média, umas
cara. A impressão que se tem é que os velhota. Quanto vale uma vida humana?
brotinhos de hoje crescem mais depressa, do período: banho de mar de tarde só dá
mas é pura ilusão: os biquínis é que brotos, com ligeira elevação no decorrer
diminuem. Aliás, biquíni que se preza nunca prevê o tempo estável sujeito a
não deixa ninguém entrar dentro dele, parece muito meteoro e pouco lógico,
que não é bobo, por isso é que as biquíni. O Serviço Meteorológico me
mulheres vêm sempre por fora. Já sei por Na praia o que faz suar não é o sol, é o
que ninguém leva relógio para a praia: é
que o tempo é marcado pelo sol, como Quarenta graus à sombra
nos bons tempos em que ainda não
TOMO XVIII

NamoraDos

diA das mães

Trabalho

Ano novo

AniverSário

Seu namorado merece


Minha amiga, você está em sinuca e não sabe o que
dar ao seu namorado. É sempre assim, quando menos
se espera, os jornais começam a falar no "Dia dos
Namorados" e é então que você se lembra que tem um e,
para conservá-lo, é obrigada a essas gentilezas, pois as
datas foram feitas justamente para esse "toma-lá-dá-cá"
habilmente bolado pelos comerciantes. Como as datas
vêm muito de estalo, você é pega de surpresa e não tem
tempo de lhe dar uma coisa mais em conta. As listas de
presentes que costumam aconselhar são sempre assim:
um lenço, uma gravata, um par de abotoaduras, um
isqueiro, um suéter, uma camisa esporte, um chaveiro,
uma carteira de notas, um porta-retrato — e de ano
para ano o felizardo vai aumentando o seu guarda-
roupa. Vou tentar auxiliá-la, recomendando-lhe que
compre alguma coisa fora do comum. Comecemos por
meia dúzia de cuecas, já pensou a cara dele quando
abrir o embrulho diante da família? Olharão uns para os
outros, sem saber do que se trata e quando um deles
abrir uma todinha será um "oh!" de fazer inveja ao coro
de Ray Coniff. Aí virá um por um disfarçar o mal-estar,
apalpando com os dedinhos, dizendo que realmente é
uma beleza e que o tecido é de boa qualidade e que você
teve muito gosto. Principalmente, se forem todas cor-de-
rosa, como está na moda. Chato vai ser se ele disser que
não usa cuecas, mas aí você aproveita e rompe tudo de
uma vez, pois é nessas ocasiões que melhor se conhece
o tipo de educação do namorado que se tem. Outro
presente interessante é um lenço sujo de batom, que
pode ser o dele mesmo: a cara de espanto que ele fará
quando reconhecer o próprio lenço será tão constrange-
dora que ninguém entenderá nada. Antes mesmo que ele
fale, você corre e lhe dá um abraço, dizendo apenas:
"Gostou, querido?" O mal-estar será geral, mas logo sur-
girão as blagues e tudo ficará por isso mesmo. Você será
considerada, na família, como uma mulher do mais alto
senso de humor. Outra sugestão interessante é
encomendar um par de halteres de 100 quilos cada um.
Mande o mensageiro entregar em mão e não esqueça de
correr à casa dele antes, para vê-lo receber. Quando ele
segurar o embrulho fará, forçosamente, uma curvatura
de 90 graus e é então que você dirá: "Foi pouco, meu
bem, mas prometo que no ano que vem será melhor". Se
o seu namorado é do tipo tímido, dê-lhe um par de
alianças, que servirá como uma boa indireta e talvez —
quem sabe? — ele decida lhe pedir em casamento e pelo
menos uma das alianças você terá de volta. Há muitas
outras sugestões que fogem completamente à rotina,
mas não convém arriscar porque nunca se sabe se o seu
namorado é tão esportivo quanto parece durante os
períodos que você o namora. Além do mais, sei que não
adianta dar conselhos, pois você vai mesmo é dar uma
gravata, como todo mundo. E no dia seguinte ele vai à
loja trocar — como todo mundo.
As dez mães do ano
MÃE MODERNA é a que faz da filha uma amiga, da
amiga uma irmã, do marido um filho, do filho um pai e
do pai, pai mesmo, porque pai é pai.

MÃE FRUSTRADA é a que tenta dezoito vezes ter um


filho e tem dezoito filhas.

MÃE INGÊNUA é a que sempre diz às suas amigas:


"Felizmente, a minha filha foi criada de outra maneira".

MÃE AFLITA é a que espera sua filha chegar do baile


do sábado, mas que diabo, hoje já é segunda.

MÃE CAXIAS é a que faz tricô de ouvido: passa a


noite inteira mexendo com as mãos, mas não tira o olho
do noivo.

MÃE ZELOSA é a que vai jogar cartas e se lembra que


esqueceu de dar a mamadeira pro menino, pára de
jogar, vai lá, depois volta.

MÃE VAIDOSA é a que vive diminuindo a idade da


filha, só para poder diminuir a sua, e só não diminui
mais senão acaba perdendo a filha.
MÃE INDECISA é a que tem dois filhos gêmeos e não
sabe qual vai se chamar Ricardo, se este ou aquele.

MÃE ORGULHOSA é a que mostra a fotografia do


filho no jornal e diz: "Este é meu filho", sem perceber
que a seção é policial.

MÃE REALIZADA é a que põe seu filhinho no colo e


diz: "Agora você já pode casar, meu filho, hoje você com-
pleta noventa aninhos".

Dia do Trabalho
Ano-bom taí
COQUETEL DE CHAMPANHA

Pegue duas velas Champion e dissolva num copo de


água. Depois jogue fora a água e jogue fora o copo. Ago-
ra, comece tudo de novo: compre um copo, compre uma
garrafa de champanha (aconselho a nacional que é bem
mais barata), guarde o copo no armário e a garrafa no
congelador. No dia seguinte, veja se o copo ainda está no
armário e veja se a garrafa está no congelador. O copo
está? Ótimo. A garrafa sumiu? Ligue rapidamente pro
distrito e mande chamar o delegado, se o delegado não
estiver, consulte mesmo o comissário, se o comissário
estiver no café, pergunte ao próprio investigador que
está no telefone: ele talvez saiba como fazer um coquetel
de champanha.

COQUETEL PICADILLY

Vá ao armazém, antes que feche. Pergunte onde pode


comprar um bom licor verde, se ele disser que só tem
amarelo, não se deixe levar — a cor é muito importante.
Não a do licor, mas a que você vai ficar, depois de tomar.
Só volte pra casa com a garrafa na mão. Pergunte à
empregada onde está o saca-rolha e depois que ela
encontrar, diga-lhe bem na cara pra deixar de ser
imbecil, pois o licor que você comprou não tem rolha.
Nesse caso, mande a sua empregada comprar uma rolha
e enquanto ela não vem, você entorna toda a garrafa na
garganta. Quando ela voltar com a rolha, tente colocá-la
na garrafa. A rolha, meu caro, não a empregada. Se você
conseguir colocar a empregada na garrafa, já pode
imaginar o tipo de pileque que você está.
COQUETEL DRY-DRY

Ligue pra um amigo e peça uma garrafa de ron. Se ele


perguntar "O quê?" você repete, ron, se ele perguntar de
novo "O quê?" você esclarece e diz ron, depois soletra: R-
H-U-M. Naturalmente ele pensará que é algum trote e
desligará na sua cara. Mas antes que ele desligue, você
desliga primeiro e deixa o telefone fora do gancho alguns
minutos. Depois leve o fone ao fogo, perdão, estou fazen-
do confusão com receita de bolo. Vamos começar tudo
outra vez: obtenha do modo que achar mais fácil uma
garrafa de ron, ou de rhum, isso depende do gosto de
cada um. Ponha duas gotas num cálice e depois cale-se
três ou quatro minutos, até que todo mundo pense que
você está fazendo um trocadilho, então você diz que não,
que está preparando um coquetel. Por cima das duas
gotas de ron, ponha uma colher de sopa de cerveja, mas
fica bem claro que a colher é que é de sopa e não a sopa
que é de cerveja. Por cima da colher de sopa, melhor, da
cerveja que foi despejada com a colher de sopa, jogue
duas pedras de gelo, tendo o cuidado de não deixar
espirrar nos olhos. Mas por via das dúvidas, deixe
sempre ao lado um vidrinho de colírio. E já que está com
o vidrinho na mão, ponha logo duas gotas, não nos
olhos, mas no cálice. Duas gotas, dois minutos, um
coquetel claro e bonito. Se você não enxergar nada,
depois dessa, não pode se queixar que foi por falta de
colírio.

COQUETEL FASCINATION

Arranje uma loura de dezoito a 25 anos. Nem menos,


nem mais. Que seja bonita e esteja de biquíni. Depois
peça a ela pra segurar o copo e comece a despejar, na
seguinte ordem: duas azeitonas, duas cerejas, um pouco
de cinzano, um pouco de gim, um pouco de martini, um
pouco de uísque, um pouco de vodca, um pouco de
vinho branco, um pouco de Coca-Cola. Ao abrir a Coca-
Cola, verifique se não ganhou um Volkswagen. Se
ganhou, largue tudo no chão e vá buscar o prêmio. Mas
o mais certo é que não ganhe, pois esses concursos
quase levaram à falência a indústria automobilística,
tanto que acabaram. Os concursos, digo. Então deixe de
fazer divagações, largue a chapinha da Coca-Cola e veja
se a loura ainda está segurando o copo. Se não está,
bobeou — porque sujeito que tem uma loura de dezoito
anos na sua frente, de biquíni, e insiste em preparar
coquetel, vou te contar.

Aniversário
Me acostumaram a achar, desde menino, que o dia
em que nascemos é uma data que deve ser comemorada,
todo ano. Nunca entendi direito qual a vantagem desse
regozijo, como se fosse um desafio ao tempo.
Salgadinhos, bebidinhas, um pouco de música e um
pouco de amigos, tudo em volta de um bolinho onde, à
meia-noite em ponto, apagam as luzes e todos cantam
sem muito entusiasmo o happy-birthday mais
desafinado do mundo — e ainda por cima em inglês.
Depois vêm as palmadinhas nas costas, as pequenas e
constrangedoras filas pra repetir o abraço que já foi
dado na entrada, com pouco menos de espontaneidade.
É uma espécie de pêsames às avessas. O aniversariante
faz cara de homem feliz, se sente assim o centro dos
acontecimentos, porque enquanto todos batem papo,
tocam violão, dançam e riem, ele fica num cantinho
completando o seu aninho. Nem sei mesmo se aquele
sorriso é de felicidade ou de cortesia para consigo
mesmo, enquanto a presença de todos lhe lembra, a
cada instante, que está um ano mais velho, um ano
mais gasto, um ano mais acabado. Fica fazendo planos
em se adaptar à nova idade, que ele já viu outros
fazerem e que só agora ele sente como realmente é. O
efeito me parece mais psicológico do que lógico.
Ninguém faz anos nem ninguém envelhece de ano para
ano. A lembrança e o festejo da data é que nos fazem
sentir aquela obrigação de envelhecer. Uma frase, uma
despedida, um encontro casual, uma descoberta
qualquer, podem nos envelhecer de um momento para
outro. Ou rejuvenescer. Mas o homem cismou que a
data do seu aniversário é o momento matemático de
envelhecer, física e mentalmente. É uma imposição do
tempo que a sociedade inventou. Eu, por exemplo, me
acostumei a fazer dias, o que já considero um milagre —
nos dias de hoje. Cada um que passa é mais difícil de
ser completado. Os acontecimentos andam tão rápidos
que quando a gente vai ver, amanhã já é ontem e ontem
foi há quatro ou cinco meses atrás. Não sei por que essa
mania de dividir o tempo, se a gente nem sequer sabe
quanto tempo vai viver. Acho, portanto, que o
aniversário é mais uma satisfação que se dá aos que nos
cercam do que a nós mesmos. Não me lembro de ter tido
aniversários mais felizes ou menos felizes. Se alguém
não me advertisse, talvez eu fizesse anos sem perceber.
Os telegramas, as cartas, os telefonemas, me põem
perplexo pela presteza da memória alheia, coisa que
sempre invejei. Dificilmente me recordo do que fiz ontem
e raramente me preocupo com o que vou fazer amanhã.
Simplesmente vou vivendo, espremido inconscien-
temente entre uma coisa e outra. Nasci a 12 de outubro,
se meus pais não me tivessem avisado eu teria menos
uma preocupação na vida. Iria crescendo, ficando
maduro, sem saber precisamente quando nem quanto. A
todos os que nasceram nessa data, feliz aniversário.
Quanto a mim, paciência, o aniversário é meu e faço
quando bem entender.
TOMO XIX

e n c o n t r o c o m a s e s tá t u a s

SOLIDARIEDADE:
O DISCOBULO E O DISCÓFILO:

A UNIÃO FAZ A FORÇA:


APARANDO:

TIRANDO O PÉ DA LAMA:
CASQUINHA:
DISPLICÊNCIA:

APERTO:
ESTE NÃO QUIS ENTRAR NA BRINCADEIRA:
TOMO XX

re fl e x õ e s s e m re fl ex o

A vaca pode fazer greve que já existe o leite em pó.

As casas de decoração cobram tão caro que isso


estimula o casamento — principalmente com mulher
rica.

Inflação é um sujeito chegar pro outro e perguntar se


tem troco pra mil e o outro responder se servem três de
quinhentos.

Enquanto a gente andar carregando uma bengala, vai


tudo bem. Pior é quando a bengala começa a carregar a
gente.

Engraçado, esse negócio de polícia: qualificam um


homem pelo fato de o considerarem um desqualificado.

Este o lema que orienta a ONU, com pequeno erro de


revisão: "Armai-vos uns aos outros".
Hoje se ganha com o suor do nosso talento o pão
nosso de cada intermediário.

O papel de carta está tão caro que se devia começar a


correspondência assim: "Preçado senhor".

Terra injusta, esta, onde só os vizinhos têm telefone.

Difícil, hoje em dia, é jogar cara-ou-coroa no Brasil: o


cruzeiro ficou só com a cara.

Só em pensar que se é um cônjuge — dá vontade de


pedir divórcio.

Cada vez me convenço mais que a democracia é uma


forma de governo onde o mais forte faz o que quer mas
dá direito ao mais fraco de reclamar.

A carta anônima é o maior índice de analfabetismo de


um país.

Nos países supercivilizados, de cada cem habitantes,


101 são desequilibrados — contando naturalmente com
os psiquiatras.
A terrível dúvida do homem moderno: não sabe se a
janela em frente é um pequeno palco ou uma grande
platéia.

Uma verdade é irrefutável: o homem sempre explode


primeiro que a bomba.

Mira boa tem o médico, quando pergunta se dói,


aperta justamente no local.

Um bom juiz é o que faz justiça ao melhor advogado.

Pior é quando o psicanalista descobre que a gente


tem dinheiro: aí é ele quem adquire a verdadeira mania
de perseguição.

Dicionário é dinheiro em caixa, em caso de aperto a


gente empenha a palavra.

A injeção contra a gripe é uma auto-sugestão. Não


pra nós, que sabemos disso, mas para o vírus — que
ainda se deixa impressionar.

Em praia de banhista vivo quem tem binóculo é rei.


Eis um lugar onde o indivíduo não pensa
absolutamente nada: o elevador.

As férias são uma pausa para reorganizar as preo-


cupações.

Tem dias que a gente se tranca dentro de si mesmo,


como quem tenta evitar um espirro.

A maior indústria de todos os tempos: a indústria da


vaidade.

A vítima é sempre a primeira a aparecer no local do


crime.

O espião é pago para descobrir, mas passa o dia


inteiro fugindo pra não ser descoberto.

Certas tevês deviam ter controle super-remoto: só


assim a gente poderia desligar a do vizinho.

Há livros cujo prazer acaba quando a gente acaba de


cortar as suas páginas.
O pior do alpinismo é a volta.

Disque 102 só pra ouvir a telefonista dizer que não


tem meios de lhe dar informações.

A alegria do circo é ver o palhaço pegar fogo.

Viver honestamente é fácil. Difícil é viver desonesta-


mente.

Seguro de vida é bom, mas o que é que a gente leva


nisso?

Muito breve, nem americanos nem russos lançarão


mais foguetes —- por absoluta falta de espaço.

Isqueiro que não falha é como mulher infiel: dá pra


desconfiar do seu mecanismo.

O despertador foi inventado pra acordar os que têm


sono pesado e não deixar dormir os que têm sono leve.
Se o seu horóscopo não está bom, procure outros em
outros jornais que sempre melhora um pouquinho.

A janela é um encontro com o mundo exterior.

O homem luta a vida inteira pra ser notícia e quando


consegue ser não se livra mais disso.

Se colocassem um anúncio de sutiã ao lado de um


binóculo, qual venderia mais: o sutiã ou o binóculo?

Rascunho é a maneira da gente se desculpar pra


escrever tudo diferente quando passar a limpo.

Às vezes o homem acorda com a vela suja e fica


rateando o dia inteiro.

É espantosa a memória de certas vítimas passionais


em contar as 47 facadas que levaram do amante.

Muitos pilotos salvam o avião, mas ainda não


inventaram um avião que conseguisse salvar o piloto.

A ninguém ocorre que os vivos, muito mais que os


mortos, adoram flores?

Os maridos sofrem de liberdade condicional.

O homem infeliz deve se virar pelo avesso e começar


tudo de novo.

A luta da mulher bonita começa de manhã cedo, no


espelho.

Estatística sobre o suicídio é impossível: quando os


censores chegam ao local, já removeram o cadáver.

No fim de cada semestre os bancos se submetem a


um "cheque-up".

As vitaminas foram descobertas pra mostrar à gente


como o nosso organismo é deficiente em letras.

Existem sujeitos que usam a vírgula pra dar um nó


na frase anterior.

Uma coisa a inflação conseguiu: os homens de


amanhã são mais caros que os de hoje.
O filho, quando nasce, não está preparado pra ser
filho — e quando menos espera já é pai.

A única pessoa que nos dá o prazer de não nos


receber é o dentista.

Conversa de bêbado entra por uma narina e sai por


outra.

Aperto é o sujeito ter de vender todos os quadros pra


poder comprar as molduras.

Mulher muito elegante não tem amiga, tem inimiga


vestida de amiga.

Só é bom ouvir música quando o ouvido está de folga.

Homem que consulta agenda vive com antecedência.

O mundo sempre mentiu: recordar não é viver.

A preguiça é o ócio mais difícil de roer. E o trocadilho,


idem.

A pontualidade é um luxo dos que não têm relógio.

Num lance, o jogador pode perder o caráter. Daí pra


frente não perde mais nenhuma parada.

Conta de médico nunca é paga com satisfação,


mesmo quando o cliente é salvo.

Os telegrafistas nacionais estão sempre em greve


parcial, por isso os telegramas chegam sempre com
menos letras.

Ah, que alívio, quando a gente deixa as visitas na


sala, tranca-se no banheiro e pendura a pose no cabide
por alguns instantes.
Não

T OMO

Mais nenhum

***

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