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Todos os Rios que Chorei por Ti

Clube dos Corações Partidos | Livro 3

Camila Marciano
Esse livro eu dedico ao Maré que ainda bem que não lê.

Com amor,

Cabelo de Unicórnio.
It's you and me
That's my whole world
They whisper in the hallway, "she's a bad, bad girl" (okay!)
The whole school is rolling fake dice
You play stupid games, you win stupid prizes
It's you and me
There's nothing like this
Miss Americana and The Heartbreak Prince (okay!)
We're so sad, we paint the town blue
Voted most likely to run away
With you

Miss Americana & the Heartbreak Prince - Taylor Swift


Capítulo Um
(Andressa)

Eu não tenho tempo para essa merda. Tenho dois filhos e uma empresa
para dar conta, não tenho tempo nem disposição para ficar correndo atrás de
marido com crise de meia-idade.
Sair de casa às três da madrugada, numa quarta-feira, para flagrar
marido com outra? Eu? Logo eu?
Patética, Andressa, você é patética.
Estacionei o carro do outro lado da rua, distante de seu carro para
não ser notada, e esperei que ele entrasse no tal inferninho para entrar logo
atrás.
Não sei o que tinha na cabeça quando resolvi flagrar a sem-
vergonhice, mas, se ali estava, dali só sairia com respostas.
Dei alguns minutos para não ser vista e entrei em seguida. Uma
moça muito bonita me abordou ainda na entrada, e me disse que bolsas e
celulares não poderiam entrar.
— Eu não vou frequentar, mocinha. — respondi sem paciência —
Só vim buscar meu marido.
— Pela segurança e privacidade dos membros, é melhor que a
senhora não faça isso.
— Certo — garanti a civilidade —, prometo não fazer barraco.
E avancei para a porta que permaneceu fechada, à direita do balcão
onde a mocinha trabalhava.
— Chaves, celular e bolsa, senhora.
Respirei fundo.
Larguei tudo sobre o balcão e olhei com raiva para a coitada. Ela
não tinha culpa, racionalmente eu sabia, mas como reagir de um jeito com
uma pessoa, quando queremos matar outra?!
— Nome, sobrenome e documentos, por favor.
— Tá de sacanagem, né?
Não estava.
Depois de dar todos os detalhes que ela queria, imaginei que o Lipe
já tivesse até saído pelos fundos, que tivesse se atracado e terminado, que…
sei lá! Talvez, pela demora da mocinha, sequer o encontrasse.
Ouvi a porta destrancar e passei como um raio, pronta para cortar
tudo e todos, e parei no meio do salão, vestida como uma mãe de dois filhos
depois de um expediente cansativo, de frente para uma barra de poledance
ocupada por uma mulher talvez da minha idade, que dançava pelada e fazia
questão de se abrir inteira.
Fiquei em choque pela depravação. Então era esse o tipo de coisa
que meu marido gostava? Esse nível de rebaixamento? Ver uma mulher
dançando sozinha para se exibir para um bando de desconhecido?!
Olhei aos redores caçando pelo marido. Olhei as mesinhas ocupadas
por casaizinhos bebendo, olhei outros casais se batendo com chicotes (!!!!),
um casal já bem mais velho imitando bebê (!!!!!!!!!!!), dois homens
chupando uma mulher, três homens ajoelhados diante de outra.
Uma loucura só, tudo tão escandaloso e pelado que me dava
vergonha por eles.
Não sou nenhuma puritana, não, viu? Eu gosto de sexo, acho
prazeroso, mas tem coisa na vida que nunca me prestaria ao papel, e uma
delas, sem dúvidas, é me enfiar em quartinhos apertados, com cheiros de
outras pessoas, música barulhenta e pouca luz, só para transar.
Lipe não estava em parte alguma e meu coração doía de nervoso.
Olhei no balcão do bar, para todos os casais, até dei uma espiadinha escadas
acima só para saber se existia a possibilidade de ele ter subido, mas não o
vi.
Alguém passou por outra porta e não esperei que ela se fechasse.
Desci os poucos degraus para o lado de fora e parei quando percebi que
aquele espaço, diferente do anterior, era ao ar livre. Tinha gente brincando
com fogo (???), gente bebendo no bar, gente usando gente de cadeira
(???????), gente chupando e sendo chupado ao mesmo tempo.
Um horror de sexo explícito e corpos suados. Um monte de gente
assistia também, encostados nos cantos, bebendo e fumando como se tudo
fosse normal.
Não sabia como todo esse povo tinha estômago, eu não tinha. Minha
sexualidade eu resolvia no quarto, num espaço privado e limpo, não…
naquilo.
De tão horrorizada, acabei perdendo um pouco o foco, e só depois
que voltei à razão. Lipe estava sentado num canto escuro, olhando
fixamente para algum canto que não me interessava, e uma moça, bem na
hora que o vi, se sentou no tampo da mesa em que ele ocupava.
Ele levou um susto, mas não expulsou a menina prontamente. Eles
começaram a conversar, ela cheia de sorrisos e decotes, cruzando a perna
bem alto, na cara dele com aquela saiazinha minúscula provavelmente sem
nada por baixo, e ele cheio de sorrisinhos para a desconhecida.
De repente, a raiva cega passou para dor. Minhas dúvidas não eram
coisa da minha cabeça. Meu marido, meu parceiro de mais de vinte anos,
finalmente resolveu jogar tudo o alto e se aventurar como um adolescente.
Dizem que a crise de meia-idade é como uma puberdade piorada,
mas nada me preparou para aquilo. Nem ninguém.
Quebrada e em prantos, parada no lugar, catei meus caquinhos do
chão, sem coragem nem força para fazer barraco, e fui embora.
Tão machucada e ferida que a única coisa que pude fazer foi chorar
sentada no banco do carro, a cabeça encostada no volante, e tão triste, tão
triste, que não consegui sair do lugar por um longo tempo.
Capítulo Dois
(Andressa)

Você tem duas escolhas, Andressa: Falei para mim mesma, a cabeça
enterrada no volante, o choro caindo para o colo e o coração em mil
pedaços. Ou você arruma mais uma briga e tira essa patifaria a limpo, ou
entre na dança.
Não sei quanto tempo fiquei ali, olhando tudo sem enxergar nada,
chorando meu peito para fora, tão magoada e sentida que mal conseguia me
mexer.
Sabia que precisava sair dali, dar um jeito na vida, resolver o que
fazer, dar o troco. Sabia de tudo isso, mas, como? Como fingir que não vi o
que vi e ir para casa, me deitar na mesma cama que ele e lhe preparar o café
da manhã como se nada tivesse acontecido?
— É por isso que eu odeio esposas. — Sem que me desse conta,
alguém puxou a porta do passageiro, entrou no meu carro e se sentou,
reclamando, cortando meu fluxo de raciocínio e chororô. — Odeio essa
merda de casamento tradicional e intrigas de gente mal-resolvida.
Assustada num tanto, não consegui me mover. Estava tão frágil e
sentida, que sequer pensei em segurança quando fiquei ali parada, dentro no
meu carro, naquela rua vazia.
— Prazer, Bataille. — E me estendeu a mão num cumprimento
como se nosso encontro tivesse sido espontâneo.
Olhei bem para a cara daquele sujeito, um homem preto enorme de
camisa branca e um monte de tiras de couro sobre o peito, como uma
espécie de suspensório elaborado, o sorriso maléfico com um jeito cafajeste
que toda mulher reconhece de longe, e o rosto lindo.
— Sabia que você seria um problema desde que seu marido pisou
no meu bar pela primeira vez, Dona Andressa.
O meu lado de esposa ressentida queria saber quantas vezes ele
pisou naquele bar. O meu lado sensato só pensava o quão inseguro era
começar uma conversa com um homem que invadiu meu carro. O meu lado
curioso queria saber como ele sabia meu nome e por que puxava aquele
assunto comigo.
De todos os lados que eu podia escolher para dizer minhas primeiras
palavras àquele estranho, escolhi o mais idiota:
— E quantas vezes ele já veio aqui? — Falei num fiapinho triste de
voz que mal saiu, e quis morder minha própria língua.
— Isso não vem ao caso. — Percebendo que eu não cumprimentaria
a mão que tinha estendida, a guardou. — Se serve de algum consolo, ele
nunca te traiu.
— Depende de como você vê a traição — Rebati — Por que sair de
casa no meio da noite e vir para esse… inferninho, para mim é traição, sim.
— E o que muda disso para um pornô? Ver pornografia é traição,
agora?
— É diferente e eu não vou ficar me explicando para você!
Ele deu uma risada alta que me deu vontade de fazê-lo engolir os
próprios dentes.
— Se quer saber…
— Não quero! — Interrompi.
— … você fica muito melhor brabinha do que com todo esse
chororô.
— O que você veio fazer no meu carro, afinal?! — Finalmente
perguntei o que devia ter perguntado desde o começo — Se é para ficar
rindo de mim, pode sair!
— Depois de Valéria, eu virei um frouxo. — Confessou como se eu
soubesse quem, afinal, era essa tal Valéria — A minha funcionária viu você
entrar e me avisou do pior, mas mandei meus seguranças não fazerem nada
até você colocar suas garrinhas para fora.
— Viu que também sou frouxa e não tenho coragem para arrumar
barraco nem quando preciso?
— Ficamos com pena de você. — Ele me corrigiu — Todos nós já
tivemos nosso coração partido em algum momento. O segurança do lado de
fora veio me avisar que você entrou no carro, mas não saiu.
— E você achou esse um bom momento para vir rir de mim.
— É que você me conhece pouco. Se me conhecesse, ficaria
surpresa de me ver com pena de alguém.
— Se tá esperando um “obrigada”, pode esquecer!
Ele respirou fundo três vezes antes de me responder, como se eu
fosse uma criança birrenta. Resmungou alguma coisa que não consegui
entender, olhou para a porta do próprio bar como se esperasse que alguém
viesse em auxílio, e depois falou:
— Você tem duas escolhas aqui, mas só uma é esperta.
— Eu sei disso, mas só que…
— Aprenda a ouvir! — Me deu esporro, com aquele vozerão de
tremer terra, e endireitei a coluna como se tivesse tomado bronca do meu
pai. — Estou aqui, tentando te ajudar, e você não para por um segundo para
ouvir! Se você sabe de tudo e está tudo certo na sua vida, como se enfiou
nessa situação, hein? Perseguir marido no meio da noite, Dona Andressa?
Sério?! É nesse pé que anda seu casamento? É isso o que você tem quando
chega em casa cansada do serviço? O que caralhos aconteceu com o casal
que passa a mensagem de uma entidade forte e sensual em todos os jantares
beneficentes que nos encontramos?
Olhei de novo para o rosto dele. Eu sou boa de nomes e semblantes,
certamente me lembraria dele se tivéssemos nos esbarrado.
— Você me conhece?
— Nunca me apresentei, mas vocês dois sempre me chamam muita
atenção. — E, com um sorrisinho mais ameno, acrescentou: — Só é uma
pena que nunca tenha te visto com o vestido certo.
— Fosse outro vestido, você teria se apresentado?
— Me apresentado?! — E riu. Não tinha uma risada fingida ou
forçada, tinha o tipo de risada aristocrática e divertida que, se fosse num
outro contexto, teria me feito rir também. — Teria te arrastado para o meu
bar na mesma hora. Aliás…
— Não. — Respondi antes que ele sugerisse de voltarmos lá para
dentro.
— Outra hora, então. — E mudou de assunto antes que eu pudesse
explicar com A+B que não haveria “outra hora” — Vou falar das suas duas
escolhas e você vai ficar quieta até eu terminar, tá bom?
Assenti e não falei.
— Boa garota. — Sorriu me congratulando pela obediência e revirei
os olhos quando entendi o contexto — Agora: você tem duas saídas para
essa merda que se enfiou. Uma, você pede o divórcio e fica o resto da vida
se perguntando o que poderia ter feito diferente, ou Duas, faça diferente.
— Como?
— Seja a mulher que ele sempre quis que você fosse…
— Não. — Cortei. — Virar uma puta só para ter esse homem na
minha vida? Não. Não foi com essa mulher que ele se casou e não vou
mudar quem eu sou só para tê-lo comigo!
— Aprenda com as putas, depois fale delas. — Ele retomou
pessoalmente ofendido com o que eu disse — Tente ser 10% de qualquer
mulher lá dentro e depois diga o que elas são. Para uma mulher CEO que
passa o dia brigando contra o machismo, você fala como uma hipócrita.
Depois disso, tive de ficar quieta. Enfiei meu feminismo na bunda e
tive de tomar bronca de um homem por isso.
— Olha, o problema não é elas ou o que fazem. — Respondi com a
orelha quente — Eu não tô nem aí! Só que eu não me vejo abrindo espacate
pelada em cima de uma barra de poledance!
— Esse é o fetiche da Sabrina, não o seu. — E fez a pergunta de um
milhão de dólares: — Quais são os seus?
— Os meus o quê? Fetiches?
Foi a minha vez de rir. Fetiche o quê! Eu tenho quarenta e dois anos,
dois filhos, uma empresa para dar conta! Não tinha tempo nem para tomar
banho de banheira, quem dirá pensar nessas coisas!
— Ultimamente, fetiche para mim é tomar café da manhã em
silêncio. — Respondi rindo porque até isso, na minha casa, era impossível.
— Não me faça perder tempo, mocinha.
— É sério! — Engoli a risada e olhei bem para ele — Não tenho
fetiche algum.
— Cruzes. — Respondeu desanimado — Vai ser pior do que eu
pensava.
— O quê? — Não entendi o que ele queria dizer. Do jeito que falou,
parecia que tinha planos.
— De alguma coisa você vai ter que abrir mão. Ou você me fala
seus fetiches, ou entra lá comigo e descobre alguns.
Não sabia nem o que pensar, quanto mais tomar uma decisão. Amo
muito meu marido e não queria mais encrenca. A nossa vida andava tão
difícil, estávamos tão sem tempo para as coisas que nem nosso aniversário
de casamento comemorávamos mais.
Eu podia pedir o divórcio, mesmo. Podia só aceitar que nosso
casamento estava acabado e que não daríamos certo nunca mais. Era o fim
da picada meu marido sair de casa no meio da noite para se enfiar num bar
de procedência duvidosa e ficar conversando com estranhas.
Por outro lado… Para chegar a esse ponto, alguma coisa não estava
certa há um bom tempo. Não é?
— Tá! — Cedi — Eu posso entrar nesse bar com você antes de
tomar uma decisão definitiva, mas não vai ser hoje.
Olhei no relógio do painel e tive um treco: se dormisse no banco do
carro, ali mesmo, eu teria três horas de sono para aguentar o dia seguinte.
— Amanhã, dezenove horas. — Ele mandou — E quero você com
uma roupa melhor que isso.
— Dezenove? — Sete era praticamente impossível! — Pode ser às
vinte e duas? Às sete eu tenho…
— Delegue. — Me cortou — Se você largar o batente às seis, sobra
tempo suficiente para se arrumar e vir para cá. Quem sabe, dá tempo até de
dar a janta dos seus filhos.
Eu não saía do escritório antes das oito. Não compartilhei minha
rotina com o estranho, mas dar o jantar dos meus filhos também era uma
coisa que eu queria muito fazer todo dia, mas raramente conseguia.
Ainda mais num horário daqueles.
— Vou fazer o possível.
— Não se atrase.
Com um beijo no rosto que quase foi na boca, saiu do meu carro do
mesmo jeito que entrou.
Capítulo Três
(Marido)

Você conhece essa piada: um homem entra num bar e dá de cara com
uma cena violenta de sexo que muda toda a sua perspectiva de casamento.
Numa única piscadela entre uma Domme de vermelho e um
submisso tão extasiado que o suor escorrida de suas costas, entendi o
quanto meu casamento andava uma bosta.
Não me leve a mal, eu amo minha esposa, sou doido varrido nela,
mas a questão não é essa. Depois de anos de casado a gente sabe o que
esperar do parceiro. Sabe tanto, que até para fazer surpresa e suspense fica
difícil.
E isso se aplica à cama, também. Já descobrimos como o outro goza,
como ele gosta das coisas e tudo o mais. Some aquela faísca do primeiro
encontro que deixa a gente meio louco e meio nervoso por não saber nada
sobre o outro.
Olhando aquele casal de aliança dourada no anelar, o jeito
apaixonado como ele a olhava mesmo cheio de marca de chicote nas costas,
suado feito um porco e descabelado, a faísca do primeiro encontro ainda
estava ali. Ainda tinha, no casamento deles, o que Andressa e eu deixamos
que a vida, os filhos, os deveres e os trabalhos matassem.
Estava faltando paixão e não falo só de transar diferente. Faltava
uma alegria de estar junto, uma lembrança do porquê nos casamos.
Que ela me ama, disso nunca duvidei, mas sabia também que não
estava muito disposta a melhorar nossa situação.
Quando cheguei do bar e contei para ela como foi ver aquele casal, a
dinâmica deles, e que nós poderíamos tentar qualquer coisa daquele tipo,
ela mal tirou os olhos do computador. Respondia com “Hm”, “sei”, como se
eu fosse uma criança de cinco anos contando do circo.
— Você não quer ir amanhã comigo? — Tentei.
Perguntei sabendo da resposta, mas foi pior do que imaginei: ela só
respondeu o “a gente pode ver” e, a conhecendo como conheço, entendi que
ela não ouviu uma única palavra do que falei.
Andressa Botelho é a pessoa mais pudica que conheço. Me deu dois
filhos, mas para transar comigo além do “papai-e-mamãe” é um parto. E
olha que, quando estávamos grávidos, não sei o que lhe deu e ela aceitou
brincar diferente.
Muito diferente.
Muito diferente mesmo.
Mas foi só na gravidez da nossa primeira filha, a Olga. E depois,
nunca mais. Quando não era sexo baunilha, era uma mãozinha boba, um
beijinho mais para baixo do umbigo, e pronto.
Então, sem que ela tivesse me ouvido e com a certeza de que minha
vida sexual e amorosa não iria melhorar, voltei para o tal bar.
E acabei voltando muitas vezes. Muitas e muitas.
Toda vez que não conseguia dormir ou que estava entediado,
deixava a cama quente da tranquilidade doméstica e ía.
Até o dia em que o dono do bar cansou da minha cara de “homem
que estava assistindo, mas queria estar fazendo”, e me deu a melhor ideia
em anos que alguém poderia me dar.
— Ela vive viajando — Ele me disse enquanto traçávamos o plano
—, uma semana fora de casa para quem já trabalha com isso não é nada
demais.
— Viajar é uma coisa, o que você tá propondo é loucura! — Rebati.
— Você tentou o caminho fácil e ela nem te ouviu.
Tinha um ponto, mas o que ele sugeriu tinha mais cara de suicídio.
— Eu não vou fazer isso só para transar mais gostoso, porra. —
Rebati de novo, dessa vez, certo de que não teria coragem suficiente para
cometer tanta frieza.
— Então tudo vai bem no seu casamento, só o sexo que vai mal?
Não tem mais nada que esteja com problemas e mais nada que precise ser
consertado? — Bataille respondeu com um sorrisinho no canto da cara que
me deu vontade de arrancá-lo no soco — Sexo ruim é sempre o sintoma.
— Nunca falei que era ruim. — Interrompi.
— … Sexo mais ou menos — Ele se corrigiu — É sempre o
sintoma. E sua esposa não dá dois segundos para ouvir o que você quer.
Tem certeza que não quer tirar o band-aid da ferida e curar tudo de uma
vez?
Até o momento em que ela foi ao bar, certa de que eu a traía, eu não
tinha certeza.
Mas quando ele voltou do carro dela e me disse da conversa que
teve com minha esposa, dei o braço a torcer e coloquei o plano em prática.
Voei para casa o mais depressa que pude, e tenho certeza que tomei
uma multa no caminho. Larguei o carro de qualquer jeito na entrada do
Jockey, subi correndo até o nosso quarto, entrei no closet e foi o tempo de
respirar fundo, puxar sua mala de viagem e um blazer para dobrar, que
Andressa chegou.
Visivelmente alterada e com os olhos vermelhos, olhou sem
entender o que eu fazia com a mala de viagem e sua roupa na mão.
— Lipe?
— Oi, amor. — Respondi sem tirar os olhos de seu blazer azul —
Foi tudo bem no trabalho hoje?
— Foi. — Respondeu meio desconsertada, e se sentou na poltrona
sem encosto que ficava bem no meio do closet e que usávamos com certa
frequência para calçar sapatos. — Fui naquele bar que você costuma ir.
Eu já sabia disso. Vi o como ela ficou alterada de me ver
conversando com outra mulher.
— Por que não me contou dele? — Ela tentou.
— Eu já tinha te contado. — A lembrei, mesmo sabendo que ela não
se lembraria.
— Quando?!
— Te chamei para ir comigo, até.
— Não me lembro disso. — Se defendeu.
— Pois é.
— É um bar bem… — Sei o que ela pensou em falar e é a mesma
coisa que ela fala sobre qualquer assunto que não seja moralmente perfeito
e limpinho — bem incomum.
— Gostei de lá. — Respondi sem medo.
— E me traiu quantas vezes depois que “gostou de lá”?
Por acaso ela enlouqueceu?!
— Você me trai com seu trabalho todo dia e eu não reclamo. —
Respondi tão rude e sem pensar, que engoli em seco com medo do que ela
responderia.
Pronta para responder com a mesma grosseria, vi quando ela se
levantou da poltrona. E foi se levantar que soltei o blazer dentro da mala,
respirei fundo, e disse:
— Quero que você vá embora.
Capítulo Quatro
(Andressa)

Tirassem meus dois braços e minhas duas pernas, arrancassem minha


cabeça e a exibissem no intervalo da novela. Raspassem minhas contas
bancárias e matassem todos os meus cavalos.
E nada, absolutamente nada disso doeria tanto quanto “quero que vá
embora”.
Não chorei logo de cara porque estava chocada demais para reagir.
Arrastando a mala que não fui eu que fiz, andei até o final do corredor e
entrei no quartinho do Tutu, cheio de dinossauros e uma linda luz galáctica
que fazia o quarto inteiro parecer o meio do espaço sideral.
Puxei as cobertas para mais perto de seu ombrinho e lhe dei um
beijo na cabeça, de tchauzinho antes de ir. Meu menino é a minha versão
masculina: gordinho, branquelo, de olhos azuis e os cabelos bem pretinhos.
Tem o mesmo temperamento que o meu, também. Mais quieto, mais
observador, menos falante e menos solar que Olga e o pai dela.
Perdida nos pensamentos, percebi que ele acordou quando se
mexeu. Colocou os dois bracinhos para fora do cobertor, me chamando para
um abraço, e me debrucei sobre ele, beijando-o muito.
— Você vai viajar? — Ele perguntou com uma voz infantil
sonolenta e calma.
— Vou sim.
— E você vai voltar logo?
— Eu vou demorar um pouquinho para voltar, filho.
— Promete que vai me ligar todo dia? Da outra vez você esqueceu.
— Prometo. — E, antes que desabasse na frente dele, enchi seu
rosto de beijinhos, até ele começar a rir, e o cobri novamente — Agora, vai
dormir que já tá tarde. Amanhã de manhã quando você acordar te ligo, tá
bom?
— Você já deu tchau pra Olga?
— Vou lá agora. Boa noite, Tutu.
— Boa noite, mamãe.
— Te amo. E obedece o papai, tá?
Balançou a cabeça, concordando comigo, e fechou os olhinhos,
voltando para o compasso lento da respiração. Fiquei ali até que
adormecesse, olhando seu rostinho lindo, seu cabelinho bagunçado, e
depois me levantei, direto para o quarto ao lado, da minha princesa.
Olga tinha onze anos e não era mais um bebê. Tudo em seu quarto
era rosa e ela não gostava de bichinhos de pelúcia. Adorava fotos e tinha
um mural enorme atrás da cama, com muitas e muitas fotos, umas quase
sobre as outras, de todas as coisas que fizemos juntos nos últimos anos, de
suas amigas, suas primas e seu cavalos.
O quarto dela estava todo escuro, exceto por um tímido fio de
luzinhas âmbar na entrada do quarto, mais decorativo que qualquer coisa.
Deixei a mala na porta e entrei, ouvido seu respirar pesado de
mocinha cansada. Ela, ao contrário do Tutu, sempre se mexeu muito na
cama, então metade da coberta estava no chão, outra metade embolada entre
as pernas.
A cobri novamente com um máximo de cuidado para não acordá-la,
dei-lhe um beijo na testa e abaixei a camiseta do pijama que subia pouco
para cima do umbigo. Estava quase indo embora quando ouvi:
— Você vai viajar?
— Vou sim. — Respondi bem baixinho, para não despertá-la num
todo.
— Não esquece de ligar para o Tutu, da outra vez ele ficou triste por
que você não ligou.
— Posso ligar para você também?
— Você vai demorar pra voltar, né?
Balancei a cabeça concordando com ela para não ter que chorar.
— O pai e o Tutu ficam tristes quando você sai. — Ela confessou.
— E você? Não?
— Sei que você vai porque precisa. — Ela deu de ombros — E sei
que você ama a gente, também.
— Amo, filha. — Sem querer, uma lágrima escorreu e quase não fui
capaz de segurar as próximas — Amo muito.
— Da próxima vez, deixa eu ir também?
— Deixo. — Concordei sem ter muito mais o que falar — Agora, vá
dormir que ainda falta muito para o horário da escola.
— Tá.
Enquanto dava uma última arrumadinha em sua coberta, dei-lhe um
beijo na testa, um em cada bochecha, e lhe sorri um “até logo”. Foi o que
ela me disse logo em seguida que me quebrou:
— Não fica assim. — Ela disse sem sono algum — Se fosse um pai
fazendo o que você faz, todo mundo ia achar normal.
Para o meu azar, ela entendeu como funcionava a vida das mulheres
um pouco cedo demais.
— Você é a menina mais inteligente e doce do mundo. — Falei,
chorando um monte, e lhe dei um último beijo antes de partir — Obrigada
por ser minha filha. Te amo.
E saí do quarto antes que me arrebentasse de chorar na frente dela.
Fechei a porta e tive que respirar muitas vezes, controladamente, para
aguentar sair de casa e entrar no carro.
No carro, porém, não me contive. Soltei os demônios presos no
peito na altura, do jeito e com a quantidade de choro que quiseram sair. Não
me controlei, sozinha no estacionamento, e chorei o quanto precisei até
conseguir dar a partida, com a mala no porta-malas, até o hotel mais
próximo.
Quando entrei no quarto, um buquê de flores em nome do hotel me
esperava na mesinha de centro. Foi o jeito deles de agradecer por eu ser
uma cliente fiel ao redor do mundo e sei que fizeram isso para me agradar,
mas a certeza que tive é que passava tempo demais em hotéis e viagens ao
ponto de nem meus filhos se surpreenderem quando aviso que preciso sair,
mesmo no meio da noite, e que aquela rede de hotéis já funcionava como
minha segunda casa.
Deitei de sapatos e tudo, mas não preguei o olho. Ficava pensando
em todos os sacrifícios e coisas que deixei de lado, em todas as vezes que
não liguei para o Tutu, e todas as coisas que ainda tinha que fazer.
Isso, quando o choro não me apanhava de assalto.
Pela manhã foi que consegui dormir. O sol já tinha nascido, mas não
quis saber. Fechei as cortinas blackouts com um botão, chutei os sapatos
para fora da cama e apaguei.
Não ouvi telefonemas, nem os inúmeros apitos de e-mails
corporativos. Parecia que não dormia há tanto tempo, que quando
finalmente cansei de chorar, meu corpo resolveu me trair e só apaguei.
Era mais que duas da tarde quando finalmente acordei com a
sensação de que um caminhão tinha passado por cima de mim. Entrei no
banho e foi o tempo de eu sair que o celular tocou outra vez.
Karen, minha assistente pessoal, estava louca atrás de mim. Já tinha
enviado um assistente para a minha casa, para me procurar, e não
encontraram ninguém. Até já tinha ligado para o Lipe, para saber de mim, e
ele simplesmente não a atendeu.
— Não vou para o escritório hoje. — Confirmei o que já parecia
óbvio.
— Como assim?!
Era tão fora da curva eu não atender o celular, que ela se esqueceu
com quem falava quando resolveu tirar satisfação do porquê não
compareceria à minha própria empresa.
— Perdão, Dona Andressa… — Ela se corrigiu quando percebeu
como tinha falado comigo — O que eu quero dizer é que…
— Assuntos pessoais — Rebati. — Cada diretor sabe o que tem que
fazer e nenhum deles precisa do meu aval cem por cento do tempo.
— Mas a senhora…
— Sei. — Cortei mesmo sem saber o que ela tinha para me dizer —
Deixe que façam seus trabalhos e a senhorita pode fazer o seu.
Desde o último acidente com os cavalos na Bélgica, toda a equipe
passou a ter medo de perder o emprego. Houve um erro de logística e o
diretor achou uma boa ideia sacrificar o bem-estar de cavalos que custam
milhões de euros para chegarem a tempo. [CM1]Isso os deixou quase seis
meses longe das corridas e gerou um prejuízo tanto no nome da minha
empresa, quanto nas contas.
Com o tempo, claro, as coisas entraram no eixo, mas foi a primeira
vez que um diretor foi demitido por erro dentro da Botelho - Breed And
Race Horses.
O que, consequentemente, deixou todos os outros diretores, de todas
as áreas, com muito receio de andarem com as próprias pernas.
Era a hora de convocá-los para uma reunião e tirar essa história a
limpo de uma vez, mas não naquele dia. Não quando meu marido me deu
um pé na bunda e minhas crianças nem notaram.
Por isso, pedi serviço de quarto, liguei a televisão e fiquei ali, com
os pés para cima, como um prêmio de consolação, pelo resto do dia.
Até dar seis horas da tarde e eu me lembrar que tinha uma hora para
me aprontar e encontrar o tal dono do bar.
Capítulo Cinco
(Andressa)

Fazia sentido eu ir até o tal bar se quase não tinha marido? Quer dizer,
para que ir até lá, descobrir fetiche, me jogar nessa conversa-mole que não
vai acrescentar nada na minha vida, se o Lipe, que gostava desse bar, tinha
desistido de mim?
Dançar em cima de uma barra de ferro só para fazê-lo olhar para
mim outra vez não era, em nada, o meu estilo. Era até ofensivo, se parasse
para pensar. Agarrar marido pelo sexo, gente? Em que ano estamos? 1975?
Se ele ainda me amava, a gente precisava sentar e conversar, como dois
adultos, até resolvermos. E não seria uma dancinha pelada na frente dele
que nos uniria outra vez.
De todo jeito, estava de compromisso marcado. Pelo menos, indo
até lá, eu poderia entender o que o Lipe via de graça. Qual era o seu ponto
de vista de tudo aquilo.
Além disso, tinha a curiosidade, também. Quem era o dono daquele
bar e como ele já me conhecia? Pensando nisso que abri a mala que o Lipe
fez, olhei entre as roupas que ele selecionou e quase ri, de pena de mim
mesma, ao perceber que meu quase ex-marido colocou só as roupas que
mais gostava dentro da mala.
Parecia até piada, sabe? Tinha o perfume que ele gostava, o vestido
azul, saltos altos que ele já tinha me dito, em mais de uma oportunidade,
que gostava de como minha bunda ficava.
O que também me deixou com duas hipóteses: ele colocou as coisas
que mais gostava dentro da minha mala para que me forçar a usá-las, ou
para tirar de seu closet?
Com as suas roupas favoritas fora de casa, ele não teria que topar
com elas toda vez que calçasse um sapato.
Me convenci a pensar que o Lipe queria que eu usasse aquelas
roupas, mesmo meu instinto berrando o contrário, então coloquei com gosto
o vestido azul, frente-única e que me deixava muito pelada.
— Não posso com esse vestido. — Lembro do Lipe, sentado na
beirada da cama, a calça aberta e nenhuma camisa, me olhando com cara de
safado enquanto eu me vestia — Você sabe disso, não sabe? E faz de
propósito, maldita, sei que faz.
Olhando para o espelho, naquele quarto, eu queria ver a beleza que
ele via, mas só que eu nunca vi. Só via a barriga marcando, a flacidez da
coxa escapando pelo racho lateral, e meus braços gordos.
Calcei os saltos que ele deixou numa bolsa protetora e joguei um
blazer preto por cima, só para não sair por aí sem nada. Olhando-me no
espelho ainda, não carreguei muito na maquiagem, mas marquei bem os
olhos com sombra, só por que sabia que o Lipe gostaria, se visse..
Pronta, em cima da hora, saí com a carteira o celular, mas não levei
mais nada. De toda forma, tudo o que levasse ficaria na chapelaria, então,
para quê levar muita coisa?
Um pouco insegura, entrei no meu carro e fui. Coloquei até uns
sertanejos, que confesso que gosto mais do que deveria, mas não escuto
com frequência por que ninguém mais em casa gostava dessas músicas, e
passeei pelas ruas travadas pelo trânsito do fim do expediente paulista como
se nada me incomodasse.
Era não mais que sete e cinco quando estacionei, e não vi aquilo
como um atraso. Desliguei o carro, cumprimentei o segurança que nunca
olhava para ninguém, e pedi desculpas para a moça da chapelaria pela
forma como a tratei da primeira vez que entrei ali.
— Águas passadas — Me respondeu com um sorriso limpo e
profissional — Importa é que você voltou, não é?
Antes de entregar o celular, vi as horas. Era melhor ligar para o meu
Tutu antes de entrar, do que depois de sair, não era? Voltei para a calçada,
disquei o número de casa, e meu filho me atendeu como quem já esperasse
minha ligação.
— Você lembrou!!
— Claro que eu lembrei, você é o menino mais importante da minha
vida! Como que eu ia esquecer?!
— É que da outra vez você esqueceu…
— Desculpa a mãe por ser esquecida, meu príncipe?
— Tá, mas você promete que não se esquece mais?
— Vou até colocar um lembrete no celular!
É sempre bom ouvir a voz dos meus pequenos. Tutu me contou do
dia dele, da escola e dos desenhos que fez, disse que ia pedir para o pai me
mandar foto deles por que queria muito que eu visse, e respondi que mal
podia esperar para vê-los.
Depois, falei com a Olga que me contou em segredo que tinha um
menino na classe dela que ficava dizendo que cavalo é coisa de menino, e
que ela não devia nem saber montar um.
— Ele falou que eu invento essas histórias, mãe!
— A gente pode tacar cocô de cavalo na casa dele, se você quiser.
— A gente sempre falava de fazer isso com os colegas de classe que não
eram tão legais e gentis assim. — O que você acha?
— ! — Riu como sempre ria, e depois mudou de assunto — Você
vai ver minha corrida das semi-finais?
— Óbvio que vou! Você acha que eu sou o quê? Uma doida de
perder?
— É nesse fim de semana, mãe…
— Não tem problema, princesa, a mãe vai dar um jeito, tá?
E daria. Toda vez que a Olga queria que eu a visse correr contra
outros cavalos, eu saía da parte do mundo onde estivesse, e aparecia. Nem
todas ela fazia questão que eu fosse, dizia que algumas seriam fáceis
demais, ou que seu cavalo não estava tão bom assim, mas as que ela pedia
para eu ir, eu que não era doida de perder!
— Vou falar pro papai guardar o seu lugar junto com o tio Guto, tá?
— Tá bom, minha flor.
Desligamos depois de mil te amos e mil beijinhos de boa noite. Com
um sorriso no rosto, menos nervosa pela coisa toda, entreguei celular e
carteira na chapelaria e entrei.
A moça do poledance estava lá novamente, aberta outra vez, mas
não me choquei pela vista. Com a coluna ereta e aquela caminhada de quem
manda no lugar, atravessei o salão e fui direto para o quintal.
Mais bonito que no dia anterior, o dono do bar usava terno e a
mesma tira de couro por baixo, mas sem camisa. Bebia uma dose de uísque
num copo baixo e conversava, seduzindo, com uma mulher um pouco mais
magra que eu num vestido verde arrasador de lindo.
Isso, sem contar o cabelo cacheado perfeito e comprido. E o sorriso
de quem não valia nem dez centavos, sabia disso, e não estava nem aí.
— Andressa, conheça a primeira-dama. — Disse ele, assumindo
uma postura protetora e carinhosa ao mesmo tempo — Valéria.
— Ah, então é você quem deixou esse homem frouxo? — Sorri num
cumprimento de beijinhos e arranquei um sorriso dela logo de cara.
— Fiz bem mais que deixá-lo frouxo, viu? — E, numa piscadela
cúmplice, ela assumiu outro contexto para o “frouxo”. — Prazer, Andressa,
lindo seu vestido.
— É o que dizem. — Respondi um pouco sem graça só de lembrar
que foi meu futuro ex-marido quem me deu — O seu também é lindo, viu?
Inclusive, aceito indicação dessa loja, por que, ô coisa difícil é achar roupa
bonita fora do padrão, né?
— Menina, nem me fala. — Virando-se para o dono do bar, deu um
tapinha em seu ombro e continuou — Mas vou ter que te dizer que quem
achou boa parte do meu guarda-roupas não fui eu, foi ele.
Ok, isso me deixou boba. Quem disse que homem não tem bom-
gosto, né? Geralmente, quando eles escolhem, sempre são as coisas mais
escandalosas e curtas possíveis, mas aquele vestido verde, que parava a um
palmo do joelho, cheio de franjas e paetês, era lindíssimo de um jeito até
que comportado.
— Bom, eu vou deixar vocês dois aí. — Deu um beijinho no canto
da boca do dono do bar e saiu correndo com saltos altíssimos chamando por
um tal de “Dani”.
Foi sua acompanhante sair que o dono do bar virou para mim,
menos amigável, e me disse o clichê do clichê:
— Você está atrasada.
— Me poupa, estava ligando para o meu filho.
— E eles estão bem?
O jeito como perguntou dos meus filhos trouxe uma pulga para atrás
da minha orelha. Para o mal de todo mundo, sou muito observadora. Tão
observadora que entendi, na hora, que o dono do bar sabia que meu marido
tinha me posto para fora.
De algum jeito que ainda descobriria, ele e meu marido estavam
num complô.
— Qual seu nome? — Mudei de assunto imediatamente — Você
quer saber até como estão meus filhos, e sobre você não sei nada.
— Pode me chamar de Bataille.
— Escolha interessante para codinome. — Respondi — Logo o
escritor que compara orgasmo com morte.
— Não o escolhi por isso. — Sentando-se e me convidando para me
sentar no balcão com ele, o homem pediu uma taça de vinho ao bartender
para mim — Escolhi por que ele acredita que nascemos e morremos
sozinhos. E essa solidão só termina quando estamos transando.
— Se ele fosse mulher, diria outra coisa.
— É? — Ele quis saber, dando um último gole em seu uísque — O
quê?
— Que a solidão também vai embora quando nos tornamos mães.
— Te falar que muitas vezes, mesmo eu sendo um pai, que me senti
assim também? — Pediu outra dose ao bartender e depois se virou para
mim — Vai ver, o escritor Bataille nunca foi pai.
— E se foi, foi um pai de bosta. — Concordei.
— … mas não estamos aqui para debater filosofia — Ele retomou.
— Hoje eu vou te dar uma tour pelo bar.
— Pelo bar ou pelas… — Às vezes sinto como se meu vocabulário
fosse de uma senhorinha de oitenta anos que nunca gozou na vida.
— Pelas putarias. — Ele colocou as palavras na minha boca. —
Agora, antes de sairmos pelo bar, me diz: o que você vê aqui que te chama
atenção?
Capítulo Seis
(Andressa)

Chamar atenção, ele dizia, das coisas que eu mais gostava?


Honestamente, pensei em responder que nem a decoração chamava atenção.
Recebi a taça de vinho e tive de beber uns bons goles antes de dar uma
olhada ao redor.
Bati o olho, entretanto, e quase caí do banquinho. Tinha um cara,
encostado na parede, todo amarrado, nos braços e nas pernas, que me
deixou tortinha. Tinha a cabeça coberta e o rosto oculto. A jeans escura
pendia nos quadris, no limite da cintura, encostada no púbis raspado de um
jeito que a ponta do pau aparecia por trás do elástico da cueca.
Dei uma boa olhada no tórax, nos gomos da barriga, nos ombros
largos e nos quadris estreitos. A minha parte sonhadora, que quando quer é
pior que meu lado observador, podia jurar que aquele era o Lipe. Se não
fosse pela ausência de tatuagens, porque meu marido é todo carimbado,
podia jurar que aquele pedaço de mau caminho era o meu.
Babei olhando feito uma tonta e foi difícil me recuperar. Nem queria
olhar para mais nada.
— Tá traindo, Dona Andressa? — Bataille me cutucou — Ou só é
traição quando é seu marido olhando pra putaria suja?
— Ora, cale a boca. — Respondi sem paciência.
Olhei para o restante das pessoas, para a mulher de vermelho
sentada num trono de mesma cor e com um loirinho aos seus pés, de
joelhos. Sorri para o poder dela, para o jeito bobo como ele a venerava, e
gostei daquilo.
— Quer conhecer Lady Nïn? — Ele perguntou, me interrompendo.
— Por que você parece tão ansioso, hoje? — Tirei os olhos da
japonesa de vermelho e olhei-o diretamente, na cara, enfrentando-o — É
sempre assim, ou só comigo?
Pego no flagrante. Não é à toa que eu sou uma negociadora tão boa.
Dei uma risadinha calculada olhando um homem feito ter que se
reorganizar por que descobri o que ele não queria me contar.
— Só comigo, então. — Respondi por ele e dei outro gole na taça.
— Eu daria muita coisa para ver você se dar bem com minha
Valéria. — Ele respondeu numa voz baixa, trêmula e carregada de tesão —
Não sei o que eu tenho com mulher bocuda, puta que me pariu.
— Bom — Entrei no jogo só pela graça —, tecnicamente, hoje eu tô
solteira.
Ver um homem adulto perder a linha é a melhor das coisas do
mundo. Vi Bataille engolir em seco, me olhar como se não me visse, e
passar a mão na cabeça como se precisasse de ar puro.
Caí na gargalhada e tive de retirar o que disse. Nem mesmo se eu
fosse obrigada a assinar um divórcio, nem se o Lipe pedisse uma medida
protetiva que me proibisse de chegar perto dele. Não havia a menor
possibilidade de traí-lo e nem de existir qualquer outro homem em minha
vida.
— Por um momento achei que não te conhecesse. — Ele respondeu
mais aliviado
— Não se engane, você realmente não me conhece.
Ele olhou da minha boca para meu decote e não me mexi, só o
provoquei:
— Sua primeira-dama está logo ali, acho melhor se comportar.
— Não se engane — ele devolveu —, ela está mais louca para te
comer do que eu.
É o século vinte e um, sei disso, não existe mais essa coisa de
assombro por causa de sexualidade, mas confesso que tomei um susto.
Nunca nem passou pela minha cabeça em beijar uma mulher, quanto mais
me envolver sexualmente com uma.
Nesse ponto, tenho de confessar que sou bastante conservadora e
quadrada. Não é que eu não saiba que existam fetiches, taras e etc, mas
nada disso, nunca, foi acessível para mim. É como se eu ficasse à margem
de tudo isso e visse essas coisas por uma tela.
— O quê? — Ele percebeu meu desconserto e riu — Ficou
assustada com a ideia?
— Bastante. — Confessei sem perder a classe — Essa é a primeira
vez, na minha vida, que ouço que outra mulher está interessada em mim.
— Você foi criada num convento, por acaso?
— Metade do tempo eu passei odiando meu corpo, a outra metade,
os outros fizeram isso por mim. — Isso saiu com mais clareza do que
imaginei.
Depois do que eu disse, Bataille baixou a cabeça e o copo.
— Você é adulta, agora. — Ele respondeu tomando a minha mão —
Tá na hora de deixar isso para trás e brincar como os adultos brincam.
Mais fácil falar do que fazer, pensei. Toda a minha sexualidade se
resume ao Lipe e acho que nem isso eu fiz direito, por que ele sempre foi
mais criativo para essas coisas do que eu.
Enquanto para mim estava tudo bem transar como a gente transava,
para ele, pelo visto, não. E sei que, em alguma parte do percurso, ele
simplesmente se cansou de querer explorar essa parte de sua vida.
— Vem. — Ele disse, ainda segurando na minha mão, me levando
direto para o homem amarrado que chamou minha atenção logo de cara.
Encostado num canto mais escuro do quintal, o homem alto como
meu marido, de rosto coberto e sem um pingo de tatuagem continuava com
a ereção marcada e a linha fina que o dividia na metade aparecia e
desaparecia conforme ele respirava descontroladamente.
Não sei como nem por quê, mas aquele homem estava com muito
tesão de ficar todo amarrado daquele jeito.
— Ele tem uma senha especial e ninguém acertou ainda. — Bataille
disse, me tirando do transe que o desconhecido me colocava — Quer
tentar?
— Por que ele precisa de senha? — Perguntei.
— Não sei, mas só pode mexer com ele quem tem a senha.
— E como ele sai daí sem senha, se precisar ir para o banheiro, ou,
sei lá, viver a vida?
— Não posso te contar.
— E por que me trouxe para cá?
— Por que você está babando nele e acho que descobri um fetiche
seu.
Mané fetiche! Soltei o ar com um pouco de desprezo, um pouco
brincalhona. Fetiche e Andressa não combinavam, só o Bataille que insistia.
— Ou você não quer se ajoelhar na frente dele e abrir os botões
dessa calça? — O dono do bar falou de um jeito diferente, sem me tocar,
mas tão perto do meu ouvido que fechei os olhos, de tesão, e sem perceber.
Não que eu estivesse babando pelo cara todo amarrado. Ou que eu
achasse um charme aquela calça pendurada nos ossos de sua bacia,
esperando apenas um puxão. Ou que seus ombros largos me convidassem a
abraçá-los com minhas pernas. Nada disso.
Não, mesmo. Nem um pouco.
— Viu o tamanho dessas mãos? — Bataille continuou com voz de
ladeira, para o meu azar e o azar da minha calcinha — Eu gosto deles
assim, você não? Ombro largo, mãos e joelhos grandes.
Como se eu não babasse o suficiente com a vista, Bataille passou
um dedo pela pontinha do pau do moço amarrado, puxando a baba presa ali
pelo indicador, até fazer uma teia fina e brilhante que me deixou maluca.
— Acho que você tem tesão em assistir, também. — Enfiando o
dedo melado na boca, Bataille ria para mim. — Ou estou errado?
— Assistir? — Não entendi o que ele queria dizer.
— Nunca imaginou outra pessoa com seu marido?
Não?!
— Bobinha. — Ele ainda ria, se divertindo, e passou uma mecha do
meu cabelo para trás da minha orelha, como se, de um segundo para outro,
a pessoa amarrada não existisse mais — Nunca ficou com vontade de ver
um pornô com seu marido de ator?
— Desde que a outra atriz seja eu. — Reclamei.
— Tão possessiva com o que é seu. — Bataille disse o que meu
marido já tinha me dito uma vez — Você se esquece que o que é seu é feito
para ser usado.
O Felipe é uma pessoa e eu o respeito acima de tudo nessa vida!
Jamais que eu o usaria para qualquer coisa que fosse, mesmo se…
— Deixa a moral na porta de entrada, lá na chapelaria. — Bataille
mandou e me deu um beijo quase na boca que me fez estufar o peito,
enchendo meus pulmões, hiper-alerta com o que estava acontecendo. —
Ninguém quer saber o que “deveria ser” e o que é “saudável”. Este clube
existe para dar vazão ao que existe de pior em cada um de nós.
“Cada pecado começa e termina aqui”.
Capítulo Sete
(Andressa)

Tive de pedir dois minutos para me refrescar no banheiro. Saí quase


cambaleante, para qualquer lado, e demorei um pouco para me localizar.
Achei uma porta, no salão, que indicava o banheiro e entrei.
Todo feito de espelho, do teto ao chão, inclusive no piso, exceto nas
cabines. Uma dessas estava aberta e uma mulher sentada sobre a bacia era
chupada por outra. As duas de porta aberta, fazendo barulhos sexuais, num
banheiro público.
Não bastasse a ideia de que tinha uma mulher me querendo, dei de
cara com duas se comendo.
Entrei numa outra cabine, a mais longe das duas mulheres, e me
tranquei. Não precisava fazer xixi nem nada, só precisava de dois
minutinhos sem estímulo algum para me recompor. Coloquei as duas mãos
no rosto, tentando entender tudo o que estava acontecendo, como é que fui
parar ali, tremendo, logo eu que no dia anterior entrei apenas para flagrar
marido.
Por que era isso o que eu queria, ontem, quando fui atrás do Lipe:
fazê-lo se envergonhar de fugir no meio da noite para caçar safadeza.
As voltas que a vida dá, não é mesmo?
Decidida a ir embora, destranquei a porta e fui direto para a pia, de
frente para a cabine onde estava. Lavei as mãos, joguei um pouquinho de
água no rosto e na nuca. Arrumando o cabelo, para dar ordem à sacudida
que tomei de Bataille, outra mulher entrou no banheiro e ela não parecia
nem um pouco apertada para usá-lo.
Valéria.
Sorria para mim com seu cabelo jogado de lado, o rosto de quem
não valia nada e o bote certeiro. Lembrei do que Bataille disse e me tremi
inteira. Com as mãos nas bordas da pia, nem percebi quando agarrei a louça
com mais força, de tão nervosa que estava.
— Oi, Linda. — Ela me disse.
— Olha, eu não gosto de mulher e sou casada. — Fui logo ao ponto
para não dar espaço para interpretação.
— Não gosta. — Valéria repetiu como se não tivesse entendido o
que falei. — Então você já experimentou?
— Isso não importa.
Como se eu não tivesse dito nada, ou fosse uma criança falando
bobagem, empurrou meu cabelo para trás e me deu um beijo no rosto, no
exato mesmo lugar que o parceiro dela tinha beijado há minutos.
— Eu não mordo. — Me disse brincando e rindo — Só se você
quiser. Adoraria deixar uma marca vermelha nessa sua pele branquinha.
— Chega, tá legal?
— Prometo que não te chupo no banheiro, também.
Soltei a pia, pronta para ir embora, mas Valéria me deu um puxão e
me colocou cara a cara com ela.
Ela não parava de olhar para a minha boca e fazia cara de
vagabunda, como se estivéssemos num intervalo entre beijos, e não como se
nunca tivesse sequer encostado em mim.
— Os lábios das mulheres são bem mais macios que os lábios dos
homens, você não quer saber como eles são?
Sem que eu tivesse tempo de responder, encostou seu peito no meu.
Laçou a minha cintura e eu estava tão nervosa, tão paralisada com a
situação, que não reagi. Olhando nos meus olhos com um sorrisinho
brincalhão, passou o nariz, de um lado para o outro, no meu.
Dava para sentir seu cheiro adocicado e sua pele macia. Dava para
sentir a quentura de seu peito, também, e encostava no meu de um jeito
diferente do que o peito duro e plano de um homem.
Olhei para baixo e tudo o que eu via era sua boca.
Por descuido, quase soltei um gemido e me tornei altamente
consciente do que fazia. Santa hipocrisia. Para bem e para mal, ainda era
casada, ainda tinha um marido, e aquilo tudo estava muito errado.
Sentindo o erro reverberar em todo o meu ser, saí correndo do
banheiro, de volta para a chapelaria.
Peguei celular e carteira, evitei contato visual com a recepcionista
para evitar julgamento, e voltei para o meu carro o mais depressa possível.
Devia ter dado a partida, mas a minha própria figura no retrovisor
me julgou. Hipócrita, falsa moralista, traidora. A última me pegou de jeito,
como um soco no estômago, e fiquei com vergonha de quem me olhava de
volta pelo espelho.
A porta do passageiro abriu logo em seguida e eu já sabia quem era.
— Eu sou uma péssima esposa, hipócrita para cacete, e devia me
envergonhar. Eu sei disso, tá? — Chorei — Eu sei disso!
— Calma, tá bom? — Disse, abrindo meu porta-luvas, e me deu a
caixa de lenços que costumo deixar ali para emergências — Calma.
— Nada do que você disser vai diminuir minha culpa!
— Tem mais de vinte anos que eu vou a bares, alcovas, casas de
D/s. E com esse tempo aprendi muito sobre as pessoas que frequentam esse
tipo de lugar.
— É? O que isso diz sobre mim, hein?
— Eu sei quando uma pessoa não combina em nada com essa vida e
quando alguém precisa dessa válvula de escape. Se estou insistindo para
que venha e que conheça o meu mundo, Andressa, é por que sei o que estou
fazendo.
— Então me explica, Bataille, que eu…
— Calma. — Com um carinho que nunca imaginei que fizesse parte
dele, Bataille tirou um lenço da caixa que me ofereceu e limpou meu rosto
— Calma.
Sem conseguir parar, embarquei num choro tão triste, tão perdido,
que parece que veio tudo de uma vez. O fato do Lipe me colocar para fora
de casa, meus filhos que nem se incomodaram quando falei que iria viajar,
meu marido ter ido à um inferninho para saciar necessidades que eu não era
capaz de satisfazer, e eu mesma ter me enfiado naquele lugar e quase ter
feito uma besteira, primeiro com um desconhecido amarrado, depois com
uma mulher que nunca tinha visto nem duas vezes na vida.
— Eu não faço parte desse universo, Bataille — Chorei mais um
pouco, limpando o rosto pela enésima vez — Eu tô velha demais para essas
coisas, tenho um monte de pepino para resolver, dois filhos que não
precisam que a mãe deles se envolva em mais um compromisso, um marido
que me pôs para fora e…
— E onde fica a Andressa? Onde fica essa mulher linda e divertida
que se interessou muito no que viu lá dentro? Todo mundo tem uma vida
aqui fora, todo mundo tem um monte de problemas para resolver, mas todos
arranjam espaço na agenda, nem que uma vez a cada quinze dias, para dar
espaço para o lúdico. — Alguma coisa no que ele disse me deixou atenta —
As crianças brincam e imaginam vidas inteiras com brinquedos de plástico
na mão. Isso molda o que elas serão no futuro. E os adultos, Andressa? Não
brincam mais? Não se divertem? É isso o que você quer para o resto da sua
vida? Só reunião e problema para resolver, sem um único dia de brincadeira
e diversão? Sem respiro nem descanso? Vai ser essa a sua rotina pelo resto
da sua vida?
— Mas o Lipe…
— Ele veio aqui primeiro, Princesa.
— Mas eu não…
— Ninguém tá velho demais para se divertir, pare com isso, temos
quase a mesma idade. — E com um atrevimento que nunca permiti, deu um
tapa na minha coxa e não tirou a mão — Você o quer de volta, nao é? Pois
da próxima vez que ele vier, mostre que você é um puta mulherão, deixa
esse cara babando de tesão, estrebuchando no chão, e decida depois o que
fazer. Nem o Lipe, nem seus problemas, nem seu trabalho são donos da sua
vida. Você é. E só você pode decidir o que fazer com ela.
Capítulo Oito
(Andressa)

Olha, em momento algum eu disse que o Lipe estava errado. Ele quis
que eu saísse de casa e não argumentei, apenas fiz o que me pediu. Deixei a
casa que construímos para trás, dei um beijinho nas crianças e saí. Não era
novidade para mim de que estava descontente com o jeito que levávamos a
vida, com a minha falta de tempo e ausência na vida familiar. Ele tinha
razão na reclamação e eu estava contratando mais gente qualificada para me
ajudar no tocante à empresa.
Só que essas mudanças levavam tempo, não seria do dia para a noite
que eu encontraria um bom diretor comercial que tivesse a malícia dos
negócios para que eu não precisasse ficar pendurada no telefone quase
quatro horas todos os dias.
Todos os meus funcionários são altamente capazes, confio neles,
alguns nem têm o currículo brilhante, mas são os melhores na função que
exercem. Só que, como falei, desde o último acidente com os cavalos, eles
estão com medo de errar e serem demitidos. Nada disso se arruma do dia
para a noite e, como CEO da minha própria empresa, eu precisava de tempo
para arrumar a casa.
Cumprimentei a recepcionista noturna e subi, direto para a minha
suíte. Dei uma olhada nos e-mails do trabalho, respondi apenas aos clientes,
deixei meus funcionários sem resposta, e tentei ligar para o Lipe.
Queria falar com ele, saber como estavam as crianças, como ele
estava, como passou o dia. Se sentisse abertura, lhe contaria da ida ao bar.
Mas a ligação foi direto para a caixa postal.
Antes de fazer uma loucura e ir bater na porta de casa como uma
louca, entrei no banho. Era o mais sensato a se fazer: deixar essa coisa toda
passar e conversar de cabeça fria. Tínhamos muito a perder se não
conversássemos como dois adultos e para a gente fazer besteira bastava um
pulo.
De banho tomado, deitei a cabeça no travesseiro, respirei fundo
muitas vezes, rezei pedindo auxílio de alguém melhor e mais sábio que eu,
e tentei dormir. Demorei muito, muito confusa e sem resposta para nada,
mas acabei dormindo.
Sonhei com Valéria me chupando no banheiro. No meu sonho, tinha
um Lipe olhando e fazendo cara de safado, e tinha um Bataille também. Os
dois loucos de tesão olhando para mim, com Valéria ajoelhada entre as
minhas pernas, e eu quase lá.
Acordei no meio de um orgasmo e só apertei as pernas para
terminar. Gozei, sem saber direito nem como, e fiquei olhando para o teto
tentando entender o que minha vida tinha virado da noite para o dia.
Maldita hora em que fui atrás do Lipe naquele bar.
A campainha do quarto tocou antes que eu tivesse coragem de
levantar.
— Chegou isso para a senhora — Um funcionário do hotel
respondeu ao abrir a porta.
Carregava uma caixa enorme, preta, com laço de presente azul. Do
jeito que as coisas estavam eu não podia dizer, com certeza, que era do
Lipe.
Quer dizer, só ele sabia onde eu estava, a fatura do cartão me
denunciava e ele poderia ver os gastos a qualquer momento, mas a letra no
cartão que acompanhava a caixa não era dele.
“Use isso hoje” Estava escrito “E me encontre no bar no bar à
noite”.
Coloquei a caixa sobre a mesa, desapontada por não ser do Lipe, e a
abri.
Era um conjunto de blusa e saia, ambos pretos, com um blazer azul
para jogar por cima. A blusa parecia um corpete decotadíssimo e de amarrar
na frente. Desenharia toda a minha silhueta junto da saia lápis justíssima, e
tive de dar o braço a torcer de que ficaria linda naquela roupa.
Melada do orgasmo-surpresa, pedi café da manhã pelo serviço de
quarto voltei para o chuveiro. Olhei para o relógio, vi que não passava das
sete da manhã e calculei o tempo até o trabalho.
Se por um dia eu tive coragem de faltar, faltar a dois seria
maluquice.
Me vesti naquela roupa e fiquei babando no espelho. Ah, se o Lipe
me visse! Coloquei um salto que já tinha, arrumei a bolsa para o trabalho e
foi o tempo de ficar pronta que o café da manhã chegou, com vários
vasinhos de flor sobre o carrinho de comida.
Sorri para as flores como uma boba. Lipe, desde que a gente se
conhece, arrumava a mesa para jantares especiais com florzinha de canteiro.
Sempre foi uma coisa dele, para todas as meninas da família, da mãe à irmã,
que me deixa apaixonada e tontinha.
Chorei a primeira vez que ele fez isso para a nossa filha, em seu
primeiro dia de aula na escolinha, e, olhando os vasinhos simples sobre o
carrinho de comida, senti saudade de comer em casa, rodeada dos meus
pequenos, naquela barulheira de todo dia e sem um pingo de sossego.
Quando mais nova, desde que me entendo por gente, café da manhã
é minha refeição favorita e sempre amei comê-lo em silêncio. Sentada ali,
olhando aquelas florzinhas, pensando se meus filhos estavam bem e se
sentiam minha falta, me deu uma saudade tão grande de casa, mesmo com
os problemas entre Lipe e eu, que eu daria o mundo todinho para estar lá,
com eles, e não sozinha com meu café em silêncio.
Porém, sabia também que, se aparecesse de surpresa e desse um
beijinho nos meus filhos, eles achariam que voltei de viagem e não teria
outra desculpa para dar se precisasse ir embora outra vez.
Era melhor, por ora, manter a mentira e a saudade.
Capítulo Nove
(Lipe)

Eu sei, mas não briga comigo. Era melhor podar alguns galhos tortos
desse casamento, que ver a coisa toda apodrecer. Era um risco seguro e
calculado. Sempre fui o doido da família, mas nunca fui irresponsável.
Meus filhos estavam acostumados à saída da mãe deles por alguns
dias, teve uma vez que ela passou mais de mês fora de casa. Uma semana
não mataria ninguém e eu sabia bem disso.
Colocar Andressa para fora era para que ela finalmente equilibrasse
as prioridades. As pessoas só dão valor quando perdem, não é assim que
dizem?
Aconteceu como a maioria das coisas acontecem na vida: a gente
acorda um dia, fala um belo de um “foda-se, cansei!” e um amigo com
poucos neurônios funcionando se dispõe a ajudar.
Conheci Bataille do jeito que os pais de crianças se conhecem. Filho
de rico tudo estuda na mesma escola, se conhece de festinhas infantis e com
ele não foi diferente. Lúcia, a filha do meio de Antônio, estuda na mesma
sala que a minha Olga. Minha filha fala pelos cotovelos e Lúcia é autista
não verbal, não sei como que as duas viraram amigas, mas elas viraram e,
no fim, é isso o que importa.
Num dia de levar brinquedo na escola, Olga e Lúcia se juntaram
para brincar, mas o estímulo sensorial para Lúcia foi demais e Olga
percebeu. Arrastou a amiguinha para debaixo de uma mesa e as duas
ficaram lá, quietinhas, até que Lúcia se acalmasse.
Só que Lúcia, em vez de se acalmar, começou a se bater, e Olga
segurou suas mãozinhas para que não se batesse (nessa hora eu imagino
Olga falando sério e meu coração de pai fica que nem manteiga). Lúcia
então começou a usar as mãozinhas de Olga para se bater, e foi aí que
ambas foram encontradas, numa confusão em que pareceu que Olga batia
em Lúcia, e os pais foram chamados.
Obviamente, a situação foi contornada. Olga explicou que não batia
na amiga, Lúcia foi acalmada pelo colo paterno que sempre a acalma e as
professoras ainda tomaram bronca de Antônio que, embora pareça ser muito
divertido e tranquilo, quando se trata de seus filhos, o buraco fica bem
embaixo, do jeito que é, e do jeito que tem que ser.
Depois dessa confusão, as meninas saíram mais cedo e fomos todos
tomar milkshake. Tudo nessa idade se conserta com sobremesa e dessa vez
não foi diferente.
Não descobri sobre seu bar naquele dia, afinal, estávamos com
crianças, mas esse dia nos levou a outros dias, com mais ou menos
milkshakes, mais ou menos crianças, até que ele me contou, em algum
jantar beneficente que fomos obrigados a ir, que ele tinha um lugar, palavras
dele, para “desestressar”.
— Desestressar, é? — Perguntei puxando uma garrafa de uísque do
estoque, no fundo do salão e sem pedir permissão a ninguém, por que
estávamos na área de eventos do Jockey e ele também era meu.
— Você sabe. — Ele deu de ombros, dando um último gole e me
estendendo o copo para que eu lhe servisse mais.
— Ou seu bar é de futebol, ou de putaria. — Respondi colocando
mais para ele, segurando a risada e a piada — E você não tem cara de quem
tem um bar de futebol.
— E não tenho. — Saímos pelos fundos do estoque para não termos
que cumprimentar ninguém do salão principal, e demos de frente a um
jardim bem cuidado, que fazia fundos com o outro salão de eventos, mas
que não era usado para aquele jantar e, portanto, estava vazio — Você devia
ir lá com sua mulher, qualquer dia desses.
Olhei para todos os cantos procurando um banco para sentar, até que
achei. Avancei até lá, arrastando Antônio comigo, e me joguei nele como se
tivesse o peso do mundo nos ombros.
— Para qualquer casal que você chamasse, seria só um convite —
Reclamei —, mas se eu chego na Dê com um convite desses, é capaz dela
ter um infarte.
— Só por causa disso?
— Você não conhece ela.
Contei para ele quem era minha Andressa. Um amor de pessoa, amo
ela desde sempre, sou doido varrido e não me arrependo, mas tem coisas,
principalmente na parte “sexo” e “trabalho” que me irritam bem mais do
que deveria.
Até enchi meu copo um pouco mais para falar dela, pois de copo
vazio não sairia nada, não.
Falei que não adiantava palavra no mundo para convencê-la de que
ela era linda, gostosa e que me deixava doido. Desde que nos conhecemos e
começamos a namorar, a gente só transava se não tinha ninguém em casa e
não adiantava dizer “tem cômodos! E os cômodos têm portas!”.
Para ela, transar com gente em casa dava no mesmo que trepar em
público.
— Por isso que eu fiz o nosso quarto com nível de ruído zero, sabia?
Por que casei com ela pensando nos próximos passos, nos filhos que
viriam, e ai dela se começasse com essa ideia maluca de não trepar com os
filhos em casa!
— Isso — falei para ele depois de ter dito um tanto — é só a ponta
do iceberg, tá?
Ainda tinha a questão “travas com o corpo”, “corpo de mulher
depois de dois filhos”, o fato dela estar sempre cansada, a mente sempre a
mil, o jeito como ela não desligava do trabalho e se o telefone acendesse a
tela no meio do sexo, ela pararia só para olhar.
— E você também não fez nada para ajudar nessas travas dela, né?
— Antônio me perguntou com um sorrisinho no canto da boca que me deu
vontade de arrancar no soco.
— Pelo contrário, eu já fiz de tudo! Uma coisa que você não pode
dizer é que eu não tenha feito a minha parte.
— Tô vendo. — Ele respondeu com cara de desprezo e fiquei com
vontade de levantar e ir embora. — Bom, se você mudar de ideia e quiser ir,
o convite já está feito.
Demorei um bom tempo para criar coragem, mas fui. E o que
encontrei lá me agradou bem mais do que deveria.
Foi aí que as coisas com a Dê começaram a pesar mais, começaram
a pesar muito, por que passei a reparar que os meus desejos, as minhas
vontades, sempre ficavam para depois. Ela vivia correndo atrás do urgente
e, na correria raramente a gente tem tempo para qualquer coisa de divertida.
Sei que entre seus cavalos e eu, ela escolheria aos bichos que a mim.
Pior que eu sou tão otário, tão otário, que nunca nem imaginei fazer
com outras pessoas o que vi naquele bar. Não vai ter a menor graça colocar
uma doida no lugar de quem eu quero só para ter o gostinho de passar por
certas experiências.
O amor, pelo menos do meu lado, não acabou e duvido muito que
acabe.
O que acabou foi a paciência.
Capítulo Dez
(Andressa)

Incrível como uma saia muda tudo, né? Cheguei no trabalho,


cumprimentei a recepcionista e subi pelo elevador, direto para a minha sala,
no quinto andar do prédio espelhado de cinco andares que mandei erguer
para concentrar toda a equipe administrativa da minha empresa.
Da minha sala dava para ver quase todo o Jockey. Da área dos
cavalos premium, as pistas de hipismo, a ala de eventos, os parques abertos
ao público. Dava para ver tudo e sempre gostei de chegar cedinho lá para
que eu pudesse ver o jeito bonito e dourado que a luz do sol banhava tudo.
Foi ali também, naquele andar, que criei Olga e Tutu nos primeiros
anos. Gustavo, meu cunhado e melhor amigo, também criou sua Madalena
ali, num bercinho encostado à sua mesa que antigamente ficava próxima à
minha, isso quando ele ainda era médico, e cansamos de nos revezarmos
para darmos conta do trabalho e dos bebês.
Cheguei na sala e dei de cara com minha irmã, a cowboy mais bruta
do mundo, com o chapéu enfiado na cabeça, as botas surradas de sempre e
as mãos calejadas tentando abrir uma das canetas que ganhei de um
parceiro de negócios.
— Tem Bic nessa merda, não? — Foi o bom dia que ela me deu —
Eu tô há mais de dez minutos brigado com essas coiseiras.
— Bom dia, Bia. — Dei-lhe um beijinho no rosto e tirei
delicadamente a caneta de sua mão.
— Precisa assinar isso — Ela apontou para três pastas —, isso e
isso. Jurema, Flor e Floquinho já estão no caminhão, prontinhos pro Rio de
Janeiro.
— E por que é que você tá me trazendo esses documentos? Cadê o
Oscar?
— Esquece ele, Dê. — Com um suspiro resignado e cansado, antes
das oito da manhã, minha irmã colocou as duas mãos na cintura e
respondeu o que eu já sabia — Eu não confio nesse cara e o resto da equipe
tá toda com cagaço da demissão.
— E quem vai acompanhar a ida dos três cavalos até o Rio, Bia?
Você?
— Vai ter que ser, uai.
— Vai ter que ser, uma ova!
Puxei o telefone do gancho e liguei para a recepção. Pedi que a
Carla mandasse todo mundo que fosse chegando direto para o auditório do
quarto andar e que ela cuidasse de repassar o recado aos que já tinham
chegado.
— Tá gatona hoje. — Eu, brava logo cedo, discando para Deus e o
mundo, e a minha irmã reparando na minha bunda — Viu o passarinho
verde, foi?
— Quem dera, viu. — E foi por muito pouco que não comecei a
chorar derramando meus problemas conjugais para cima dela.
— Lipe me ligou ontem.
Nessa hora parei. É claro que o Lipe falaria com minha irmã, eles
são melhores amigos, onde é que eu estava com a cabeça?
— E… — Tentei fingir que minha voz não tremeu — ele tá bem?
— Ele te ama e não é pouco, não.
— Ótima forma de demonstrar.
— E você tem feito o que para mostrar que o ama também?
— Lhe dei dois filhos? Mudei minha vida inteira para ficar no Brasil
com ele?
Com um olhar de desaprovação que mais pareceu um tapa, Bianca
não me respondeu. Esperou que eu assinasse os papeis que lhe devia, pegou
as três pastas, e saiu sem olhar para trás, mas pisando tão duro que suas
botas velhas só pararam de fazer barulho quando ela estava no elevador.
Prometendo pedir desculpas depois, respirei fundo e desci até o
quarto andar para esperar que o restante dos funcionários chegassem.
Subi no palco do auditório sem apresentação bonita nem fala
decorada, e vi boa parte das pessoas sentadas ajeitando terno e postura. Tão
acostumada a correr para cima e para baixo, às vezes eu esquecia que era a
chefe e tinha esse impacto.
— Eu não tô aqui para demitir ninguém, se acalmem — Foi a
primeira coisa que falei depois do bom-dia, numa tentativa frustrada de
quebrar o gelo — A não ser por atraso, né, Dona Mabê!
— Ai, chefinha, me desculpa! — Mabê era a doida do marketing e
que sempre chegava atrasada por que morava muito longe — O trânsito
hoje ‘tava de lascar!
Pelo menos essa interação e o jeito meio avoado da Mabê deu jeito
de colocar um sorriso menos nervoso na cara de todo mundo.
A reunião não demorou muito, coisa de quinze minutos, só para
devolver autonomia aos meus diretores. Falei que confiava neles, que eles
tinham o direito e o dever de tomarem decisões sozinhos, que eu não era a
madrasta pronta para puni-los pelos erros e enfatizei que a nossa prioridade,
antes do lucro, era a segurança dos nossos animais.
A Botelho – Breed and Race Horses sempre foi muito criticada
pelos parceiros de negócios pelo zelo excessivo com os cavalos. Sempre
gastamos o dobro de qualquer criador de cavalo comum para que os bichos
tivessem vida longa e o maior tempo possível dentro das pistas de corrida.
Hoje, o que era absurdo na época, virou o tratamento mais elogiado
e recomendado, tudo graças à minha irmã que tem esse ar de peão bruto,
mas é veterinária formada com tanta pós lá fora que seus diplomas enchiam
uma parede.
Coisas que me enchem de orgulho e que me custaram, em algumas
épocas, tudo. Inclusive meu relacionamento com o Lipe. Eu sei que ele tem
razão quando fala que doei tudo o que tinha pela empresa, e doei mesmo.
Para fazer o sonho da minha irmã dar certo, em alguns momentos, até
minha vida eu coloquei em risco.
Depois da reunião mandei o diretor de logística ir conversar com a
Bia que ainda não tinha saído de viagem para o Rio. Os dois precisavam se
acertar e isso não tinha que ser feito através de mim.
Então consegui trabalhar por quase quatro horas ininterruptas, o que
pareceu um milagre, e só parei quando meu estômago roncou de fome.
Olhei para o relógio do computador, olhei para o celular, e decidi
fazer um pouco diferente naquele dia.
Peguei o blazer jogado na cadeira e dirigi até o centro da cidade
onde vendiam um burrito encharcado de óleo e guacamole, que o Lipe
amava e tinha muito tempo que a gente não pedia lá para casa.
Com uma sacola de comida no banco do passageiro, dirigi até o
prédio onde o Lipe trabalhava, ali na Faria Lima, estacionei num vizinho
que custava vinte reais a hora, e subi sem precisar me anunciar por que
metade daquele prédio também era meu.
Abri a porta do consultório que o Lipe tinha com a mãe e quase caí
para trás. Eram três andares de consultoria, mas meu marido ficava mais no
último, onde era seu escritório.
O lugar parecia a mistura de uma casa de adolescente com
laboratório de cientista maluco. Três estagiários riam tentando subir um
drone dentro do andar, dois engenheiros de cabelo grisalho montavam uma
maquete no chão do corredor e meu marido, sozinho no escritório de porta
aberta, mexia com uma caneta especial num tablet do tamanho de um
televisor apoiado em cima da mesa.
Era tanta coisa espalhada, tanto papel, tanto copo, tanto livro, que
parecia com tudo, menos o engenheiro que erguia pontes ao redor do
mundo.
Às vezes também me esquecia do quanto esse homem era genial,
porque inteligente era pouco. No escritório dele tinha muitos quadros das
várias pontes, ao redor do mundo, que ele ergueu com a mãe dele. É tudo
tão bonito e carregado de significado, que podia ficar horas olhando cada
uma daquelas fotografias ouvindo-o falar de como foi criá-las.
Dei dois toquezinhos na porta antes de entrar, com medo de que ele
não me atendesse, e estendi a sacola de comida como um pedido de trégua.
— Tá com fome? — Perguntei.
Mesmo de fones de ouvido, ele não demorou para perceber quem
estava à porta. Olhou para mim, de cima a baixo, e por um segundo fiquei
mais do que consciente de que estava muito chamativa naquela roupa que,
com o passar do trabalho, tinha virado apenas uma roupa, e não A Senhora
Vestimenta.
— Tá bonita.
Entendi o que me disse como um “pode entrar” e fui logo entrando
antes que mudasse de ideia.
Virei de costas para fechar a porta, demorei só para que ele ficasse
olhando, e joguei o cabelo para trás. Depois, dei meia-volta, com a sacola
na mão, mas não caminhei até ele como faria em qualquer outro dia, mas de
um jeito sensual, olhando na cara dele, sorrindo um pouquinho também, e
me sentei ao seu lado.
— Trouxe aquele burrito que você ama. — Eu podia ter falado
qualquer coisa, até reclamado de um pneu furado, que ele não teria ouvido
uma única palavra.
— E a gente vai poder comer sem brigar? — Perguntou sem sorrir.
— Se você falar sobre “querer voltar para casa” eu vou ter que responder e
não vejo um jeito de falar sobre isso sem que a gente puxe a faca um com o
outro.
— Posso falar só uma coisinha sobre isso? — Pedi e recebi
relutância da parte dele, mas continuei mesmo assim — Você é um ótimo
marido e é um ótimo pai, mas sei que está cansado e não tiro sua razão, tá
bom?
Ele nunca foi um homem de choro fácil, então sei o quanto aquilo
doía para ele, pois bastou que eu falasse, que ele baixou os olhos, mexendo
a boca de um jeito que só quem vive há muito tempo junto perceberia a
intenção.
Fiz um carinho na parte de trás de seu cabelo, sentindo a textura
deles e da nuca morna. Não havia nada que eu fizesse, ou ele fizesse: Eu
amava aquele homem e não era pouco, não.
Segurei o choro, brincando com seu cabelo, e retirei a mão antes que
se incomodasse com o toque. Dei-lhe um beijo no rosto, sem falar nada, e
respirei fundo enquanto abria a sacola de comida.
— O de queijo meia-cura ainda é seu favorito? — Perguntei,
procurando qual embalagem era para ele.
— Estou cansado. — Ele disse, ignorando a minha pergunta, e
entregando os pontos — Dói pensar que tive que chegar a isso para você me
ouvir.
— Eu sei, amor, eu sei. — Parei com as embalagens depois de
entender que ele queria conversar sobre o elefante na sala, mesmo depois de
me dizer que não queria — Desculpe não ter percebido antes.
— Você percebeu, só não estava nem aí.
— Não diga uma coisa dessas — E, antes que a conversa virasse
briga, coloquei minha mão sobre a dele e a segurei com carinho — Eu sou
louca por você, Lipe, sempre fui e vou morrer assim. Desculpe não ter
percebido que você estava no seu limite, que precisava de apoio, que…
— Não é só sobre as coisas da casa e as crianças.
— Ainda tô tentando entender esse seu lado — Confessei, mas não
sem um sorrisinho meio envergonhado e meio sacana. — Fui pega de
surpresa nesse departamento, tá?
Capítulo Onze
(Andressa)

— E o que você achou de lá? — Ele me perguntou antes que eu me


recuperasse da vergonha.
Olhei para ele e, sem saber muito o que falar, comecei a arrumar
uma partezinha daquela mesa enorme para que pudéssemos almoçar sem
que fosse em cima de papéis e projetos. Ele queria saber o que eu achei, ok,
mas eu ainda não tinha tido tempo suficiente para pensar sobre isso e estava
com medo de que qualquer palavra mal planejada que saísse da minha boca
o ofendesse e a trégua terminasse.
— Olha, … — Falei qualquer coisa só para responder, me levantei
para terminar de arrumar a parcela da mesa e, enquanto reunia papeis,
sentia minhas bochechas pegando fogo — Não vou dizer que é um bar
comum, tá?
— Não é para ser comum. — E, pelo visto, o filho da mãe se
divertia com a minha cara, por que largou a caneta de mexer no super-tablet
e colocou as mãos atrás da cabeça, como se se espreguiçasse.
— É, mas só que é bem incomum, né? — Coloquei uma pilha de
papeis num canto, juntei alguns copos sujos noutro canto, e parei com as
duas mãos na mesa — Alguém deve ter te contado que voltei lá.
— Hm. — Ele não negou nem concordou que alguém tivesse lhe
contado.
— Meu Deus, Lipe, quase tive um infarte!
Deus, como eu gostava daquela risada dele. Lipe se levantou da
cadeira para me ajudar a arrumar a mesa para a gente, e riu numa mistura
sensual e divertida difícil de resistir.
— E o que você viu lá? — Pareceu, na hora, que ele se levantou só
para me provocar, pois, de uma hora para outra, estava perguntando dessas
coisas com o rosto colado no meu cangote.
— Duas mulheres se chupando no banheiro — Falei, mais do que
alerta das pessoas do lado de fora, com vergonha do que disse e de alguém
ter me ouvido.
— É? — Despretensiosamente, colocou as duas mãos no espaldar da
minha cadeira, e baixou a voz num tom que eu reconheço de longe — E
você gostou disso?
— … — Eu ainda não tinha parado tempo suficiente para pensar.
Então mudei de assunto — Tinha um homem, também, amarrado pelos
braços e pelas pernas, com a cabeça coberta, e ele me lembrou bastante
você.
— Hm. — Essa reação, diferente do primeiro “Hm”, era a voz do
meu marido, definitivamente, tentando me seduzir — E desse você gostou,
não é?
— Talvez. — Respondi tentando manter a compostura, mas
falhando miseravelmente.
— Cachorra.
Eu não sabia se olhava para as pessoas lá fora, se tentava ignorá-las,
se fingia que não tinha ouvido o Lipe me chamando daquele jeito bom,
naquela voz convidativa de cama, se tentava controlar a quentura que me
deu no meio das pernas, ou se lembrava que tinha um almoço para servir.
E tudo o que consegui fazer, com tantas opções, foi engolir um
sorrisinho vadio e fechar os olhos.
— Fora todo mundo! — Ouvi o Lipe falando mais alto, mais
distante de mim e me virei para a porta de entrada de seu escritório onde ele
mandava todo mundo embora do andar — Vão comer e só voltem em uma
hora.
— Mas, chefe… — Alguém retrucou.
— Fora. — E falou de um jeito tão mandão, tão não-meu-marido,
que acho que gostei? — E fechem a porta ao saírem.
Apertou um botão na porta de vidro que transformou o transparente
da parede e da própria porta num fumê muito escuro e que, se não fosse o
vidro espelhado que o prédio era feito, do outro lado, a sala teria sido
mergulhada numa escuridão.
— Conheço com quem me casei — Ele disse, puxando a sacola de
comida para si e tirando todas as embalagens de dentro — E ela não
consegue nem falar dessas coisas com gente perto.
Nessa hora, me senti um cocô. Posso não ser a pessoa mais aberta
do mundo, mas estava gostando daquilo, de falar do bar incomum, com ele
fazendo perguntas no meu cangote.
Tentei suprimir a frustração e o acompanhei. Recebi as embalagens
dos meus burritos em silêncio e depois a latinha de tônica. Depois daquele
balde de água fria, meio que desisti de continuar falando sobre aquilo.
— Eu sei que esse burrito é vagabundo, mas ele é tão bom! —
Sorriu quando deu a primeira mordida — Obrigado pela comida, Dê.
— Eu não sei o que o dono faz para deixar ele assim, mas olha…
Comemos com mais fome do que supúnhamos e mal nos falamos.
Somente quando tínhamos terminado e chupávamos os canudinhos dos
restinhos das bebidas, que eu fiz a pergunta de um milhão de dólares:
— Lipe — chamei quando terminei minha tônica —, você tá
considerando divórcio?
Ele olhou bem para mim, como se me analisasse, e esticou as pernas
por baixo da mesa antes de responder.
— É uma opção. — Disse secamente como se não tivéssemos
dividido um almoço gostoso há menos de cinco minutos.
— Sempre é uma opção, Lipe, mas estou perguntando se você pensa
em divórcio nessa altura da vida e no estado em que nós estamos.
Ele relutou em responder com “sim” ou “não” e gostei disso.
Enquanto não saísse um “quero o divórcio” alto e claro de sua boca, ainda
tínhamos chances.
— Me incomoda um pouco essa sensação de que você vai pedir o
divórcio se eu não aceitar fazer aquelas coisas que eu tô vendo dentro do
bar. — Falei quando seu silêncio já me deixava doida.
— Pelo amor de Deus, Andressa, o que você acha que eu sou?! —
Pelo menos o que eu disse serviu para que falasse. — Não é questão de
você fazer ou não!
— É questão de quê, Lipe, me explica!
— Eu não casei só com a CEO de cavalo, nem só com a mãe da
Olga e do Tutu. Eu casei com uma mulher, pelo amor de Deus, e eu tô de
saco cheio de só ver empresária e mãe, Andressa! — Bravo, passou a mão
no cabelo e puxou a latinha vazia de refrigerante para buscar um último
gole — Porra, toda hora você tá atrasada para alguma coisa importante,
‘tamo sempre metendo com a orelha encostada na porta, ou no celular, ou
nos seus e-mails. Eu cansei de ser deixado de lado, cansei de ser só pai e
engenheiro, cansei dessa merda de vida que não tem diversão alguma, nem
desejo, nem vida fora de uma agenda. Sou um homem adulto e sei das
minhas responsabilidades, mas essa vida onde só tem dever já deu,
Andressa, já deu!
E o bar era um escape, já que lá ele não era nem o engenheiro das
pontes geniais, nem o pai.
— Não tem nada que me dê vontade de acordar — Ele retomou
diante do meu silêncio — Onde você acha que isso vai parar, hein? Acordo
por que tem café da manhã para arrumar, tem equipe par gerir, tem criança
para levar para a escola. Vontade de acordar? Isso eu não sei o que é há
anos! Anos! E não é por que a vida tá difícil, não! É por que você, toda vez
que eu procuro qualquer faísca de felicidade para além das obrigações,
arruma briga dizendo que tá sem tempo! Se fazer a felicidade do seu marido
e das suas crias não é sua prioridade, o que porra vai ser? Mais um prêmio
num cavalo? Mais um potro bem-nascido? Eu não casei para isso,
Andressa, me desculpe.
Capítulo Doze
(Andressa)

Se alguém me chama de burra eu sou capaz de partir a cara do sujeito ao


meio, mas daquela vez dei o braço a torcer, por que olha… só Jesus na
causa, mesmo. Pensando que fazia o certo, fiz um monte de coisa errada e
nem percebi.
Diante daquilo, o que mais eu poderia fazer? Se o Lipe precisava de
um escape para tornar seus dias mais leves, então lhe daria isso. Esse seria o
tipo de coisa que me deixaria confortável? Não, nem um pouco. Mas já fiz
muitas coisas na vida que não me deixavam confortáveis e que me levaram
a lugares que nunca imaginei.
Pensando bem, se a gente fizer só o que for confortável…
Por isso, terminei o expediente que, milagrosamente, não tinha
pepino algum para resolver, me refresquei um pouco no banheiro, passei
rímel e batom só para reavivar o rosto cansado, e dirigi até o bendito bar.
Mas antes de entrar, ainda no carro, liguei para meus filhos e
perguntei sobre seus dias. Ouvi Olga me contar sobre seu dever de
geografia e os mapas que desenhou com ajuda do vovô, ouvi Tutu falar que
estava empolgado para o fim de semana porque seu tio Gabriel finalmente
lhe daria a aula de desenho com tinta de adulto que o menino vem pedindo
há semanas.
— Manhê — Tutu me perguntou e eu sabia que Olguinha estava
colada no telefone também —, quando é que você volta de viagem?
Pergunta que valia um milhão de dólares. Já viajei e fiquei bastante
tempo fora, mas foi a trabalho, nunca foi assim, de mentirinha. As crianças
sabiam que eu precisava viajar e isso nunca foi uma questão, sempre foi até
que natural, só que daquela vez, mentir para meus filhos era muito pesado e
me custava o mundo inteirinho.
Precisava sentar e conversar sério com o Lipe sobre isso, aliás. Se
ele me quisesse fora de casa, teríamos de dar um jeito de fazer a nossa
família funcionar. Ele teria que envolver as crianças nisso e teríamos que
contar a verdade.
Desse jeito, mentindo como estávamos, não daria para ficar.
— O quanto antes, meu amor! — Ainda não tinha dado nem uma
semana, eu podia respeitar um pouco mais a vontade do Lipe de ficar
sozinho, por mais que me doesse.
Depois de desligar, com o coração na mão e me sentindo mal por
mentir, alinhei os cabelos, dei uma olhadinha no retrovisor só para checar
minha cara, desci do carro direto para a moça da chapelaria e, então, direto
para o pátio nos fundos do bar.
Não pude deixar de reparar, porém, no moço com a cabeça coberta e
todo amarradinho numa das paredes do quintal, o tórax lindo, a calça
pendurada nos ossos da bacia, deixando qualquer um ver a entrada em V,
perfeita, o umbigo delgado e os gominhos que se faziam e se desfaziam ao
sabor de sua respiração pesada.
Dei uma olhada, só para confirmar, e vi o volume marcado, o
meladinho perto do botão da calça me indicando que ele estava com tesão e
fazia bastante tempo.
Eu daria o mundo inteirinho para que aquele tórax estivesse cheio de
tatuagens, como era o corpo do meu marido.
Mas, como não andava sortuda ultimamente, me sentei no balcão do
bar conformada de que eu não era uma das favoritas de Deus.
— Tá mais calma? — Bataille me perguntou com a cara mais lisa do
planeta — Ontem você saiu daqui uma fera.
— Tô conformada — Respondi esperando que o barman terminasse
o drink que eu sabia que seria para mim apenas pela garrafa de vinho que
ele abriu —, calma eu já não sei.
— Valéria está esperando por você no banheiro.
Ainda bem que tinha feito um check-up recentemente, ou o susto
que levei poderia ter sido facilmente confundido com um infarte.
E ficou tão nítido o meu espanto, que Bataille se dobrou para rir.
— Você é grande — Respondi puxando-o pela gravata num tranco
tão forte que ele parou de rir na hora —, mas não é dois. Continue fazendo
graça com a minha cara, se for doido.
Pior que o desmilinguido gostou! Vi quando ele engoliu em seco,
meio bobo, e piscou várias vezes para voltar ao próprio eixo. Como que era
possível um negócio desses?
Soltei-o sentindo uma vontade enorme de fazer piada. Soltei e me
virei de costas, sentando-me no banquinho na frente do bar só para dar
tempo para que se recuperasse. Recebi meu drink bem nessa hora e o
beberiquei, engolindo uma risada alta que ficava mais forte conforme que
eu entendia melhor o que tinha acabado de acontecer.
— Caralho, por essa eu não esperava. — Ouvi-o falando, mas fingi
que não era comigo, até que se sentou ao meu lado e puxou um copo
abandonado no balcão — Para o seu tamanho, mãozinha pesada.
— Não me deixe brava, Bataille.
— Hm, lindinha — Ele sorriu com cara de quem queria transar e
mantive a pose só para não perder —, será que te li errado?
— Eu trabalho com vendas, meu amor, todo mundo só lê em mim o
que eu deixo.
— Confesso que esse seu lado mais firme é muito melhor que o
outro.
Mal sabia ele que esse lado mais megera era pura atuação e que na
maior parte dos dias eu só queria sentar e chorar.
— Talvez você devesse se sentar com as outras do seu tipo. — Disse
e apontou para duas mulheres, sentadas num canto, que conversavam rindo
como duas grandes amigas.
Uma delas eu já conhecia, Valéria e sua mão boba, mas a outra só
tinha visto com um loirinho lindo, mas que não fazia muito meu tipo.
— Vem. — Antes que eu pudesse tomar qualquer atitude, Bataille
me puxou pela mão, do banco até onde elas estavam sentadas, e me colocou
à frente do próprio corpo como se eu fosse sua filha e a quem ele quisesse
apresentar — Moças, essa é a Andressa.
Valéria me olhou de cima a baixo, como se já tivesse me provado e
quisesse comer de novo. Me retraí diante desse olhar e não tinha megera no
mundo que sustentasse minha pose.
A outra, vestida num látex vermelho curtíssimo e cabelos soltos, tão
linda que doía a vista, era japonesa e tinha um sorriso enigmático difícil de
decifrar.
Também me olhou de cima a baixo, mas, se queria me comer,
guardou a vontade para si.
— Senta aqui, amor, vamos conversar — Valéria disse para mim,
com terceiras e quartas intenções, e a última coisa que eu queria fazer era
me sentar ao seu lado.
— Modos, Valéria. — Falei da maneira mais teatral do mundo, bem
mandona e deixando bem claro que aquela abordagem me incomodava.
Devo dizer que funcionou, porque ela endireitou os ombros, como
se eu fosse uma igual, não mais sua presa, e emudeceu.
A outra, porém, deu uma gargalhada prazerosa, como se gostasse do
que tinha visto, e finalmente se levantou para me cumprimentar.
— Lady Nïn, mas pode me chamar de Natália. — Estendeu a mão
num cumprimento amigável, decidida a me aceitar em qualquer clubinho de
onde fosse a líder.
— Andressa. — Recebi o cumprimento, os beijinhos no rosto e me
sentei onde ela tinha me indicado.
Não sei quando Bataille foi embora, mas ele não estava mais lá.
Olhei para a taça de Lady Nïn, tentando adivinhar o que ela bebia, e dei um
gole pequenininho na minha.
— Bataille me contou do seu marido. — Ela disse depois de me
analisar sem falar nada.
— Pior que eu não posso nem reclamar, por que o coitado tem
razão.
— Ele quer algo que não tem em casa.
— É, Dona Lady, mas o que eu faço? — Lá se ía a minha pose de
mulher fatal — Ainda bem que esse homem não saiu caçando outra mulher
para pôr na cama, mas mesmo assim, eu tô tão perdida sobre o que fazer
que parece tudo um grande…
— Respira. — Ela mandou e o jeito como ela coordenava era muito
parecido com o meu quando eu estava atuando como megera. — Ajeite a
lombar e relaxe os ombros. Nessa postura ninguém vai resolver nada.
Fiz como ela mandou e dei outro gole na taça só para esfriar dos
pensamentos.
— Valéria — Lady Nïn pediu —, você pode chamar o meu lindo?
— Claro, Lady.
Num passe de mágica, Valéria saiu e senti a pressão de ser mandona
aliviar um pouco.
— Não se preocupe com ela — Lady virou-se para mim quando
percebeu o meu alívio — Valéria é brat, e como todas as brats, se você não
dominá-la primeiro, ela te domina.
— Então ela não vai mais me encher o saco? — Entendi o que era
um brat? Não, mas isso nem importava.
— Pelo pouco que vi, agora sim que ela está doida para dar para
você.
Ah, mas que beleza.
— Você vai aprender a lidar com ela, não se preocupe. — Com
graça e elegância, virou o corpo para mim, empunhando a própria taça, e
sorriu simples, quase como se quisesse compartilhar um segredo comigo —
Se quer saber o que eu penso, acho que seu marido não está errado, mas
nem ele sabe direito o que quer.
Isso me pegou um pouco desprevenida, por que pelo almoço, tive a
impressão de que ele sabia exatamente o que queria, sim.
— Ele quer que você tome a ação e faça, mas não te disse o quê,
nem como.
Exatamente!?!?!?!?
— E isso me diz duas coisas sobre seu marido: Uma, que ele quer se
sentir amado, mas não vai bastar dizer isso; e Duas, que ele quer o próprio
mundo do avesso.
— Acho que nosso mundo nem tem mais lado certo, viu?
— Me corrija se estiver errada, sim? — Tão aristocrática quanto
natural, Lady Nïn era o tipo de mulher admirável que não precisaria nem
abrir a boca, se não quisesse — Ele reclamou que estava infeliz, mas não
foi atrás de um hobby, ou adotou um cachorro. Ele veio descontar em você,
por que você é o mundo dele. É ao seu redor que ele gira, e ele não te sente
mais confiável o bastante para que possa se entregar tanto.
Numa sentada essa mulher me explicou mais do meu casamento do
que qualquer terapia no mundo.
— Faça-o sofrer. Faça-o se contorcer, reclamar, implorar, se babar
inteiro, suar feito um porco. Coloque-o num inferno e só depois tire-o de lá.
Meninos como os nossos se cansam com o fácil e se esquecem de quem
manda com muita facilidade.
Quando o loirinho sem camisa chegou, Lady Nïn se esqueceu de
que eu estava ao seu lado. Só tinha olhos para seu parceiro e confesso que
achei isso lindo.
O homem, que era muito lindo e poderia ter aos pés a mulher que
quisesse, baixou a mirada assim que a viu e não a olhou nos olhos sequer
uma única vez.
— Ajoelhe-se — Ela mandou num tom severo bastante áspero e ele
prontamente obedeceu. — Onde está sua coleira?
Sem qualquer contato visual, o loiro puxou uma tira de couro do
bolso e a estendeu para a Lady que sequer a tocou e, no mesmo tom de
antes, mandou que colocasse.
Achei bem estranho um homem adulto portar uma coleira, mas não
disse nada. Vi quando ele se vestiu e deixou uma correntinha fina cair no
peito, como se fosse a guia de um cachorro.
— De vez em quando… — Lady Nïn voltou a falar comigo, mas
adiantou a bunda na cadeira, mais próxima de seu parceiro, desabotoou seu
zíper e colocou a mão por dentro de sua calça, fazendo movimentos de vai e
vem que o colocou gemendo em tempo recorde — De vez em quando a
gente precisa lembrá-los que estamos sempre de olho e nunca nos
esquecemos, entendeu, Dona Andressa?
Concordei sem coragem de abrir minha boca, mas tomei um susto
com o barulho do tapa que ela deu na cara do loiro.
Um tapão tão forte que fiquei até com dó do coitadinho.
— Quem mandou você ficar duro? — Mais severa ainda, como se
fosse bronca, ela segurou seu rosto entre o polegar e o indicador,
examinando-o profundamente.
— Desculpe, Lady Nïn. — Foi a única coisa que ele disse.
— Deixe-o sofrer, Andressa. — Ela voltou a falar comigo — Tem
um certo tipo de homem que só fica feliz em meio ao caos.
“E o seu trabalho é dar o caos para ele”.
Capítulo Treze
(Andressa)

Olhando a Lady que percebi o quanto o meu feminino era defasado.


Sempre fui mulher, gosto disso, mas acabei embrutecendo muito mais do
que deveria. Para chegar aonde cheguei, para sobreviver como sobrevivi,
tenho escondido minhas delicadezas, meus cochichos, minha vaidade, meus
segredos. Como se ser mulher fosse sinônimo de fraqueza e, no mundo dos
homens, onde se compram cavalos, fazem transações comerciais, traem as
esposas e ignoram os filhos, realmente tudo isso é muito fraco.
Escondi o charme, a sedução, o erótico, a graça e a leveza para
poder crescer e esqueci, em alguma parte do percurso, que eu também era
mulher.
Olhando a Lady e o jeito firme e suave como ela lidava com seu
parceiro, quase chorei. Manteiga derretida que sou, devia ter chorado, mas
fiquei com vergonha. Choro e toda essa coisa vulnerável me deixa numa
posição e não sei lidar e nem nunca soube.
O Lipe não sentia falta só de transar diferente cheio de brinquedo
esquisito, mas ele sentia a minha falta. E cansou de esperar pela Andressa
ao longo dos anos.
Me dando conta disso, olhando a Lady masturbar um pobre-coitado
que apanhava por qualquer motivo e gostava, entendi o quanto a nossa vida
era triste. Dois filhos, uma empresa que nunca nem imaginei que fosse
chegar tão longe, um marido lindo e amoroso, que ainda me ama apesar de
tudo e eu…
Não parei em momento algum dessa caminhada para me sentar, com
um cafezinho na mão, e só olhar tudo isso.
E era só me dar ao luxo de parar um único dia. Não para descansar
para depois continuar trabalhando mais, mas só parar. Folga requer pausa
num trabalho para produzir melhor depois e eu só precisava de um dia na
vida, sem motivo, e olhar tudo isso.
Hora de recalcular a rota, pensei. Não era à toa que o trabalho vivia
cheio de pepino, cheio de gente com medo de ser demitida, com uma
agenda lotada. Também nunca olhei a empresa como a construção de uma
jornada. O trabalho, para mim, sempre foi um veículo que me levaria
adiante, mesmo sem eu nunca ter me dado conta que nem sabia para onde
queria ir.
Dei murro em ponta de faca e me joguei de cabeça, como se meu
crânio fosse feito de ferro a droga da minha vida inteira. E se não fosse o
Lipe desistir de me assistir fazendo tudo isso, morreria de tanto sangrar
considerando isso um bom jeito de passar por essa vida.
Olhei para a taça na minha mão, o coração mais partido que nunca,
como se eu finalmente me desse conta que tinha um coração para quebrar, e
me virei para a Lady, que brincava com seu amor cheia de gracejos e
sorrisos, como uma rainha que encantava seu súdito, e pedi:
— Lady, você pode me ensinar a ser como você?
Nessa hora, ela tirou a orelha do parceiro da boca, se ajeitou no
trono e me olhou com um sorriso sábio de quem me aprovava:
— Você já sabe o que fazer, Lady Blue, só te falta coragem de não
ligar para o que os outros vão pensar.
Se eu conseguisse isso, pode apostar que teria vencido na vida.
— Ligue para ele. Peça que venha aqui, mas não assuma que ele é
seu submisso. Deixe que as coisas sigam seu caminho naturalmente.
— Ligar para ele? — Depois do almoço que tivemos, depois da
comida de rabo que levei? — Lady, esse homem não quer me ver nem
pintada de ouro!
— Ligue. — Ela mandou mais incisiva — O seu trabalho é ligar e
fazer o convite. Aceitar faz parte do trabalho dele.
Me levantei da cadeira, fui até o balcão e pedi para o barman encher
minha taça. Se isso é o que eu teria que fazer, precisava de um
empurrãozinho alcoólico para fazê-lo do jeito certo.
Reabastecida, voltei para o salão e, depois, para a recepção. Pedi
meu telefone para a recepcionista que, depois de consultar qual minha
gaveta em sua chapelaria, me entregou.
Ignorei os telefonemas perdidos de trabalho, os e-mails que
começavam com [Urgente] e disquei o telefone do meu marido.
Morri de medo de não ser atendida, de chamar, chamar, e ninguém
atender. Dei um gole enorme na taça, pensando no que falar enquanto
completava a ligação, e quando finalmente começou a chamar, um telefone
na chapelaria tocou alto.
Virei-me de frente para a recepcionista, que ficou bastante sem
graça de me ver discando para um telefone que também estava guardado lá,
e não precisei de mais nada para saber:
O Lipe também estava no bar. E o curioso disso é que eu tinha
certeza de que ele esteve no bar todas as vezes em que eu fui.
Ele estava só esperando por mim.
E a Lady sabia disso.
E todo mundo sabia disso.
Capítulo Catorze
(Andressa)

Pedi a bolsa para a moça da chapelaria. Precisava achar um


demaquilante. Corri em busca da necessaire, com as mãos até trêmulas,
pensando se teria ou não o raio do cosmético.
Entre cremes de mão, batons e muita quinquilharia, achei uma
amostra grátis de demaquilante, que provavelmente veio de brinde numa
compra.
Ansiosíssima, voltei para o pátio com o frasquinho na mão e fui
direto para o cara amarrado à parede. Olhei bem para ele, eufórica, pronta
para descobrir se aquele pedaço de mau caminho era o meu, mas não
precisei de demaquilante nem nada do tipo.
Todas as outras vezes que olhei para aquele cara amarrado na
parede, olhei-o como um estranho. Só podia ser um estranho, não é? Quer
dizer, amarrado ali, num lugar que eu não conhecia, sem as minhas
tatuagens.
Ao saber, porém, que meu marido estava no bar, o estranho deixou
de ser estranho. Tinha a barriga do meu marido, os braços dele, as
entradinhas da bacia, o peito e o pescoço. Era meu marido, o homem mais
lindo do mundo, e que ficou preso ali até a hora em que eu o visse.
Provavelmente, por baixo daquele saco que usava na cabeça para
não ser reconhecido, ele me via para lá e para cá, colocando o Bataille no
lugar dele, conversando com a Lady, horrorizada com algumas coisas, um
pouco boba com outras.
De todos os anos que estávamos juntos, Meu Lipe sempre esperou
por mim.
“Ele gira ao seu redor” lembrei da Lady Nïn me dizendo.
E estava na hora de tratá-lo melhor.
Avancei para beijá-lo e fiquei na pontinha dos pés. Estava a um
passo de tirar a cobertura de seu rosto quando Bataille me interrompeu,
vindo por trás de mim, mais perto do que o necessário, e me disse:
— Ele só sai daí por uma senha. E você não disse uma, então não
pode tocá-lo.
Porra de senha.
Minha frustração deve ter ficado tão nítida que podia jurar que o
homem amarrado soltou o ar numa risadinha abafada.
— Tá bom.
Homem casado quando ouve um “tá bom” da esposa sabe o que lhe
espera. E se eu precisava de senha, então ele que se cuidasse.
Bataille me olhou com curiosidade, como se soubesse que eu
aprontaria. Do homem encapuzado me afastei, afinal, não tinha senha, e
tomei coragem numa lufada.
— Certifique-se de que ele consegue enxergar. — Pedi para Bataille,
quase em tom de ordem, e me virei de costas, direto para o balcão do bar.
Tirei o blazer, olhando para o homem amarrado, e não parei por aí.
Não saberia dizer de onde tirei coragem, mas fiz o que fiz. Sem nunca sair
do salto, desfiz a amarração da blusa lindíssima que tinha ganho horas antes
e a tirei. Tirei sutiã também, e a saia logo em seguida.
A calcinha foi por último e nem Bataille acreditava no que via.
Sentei-me no balcão, não na banqueta, e procurei entre os frequentadores
por Valéria que me olhava boquiaberta.
A chamei com um aceno e não tive de chamá-la de novo.
— Você disse que não me chuparia no banheiro. — Repeti o que ela
já tinha me dito — E aqui?
— Gosto muito mais dessa sua versão, Lady Blue.
Abri as pernas e indiquei o caminho. Não precisei mandar duas
vezes e, enquanto firmava meu olhar com o rosto do homem que precisava
de senha, senti a língua macia de Valéria encostar em mim.
Com o Lipe, eu gostava de puxar cabelo, sempre amei puxar, mas
olhando aquele cabelo lindo, fiquei com dó de bagunçar.
Eis que uma mão preta enorme o fez. Segurou a cabeça dela com
mais força, como se quisesse afogá-la em mim, e me olhou com um sorriso
sacana pendurado no canto da boca.
— Você não vai brincar com o que é meu sem a minha presença,
Dona Andressa.
— Que bonitinho. — Respondi com um tesão do caralho pela língua
da mulher dele — O maior dominador da cidade está com ciúmes.
A vontade que ele tinha de me beijar era tão palpável, que não
segurei o riso. Lambeu os lábios, como se conseguisse sentir o meu gosto, e
virou-se para o Lipe, quase como se pedisse permissão.
— Não é para ele que você tem que pedir. — Cutuquei.
— Valéria chupa tão mal assim? — Ele cutucou de volta.
— Pelo contrário. Por quê?
— Você ainda tá falando.
Avançou com o corpo, empurrando a cabeça da companheira para
mais perto de mim, e ficou a centímetros da minha boca.
— Peça. — Ele me testou, tão feroz e diferente do Bataille de até
então, que parei de sorrir.
— Vocês e as ordens de vocês.
Deitei-me por completo no balcão do bar, e coloquei as pernas para
cima também, apoiando os pés no tampo, me abrindo por completo,
provocando-o de propósito e dando mais acesso para Valéria que percebeu a
oportunidade e entrou com os dedos em mim.
Me concentrei no rosto do homem amarrado e fiz um show para ele.
Um homem não se amarraria daquele jeito se não quisesse sofrer e assistir,
então lhe dei o que queria e esqueci que estava em público.
Enquanto Valéria me chupava e Bataille mantinha as minhas pernas
abertas dizendo obscenidades para ela, segurei os bicos dos meus mamilos,
brincando com eles, procurando mais tesão, mais prazer, mais daquela fonte
inesgotável de liberdade.
Era a primeira vez na vida que nada me importava. Não havia uma
checklist para dar conta, uma reunião, um funcionário. Não havia demanda
em casa, nem no trabalho, nem na rua, nem em lugar nenhum. Era só eu,
ali.
E o Lipe, há poucos metros de mim, com sua calça marcada, a
pontinha do pau aparecendo pelo cós da calça, e a respiração ofegante e
pesada.
Olhei para ele e sorri sem saber o porquê. Só sorri, sentindo tudo ao
mesmo tempo, sentindo a nossa conexão, o tesão dele, a língua de Valéria,
as mãos pesadas de Bataille.
Suspirei pesadamente e olhei para cima, sentindo as primeiras ondas
de orgasmo chegar, mas não sei por que cargas d’água, olhei também para o
barman, um completo desconhecido, e me senti tão alerta de tudo o que
fazia, de toda a promiscuidade envolvida, que o tesão sumiu na hora.
Não tinha mais língua de Valéria, nem palavrão em voz aveludada
de Bataille, nem Lipe do outro lado. Só tinha eu, meu corpo gordo sobre um
balcão de bar, meus peitos nas minhas mãos e minha nudez escandalosa.
— O seu problema é que você pensa demais. — Chegou uma quarta
pessoa ao meu socorro, que depois virou um olho no olho, um apertão
indecende no meu mamilo e uma risada cúmplice segundos depois.
Lady Nïn me olhava com lascívia e tesão, como se me entendesse de
um jeito que ninguém nunca entendeu. Olhei bem para ela, querendo falar,
mas não falei nada.
— Você está aqui, cultuada como uma deusa nesse balcão, e todo
mundo está amando a nova Domme. — Disse com a voz mais sensual do
mundo, e desceu a mão direto para meu clitóris molhado que nem percebi
quando Valéria parou de lamber.
Gemi sem querer quando Lady Nïn encostou e ela sorriu para mim,
mexeu no meu cabelo com a mão livre e se sentou num banquinho vago de
forma que seu rosto ficasse próximo ao meu.
Senti Valéria mexer os dedos que ficaram dentro de mim e olhei
para baixo, vendo o jeito como ela chupava Bataille, de olhos fechados,
uma mão em mim, os peitos para fora do vestido e tão aérea do mundo, que
fiquei com tesão só de olhar.
— Você tem esse corpo lindo, essa coragem de agir, e o impulso de
fazer sempre o que quer. — Lady Nïn falava, mas mexia no meu clitóris tão
bem, que não sei se ouvi tudo o que me disse — Assuma seus atos e não
deixe que ninguém te julgue por eles. Você está no meu time, agora. E nós
fazemos apenas o que queremos: a merda do tempo todo.
Tirou a mão de mim e lambeu os dedos, me olhando na cara e cheia
de tesão.
— Agora vá lá.
Me deu dois tapinhas na coxa, como se soubesse exatamente o que
eu queria fazer, e se retirou. Me deixou sobre o balcão, pegando fogo e
doida para dar.
Se era para fazer o que eu realmente queria, então…
Me levantei de lá, deixei Valéria e seu companheiro fazerem o que
queriam, e andei até o encapuzado. Baixei suas calças, sem merda de senha
nenhuma, e me virei de costas, me encaixando nele, arqueando a coluna e
empinando a bunda para que aquele pau, que eu reconheceria até no escuro,
entrasse em mim do jeito como sempre amei que fizesse.
Não rebolei por que não estava com vontade de seduzí-lo. Eu só
queria gozar, então, me mexendo para frente e para trás, a mão no clitóris,
joguei o cabelo para o lado e fui, sem olhar para ninguém nem saber se me
olhavam de volta, até que meu rosto virasse a expressão máxima de tesão e
prazer.
Se gemi ou sei emudeci, isso eu não fazia a menor ideia, e nem me
importava. Desmontei daquele pau, que ainda não tinha gozado, enfiei a
mão entre as minhas pernas, puxei um pouco do meu melado com os dedos
e enfiei por baixo do capuz dele.
— Porra de senha, Felipe Ferreira.
E saí.
Ele que ficasse lá, com o pau à mostra, torto de tesão e totalmente
fora da casinha.
Eu, pelo menos, ia dormir bem satisfeita.
Capítulo Quinze
(Andressa)

Nunca, em toda minha vida, tinha feito algo tão… maluco. E nunca me
senti tão eu, também. Saí de lá, largando meu marido naquela estado, com a
certeza de que não tinha feito nada de errado, que ninguém iria me cobrar
pelo que fiz. Saí de lá tão vitoriosa, tão satisfeita, tão feliz, que entendi que
o que faltava na minha vida não era uma agenda melhor, um método mais
eficiente e trabalho, outra assistente para dar conta dos meus compromissos.
Faltava era ligar o foda-se. Faltava era desligar o julgamento dos
outros. Era não me importar se tudo não estava perfeito ou se sobrou
trabalho para o dia seguinte. Faltava o que todo CEO masculino aprende
nos três primeiros anos de empresa, e que levei quase vinte anos para
entender.
Faltava entender que a dona da minha vida era eu e não tinha um
chefe, ou pai, ou marido, ou qualquer pessoa acima de mim. Se eu fizesse
merda na minha empresa? Foda-se, que daria um jeito de resolver. Se
falassem mal de mim? Foda-se. Se eu tivesse um desempenho medíocre,
foda-se, que todos os meus amigos eram medíocres e todos eles saíram em
revistas especializadas do mesmo jeito que eu e a minha busca incessante
pela excelência.
Sempre achei que a sexualidade e o tesão fossem um compartimento
da minha vida separado do resto, mas não era. A mulher que tem coragem
de partir para Portugal com dinheiro contado tentando conquistar o mundo
era a mesma que, vinte anos depois, tinha coragem de se despir e se deitar
num balcão de bar para ser chupada por uma completa desconhecida.
Sempre achei que sexualidade era promiscuidade, mas mesmo se
fosse, que promiscuidade suja e baixa era essa que me deixava no topo do
mundo mais do que qualquer dinheiro que fiz na vida?
Sentir o Lipe louco de tesão sem gozar foi maior, para mim, que
qualquer cavalo raro e campeão do mundo. Eu estava eufórica, contente, me
sentindo uma puta gostosa, um puta mulherão que não me senti nem aos
vinte anos.
Olhando a avenida passar rápido demais, dirigindo de volta para o
hotel, eu tinha a sensação de que tinha vencido na vida.
O que quer que acontecesse depois, se o Lipe olhasse para mim e
decidisse que não me queria mais, se as ações caíssem e eu perdesse o
dinheiro investido, se contaminassem a água do Jockey e matassem todos
os meus cavalos:
Eu já tinha vencido.
Já tinha conquistado o que a Andressa adolescente achou que nunca
conquistaria, nunca seria, nunca faria.
Fui eu mesma, sem desculpa nem sorrisinho bobo, sem querer saber
o que os outros iriam achar, ou o que o Lipe, ou minha mãe, ou meus
funcionários, ou meus acionistas. Me permiti fazer o que nunca imaginei, o
que poderia jurar de pés juntos que jamais faria. E vi um lado meu que me
deixou apaixonada por mim.
A vitória não veio da cena no balcão. Certo, aquilo foi ótimo, mas a
vitória veio por que, pela primeira vez na vida, eu me apaixonei por mim.
Pelo jeito como não fiquei caçando desculpas para ser mais comportada,
mais dócil, mais gentil. Fui lá, fiz o que queria, me vesti e estava a caminho
de casa.
E amei a Andressa do corpo gordo que não ficou puxando a saia
para baixo ou conferindo a bunda no espelho por medo de mostrar celulite.
Deitei na cama com um sorriso enorme no rosto, toda babada, com
uma sensação de completude e paz comigo mesma que nunca nem tinha
passado pela minha cabeça.
Acordei com outra caixa na minha porta, outra roupa para vestir, e a
recebi com mais entusiasmo do que a última. Ainda não sabia que dia era, o
que precisava fazer, quantas reuniões tinha no dia.
Entrei no banho e me vesti com o que ganhei, toda de branco, calça
de alfaiataria, uma camisa de alcinha e um colete com corte de blazer da
mesma cor. Coloquei saltos altos, me olhei no espelho e gostei do que vi,
também.
Há anos não me atrevia a vestir branco por medo do efeito dele no
meu corpo, mas confesso que, naquele dia, mesmo se usasse tênis e legging,
me sentiria a mulher mais gostosa do planeta. Nada abalaria a minha
autoestima ou aquele sorrisão enorme na cara por que o que cacei a vida
inteira finalmente foi me dado de presente.
Eu não precisava mais brigar contra a Andresa-Mulher. Não
precisava diminuí-la para caber, não precisava sufocá-la num conjunto de
blazer e sapatos baixos para dar conta da vida cotidiana. A Andressa-
mulher não respirava por aparelhos e ainda dava tempo de tê-la como
minha amiga. Ela era parte de mim, era bonita também, era inteligente, era
mordaz e não era teatrinho para convencer alguém.
Era eu, era parte de mim, era a minha sexualidade, a minha
sensualidade, a minha força vital, o meu oásis para quando o mundo ficasse
pesado demais para carregar nas costas.
Acho que o Lipe também queria ver essa parte de mim. E, se por um
lado doeu muito sair de casa, por outro, foi libertador.
Exceto pela parte das minhas crianças. Não vê-las, não beijá-las, não
saber como estavam… isso acabava comigo.
Vesti a roupa que ganhei e saí de casa depois do café da manhã
silencioso que começava a me incomodar mais do que me acalmar.
Finalmente era sábado e eu não precisava ir ao escritório, mas tinha outro
compromisso, mais urgente e mais importante e que não perderia nunca.
Dirigi até o Jockey, mas não fui para o escritório. Deixei o carro na
área reservada para mim, desviando de uma sequência de carros em fila
dupla que esperavam para estacionarem, e fui andando até as pistas de
hipismo.
Várias crianças vestidas a caráter para a competição corriam para lá
e para cá, empolgadas, cada uma com um número na frente da camisa, e
não demorei muito para achar minha Olga com seu uniforme marrom e
trancinhas no cabelo, falando entusiasmada para um grupinho de meninas
que também competiriam.
— Falei que vinha, não falei? — Parei atrás dela, com as duas mãos
na cintura e chamei sua atenção.
— Mamãe!
Onze anos e só me chamava assim quando estava com saudades.
Pulou no meu colo com carinho, enchendo meu rosto de beijos e se
esqueceu completamente das amiguinhas que ficaram paradas sem entender
o porquê de tanta festa com a mãe.
— Quem fez essa trancinha no seu cabelo, princesa?
— Eu, ué. Vi num tutorial no Youtube…
— Ficou lindo! — Falei e a coloquei no chão novamente, que Olga
não era mais nenhum bebê — Onde estão os meninos?
— Vem! — Disse, me puxando pela mão, andando na minha frente
como se eu fosse muito difícil de arrastar.
Andamos do galpão embaixo das arquibancadas até a área de
descanso dos cavalos fortemente assegurada por escolta por que, por mais
que fossem cavalos de crianças, existiam bichos ali que custavam fortunas.
Numa baia havia um cavalo branco com uma flor desenhada com
tinta guache na testa, coisa da minha sobrinha Madalena, e, na outra, Lipe
trançava a crina de um cavalo preto, enquanto Tutu escovava seus pelos.
— Então é aqui que os meninos se escondem? — Brinquei, ainda
puxada por uma Olga empolgadíssima, chamando a atenção primeiro do
Tutu, que soltou a escova de qualquer jeito e foi logo pulando no meu colo,
e de um Lipe, que num primeiro momento, não dei atenção.
— Mamãe! — Tutu comemorou, enfiando o rosto no meu cangote,
me abraçando bem forte.
— Saudades que a mãe ‘tava de você, meu pequeno!
— Como foi a viagem? Quando você chegou? A Olga achou que
você não viria…
— Mas eu falei que vinha! — Enchi seu rosto de beijos antes de
colocá-lo no chão — Não falei?
— Falou, mas… É que as vezes você esquece, né.
Para ficar na altura de seu rosto, agachei-me na frente dele, olho no
olho e lhe sorri:
— Perdoa das vezes que a mãe esquece as coisas?
— Mas eu nem fico bravo! — Respondeu empolgado — A Olga já
me explicou que você é quem toma conta de tuuuuuuuuuudo, e que às vezes
esquece por que tem muita coisa para fazer.
— A Olga te disse isso? — Meu lado mãe que queria ter mais tempo
para curtir os filhos ficou tão amolecido que teve que segurar o choro.
— Falei, ué! — Olga, parada logo atrás, sorriu e deu a mão para o
pai dela — E é por isso que existem os pais, não é, pai?
Não sabia dizer o que houve na minha ausência, mas alguma coisa
aconteceu. Desde que dei tchau para mais uma viagem, daquela vez, fajuta,
Olga me defendia e entendia o meu lado. Como se tivesse crescido dez anos
em dias.
Olhei para o Lipe, que já olhava para mim, e lhe sorri um pouco
boba, mas um pouco mais calma também. Na última conversa que tivemos,
no almoço em seu escritório, ouvi coisas que não gostei.
No entanto, ele me olhava com alguma doçura e cumplicidade, de
mãos dadas com Olga que desembestou a falar e falar, mas era como se,
entre nós, o tempo tivesse parado.
São curiosas essas coisas de casal antigo. A gente passa a vida
inteira junto e simplesmente entende o que um olhar significa. O que um
sorriso de canto de boca, meio triste, meio saudoso, quer dizer. A gente se
entende, enquanto nossa filha conta da vida e do mundo, sem precisar nos
falar.
Me deu uma piscadela cúmplice, deixando claro que conversaríamos
depois, e voltamos nossa atenção para nossos filhos. Logo, Tutu e Lipe
foram para as arquibancadas e eu fiquei, depois de trocar os saltos por um
par de botas emprestado, para ajudar minha menina a se preparar.
Enquanto eu afivelava a cela e o cabresto, Guto, meu cunhado,
apareceu com a filha Madalena. Tinham tomado um sorvete do outro lado
das pistas e a menina vinha, inteirinha vestida de branco, o mesmo tom de
seu cavalo, pulando o caminho todo.
Guto é o tipo de homem que entra mudo e sai calado, mas numa
frase, roubava a cena inteira. Já vi esse homem, irmão do meu marido, de
tudo quanto era jeito.
Definitivamente, ali, com seus três filhos e fazendo da minha irmã a
mulher mais feliz do mundo, aquele era seu melhor momento. Tinha um
sorriso limpo na cara, embora as calças estivessem sujas de areia e barro, e
as botas tão surradas quanto as de Bianca, que era uma mula teimosa e se
enfiou para o Rio só para garantir que seus potrinhos chegassem bem.
Olga e Madalena, por outro lado, se importavam pouquíssimo com o
prêmio ou a vitória. Elas amavam correr a cavalo e faziam aquilo juntas.
Treinavam desde pequenininhas e estavam sempre cuidando uma do cavalo
da outra.
E, enquanto a égua Flor tinha uma flor desenhada de guache na
testa, a égua Estrela da minha filha tinha um strass de estrela. E, se
deixássemos, elas enfeitariam seus cavalos como se fossem filhotes de
cachorro recém-saídos da petshop.
Enquanto eu e meu cunhado arrumávamos nossas filhas sobre seus
bichos, as duas ficaram o tempo inteiro de mãozinhas dadas, através das
vigas das baias, e faziam planos para depois da corrida.
Guto sempre ficava com o coração na mão quando alguém de sua
família subia num cavalo. Já tivemos tantos acidentes com Bianca, que não
tirava sua razão.
Homem sem sorte que era, pelo jeito desvairado que Madalena
crescia, sempre bonita e destemida demais para seu próprio bem, ele não
teria sossego tão cedo.
— Te vejo depois da linha, amor meu. — Ele disse para a filha, com
o mesmo coração apertado que dizia para a esposa, e lhe deu um beijo no
rosto antes de lhe entregar o capacete.
Já eu, para me despedir da minha menina, lhe dei um beijo no rosto,
um abraço apertado, e um voto de boa sorte que ela sempre me respondia
como vem respondendo desde que aprendeu a cavalgar:
— A sorte vem para quem se prepara, mãe.
— E você tá preparada, Coelha?
— Tô! Não faltei a nenhum treino, fiz todos os exercícios e dei
bastante descanso para a Estrela.
— Então dê seu melhor, amor. — Beijei-lhe outra vez antes de
entregar seu capacete, mas reforcei com cuidado uma coisa que eu queria
ter ouvido mais quando tinha sua idade: — Não importa o resultado,
Coelha, saiba que a vitória não muda em nada no orgulho que temos por
você, tá? Seu pai e eu estaremos aqui para comemorar seu esforço.
Só era permitido um acompanhante na área da baia, por isso, eu
estava ali e o Lipe não. Com empolgação, ela caçou o pai pela arquibancada
e, quando o viu, sacudiu o braço num tchauzinho feliz que foi respondido
com um assovio escandaloso e um “ACABA COM ELES, COELHA!”
vindo de um pai babão e um irmão que não gostava muito de cavalo, mas
amava ver a irmã correr sobre um.
Capítulo Dezesseis
(Andressa)

O pacto entre o Guto e eu, desde que nossas crianças começaram a


competir, era de não assistirmos às corridas. O Guto começou com isso,
depois de um acidente que quase matou minha irmã, e hoje não assistimos
por tradição.
Ficávamos de mãos dadas, de costas para a linha de chegada,
esperando o estouro que anunciaria o fim da corrida. Fechávamos os olhos e
rezávamos esperando pelo melhor, ele com um escapulário na mão, e eu
com outro.
Assim fizemos naquele dia. Ouvimos o estouro de fim de corrida e
saímos correndo, os dois, feito dois doidos pela pista vazia, em busca das
nossas meninas.
Era a nossa forma de fazer as coisas e ninguém nunca questionou.
Nem Bianca, mãe da Madá, nem o Lipe. Sempre senti que o Guto e eu
éramos os guardiões da família e ninguém nunca nos impediu nem de rezar,
nem de cuidar de todo mundo.
Acendeu um placar em cima da baia da Madalena anunciando que
ela era a campeã, e olhei para Olga, esperando sua reação. Para as duas,
aquilo era uma enorme brincadeira e sempre torci para que isso nunca
mudasse. Enquanto Madalena desmontava de seu cavalo para comemorar,
Olga já tinha desmontado do seu e esperava a prima.
A comemoração de uma era a comemoração das duas e não sei
colocar em palavras para dizer o quanto amava aquilo. Meu medo, quando
as duas começaram a competir, era que desfizessem a amizade, que
passassem a competir entre si, mas isso nunca aconteceu.
Entreguei os dois cavalos aos cocheiros do Jockey, peguei o
capacete da minha filha e, quando a premiação acabou, nos juntamos aos
que ficaram na arquibancada.
Todo mundo estava lá para ver a corrida das meninas: os avós
maternos, os avós paternos, meus sobrinhos, filhos da Bianca, e a irmã do
Lipe com seus dois maridos. Todo mundo foi cumprimentar as duas
cavaleiras da família, dando os parabéns com o mesmo orgulho, e a minha
mãe, Dona Angélica, sempre se emocionava em perceber o quanto
Madalena era parecida com Bianca quando mexia com cavalo.
Poderiam dizer que vinha de sangue, mas não vinha. Madalena era
adotada, filha do Guto antes de ser filha de Bianca, numa história dolorida e
bonita mesmo jeito que o resto da nossa família é.
Saímos das arquibancadas e fomos direto para o restaurante, onde
uma mesa enorme esperava por nós. Guto se sentou numa ponta, eu na
outra, e toda nossa família ao redor, como tinha que ser.
Entre farpas e piadinhas, coisa típica da nossa família, tentei segurar
a mão do Lipe por baixo da mesa por puro costume e, só quando a
encontrei, que me lembrei que talvez não devesse.
Procurei, ouvindo causos de quase trinta anos atrás e risadas altas,
pela aprovação dele. Parei de sorrir, um pouco nervosa, e fiquei olhando
para ele que, para minha sorte, deu uma piscadinha brincalhona e apertou a
minha mão com segurança.
— E aí? — Bianca chegou quando serviam a sobremesa, com o
eterno chapéu do nosso avô na cabeça, o rosto escondido embaixo da aba e
um cheiro forte de cavalo e poeira — Tem espaço nessa mesa para um peão
com tanta fome que parece que veio à pé do Rio de Janeiro?
Passamos a tarde inteira naquela mesa e fazia tanto tempo que não
aproveitava a companhia da minha família, que nem vi a hora passar. De
repente, quando o tempo começou a virar, a gente achou melhor se despedir.
Tutu já dormia no meu colo há algum tempo, o Rodrigo do Guto também, e
Manu, a doida da irmã do Lipe, estava tão bêbada que também já tinha
capotado no ombro de um de seus maridos.
— A gente não vai ter after? — Ela perguntou quando Rafael e
acordou para se levantar da cadeira.
— Mané after, Manuela, você tem quase quarenta anos. — Guto a
repreendeu, um pouco alto de bebida também.
— Vocês eu não sei — Lipe se levantou e tirou o Tutu do meu colo
para que eu pudesse me levantar — Mas eu vou colocar criança na cama e
me jogar no sofá. Tô morto.
— É a idade, né, Lipinho Lindo? — Manuela provocou como se não
tivesse acabado de acordar — Chega numa idade que a gente só quer saber
de dormir cedo e acordar com as galinhas…
Geralmente o Lipe não deixava uma provocação passar batida, mas,
daquela vez, deixou. Virou-se para Olga, que lambia um pratinho de pudim,
virou-se para mim, que estava sentada esperando todo mundo resolver o
que fazer, e disse:
— Vamos para casa?
— Para casa? — Tive de me certificar porque, por um segundo,
achei que tivesse entendido errado.
Dei uma olhada para nosso Tutu dormindo no colo, cacei Olga que
já falava pelos cotovelos com Madalena, e suspirei aliviada.
Por um momento, durante a comemoração pelo desempenho das
meninas da família, senti que o Lipe não me deixaria voltar. Como se ele
preferisse contar aos nossos filhos que estávamos brigados, que me tolerar
por mais um segundo em sua vida.
Mesmo depois de ontem.
Sorte, pensei enquanto andávamos de volta para casa, Olga sempre
na frente, que me enganei. Lipe abriu o portão do nosso condomínio de três
casas e meu coração voou, acelerado, pensando no que poderia dar errado e
no que ele faria dali para frente.
— Lipe… — Tentei, querendo chamá-lo para uma conversa.
— Vou colocar o Tutu para dormir. — Segurando nosso menino no
colo, antes que eu conseguisse falar o que queria, ele se virou de costas e
subiu.
— … — Respirei fundo, sem saber o que fazer no meio da sala,
sozinha, e me virei para Olga, que se jogava no sofá com roupa de montaria
— E quanto a você, mocinha, direto para o banho.
— Ah, manhê!
Capítulo Dezessete
(Andressa)

Preparei um café para esperá-lo e fiquei no balcão da cozinha sentindo o


prazer que era estar de volta em casa. Sair por que precisava era uma coisa;
sair por que não era mais bem-vinda…
Segurei o medo de nunca mais pisar ali de vez, a angústia de querer
minha vida de volta, e fiquei pensando em tudo com cara de nada, até que
ele voltasse do quarto do Tutu.
— Aproveitei para ver se a Olga entrou realmente no banho. —
Disse assim que entrou na cozinha e em busca de uma caneca para si, certo
de que a primeira coisa que eu faria quando chegasse em casa seria passar
um café — Ela deu de ligar o chuveiro, sentar na privada e não tomar
banho.
— E ela entrou ou não entrou no banho?
— Tenho para mim que nem ela aguenta o cheiro que cavalo deixa
no corpo. — Com uma risadinha cúmplice, sentou-se ao meu lado e tomou
a garrafa de café para si.
Num primeiro momento, não falei nada. Ele tinha um sorriso
tranquilo no rosto, coisa de quem finalmente chegava em casa depois de um
dia comprido, e eu não quis acabar com isso. Dei outro gole no café e uma
espiadinha em seus pulsos.
Pelo tempo que ficou preso na parede do bar, no dia anterior,
imaginei que estivesse todo marcado, mas não, e confesso que me frustrei
um pouco.
— Escuta — tentei —, …
— Você vai passar esse fim de semana em casa, mas domingo de
noite, vai voltar para o hotel. — Disse tão friamente, tão seco, que um tapa
teria me assustado menos.
Segurei tanto o choro que meus olhos arderam. Prendi a respiração
para que as lágrimas não escorressem livres. Por que ele faria isso? Por
quê? A raiva era tão grande assim?
— Até quando eu vou mentir para as crianças? — Foi a primeira
coisa que falei, tentando manter a voz uniforme, mas falhando muito.
— Viajar e ficar longe delas nunca foi um problema antes, então não
será agora. — Tomou o ar numa lufada, claramente de saco cheio, e
continuou — Elas estão acostumadas com seus longos períodos longe de
casa.
— Você tá tão certo de que não me quer mais, Lipe?
Queria ser o tipo de mulher que fala o que quer e o que sente sem
chorar, mas bastava uma mínima menção de que ele queria o divórcio, que
o peito ficava tão pequenininho que doía.
— Não é esta a questão. — Sinal que me queria?
— Então é o quê?
— Não vem ao caso agora.
Não vinha ao caso????!??!?!
O que é que vinha ao caso, então, se ele me colocava para fora de
novo e me enviava sinais misturados, ora me querendo, ora não, a droga do
tempo inteiro? No almoço com a família apertava a minha mão com carinho
por baixo da mesa e me enviava piscadelas cheias de cumplicidade, e em
casa ficava um troglodita seco?!
Como é que essa bosta não vinha ao caso?!
— Certo, Lipe. — Respirei fundo antes que colocasse tudo a perder
— Diga que não me quer mais. Olha bem dentro do meu olho, Felipe
Ferreira, e diga com todas as letras que não me ama. Sei que está bravo, que
está de saco cheio, que priorizei o trabalho. Ok, disso tudo eu sei, mas seja
honesto comigo e com você, amor: Olha bem dentro do meu olho e diga
que não me ama.
Esperei, do fundo do coração, que ele não o fizesse. Se o Lipe me
dissesse as palavras que pedi que falasse, nunca me recuperaria desse golpe.
Posso nem sempre ter sido a melhor esposa do mundo, mas ninguém era
doido de duvidar o quanto amava esse homem.
Engoli em seco, sentindo os joelhos tremerem de medo, quando ele
se virou para mim com raiva.
Um olhar raivoso e eu não consegui pensar em mais nada. Nem
dizer mais nada. A minha pose de megera foi se derretendo, uma lágrima
por vez, e antes que me desmanchasse na frente dele, respirei fundo, certa
de que aquele era o fim, e deixei a caneca na mesa, pronta para fazer o resto
das minhas malas e lhe dizer adeus.
— Você sabe que eu não sou capaz. — Ele respondeu com a voz tão
grave e áspera que pouco se parecia com o meu Lipe. — E não quero te ver
cuspir para cima outra vez.
— Só assume que não está pronto para me dispensar! — Devolvi a
animosidade — Porque não estou pronta para te dar adeus, também.
— A sua única sorte… — Uma única lágrima caiu de seu rosto, mas
tinha tanta bile nela, que doeu em mim — É que eu tenho medo demais do
que vai ser a minha vida sem você.
— É tão ruim viver comigo? — Perguntei num fiapo de voz, com
medo do que me responderia — Só me responde, Lipe, que eu mesma dou
um jeito em tudo. Se tudo ao meu lado for tão péssimo e você só precisa de
coragem, …
— Estou cansado. — E foi a vez dele de quebrar.
— Então pensa nisso. — Retrocedi. — Pensa nisso e me dê uma
resposta.
Sensação de estrangeira em país que era meu. Sensação de persona
non grata. Sensação de fugitiva. Coloquei minha caneca na pia, sem
conseguir beber sequer metade do café que fiz com carinho, e subi.
Não sabia se o Lipe ia querer dividir a cama comigo, mas eu
precisava de num banho.
E chorar. Precisava disso também.
Capítulo Dezoito
(Lipe)

Não sei por que ela se preocupou tanto se dividiríamos a cama, se ela
sabia que eu não dormiria. O que era para ser uma sacudida para ver se ela
acordava virou um dramalhão, um parto, um monumento grandioso que
emergiu de lá do fundo do nosso casamento e trouxe consigo um monte de
antigas mágoas e ressentimentos.
Vi os primeiros raios despontarem por trás da cortina da sala e não
sei bem quando apaguei. Só fechei o olho e não vi mais nada, mas dentro da
minha cabeça o mundo continuava a funcionar. Era como se alguém
conversasse comigo a droga do tempo inteiro.
— Deixa o papai dormindo, Coelha — Ouvi Andressa dando bronca
na nossa filha.
— Por que ele tá dormindo no sofá? A gente nunca pode dormir a
noite inteira no sofá! — Ouvi Tutu protestando também.
— Vem, deixa o papai. — Andressa cochichava — A noite dele não
foi fácil.
— Ele tá acordado! Mamãe, papai já acordou!
Também, com todo mundo ao meu redor, me olhando como se eu
fosse um alien no meio da sala, quem não acordaria?
— Vai para a cama, Lipe. — Andressa sugeriu com uma voz
reticente de quem não sabia se podia manter conversa comigo. — Pode
deixar que eu…
O mundo cambaleou um pouco, mas firmei os pés em tempo. Tutu
subiu no sofá e deu um pulo nas minhas costas, Coelha ficou de bracinhos
erguidos esperando seu bom-dia, ambos sem perceberem que eu estava tão
destruído que uma ressaca teria doído menos.
Olhei para minha mulher, que tinha o semblante magoado, e lhe dei
um bom-dia sem me aproximar.
— A mãe fez panqueca! — Tutu gritou enquanto se pendurava nos
meus ombros. — E chocolate molinho!
— Vai devagar, Tutu. — Pedi, colocando-o no chão — O pai tá só o
bagaço.
— Você não dormiu, não?
— Claro que ele dormiu — Olga respondeu para o irmão — Você
não ouviu ele roncar?
Nem dormi, quem dirá dormir bem. O corpo desistiu e desligou,
mas a cabeça, …
Sugeri que todos fôssemos para a cozinha e tive de dar o braço a
torcer: toda vez que a Dê voltava de viagem, no dia seguinte, o café da
manhã dela era a melhor coisa do dia. Fazia questão de arrumar a mesa com
carinho e de deixá-la bonita, de fazer a comida favorita das crianças,
panqueca igual às dos filmes e chocolate quente mais concentrado, com o
caldo bem grosso e doce.
Até para mim tinha comida diferente e, embora tivéssemos nossas
diferenças, ela manteve a tradição: fez tapioca com queijo branco, uma para
mim e outra para ela.
Sentamos para comer e as crianças quiseram contar tudo o que
fizeram de bom em sua ausência, exatamente como toda vez que ela voltava
para casa.
— E você, papai? — Olga me puxou para a conversa enquanto eu só
queria saber de me entupir de café — Não vai contar para a mamãe o que
fez de bom durante a semana?
— Sua mãe e eu já conversamos, amor. — Desviei da pergunta da
minha filha, mas não acabei com o assunto — Esqueci de avisar que todo
mundo combinou de cair na piscina depois do café da manhã.
— Todo mundo?! — Andressa abriu um sorriso lindo para os filhos,
principalmente para o Tutu que amava água — Até o vovô e a vovó?
— A vovó Fefê disse que queria dormir até mais tarde, não sei se ela
vem… — Tutu respondeu com um desapontamento bonitinho.
— Ora, se ela não vier até as dez da manhã a gente vai até lá buscar
ela!
— É — Olga sorriu mexendo na calda de chocolate de seu prato
com o indicador —, se até a Tia Manu vem, e a titia é a maior dorminhoca
do mundo, a vovó tem que vir!
— Use o garfo, Olga. — Andressa lhe deu bronca.
— Tá…
Domingo de manhã era um dos raros dias em que nada de ruim
acontecia. Nem mesmo a nossa situação diminuiu a tranquilidade na casa,
ou a risada de nossos filhos.
Podíamos ter mil diferenças e mil desavenças, mas, mesmo assim,
éramos bons pais. Nossos filhos tinham uma vida saudável e segura, cheia
de priminhos parra brincar, família para nos dar suporte e, se tudo isso não
bastasse, ainda tinham uma piscina no quintal de casa.
O Lipe de dez anos que ficou no passado, teria dado tudo para ter
tido uma piscina também, por isso, quando construí nossa casa, a primeira
coisa que pensei em fazer com o espaço sobressalente nos fundos do
condomínio de três casas, foi instalar uma piscina grande e que servisse de
vista na janela do nosso quarto.
Olga foi a primeira a estourar para fora de casa, de maiô, quando
Andressa liberou piscina. Tutu correu logo atrás, de sunga e com uma
toalha na mão, berrando para os primos, vizinhos da casa ao lado, que já
podiam brincar.
Não demorou muito que a casa ficasse cheia. Meus pais chegaram
pouco depois e todo mundo começou a berrar “Manu! Manu!” para que
minha irmã saísse logo de casa e enfrentasse a água que, para um domingo
ensolarado daqueles, até estava um pouquinho gelada, mas nada que nos
impedisse de curtir o dia.
— Eu não sei se vocês me amam ou se me odeiam. — Manu
reclamou quando abriu a porta dos fundos da própria casa, o cabelo todo
bagunçado e ainda de camisola — Me deixem dormir, que saco!
— Vem, Titia Manu! — Diguinho, o filho mais novo do Gustavo,
meu irmão, saiu de onde estava e foi direto receber minha irmã, com os
braços bem abertos, todo carinhoso e querendo abraços.
Manteiga que era, a boca ácida não aguentou nem dois segundos
depois que Rodrigo Neto a puxou para lhe dar um monte de beijos. Pediu só
um segundo para lavar o rosto e, quando saiu, ainda com roupa de dormir,
saiu com um café na mão e os dois maridos que, ao contrário dela, já
estavam acordados há tempos.
Reunidos, os Ferreira e os Botelho têm a mania que era quase uma
doença patológica de se provocarem com farpas e deboches até o fim da
reunião. Gustavo e Andressa raramente participavam, mas, se chamados
para a briga, não saíam.
Minha mãe era sempre quem começava e daquele dia não foi
diferente. A questão é que eu não estava muito para brincadeiras, não. Sem
dormir e com a cabeça a mil, preferi me jogar na água e entrar na
brincadeira das crianças.
Era quase meio dia quando Andressa saiu da cozinha com aperitivos
para todo mundo, além de limonada geladinha. Ela não era a típica mãe que
cozinhava todo dia, mas sempre gostou de receber gente em casa.
Enquanto distribuía copos de suco para a garotada eufórica e ria
oferecendo pinga para esquentar a limonada dos adultos, a única coisa que
fui capaz de reparar foi no tamanho de seu biquíni.
Andressa Botelho, a minha esposa, de biquini. Se vi esse advento
duas vezes na vida, foi muito. E não era aquele tipo de biquíni cuja calcinha
ia até as costelas para esconder a barriga, era biquini normal, que cobre o
que tem que cobrir e deixava o resto todo para fora.
Além de deixar a bunda, também. E o decote.
Um biquíni tão bom, tão perfeito, que se estivesse num dia comum,
num dia bom, a teria arrastado para dentro de casa, de volta para a cama, e
só sairia de lá quando as crianças estivessem berrando de fome.
Essa era a qualidade daquele biquini que, me perdoe, não me
lembrava sequer da cor.
Devo ter feito cara de idiota e seu biquini não passou despercebido
por ninguém. Bianca, que era a pessoa que mais conhecia minha esposa na
vida, fez um bico surpreso, mas não lhe teceu elogios à cara. Em certa
medida, todos sabíamos que, se falássemos que percebemos a mudança da
roupa, Andressa colocaria alguma coisa por cima do corpo só para não ser
mais vista.
Quando Bataille me disse que daria roupas para minha esposa e
pediu o meu cartão de crédito para isso, nunca imaginei que fizesse essa
diferença. Eu sou um cara, e como a maioria de nós, a gente gosta de
mulher arrumada e tal, mas não participa ativamente disso.
A gente só fica sentado no sofá, esperando a beleza desocupar o
banheiro, e que gosta de tomar aquele soco na cara quando percebe que a
espera compensou.
Saber comprar roupa? Isso, nunca. Nem para mim eu sabia direito,
meu outfit sempre foi camisa e calça jeans e, provavelmente, quando meu
filhos forem me enterrar, Deus queira que daqui uns cinquenta anos, eles
terão só que escolher entre as camisas brancas e as azuis, pois é nisso o que
se resume meu guarda-roupas.
Mulher, não. E todo mundo sabe que roupa de gorda dá mais
trabalho de achar. Não é qualquer coisa que fica bom e tal e coisa, e já ouvi
Andressa reclamar disso muito mais do que gostaria, inclusive.
Só que vamos dar o braço a torcer aqui de que o homem fez milagre.
O vestido azul? Delícia. A saia e a blusa do outro dia? Delícia. Com
absoluta certeza, ele não deu um biquini a ela, mas as outras roupas que ele
tinha escolhido lhe deu coragem de escolher alguma coisa por si além de
maiô e canga.
E isso, meus amigos, ficou explícito na minha cara. Andressa
prendeu o cabelo para entrar na piscina e ficou lá dentro, sentada nos
degraus, os braços apoiados na borda, perto de um copo de água gelada e os
peitos flutuando na água, perfeitos demais para que eu soubesse me
comportar.
Não bastassem os gêmeos, olhando para baixo tinha barriga. E
coxas. E um triangulinho pequeno ali, no meio, que parecia que falava
assim, ó:
“Veeeeeeeeeem, Lipe. Veeeeeeeeeeeem”.
— Se vai ficar babando na minha irmã desse jeito, ô, sem modos —
Bianca interrompeu uma sequência de planos indecentes que eu fazia na
cabeça para quando Andressa e eu estivéssemos amiguinhos de novo —, vê
se esconde a barraca.
Olhei para Bianca, olhei para meu shorts, olhei para a família que
estava inteira olhando para a minha cara e que explodiu de rir quando me
toquei, e me ajeitei na cadeira para ficar menos indecente na frente das
crianças.
Fui até abastecer a jarra de limonada depois disso porque tinha que
caçar o que fazer para não ficar louco.
Entrei na cozinha, sentindo a diferença de temperatura do domingo
ensolarado para a cozinha de piso frio, vi que tinha uma segunda jarra
preparada na geladeira e me servi um pouco.
Foi o tempo de matar um copo que a famigerada chegou, com o
corpo todo molhado, descalça na cozinha e com um sorrisinho inocente
mais falso que nota de três reais.
— Bem que a gente podia almoçar lá na Dona Alexandra hoje, né?
— Ela sugeriu, abrindo a porta da geladeira para pegar não-sei-o-quê e
colocando o rabo imenso para cima — Olga e Madalena já estão com fome.
— O que você disse? — Depois que aquela bunda entrou em jogo,
não ouvi uma só palavra.
— Almoço. — Ela respondeu sem sorrir, segurando um pote de
maionese na mão — Vamos na Dona Alexandra? Não estou a fim de
cozinhar para esse monte de gente.
— Você sabe que sua mãe e a Bia amam uma beira de fogão —
Recuperei a decência e me mantive bem perto da beira da pia para não
denunciar a ereção.
— Ai, mas até ficar pronto, Lipe? — Das duas, uma: ou Andressa
estava realmente falando de coisa de casa comigo, como um domingo
qualquer, ou tinha virado um demônio da manipulação barata e sabia
exatamente o que fazia ao colocar o corpo inteiro para jogo.
A conhecendo como conhecia, ambas as situações eram possíveis.
— Por mim pode ser, tanto faz — Olhei para a janela que dava para
a piscina só para desanuviar um pouco e ri quando percebi que meu pai e o
vô André, pai dela, jogavam as crianças para dentro da água cantando:
“balança caixão, balança você!”. — Espia só:
Andressa veio ver do que eu ria e não se conteve, também. Quando
éramos pequenos, antes da época em que meninas viravam objeto de desejo,
antes dessa mulher virar minha sina e minha cruz para carregar, meu pai e o
pai dela costumavam fazer isso conosco.
Lembro de uma vez que Andressa não quis brincar assim por que
achou que os dois adultos não conseguiriam carregá-la e passou a tarde
inteira chorando no quarto. Foi na pior fase da gordofobia da mãe dela, que
não podia vê-la mastigar que já reclamava.
Coisas que só tomei conhecimento anos e anos depois, por que a
mãe dela não fazia essas coisas na frente de todo mundo.
— Eu nem lembrava mais dessa bobeira deles. — Andressa falou
sorrindo — Isso faz o quê? Uns trinta anos?
— Trinta anos, no mínimo.
— Caramba, como o tempo passou. — Sorrindo, com o cabelo todo
desgrenhado de cloro, toda arrepiada pela água da piscina que escorria pelo
corpo, ela olhou para mim de um jeito que conheço e amo há tanto tempo
que fiquei sem ar. — Em algum momento você imaginou que a sua vida
seria assim? Com o seu pai e o meu pai brincando com os nossos filhos na
piscina da nossa casa?
Era um olhar emocionado e apaixonado que me dizia tudo sem
precisar dizer um “a”. Eu não sou doido no olhar dela só por que era azul,
podia ser da cor que fosse, a questão sempre foi o quanto conseguia me
dizer em apenas um contato visual de relance.
Ninguém nunca me olhou do mesmo jeito que ela. Sempre tem um
fundinho doce, meio lar, meio sonho de menina, quando olhava para mim.
E era uma pena que tivéssemos perdido isso no decorrer da rotina.
— Não. — Respondi ao que ela me perguntou e que deixei sem
responder porque fiquei preso demais ao que me dizia com os olhos —
Você imaginou que sua vida seria assim?
— Sonho com isso desde que me entendo por gente, amor.
Capítulo Dezenove
(Lipe)

— Olha — Ela trocou de assunto —, sei que não estamos num bom
momento, mas me desculpa, tá? Nada do que fiz foi com intenção de te
machucar ou te jogar para escanteio. Eu sou viciada em trabalho, sou
ansiosa, sou controladora, tenho problemas em delegar e, quando o faço,
parece que sempre delego a função errada. Mas eu nunca parei de olhar
para você. Nunca esqueci de você. Nunca pensei numa vida diferente dessa,
nem quis outra coisa para mim. O trabalho me dá uma posição para ocupar,
mas o que me dá vida é você. Nada tem sentido sem você, e me desculpe
por ter te feito duvidar disso.
Se tivesse ainda dúvidas da estratégia de Bataille, ali as perdi. Era
cruel colocá-la para fora sem a intenção de pedir divórcio? Sem dúvidas.
Ela provavelmente ficaria muito brava quando descobrisse? Com certeza.
Mas olhe nosso avanço. Olhe o quanto, em pouquíssimo tempo com
esse tratamento de choque, as coisas evoluíram. Da mulher que entrou
abismada num bar de putaria, ela virou a principal cena da noite e eu não
precisei fazer absolutamente nada.
Sempre soube que existia essa mulher dentro dela. Em certos
momentos, a via. Vejo sempre quando ela se dedica ao trabalho ou em
situações extremas.
Só nunca tinha visto essa mulher ao lidar comigo. E isso sempre me
quebrou. Como ela tinha tanta ousadia no trabalho, a sua função com o
mundo, mas não a tinha com si mesma e comigo? A gravidez da Olga foi a
única vez que ela se permitiu sair da caixinha correta, mas, desde então,
nunca mais.
Ainda existe muito amor e muita paixão entre nós, pensei sem sorrir
nem demonstrar afeição. A gente só precisa saber para onde olhar.
Com um sorriso no rosto, alguma calma que eu não sentia há vai
saber quanto tempo, segurei sua mão e dei um beijo, mas não a soltei logo
em seguida.
— Você sabe o que eu sinto por você. — Falei com um tom sério,
mas essa severidade não alcançava o coração — Sabe tudo o que eu deixei
para trás para construir uma vida do teu lado, não sabe?
— Sei, amor.
— Então vê se não joga isso fora.
Era minha deixa. Soltei-lhe a mão e saí da beira da pia, pois
precisava arrumar o almoço daquele povo todo que ficou do lado de fora
provavelmente tecendo piadinhas sexuais sobre nós dois.
Foi eu me afastar um pouco que fui puxado de volta e tomado num
beijo. Beijo que faz a gente ferver na raiz dos cabelos e do lado de dentro da
calça. Um puta beijo de amor e paixão misturado à uma vontade enorme de
foder que me deixou mais zambeta que o biquini minúsculo que meteu
naquela manhã.
De ferro nunca fui. Se tinha um material que me caracterizasse, esse
era o gesso. Tem aspecto de duro, tem cara de pedra, mas basta um
empurrão. Flexível, se molda em qualquer forma, tapa qualquer buraco. Na
mão dela, então? Um toque e eu estaria completamente em pó.
A janela e a porta estavam abertas e não dava para brincar ali, sob a
ameaça de qualquer um entrar a qualquer momento, então a tomei pela mão
e a arrastei pela cozinha, pela sala, escadas acima e pelo corredor até
chegarmos no quarto.
Para minha sorte, ela já foi se desfazendo da parte da cima do
biquini, me mostrando o que eu queria ver desde que rompeu pela área da
piscina usando somente aquilo. A fome estava na cara dela e na minha, mas
tinha uma coisa diferente ali, uma faísca acesa no sorriso e no fundo do
olhar.
Tinha alguma coisa que não fui eu que dei, mas que ela achou pelo
caminho.
E que bom que achou.
Tomei-a num beijo-suicida ouvindo a respirarão ofegante de quem
me queria muito. Puxei um nó da lateral de sua calcinha e deitei-a na cama,
apaixonado no cabelo esparramado no travesseiro, no rosto vermelho e no
olhar que nunca abandonou o meu.
Não tinha mulher na face da terra que me deixasse daquele jeito, tão
louco em tão pouco tempo. Por mais filha da puta que Andressa fosse.
Apoiei um joelho em cada lado de seu quadril e ergui o peito, ela me
puxou para fora do short, brincando comigo, olhando na minha cara e no
meu peito, de cima a baixo, apertando as pernas, doida de tesão.
Desci para beijá-la outra vez e esfreguei o pau na barriga dela, como
se a fodesse, e quase queimei a largada. Andressa gemeu entre os meus
lábios, querendo que eu entrasse nela, e desci a boca para os mamilos,
molhados de piscina ainda, duros de tesão e que me ] deixou óbvio o quanto
estava com saudade deles assim que meti a boca.
Senti uma pontada mista de tesão e tristeza, por que aquela era a
minha mulher, a mãe dos meus filhos, a menina dos meus sonhos desde os
meus dezessete anos, e ainda assim, mesmo assim, ficávamos distantes um
do outro ao ponto de eu sentir aquela saudade doída de quem vive mais
tempo afastados que juntos.
— Lipe — Ela pediu com a melhor voz do mundo, molhada de
tesão inclusive nas palavras, pronta para levar rola e querendo muito isso
—, me chupa.
Ela teve quem lhe fizesse isso. Não esqueci da namorada de Bataille
caindo de boca no que era meu. Fiquei doido de ver, quase gozei nas calças,
e não me esqueci também da maldade que me submeteu ao dar para mim,
mas não me deixar gozar.
A filha da puta foi tão maldosa, que senti as contrações de seu
orgasmo ao redor do pau e, bem quando era a minha vez, tirou e me deixou
quicando pelo bar enquanto se arrumava para ir embora.
No ritmo onde dançava um, dançam dois. E se ela sabia ser ruim,
alguém precisava lhe contar que eu podia ser pior.
Subi os joelhos de seus quadris para suas costelas.
— Segura eles assim — Mandei, aproximando os dois peitos,
pedindo que ela os deixasse bem próximos um do outro.
Andressa tem as tetas mais lindas do mundo. Não cabem na mão,
nem na boca, e são grandes. As auréolas são pequenas, os bicos são grandes
e eu amo colocá-los na boca.
Enquanto ela os segurava conforme pedi, ajeitei o travesseiro
embaixo de sua cabeça para que ficasse inclinada e o queixo quase
encostasse no peito.
Só assim, enfiei o pau no vão entre os dois seios e tentei encostar a
cabeça em sua boca. Como sabia obedecer, abriu a boca e olhou para mim,
com a linguinha para fora, me dando um sorriso safado enquanto eu metia
nela, cada vez mais forte e ofegante, até que chegasse a minha liberação.
— Não engole. — Mandei, quando senti que faltava pouco, e parei
de brincar entre os seios para enfiar na boca dela com tudo.
Tive de apoiar o braço na cabeceira da cama. Ela passava a língua
na cabeça do meu pau e o orgasmo não tinha fim. Fazia muito, mas muito
tempo que eu não gozava daquele jeito, do jeito como um homem casado
devia gozar todo dia, mas que eu só tinha essa graça uma ou duas vezes por
ano.
— Mostra para mim. — Pedi quando recuperei o fôlego e saí de
dentro de sua boca.
Ela colocou a língua para fora, tão vermelha de tesão que quase
gozei de novo, e vi a língua esporrada, a boca cheia e o jeito como ela
apertava os próprios mamilos, pronta para continuar a brincadeira.
Dei um beijo em sua testa, me guardei no short, dei outro beijinho
em seu nariz e me levantei da cama.
— Infelizmente, você ainda não sabe a senha.
Se eu soubesse o quanto isso seria divertido, teria começado há
muito tempo.
Fui para o closet, peguei uma camiseta qualquer e desci.
Provavelmente meus filhos já estavam verdes de fome.
Capítulo Vinte
(Andressa)

Louca como há muito tempo não sabia como era. Qualquer coisa me
lembrava o Lipe e molhava a minha calcinha. Passei o almoço inteiro, junto
da minha família, me concentrando em manter a respiração uniforme. Se
conseguisse isso, já daria o dia como um sucesso.
Dormir foi um sacrifício, uma tortura. E não tinha nem Lipe na
cama para tirar uma casquinha. Não era só a falta de gozar, isso me resolvi
cinco segundos depois que ele fechou a porta e me deixou sozinha, era o
todo, era tudo, era o conjunto.
Levantei para trabalhar sentindo o cansaço da noite insone e a
animação de uma adolescente apaixonada num ídolo musical, num ator de
novela, nalguma coisa assim.
Dei café para os meus filhos e me surpreendi quando eles me
perguntaram do porquê de eu ainda estar de camisola. Olhei para baixo,
constatando mesmo a roupa de dormir, e dei de ombros.
A Andressa normal já sai do quarto vestida para o trabalho, para
poupar tempo e sair de casa assim que as crianças fossem para a escola.
Aquela segunda-feira, obviamente, não era dia de Andressa normal,
constatei, e lhes perguntei se queriam outra bisnaguinha.
Lipe desceu pouco depois, diferente do normal dele também, um
pouco mais perfumado que o de costume, um pouco mais arrumado
também.
— Pai, por que tá bonito hoje? — Olga foi a primeira a notar.
— Coelha, eu tô bonito todo dia! — Com uma piscadela
brincalhona, ele lhe deu um beijão na bochecha, outro no Tutu, e até eu
ganhei um beijão na bochecha.
Ele, mais alto que eu, sorria diferente e levei algum tempo para
decifrar que tipo de sorriso era aquele. A rotina realmente tirou o que tinha
de mais divertido entre nós e nem percebi.
Aquele sorriso, com a mão na minha cintura, era sorriso de quem me
queria de café da manhã, e demorei tanto para entender, que assim que
meus dois neurônios funcionaram, corei de vergonha.
Pela primeira vez em muito, muito tempo, vi o quanto minha vida
poderia ser divertida e confesso que me empolguei com isso. Onde eu
estava com a cabeça quando ignorei tudo isso em favor do meu trabalho?
Sim, houve dias difíceis em casa e no trabalho, complicações e
desafios tanto lá quanto aqui, mas isso deveria significar o completo
esvaziamento de cor e sabor da minha vida?
— Fica hoje. — Ele pediu, com as chaves de seu carro na mão,
segurando a mochila do Tutu num ombro e a pasta de Olga na mão. — Sei
o que falei ontem, mas fica.
— Não quero atrapalhar, amor. — Falei o que falei, mas só queria
comemorar pulando e me jogando na cama, igual adolescente.
— A gente conversa disso depois, mas fica. — Com um beijinho de
casado, deu outra piscadinha, cúmplice e cheia de amor antes de fechar a
porta de casa.
E, antes que eu terminasse de me arrumar para o trabalho, recebi
uma mensagem dele:
“Te vejo hoje à noite?” Imediatamente, entendi que ele não queria
me ver em casa.
Só de pensar no homem amarrado no pátio daquele bar, nas coisas
que eu faria se ele não me desse a maldita senha, acabei sorrindo sem
querer.
“Vou ver se a Manu fica com as crianças de novo.”. Respondi.
E não falou mais nada, me deixando com uma poça na calcinha, as
ideias completamente fora de lugar, e torta de desejo.
Passar pelo dia de trabalho foi péssimo. O diretor de logística era
uma bagunça, gaguejava para falar comigo, e a Bia, principal cuidadora dos
cavalos, o odiava cada dia mais.
— Eu tô te falando, se é para ter um zé mané cuidando dos meus
bichos, deixa que eu me viro!
Ela já tinha ido, de caminhão, com os dois cavalos que precisavam
ir ao Rio de Janeiro. Da última vez que ficamos sem um responsável pela
logística, o casamento da minha irmã quase acabou e só por isso eu
mantinha um completo incompetente no cargo. São muitas viagens, muitas
horas na estrada, muita burocracia. Nosso modelo de negócio envolve
muito transporte de animais e somos referência nisso porque nos
importamos muito com o bem-estar deles.
No entanto, são pouquíssimos os veterinários com especialização
em carga, ou gente da logística com especialização em cavalos. Já tivemos
um bicho apreendido pela alfândega por dois dias por falta de um
documento e quase ficamos loucas.
Sabe o que é um cavalo sem comida ou bebida por dois dias? Luar
voltou para casa no soro, coitado, e isso nos deixou tão nervosas que nem
falamos com o diretor de logística por uma semana para não termos que dar
na cara dele.
Aquela segunda, enquanto em casa parecia um sonho molhado, a
empresa era um inferno na terra. Vinha uma nova viagem por aí,
internacional, de entrega de dois potros treinados e filhos do Leonardo,
netos de BelaDona.
A égua Bela, o cavalo mais rápido do mundo, pariu o potrinho
Leonardo desafiando todos os manuais de saúde reprodutora. Quando ela se
tornou o animal mais rápido do mundo, diziam que estava velha demais
para competir.
E morreu como morrem os campeões: dormindo. Deixou o Léo e o
Bê para trás, Leo que corre como a mãe, campeão americano de Turfe,
prestes a concorrer o título mundial, e o Bê, atual dono da taça mundial de
Enduro.
Com os netos de BelaDona rumo à China, diante desses dois cavalos
que têm mais fama e que valem mais que carreiras inteiras de ídolos pop,
como deixaríamos que um incompetente lidasse com o transporte para o
outro lado do mundo?
Esse era o principal motivo da minha segunda, no trabalho, valer o
inferno na terra inteirinho.
— Honestamente? — Falei ao Guto quase no fim do expediente —
Não vai ter outra saída. Ou Bianca e eu levamos esses bichos, ou eles não
chegam.
— Honestamente? — Gustavo me rebateu — Se você fizer isso, vai
acabar com o Lipe.
Eu sabia disso. Não tinha voltado para casa por tempo suficiente
nem para esquentar a cama, as coisas entre nós finalmente se ajeitavam, e
sabia que falar a palavra proibida “viajar” quebraria sua esperança de
sermos o que fomos quando estávamos grávidos da Olga.
— Vou pensar numa saída. — Respondi, puxando meu blazer do
encosto da cadeira e tomando minha bolsa num dos ombros. — Até
amanhã, Guto.
— Manu não vai poder ficar com as crianças hoje, você quer que eu
fique com elas até vocês chegarem?
— Guto — Sorri e dei meia-volta para dar um beijo no cunhado e
melhor amigo mais precioso do universo —, o que seria da minha vida sem
você?
— Não me apareça com sorriso de mulher bem-comida, que eu não
quero descobrir que meu irmão transa.
— Não se preocupe, Gutinho. — Concordei dando gargalhadas
enquanto caminhava até o elevador.
Até por que o Lipe não transa, ele dá show.
Capítulo Vinte E Um
(Andressa)

Passei em casa para comer alguma coisa e trocar de roupa, depois fui
direto para o bar. Precisava encontrar o Bataille e lhe pedir ajuda, pois
enquanto detonava um pão de queijo endurecido com café, tive uma ideia
que, hm, modéstia completamente à parte, deixaria meu Lipe sem fala.
Não precisei de ajuda para me vestir, nem presentes. Sabia o que
colocar antes mesmo de sair do trabalho. Precisava ser um vestido azul
intenso, lindo, e sem cara de vestido formal. Custei a achá-lo, mas ao vesti-
lo, me senti uma gostosa de cima a baixo.
Com um transpassado na área da cintura, o vestido disfarçava a
minha barriga ao mesmo tempo que desenhava as curvas. Além de ter um
decote em V bastante profundo que deixava meu colo bonito.
Eu, que não era boba nem nada, taquei um spray no peito para
deixá-lo brilhando, nas pernas também, e me maquiei o suficiente. Se me
sentasse para me maquiar mesmo, levaria mais de uma hora, então apostei
no corretivo em locais estratégicos, um batom vermelho bastante vivo, mas
que não brigasse com o azul da roupa, e penteei os pelos da sobrancelha.
Pronta em meia hora, para aquele nível de produção, parecia um
milagre. Faltou apenas um salto, que, quando cruzei as tiras no tornozelo,
deu um charme na roupa que me deixou orgulhosa.
Estava começando a me acostumar com essa ideia de ser gostosa e
chamar atenção. Para quem era conhecida como a mosca-morta da família,
aparecer sempre foi um problema.
Das vezes que precisava, era como se eu encenasse alguém que não
fosse eu, como se eu estivesse vulnerável demais e sem defesa.
Tudo que vinha do universo demasiado feminino, era como se me
enfraquecesse. Aprender que eu também era aquela imagem no espelho,
aquela pessoa linda e gorda, linda e arrumada, linda e sensual, me deixava
um tanto boba, mas feliz também.
Quarenta anos para entender que nem só de defesas vive uma
mulher. É mole?
Assimilar a maldade do mundo para dentro do nosso espírito tem
vezes que é fácil demais. E, quando percebemos, estamos presas num
círculo onde nada pode, tudo é errado, e onde ninguém é feliz.
Saí de casa com as chaves do carro na mão, mas, de repente, não
quis usar aquele. Eu tenho um segredo e um vício que só os mais próximos
sabem, que é meu gosto por carro.
Dona de cavalos que sou, proprietária dos cavalos mais rápidos do
mundo também, não deveria chocar ninguém o fato de eu gostar de
velocidade. Cheguei, nos meus tempos áureos, a ganhar carro de cliente
quando fechava um bom negócio.
Isso, antes de fincar os pés no Brasil.
Caminhei até o outro lado do condomínio de três casa, onde ficava a
garagem fortemente protegida, a única saída do Jockey em que ninguém
nunca via aberta, e apertei o botão do portão.
Acendi o disjuntor do lado direito do galpão e suspirei toda
orgulhosa de me reencontrar com eles: já foram oito, mas agora eram
quinze carros importados, cada um com uma história para contar, que na
minha vida de mãe, esposa e CEO não tinha mais tanto tempo para usá-los
assim.
O Lipe já sugeriu que os vendêssemos, mas quase infartei. Podia
não ter tanto tempo assim para usá-los, mas isso não significava que não os
amasse.
E o engraçado é que cada um tinha um terço benzido que minha mãe
me deu, e a foto da minha família. Para onde quer que eu fosse, em qual
carro preferisse, o terço de Dona Angélica e os meus andavam sempre
comigo.
Digitei a senha eletrônica no painel ao lado do disjuntor de luzes e
abri o pequeno cofre com as quinze chaves. Cada chave tinha um chaveiro
diferente, todos feitos pela Olga, com penduricalhos de miçanga cor-de-
rosa, ou pompons.
De dia, usava sempre um Range Rover SUV, que cabiam minhas
crianças e era moderado no combustível.
Naquela noite, puxei a chave do Huracán preto, carro esporte,
rebaixado demais para as vias de São Paulo, mas que era tão confortável e
gostoso de dirigir que valia a pena.
O meu modelo tinha uma customização de fábrica: além dos vidros
tão escuro quanto sua pintura preta, suas rodas eram douradas.
O tipo de modelo que, quando visto nas ruas, todo mundo achava
que o motorista se tratava de um CEO gostoso e rico, mas que quando viam
quem saía de dentro, podiam jurar que eram de meu marido.
Tecnicamente, aquele carro também era do meu marido, mas por
que ele se casou comigo. O negócio do Lipe, de toda forma, era bicicleta.
Não sei onde que ele foi pegar gosto no duas-rodas, mas o pobre coitado
pegou.
Se bem que… se bem que se o Lipe sai de dentro do meu Huracán
abotoando o terno e jogando a chave para um frentista, acho que eu gozo só
de ver.
Talvez eu tenha um pouco de tesão com multimilionários de terno,
também, afinal, quem não tem?
Entrei no carro, busquei pelo controle automático de ambos os
portões, tanto o traseiro por onde passei, quanto o dianteiro por onde
passaria, e tive dificuldade para me lembrar como o dirigia.
Em segundos, com a máquina na mão e funcionando, tive de me
desfazer das sandálias, me lembrei do câmbio de dupla-embreagem, dos
detalhes técnicos que todo mecânico vinha querer me ensinar como se eu
não soubesse o carro que tinha, e deslizei feito seda para fora do Jockey.
A viagem não era comprida, mas valia cada metro. Mesmo sem
poder abusar da velocidade, ainda era um carro gostoso de dirigir. Uma
única vez na vida andei com ele na autobahn alemã, que não tem limite de
velocidades, e lembro da delícia que foi.
Não saí do carro, depois que parei no único estacionamento aberto
naquela rua, sem calçar as sandálias. Pronta, com a pequena bolsa que
escolhi para aquela ocasião, entrei no bar depois de cumprimentar o
segurança e a moça da recepção que me olhou embasbacada, como se nunca
antes tivesse me visto.
Fui direto para o pátio, mas a moça que sempre ficava na barra de
poledance não me passou despercebido. Era incrível como o fetiche dela era
apenas dançar pelada e ser vista. Ela nunca se relacionava com alguém,
nem dançava para alguém específico. Ficava ali, sozinha, sorrindo e
rebolando no pole, muito melada, e não saberia dizer se se satisfazia ali
mesmo, ou se escolhia outro lugar.
Encontrei Bataille sozinho, sentado numa espécie de trono de ferro,
e estranhei. Não tinha Valéria para ele, naquela noite?
— Ela vem mais tarde. — Ele se explicou — Está na reta final de
um projeto e, quando ela senta para escrever, ninguém, nem eu, a tira de
casa.
Sequer sabia que Valéria escrevia, e, quando descobri a matéria de
seus livros, prometi a mim mesma que os pesquisaria mais tarde.
Se ela é parceira de Bataille e escreve livros eróticos, no mínimo seu
conteúdo me daria ideias novas para dar trabalho a um Lipe que, para
minha sorte, já se encontrava amarradinho na parede do pátio e não
escondia mais suas tatuagens.
— Bataille, você me ajuda? — Pedi.
— Depende. — Respondeu com um sorriso no canto da boca,
sabendo que meu pedido de ajuda não seria para coisas bobas.
— Eu quero amarrar o Lipe de mais jeitos, deixá-lo mais imóvel
ainda. — Provoquei tentando segurar o sorriso que fluía sozinho — Só que
não sei como.
— Lady Blue, a senhora é uma caixinha de Pandora. — Levantando-
se, ele me deu o braço para que o acompanhasse, e sussurrou bem perto da
minha orelha — Estive sonhando com o dia que me pedisse para lhe ensinar
o bondage.
— Nunca imaginei que ele fosse gostar de ser amarrado —
Confessei baixinho também, conforme ele me levava de volta ao salão
principal.
— Mas agora que sabe, não vai desperdiçar a chance, não é?
Dei-lhe uma risadinha cúmplice e, em pouquíssimo tempo, descobri
uma das muitas portas do andar superior.
Capítulo Vinte E Dois
(Lipe)

Dentro da minha cabeça doentia de desejos reprimidos, já vi essa cena


mil vezes. O corpo inteiro esquentava só de imaginar Andressa pelo bar,
fazendo o que bem entendesse, com quem bem entendesse, eu preso sem
poder reivindicar o que era meu.
Como eu disse: cabeça doentia dos desejos reprimidos.
Bataille me prendeu na parede porque, palavras dele, tinha um
palpite sobre mim, mas eu não gostei, não. Me deu câimbra. Ficar com os
braços para cima por aquele monte de tempo estava bem longe de qualquer
definição de diversão, mas, quando ela apareceu no bar pela primeira vez,
bem-vestida, e olhou sem saber quem eu era por que Valéria escondeu
minhas tatuagens com maquiagem e meu rosto estava coberto, a brincadeira
começou a ficar um pouco mais interessante.
Fiquei um pouco surpreso, de início, de Andressa não ter me
reconhecido logo de cara. Falei tanto para Bataille quanto Valéria que
aquilo não fazia sentido pois minha mulher me reconheceria até do avesso,
até no escuro, mas ela não reconheceu, não.
Só ficou interessada em mim, com a sensação errada de que queria
um estranho, e não me deu bola pelo resto da noite.
Porém, quando ela entrou com aquele vestido azul sem a postura
retraída da vergonha, mais segura de si, e foi conversar com Lady Nïn,
aquele foi o melhor momento em anos. Fiquei tão eufórico que nada
superava. Enquanto ela conversava com a Lady, passava para lá e para cá
com a bunda perfeita toda marcada no vestido, eu quis dar um jeito de me
soltar dali, subir a barra do vestido e…
Daí que as amarras tiveram graça. Por que elas me impediam de
fazer o que queria, prolongavam o desejo, me deixavam com mais tesão,
mais vontade de me rebelar.
Quando ela tirou a roupa olhando na minha cara, não tinha uma
palavra que se completasse na minha cabeça. Eu parecia um neanderthal
sem saber usar o português, tomado de desejo, de vontade de foder, de
arrebentar com ela.
Depois que se deitou no balcão, então, a massa cinzenta dentro do
meu crânio derreteu e não havia câimbra no braço, dor nas costas, nem nada
do tipo. Tinha só pau, ereção fodida de dolorida, e a vista.
Puta show que a minha vadia eu pra mim.
Doeu não gozar? Doeu, e muito. Mas o show, meus amigos, o
show… Ver a esposa que sempre está preocupada com Deus e o mundo,
com o celular e os e-mails, simplesmente meter o foda-se para tudo… não
tinha preço.
E ainda bem que estive amarrado. Não fosse restrição física eu
mesmo teria acabado com tudo antes mesmo de começar.
Voltei para casa elétrico. Besta de tudo, feito garoto apaixonado pela
primeira vez. Mais feliz que pinto no lixo, mais empolgado que criança que
descobre que vai para a Disney. Tão bem, tõ revigorado, que trabalhei a
noite inteira num projeto que estava enrolando há semanas, dei conta das
crianças e fui para o trabalho parecendo gente nova quando se casa.
Que eu tenho problemas para dormir, isso não era novidade para
ninguém, mas naquela noite fiquei sem dormir por outros motivos, motivos
muito melhores.
Passado o fim de semana, Bataille me mandou mensagem, me
chamando de novo para a parede, e fui sem reclamar. Cheguei cedo, bem
antes dela, e não parei de olhar para a entrada do pátio um minuto sequer,
tão ansioso que não conseguia me manter quieto.
Foi ela chegar, veja, apenas chegar, que deu um estalo na minha
cabeça, como se a vista dela fosse um sinal claro para meu cérebro derreter
e de novo fiquei com a cabeça do pau quase para fora da calça.
Só que ela tinha outros planos para aquela noite e nem precisou me
contar deles. Só o jeito como ela conversou com o Bataille e deu um
sorrisinho maldoso, entendi que estava fodido. O que quer que ela tivesse
pensado, eu tinha certeza de que estava muito ferrado.
(Mas isso também não foi um sinal para me amolecer e desanimar,
muito pelo contrário. Olhar o sorrisinho maléfico, tão pequeno no rosto
dela, me deixou pior).
Um cara loiro, que eu já tinha visto com Lady Nïn, usando uma
coleira no pescoço e nada mais, me soltou das minhas amarras e disse, com
um sorriso amigável demais, como quem sabia exatamente pelo que eu iria
passar e gostava da ideia:
— Lady Blue está te chamando lá em cima.
Nem me fiz de rogado. Tirei o capuz e não olhei para ele duas vezes.
Confesso que subi rápido demais, talvez afobado demais para o meu
próprio bem, e parei no começo do corredor sabendo exatamente em qual
porta entrar.
Só tinha uma aberta, no meio do corredor, de onde escapava uma luz
vermelha muito característica de puteiro. Passei pelas portas sem ver, só
ouvindo o barulho de gente gemendo e os gemidos me deixavam pior ainda,
como se eles fossem o anúncio de que o pior me esperava dentro da saleta
vermelha.
Quando me aproximei, a única coisa que vi, depois do vermelho, foi
Andressa pelada no meio do quarto, com o cabelo preso num rabo de cavalo
e nenhum sorriso.
Até estranhei seu rosto sério, por que comigo essa mulher sempre
foi risonha.
— No meio, Querido. — Mandou.
Fiz o que queria, fiquei no meio da sala, bem perto de uma dupla de
anéis de ferro presos ao chão, e embaixo de uma barra de ferro a dois
palmos da minha cabeça.
Não foi ela quem me prendeu, mas Bataille. Enquanto sentia cordas
bem ásperas e grossas passarem pelos meus pulsos e tornozelos, ela me
encarava de frente, olhando muito, mas sem falar nada.
Preso tanto em cima quanto embaixo, foi a vez dela de começar com
os nós. Passou a corda pelo meu dorso, de trás para frente, e fez um X no
peito. Não sei que graça teria aquilo, mas não era doido de perguntar. Já
estava fora da casinha de qualquer jeito, então mais corda, ou menos, isso
era mero detalhe.
Fez um desenho bonito com elas no meu peito e desceu para a
minha cintura. Fez uma espécie de cinto e desceu as duas pontas em direção
às minhas pernas, mas as passou entre as minhas pernas. Ao dar a volta em
mim a perdi de vista, mas senti um puxão das cordas, uma em cada virilha,
separando minhas pernas do meu saco. Só quando amarrou que entendi a
maldade.
Tinha um nó naquela corda, um bendito nó, que pegava logo
embaixo do meu saco, perto demais da minha bunda, tão estrategicamente
posicionado que suspirei parte envergonhado, parte morto de tesão.
Só ela sabia disso. Só ela sabia que eu tinha prazer ali, nunca contei
nem nunca contaria uma coisa dessas a qualquer um.
Bataille agora sabia, mas não quis olhar para o rosto dele para saber
sua reação. Quando Andressa estava grávida da nossa primeira filha, ensaiei
quase dois meses para lhe contar que talvez sentisse tesão no cu.
Nunca tinha feito absolutamente nada ali, mas vagando por um site
de conteúdo duvidoso, ainda naquela época, cruzei com um vídeo de
mulher comendo homem. O meu lado moralista achou um nojo, mas a
minha cabeça de doente não conseguiu esquecer da vista mesmo muito
tempo depois.
E pior que isso tomou tanto tempo, que assim que decidi tentar
brincar com a porta de trás, ensaiei mais um tempão para levar essa
proposta para ela.
Quer dizer, olha a minha situação: ela estava grávida da nossa
primeira filha, com um fogo delicioso de apagar, mas um fogo tradicional,
coisa normal de casal. E eu com essa coisa na cabeça de que se contasse ela
ficasse em dúvida ao meu respeito.
Nunca teria me perdoado se Andressa se ofendesse.
Sabendo que precisava dividir tudo isso com ela, um dia tomei
coragem, na cara dura mesmo, e na hora da janta perguntei:
— Amor, você sabe que eu sou hétero, que te amo e sou doido por
você, não sabe?
O clima ficou tão denso de uma hora para outra, que ela parou de
mastigar e arregalou os olhos.
— Calma. — Pedi sem saber se pedia calma por ela ou por mim —
Não aconteceu nada, nada mudou.
— Você está me assustando.
Falei logo que tinha assistido um vídeo, mas gaguejei tanto que me
senti explicando um boletim vermelho para a minha mãe.
— E você quer saber como é, é isso? — Eu não reparei na hora, mas
remontando a cena na cabeça, me lembro de seus ombros relaxando, a
respiração voltando ao normal, e o sorriso despontando no cantinho da
boca.
— É. — Tão nervoso, que quando dei por mim, andava pela cozinha
de um lado para o outro e estava em pé ao lado da geladeira.
— Ok.
E não me disse mais nada sobre isso. Nem mesmo um pio. Só no
fim de semana seguinte, quando saí do banho, que ela apareceu usando uma
cinta-caralha, um consolo de borracha e lambuzava o coitado inteiro com
lubrificante.
Lembro de ter ficado tão feliz e aliviado, que voltei para o banheiro.
Pedi dois minutos para organizar as coisas e voltei para a cama.
Desde aquele dia que ela sabia que eu tinha tesão na bunda, mas só
usamos disso na gravidez da Olga, mesmo. Depois veio o parto, o
puerpério, a vida de pais de primeira viagem, a gravidez do Tutu que não
foi um mar de rosas como a gravidez da Olga, e a vida que virou do avesso
do jeito ruim.
Por isso, quando ela colocou o nó atrás do meu saco, suspirei
surpreso por que nem eu mais me lembrava que tinha tesão ali.
Só que ela não se esqueceu.
Capítulo Vinte E Três
(Lipe)

— Querido — Ela me disse segundos depois com a voz mais


manipuladora do universo —, você vai me dar a senha?
Que graça isso teria?
— Não. — Respondi com um sorriso.
Pois bastou esse “não” que ela acenou para o Bataille, que deu uma
risadinha de “você está fodido”, e ela me puxou para frente, pelos ombros.
Presos pelos pés, perdi o equilíbrio e levei um puta susto. Meus
braços se soltaram parcialmente, mas ainda ficaram erguidos. O desenho
bonito com laço no peito não era só enfeite afinal, era ele que me mantinha
preso para não cair para frente.
Ela tirou a mão dos meus ombros e fiquei parado ali, a quarenta e
cinco graus do chão, que nem Michael Jackson em Smooth Criminal
quando ele faz a firulinha dele.
Ergui a cabeça, olhando para ela, e não entendi nada. Amoleci um
pouco e não foi surpresa para ninguém.
— Que pena. — Ela sorriu diabolicamente e passou a mão no meu
rosto com tanto carinho que só podia ser ironia.
— Não é para a gente ter uma palavra de segurança em casos como
esse? — Perguntei incerto de para onde iríamos a partir dali.
— E você quer uma palavra para isso? — Perguntou enquanto
andava pelo quarto, apanhando coisas que, do meu ponto de vista e naquela
situação, não fizeram o menor sentido.
— Guaianazes. — Tirei a palavra do cu, mas pelo menos agora tinha
uma.
Colocou um espelho no chão, a poucos passos de mim, e um
consolo azul com ventosa na base. Colou o brinquedo no meio do espelho e
se agachou na frente do consolo, mas sem enfiá-lo em lugar algum.
— Certo. — Ela riu se divertindo. — E você quer usar ela agora?
— Não mesmo. — Logo que entendi para onde iríamos com aquele
espelho e aquele brinquedo, minha vontade de pedir arrego sumiu.
Antes de fazer o que obviamente planejava, se levantou
rapidamente, como quem tivesse mudado de ideia, e abriu o zíper da minha
calça. Desceu o cós da minha cueca, sem tocar em mim uma única vez, nem
por descuido, e me colocou inteiro para fora.
— Assim está melhor — Disse e voltou a se agachar perto do
consolo, igual como estava antes.
Para a minha surpresa e desgraça, ela não sentou no brinquedo. Para
minha total perda de razão e sentido, ela apontou o consolo para a bunda,
endireitou o brinquedo na porta de trás e começou a descer, lentamente,
centímetro a centímetro e olhando na minha cara.
Não pude reparar se o pau de borracha estava seco, nesses detalhes
não deu para reparar, mas ela não estava. Enquanto se abria e se encaixava
naquilo, um filete melado escorria da buceta direto para o cu.
Tudo o que eu não conseguia ver diretamente, via pelo maldito
espelho. Cada dobra, cada vinco, cada entrada. Tão hipnotizado pela vista
que a boca caiu, feito um pateta, e tão duro que doía.
— Ainda tem espaço para você, aqui — Ela sorriu tão
carinhosamente, tão dócil, que perdi os parafusos.
Não esperou que eu respondesse e aquilo não precisava de respostas.
Começou a subir e descer do consolo, abrindo a bunda, tão fora da casinha,
tão longe da mulher que eu tinha todos os dias em casa e na cama, que gemi
sem querer e fechei os olhos para me concentrar nem que fosse um mínimo.
Entrou com os dedos em si mesma, ocupando-se de seus dois
buracos, e enquanto subia e descia no consolo, ainda usou a outra mão no
clitóris.
Tão molhada que fazia barulho.
— Diga a senha que solto seus braços e suas pernas. — Ela gemeu.
— Não — Me traí por que eu tinha planos para essa senha.
— Se eu gozar, vou embora e te deixo aqui.
Acelerou todos os movimentos só de pirraça. Sentou-se sobre o
consolo maleável só para ganhar espaço. Deitou-se logo em seguida, as
pernas abertas, tudo à vista, as mãozinhas malditas que não paravam.
— Três — Ela me intimou.
— Por favor, isso não. — Rebati. — Faz o que quiser, mas não me
peça…
— Dois…
Estava muito perto de gozar e eu sabia só pelas contraídas que dava
na buceta. Tudo tão molhado, tão escorregadio, tão lindo, tão gostoso, …
— Um…
— AZUL! — Me rendi.
Não deu nem tempo para conversinhas. Bataille soltou meus pés e
meus braços num único nó e eu caí de joelhos, o peito ainda amarrado, mas
com alguns passos de folga.
Consegui me aproximar dela e quando as cordas não me deixaram
prosseguir, ganhei terreno a puxando pelas ancas. Soltei o botão da calça,
puxei o pau para fora e meti com tanto gosto, tão doido, com tanta força,
que ela gozou assim que entrei.
Puta que me pariu, que foda boa. Não foi longa, muito pelo
contrário, se durei cinco estocadas foi muito, mas gozei olho no olho,
tomando o que era meu e que eu fiquei tempo demais sem reivindicar.
Gozei uma, pronto para gozar duas, com lenha para queimar feito
um garoto, maluco de amor e de tesão como há muito tempo não sabia o
que era.
Senti Andressa quase vindo de novo em tempo recorde, e raramente
ela gozava duas. Foram muito poucas as vezes, em todos os anos juntos,
que vi essa mulher gozando uma, e gozando a segunda logo em seguida.
Lambi um mamilo e ela desceu a mão, se ajudando.
E dessa vez, meus caros, gemeu feito uma cachorra.
— Você me paga, Andressa. — Adverti quase gozando também. —
Você me paga.
— É? — Ela sorriu desafiadora enquanto me via gozar — Duvido.
Maldita seja.
Capítulo Vinte E Quatro
(Andressa)

Sabe aquele cansaço gostoso que deixa a gente até mole? Que o sono
vem tão fácil que a gente dorme feito um bebê? Chegamos em casa em
carros separados, mas nos juntamos logo em seguida. Nos jogamos na cama
depois de arrancar a roupa, suados e melados ainda, e deitei em seu peito,
sentindo a quentura familiar que eu não fazia ideia do quanto sentia falta até
ouvi-lo suspirar de cansaço.
— Lipe? — Bocejando muito forte, o chamei.
— Oi.
— Te amo. Te amo tanto que dói.
— Você sabe que nosso problema nunca foi falta de amor.
Concordei com a cabeça, mas não quis falar mais. A sensação do
peito dele, deitada naquele quentinho confortável, era bom demais para que
a gente começasse com discussões. Depois da noite que tivemos,
merecíamos dormir tranquilamente.
Até por que os problemas ainda estariam lá na manhã seguinte.
Capítulo Vinte E Cinco
(Lipe)

Antônio me chamou de frouxo na hora do almoço, no dia seguinte,


quando lhe contei que não expulsei Andressa de casa de novo.
Saímos para comer e não fomos só nós dois, mas outros dois caras
também, um tal de Daniel, que eu nunca tinha nem visto, mas que era o
mais imbecil dos quatro, e Leandro, o loiro submisso que vivia debaixo da
asa da japonesa, lá dentro do bar.
Uma coisa é trombar todo mundo dentro do universo da putaria,
outra, bem diferente, era saber que aquele bando de depravado tinha uma
vida comum do lado de fora. Quando a gente não manja nada de BDSM,
acredita que quem gosta dessas coisas não leva uma vida normal igual à
nossa com boleto e criança, mas a bem da verdade, o caso é outro.
Leandro não tinha filho, mas tinha esposa, casa, e um enteado.
Antônio todo mundo já estava careca de saber, e esse último, o tal Daniel
que apareceu de gaiato no almoço, era um mecânico automotivo, sem filho
nem casa, e só sabia reclamar do quanto estava sem tempo até para beber
uma no bar de metelança.
— Frouxo que dá pena. — Antônio repetiu. — Quer botar a mulher
nos eixos, mas não aguenta uma semana longe dela.
— Aguentar, até aguento — Respondi descansando o talher — Ela
vive viajando, tá sempre fora de casa.
— É, mas você sempre teve certeza de que ela iria voltar, dessa vez,
você mandou embora.
— A gente separa, a gente dá a volta ao mundo, faz e acontece, mas
sempre acaba junto. — Caguei se Antônio queria me atacar ou não. Se a
gente põe na cabeça que certas coisas não vão nos ofender, não importa o
quanto o outro berre ou grite, elas não nos ofendem. Simples assim.
E ter Andressa de volta em casa não é, nem nunca vai ser, motivo
para que eu me sinta ofendido.
Por mais que Antônio me ache frouxo por isso.
— Espera, vamo’ lá. — Daniel quis recapitular — Tua mulher é
meio relaxada com a vida de vocês dois, daí você achou uma boa ideia
colocar teu casamento na mão do Batata?
— Tem mais que isso, mas trocando em miúdos, sim. — Respondi.
— Rapaz, isso não é frouxo não, isso é frio. — Falou, mas não pude
prestar atenção no que ele fazia pois me ocupei com Leandro que balançava
a cabeça concordando — Mas é nunca que eu faço isso com a mulher que
eu amo. Imagina se ela conhece outra pessoa no bar? Maluco, que puta tiro
no pé.
— Eu tô lá. — Rebati — Tô sempre lá com ela. Ela não sabia que
eu estava, mas eu estava.
— Então é corno manso. — Daniel começava a me irritar — E se
ela desse pra outro cara bem ali, na frente da tua galhada, e sem saber que
tu ‘tava lá?
— Bom, de certa forma, isso aconteceu. — Antônio interviu. — Ela
fez gracinha com a Valéria na frente dele, acabou de fez gracinha comigo,
também.
Diante de um Daniel tagarela que finalmente calou a boca, encerrei
meu caso.
— Só fico me perguntando… — Leandro interrompeu, puxando o
copo de coca-cola para a boca — E se ela descobre o porquê você a colocou
pra fora? Lady Blue não é mulher de brincar com coisa séria assim, pelo
pouco que vi.
É, eu já tinha pensado nisso. Se ela descobrisse da forma errada,
talvez ficasse muito brava. Talvez ela mesma abrisse o processo de
divórcio.
O problema com quem se conhece há tanto tempo é que a gente sabe
o que esperar um do outro. Se eu contasse para ela, com jeito e na hora
certa, que só a coloquei para fora para que acordasse para a vida e que não
tinha real intenção de me separar, na hora ela ficaria um pouco brava, sim,
mas depois entenderia.
Sempre confiei nela, sempre acreditei nela, mesmo quando todo o
meu instinto me dizia para não confiar. Do fundo do peito, sabia que ela não
ficaria tão puta ao ponto de querer que eu fosse embora.
— É um jogo perigoso — Antônio respondeu — Mas é assim que os
adultos jogam.
— Por que não é teu casamento, né, ô, porrinha? — Daniel se
intrometeu de novo, falando com Antônio — Pimenta no cu dos outros é
refresco, mas quero ver qual vai ser teu papel quando ela descobrir a
palhaçada que vocês dois aprontaram com ela.
— Melhor ela não ficar sabendo. — Leandro sugeriu — Nesse caso,
melhor ter sossego que jogo aberto. Eu só sei que, se fizesse qualquer coisa
parecida com a Nat, minhas coisas estariam na rua no segundo seguinte.
— Isso por que você é um gado! — Daniel riu.
— Gado não — Leandro riu e quase se engasgou com a coca —
Que por ela eu sou o pasto todo.
Ri sem conseguir me segurar e pedi um café para o garçom.
Inspirados no meu pedido, os outros três também quiseram um café pós-
almoço e só aí reparei que tinha uma outra mesa, com apenas uma mulher,
que ficava nos olhando.
— Hm. — Antônio deu uma risadinha de quem estava pensando
merda quando viu a moça sozinha olhando para nós — Tive uma ideia.
— Ele quer fazer gang bang com a tua esposa, Felipe, pode apostar.
— Daniel não falou isso olhando para a minha cara, o que me deixou
bastante desconfiado.
— É que você não viu que é a Lady Blue, Daniel. — Antônio ainda
deu corda pra essa merda — Se visse…
— Não seja por isso, hoje encerro mais cedo e dou um pulo lá.
— Bom, vocês sabem que eu não faço nada se a Nat…
— Tá bom, menino do pastoreio, a gente já entendeu qual é a sua!
— Daniel cortou Leandro que já foi se justificando.
— MENINO DO… — Caí na gargalhada tão forte que o garçom
que trazia o café até se assustou.
— Tá falando o quê, Gadinho? Até parece que tu não é tão gado
quanto o Leo!
Não era só eu que ria, Antônio ria comigo, e Leandro ria também.
Só Daniel que ficava nessa bobagem de moleque de ficar apontando o dedo
chamando todo mundo de capacho de mulher.
Também era o único solteiro da mesa, afinal.
— Você só fica com essa dor no cu por que tá solteiro. — Farpei de
volta, um pouco cansado dessas brincadeirinhas.
— Pois não te contaram quem eu sou, não?
Antônio olhou para o Leo, mas nenhum dos dois abriu a boca.
— Prazer — Disse, se levantando da mesa como se tivéssemos
acabado de nos encontrar —, sou o Dani, comedor de casadas. Peguei a
esposa do Leo, a namorada do Antônio, e, se você deixar, pego a sua
mulher também.
Olhei para os dois outros que ficaram calados enquanto Daniel se
exibia. Leandro esticou um sorrisinho no canto da boca logo depois, e
Bataille mantinha a pose neutra de sempre.
— E todo mundo tá de boa com isso? — Besta. Bestificado com a
apresentação.
Mas que porra…?
O resto do almoço desceu estranho. Que eles fossem amigos, legal,
todo mundo precisa de amigo. Mas amigo que come tua mulher, daí já não
consigo enxergar com bons olhos, não.
— Depois te explico. — Antônio me disse depois que acertamos a
conta e estávamos já do lado de fora do restaurante.
— Não entendi legal, não. — Respondi sem conseguir disfarçar a
ruga na testa.
— Num contexto de BDSM isso pode acontecer, de chamar mais
alguém para brincar junto.
— Brincar sim, mas ele disse que comeu –
— E daí? Como o Leo e nem por isso…
— VOCÊ O QUÊ?!
— Porra, quantos anos você tem, caralho?
— Você não pode tacar isso na roda e achar que eu vá agir como se
tudo fosse normal.
— Pois então abre teu olho, Felipe, que nem só dos seus fetiches
vive o mundo BDSM. — E, antes que eu pudesse me defender, deu o golpe
fatal que me deixou sem fala — Aliás, pelo que eu vi, sua mulher vai gostar
muito de um gang bang. Viu como ela gozou rápido com duas rolas?
Capítulo Vinte E Seis
(Andressa)

Não sei o que foi que me deu, o plano de amarrar o Lipe só ia até a parte
em que eu o amarrasse: toda a parte da sedução e da senha inventei na hora.
Nunca imaginei que teria coragem para tanto. Pode ser bobagem para muita
gente, mas nunca tinha feito nada parecido antes, nunca tinha me mostrado
daquele jeito, nem mesmo para ele.
Enfiar um consolo atrás e esperar que ele me comesse na frente?
Nem nos meus sonhos mais molhados!
(Só que, posso falar uma coisa? Para mim, aquele foi o melhor sexo
em anos e tenho certeza que ele se sentiu do mesmo jeito.).
Estava louca para voltar ao bar. Estava louca para que o Lipe me
punisse, desse o troco, me usasse como bem entendesse. Estava pronta para
que ele fizesse o que quisesse desde que aquela fagulha se acendesse de
novo, desde que eu perdesse as travas do corpo e dos julgamentos e me
soltasse outra vez.
Foi tão bom, tão bom, que não conseguia me concentrar no trabalho.
Ao redor de alguns clientes chineses que tinham vindo ao Brasil apenas
para conhecer os cavalos que já tinham adquirido, eu falava, ouvia e ria
com eles, mas quando me mexia na cadeira e sentia a leve ardência nas
partes, era como se estivesse deitada no chão com o Lipe outra vez.
— What about this week? — Um deles me perguntou, entre goles de
um vinho branco que combinava com o calor do meio-dia.
— O fim do mês é melhor para nós — Respondi à proposta de levar
dois dos meus cavalos árabes, puro sangue, até Jilin. — Nosso tempo de
preparo de viagem leva de cinco a dez dias.
— We can’t wait ‘till next month. — O homem mais velho da mesa
barganhou e disse alguma coisa em chinês para seu assistente.
— Como eu disse, no fim do mês. — Repeti.
A regra básica de qualquer negócio é nunca mostrar suas falhas ao
seus clientes. Estávamos com um péssimo diretor de logística e nunca o
deixaríamos coordenar uma viagem tão longa, mas isso não era coisa para
que os clientes soubessem, então bati o pé quanto ao prazo, aumentando-o
ao máximo possível, e o restante dos problemas eu resolveria com Bianca.
O mercado chinês era um alvo há muito tempo, mas nunca consegui
penetrá-lo antes de conquistar o mercado europeu e árabe primeiro. Muitos
anos depois da minha primeira tentativa de conversa com eles, com posição
consolidada, os próprios chineses vieram atrás e, ao contrário
principalmente do europeu, eles apreciaram o custo do transporte.
Aquele almoço era apenas questão de azeitar a conversa. Eles
vieram até o Brasil para conhecer os potros que lhe vendemos, com
certificação internacional e pureza reconhecida, com pai e mãe vencedores
de prêmios e bastante famosos.
Bianca, minha sócia, quando vendia um potro e não a inseminação,
os vendia com a certeza de que seriam primeiro bem-tratados, segundo, de
origem humanizada, com as mais altas certificações, e depois dos seis
meses de treino.
Para vendermos esses, fizemos um leilão na França, com mais de
trinta convidados, e deu tão certo que, depois deles, alguns outros
compradores entraram numa fila de espera do próximo leilão para o ano
seguinte.
Agora, com os chineses era questão de entregar seus cavalos e eu
não via saída para essa entrega sem que fosse eu mesma indo até a
província de Jilin, no noroeste da China.
Não seria nem a primeira, nem a segunda vez que eu faria as
entregas. No começo, Bianca e eu passávamos mais tempo dentro de aviões
de carga que em terra firme, mas éramos mais novas, com menos
responsabilidades e, sem dúvidas, sem família para cuidar.
Eu não sabia como, depois de toda a reviravolta das últimas
semanas, eu viraria para o meu marido, que acabava de me aceitar em casa,
e lhe dizer que precisava viajar para tão longe por pelo menos quinze dias,
que era o tempo de adaptação dos bichos ao seu novo habitat.
Por isso, com os chineses, estiquei o tempo de entrega até o fim do
mês. E até lá eu daria um jeito no transporte.
Saí do almoço, depois de deixá-los com um motorista que os levaria
de volta ao hotel, direto para o estábulo dos cavalos de corrida. Precisava
sentar e conversar sério com minha irmã para a gente decidir o que fazer.
— Pois pode deixar que eu vou. — Ela disse logo que expliquei o
que estava acontecendo, parada no meio do estábulo com uma escova na
mão e os joelhos da calça sujos de barro — Cê sabe bem como que eu sou
com esses potrinhos e aquele mão curta que cê contratou vai matar meus
filho’ na viagem.
— Fiz burrice com esse diretor, Bia, sei disso, mas ele inflou demais
o currículo dele. — Respondi ao achar um caixote de madeira e me sentar
— Agora eu vou atrás de um especialista em logística e dois veterinários
especialistas em cavalo. A logística vai cuidar da papelada, os dois
veterinários vão cuidar da viagem, e pronto. Tô querendo o Santo Graal,
tudo em um só, mas desisto.
— É que a gente fazia isso muito bem, quando ‘tava solteira. — Ela
entendia meu ponto bem antes de eu precisar falar — Você ia sozinha com
os bichos, eu ia sozinha, e nunca deu problema nenhum.
— Pois é, mas não dá mais para ficar viajando igual antes. — Não
precisei lhe contar sobre meu medo, pois Bia já estava careca de saber.
— Dessa vez eu vou. — Largou a escova, a pendurou num prego à
parede e limpou as mãos nas calças — Preocupa não. Cê vai comigo para
terminar os acordos com os compradores, mas vai num pé, volta no outro, e
daí pra frente pode deixar que eu toco o barco.
— O que seria da minha vida sem você, Bia?
Eu sabia que era bem capaz que o Guto fosse com ela, não porque
Bianca não pudesse se defender sozinha, mas pelo contrário, por que ela era
doida, sempre foi doida, e se ninguém estivesse olhando, ela dormiria
dentro dos estábulos, junto com os cavalos.
A Bia indo, implicaria num Guto indo também.
— Vou pedir pra mãe vir aqui me ajudar com as crianças. — Ela
decidiu — Ela ‘tava louca para vir pra cá um pouco, mesmo. Já peço essa
ajuda e mato dois coelhos duma vez.
Saí da conversa um pouco menos preocupada, mas com a sensação
de que devia fazer mais do que apenas aquilo. Olhei para o relógio do
celular, decidi que poderia trabalhar mais algumas horas antes de ir para
casa, e fui direto para o departamento de Recursos Humanos.
Se tínhamos um diretor para cuidar disso tudo e mesmo assim não
podíamos confiar nele, sinal que estava fazendo hora extra na minha
empresa.
Decidi com a diretora do departamento do RH os termos do contrato
do diretor e não me dei ao trabalho de me despedir dele. Ao longo dos anos
aprendi que quanto mais formal uma demissão, menos dor de cabeça eu
teria depois.
Voltei para a minha sala, para amarrar algumas coisas pendentes, e
dei de cara com uma caixa enorme, azul, com um laço branco. Tinha uma
florzinha de canteiro no meio do laço e isso me abriu um sorriso enorme
pois por mais que a caixa fosse linda, era a florzinha que dava o toque
especial.
Abri o presente, mas vi renda demais e corri para fechar a porta do
escritório. Sozinha, olhei melhora renda e quase engasguei. Nunca, em toda
minha vida, tinha sido dona de uma lingerie tão… amostrada.
Tirei todo o papel de seda de dentro da caixa, procurando mais
alguma coisa, mas não achei nada. Realmente, só tinha aquilo.
Sinal que era para eu usar somente a lingerie quando fosse me
encontrar com o Lipe no bar?
Respirei fundo, um pouco em pânico, e olhei o fio dental. Era
daqueles modelos mais modernos em que a calcinha não era separada do
sutiã, parecido com um maiô em tule, sem nenhuma censura aos seios, nem
às partes baixas. Tinha só um trançado bonito nas costas, mangas compridas
com furos para que passassem os dedos por entre eles, e só.
Recebi uma mensagem no segundo seguinte, e sabia de quem era.
Lipe, no seu auge, só escreveu:
“Oito horas. Esteja lá”.
Capítulo Vinte E Sete
(Andressa)

Oito horas em ponto, conforme combinado. Estacionei na frente do bar


e desci um pouco trêmula de ansiedade e vestida com a roupa que vim do
escritório.
Cumprimentei a moça da chapelaria que ensinava o ofício para uma
loirinha de cabelo preso, totalmente descolada da realidade do bar, um
pouco assustada e vestida em roupas muito mais largas que seu corpo
pequenininho.
— Funcionária nova? — Perguntei para a moça da chapelaria que
tinha me visto entrar ali espumando de raiva na primeira vez que cruzei as
portas daquele bar, e que tem acompanhado minha evolução desde então.
— Meu aviso prévio finalmente vai ter fim. — Ela me sorriu. —
Pedi para o Senhor Bataille encontrar outra moça para colocar no meu lugar
há mais de três meses, pois estava me formando, e ele não encontrava.
— E você? — Perguntei com um sorriso para a moça nova — Já é
do meio?
Chacoalhou a cabeça, como se, só de estar naquela bar já cometesse
um crime hediondo, mas não respondeu com palavras.
— Ela vai aprender. — A moça experiente deu um sorriso divertido
e segurou a novata pelos ombros — Eu também estava assim quando
cheguei, mas acredita que até para o meu TCC esse bar foi importante?
— Você está se formando em quê?
— Psicologia. A área que eu quero atuar é em recursos humanos,
mas meu TCC foi sobre fetiches.
— E você já tem um trabalho na área, pelo visto.
— Mais ou menos. — Com um sorriso tímido, se embananou para
responder e puxou minha bolsa que tinha ficado no balcão. — Eu tenho
algumas entrevistas marcadas, mas até agora, nada concreto. Vou ficar aqui
até achar alguma coisa e, enquanto isso, vou ensinando ela.
— Me dá minha bolsa aqui, rapidinho. — Pedi de volta e, assim que
a recebi, puxei a carteira e, de dentro dela, um cartão da minha empresa. —
Já que você está em fase de entrevistas, liga lá. De repente, a Marlene gosta
de você.
A assustada agora era a chapeleira mais experiente. Segurando meu
cartão na mão, não soube o que responder e ficou me olhando como se
agora eu fosse a pessoa que cometeu crime hediondo.
— Verdade? — Ela se engasgou para responder.
— Só não… — Dei um sorrisinho guardando tudo de volta na bolsa
e findei a conversa — Só não conte de onde nos conhecemos, sim?
Antes que me atrasasse para o encontro com meu marido, deixei as
duas com cara de quem viu assombração e me virei, respirando fundo e
empinando a bunda, direto para o quintal na parte do fundo do bar.
Mais gato do que nunca. Se eu tinha dúvidas de que meu marido, o
homem que sempre amei, era o homem mais lindo do mundo, ali, as
dúvidas teriam sido sanadas.
Não usava o jeans e a camisa, seu uniforme básico, mas um puta
terno lindo e bem cortado, feito sob medida, todo preto, exceto a camisa
branca. Tão arrumado, tão perfeitinho em todos os detalhes, que meu
queixo caiu e nem fiz questão de segurá-lo.
Lindo como um CEO de respeito cuja autoridade se reconhecia na
roupa. Sentado ao lado de Bataille e outros dois moços, eu não tive nem
como disfarçar a surpresa pois, quando o vi, como uma flecha certeira que
encontra o alvo, ele também me viu.
A diferença é que ele estava lindo, para mim, e eu estava com a
roupa de trabalho. Vi a ruga crescer entre suas sobrancelhas, sem entender o
que eu estava fazendo sem a roupa que me mandou colocar, e agi rápido
antes que ele brochasse de frustração.
É claro que eu usava o que me deu, só não tive coragem e nem quis
sair do carro e andar na rua vestindo só aquilo.
E, outra, que eu sempre achei que ele tinha um certo… vamos dizer,
gosto, por me ver tirar a roupa.
Então, conhecendo o marido com quem me casei, abri o botão do
blazer escuro, tirei-o e deixei que caísse no chão. Abri a camisa creme,
botão por botão, revelando que sim, estava vestida naquela lingerie
indecente, e deixei para sua imaginação a dúvida se trabalhei o dia inteiro
com ela por baixo da roupa.
Deixei a camisa cair também, e senti o vento passar pelo tule do
body, acariciar meu corpo, e depois desci as calças, mas sem tirar as
sandálias.
Joguei o cabelo para trás, ajeitando-o um pouco, e só assim, naquela
coisa sensual e indecente, que me aproximei dele.
Fui crente que ele me beijaria de cumprimento. Não acelerei os
passos porque já tinha entendido, àquela altura do campeonato, que se
aproximar também fazia parte da sedução, mas quando cheguei perto, me
abaixei em sua direção, e quis tomá-lo num beijo.
— De joelhos. — Ele disse, negando o cumprimento e sem sorriso
algum no rosto.
Ficaria de joelhos na frente dele com o maior prazer, mas na frente
de todo mundo, não.
Senti o impacto da ordem e nem consegui disfarçar. Olhei para
Bataille, que me olhava de volta sem qualquer animosidade, como se ele
também fosse meu dominador, e não tive coragem de olhar para os outros
dois.
Baixei a cabeça, odiando tudo aquilo, e me ajoelhei. Não consegui
olhar para nada, nem ninguém, mas fiquei de joelhos. Sentei-me sobre os
calcanhares, as mãos no colo por não saber o que fazer com elas, e tentei
ignorar a raiva de ser colocada naquela posição.
Só então o Lipe me deu atenção. Com mais calor do que quando fui
beijá-lo, ele se adiantou no próprio assento, abrindo bem as pernas para que
eu visse seu volume marcado, e ergueu meu rosto do chão com a lateral do
indicador.
— Boa noite, amor. — Ele sorriu com carinho — Tá linda.
— Boa noite. — Respondi sem muito ânimo e fui logo tirando
satisfação — Sei que teria troco pelo que te fiz ontem, mas…
— Calada. — O Lipe nunca, em todos os vinte anos que nos
conhecemos, tinha me mandado calar a boca.
Odiei isso também. Me senti desrespeitada, como se eu não fosse
nada para ele, e não consegui fingir o contrário, mesmo ele mantendo meu
rosto erguido em direção ao seu.
— A partir de agora você só fala o necessário e quando eu mandar,
tá bom? — Tinha um tom doce no jeito como falava, mas as palavras não
eram, e não consegui entrar na brincadeira.
Soltou meu queixo e enfiou a mão no bolso, sorrindo tranquilamente
como se estivéssemos na sala de casa.
Tirou um vibrador de clitóris e o enfiou na boca, molhando-o por
completo antes de mandar que eu abrisse os joelhos e enfiá-lo pela lateral
do body, até encaixá-lo certinho entre meus lábios, bem em cima do meu
clitóris.
— Sabe quando eles deixam a gente entrar aqui com o celular? —
Lipe sorriu com um tom grave, com a ciência de que faria merda, e tirou o
aparelho do outro bolso da calça — Quando tá com a intenção de fazer
maldade.
Deu alguns toques na tela do celular e o aparelho encaixado entre o
tule e a minha vagina começou a vibrar lentamente, como uma cosquinha
maldosa que não me daria muito prazer, mas era gostosinho de sentir.
Deve ter ficado claro que só aquilo não faria um grande estrago,
porque o Lipe deu uma risadinha abafada e se arrumou no assento, de volta
à posição inicial.
— Quer saber de uma coisa? — Ele me disse — Estou com sede.
Amor, você pode ir até o bar e pegar uma dose de uísque para mim?
Ele podia muito bem ir pegar o uísque dele, mas não quis arranjar
confusão, então me levantei do chão, mas, antes que eu fosse até o bendito
balcão, ele me puxou pela virilha da lingerie, o que me trouxe dois passos
mais para perto dele, e arrumou o brinquedo mais fundo dentro dos lábios
gordinhos, mais perto do clitóris, tão perto que aquele tremelique de nada
de antes não era só mais um tremelique qualquer.
— Agora está melhor. — Ele sorriu se recostando na cadeira outra
vez. — Pode ir, mas não deixa o vibrador sair do lugar, tá?
Virei-me de costas e resmunguei apenas o bastante para expressar
minha insatisfação, mas não tanto que ele pudesse perceber.
O barman, que sempre me atendeu rápido, daquela vez jogava
conversa fora com uma moça, secando copos, organizando suas garrafas, e
não me deu um segundo de atenção.
— Por favor? — Pedi. Acenei para ele, chamando mais — Licença?
Como se eu fosse bosta, não fosse nada, ele parou de conversar com
a moça e me olhou como se eu o atrapalhasse.
— Uma dose de uísque, por favor? — Pedi, tentando ignorar o
descaso e sem entendê-lo.
— Senta aí.
Era só uma dose! E não tinha ninguém pedindo bebida, não tinha
nem fila. Como se eu tivesse pedindo, e não pagando, ele se virou para a
moça com quem conversava, e continuou.
— Ei! — Chamei sua atenção, brava pelo desrespeito. — Não vai
me atender, não?
Sem querer sequer se virar para me atender, virou só o rosto e
atirou:
— A senhora não é Domme hoje, não tem prioridade no
atendimento.
— Mas…
— A senhora não tem prioridade no atendimento.
Só me restou sentar na banqueta, ajeitando o brinquedo para que ele
não saísse do lugar, e esperar sentindo lá embaixo tremer.
Muito frustrada com o rumo das coisas, fiquei ali, olhando o barman
cagar para o meu pedido e, de vez em quando, para o Lipe que parecia mais
entretido com seus amiguinhos que comigo.
Capítulo Vinte e Oito
(Andressa)

Estava quase eu mesma pegando a garrafa da prateleira para me servir


quando o barman me atendeu. Que coisa mais chata. Nem o troço vibrando
entre as minhas pernas tinha mais sentido.
Peguei o copo finalmente cheio, pensando num monte de
xingamento, mas sem falar algum, me levantei do banco, com o copo na
mão, e fui entregá-lo ao folgado que parecia engatado numa conversa bem
divertida com os demais.
Pois foi eu chegar no meio do caminho que o vibrador pareceu me
chupar com tanta força, tão bem, que parei no lugar. No meio de todo
mundo, um copo na mão, e o Lipe que parecia não querer papo comigo.
E o trem vibrando lá embaixo de um jeito tão bom que quase sorri
me sentindo a mulher mais boba do mundo.
É claro que ele me daria o troco. É claro que ele faria joguinhos
comigo. O “fique de joelhos” já era a deixa para eu entender, mas,
orgulhosa que sou, interpretei como malcriação e preferi ficar brava.
Entreguei-lhe o copo, sentindo tudo um pouco turvo, e fui me
ajoelhar outra vez.
— Não, não. — Ele me interrompeu — Aqui.
Deu dois tapinhas no próprio colo, pedindo para que eu me sentasse,
e olhei para os demais que ficaram mudos.
Sentei-me onde ele pediu, no colo, sentindo a vibração incansável e
o morno de suas pernas.
Enquanto ele falava e falava com os demais, meu clitóris me
deixava louca, a mão do Lipe sempre na minha bunda, passeando pelo meu
corpo como se fosse só um carinho e, de vez em quando, quando ele não
estava falando, vinha e me roubava um beijo na nuca.
Parecia espontâneo, mas não era. Ele falava e ria com os demais,
nos mais variados assuntos, até sobre carros falaram, e quando um dos
outros tomava a palavra, ele vinha de maldade para cima de mim, um
pouquinho, depois aumentava, depois parecia que ia me dar um beijão ou
coisa parecida, e recuava.
— Amor — Ele disse para mim, enquanto Antônio falava sobre teor
de cobre que definia a quilatagem do ouro —, se controla, você está
babando tanto que já dá para sentir o cheiro.
— É só você me comer que passa. — Devolvi, sem um mínimo de
paciência.
Tomei um tapa na bunda, tão forte, que endireitei a coluna pelo
susto.
— Deixei falar?
— Lipe, mas que palhaçada –
Outro tapa. Em cima da ardência do primeiro.
— Eu morreria por você a qualquer momento, de tão apaixonado
que sou. — Disse num tom de bronca que contrastava com as palavras —
Mas hoje, não.
Segurou-me pelas bochechas com uma única mão, olhando bem
fundo nos meus olhos de um jeito que eu nunca o vi fazer antes.
— Vê se não me testa, Andressa Botelho.
Hm.
Já vi meu marido de todos os jeitos do mundo. Bravo, com tesão,
feliz, emocionado, decepcionado, de luto. Já passamos por tanta coisa na
vida, tanta coisa, que imaginei que nada mais me surpreendesse.
Nunca tive tanta sorte em estar errada.
Vê-lo falando daquele jeito, naquela roupa, com tanta severidade…
eu acho que me deu tesão?
Engoli o sorriso enquanto ele me olhava firme.
— Cachorra.
Mordi o lábio tentando segurar o sorriso safado.
— Não vai gozar até eu dizer que pode. — Continuou, me olhando
no fundo dos olhos como se já me comesse ali, no meio de toda aquela
gente. — E não queira descobrir o que vai sobrar para você se me
desobedecer.
— Se eu gozar, você não vai nem ficar sabendo. — Provoquei.
Como se ele fosse um pai cansado da birra da criança, ele se virou
para os companheiros e pediu licença. Esperou que ficássemos sozinhos e,
enquanto eu o olhava, esperando sua próxima ação, ele tirou uma espécie de
cinto do assento ao lado, colocou as alças de couro azuis sobre meus
ombros, passou-as pelo meu peito e as prendeu.
Só muito depois eu descobri que aquilo se chamava harness, mas a
função não demorei muito a entender.
— Levante-se. — Ele mandou.
Tiras daquilo desciam pelas laterais, e ele prendeu o cinto também
sobre meu umbigo e um pouco para baixo de cada virilha, quase no meio da
coxa.
Devo admitir que era bonito e, se o body não fosse o suficiente para
salientar as curvas do meu corpo, o harness acabava por cumprir essa
função.
Adiantou a bunda no assento, firmando as pernas no chão, e abriu o
cinto. Sempre amei o jeito como ele me olhava quando ficava naquela
posição, tirando o pau para fora da calça e me olhando nos olhos.
Vestido daquele jeito, todo mandão, eu diria que não precisava de
um troço vibrando entre as minhas pernas para me deixar toda encharcada.
— Vem. — Ele mandou, mas não do jeito autoritário e sim do jeito
que o meu marido costuma me chamar quando está cego de desejo.
Subi nele, um joelho de cada lado e puxei a parte de baixo do body
para o lado, deixando o vibrador cair sem querer no processo.
Ele se encaixou olhando na minha cara, me comendo com os olhos
também, me laçando a cintura com tanta propriedade que eu desmanchei.
— Acha que eu não sei que sua boceta me aperta e você me arranha
toda vez que vai gozar? — Disse enquanto me segurava firme, me puxando
e empurrando em cima de si. — Acha que eu não conheço a putinha com
quem me casei, hein?
Ele mantinha o ritmo e estava muito difícil de entender as palavras
enquanto a sensação se acumulava.
— Está na hora de você se lembrar quem é seu dono, Dona
Andressa. — Disse e se levantou comigo no colo.
Sempre soube que o Lipe era um gostoso, mas às vezes me esquecia
do quanto era forte. Sempre foi alto, desde menino, mas agora tinha a
construção corporal de um homem adulto e força o suficiente para me
carregar.
E olha que não sou nenhum saco de penas, não.
— Você se lembra da primeira vez que te carreguei no colo? — Ele
me perguntou, me segurando tão firme pela cintura, que só precisei manter
as pernas entrelaçadas ao seu redor para que não caísse.
— Foi no primeiro dia da nossa lua de mel. — Cega de desejo e
doida de amor era uma combinação mais que perigosa.
— Lembra o que te disse quando você ficou com medo de cair?
Lembro que ele me assustou quando me tirou do chão. Eu sou
gorda, sempre fui assim, e depois que não era mais um bebê, ninguém
nunca mais me segurou. Sabe nos filmes, quando os homens seguram suas
esposas no colo num ato romântico e geralmente pós casamento?
Eu sempre soube que isso nunca aconteceria comigo.
— Eu falei que…
— Que eu sabia muito bem com quem tinha me casado. — Ele me
interrompeu — E que amo seu corpo do mesmo jeito que amo seu gênio,
sua inteligência e sua capacidade de sempre ir além.
Como um homem é capaz de me fazer chorar por cima na mesma
intensidade que me fazia chorar por baixo?
— Tudo o que eu peço de volta é que você não me trate mais como
um garoto. — Disse e me deitou de costas contra o chão frio do pátio — Eu
posso me dobrar, te servir, fazer todas as suas vontades e não vou reclamar
por isso, pois faço por que te amo. Mas não sou seu brinquedo, Andressa.
Não vou te esperar pra sempre. Eu sou um homem, e em algum momento
você vai ter que perceber isso.
— Lipe…
— Calada.
Ajoelhado, investia contra mim me segurando pela tira do harness
que me prendia pelo peito. E metia tão fundo, tão forte e todo vestido ainda,
que o orgasmo vinha sem que eu controlasse.
— Não goza. — Ele me lembrou.
Como é que segura isso? Como é que abafa essa sensação que chega
dominando tudo, rastejando pela espinha dorsal, em todos os sentidos?
Tomei um tapa no rosto, mas ele não foi suficiente. Aos poucos
minhas pernas pararam de responder, meus dedos dos pés se contraíam com
força e meu rosto virava a expressão completa de prazer.
— Não goza. — Ele mandou com mais severidade.
Tive que me esforçar muito. Desviei os olhos dos dele, procurando
saída, procurando qualquer distração. Ele não parava de meter, como se
conseguisse ir cada vez mais fundo, dominando cabeça, corpo e coração,
tudo de uma vez, tomando o que sempre foi dele e que nunca poderia ser de
mais ninguém.
— Eu vou gozar em você, para marcar território, e te exibir para
todo mundo. — Ele sussurrou no meu ouvido quando encostou o tronco no
meu, me deixando a um passo de pôr tudo a perder ao sentir sua quentura e
seu peso — Para o seu azar, eu gosto de te comer bem mais do que deveria.
Não sei como, mas retardei o orgasmo. Fiquei prestando atenção
nele, no prazer dele, no como falava comigo e em sua respiração
descompassada. Era um gostoso. Se quando era menino me deixava sem ar,
depois de dois filhos e o mar de merda que lhe enfiei, ele era como um
deus, para mim.
O homem mais lindo do mundo. O único homem que podia fazer
comigo e o meu reino o que bem entendesse.
O único para quem eu dei a chave de todas as fechaduras, as senhas
de todas as contas, as palavras-passe de todos os meus segredos. Ninguém
mexia comigo do mesmo jeito que ele e eu nunca vou querer saber o que
seria da minha vida sem ele.
O garoto das florzinhas. O moleque doido dos planos infalíveis que
sempre davam errado. O menino destemido que tinha capacidade de passar
no ITA, mas que deixou tudo para trás por mim. O garoto que assinou a
nossa sina com uma caneta bic e que me disse que, ser era para errar, que
fosse com convicção.
O meu marido, o pai dos meus filhos, o dono da metade de tudo o
que eu tenho, o senhor que tem tudo e todos na mão, mas que não faz
questão de provar isso o tempo inteiro.
O maior perigo do mundo é um homem seguro de si que sabe
esperar a hora certa de dar o bote. E ele sempre soube esperar por mim.
Abracei-o com as pernas e braços quando senti que seu orgasmo
estava a caminho. Senti a mordida dura no ombro e as mãos muito pesadas
na minha bunda. Ouvi o suspiro grave e rude, o gemido quase animalesco.
E me derreti toda quando ouvi:
— Te amo tanto que dói, sua filha da puta.
Capítulo Vinte e Nove
(Andressa)

Se não fosse o DIU, certamente teria ficado grávida bem ali e, por um
segundo, desejei não ter contraceptivo. Doida de tesão, querendo gozar
como nunca, esperei pela próxima ordem que não demorou nadica a vir:
— De quatro. — Ele mandou enquanto se recompunha, erguendo-se
do chão e subindo o zíper da calça.
Achei a ordem bastante estranha, mas não falei nada. Não era meu
dia de mandar, então o obedeci com os seios tão pesados que eu sentia o
tule da lingerie roçando neles.
— Você pode dizer não, se quiser. — Ele retomou — E qualquer
“não” que me disser, pararei.
Não entendi o que ele fez, mas não demorei a entender. Lipe pegou
uma correntinha, vai saber de onde, e colocou nas minhas costas, numa
argola pesada que tinha no meu harness.
Oficialmente, eu tinha uma guia para passear.
Olhei para ele, me sentindo muito incomodada com a presença
daquilo e fiquei mais incomodada ainda quando ele me deu um sorriso sem-
vergonha, com a pontinha quebrada de maldosa, mostrando que tinha
gostado daquilo bem mais do que deveria.
— Vou mostrar para todo mundo desse bar a quem você pertence.
Bobagem, pensei, que a aliança de casamento já servia e muito para
esse propósito.
Tomei um tapa estalado na bunda e senti que o Lipe puxou ainda
mais os fundilhos do body para o lado, para me deixar completamente à
mostra para quem quisesse ver.
— Vem. — Ele falou, mas não deu um puxão.
Me fez andar de volta para onde ele estava sentado com os outros
homens e recuperou o vibrador comandado por celular que ficou perdido no
meio do caminho.
— Tão cachorra que anda por aí com a bunda arrebitada. — Não era
a voz doce e calma do meu marido, mas uma coisa mais sensual e
intimidadora.
Confesso que escondi o rosto entre os ombros, um pouco
envergonhada de mim mesma, e considerei parar a brincadeira.
Pois foi quando ele colocou o vibrador de volta no lugar dele, no
meio das minhas pernas, tão bem-posicionado e apertado entre meus lábios
que, assim que o treco ligou, perdi a força nos braços e quase dei com a
cara no chão.
Para a minha sorte, o Lipe não disse uma palavra. Acho que se
tivesse rido de mim, certamente teria parado.
Ele esperou que eu me ajeitasse outra vez, em quatro apoios, e deu
um puxão pela correntinha, me forçando a andar.
De quatro, com o clitóris engolido pelo vibrador, engatinhei pelo
pátio tentando manter o autocontrole. Quanto mais eu me mexia, mais o
vibrador me atormentava. Em certo ponto, esqueci que estava naquela
posição comprometedora e que tinha gente me olhando.
Praticamente andava de olho fechado, numa bolha pré-orgástica
difícil de resistir e, se parava por que a minha liberação estava próxima
demais, o Lipe me puxava me obrigando a caminhar outra vez.
Foi essa tortura até atingirmos o salão do lado de dentro. Lá, as
pessoas olharam muito mais para nós do que do lado de fora. Lipe deu um
tapa na minha bunda, estalado e que provavelmente deixou marca, para que
eu parasse de me preocupar com os olhares.
Os comentários, ao contrário do que eu suspeitei, não foram para me
envergonhar. De certa forma, ouvir um desconhecido falar “que delícia ver
porra escorrendo dessa bunda” me deu mais tesão do que achei que daria.
Joguei o cabelo para o lado, um pouco mais segura da situação, e
quando o Lipe viu isso, ele parou na minha frente, se agachou e rasgou o
tecido do body fazendo dois buracos por onde meus seios passaram,
deixando-os nus.
— Tenho duas coisas para você, cachorra. — O Lipe e esse
sorrisinho sacana.
Saiu da minha vista e fiquei ali sozinha, de quatro, o vibrador me
torturando tanto que não via nem ouvia nada direito, e os seios para fora
davam uma sensação gostosa como se alguém realmente estivesse passando
a mão neles.
Quando meu marido voltou, ele tinha dois grampinhos na mão. A
princípio pareceram aqueles prendedores de varal em miniatura, mas que só
fui entender a utilidade quando ele prendeu meus mamilos neles.
Não era um aperto forte de machucar, era como se alguém apertasse
meus bicos com os dedos, numa pressão firme, mas que passava longe de
dor.
Depois, ainda agachado na minha frente, ele tirou um plug anal do
bolso, me mostrou e me circundou até ficar de frente para a minha bunda.
Com os fundilhos do body já bastante puxados para o lado, tudo o
que o Lipe precisou fazer foi lambuzar a joia nos meus fluídos. Senti o
gelado do metal encostar em mim e fechei os olhos, sentindo o pior se
aproximar.
Ele não precisou enfiar nada, apenas segurar o plug com firmeza na
entrada da minha bunda. Feito isso, com o tesão absurdo que estava, o plug
entrou sozinho e gemi alto sem querer, então mordi meu próprio braço para
não fazer tanto barulho.
— O que mais um homem precisa na vida, hein? — Lipe ficou com
a mão na minha bunda, mas se aproximou do meu ouvido com uma voz tão
baixa e tão grave, que me arrepiei inteira — Uma vadia do cu guloso e que
sabe receber ordens é tudo o que eu preciso.
— Lipe… — Gemi.
— O que foi, amor? — Mais cínico e falso que nota de três reais.
— Você vai pagar tão caro…
Ele explodiu numa risada sensual e áspera, mas me deu um tapa na
bunda logo em seguida e entrou com três dedos na minha vagina, me
comendo bem rápido com eles, tão rápido que a tensão pré-orgasmo bateu
forte o suficiente para que eu não conseguisse me controlar.
Só não gozei por que ele tirou a mão. E que pena que tirou.
— Sabe, Andressa — Ele puxou conversa antes que eu pudesse me
recompor e se sentou sobre os calcanhares na minha frente para chamar
minha atenção — Nós nunca exploramos fetiches muito à fundo, nós dois.
Concordei com a cabeça poisnão estava em condições de responder
coisa alguma.
— Mas aprendi uma coisa que talvez nem você tenha percebido.
— É? — Respondi quando ele parou de falar e fez uma pausa
imensa, esperando que lhe respondesse. — E o que foi?
— Você goza mais quando estão estimulando seus dois buracos ao
mesmo tempo.
Ao mesmo tempo em que não podia discordar, fiquei com medo
sobre onde esta conversa nos levaria.
— Estou te perguntando de coração aberto — Ele ergueu meu rosto
para que nos olhássemos e também me sentei sobre os calcanhares quando
ele desligou o vibrador. — Sem julgamentos e não vou ficar pesando sobre
isso, independente da resposta.
Fiquei sem fala. Estava louca para gozar? Sim. Queria que ele me
usasse ainda mais? Sem dúvidas.
— Escuta — Ele e esse sorriso de quem tinha um plano infalível
para propor —, tem alguém que está louco para te comer. Você sabe, eu sei.
Bataille.
— E tem mais dois na fila. — Ele sorriu como se aquilo fosse
engraçado. — Por hoje, eu tô disposto a tentar isso com um deles, se você
estiver.
— Lipe — Tive que arrancar juízo da puta que pariu —, eu não
suporto nem a ideia de ver você comer outra mulher.
— Não tem mulher. — Ele respondeu com carinho e compreensão.
— Mas Valéria…
— Ela está terminando o livro, nem aqui está.
Tive de parar por dois segundos. Dois homens de uma vez? Era isso
o que o Lipe propunha. Um me comendo por trás, outro na frente. Ok, eu
realmente gostei de noite passada, mas era entre um brinquedo e o meu
marido, não era… alguém de verdade.
E se ele quisesse pedir o troco depois? Se ele quisesse comer duas
mulheres? E se ele ficasse bravo comigo, caso eu gostasse da experiência
mais do que deveria? Somos um casal, casados, com filhos e temos muito a
perder caso…
Como se lesse meus pensamentos, ele colocou as mãos sobre as
minhas, chamando minha atenção.
— Eu te trouxe até aqui. — Ele falou com segurança — Trouxe para
criar laço de novo com você, desenvolver nosso lado sexual, brincar com
limites e fetiches. Eu quis isso desde o começo e não vou, nem quero,
reclamar que você está se descobrindo.
“Não é meu trabalho limitar você” Ele continuou “Meu trabalho é te
fazer gozar que nem uma filha da puta e te dar banho com carinho quando
chegarmos em casa”.
— Você tá completamente certo disso? — Derretida, perguntei com
um sorriso enorme no rosto.
— Estou. — Como se soubesse o que eu faria, se levantou do chão e
me deu a mão para que eu me levantasse também.
— Então vamos.
Capítulo Trinta
(Andressa)

Naturalmente, Bataille estava sentado em sua eterna cadeira de ferro,


que em certos dias ele fazia parecer um trono. Com um tornozelo sobre o
outro joelho, sacudia um copo baixo de uísque, olhando todo mundo, mas
sem se atentar a ninguém.
Tremi da cabeça aos pés só de cruzar meus olhos com os dele. Algo
nele, de nos ver, se acendeu como se soubesse. Nunca vou saber se ele
propôs este acordo, ou se o Lipe chegou nele antes, mas a impressão que
tive, ao ver o sorriso satisfeito na cara dele, era que ele sabia que me
comeria antes mesmo de eu saber.
— O que eu faço agora? — Nervosa, olhei perdida para o Lipe e
travei no lugar.
Passei a vida inteira tocada por um único homem, nunca que seria
natural chegar num completo estranho e falar “oi, então, tá com tempo livre
para me comer?”.
Ainda mais no Bataille, cuja postura, por si só, já intimida.
Parece que o homem leu isso na minha cara, por que se levantou da
cadeira, com as passadas mais harmoniosas e calmas que já vi, e chegou até
mim, que me tremia inteira por baixo da pele, e me conduziu pela mão.
— Você é realmente uma caixinha de surpresas, Lady Blue. — Com
um sorriso encantador, me levou até a própria cadeira e me colocou sentada
nela.
Ajoelhou-se com apenas um joelho no chão, colocou os dois braços
nos apoios de mão da cadeira e me olhou fundo nos olhos, como se
entendesse que eu estava prestes a parar tudo e sair correndo.
— Relaxa, tá bom?
Dava no mesmo que pedir que uma cachoeira invertesse o sentido.
Ou que a chuva caísse ao contrário.
Me deu um beijo em cada joelho e me puxou mais para a ponta da
cadeira, me abrindo para si, colocando uma perna em cada lado de seu
quadril.
Lipe veio depois, sorrindo de um jeito sereno que entendi como
“está tudo bem” e puxou uma outra cadeira qualquer para se sentar ao meu
lado. Só depois, sentado, que puxou meu rosto para si e me deu um beijo
que começou calmo, feito só para que eu parasse de tremer, e foi crescendo.
Bataille ficou parado ali, entre minhas coxas e sem fazer nada,
enquanto o beijo crescia. Só quando o tesão voltava a crescer, acalmada por
um marido que beija bem demais, que o outro puxou a lateral da calcinha
do body e me lambeu.
Foi instantâneo e nem pude controlar. O tesão que adormecia e
voltava, sempre sem poder gozar, acordou como um soco, coisa de me
deixar torta de desejo. Com a língua do Lipe na boca, abafei um gemido e
me perdi com o movimento da boca, sem conseguir beijar mais.
Bataille entendeu isso rápido demais, por que me puxou de novo
para mais perto de si, me abrindo ainda mais, e me lambeu com mais
vontade, abrindo meus lábios e enfiando a língua até encontrar o clitóris já
encharcado de antes, coitado, e que inchou rápido demais para o meu
próprio bem.
Lipe mexeu nos grampos dos meus mamilos e eu lembrei na hora
que tinha os bicos apertados. Tirou um e o substituiu pela boca, mexendo
no outro com o indicador, me deixando louca.
— Você que se atreva a gozar. — O Lipe disse com meu mamilo na
boca.
Do jeito que a banda tocava, eu não gozaria nunca.
Bataille me lambia e meu marido brincava com meus peitos, quatro
mãos pelo meu corpo e eu não tinha nem condições de olhar para tudo
aquilo pois, caso contrário, queimaria a largada que já tardava tanto que
perdia a esperança de vê-la.
De olhos fechados, as sensações não pertenciam a nenhum dos dois,
mas só a mim. Tudo andava numa velocidade confortável, boa e gostosa de
sentir.
De certa forma, embora fossem dois, eu me senti tão segura e
confortável que, em alguma parte daquilo, gemi sem sentir vergonha.
Bataille entrou com os dedos em mim, me chupando ainda, e o Lipe
passou a explorar os arredores. Lambia o pescoço e puxava meu cabelo,
mordia meu ombro e apertava meu mamilo.
— Não falei brincando quando disse que queria te ver gozar que
nem uma filha da puta.
Lipe deu dois tapinhas na minha perna, que me despertou daquele
sonho molhado delicioso, e me pediu para levantar.
Tomou meu assento, abrindo braguilha e camisa, me olhando com
uma cara de safado que doía só de ver.
Enquanto eu prestava atenção no marido, Bataille colocou a mão na
base do meu plug que ficou para fora e empurrou, me dobrando para que
meu rosto ficasse próximo ao rosto do meu marido, mas a bunda totalmente
à vista dele.
Fechei os olhos sentindo tesão demais, tomei um tapa estalado que
não assustou nem diminuiu meu tesão, muito pelo contrário, e tomei a boca
do Lipe, mexendo no pau dele, enquanto Bataille brincava de tirar o plug e
por de novo, me comendo com ele.
— Vem de costas. — O Lipe mandou.
Antes de me sentar completamente, arrebitei a bunda para que ele
entrasse. Bastou que o Lipe entrasse na vagina uma vez para que eu
perdesse a força nos joelhos.
Depois disso, com duas estocadas rápidas ele saiu de mim, só para
se melar, e entrou na bunda com tudo, sem pausa nem calma, me puxando
para o seu colo de forma que entrasse inteiro.
Sentada nele, a quentura de seu peito contra minhas costas me deu
um sentimento de segurança e lar, ao mesmo tempo que, de frente para
Bataille, eu sabia o que estava por vir.
— Você não pode me beijar. — Ele sorriu como um cafajeste
enquanto abria o cinto — Minha boca é de outra dona.
— Posso dar o quanto eu quiser, mas não posso beijar? — Brinquei
por que fazia algum tempo que vinha percebendo que Bataille tinha um
gosto especial por desobediências.
— Exatamente.
Assisti Bataille vestir-se na camisinha e tive de dar o braço a torcer.
Ele era tão lindo que doía na vista. Não valia um centavo, mas, que homem,
sabe.
Chegou perto, sorrindo para mim e o Lipe, e brincou na minha
entrada sem me penetrar. Fez carinho no clitóris, enquanto me provocava, e
eu estava tão fora da casinha que, se ele quisesse que eu pedisse, pediria
sem vergonha alguma.
Em chamas. Eu não podia sequer olhar o quarteto de mãos. Não
podia olhar para eles, para um, depois para o outro. Não podia me
concentrar no pau que levava na bunda sem pensar no que estava por vir na
frente.
Tão louca de tesão que a demora do Bataille me tirava do sério.
Também, foi ele entrar que meu corpo entrou em combustão
instantânea. Há muito tempo que eu não gemia tão alto, mas foi impossível
de segurar. Bataille entrou com tudo de uma vez e a sensação de ser
completamente preenchida me levou para o pico do orgasmo.
— Goza agora, cachorra. — O Lipe gemeu para mim, me
segurando pela cintura, controlando meu movimento para cima e para
baixo, e eu só fui.
Perdi a noção do espaço e tempo e não sei o que foi que falei, se
falei. Nunca tinha gozado tanto, por tanto tempo, sentindo os dois paus
dentro de mim, duas bocas me lambendo, quatro mãos no meu corpo.
O corpo e a cabeça pegaram fogo e não tinha jeito de apagar. Fiquei
ali, naquele estado perfeito, por vai saber quanto tempo, só sentindo o
orgasmo chegar, se instalar e ficar.
Bem quando eu o sentia indo embora, a onda de prazer diminuindo,
eu mexi com o clitóris só para que continuasse.
Dessa vez, se consegui controlar o gemido da primeira, da segunda
eu certamente não fiz questão. Fechei os olhos com força, mas a boca ficou
aberta, em pleno êxtase, sentindo a ondulação dos três corpos como se
fossem um e o gozo que veio tão forte, quase tão forte quanto o primeiro.
Procurei o Lipe para beijar, louca de tesão ainda, enquanto a onda de
orgasmo diminuía. Não tinha qualquer controle do corpo, mas queria ele
comigo, me beijando como sempre amei que beijasse.
Beijando-o, sentindo o tesão dele nisso, o jeito dele de arfar e me
segurar como se suas mãos fossem em garra, senti Bataille estocar com
mais força, mais rápido.
Enquanto beijava o Lipe, Bataille puxou meu cabelo da raiz, com
força, usando meu cabelo para se apoiar enquanto estocava.
Esse golpe era firme e não machucava, só me deixava com vontade
de gozar de novo, mas eu sabia que seria impossível, então fiquei ali,
beijando o Lipe, sentindo o tesão curvar as pontas dos meus dedinhos,
travar a minha barriga e mexer com os músculos da minha vagina e que
calhava em ser os mesmos do meu cu.
— Ela acha que não vai gozar de novo. — Bataille riu para o Lipe
como se eu não estivesse presente.
— Ela nunca nem deixou chegar no segundo, quem dirá no terceiro.
— Lipe rebateu.
— Bem, você é o Dom, você quem diz o quanto ela vai gozar.
Quis argumentar que não era falta de vontade, é que eu mesma
nunca consegui. Em casa, quando o Lipe queria brincar mais, eu sabia que
não gozaria a segunda, então nem lhe dava esperanças.
Parava a brincadeira para ninguém se frustrar e não era de maldade
ou por que não queria. Era só… o jeito como o meu corpo era construído.
Lipe pediu que nos levantássemos e nos levantamos, os três. Bataille
tomou o próprio trono de novo e eu tive de ficar de quatro, na frente dele.
— Me chupa. — Bataille pediu, mas eu não fui logo de cara.
Enquanto ele tirava a camisinha, olhei para o Lipe, para saber o que
fazer e só me adiantei para chupar Bataille quando o Lipe consentiu.
De quatro, coloquei-o na boca e não pude fingir que chupava só por
que ele me pediu. O fato é que eu gostava disso, mais do que devia admitir,
e só o Lipe sabia até então.
Com o cabelo puxado por um Bataille que sabia muito bem fazê-lo,
Lipe veio por trás, na minha bunda, e meteu com tanta força que a estocada
dele ditava o ritmo que eu chupava o outro.
Não demorou muito para que o tesão subisse novamente. A
sensação se acumulava e era tão gostosa, que não queria nunca mais me
despedir dela.
Quando perdi a coordenação motora, Bataille estocava gentilmente
na minha boca, e o Lipe, que não parava nunca de meter em mim, me
segurou pelas ancas e começou a dar tapas na minha bunda.
Cada tapa era como se eu subisse um degrau. Fechei os olhos com
muita força, sentindo o controle abandonar o corpo, a sensação se acumular
atrás do umbigo e subir pela espinha dorsal até que eu fosse, novamente,
um corpo completamente em chamas.
Meu corpo inteiro tremia, dos pés à cabeça e eu precisaria de um
tempo para me recuperar. Caí com a cabeça no colo de Bataille, os braços
sem forças, e me sentei sobre meus calcanhares.
A única coisa que denunciava meu real estado era o sorriso satisfeito
que não abandonaria a minha cara pelo resto da noite.
Capítulo Trinta E Um
(Andressa)

Sentada no trono do Bataille, coberta pelo terno do Lipe e uma garrafa


d’agua na mão, confesso que fazia muito tempo que não me sentia tão bem
assim.
Olhei para o Lipe, que sentado na cadeira ao lado fazia carinho na
minha mão e não era somente eu que me sentia bem, mas ele também.
Tinha um sorriso calmo no rosto, com a camisa toda amassada, os cabelos
levemente despenteados e uma calmaria que é tão rara de encontrar no meu
marido, que tive certeza de que, por mais doida que fosse a nossa
experiência dentro daquele bar, ela era mais do que necessária.
Estar ali dentro, com ele, reorganizou toda uma rotina que vinha
sendo exaustiva há anos, mas que ninguém sabia como remediar. Eu estava
acostumada aos olhares de censura, às brigas que nunca tínhamos, mas que
sempre ficávamos magoados do mesmo jeito. Ele estava acostumado
também à mulher que nunca estava em casa, nem lhe dava muita atenção.
De todas as coisas que fizemos um pelo outro, certamente aquela,
naquele bar, foi a que mais impactou a nossa vida de casal.
Devo ter ficado muito tempo pensando nisso, pois quando dei por
mim, Lipe me olhava com um sorriso de quem esperava resposta a uma
pergunta que sequer ouvi.
— O que foi, amor? — Perguntei — Eu não estava ouvindo.
— Vamos para casa?
Mas ele ainda não tinha gozado. Bataille também não. Eu disse que
precisava de um tempinho para me recuperar, só isso.
— Olha lá quem apareceu. — Lipe apontou com o queixo para uma
mulher de vestido amarelo cheio de paetês, dos cabelos enrolados e que
falava bem pertinho da boca de um Bataille convertido. — Acho que ele
não precisa de nós.
— E você? — Repeti a pergunta. — Não quer…
— Quero mais entrar na banheira de casa com você do que qualquer
outra coisa. — Ele interrompeu — Vamos?
Tivemos que ir para casa em carros separados. Coletei minhas
roupas do chão, coloquei-as por cima da lingerie aos frangalhos e dirigi até
em casa como se flutuasse. As ruas nunca tinham sido tão bonitas, nem os
faróis sempre vermelhos, nem o vazio das esquinas.
Estacionei e dei a mão para meu marido que já me esperava,
apoiado no capô do próprio carro, e fomos para casa.
Não demoramos muito até estarmos no nosso quarto, no nosso
banheiro, e esperando uma banheira encher de água. No dia-a-dia, com a
correria e tudo o mais, a gente costuma tomar banho de ducha embora
tenhamos uma hidromassagem de oito lugares dentro da suíte.
Joguei uma bomba de espuma azul e alguns sais de banho relaxantes
antes de entrar, e esperei que o Lipe me acompanhasse.
Dentro dela, os braços se encontraram e se aninharam uns nos
outros de forma automática, sem que a gente precisasse achar um jeito de se
encaixar. Era assim que a gente costumava dormir antigamente, meu rosto
encostado no peito dele, um braço ao redor de sua cintura e o braço dele de
apoio para a minha cabeça. Naquela banheira, embora duvidasse que
dormíssemos, foi assim que a gente se aconchegou na borda dela.
— Você gostou? — Ele perguntou quebrando um silêncio tão calmo
e gostoso, que não consegui parar de sorrir — Da coisa toda, de ter enfiado
mais um cara, de tudo o que eu fiz.
— Quando eu entrei e vi que você tava com aquele bando, eu não
gostei muito, não. — Fui sincera — Mas depois foi melhorando.
— Quem diria que a mulher que não gosta de multidão ia gostar de
transar com muita gente.
Pior que ele cutucou de propósito. Segurava uma risada alta
enquanto olhava para a minha cara de abismada.
— Lipe!
— Ué, eu vi, tá legal? — E deixou a risada escapar — Eu tava lá!
— Você falou que não ia ter represálias se eu aceitasse fazer aquilo
com você!
— Mas, amor… — Ele me deu um beijinho na testa, fazendo
carinho nela com a bochecha depois — Eu não tô te repreendendo não,
muito pelo contrário.
— Tá só rindo da minha cara, né?
— Achei que fosse me descabelar de ciúmes. — Ele confessou, sem
riso dessa vez — Você é minha, a única companheira das últimas décadas.
Bataille apontou para onde seus fetiches iam e fiquei a tarde toda pensando
nisso.
— Nisso… — Eu quis saber — O quê? De transar a três?
— Também. A ideia de colocar outro cara para te comer me deixou
maluco. — Com um suspiro profundo, ele deitou a cabeça na borda da
piscina. — Você é minha não importa o quê. Podemos ter nossos
problemas, nossos bate-cabeças, mas você sempre foi e sempre será a
minha parceira. Imaginar que outro cara pudesse tomar isso de mim eu
quase…
Antes que ele continuasse, troquei de posição. Montei nele, sem
penetração, um joelho de cada lado de seu quadril, e apoiei as mãos na
louça da borda.
— Em algum momento daquilo você sentiu que queria parar? —
Perguntei séria.
— Não, amor. — Ainda encostado na borda, ele me olhava com a
cabeça erguida, com um sorriso meio sacana, mas também sincero, e
colocou as mãos nos meus quadris — Você não precisa dizer nada, o meu
medo foi totalmente embora quando a brincadeira começou.
— Promete?
— … — Ele balançou a cabeça concordando, sorrindo ainda. — Eu
adorei ver você gemendo, se contorcendo e perdendo o controle, mas…
— Mas o quê, Felipe Ferreira?
— A partir de hoje, nunca mais escuto seu “ain, não gozo duas
vezes seguidas, vamos parar por hoje”. — Dei-lhe um beliscão na teta e ele
se protegeu enquanto continuava a provocação — Por que a senhora, ai!
Para, Dê! Por que a senhora goza sim e eu posso provar.
— Em minha defesa, nunca consegui isso nem sozinha.
— Pelo visto, meter em você pelo cu e pela buceta ao mesmo tempo
te deixa pronta pra gozar quantas vezes eu quiser.
Me calei, completamente envergonhada. Não tinha o que dizer em
minha defesa e qualquer coisa que fosse dita ficaria pior. Enfiei os lábios
dentro da boca, me calando de vez, e encostei a cabeça em seu ombro para
me esconder.
— O que foi? — Ele perguntou — Não pode falar em meter no seu
cu e na sua xota?
— Lipe, pelo amor de Deus…
— ‘Tava dando os dois até agora, Andressa, pelo amor de Deus digo
eu!
— É, mas quando você fala assim e a gente não tá no contexto certo,
eu fico com vergonha.
— Tá bem, amor. — Ele riu de forma carinhosa e me abraçou com
carinho — Desculpa.
Estava tão quentinho e confortável daquele jeito, tão gostoso e
familiar, coisa de lar e conforto, que eu só me ajeitei um pouquinho para
fazê-lo caber dentro de mim. Ouvi o Lipe gemer diferente, com a cabeça à
deriva ainda, e me ajeitei um pouquinho mais só para fazê-lo gemer de
novo.
— Te amo, maldita. — Ele gemeu — Te amo tanto e nunca faria
nada nessa vida para te perder, ouviu bem?
Lá no bar ainda, o Lipe falou por que me levou para lá a primeira
vez. Até ali eu tinha entendido que fui para lá em busca de um flagrante que
nunca aconteceu. Passei a frequentar por que Bataille me chamou e por que
virou uma maneira de me encontrar com o Lipe e reacender a chama da
nossa paixão.
Só que quando estávamos definindo os termos do sexo a três, ele
falou uma coisa que me deixou pensando.
Ao falar que nunca faria nada nessa vida para me perder, juntei o
que ele havia dito com o que disse naquele momento.
— Lipe — Chamei —, posso te fazer uma pergunta?
— Até duas. — Ele sorriu.
— Você não me mandou embora de casa por que queria se divorciar
de mim, não é?
Capítulo Trinta E Dois
(Lipe)

Eu sabia que essa pergunta surgiria em algum momento. Esperava ter


tempo para elaborar um discurso bom o suficiente para prevenir a briga,
mas, diante daquele rostinho lindo, me olhando completamente apaixonada
e vulnerável, não tive coragem de mentir nem de mascarar a verdade.
Por isso, optei pela saída mais honesta e que provavelmente me
daria muita dor de cabeça:
— Foi um chacoalhão necessário, mas nunca quis me divorciar de
você.
— Fez tudo isso só para eu entrar no bar do Bataille?
— Você sabe que o bar foi uma desculpa para a gente se aproximar
de novo e eu não sei o que faria se você não tivesse me dado atenção. —
Pelo teor da conversa, murchei dentro dela e ela sentiu, tanto que saiu de
cima de mim e se sentou ao meu lado, me olhando fundo à espera de
explicações — Confesso que foi um tratamento de choque. Eu queria ser
ouvido, ser levado em conta, ser sua prioridade nem que fosse só nisso.
— Você poderia ter me falado, sabe?
— E quantas vezes eu não falei? — Isso é o que me deixava mais
puto. Por que o que eu gastei de gogó tentando falar com ela, colocar
alguma razão dentro da sua cabeça, olha, não estava escrito. — Não foi
falta de falar, mas você sempre adiava essa conversa, ou me ouvia
respondendo e-mails, ou mexendo no celular. Eu até já tinha te chamado
para ir lá comigo, e você nem se lembrava!
Ela não respondeu nada e nem olhava mais para mim. Então
continuei mesmo sem esperança alguma de continuar o carinho que
tínhamos segundos antes.
— Eu não aguentava mais ficar na contenção da sua vida, indo de
casa para o trabalho, do trabalho para casa, sendo tratado mais como um
funcionário que seu marido.
— Você não faz ideia do quanto é difícil dar conta de tudo. — Ela
respondeu com a voz embargada.
— Aí é que tá, amor: — Certo que brigaríamos, não amenizei as
palavras — Nunca foi sobre isso, todo mundo tá lotado de trabalho. A
questão é que você acha que eu estou aqui, do seu lado, do mesmo jeito que
seus funcionários estão, mas você esquece que somos parceiros, de igual
para igual e não estou abaixo de você. Por isso que te mandei embora. Por
que quando você saiu, seu mundo estremeceu e você entendeu que não
estou aqui para te servir. Nada do que você tem como garantido é realmente
garantido se não cuidar. Faltou perceber que eu também tenho desejo,
também tenho vontades, também estou estressado e não me sinto nem um
pouco amado.
— Não se sente amado, Lipe?
— De uns anos para cá? — Doía falar do mesmo jeito que doeria
que ouvisse — Olha nossa vida! O que mais tem entre nós dois além de
trabalho e filho, Andressa?
Eu tinha mais um monte de coisa para falar. Andressa nunca foi uma
mãe relaxada, nunca deixou faltar nada e sempre se preocupou com as
crianças. Entre nossos filhos e eu, ela se preocupava com as crianças e me
deixava de lado.
A questão é que eu estava de saco cheio de ser deixado de lado. A
gota d’água foi ela ir até o bar pensando que eu a traía, mas sequer se
lembrava que eu a tinha chamado para ir comigo meses antes de eu tomar
coragem de ir sozinho.
— Me desculpa. — Ela respondeu timidamente.
Meu erro também foi achar que ela nunca me entenderia. Já tinha
ouvido outros pedidos de desculpas antes. Na verdade, estava sempre
ouvindo desculpas para lá, desculpas para cá, mas quando falávamos,
naquela banheira, com aquele grau de intimidade, entendi que seu pedido
era de coração.
— Eu não sei — Ela chorou —, tô sempre apagando incêndio,
correndo atrás do prejuízo, me iludindo e sonhando com o dia que eu vá
conseguir contratar mais gente para fazer o que eu faço, mas a verdade é
que eu não sei se eu quero gente fazendo por mim o que eu amo fazer.
— Nunca pediria para você parar de fazer o que ama, amor.
— Eu sei! — Ela puxou uma toalha do apoio e limpou o rosto — Eu
sei, mas as vezes eu sinto que isso também atrapalha a gente e não quero ter
que escolher entre a pessoa que eu amo e o que eu amo fazer.
— A gente vai ter que achar um meio-termo, não é possível que seu
trabalho ocupe vinte e quatro horas por dia.
Ela me contou do diretor de logística que dispensou por
incompetência, dos cavalinhos que serão levados para a China no final do
mês, de Bianca que vai ficar no país dos outros para adaptar a frota. Acho
que foi a primeira conversa sobre o trabalho dela em que ela dividiu não só
sua lista de tarefas comigo, mas suas inseguranças e problemas.
Acho que ela não queria que lhe desse solução, afinal, eu lido com
cimento e pontes, mas ela queria alguém para compartilhar seus problemas
e que os ouvisse sem julgamentos.
E essa parte, de ela não dividir mais seus problemas comigo, é total
culpa minha. Em algum ponto da jornada eu parei de ouvi-la e tudo o que
fosse relacionado a trabalho ficou do lado de fora de casa, como se eu
competisse com a Botelho – Breed and Race Horses para saber quem
levaria mais da Andressa para casa.
Por isso, por ter tornado seu trabalho mais difícil nesse ponto de
vista, também pedi desculpas.
— Só não me põe mais para fora desse jeito não, tá? — Ela pediu
quando findamos o assunto — Descobri que o café da manhã silencioso,
que tanto amei um dia, é uma bela de uma bosta.
— Ótimo, por que café da manhã sem você também é uma bosta.
Enquanto ela sorria, puxei-a para o meu colo de novo. Com aquele
sorrisinho, ela se encaixou em mim outra vez, roçando suas pernas abertas
nas minhas coxas e me cavalgando devagarinho, olho no olho, e que selava
um acordo de paz que já foi adiado tantas vezes, que parecia impossível de
acontecer.
— Te amo — Ela murmurou encostando a boca na minha orelha,
movendo o corpo no ritmo da ondulação da água. — Te amo tanto que dói.
— Também te amo, Dê. — Respondi a abraçando com todo o meu
ser, os sentidos todos embaraçados, a boca que escorria um sorriso calmo,
as unhas dela nas minhas costas e nenhum pensamento concreto.
— Goza comigo?
Como sempre, ela viu o precipício e me pediu para pular junto.
E eu fui.
De todo jeito, ela sempre foi mais corajosa que eu.
Capítulo Trinta E Três
(Andressa)

Sentei-me com meus dois sócios logo pela manhã do dia seguinte.
Precisávamos resolver as questões com os cavalos da China e toda a nossa
deficiência em logística.
— Sempre fomos um clubinho fechado, olha só no que deu. —
Gustavo alertou assim que chegou à sala de reuniões com um café preto,
sem açúcar, e mais dois cafés adoçados numa bandeja. — Eu tô cantando
essa bola já tem um tempo, mas parece que vocês duas têm medo de
mostrar como fazem o trabalho para outras pessoas.
Olhei para minha irmã e a gente sabia bem que medo era aquele.
Bianca e eu fomos sozinhas contra o mundo desde o começo.
Aliás, sabia que foi por causa de um cavalo correndo risco de
eutanásia que comecei a trabalhar com equinos? Minha irmã quase foi presa
por que achou uma boa ideia roubar um pobre de Altair Português todo
capenga da sala de eutanásia e decidiu, nós duas sem um tostão furado, que
ia cuidar de seus tratamentos.
Deu certo, prosperamos, mas comemos tanto capim no caminho,
que o nosso jeito de trabalhar acabou ficando assim, função só dela e
minha. Nem Gustavo, que chegou depois por que era o amor da minha irmã
e por que sempre foi meu melhor amigo, tinha liberdade suficiente dentro
da empresa para tomar suas próprias ações.
Quer dizer, se ele quisesse, certamente o faria, ele tinha cargo e
poder para isso, mas ele respeitava a nós duas, sempre respeitou, e sempre
veio falar conosco antes de sair dando canetada por aí.
— Bom dia, amor. — Com um beijinho de gente casada, Bianca se
levantou para cumprimentar o marido e tomou a bandeja de suas mãos —
As cria’ foram para a escola?
— Manu passou lá, todo mundo tá na aula.
Bianca sempre acordou e sempre vai acordar com as galinhas.
Quando ela sai para trabalhar, as crianças nem em pé estão. Por isso era
bem comum que Bianca só visse o marido lá pela hora do almoço, ou
quando voltassem para casa.
Porém, como pedi a reunião, eles se viram um pouco mais cedo
naquele dia.
— Bom dia, cunhado. — Desejei segurando o riso por que ele
odiava ser chamado de assim.
Tomei um olhar de esguelha e nenhum voto para que meu dia fosse
bom.
— Mas você quer me foder, né? — Foi a primeira coisa que ele me
disse assim que puxou a cadeira do meu lado direito e se sentou — ‘Porra
de Bianca um mês na China.
— A ideia foi dela, não foi minha. — Me defendi.
— E desde quando Bianca decide isso? O reino dela é lá no estábulo
e ninguém é doido de contrariar, mas aqui em cima quem manda sou eu e
você.
— Certo, Gustavo — mal consegui encostar a boca na xícara —,
então me dá uma solução para isso, por que do modo que tô enxergando,
não vejo saída boa, não.
— A bicha tem um exército de veterinário lá embaixo. Quantos que
são, Bianca? Quinze?
— Vinte e cinco. — Bianca respondeu.
— Pois dois vão para a China. Bianca escolhe. Dois revezam na
viagem, entre cuidar dos bichos e descansar, e eles que cuidem da
adaptação dos potros.
— Não. — Ela nem pensou para responder — Todo mundo lá tem
família, nem sei se eles têm passaporte. Não vou fazer isso com eles e…
— Pois com a família deles você se importa e a sua que se foda, né?
Déjà vu fodido esse. Não foi isso que quase ruiu o meu casamento?
Olhei para a Bianca, que tem os mesmos instintos imbecis que o meu, mas
concordei com o Guto.
— Gustavo tem razão, Bia. — Deliberei, tentando não ferir o
orgulho da minha irmã — Não vou mais colocar a nossa família em risco
por causa de trabalho. A gente vai, você e eu, mas só por causa da logística.
Entregamos os potros nas mãos dos chineses e voltamos. Coisa de um dia, e
nada mais.
— Você vai mesmo abrir mão disso, Dê? — Bianca me perguntou
uma coisa simples, mas não era simples do ponto de vista do nosso
histórico.
Enquanto para o Guto o “abrir mão” significava apenas não passar
um mês enfurnada na China, para nós duas o “abrir mão” era deixar que os
outros cuidassem daquilo que sempre foi só nosso. Como entregar nosso
bebê na mão de um estranho.
— Precisamos. — Suspirando e pensando nos meus últimos
aprendizados, continuei — Não somos mais tão novinhas, nem estamos
sozinhas. A gente fez o que pôde e o que não até aqui, mas acho que está na
hora de pararmos de pensar como só nos duas.
— Deus, eu daria um beijo na boca do Lipe só por ele ter te feito
enxergar o óbvio. — Gustavo interviu.
— Cala a boca, Guto, que eu tô falando com a minha irmã.
— Auditório, meia hora. — Ele respondeu ao se levantar — Que eu
vou convocar todos os veterinários e dar as boas-novas.
— Não, porra, espera aí. — Bianca se levantou junto — Não tá nada
decidido ainda.
— Meia hora. — Ele mandou, já abrindo a porta — E vê se põe
juízo na cabeça da sua irmã. — Ele falou para mim antes de ir.
Deixei Bianca reclamar. Deixei que ela dissesse por A+B o porquê
seria ruim deixar veterinário despreparado ir na viagem. Ouvi que ninguém
sabia mais dos esquemas que nós duas, que ninguém faria como nós, que a
nossa empresa só era o que é por que demos sangue e muito suor para
erguê-la.
Duas semanas antes eu concordaria com ela em tudo. Inclusive,
bateria de frente com Gustavo, se preciso fosse. Se Bianca era acelerada e
teimosa, sempre fui o pior. Ela tinha um incêndio, eu aparecia para apagar.
Ela tinha uma ideia, eu aparecia para executar. Sempre fomos assim e não
me impressionou em nada perceber que a vida dela era tão bosta, do ponto
de vista pessoal, quanto a minha.
Gustavo também era o marido que ficava para depois, as crianças
também viam a mãe pouco. A diferença é que Gustavo largou uma vida na
medicina para se dedicar aos desejos da minha irmã, enquanto o Lipe
atrasou todos os seus sonhos e me deu dez anos de espera, só para que eu
prosperasse na Europa e voltasse.
— Bia… — Falei quando ela se sentou outra vez — O quão
sortudas nós somos de termos parceiros que nos entendem e se sacrificam
por nós?
— O caso não é esse. — Ela respondeu dando um gole em seu café.
— As crianças vão crescer e os maridos vão partir, se continuarmos
assim. — Rebati — E o quanto disso a gente já perdeu por não saber
delegar?
— Não é que a gente não sabe delegar, é que os veterinários…
— Bia… — Peguei em suas mãos, olhando no fundo dos olhos — A
gente nunca ensinou o que fazemos para ninguém. Nem nunca deixou a
equipe se virar.
— É a vida dos meus cavalos que estão em risco!
— Risco? — Tive de ser um pouco mais dura — E não foram esses
mesmos veterinários que ajudaram a parir e criar esse bichinhos?
Eu sabia que tinha ganhado a discussão apenas pelo jeito como ela
não respondeu. Bianca quando fica brava estoura, se levanta, sai batendo
porta, dá baile. Enquanto eu sempre fui a irmã de chorar quando ninguém
via, ela fazia questão de tacar fogo e dedo na cara com a mesma
intensidade.
Sempre fui água e ela sempre foi fogo.
E ambas temos terra firme para onde voltar quando chegamos em
casa.
Capítulo Trinta E Quatro
(Andressa)

Duas semanas depois

Eu iria para a China no dia seguinte, finalmente. Uma viagem rápida,


mas intensa. Trinta e seis horas de ida, trinta e seis horas de volta num avião
cargueiro adaptado para comportar cavalo e gente.
Eu, dois veterinários que já estavam acostumados com os dois
potrinhos, e uma papelada digna de processo judiciário, escrito em três
línguas, assinado por quinze pessoas e mais alguns carimbos de órgãos
regulamentadores.
Mas, antes dessa sabatina, eu queria fazer uma coisa que vinha me
consumindo há algum tempo e que a última vez que fiz, a Olga ainda era
um bebê na minha barriga.
Foi a minha vez de escolher roupa e mandar para o escritório do
Lipe em uma caixa grande de presente, mas pedi ajuda de Bataille que tinha
muito mais jeito com roupa que qualquer um que eu conhecia.
“Graças a Deus alguém vai me deixar vestir esse cara.”. Bataille
respondeu numa mensagem. “Me encontre na Oscar Freire”.
Certamente, sabia que Bataille tinha bom gosto, mas estranhei a
combinação quando ele as escolheu. Não que fossem roupas feias, muito
pelo contrário, eram lindas, muito diferentes das que eu estava acostumada
de ver no Lipe, mas confiei e mandei entregar no escritório do meu marido.
Voltei para o escritório, coordenei e confirmei os procedimentos
para o dia seguinte, e me dei um restinho de dia de folga pela primeira vez
em tanto tempo que confesso que fiquei até perdida.
Pedi para a minha assistente achar um spa e me enfurnei em um. Era
um prêmio merecido, pensei, e pele macia e cheirosa, para o que eu pensava
para a noite, não faria mal algum.
Só saí de lá vestida para o Lipe e pronta, direto para o bar de
Bataille. Cumprimentei a loirinha assustada que tinha substituído a moça
anterior, lhe entreguei meus pertences, mas a sacola especial que trazia
comigo pedi que ela colocasse no quarto que reservei para nós.
Fui direto para o pátio, um pouco vazio ainda, e encontrei Bataille
conversando com um moço que já tinha visto, que o Lipe já conhecia, mas
que não tínhamos sido apresentados.
— Daniel. — Ele sorriu estendendo a mão num cumprimento
caloroso e o sorriso de orelha a orelha.
Era alto como o Lipe, mas tinha uma malandragem, um jeito mais
ousado. De construção física e atributos, Lipe e Daniel eram parecidos, mas
o Lipe era mais correto, linear, solar. Daniel tinha um quê obscuro, não sei
dizer, mas foi essa a primeira impressão que tive dele.
— E onde está seu príncipe encantado? — Ele perguntou depois que
nos sentamos.
— Espero que esteja a caminho.
— Quem olha para a Lady Blue assim, Daniel, jamais diria que ela
entrou aqui, na primeira vez, para flagrar traição de marido— Bataille
cutucou.
— Lady? — Daniel me olhou confuso — Pensei que fosse sub!
— Switcher. — Bataille traduziu meu comportamento em termos
técnicos — Ela ainda é um monumento em construção.
— Não me vejo sub de qualquer outra pessoa que não do Lipe. —
Me defendi.
— Não vemos. — Bataille me corrigiu — Mas nunca sabemos.
— E você, quenga por romance do jeito que é, viu a esposa correndo
atrás do marido infiel e foi logo ajudando, né?
— Um: — Bataille se levantou com uma cara não muito boa — Que
eu não sou quenga por nada nessa vida.
— Só pela Val. — Daniel insistiu e eu caí na risada.
— Eu desisto de você, Daniel. — Bufou, insatisfeito e saiu direto
para o balcão de bebidas.
— Tá pra nascer coisa que eu ame mais que irritar o Batata. —
Daniel se confessou, puxando um maço de cigarros amassado do bolso de
trás da jeans. — Tu fuma?
— Não. — Respondi.
— Se importa se eu fumar?
Perfumada como eu estava, pronta para esperar meu Lipe que
também não fumava? Sim, me importava e muito.
Bom é que eu não precisei nem responder, ele entendeu, deu uma
risadinha e guardou o maço de onde veio.
— Tá fumando agora, porra? — Bataille, que ficou no balcão,
voltava com uma taça de vinho branco para mim, e outra para si mesmo.
— Eu tinha que descontar a frustração em alguma coisa. — Daniel
se defendeu.
Bataille e o moço novo ficaram conversando da vida e eu entendi os
dilemas, mas não me intrometi muito, afinal, não éramos tão conhecidos
assim.
Só uma coisa que tive que me intrometer por que senti que tinha
como ajudar.
— Bataille, ele é um bom mecânico? — Perguntei.
— O melhor que eu já vi.
Certamente, Daniel não estava esperando por esse grau de
cumprimento.
— Bom, se esse é o caso… — Ele era um bom mecânico e eu tinha
em casa muitos carros que precisavam de cuidado. Perguntei se ele estava
interessado em cuidar dos meus, expliquei que vários acumulavam pó e
que, um dia, fui mais apaixonada por carros do que gostaria de admitir.
— Não é mais? — Ele perguntou.
— Ainda sou, mas não dedico tanto tempo como costumava.
Ficou nítido que Daniel imaginasse que eu possuísse três ou quatro
SUVs, e deixei que pensasse isso. Como mãe de duas crianças e mulher,
todo mundo pensaria.
Mas eu queria ver a cara dele quando desse de frente com um
Huracán tão lindo como o meu.
Bataille ficou de passar meu telefone para Daniel quando
estivéssemos como nossos celulares novamente e não deu tempo para mais
nada.
Lipe passou pela entrada do pátio com a roupa que escolhi com
ajuda de Bataille e nunca imaginei que terno de linho ficasse tão charmoso.
Nem que uma regata branca de tecido tão fino ficasse aquela beleza naquele
dorso todo trabalhado e cheio de tatuagens.
Toda a estética do Lipe era mais gângster que a estética do Lipe com
quem casei. Suas calças sociais deixavam o tornozelo à mostra, mais justa
ao corpo, e os sapatos eram clássicos, mas as meias não apareciam. A
regata branca era a única coisa que cobria seu peito, e o terno ele carregava
sobre o ombro, apoiada nos dedos.
Não sei onde foi que o Bataille imaginou o Lipe vestido daquela
forma, mas dei o braço a torcer. Tinha uma corrente cubana no punho
esquerdo e que reluzia sobre suas tatuagens que pareciam recém-feitas, de
tão brilhantes.
Tinha o cabelo todo penteado, coisa que nunca se vê no Lipe nem
mesmo em jantares formais, e sumiu toda aquela esponeidade que sempre
foi a marca do meu marido.
Lindo e diferente do sempre. Tão lindo que tive que ignorar todas as
bobagens que ouvi tanto de Bataille, como de Daniel.
Imaginei o quão lindo ele ficaria sem aquela camiseta justa na
medida certa, mas com um harness por cima.
— O que você quer tá te esperando lá em cima, Lady Blue. —
Bataille cochichou no meu ouvido antes que meu marido nos alcançasse. —
Espero que goste do meu presente.
Sorri duas vezes maior ao ouvir isso.
Lipe se aproximou com um sorriso tão canalha e tão gostoso, que
não pude perder a oportunidade:
— De joelhos. — Pedi, ainda com a taça na mão, comendo-o com
os olhos e pronta para o pior dos cenários.
Enquanto se ajoelhava, seu sorriso não diminuiu em nada. Colocou
o terno sobre o meu colo e se ajoelhou, mas somente com um joelho. Pegou
na minha mão, como um cavalheiro o faria, e a beijou.
— Checa o bolso do terno. — Ele pediu.
Olhei para o colo e vi que um dos bolsos tinha ficado para cima.
Enfiei a mão dele e sorri ao perceber o galhinho.
Puxei um ramo de florzinhas simples, não dessas que a gente
compra em floricultura para impressionar, mas dessas sem marca nem
pedigree que a gente acha em qualquer canteiro.
— Pensei em você o dia inteiro. — Ele sorriu sem soltar a minha
mão.
Flor de canteiro era a marca registrada do Lipe. E faziam anos e
anos que eu não ganhava uma. Tanto tempo que fiquei toda boba.
Dei-lhe um beijo carinhoso, agradecendo pela delicadeza, e coloquei
a mão em seu rosto. Ele também sempre amou ser beijado assim, beijo-
lambida que ele costumava chamar, que parece que corta a realidade inteira
para os nossos rostos e nada, nem ninguém importava tanto como nós.
Senti suas mãos saírem da simpleza romântica e irem direto para as
minhas coxas, puxando a saia justa do vestido para cima, querendo que eu o
recebesse entre as minhas pernas.
— Você não vai querer estragar tudo o que preparei para você. —
Cortei o beijo antes que eu mesma não me controlasse mais e colocasse
tudo a perder.
— Cachorra.
— Hm, não me chama assim. — Protestei.
— Você ama ser a minha cachorra.
Capítulo Trinta E Cinco
(Andressa)

Não tinha a menor necessidade de joguinhos de poder, pensei. Ele me


conhecia o suficiente para se comportar em seu papel, e eu o conhecia o
suficiente para me comportar, também.
Dei minha taça para que bebesse um pouquinho, perguntei se tinha
sede ou se queria alguma coisa para si, e eis que ouvi:
— Sabe — Bataille interrompeu —, posso assistir hoje?
Olhei para o Lipe, sem querer dizer o que lhe esperava no andar de
cima, e esperei que seu olhar me desse alguma pista.
— Depende do Lipe, não de mim. — Como meu marido não me deu
pista alguma, respondi.
Nunca falamos com qualquer outra pessoa sobre o tesão que o Lipe
tinha na bunda. Era uma coisa só nossa e lembro muito bem o quanto ele
ficou com vergonha de trazer esse tópico para mim.
Bunda das mulheres? Ninguém nem se importa. Bunda de homem?
Um tabu tão grande como se o ponto G deles não fosse lá. Sei de toda a
pressão por conta da sexualidade posta em dúvida por uma simples zona
erógena, mas, se é para ser totalmente honesta, não é só por isso. Se eu
tenho problema em ser vulnerável e me sentir enfraquecida, não vamos
começar a falar do quanto os homens se sentem menores quando falamos da
bunda deles. Como se eles não fossem machos o suficiente quando
confessam que têm prazer lá atrás.
(E, se é para continuar sendo honesta, nem toda mulher também
aguenta o rojão de um homem quando ele resolve expor suas
vulnerabilidades também!).
Respeitando isso no Lipe, deixei a decisão por conta dele.
— Sua decisão. — Ele devolveu para mim.
Eu queria que aquilo fosse uma surpresa e, se lhe contasse o que
estava planejando, talvez estragasse um bocado da festa.
Podíamos negar o pedido do Bataille, mas e se a gente aceitasse? Já
entendemos que não temos problemas sem sermos vistos em ambientes
controlados, mas, e se fôssemos vistos num ambiente mais privativo?
E se a gente descobrisse outro fetiche?
Decidi tentar, mas não sem o Lipe concordar antes, então me curvei
até seu ouvido, falando de um jeito que a gente só usa para falar de putaria,
e lhe disse:
— Eu vou te foder tanto essa noite, amor, que você vai se lembrar
de mim até que eu volte da China.
Lipe fechou os olhos no mesmo instante, sentindo os efeitos das
minhas palavras reverberar no corpo todo. Roubou-me um beijo logo em
seguida, pronto para me atacar ali mesmo, mas cortei antes que eu mesma
perdesse o controle e lhe perguntei:
— Vai querer que eles vejam?
— Caguei para eles.
Com isso acertado, me levantei, peguei na mão do meu homem e
olhei para os outros dois.
— Me dê cinco minutos, depois podem subir. — Falei para o
Bataille, mas o convite se estendeu ao outro — Você também, Daniel.
Conduzi Lipe de volta para o salão fechado, de volta para a entrada,
refazendo todo o caminho que havíamos feito, e subimos as escadas. A
porta que reservei era sinalizada com a sacola que havia trazido e, ao abri-
la, uma luz muito azul iluminou todo o cômodo cujos móveis eram todos
pretos, as paredes todas brancas, e em cima da cama linda adornada com
lençóis igualmente pretos, uma caixa branca, tomada pela luz azul, com um
laço de mesma cor.
Abri-a eu mesma, sabendo que o presente era para mim, e puxei um
conjunto de tiras de couro, pesadas, com argolas grossas. Dentro também
havia um cartão: “Toda Domme que eu respeito ganha um harness feito por
mim. Divirta-se!”.
Olhei para o Lipe, parado logo atrás, para a camisa justa, e mandei
tirá-la. Lindo com o cinto ajustado no corpo, a calça que desenhava
perfeitamente suas pernas, entreguei pelas alças o harness para ele e esperei
que se vestisse.
Fiz questão de eu mesma afivelar na frente, laçando-o naquele
conjunto, e dei alguns passos atrás para vê-lo.
Cheio de tatuagens daquele jeito, um braço inteiro coberto por elas,
o peito também e pescoço, iluminado pela luz azul que deixavam os
detalhes dos desenhos de seu corpo ainda mais nítidos, não pude deixar de
sorrir com a vista.
— Tá perfeito. — Comentei com os olhos tão brilhantes de um
desejo que contaminou a boca e me colocou sorrindo de instantâneo — Só
acho que tá faltando uma coleira.
— Com o seu nome? — Ele respondeu para a minha surpresa.
— Você usaria?
Ele apontou para o próprio corpo e não precisou dizer mais nada.
Ele não tem meu nome tatuado, mas tem as minhas cores. Quando
nos separamos para que eu pudesse desenvolver a minha empresa fora do
país, ficamos dez anos sem nos ver.
Ao voltar, porém, ele tinha pontes e coisas matemáticas desenhadas
no corpo, e foi quando ele me disse que tudo era preto e azul por que foram
as cores que eu pintei nele antes mesmo dos desenhos. Preto, de toda a dor
da separação, e azul, a cor dos meus olhos.
— Da próxima vez que viermos aqui, você vai ter a sua coleira. —
Sorri sem conseguir me conter e me virei de costas — Me ajuda a tirar?
Senti o zíper invisível escorrer pelas minhas costas, até a base da
minha coluna, seus dedos quentes sobre minha pele, as mãos grandes
puxando as alças para baixo.
Eu não usava sutiã por baixo do vestido, mas usava calcinha. Não
qualquer calcinha uma coisa só bonitinha, mas a cinta onde o pau de
borracha seria acoplado.
Ele olhou para a minha bunda, para as tiras de segurança da cinta no
lugar onde elásticos de calcinha costumavam ficar, e prendeu a respiração.
Começou a beijar meu pescoço, meus ombros, e foi descendo, vértebra por
vértebra, até se ajoelhar na minha frente e beijar a minha bunda.
Virei-me de frente e vi o olhar confuso de quem esperava ver um
brinquedo. No lugar, só o suporte vazio cobrindo a minha vagina e as
fivelas da cinta na altura do quadril.
Que coisa maravilhosa é se sentir poderosa e bem vestindo apenas a
própria pele. Eu ainda estava com os saltos altos calçados de cabelos soltos,
e andar por aquele quarto vestida só naquela cinta me deu um poder tão
gostoso e tão grande que sorri sem ter exatamente um motivo para isso.
Fui até a sacola deixada na porta do quarto, a levei comigo para
dentro e a coloquei na frente de um Lipe de joelhos e duro por baixo das
calças.
— Abra. — Mandei com um sorriso.
Lá estava o consolo que ele esperava ver. Outro azul, de silicone,
sem formato de pau com cabeça e veias, mas cheio de texturas ao longo do
corpo cilíndrico e uma base robusta e bojuda que se encaixava
perfeitamente na minha cinta.
— Coloca em mim?
— Posso usar em você antes de você usá-lo em mim?
Soltei uma das fivelas da cinta no quadril, deixando a parte que me
cobria cair para o lado preso, me exibindo para ele.
— Já está limpo. — Adverti, adiantando-me para ele, aproximando
a púbis de seu rosto, dando um recado claro e nítido o suficiente.
Tomei uma chupada violenta. Enquanto segurava o brinquedo numa
mão, abriu meus lábios com a outra e lambeu, de baixo para cima, até
encontrar meu clitóris e se concentrar nele.
— Já tá molhada — Ele cochichou mais para si que para mim —
Puta merda.
Enquanto me chupava, encostou a cabeça do brinquedo na minha
entrada, molhando-o primeiro, e só quando abri um pouquinho as pernas foi
que ele entrou, tudo de uma vez, me fazendo ver estrela com a força e o
jeito certo.
Enquanto ele me comia com aquilo e me chupava, brinquei com os
mamilos duros, apertando-os e girando-os entre os dedos, e foi só aí que a
outra dupla chegou.
Nem me dei ao trabalho de olhá-los, nem fiz nenhum comando. Meu
foco era o Lipe e a sensação que se acumulava em mim, me deixando mole
ao mesmo tempo que com muita vontade de sentar naquele homem até
gozar feito uma puta.
Nunca fui do tipo que goza em pé por um motivo muito simples:
quando eu gozo, perco as forças nas pernas e sempre tive medo de cair.
Com o Lipe naquele ritmo, me segurando pela bunda enquanto
estocava o consolo e me chupava, senti que não iria aguentar muito.
Outra coisa que descobri estando em pé foi a diferença dos
músculos da vagina. Dava muito mais tesão sentir as estocadas em pé que
deitada, como se tudo ficasse rígido e não relaxado, me deixando mais
molhada que de costume e com mais vontade de gozar também.
Lipe puxou uma perna minha para o próprio ombro, ganhando
acessos, e não parou de chupar. Apertando os mamilos daquele jeito, com a
língua habilidosa e o estímulo lá dentro, fechei os olhos, procurando ajeitar
a postura, e gozei puxando tanto os cabelos do Lipe que depois fiquei até
com dó.
— Melhor jeito de estrear isso daqui. — Meu marido sorriu quando
parei de gemer feito uma cadela e tirei a perna de seu ombro.
Molhada e amolecida, afivelei a cinta outra vez e não precisei pedir
para ele acoplar o brinquedo. Não era uma coisa colossal nem muito grossa,
era comprida para ganhar acesso mesmo sem pele encostada em pele, mas
não era um monstro.
— Posso te pedir uma coisa? — Lipe interrompeu quando terminou
de ajeitar o brinquedo em mim.
— Qualquer coisa.
Então, com a cara de quem não valia um único centavo, doido de
tesão e duro, se levantou do chão, me puxou pelos quadris para mais perto
de si mesmo e sorriu com cachorrice:
— Me fode olhando na minha cara.
— De quatro é mais fácil. — Adverti pensando na dor.
— Na minha cara, amor. — Ele pediu — Não quero ficar de quatro
e perder seu rosto.
Capítulo Trinta E Seis
(Andressa)

Devo confessar que estava um pouco nervosa, sim. Nervosa de


machucá-lo ou de não saber estocar direito. Fazia tanto tempo desde a
última vez, tanto tempo, que era como se nunca tivesse feito.
Pedi que o Lipe ficasse pelado e se deitasse na cama enquanto eu
separava o lubrificante. Tentei não demonstrar nervosismo, mas tinha
certeza de que todo mundo no quarto tinha reparado.
Olhando-o deitado, lindo daquele jeito, só de harness e pau duro,
não pude evitar cogitar a ideia de sentar nele e fazê-lo gozar assim, mas
fiquei de joelhos. Segurando a ponta do consolo, olhei-o com carinho e
tesão, e endireitei-o para a sua entrada.
— Desculpa se machucar. — Pedi, sem conseguir disfarçar o
nervosismo.
— Faz a dor ser boa. — Ele pediu segurando o próprio pau,
curvando-se para mim — E me beija.
E foi o que eu fiz. Sem me preocupar se inseria ou não, fui beijá-lo,
procurando carinho e tesão, sentindo o Lipe relaxar também, o beijo fluir e
bem quando estávamos menos nervosos, tanto ele quanto eu, entrei com um
dedo.
Ele gostou daquilo, e pior que eu também. Pensei que por não ser
estimulada por nada, ficaria só fazendo as coisas, mas não foi bem assim. O
fato de vê-lo com tesão e tão vulnerável me deixou acesa outra vez, e o
segundo dedo entrou fácil.
Foi só quando estava segura de que não o machucaria ali, que voltei
a segurar a ponta do brinquedo, muito besuntada de lubrificante, e entrei.
O rosto. As mãos. O jeito como seu peito subia e descia. Eu entrava
devagar, pouquinho a pouquinho, e ele estufava o peito, como se se
expandisse, como se crescesse.
Mordeu o lábio e me puxou para mais perto, para cima dele de
forma que a minha barriga ficasse sobre seu pau e nossas bocas se
encontrassem.
Era assim que ele queria e era assim que deveria ser. Fui
encontrando o ritmo conforme fui brincando, como se fosse a primeira vez,
tudo de novo, sem saber como me mexer e como fazer chegar lá.
Com o ritmo lento e os beijinhos as coisas se encaixaram e era bom
daquele jeito, muito bom, mas melhorou quando me ajoelhei de novo na
cama, com o brinquedo encaixado, e meti mais rápido, segurando suas
pernas abertas, o pinto dele encostado na barriga que, a cada onda de tesão
pulsava, travava mostrando a linha fina que dividia meu Lipe ao meio,
marcando todos os gominhos de sua barriga até as veias de seu pescoço.
O tesão que a vista de tudo aquilo me dava era compatível com o
tesão que ele sentia. Era lindo ver um Lipe rendido e derretido, trêmulo de
prazer ao ponto de se masturbar ao ritmo das minhas encaixadas, de vê-lo
se satisfazendo daquele jeito, doido de pedra como sempre foi, com as mãos
tão rígidas e os músculos do corpo tão apertados que tudo nele ganhou
definição e forma.
Não tinha nada no Lipe que se parecesse com uma mulher, mesmo
de pernas abertas e levando na bunda. Aberto daquele jeito, me olhando na
cara enquanto eu metia, se masturbando de olhos abertos como se não
quisesse perder nada e a rendição genuína.
Ele era meu. Nunca houve dúvidas disso e em alguns momentos
abusei dessa certeza. Ele era meu, doido por mim, tarado por mim, louco de
pedra e sempre com um esquema maluco para propor. Tão meu, que era
como se parte de mim estivesse deitada naquela cama, alojada no peito,
entre as tatuagens e as veias saltadas dos braços.
Lindo, tão lindo, um corpo tão conhecido e tão meu, que eu sabia
quando estava para gozar só pela forma como respirava. Essa é a sintonia
de um casal longevo. Pode ter mil problemas e mil descobertas ao longo do
percurso, mas a gente ainda sabe quando o outro vai gozar como se fosse
intuição.
Ejaculou para a própria barriga e peito, acertando longe e fazendo a
carinha mais linda do mundo. Nunca me cansaria desse rosto, nem desse
corpo, nem desse gênio de menino levado.
Me puxou para um beijo sem ter consciência da própria força, e por
pouco não caí em cima dele. É lindo o jeito como ele me beija depois de
gozar, como se quisesse compartilhar a sensação comigo, como se ainda
estivesse com a cabeça nas nuvens e quisesse me levar para lá consigo.
Me ergui nos braços, sentindo a porra dele melecar ambos os
corpos, e lambi a poça que ficou logo acima do esterno, na base do pescoço,
pouco abaixo do pomo de Adão que subia e descia como se ele engolisse
em seco.
— Você não faz ideia do quanto de amo, maldita. — Ele sorriu com
o rostinho todo vermelho e inchado de tesão.
— Faço — Respondi — Por que te amo igual.
Beijei-o com o gosto dele na boca e quase morri de tesão. O jeito
como me beijava, como se não tivesse gozado ainda, a forma como
respirava, o que estava inserido nele e as estocadas de leve que voltei a dar.
Tudo, embora devasso para um cacete, também tinha um ar de
sonho. Aquele não era um cara que trombei num bar e ajudava numa
fantasia de ser comido. Aquele era o pai dos meus filhos, por quem era
louca desde os treze anos, por quem amadureci apaixonada e com quem
voltaria para casa para dormir de conchinha.
O amor de uma vida inteira que se abria para mim e se mostrava
vulnerável. Sorri logo depois do beijo e me soltei das fivelas da cinta.
Deixei o brinquedo lá, atolado nele, e fui reivindicar o trono que sempre foi
meu.
Sentei devagarinho sentindo-o endurecer outra vez dentro de mim e
fechei os olhos sentindo a onda de tesão me levar.
Quando abri, o Lipe não estava mais nem neste planeta. Mordia o
lábio e atolava as mãos nas minhas coxas, me ajudando no movimento, me
puxando e me empurrando, xingando muito, naquele meio termo entre me
amaldiçoar por me sentar nele e me desejar muito.
Veio me beijar de novo e me laçou pela cintura, me ajudando mais
no movimento, me abraçando com mais carinho e mais conforto ao mesmo
tempo que estocava contra mim.
Sei que foi assim que gozamos de novo, o Lipe que não parava de
xingar e eu que comecei a xingar logo depois, levada por tesão que se
acumulava desde a hora em que eu estoquei nele a primeira vez.
Devo ter gemido alto, não sei, mas fiquei com essa impressão. E o
Lipe olhou para mim, olho no olho do jeito que eu amava que fizesse, até a
última gotinha de esperma sair de si.
— Porra, cachorra, que tesão do caralho. — Ele parou de fazer força
com a barriga e se jogou na cama. — Puta que me pariu, que coisa boa.
Me joguei logo em seguida, contra o peito dele, mas depois fui
escorregando para o lado. Precisava de cinco segundos respirando antes de
fazer qualquer outra coisa.
Foi que me lembrei que tínhamos plateia. Olhei para além do Lipe e
os dois estavam lá. Bataille com um sorriso enorme no rosto, duro feito
pedra por baixo das calças, mas o outro olhava para nós como se sofresse.
Achei estranho seu jeito de assistir a foda alheia, mas não pude
comentar nada. Assim que ele percebeu que eu o olhava, ele se levantou e
foi embora.
— Amor — Lipe chamou minha atenção —, você precisa mesmo
dormir antes de embarcar para a China?
— Preciso. — Não existia a menor possibilidade de virar a noite
inteira transando antes de um dia tão importante.
— Sabe — Lipe e seus esquemas que nunca falham —, se você não
quiser dormir, dá para a gente chamar ele para brincar também.
Adoraria, sem dúvidas. Mas infelizmente a vida real me chamava.
— Fazemos quando eu voltar — Bastou falar que o sono chegou e
eu bocejei tão alto que fiquei com vergonha — Pode ser?
Ele balançou a cabeça concordando comigo e me puxou para mais
perto de si.
— Esqueci de falar. — Ele comentou.
— O que foi?
— Você tá muito macia e muito cheirosa. Não sei o que fez, mas,
por mim, não pare.
Contei para ele que me dei umas horas no spa de presente por ter
sobrevivido às transações com a China.
— Milagre — Ele me cutucou — Temos uma workaholic
aprendendo que merece mimos e pausas?
— É, amor, esse lugar realmente está mudando o meu modo de ver a
vida.
— É, gostosa, tá mudando o nosso. — Virando-se para mim, me deu
um beijinho de amor na testa e outro na boca — Não é só o seu que esse bar
de quinta categoria tá mudando o modo de ver a vida.
— Eu vou fingir que não ouvi. — Bataille interrompeu e se levantou
de onde quer que estivesse sentado.
Não conseguimos segurar o riso quando ele ganhou o corredor e
saiu resmungando enquanto fechava a porta.
Capítulo Trinta E Sete
(Andressa)

Me acostumei a acordar muito cedo, em dias de viagem, a arrumar


minha mala em dois tempos, tomar um banho rápido e tomar café voando.
Tudo tinha de ser feito o quanto antes, o mais breve possível. Geralmente
dava tempo só de dar um beijinho nas crianças, outro no marido, e rua.
Naquela manhã, embora tenha feito a mala num pulo e tomado um
banho bem rápido, quando desci as escadas, tinha flor de canteiro
espalhadas em pequenos vasos por toda a mesa de café da manhã. Até as
crianças, embora sonolentas e de pijama, estavam lá para me receber.
— A gente tá ajudando o papai! — Tutu me disse lambendo uma
colher de pau que já não tinha mais nada.
— E tá ajudando o papai a fazer o quê? — Perguntei parando a
minha mala perto da entrada.
— A fazer o café pra você, ué!
— É, mãe, você sempre faz o café pra gente — Olga interrompeu,
puxando uma cadeira da mesa da cozinha para mim —, agora é nossa vez!
— Que chique! — Comentei toda animada — E o que eu fiz para
merecer tudo isso?
As crianças deram de ombros, não sabiam. Papai as acordou e
perguntou se elas queriam ajudar a preparar o café para mim, mas não
sabiam o motivo, só acharam a ideia legal e pronto.
— Tô muito relaxado com você. — Lipe me disse, me dando um
beijo de bom dia enquanto eu me sentava à mesa — Sei que viaja por que
precisa e não deveria ter que fazer tudo sozinha num dia tão importante..
Ele falou e meus olhos encheram d’água. Eu estava acostumada a
me virar. Acostumada a engolir um pão com café em dia de viagem e deixar
o restante na garrafa para quando o Lipe acordasse. Ou a acordar mais cedo
e fazer um bolo ou coisa parecida para as crianças. Meio que ficou
automático ter que me virar em dias assim e depois ligar mais tarde para
saber se estava tudo bem.
Meio que a fazer tudo baseada na culpa por sair da convivência da
família pelo trabalho. E, como era culpa minha, também nunca pedia ajuda.
Sorri e beijei-o novamente, mas um beijo mais elaborado e as
crianças ficaram repetindo “ECAAAAAAAA” por que achavam engraçado.
— Quem foi que encheu a mesa de flor? — Perguntei, mudando de
assunto para não chorar demais.
— Papai! — Olga dedurou — Mas a gente ajudou também.
— É, mas só o papai saiu para pegar, ele disse que ‘tava muito frio
lá fora para a gente ir junto.
— Papai tá certo — Comentei — Mas a mesa ficou linda com o
arranjo de vocês.
Com um beijinho em cada um, agradeci pela mesa, o café, as
panquecas que me fizeram, o leite com chocolate que eu nem tomo, mas
que o Tutu tinha feito, então tomei, o cereal que a Olga fez que também não
era minha comida de café, mas comi por que foi ela quem fez para mim, e
saí de casa no horário, com a bolsa debaixo do braço e a mala de viagens
carregada por um Lipe que fez questão de me acompanhar até o trabalho.
— Vai mandando mensagem, tá? — Ele disse quando paramos de
frente ao edifício — Tudo bem se precisar ficar mais um pouco, mas avisa.
Não gosto de falar, mas sempre fico preocupado quando você fica muito
tempo sem avisar nada.
— Tá bom, amor.
Me despedi e entrei renovada no escritório. Enquanto Bianca estava
na área médica, do outro lado do jockey, revisando os equipamentos e
sedativos que seus veterinários levariam, Gustavo repassava uma extensa
lista com a minha assistente, checando se todos os documento da alfândega
estavam prontos.
— Quando vocês desembarcarem, vai ter uma equipe esperando por
vocês. Serão três membros de staff e três motoristas. Serão dois carros e um
caminhão de transporte. — Guto comentou comigo — A chance é baixa,
mas o avião vai ficar na pista se estiver nevando e vai ficar por lá até parar.
Eu sabia que estava frio a este ponto por que chequei o tempo antes
de fazer a mala, mas mesmo depois de todos esses anos viajando para cima
e para baixo, eu ainda ficava boba de sair de uma temperatura amena e me
enfiar noutra completamente o oposto.
Não era nem sete da manhã quando entramos no aeroporto pelo lado
das cargas, não pelos voos comuns. A tropa da alfândega já estava lá, como
se esperasse por nós, mas estávamos preparados, com os impostos pagos, as
guias emitidas e todos os papéis tão certinhos que eles me olharam com
cara feia por que ninguém poderia me cobrar um centavo de propina para
deixarem passar um errinho ou dois.
Depois que deixaram meus cavalos dois dias presos na alfândega
por burocracia, esperando que eu fosse pagar para eles liberarem mais
rápido, peguei raiva daquele povo de aeroporto. Tanta raiva como quando
eu parei de alugar avião cargueiro e comprei o nosso.
Pode me chamar de enjoada que eu nem ligo, mas trabalho é
trabalho. Não comprei um jatinho luxuoso para ficar posando de madame
para lá e para cá, comprei um trabuco de carga, mandei adaptar por dentro e
agora meus cavalos vêm e vão para todo lugar com o máximo de conforto.
Foi o segundo maior investimento da nossa empresa, o primeiro
definitivamente foi o Jockey. Ele me custou tanto que até hoje eu sinto
orgulho, até hoje o acho a coisa mais linda do mundo e fico toda boba
quando, enquanto os cavalos sobem no meu avião, conduzido pela minha
irmã, eu penso que tudo isso ainda é meu e, de certa forma, eu faço dar
certo todo dia.
Bianca chorou para se despedir dos potrinhos. Antes de fechá-los
nas baias, deu um beijo em cada um e prometeu que os veria em breve.
Ela nunca gostou dessa parte do nosso serviço. Por ela, Bianca
criaria animais e nunca os venderia, acumulando-os no Jockey por ter
certeza que lá eles estariam bem tratados pela vida toda.
Embora eu falasse à exaustão que era economicamente impossível
ficar com todos os cavalos que criávamos, ela sempre me olhava com cara
de cachorro abandonado e repetia sempre a mesma coisa:
— Vamos ficar só com esses, vai?
E toda vez eu tinha que lembrá-la que os novos donos mal podiam
esperar para dar amor aos bichinhos que compraram.
Toda vez. Toda bendita vez era esse drama. Não que eu fosse de
pedra e não sentisse a partida deles, mas Bianca tinha mais convivência
com eles, maior intimidade e, portanto, sofria mais.
Os veterinários subiram logo em seguida, instalaram os monitores
cardíacos dentro de cada uma das baias adaptadas para o avião, com um
banco para humanos e várias cintas de proteção para os animais, além de
compartimentos fechados com pequenos furos para guardar equipamentos
médicos.
Antes de decolarmos os cavalos foram sedados para não sofrerem
com a alteração de pressão. E, as oito e dezoito, horário da cabine do piloto,
decolamos.
Capítulo Trinta e Oito
(Andressa)

No geral, tudo correu bem. Minha função ali era mais burocrática que
prática. Fui para honrar meus clientes, que mereciam que eu fosse até eles
depois do pedido de adiamento da entrega dos cavalos, e para apresentar a
papelada para os órgãos regulamentares.
No todo, a ida foi mais comprida que a permanência. Nossos
clientes eram da província de Jilin, entre a Rússia e a Coreia, no noroeste do
país, muito difícil de chegar, segundo o piloto, mas fácil de sair.
Para a surpresa de ninguém, geava muito, mas não estava tão frio
quanto a previsão do tempo propôs. Depois que os cavalinhos acordaram,
bastou uma manta por cima deles, que ficaram bem.
Somente um veterinário da equipe chinesa falava inglês e um inglês
bem precário, tanto que meus veterinários acabaram se comunicando mais
apontando as coisas uns aos outros que realmente falando.
E eu, que fui convidada para um almoço extremamente tradicional,
ganhei uma caixinha de música de presente, que cantava o hino chinês, toda
feita de seda e ouro. Tão linda que minha filha Olga certamente a roubaria
de mim.
Eu, que não era boba nem nada, trazia na mala um presente para
eles, também. Entre os pratos típicos e a reunião mediada por um tradutor
de confiança, levei mel de laranjeira em duas garrafas hermeticamente
fechadas, feitas na minha cidade natal, Poços de Caldas.
Aparentemente, eles amaram. Para os chineses, mel era considerado
sagrado e custava muito caro, então, vendo como eles ficaram empolgados
com as garrafas de mel, senti que aquela não seria a última vez que iria para
lá entregar cavalos.
Voltei no mesmo avião de carga, na manhã do dia seguinte, e levei
na mala, além da caixinha de música, muitas fotos. Eu tinha certeza que
meus filhos iam querer ver a grande muralha da China, mas não foi para ela
que fui, nem mesmo fiquei perto, então tirei fotos de outras coisas bonitas
para ter o que contar quando chegasse em casa.
Para voltar para casa, porém, só eu voltei. Os veterinários ficariam
pelo resto do mês e assim que embarquei para voltar, Bianca embarcava
para ir. Foi um meio-termo que consegui com ela. Ela iria ver seus bebês
instalados na nova casa, ficaria apenas um dia, e voltaria ao Brasil para
cuidar de todos os outros.
Para a empresa não ficar sem nós duas ao mesmo tempo, eu fui para
a China e, quando estivesse voltando, ela iria.
E foi assim que fizemos. Bianca embarcou quando faltavam doze
horas para o meu desembarque, num avião comercial com duas escalas.
A única coisa ruim de um avião de carga, mesmo o adaptado, é que
não tinha serviço de bordo. Instalamos uma cozinha minúscula perto da
cabine do piloto, mas só tinha bobagem para comer. Acho que, enquanto
estava ali, devo ter comido uns quatro miojos diferentes tanto que, quando
finalmente estávamos chegando, mesmo com fome, evitei comer mais um,
ou a azia que já me deixava ruim, ficaria ainda pior.
Durante todo o voo de volta deixei meu celular desligado e dormi
por boa parte do percurso. Quando não dormia, mexia no computador no
modo avião, resolvendo planilhas e outras burocracias que eu deixava numa
pasta separada justamente para momentos como aquele.
Ao todo, embora muito cansativa, foi uma viagem tranquila.
Enquanto o avião taxiava, liguei o celular novamente e ele começou a apitar
tanto, bem além do comum, que entendi que alguma coisa de errado no
Brasil tinha acontecido enquanto estive fora.
Peguei o primeiro carro disponível na porta do aeroporto, nem me
despedi do piloto, só fui, tentando ligar para o Guto que tinha me ligado
mais de trinta vezes, sem contar a ligação de outros funcionários.
Levei mais de uma hora para chegar e só me atenderam quando o
motorista me deixou na porta do Jockey, de mala e bolsa na mão, bem de
frente à frota armada da segurança contratada, mais cinco carros de polícia.
Corri para a pequena roda formada por policiais e seguranças
olhando a planta do estábulo dos cavalos premium, cogitando entradas e
saídas.
— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — Interrompi
a conversa que acontecia calma demais para aquela quantidade de força
policial.
Um homem, vestido de farda e que tinha MORENO escrito no peito,
me olhou de cima a baixo com o olhar de desprezo que eu conhecia bem até
demais. O chefe da segurança contratada estufou o peito e endireitou a
coluna, como se estivesse de frente para a mãe dele.
— E você é… ? — Perguntou o policial Moreno.
— A dona. — Respondi sem paciência. — O que está acontecendo
aqui?
— A situação está sobre controle, minha senhora. — Me respondeu
o folgado. — É melhor a senhora procurar um lugar para se sentar e…
— Eu perguntei o que está acontecendo!
— Dona Andressa… — Disse o chefe da segurança contratada —
Seu Oscar deve ter usado a credencial antiga para acessar os estábulos dos
cavalos premium e, pelos tiros, já matou mais de…
Tiros?
Enquanto quebrava o cerco policial e corria o mais rápido possível
até o estábulo, tentava varrer a memória em busca de quem era o tal Oscar.
Não era um nome comum para que eu conhecesse dezenas dele.
Oscar eu só conhecia um e ele era…
Parei de frente ao grande portão do estábulo e ouvi mais dois tiros e
um relinchar. Oscar era o diretor de logística mais incompetente que já
contratei na vida.
Lembro de tê-lo demitido da forma correta, por meio do RH, com
todos os direitos reconhecidos e nenhum desrespeito de minha parte. Não
fui pessoalmente lhe dar tchau, até por que isso nunca é bom, mas lembro
da cortesia.
Outro tiro, outro relinchar.
O chefe da segurança chegou ao meu lado e perguntei como foi que
o ex-diretor conseguiu passar por todas as portas que me disseram seguras e
impenetráveis quando as implantei.
Não era fácil chegar até aqueles cavalos e somente pessoas
credenciadas tinham acesso. Para passar da área pública do Jockey,
qualquer um da staff tinha que apresentar o crachá e passá-lo pelas catracas.
Cada crachá tinha um nível de acesso e somente trinta pessoas, entre
veterinários e peões, podiam chegar aos cavalos mais caros do mundo.
Isso, sem contar o meu crachá, o de Bianca e o de Gustavo.
Olhei ao redor e procurei meu cunhado. Ele deveria estar ali em
algum lugar, mas, pelos grupos que se formavam de funcionários curiosos e
policiais ao redor de suas viaturas, não o achei em lugar algum.
Guto chegou minutos depois, correndo como um louco e mandando
meia dúzia de seguranças tomarem naquele lugar.
Ele me abraçou preocupado, me deu um beijo na testa, mas seu
olhar não tinha nada de bom.
— Como ele conseguiu entrar? — Foi a primeira coisa que
perguntei — Não cancelaram as credenciais dele?
Guto não tinha a cara boa, imaginei que fosse pela situação, mas era
pior, bem pior. Puxou o celular do bolso da calça, o desbloqueou e colocou
uma mensagem que recebeu para tocar no viva-voz:
— Só eu sei o que sacrifiquei por esse serviço! — Dizia Oscar aos
berros — As longas horas de viagem me deixaram fora de casa por tanto
tempo que minha esposa me largou. Levou minha filha para morar com o
amante e eu fiquei sozinho. Alguma vez levei meus problemas para a
empresa? Alguma vez faltei no serviço? Mesmo com a minha casa
desmoronando, eu nunca sequer faltei! Agora a senhora me demite?! Por
causa de um cavalo?! Pois a senhora vai sentir na pele a mesma dor que eu
senti, Dona Andressa. A senhora vai perder tudo!
Sentindo o estômago congelar de medo, engoli em seco e não
consegui olhar para o Guto.
— O Lipe saiu para levar as crianças para a escola e foi trabalhar
logo em seguida, não é?
Sem conseguir me olhar também, Guto balançou a cabeça me
dizendo que não.
Nem meu marido nem meus filhos saíram do Jockey naquela
manhã.
Capítulo Trinta e Nove
(Andressa)

Com o coração tão apertado que caberia no buraco de uma agulha,


mostrei as mensagens para os policiais. Tive que engolir o orgulho e segurar
as lágrimas nos cantos dos olhos para dizer àqueles homens que meu
marido poderia estar naquele estábulo, junto dos cavalos, e eu não fazia
ideia de onde estariam meus filhos.
A sorte é que a segurança contratada buscava o link direto com as
câmeras do circuito interno e em pouco tempo, num televisor portátil e a
bateria, assistíamos o lado de dentro do estábulo em cima do capô de um
carro.
Vi Oscar atirando na Flor, o cavalo da minha sobrinha, e Flor caiu
no chão, dura e com um tiro na testa. O segurança trocou de câmera e lá
estava meu Lipe, com roupa de trabalho, as mãos amarradas para trás do
corpo, os pés num balde de ponta cabeça e o pescoço atado num nó, numa
viga da estrutura do telhado do estábulo, como se fosse nó de enforcamento.
Um arrepio macabro percorreu todo o meu corpo. Olhando para o
Lipe, a ideia do que poderia acontecer me deixou sem conseguir raciocinar.
Por sorte, como se fosse Deus, meu celular tocou o número da
minha secretária e coloquei em viva-voz:
— Dona Andressa, Olga tá aqui com o Tutu. — Karen me disse
num tom assustado — Eles foram deixados na portaria com a Marginal,
mas Olga sabia voltar para casa.
— Eles estão bem? — Com muito esforço, a minha voz saiu da
garganta.
— Estão muito assustados, mas estão bem.
— Karen, não deixe eles ligarem a televisão, nem o celular, e fique
com eles até eu voltar. — Pedi.
— Seu Felipe… ?
— Fique com eles. — Repeti e desliguei.
Pedi que Gustavo fosse com meus filhos e que ele cuidasse e zelasse
por eles até que eu voltasse. Sem Bianca por perto, eu teria que lidar com
toda a situação e, principalmente, salvar a vida do meu marido.
Os policiais, depois de verem que havia uma vida humana em risco,
começaram a se armar e paramentar para uma ação de resgate, enquanto a
segurança contratada ficou responsável pela visão do lado de dentro do
estábulo e pela comunicação com o interfone que tinha lá dentro.
— Dona, queira vir comigo. — Um policial queria me tirar do cerco
que a polícia fazia ao redor do estábulo.
— É meu marido que está lá dentro!
— Senhora-
Claro que não fui. Tão trêmula que não conseguiria segurar sequer
uma folha de papel, me aproximei do carro com o televisor em cima, onde
os líderes da operação conversavam e planejavam o ataque.
— O negociador está a cinco minutos daqui e, quando ele chegar,
nós começamos a intervenção. — Um deles disse ao resto do grupo.
— E até lá?
— Eu vou fazer o primeiro contato. — O mesmo respondeu —
Alguém conseguiu ver munição naquela arma? Quantos tiros ele ainda tem?
— Pelo que percebemos — Um homem da segurança contratada
respondeu — O ex-funcionário levou uma mochila para dentro do estábulo.
Não é possível dizer o que tem dentro, mas…
— Vamos trabalhar com a possibilidade de que ele tenha munição
para tudo.
O policial líder da operação recebeu um telefone que fazia contato
direto com o lado de dentro. Fez a ligação para o interfone e ninguém
atendeu num primeiro momento.
Tentaram de novo, mas o aviso de Oscar, que apontava a arma para
o meu marido, foi bem clara.
— Se me ligarem de novo eu mato todo mundo!
— O senhor está precisando de alguma coisa? — O policial
respondeu com tanta calma que parecia mais que ele queria contribuir com
o sequestrador que salvar o refém — O senhor tem água, aí? Tem comida?
O senhor quer que chamemos alguém da sua família para conversar com o
senhor?
— Que família?! — Oscar respondeu usando a arma para coçar a
cabeça — Essa vaca me tirou tudo!
— Pergunta o que ele quer. — Falei para o líder que me respondeu
com um sinal de “calma”.
— Dona Andressa tá aí? — Aparentemente, fui ouvida pelo outro
lado. — Essa puta tá vendo tudo, não é? TÁ GOSTANDO DO QUE TÁ
VENDO, PIRANHA?!
O líder da operação apertou os olhos, com raiva de mim, e alguém
me segurou pelo braço para me tirar dali.
— Se ela tá aí — Oscar retomou — Põe ela na linha. Põe ela na
linha agora, que senão eu vou matar Benício e Leonardo!
É sabido por todos que Benício e Leo são meus cavalos prediletos
não só por que eram campeões mundiais, mas por que eram filhos de
BelaDona, o cavalo que quebrou no coice o maxilar da minha irmã, mas
que depois nos colocou sob os holofotes do mundo inteiro por sua
agilidade.
Enquanto o braço que me segurava tentava me arrastar, dois outros
policiais se uniram para me enxotar por ordem do líder, mas antes que fosse
expulsa, dei um berro:
— Estou aqui.
O líder de negociação, se estivéssemos no porão de sua delegacia,
tinha me quebrado na porrada. Me olhava com tanto ódio que me encolhi de
medo por instinto.
— Ótimo, que agora o assunto é entre você e eu. — Oscar
respondeu de seu lado da linha.
Aos cochichos, o mesmo líder que só faltava me esganar, me
intimou:
— A senhora acabou de assinar o óbito de seu marido. — Disse com
o dedo na minha cara — Agora, responda apenas o que eu falar. Nem uma
palavra a mais.
— Saiba que eu vou matar cavalo por cavalo, Dona Andressa. —
Oscar ameaçou — E depois vou matar seu marido. Só para a senhora
entender o que é perder tudo do mesmo jeito que eu perdi.
— E depois, o quê? — Respondi contra as ordens do policial —
Depois disso, o que vai ser de você? Oscar, eu sinto muito por não saber
que você tinha problemas na vida. Se soubesse, certamente teria te dado
mais folgas, diminuído as viagens e dado um jeito.
— Eu nunca faltei com a senhora, Dona Andressa. Nunca nem
mesmo faltei!
— Você era um excelente profissional — Menti — E sei que errei
em demitir você.
— Agora a senhora sabe! — Ele riu — Agora!
— Pensa na sua filha. — Falei com o máximo de calma que
consegui enquanto o líder da polícia fazia um sinal claro de “eu lavo as
minhas mãos”— Pensa na sua menina e o que vai ser dela daqui para frente.
— Ela estará bem melhor sem o pai!
— Olha — Respirei fundo —, eu sei o que é essa sensação de tudo
estar perdido. Não era só você que trabalhava muito, Oscar. Cansamos de
virar a noite bebendo café e resolvendo planilha e a vida cobrou muito caro
de mim também. Meu marido me colocou para fora de casa e eu também
senti que tudo estava perdido. Ser workaholic como nós tem um preço
muito alto e as pessoas ao nosso redor não têm a obrigação de serem
compreensivas o tempo todo…
O líder da força tática chacoalhou o dedo para mim, me mandando
calar a boca, trocar de assunto e não ir por esse caminho.
Por sorte, o negociador chegou correndo bem nessa hora, com colete
à prova de balas, um bloco de anotações na mão e uma bolsa cheia de
suprimentos.
Ele pediu que alguém da equipe o atualizasse e ele balançava a
cabeça como quem compreendesse exatamente o meu ponto e partida.
Depois de entender tudo, ele puxou uma folha de papel do bloco e escreveu
a seguinte palavra:
CONTINUE.
— Olha… — Falei pelo telefone no viva-voz enquanto o resto dos
policiais paravam de me puxar para fora — Ser excelente no que fazemos
custa caro e ninguém perdoa nossos erros. Eu não perdoei os seus e agora
vejo o erro que cometi, mas ninguém nunca perdoou os meus, também. Por
isso acabei levando você a ser como eu, a deixar tudo para depois e só focar
no trabalho. Sei que fiz errado e peço desculpas por isso.
Oscar tirou o telefone da orelha e gritou para o Lipe: “Você
expulsou sua mulher de casa?” Pelas câmeras deu para ver a confusão na
cara do meu marido, mas ele balançou a cabeça respondendo que sim.
— Não estou mentindo para você, Oscar. — Rebati assim que ele
voltou com o telefone na orelha. — Agora que chegamos a esse ponto, eu te
pergunto o que posso fazer por você para todo mundo sair com vida daí de
dentro.
— A minha vida já acabou, Dona Andressa. — Ele respondeu com
pesar e tristeza.
— Você ainda tem uma filha para criar. Sinto muito pelo seu
casamento, mas você ainda tem uma filha no mundo e ela não vai se criar
sozinha.
O negociador puxou o bloco de anotações para perto e escreveu
outras palavras: “FILHA - FUTURO -
— Pensa… — Enrolei Oscar enquanto o negociador escrevia a
última palavra — Quem você quer que ela seja daqui para frente. Não
duvido que você ame sua filha com todo coração e ela vai precisar do pai na
criação.
“O QUE ELA VAI PENSAR DE VOCÊ” Escreveu o negociador.
— Ela precisa saber que o pai trabalha muito para dar o melhor para
ela. — Falei e ganhei um dedão de joia do negociador — E que você faria
qualquer coisa por ela.
— Eu não sou idiota. — Oscar rebateu — Sei que vou preso se sair
vivo daqui!
— Você vai precisar pagar por seus crimes, sim. — Respondi —
Somos adultos e temos que nos responsabilizar pelos atos.
Nessa hora, o negociador deu um tapão no capô do carro, indignado
com o que falei.
— Mas você ainda tem uma chance de criar sua filha mesmo
quando estiver pagando pelos erros. — Ninguém previa para onde meu
discurso ia, então não me incomodei com a bronca do policial — Saia daí,
agora, que eu transfiro um milhão de dólares para uma conta só para a sua
menina.
Todos os policiais arregalaram os olhos. Era muito dinheiro e
nenhum deles acreditava que eu daria dinheiro para o cara que mantinha
meu marido em cárcere privado.
Quer dizer, ali a gente negociava quanto valia a vida do meu marido
e, pensando bem, se ele me pedisse todo o dinheiro disponível de todas as
minhas contas, certamente eu daria.
— Saia daí, poupe meus cavalos e meu marido, que eu transfiro para
sua filha.
O homem ficou em silêncio. Pelas câmeras do circuito interno, vi
que ele se mexia muito, nervoso demais, e largou o gancho para andar de
um lado para outro do corredor, falando alto e sozinho.
— Procura a mulher dele e liguem para ela. — Ouvi o negociador
dizendo para a equipe. — Vai, vai, vai!
Oscar voltou pouco tempo depois para o telefone e disse:
— Que garantias a senhora me dá?
— De que vou cumprir minha palavra e dar o dinheiro da sua filha?
— Perguntei — Em todo o tempo que trabalhamos juntos, o senhor já me
viu faltar com a palavra?
— Agora é diferente, Dona Andressa.
— Pois eu transfiro trezentos mil antes, setecentos depois. Como ato
de boa fé.
O negociador rabiscou o mais rápido que conseguiu: GARANTIAS
- MARIDO.
— Só que tem uma coisa — Falei para Oscar — Do mesmo jeito
que estou tendo boa-fé e lhe dando garantias, o senhor tem que me dar uma
garantia também. Solte meu marido.
— Solto um cavalo e olhe lá. Seu marido vai ser a última coisa a
sair daqui, Dona Andressa.
— Eu preciso dessa garantia para saber que o senhor vai cumprir
com a palavra.
— Pois morre ele, morro eu, e morrem algumas dessas belezinhas
também, então.
Capítulo Quarenta
(Andressa)
Conseguiram achar a esposa de Oscar, no fim das contas. E ela ficou na
linha, aguardando, para falar com o marido.
Obviamente, todos nós escutamos o desenrolar da conversa, e a
esposa colocou até a filha deles na linha.
Acredito que foi isso o que acalmou o sequestrador pois, quando ele
voltou a falar comigo, ao voltar o assunto da garantia, ele disse:
— Um milhão e eu solto quem você quiser.
O negociador rabiscou enfaticamente no caderno: NÃO.
Peguei os dados da conta da filha com a esposa. Liguei para o banco
na mesma hora, pedi ao gerente que fizesse a transferência imediatamente.
Em cinco minutos, a filha de seis anos do sequestrador era a mais
nova milionária do Brasil.
— Feito. — Falei para ele.
— E quem vai ser? Seus cavalos ou seu marido?
— Meu marido!
Uma sequência de tiros tão rápida que me deixou em choque. E
quantos mais tiros, menos meus joelhos respondiam. Os policiais se
aproximaram da porta do estábulo, prontos para entrar, e os tiros não
paravam. Um atrás do outro, como fogos de artifício soltados no inferno.
Caí de joelhos no chão quando os policiais entraram e demoraram
para sair. Depois que entraram, os tiros pararam e eu olhei para o televisor
do capô para saber o que estava acontecendo.
O azar é que vários policiais mexiam no meu marido, mas não dava
para saber se estava vivo, ou morto. Cabisbaixo, os policiais o tiravam das
amarras e do enforcamento, mas ele não se mexia.
Comecei a chorar como uma louca, sem conseguir me segurar, e o
negociador veio me acudir, tentando me levantar novamente.
Foi só quando vários policiais saíram que eu prendi a respiração, o
estômago dando voltas e voltas, a náusea de pavor me consumindo, o suor
frio descendo pela espinha.
Lipe saiu de lá apoiado por dois policiais, um de cada lado, ainda de
cabeça baixa. Só sei que saí correndo como uma louca, sem saber se vivo
ou morto, fui até um Lipe sem forças e o abracei com a certeza de que a
minha vida dependia da dele.
Todo machucado. Pelas câmeras não deu para ver, mas o Lipe
apanhou muito. Todo cheio de cortes, o rosto todo ensanguentado, o
supercílio aberto, a camisa com marcas de sangue que eu não fazia ideia de
onde vinham.
— Eu tô bem. — Ele balbuciou cuspindo sangue sem querer.
— Ai, amor — Chorei soltando-o do abraço depois de perceber o
quão machucado estava — Me perdoa, me perdoa!
— Senhora, precisamos levá-lo para o hospital — O policial me
disse — A ambulância está a caminho e…
Dei passagem depois de dar um beijo na testa do Lipe e, assim que
eles saíram, entrei para ver o estrago.
Oscar me perguntou o que eu queria: O Marido ou os cavalos. Eu,
claro, nem pensei para responder, mas não tinha entendido que, quando ele
me mandou escolher, era porque só poderia salvar um.
Oscar conseguiu matar todos os cavalos. Não restou um em pé. O
trabalho da nossa vida sangrava para o chão do estábulo premium. Eram
cinquenta cavalos, os mais raros, os mais rápidos, os mais resistentes, os
mais dóceis. E estavam todos mortos.
Todos.
Olhei para todos os lados, procurando Oscar, e ele estava no chão,
sendo coberto por um lençol branco com muito sangue ao redor da cabeça.
Saí antes e vomitar de nervoso e o negociador me puxou de lado.
Adoraria ter tempo para conversar com ele, mas precisava ir atrás do meu
marido que, por sorte, entrava na ambulância.
Pedi para acompanhá-lo e o paramédico me deixou. Subi na
ambulância, ficando num cantinho para não atrapalhar, e tão logo subi, as
portas se fecharam, ligaram as sirenes e cortamos a marginal até o hospital
mais próximo.
No meio do caminho, Lipe olhava para mim o tempo inteiro com o
único olho que abria, mas não falava nada. Ele olhava para mim, que
chorava feito uma desgraçada, mas não disse palavra. Não dava para saber,
pelas feições, se ele estava bravo comigo, ou triste, ou decepcionado. Eu só
sabia dizer que ele tinha algum sentimento negativo quanto à mim, só não
podia dizer qual.
Chegamos no hospital e não pude passar pela porta dos primeiros
socorros. Depois de sairmos da ambulância eu fiquei numa pequena
recepção, e o Lipe foi levado às pressas para dentro.
Ignorei todas as ligações que recebi na hora seguinte e fiquei ali,
plantada, esperando qualquer notícia do meu marido. Não conseguia nem
me sentar, eu passava de um lado para outro no pronto socorro, olhando
gente entrar e sair, mais acidentados chegarem, e nada, nenhuma notícia do
meu homem.
Uma mulher, nem lembro o rosto dela, me viu nervosa e me
ofereceu água. Aceitei por educação, mas não consegui dar nem mesmo um
gole.
Só tive notícias do Lipe muito depois. Disseram que ele passaria a
noite no hospital por conta da contusão na cabeça, mas que os exames
saíram bons.
Com o peito apertado e uma vontade louca de chorar, finalmente me
indicaram onde é que estava meu marido e fui até seu quarto.
Com o rosto coberto por pontos e curativos, ele olhava prostrado
para o teto, nem percebeu quando eu cheguei. Só olhava para um ponto
fixo, as lágrimas escorrendo, e nenhum movimento de seu corpo.
— Lipe! — Exclamei aliviada e preocupada. Queria beijá-lo, mas
fiquei com medo de machucá-lo mais, então segurei bem firme em sua mão
e a beijei. — Meu amor, me perdoa…
Choro de alívio misturado ao medo. E se eu não tivesse oferecido o
dinheiro para a filha daquele homem? E se não tivesse sido convincente o
bastante? E se ele tivesse atirado contra o Lipe mesmo assim?
Fazia muito tempo que não ia para a igreja, mas a sorte de tê-lo vivo
ao meu lado só podia ser por Deus.
— Ele te mandou escolher. — Foi a primeira coisa que o Lipe disse.
— Eu ouvi quando ele falou.
— Foi, meu amor. — Apertei a boca sem conseguir parar de chorar.
— E você me escolheu.
Nessa hora, levantei o rosto e parei de chorar. Não entendi o que me
disse. É claro que escolhi ele, o que mais seria possível? Amo meus
cavalos, de coração e peito aberto que digo, mas não os amo mais do que
amava o homem ao meu lado.
— Eu sempre achei que… — Não chorou mais por que não tinha
forças, por que estava demasiado enfraquecido. Vi seu peito e sua barriga
ondularem por baixo do lençol e, quando fui acalmá-lo, ele quebrou num
choro tão angustiado que não soube dizer se era pelo alívio de estar fora de
perigo, ou outra coisa.
Honestamente naquela hora, fiquei tão confusa com seu choro, que
fiquei parada, fazendo carinho em sua mão, mas sem entender
absolutamente nada.
— Lipe, amor, o que dói tanto assim? — Perguntei me sentindo
meio burra — Quer que eu chame um médico?
Como se não estivesse tão machucado assim, sentou-se na cama e
me puxou pela mão para que me sentasse com ele.
— Nunca duvidei que você amasse as crianças. — Ele disse com a
voz tão embargada que eu senti sua dor — Nem que amasse aqueles
cavalos.
— Pois é, eu amo eles um montão. — Respondi sorrindo um
pouquinho.
— Sempre achei que amasse mais aos cavalos do que a mim.
Levantei da cama num pulo. Olhei bem para aquela cara lisa de
besta, para o jeito todo chorão que ele se encontrava e só consegui ficar
com raiva.
— O que você achou esse tempo inteiro, Lipe? Que eu não te
amasse? Que eu… que eu te amasse pouco? Você acha que eu não penso em
você, mesmo quando o trabalho é muito e o tempo pouco, você acha que
não te quero bem, nem te desejo a merda do tempo todo?!
— Por toda a minha vida eu tive que lutar para ter atenção sua, …
— Ah, faça-me o favor! — Respondi bem brava — Você achou
mesmo que eu escolheria os cavalos a você? Achou mesmo, do fundo do
coração, que numa hora tão crucial que nem aquela, eu escolheria meu
trabalho no seu lugar?
Ele não teve coragem de me olhar, mas entendi que era exatamente
assim que se sentia.
— Lipe… — Chorei magoada sem conseguir me aproximar — O
que eu fiz de tão errado para você se sentir assim?
Capítulo Quarenta E Um
(Lipe)

Tinha certeza que estava morto quando aquele cara me ameaçou com
uma arma, na portaria principal, quando saía para levar as crianças para a
escola. Sabia. Olhei bem para aquela arma e as minhas crias no banco de
trás.
Estava pronto para morrer. Soltei a trava para crianças da porta
traseira e mandei Olga correr com Tutu enquanto chamava atenção para o
homem com a arma na mão, os olhos muito vermelhos de quem estava sob
efeito pesado de drogas, para que ele sequer notasse que as crianças tinham
fugido.
Todo o resto foi confirmação da minha morte.
E quando ele perguntou: Quem vai ser, seu marido ou seus cavalos,
senti a minha cova sendo aberta, a missa rezada para mim, meus pais
chorando adeus.
Tinha tanta certeza disso que quando o cara começou a assassinar
cavalo por cavalo, senti que ficaria para o Grand Finale.
Só que então, do nada, ele se virou para mim, deu um sorriso
enlouquecido e disse, com todas as letras:
— Eu teria escolhido os cavalos.
E ploft.
Voou cérebro e sangue para todo lado e acho que essa imagem vai
demorar um tanto para sair da minha retina. Não sinto pena nem
compaixão, mas fiquei em choque. Os policiais falaram comigo e eu não
entendia nada, como se fosse em outra língua, como se fosse numa outra
frequência de rádio. Eles falavam e mexiam em mim, desamarrando e
despendurando, mas era como se aquilo ocorresse num estado de sonho
onde nada era realmente o que parecia.
Só quando um médico tacou uma lanterna no meu olho e ela doeu,
que entendi que era tudo de verdade. Que Andressa deixou que matassem
os cavalos desde que salvassem a mim.
Nunca imaginei que a situação hipotética poderia ser real e teria
outro resultado. Sempre imaginei que em caso de vida ou morte, ela
salvaria seus cavalos e sacrificaria a mim.
Sei de seu esforço para erguer aquele jokey, do esforço para se
manter no mercado, das coisas que abdicou para levar o sonho da irmã
adiante. Na minha cabeça, os cavalos representavam sua irmã e Andressa
jamais escolheria eu, se Bianca estivesse em risco.
Quando ela segurou a minha mão, porém, me senti tão vulnerável e
bobo por ter pensado isso por tanto tempo, que não pude falar nada
enquanto ela brigava comigo. Éramos casados, pais de duas crianças lindas,
mas ao mesmo tempo sempre me senti de escanteio. Eram sempre as
crianças, depois eu. O trabalho, depois eu. Como não pensar que ela
escolheria o trabalho a mim?
— Lipe… — Ela chorou — O que eu fiz de tão errado para você se
sentir assim?
Olhando para aquele rosto lindo e aquelas mãos, não tive o que
responder. Se por um lado eu ficava de escanteio em tempos difíceis,
sempre me senti honrado por ficar ao seu lado. Sempre me senti especial
por vê-la falar, ouvi-la desabafar, ser no meu colo onde pudesse descansar.
— Desculpa. — Falei envergonhado e tão vulnerável que me sentia
um lixo — Desculpa.
— Não, amor. — Ela respirou fundo, voltou a sentar-se ao meu lado
e puxou as minhas mãos para si — Eu sei de onde essa dúvida vem, mas
acho que estamos há muito tempo preocupados com o que fizemos ou não
fizemos no passado. O que importa é hoje, amor, não o que aconteceu há
anos. Te amo hoje, Lipe, te escolho hoje, amor. E eu sempre sacrificaria
meus cavalos se fosse para salvar você.
Eu não sabia, naquela cama de hospital, que ela tinha dado um
milhão de dólares para a filha do assassino, além da vida dos cavalos. Um
milhão de dólares que vinha de seu fundo de emergência pessoal, e não do
caixa da empresa.
Pedi que fosse mandado para casa e assinei um termo de
responsabilidades mesmo contra a vontade de Andressa. Queriam me
manter a noite inteira deitado na cama e eu não quis. Precisava ir para casa,
ver minhas crianças, me deitar com minha mulher e sentir que tudo poderia
voltar ao normal.
De olho remendado e alguns ferimentos pelo corpo, chegamos em
casa e Gustavo estava lá, com todas as crianças da família, assistindo a um
desenho na TV.
Quando nos viram, nossos filhos vieram correndo. Olga segurou o
choro e só me abraçou, mas o Tutu desatou no berreiro, com a mão nos
olhinhos, apreensivo por não saber como eu estava.
Olga se agarrou na mãe, segurando muito o choro, mas abraçou-se à
barriga dela e desabou. Chorou, chorou, chorou, e quando se sentia melhor,
Guto veio com um copo d’água.
Não mentimos para as crianças. Mamãe contou como tudo
aconteceu, de um jeito que as crianças entenderiam a gravidade, sem
ficarem impressionadas nem preocupadas.
— Então a mãe salvou o pai? — Olga perguntou enquanto
estávamos à mesa, com copos d’água e alguns docinhos.
— É. — Respondi sorrindo — A mãe me salvou.
— E o homem que fez tudo isso? Ele tá aonde? — Tutu perguntou
enfiando mais um marshmallow na boca.
Dê olhou para mim e entendi tudo.
— Deixa ele pra lá, Tutu. — Respondi evitando entrar no assunto
“suicídio” — O que importa é que a gente tá bem.
— A Flor morreu, papai? — Madalena, que estava com os irmãos e
o Guto ao redor da mesa com a gente, tinha os olhinhos cheios d’água e um
biquinho triste de quem já sabia da resposta.
— Foi, amor meu. — Guto respondeu abertamente, puxando a
garota para o colo. — Eu sinto muito.
— A Estrelinha também, né? — Olga entendeu logo em seguida.
— Flor e Estrela salvaram o papai. — Andressa respondeu — Elas
salvaram o papai muuuuuuuito mais do que eu.
Sabia que faríamos um enterro simbólico para as éguas quando as
duas meninas se olharam e começaram a cochichar. Era justo, afinal.
Faríamos um enterro simbólico para todos os cavalos que perderam a vida
por causa daquele filho da puta que além de trabalhar mal, ainda era um
louco.
Naquele dia, porém, merecíamos descansar e foi exatamente isso o
que fizemos. Depois do almoço, deitamos todo mundo na cama do papai e
da mamãe e ficamos lá, só nós quatro, assistindo filmes da Disney que
fazem qualquer um chorar, e jantamos pipoca com manteiga depois.
Dia seguinte, embora tenha dormido de mal jeito por que minhas
crianças não eram mais tão pequenas e minha cama não era tão grande
assim, levantei-me antes de todo mundo e fiz outro café da manhã.
Dessa vez, para todo mundo. Com flor de canteiro, que não passava
de maria sem vergonha arrancada da beirada das árvores perto de casa e
alguns raminhos bonitos que não fazia nem ideia de que flor eram.
Bati um bolo que não cresceu como os bolos da Andressa, mas era
um bolo comível, fiz tapioca com queijo minas, mais algumas comidas, e
chamei todo mundo bem depois do horário de irem para a escola.
Do jeito traumático que tinha sido o dia anterior, nem ferrando que
eu levaria minhas crias na escola naquele dia.
Andressa e eu precisávamos de um tempo sozinhos e isso só foi
acontecer de noite. Eu precisava dela muito mais do que achava, precisava
de um tempo, nem que fosse só olhando para seu rosto, e me curar de
feridas que não eram novas, nem desconhecidas, para poder seguir em
frente.
Fiquei tão assustado com tudo que tive que repensar muitas coisas.
A maior delas, sem dúvidas, era a certeza de que minha mulher me trocaria
pelos cavalos. Esse era o tamanho do meu costume de ser deixado de lado.
Era o tamanho do meu medo, também.
Depois disso, por mais que o bar fosse a nossa válvula de escape, ela
não curava tudo. Dava uma bela de uma azeitada na máquina no casamento,
mas não resolvia todos os nossos dilemas.
Por isso, uma semana depois do acontecido, entramos na terapia de
casal, também. Era o certo a se fazer. Se nos amávamos tanto assim,
daríamos um jeito de conversar até nos entendermos e sairíamos muito
melhor de toda essa crise.
Além, é claro, de transar feito uns malucos.
Capítulo Quarenta E Dois
(Andressa)

Dois meses depois

Quinta-feira era o nosso dia. Toda quinta. Na hora do almoço, toda


terça, íamos para a terapia, desenvolvíamos nossos dilemas enquanto casal,
mas quinta colocávamos fogo no mundo.
Incrível como fazer a bendita terapia também ajudava nas nossas
idas ao bar. Dava mais asa à criatividade, me deixava mais solta e confiante
tanto para propor maluquices, quanto para aceitá-las. Pudemos inclusive
levar esse nosso lado para as sessões com a terapeuta e falar daquilo num
espaço seguro e sem julgamentos.
Fizemos de Bataille e Val nossos amigos mais do que só de bar, mas
com o resto da família, também. As crianças dele passaram a frequentar a
nossa casa, inclusive para festas de pijama, e Lúcia se dava muito bem com
Rodrigo, filho mais novo do Guto.
Uma vez, (essa foi boa), Gustavo quis saber de Bataille que tanto
era esse bar que íamos.
Eis que a resposta foi a coisa mais simples e mais escandalosa
possível:
— Você devia ir para conhecer. — Bataille respondeu.
— Só não de quinta — Lipe concluiu e eu ri por que seria muito
estranho dar de cara com o Guto numa situação em que estivéssemos
pelados.
Numa quinta qualquer, sabendo que era o nosso dia, Lipe me levou
para jantar primeiro. Achei estranho, mas não falei nada. Aceitei. Escolhi
um vestido vermelho só por que ao longo das semanas fui descobrindo que
ficava bem também nessa cor, passei um batom, botei um saltão, e fui.
Foi um jantar até que normal. Era um restaurante chique, que
conhecíamos os donos, mas não era uma grande novidade.
O que o Lipe propôs é que era a grande parte da noite:
— Quero te fazer uma proposta.
— Ih — Ri pegando um restinho de burrata que tinha sobrado no
prato de entradas —, lá vem.
— Gang Bang. — Ele falou com a maior calma do mundo — O que
você acha?
— Eu entendo que é um bang em gangue — Me defendi —, mas
não sei o que é um bang.
— Sabe a DP que fizemos com o Bataille há um tempo atrás?
— Sei… — Tanto sabia, que constantemente essa lembrança vinha
na cabeça.
— E se tivesse mais dois?
— Sexo com… quatro homens?! — Eu nem tinha tanto buraco
assim!
— E duas meninas. — Falou com a simplicidade de quem pergunta
se queria mais vinho.
— Sexo. — Repeti. — Com sete pessoas.
— Acho sete um número lindo. — Ele repetiu com tanta cara de pau
que amassei o guardanapo e joguei nele.
— Mas não tem nem como! — Me defendi.
— Ô se tem. — Eu tinha comigo que esse sorrisinho safado nunca
mais sairia da cara dele. — Quer ver?
Não era nem medo nem receio. Era a certeza de que sexo com sete
pessoas ao mesmo tempo não tinha como funcionar. Era mecânica e
fisicamente impossível que sete pares de pernas e braços conseguissem
fazer alguma coisa juntos.
— Só que… — Enquanto eu calculava o dano da situação, Lipe me
interrompeu — Só que eu queria me misturar com todo mundo, também.
— Como assim?
— Você sabe. — Deu de ombros como se não fosse nada.
— Ah. — Escondi a risadinha com a taça de vinho, mas não
consegui — Você quer que o bang da gangue recaia sobre mim e sobre
você.
— É — Ele respondeu com a maior cara lisa —, talvez.
Cretino.
Saímos do restaurante direito para o bar e tive certeza que a última a
saber era eu, que o jantar era mera formalidade. Deixamos nossos pertences
com a loirinha assustada da recepção e entramos, mas o bar estava
completamente vazio.
Nem a moça do poledance estava lá, nem nenhum barman, nem
ninguém. Avançamos para o pátio do lado de fora, também estaria vazio se
não fosse pela presença de Bataille e Valéria, Lady Nïn e seu loirinho, e
Daniel, que andava sempre sozinho.
Ao olhar para todos eles, tive certeza absoluta de que aquilo não
seria possível. Era muita gente, muita gente mesmo, e se em três deu certo,
em sete, impossível que daria.
Não pude nem esconder o meu nervoso. Bataille olhou para mim e
não consegui olhar de volta, tão envergonhada de todo mundo que eu travei
no pátio.
Lady Nïn cochichou para seu loirinho que prontamente se levantou,
só de calças jeans, e veio ao meu encontro. O primeiro instinto foi correr e
só não fiz isso por que o Lipe segurava bem firme na minha mão.
Vi aquele loirinho se aproximar com aquele sorrisinho safado, me
olhando de cima a baixo como se soubesse o que aconteceria, e olhei bem
firme para meu marido.
— É isso mesmo o que você quer? — Perguntei antes que o loiro
nos alcançasse.
— Só se você quiser também.
Vi o loiro chegar, se aproximar com tanto charme e delicadeza que
não fiz nada, só fiquei esperando. Deixei que ele colocasse meu cabelo para
trás e lambesse meu pescoço, pronto para me engolir ali mesmo.
— A boca é da minha Lady — Ele me disse bem perto do ouvido
enquanto puxava as alças do meu vestido — Todo o resto ela disse que pode
ser seu.
Risca aquela coisa que eu tinha falado, há um tempo, de que aquele
homem não fazia o meu tipo. Ele era o tipo de gente que você olha e não dá
nada, até ele chegar daquele jeito, pronto para ferrar com tudo, e mostrar
quem é.
O loiro começou a me lamber o pescoço, ombros e os arredores de
um lado, e o Lipe me tomou de outro. Como boa puta que me descobria ser,
bastaram quatro mãos para o nervosismo ir todo embora.
Os dois revezavam nos beijos e tentavam tirar a minha roupa pelas
beiradas, até que o Lipe puxou o zíper do meu vestido e o tirou, deixando-o
cair aos meus pés e a mim coube apenas o dever de sair de dentro dele.
Daniel chegou depois, com o seu jeito declaradamente cafajeste e de
quem não devia nada a ninguém, e me tascou um beijão na boca, abrindo
meu sutiã enquanto a mão de alguém, vai saber qual, entrava pelo cós da
minha calcinha.
Três homens já eram o bastantes, mas chegou Valéria depois,
metendo a mão no Lipe, arrancando-lhe o terno e abrindo os botões de sua
camisa.
As mesmas mãos femininas que atacaram o Lipe, também vieram
até mim, apertando meus mamilos, tentando entrar no meio do beijo que
Daniel me dava.
Nunca tinha beijado outro homem, quem dirá duas pessoas ao
mesmo tempo. Daniel tomava minha boca e Valéria se enfiou no meio,
lambendo a nós dois, e, quando dei por mim, nós três nos beijávamos, com
as línguas para fora, ora minha língua na boca de um, ora na boca de outro.
— Linda — Valéria me pediu —, a boca do seu marido é só sua?
Ela se certificou de que Lipe não ouvisse. Olhei bem para ela, que
tinha um rosto feito para o pecado, e balancei a cabeça respondendo que
não enquanto mordia o lábio.
Foi ela puxar o rosto do meu marido para si, que o Lipe recuou.
— Calma, amor — Respondi para um Lipe assustado, enfiando a
mão por dentro de sua calça enquanto Valéria investia de novo.
Nunca tinha visto o Lipe beijando. Quando ele beijava, beijava
sempre a mim, mas que coisa linda o rosto dele daquele jeito, enrubescendo
devagar, tomando a boca de uma mulher enquanto eu o masturbava.
Senti uma mão áspera dentro da minha calcinha e olhei para baixo,
encontrando um Daniel que mexia muito bem no meu clitóris ainda um
pouco tímido.
Tomei a boca de Valéria e Lipe veio junto, fazendo comigo e ela o
mesmo que fizemos com Daniel. Ouvi o suspiro pesado de um Lipe
completamente fora da casinha e puxei seu cinto para fora, junto do zíper da
calça.
Daniel tirou a minha calcinha e me dobrou na metade, guiando a
minha cabeça a púbis de Valéria que, em algum momento, tinha se
desvencilhado da roupa, mas que não pude acompanhar quando.
Sem cerimônia alguma, Daniel meteu em mim por trás, o Lipe veio
mexer no meu clitóris e segurou erguida a perna de Valéria para que eu a
lambesse.
Nunca tinha chupado uma mulher na vida, mas não era nada difícil.
Sentir o melado escorrer na língua foi uma das melhores descobertas da
noite, mas perdi tudo quando ela ficou com o rosto bem perto do meu e me
provocou:
— Você promete que assiste quando eu sentar no seu marido?
Dobrada ao meio, sentindo as investidas duras de um Daniel que
sabia comer, tive que fechar os olhos para não gozar. Senti Valéria segurar
meus mamilos, balançando-os ao sabor do movimento de Daniel e fechei os
olhos, sem querer queimar a largada.
Assisti a tudo, enquanto Valéria colocava o Lipe deitado no chão,
vestia-o numa camisinha e sentava nele olhando para mim, de olhos
fechados e a boca aberta, me provocando como se soubesse que os ciúmes e
o tesão me dividiria na metade.
Era uma sensação esquisita, aquela, ser comida enquanto assistia
alguém dar para o meu marido. Me dava um tesão absurdo, mas ao mesmo
tempo eu sentia como se tomassem de mim o que era meu.
Vi as mãos do meu Lipe apertando as ancas de Valéria com força, e
não pude parar de olhar.
— Posso brincar também? — Disse o loiro que voltou para perto de
mim, tendo vindo de algum lugar que não reparei.
Daniel se deitou no chão, trocou a camisinha, e pediu para eu chegar
de costas. Eu, mais para lá do que para cá, só fui. Sentei-me com a bunda
nele, deixando a vagina vaga para o outro que, assim que me viu encaixada,
se vestiu numa camisinha e veio, me beijando o rosto, pescoço e tudo o que
conseguia alcançar numa pegada pesada bem diferente da que ele deixa
transparecer quando estava em pé.
Comida por dois, era como se eles soubessem exatamente que ritmo
alcançar para que eu gozasse logo, por que um piscou para o outro, como se
não fosse nem a quinta, tampouco a décima que faziam isso, e entraram
numa sincronia que me colocou gozando em tempo recorde.
Mal pude acreditar que da moça que travou no meio do pátio eu era
a mulher que gemia alto entre dois desconhecidos. Não tive tempo nem de
olhar para o Lipe, nem de ajeitar as pernas. Um organizou o ritmo com o
outro e eu só fui, como se tivesse um botão dentro de mim que bastasse
apertar que eu gemeria feito uma cadela.
— Puta que me pariu. — Falei no meio do orgasmo e ouvi uma
risadinha carinhosa de um Daniel que apertava o bico dos meus seios com
suas mãos pesadas.
Assim que abri os olhos, vi um vestido vermelho justo e curtíssimo
se aproximar. Só podia ser a Lady Nïn que não tinha dó de ninguém e foi
logo se sentando na minha cara.
Ela era doce de chupar, mas mais bruta que qualquer um. Segurava
na parte da minha franja e se esfregava com força de forma que eu não
sabia se a chupava, ou se ela investia contra meu rosto.
Só sei que foi assim que ela gozou e só então entendi o que o Lipe
dizia sobre ser impossível um gozo e mulher passar despercebido. Todos os
músculos da Lady se contraíram e só depois fui entender que o loiro, seu
submisso, a comia com os dedos enquanto ela investia contra mim.
Ouvi um gemido alto e muito bonito logo em seguida e deu tempo
de ver Valéria gozando com o pau do meu marido enquanto Bataille enfiava
o pau em sua boca. A coitada não conseguia nem se segurar enquanto
gozava e que cena bonita era.
Depois que Lady Nïn gozou, ela se levantou foi dar um beijo na
boca do loiro que, ainda me comendo, passou a investir em mim com mais
intensidade, mas tomou um tapa na cara e um aviso:
— Não goza.
Mal sabia eu que Bataille apareceria, por trás do loiro, e o comeria
também. Vi Bataille mexer no meu clitóris enquanto investia contra o loiro,
ao mesmo tempo que Daniel, embaixo de mim, se mexia para continuar me
comento, e só apertei os olhos. Só não gozei ali por que vi Lady Nïn se
vestir numa cinta-caralha parecida com a minha e me perguntar, com todas
as letras:
— Posso comer o seu marido?
Pelo rostinho vermelho do Lipe, a resposta era mais que óbvia.
Retardei o orgasmo o máximo que consegui só para ver a cena.
Valéria se deitou no chão, aberta para um Lipe que foi por cima, e Lady Nïn
encaixou nele, bastante lubrificada, mas sem a delicadeza que eu teria.
Lipe perdeu o compasso e o rumo de casa assim que Lady encaixou.
Enquanto Valéria se abria cada vez mais e brincava com o próprio clitóris,
Lipe estocava nela e lhe chupava o peito, mas suspirava daquele jeito lindo
dele, em sincronia com as investidas da Lady.
Eram tanto os estímulos, que para onde olhava alguém estava
gozando. Bataille gemia lindo e áspero, Daniel embaixo de mim não se
controlou, o Loiro sem nome estocava com tanta força contra mim, como se
fosse autorizado a gozar, e levava na bunda por um Bataille que não
segurou o próprio orgasmo.
Lipe caiu de cotovelos no chão, chupando os peitos de Valéria
tomando na bunda, e gozando rios. E foi ele começar a gozar que eu gozei
também.
O Loiro, coitado, foi o último a gozar, e tomava tanto tapa na cara
da Lady Nin, tanta estocada de Bataille, que quando finalmente gozou,
parecia um cavalo.
Lindo de ver, inclusive. E, quando saí de cima de Daniel, ele se
virou com aquela cara toda vermelha, me dizendo:
— Delícia a sua bunda. Agora vem de frente.
Foi o tempo de ele trocar a camisinha que sentei nele de novo.
Sentei com força, cheia de tesão outra vez, e Bataille veio na minha boca ao
mesmo tempo que o Lipe encaixou na bunda.
O loiro colocou a Lady de quatro e engatou nela de novo, mas a
Lady encaixou na Val.
Ali que os pequenos grupos viraram sete pessoas transando. Era
mão para todo lado, tanta mão em todo o meu corpo, puxando meu cabelo,
dando tapa na minha bunda, que eu fechei os olhos, gemendo muito com o
pau de Bataille na boca, e gozei de novo.
Nunca fui mulher de gozar várias, mas, ali, eu estive de parabéns.
E não fui só eu, não. Todo mundo gozou muito e todo mundo teve o
corpo beijado, fodido, lambido e acarinhado.
Se me perguntassem o meu fetiche? Pois certamente diria Gang
Bang. Com o Lipe comendo e gozando, levando na bunda e gozando,
beijando e gozando, com toda certeza.
Exauridos de qualquer força física, paramos quando todos se
cansaram. Nem Bataille tinha mais forças para nada e disse, como anfitrião
da festa, para que fôssemos para o salão.
O que não contávamos é que ele mandaria preparar uma mesa, no
centro da sala, com sete cadeiras e muita comida. Eu já tinha jantado e não
deveria ter fome, mas a verdade é que, assim que vi os pratos, minha boca
salivou.
Sentamos para comer, com Valéria na única cadeira da ponta,
Bataille ao seu lado direito, e o resto de nós sentados ao redor, mas todos
pelados e muito suados.
— Val — Bataille chamou sua atenção e todos ficamos quietos —,
depois que esses dois apareceram, cheios de problemas e inseguranças, eu
tive certeza do que queria para mim.
— É? — Ela puxou um bolinho bonito de uma das bandejas e
colocou uma perna para cima da cadeira — Tem certeza que quer desvirtuar
todo mundo que aparecer nesse bar?
Eu ri baixinho, mas depois li a cena. Aquela mesa bonita e cheia de
comida tinha um propósito.
— Também. — Ele se defendeu — Mas eles me fizeram acreditar
que dá para consertar, mesmo quando você fizer uma cagada colossal.
— Eu? — Ela riu — O rei das cagadas aqui é você!
— Hm, acho que não. — Ele continuou.
— Olha, Batatinha de uma figa, você que fica toda hora testando a
porra da minha…
— Val. — Bataille mudou o tom da conversa, se ajoelhou na frente
dela e descobriu uma bandeja que estava na frente dela o tempo todo —
Você quer casar comigo?
Valéria ficou sem fala. Olhava para a caixinha de joia à frente do
prato, olhava para ele, olhava para a cara de todo mundo, mas não
conseguia abrir a boca.
— Certo — Bataille brincou —, acho que finalmente achei um jeito
de te fazer ficar quieta.
— Você tá falando sério? — Ela perguntou com os olhos cheios
d’água.
— Se tem alguém com quem eu quero tentar isso, tem que ser você.
— Aquilo era uma lágrima no rosto do Bataille? — Quer tentar conviver e
se casar comigo? Mesmo sabendo que pode dar muita merda?
— Batatinha — Ela respondeu com a voz toda quebrada —, você
sabe o que foi o meu outro casamento, não sabe?
— E você sabe como foi o meu.
— E mesmo assim você quer se casar comigo?
— Já faz muito tempo que não existe Antônio sem Valéria, amor.
Ela não precisou dizer mais nada. Se jogou no colo do namorado,
chorando feito uma doida, cabelo para tudo quanto era lado, e encheu-lhe o
rosto de beijinhos.
— Quero! — Ela chorou — Quero, quero, quero, quero!
Olhei para o Lipe, que sorria feito um tonto, e ele piscou para mim.
Ali eu entendi que aquele era um plano dos homens. Eles se
juntaram e fizeram aquilo por um Bataille que fazia muito por cada um de
nós daquela mesa.
E, palavras do Daniel, quenga por romances e putaria que era, não
podia ter um pedido de casamento à maneira convencional.
— Abram as caixinhas na frente de vocês. — Bataille falou para
todos assim que se recompôs do pedido de casamento.
Cada um de nós abriu a pequena bandeja que sequer havíamos
reparado. Tinha uma caixinha de veludo esperando por cada um de nós.
Cinco broches diferentes, Vermelho para Lady Nïn e seu loirinho,
Azul para Lipe e eu, preto para Daniel. E os cinco broches eram feitos de
ouro, cravejados com pedras preciosas, feitos à mão por Bataille.
O broche era um nó celta que só vim saber, muito tempo depois, que
se tratava do emblema BDSM.
— Não gosto de dizer isso o tempo todo, mas essa vida de putaria e
bar me deu os melhores amigos que eu poderia ter. — Não sei como, mas
Bataille falou tudo isso chorar — Obrigado.
Mas foi só ele quem não chorou.
Agradecimentos

Esse livro é a conclusão de uma jornada que levou mais de um ano. Essa é a
terceira vez que escrevo esta história que começou em 28 de agosto de 2021
e me ajudou a atravessar uma fase da vida que não estava boa, mas eu não
sabia o por quê.

Esse livro me encontrou no momento mais instável mentalmnte, e foi ele


quem me ajudou a passar por tudo isso. Foi ele que me fez enxergar coisas
que estavam na minha cara, mas que não era capaz de ver.

Entrego este livro nas suas mãos com a mais plena certeza de que era assim
que devia ser desde o começo. Era assim que ele teria que sair de mim, com
toda a dor e sofrimento que passei, todo choro e todas as noites em claro.

Devo desculpas às minhas leitoras por todos os processos de começar, parar


e recomeçar a escrevê-lo e sei que ele era o mais aguardado da série. Sei
que quem me acompanha desde os idos de 2015 sabe o quanto o Lipe e a
Dê são importantes para mim. O quanto eu me identifico com eles.

Então esse agradecimento vai a você, leitora véia de guerra, que me viu
passar por tudo, me esperou, teve paciência comigo, ficou puta várias vezes,
detestou a primeira versão, viu o começo da segunda, e não entendeu lhufas
quando eu sumi.

Esse livro é a conclusão clara: independente de tudo e todos, é a escrita que


me salva todos os dias. É a criação de histórias que me mantém viva.

E se você tá lendo isso, Mendiga, saiba que você contribui todos os dias
para que eu permaneça aqui, escrevendo e reescrevendo, e apagando, e
editando.

Esse livro encerra um ciclo na minha vida. E agora eu estou pronta para
recomeçar.

(Mas a série não terminou, tá? Ainda falta o Dani!)

Obrigada por tudo, mais uma vez,

E espero que tenha gostado!


Clube dos Corações Quebrados
O Stage é o bar onde todos os coraçõe quebrados se encontram e, nessa
série, você encontra a história de três casais diferentes. Contém cenas de
sexo explícito, BDSM humanizado e levado a sério, confusões,
palpitações, e muitas quebras de preconceito enraizado que ninguém sabe
quem inventou, mas todo mundo tem.

Todos os Caminhos Me Levam a Ti


Ela é uma Dominatrix experiente. Ele é virgem.
Ela prefere casos de uma noite só. Ele é noivo.
Ela se apaixonou à primeira vista. Ele se recusou a acreditar no que sentia.
Ela vai colocar seu mundo abaixo. E ele também.

Leandro não procurava amor quando precisou socorrer um amigo que tinha
levado um pé na bunda. Tocou a campainha de Natália por acaso da vida.
Ela, por outro lado, viu o loirinho com cara de bom-moço e um corpo
escultural, e só conseguiu imaginar uma única coisa: seus joelhos no chão e,
de preferência, pedindo pelo amor de Deus para poder…

Só tinha um problema, Leandro era noivo. Para piorar, muito religioso. Para
piorar ainda mais, mantinha seu celibato intacto à espera do casamento.

Natália não buscava por relacionamento, mas não poderia deixar passar essa
oportunidade da vida. E você sabe que ela não deixou.

Todas as Coisas que Deixei por Ti


Ela o odiou assim que o viu.
Ele também não foi com a cara dela até vê-la no colo de seus três melhores
amigos.
Ele ofereceu dinheiro para tê-la por uma noite.
Ela o mandou pastar.
O livro 2 da série do Clube dos Corações Partidos conta a história do mais
Improvável e mais Hate To Love (famigerado cão e gato) da série inteira.
Eles não se gostam. Ele odeia o jeito como ela se veste, ela odeia o jeito
como ele a julga.
Ele é um CEO multimilionário. Ela é uma escritora falida.
Ele é um babaca. E ela não deixa por menos.

Escrito em primeira pessoa, ambos os personagens principais falam nesse


livro. E os pontos de vista, por vezes, são bem diferentes. Enquanto um
deles já está no love, o outro segue firme no hate.

O personagem principal é o Bataille, proprietário do Stage, o bar mais


fetichista de São Paulo, e tão rico tanto quanto babaca.

Valéria, por outro lado, precisa aprender o que é BDSM para seu novo
romance e, nos chats da internet, conhece Lady Nïn, a Domme mais famosa
do Stage.

É por aí que a história começa. Ela precisa aprender, mas não vai ser
Bataille a ensinar.

Até que se encontram no meio de uma sessão e não conseguem se suportar.


Pelo menos, é isso o que um deles acha.

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