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Copyright © 2022 por Caroline Andrade


A ordem das messalinas: EVA | 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados
Livro digital | Brasil
 
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são
produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
 
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma
ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos,
sem a prévia autorização por escrito do escritor, exceto no caso de breves citações incluídas em
revisões críticas e alguns outros usos não-comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.
 
Capa: Luna capas
Revisão: Gramaticalizando assessoria
Leitura crítica : Valdirene Gonçalves
Diagramação: Mellody Ryu

O artigo 184 do Código Penal tipificava como crime, apenado com detenção de 3 (três) meses a 1
(hum) ano, ou multa, a violação de direito de autor que não tivesse como intuito a obtenção de lucro
com a reprodução da obra intelectual protegida.
Sumário
AVISO DA AUTORA
SINOPSE
PLAYLIST
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Ramsés de Naca
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 1
O jardim do Éden
Eva Fishie
Tempo atual
CAPÍTULO 2
A pecadora inocente
Eva Fishie
CAPÍTULO 3
A isca
Dama Emanuelle
CAPÍTULO 4
Esqueletos no armário
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 5
O paraíso escondido de falésias
Eva Fishie
CAPÍTULO 6
A panela de bronze
Eva Fishie
CAPÍTULO 7
Trovão e escuro
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 8
A fera
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 9
Trsitão e Isolda
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 10
Maçã do pecado
Eva Fishie
CAPÍTULO 11
A maldição da primeira pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 12
Demônios silenciosos
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 13
A pecadora e a serpente
Eva Fishie
CAPÍTULO 14
A maçã podre
Nolan
Camaleoa
CAPÍTULO 15
Pequena pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 16
A intuição da serpente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 17
Meus olhos
Seita Gregovivk
CAPÍTULO 18
Pecadora inocente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 19
Messalina
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 20
O pecado de Herodias
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 21
A desfiguração da alma
Eva Fishie
CAPÍTULO 22
A lei do mais forte
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 23
Tempo de carnificina
Sieta Gregovivk
CAPÍTULO 24
Livre
Eva Fishie
CAPÍTULO 25
SODOMA
Oliver Pellegrini
Hector Pellegrini
EPÍLOGO
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 1
Purgatório de Mical
Seita Gregovivk
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS
Outras obras:
Únicos

 
 
AVISO DA AUTORA

 
 
Eva é o segundo livro da série A Ordem das Messalinas, e contará a
história de Hector Pellegrini e Eva Fishie. Ele, um dos conselheiros de
Sodoma, mas depois de um grave acidente ficou recluso e se afastou de
tudo. Sua primeira aparição foi em Salomé, o livro um de A Ordem das
Messalinas. Ela, um dos presentes de Elite, que os conselheiros de Sodoma
buscam.
Mesmo sendo uma série, cada livro será protagonizado por um casal
diferente. Ainda assim, o livro posterior provavelmente conterá spoilers dos
anteriores, então se quiser compreender um pouco mais sobre a criação da
Ordem das Messalinas, sugiro que leia SODOMA E GOMORRA.
Eu amei escrever essa história e espero que apreciem também.
 
Um beijo carinhoso e boa leitura,
Caroline Andrade
SINOPSE

 
A busca de Sodoma pelas Messalinas está mais acirrada, agora que
descobriram que os presentes de Elite são as filhas de Mina, a primeira
submissa alfa, e que entre o conselho de Sodoma existe um traidor. Eva foi
deixada por Freire, sua madrinha, em um colégio interno por grande parte
da sua vida. Sempre silenciosa, tímida e curiosa, não possui nenhum
discernimento do real motivo que levou Freire a deixá-la escondida por
tantos anos, e qual seria o seu fim. Mas o destino tem outros planos para a
pequena Messalina, com o codinome de Herodias. A descoberta da
existência de Eva acarretará o despertar de demônios há muito tempo
escondidos na sombra, com sede de vingança, ansiando por justiça. Hector
Pellegrini retornará à Sodoma trazendo todo caos sobre seu maior inimigo,
Oliver Pellegrini, seu pai. Mas uma pequena faísca acenderá uma paixão
avassaladora no coração do amargo homem, que há muitos anos traz apenas
rancor e raiva em seu peito, quando a silenciosa Eva o cativar com sua alma
submissa.
AVISO DE ROMANCE DARK. NÃO RECOMENDADO PARA
LEITORES SENSÍVEIS. CONTÉM CENAS DE VIOLÊNCIA, SEXO,
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, TORTURA, AUTOFLAGELAÇÃO,
TRICOTILOFAGIA, CAPACITISMO COM PcD E LINGUAJAR
INAPROPRIADO PARA MENORES DE 18 ANOS. PODE ACIONAR
GATILHOS EMOCIONAIS.
 
PLAYLIST

 
Para ouvir a playlist de A ORDEM DAS MESSALINAS, basta clicar
abaixo:
https://open.spotify.com/playlist/53kDvGy2wG0kowsI2qHtUS?
si=d36cc613824646c1
INTRODUÇÃO

 
Já dizia Friedrich Nietzsche: “na vingança e no amor, a mulher é
mais bárbara do que o homem”. E Valéria Hans interpretou literalmente, ao
se vingar do seu ex-marido, um conselheiro de Sodoma, corrompendo o que
ele mais amava, sua preciosa submissa. Ela criou uma era de submissas
alfas, deturpando suas almas e destruindo suas infâncias. Jovens foram
retiradas dos seus lares, sendo entregues ao orfanato, criadas e educadas
como animais obedientes, aprendendo a serem a mais perfeita raça de
submissas, as quais seriam vendidas e entregues aos mestres[1] que pagassem
o maior valor pelo poder da posse sobre as jovens mulheres e rapazes
denominados como A Ordem das Messalinas. Mas Sodoma descobriu os
planos de Valéria, conseguindo quebrar a roda de poder e submissão de
crueldade que ela tinha criado, resgatando as crianças do orfanato.
Só que três produtos de Elite, Messalinas em fase adulta, já
educadas e prontas para servirem aos seus senhores, tinham sido entregues
aos seus compradores. Mulheres condenadas a se submeterem a um único
mestre. Os conselheiros de Sodoma saíram à caça, tentando descobrir qual
destino cada jovem tinha tomado, mas Valéria havia pregado uma peça, ao
dar códigos a cada uma das Messalinas, as tornando mulheres pecadoras,
igualmente como elas tinham sido criadas para ser. Salomé, Herodias e
Mical, três mulheres pecadoras, com almas impuras e com seus destinos
profetizados.
PRÓLOGO

 
Ramsés de Naca
 
Mônaco – Sul da França
 
— Salaam Aleikum![2] — Toco o centro da minha testa e estico meu
braço lentamente, cumprimentando meu anfitrião, que mantém sua postura
aristocrata e apenas balança sua cabeça em positivo.
— Por que presumo que a vinda de Ramsés de Naca[3] à França, não
foi uma mera obra do acaso? — O som baixo do batuque latente dos seus
dedos, que tamborilam a mesa, se faz, enquanto ele me dá um olhar
intrigado.
— Talvez porque não exista obra do acaso nessa vida, caro jovem
Pellegrini. — Sorrio para ele e levo minhas mãos ao bolso.
 Giro meu rosto para a janela grande e aberta da sala do hotel, onde
consigo ter a perfeita visão de Stella[4], que sorri, tomando seu café da
manhã e observando o jardim francês, conversando com Amina. O pátio foi
esvaziado, ficando restrito apenas para ela e os seguranças que fazem sua
guarda.
— Mas confesso que fiquei mais curioso do que preocupado,
quando fui informado que Ramsés de Naca, um dos conselheiros de
Sodoma, estava atrás de mim, com mais de quarenta mercenários armados.
— O tom irônico da sua voz me faz voltar meus olhos para o homem
sombrio, sentado na poltrona, com suas pernas cruzadas. — Admito que me
senti ofendido, minha reputação é tão baixa assim que precisa apenas de
quarenta homens...
Hector Pellegrini sorri para mim de forma fria e balança lentamente
a ponta do seu pé. Meus olhos desviam dos seus para o homem de pé, atrás
dele, em sua roupa impecavelmente engomada, como um cavalheiro
aristocrata, que enganaria perfeitamente bem ao lado do seu lorde, se não
fosse pelo pequeno dossiê que eu tinha levantado de seus passos. Edmundo
Latore, conhecido como um dos melhores assassinos de aluguel da década
de 80, que aterrorizou a Europa inteira, deixando um banho de sangue por
onde ele passava, braço direito de Gusto Pellegrini, e manteve sua lealdade
à linhagem de Gusto, ficando fiel ao seu neto, Hector Pellegrini.
Sabia que no segundo que o meu jato aterrissasse na França, Hector
teria conhecimento da minha chegada e viria pessoalmente atrás de mim.
Não tinha sido apenas o cão leal do seu avô que Hector tinha herdado, mas
também os trabalhos sujos do submundo da França. Ele é conhecido por ser
implacável com seus inimigos e, atualmente, o chefe do maior narcotráfico
da Europa. Hector tinha alavancado o mundo do crime quando sua mente
com Q.I. alto ficou à frente dos negócios da família, eximindo sua
concorrência e não deixando uma alma viva que fosse. Hector chegou
rápido ao topo mais alto da cadeia alimentar do submundo das drogas,
ficando longe demais de qualquer um que pudesse ser uma ameaça, tendo a
polícia inteira da Europa e da América do Norte e Central comendo na
palma da sua mão. Seu avô havia instruído muito bem seu pequeno pupilo.
Não me admira que Gusto escolheu seu neto para ficar no seu lugar
dentro de Sodoma, ao invés de seu filho, Oliver. Hector é pragmático,
detalhista e completamente frio, praticamente um corpo humano sem alma
ou coração. Transporta sua cocaína em forma líquida, dentro de garrafas de
champanhe, abrindo novas rotas e comercializando para o mundo todo, um
gênio do tráfico. Sem face, sem pontas soltas que o ligue à rede de
narcotráfico, que poucos conhecem. Você não encontra Hector Pellegrini, a
menos que ele queira ser encontrado. E eu sabia que quarenta mercenários
armados, chamaria, e muito, a atenção de Hector.
— Na verdade, os quarenta homens eram só uma distração — o
respondo calmo, caminhando para perto dele e me sentando na poltrona à
sua frente. — O que me fez vim foi outra coisa.
— Sei porque está aqui, Ramsés, e lhe digo que não me interessa. —
Ele inclina sua cabeça para o lado e solta o ar pela sua boca lentamente. —
Não tenho planos de assumir minha cadeira no conselho de Sodoma. —
Hector estende sua mão para a lateral da poltrona e fica de pé.
Rapidamente, Edmundo se move, parando ao seu lado e lhe
entregando uma bengala negra, com a cabeça de uma cobra. Hector prende
seus dedos nela, se apoiando para conseguir se manter de pé.
— Como pode ver, não possuo mais a mesma mobilidade de outrora
— Hector responde sério e bate a ponta da bengala no chão. — E nem
desejo pelo que Sodoma fornece, eu mesmo já lido com meus demônios.
— Mas existe um demônio em especial, que você ambiciona. —
Solto as palavras lentamente, o encarando.
— A menos que ele interfira no meu caminho, não me interesso por
ele. — A risada fria escapa por seus lábios, enquanto ele caminha lento pela
sala. — Se veio atrás de mim para encontrar algo para usar contra Oliver,
lhe aconselho a pesquisar sua vida. Vá por mim, não vai precisar de muito
para encontrar, meu pai sempre deixa rastro de desgraça por onde passa.
— Eu já encontrei — respondo, baixo, e me levanto, caminhando na
direção da janela. Paro perto dela e dou uma rápida olhada em meu Corcel,
antes de encarar Hector.
Os olhos azuis como gelo ficam intrigados, olhando de mim para a
janela, antes dele caminhar lentamente e com curiosidade para onde estou.
— Sir[5]. — Edmundo dá um passo à frente quando Hector se
aproxima da janela, mas é parado pela mão de Hector, que se levanta e fica
parada no ar, lhe dando uma ordem para ficar onde está.
Dou um passo para o lado, o deixando ver meu pequeno Corcel, que
sorri ainda mais alegre quando um pássaro voa perto dela. Stella, como se
soubesse que está sendo observada, vira seu rosto na direção da janela,
deixando sua face ainda mais nítida aos olhos de Hector.
— Então os boatos são verdadeiros... — Hector murmura, taciturno,
a olhando. — Ramsés de Naca encontrou uma das Messalinas, e entendo
agora o porquê dos mercenários, os trouxe para proteger seu presente de
Elite.
— Sabia sobre elas? — pergunto para ele.
— Oui[6]. — Ele volta seus olhos para mim. — Não é o único que
gosta de estar um passo à frente dos seus inimigos, Ramsés. Sei de tudo que
acontece dentro de Sodoma e fora dela.
— Então julgo que não se surpreenderá se eu lhe disser quem ela é,
meu amigo.
— Uma das cobaias de Valéria e Freire, e julgo que se não tiver sido
informado errado, Morgana estava no meio disso...
— Não, está correto, meu amigo. Muito correto — falo, baixo,
olhando-o. — Mas creio que seu informante não lhe contou tudo...
 
Hector Pellegrini
 
— Ela é... — Pisco rapidamente, enquanto meus dedos se esmagam
na bengala. Encaro a jovem dispersa do meu olhar sobre ela, distraída no
pátio.
— Sim, ela é, Hector — o egípcio astuto me responde e solta um
baixo suspiro. — Stella é sua meia-irmã...
Fecho meus olhos, sentindo os demônios antigos se revirando dentro
do meu ser, alvoraçados pela história que Ramsés acabou de contar.
Desconfiava que sua visita não era mera cortesia. Apenas algo realmente
impactante poderia fazer o conselheiro de Sodoma vir até mim. Mas fui
pego completamente de surpresa ao saber sobre a existência do pequeno
laço de sangue que foi feito de forma abominável pelo meu odioso pai.
— Se quiser, posso trazê-la aqui, para você a conhecer...
— Não! — Viro e fico de costas para a janela, enquanto respiro
rápido, esmagando ainda mais minha mão na bengala. — Não devia ter
trazido ela até mim, Ramsés. — Paro meus olhos em Edmundo, que tem
sua face ainda mais perplexa do que a minha ficou ao saber da verdade do
porquê Ramsés veio para a França.
— Não trouxe ela para você, Hector, Stella é minha esposa...
Minha face encrustada de ódio se vira de volta para o egípcio no
segundo que as palavras saem dos seus lábios.
— Vem até mim com o sangue do meu sangue, a qual é a linhagem
do meu odioso pai, que desgraçou a vida dessa criança... — Dou um passo à
frente e ranjo meus dentes. — E ainda tem coragem de me dizer que se
casou com ela?! — Ramsés se mantém imóvel quando desembainho a
espada que fica embutida dentro da bengala, colando a ponta em sua
garganta. — É muito tolo ou um suicida, conselheiro de Sodoma...
Não desvio meus olhos dele quando a porta da sala é aberta por um
dos seus homens, que segura uma arma em minha direção. Edmundo já está
a poucos passos de mim, segurando a arma dele e apontando para o
segurança de Ramsés.
— Raja, abaixe sua arma! — Ramsés ergue sua mão e lhe dá a
ordem, sem quebrar seu contato de visão comigo. — Provavelmente sou um
tolo, Hector, um tolo que ama aquela mulher mais que tudo, e que seria
capaz de entrar em guerra com o mundo para mantê-la segura. Um grande
tolo que veio bater na porta do diabo para lhe contar que ele tem uma
irmã...
Ele se cala quando forço um pouco mais da lâmina contra sua
garganta, estreitando meu olhar.
— Sim, realmente é um tolo! — Dou um passo para trás e embainho
a espada, a guardando novamente no receptáculo da bengala. — Abaixe a
arma, Edmundo.
Giro meu rosto para a janela novamente, vendo o olhar gentil e
inocente, que para mim é tão familiar. Apenas um Pellegrini, em toda a
linhagem dessa amaldiçoada família, continha esse olhar gentil, o qual eu
vejo nela, meu irmão Joseph.
— O que realmente quer, Ramsés? — rosno, baixo, sentindo as
lembranças ganhando minha mente.
— Fiz uma promessa à minha esposa, Hector. — Encaro o egípcio à
minha frente. — E preciso de ajuda para cumprir. Raja, traga o dossiê.
Vejo o homem sair da sala, enquanto Ramsés se mantém imóvel,
com sua face virada para a janela, olhando a jovem no pátio.
— Sei que nesse mundo ninguém odeia mais Oliver do que você.
Mas, acima do ódio que nutre pelo seu pai, sei que herdou a honra e justiça
de seu avô, e por isso vim atrás de você...
— Não sabe o que eu herdei, Ramsés. Posso ser muito mais cruel
que o meu pai.
— Estou contando com isso, jovem Pellegrini. — Ele se vira no
segundo que seu segurança retorna para a sala. — As outras Messalinas são
filhas da mesma criança que seu pai violentou, irmãs de Stella...
— Oliver é pai delas também?
— Não. — Ramsés nega com a cabeça. — Presumo que seu
informante esqueceu de lhe contar que ele também estava lá na noite que
Valéria e Oliver destruíram a vida de Mina. — Fico em silêncio, o
encarando, vendo um pequeno sorriso frio em sua face. — Como disse, não
é o único a gostar de ficar um passo à frente dos seus inimigos.
— Adrien está no meio dessa abominação? — rosno com mais ódio,
me virando para encarar Edmundo, sabendo que o juiz de Sodoma não
viverá muito se Ramsés confirmar isso. — Ele estuprou aquela criança?
— Adrien não sabia que era uma criança naquela sala, muito menos
que participava de um estupro, e nem qual era o real motivo de Valéria o
levar para lá. — Ramsés para à minha frente e estende um envelope. — A
segunda Messalina está aqui na França, Freire a trouxe para cá, para
escondê-la do seu pai e de Valéria, mas nossa antiga amiga já tem
conhecimento da localização dela, não irá demorar para seu pai também
saber.
Abro o envelope lentamente, retirando a fotografia de uma moça
jovem com cabelos longos, como um manto negro, sentada em um jardim,
segurando um livro em suas mãos. Um sorriso idêntico ao da esposa de
Ramsés está em sua face. O tipo de criatura que meus olhos nunca olhariam
e que eu não deixaria ficar perto de mim. Parece ser uma menina, não uma
mulher.
— Quer que eu vá buscar essa menina e lhe entregue? — Ergo meus
olhos para Ramsés, ainda não entendendo o que ele realmente quer de mim.
— Não cometa o mesmo erro que eu. — Ele dá um sorriso fraco,
negando com a cabeça. — Não deixe que o que vê engane os seus olhos.
Eva pode ter a aparência de uma menina, mas ela é mais velha que Stella.
Olho novamente para a foto, estudando os traços delicados, como de
uma pequena ninfa, com olhos negros grandes e sorriso doce.
— Não posso combater Oliver e resgatar essa jovem antes que
Valéria coloque as garras nela. — Ramsés solta um suspiro, olhando a
janela novamente. — Não nesse momento, quando preciso proteger minha
esposa.
Olho para lá no segundo que Stella se levanta, o que me faz
entender as palavras de Ramsés ao ver a saliência em seu ventre.
— Está gravida... — murmuro, perdido, vendo a jovem que divide o
meu sangue acariciando sua barriga.
— Não venho atrás de Hector Pellegrini, o verdadeiro herdeiro da
cadeira de Sodoma diante do conselho. — Ramsés volta seu rosto para mim
e fala firme. — Mas sim como família, a qual agora nos une.
— Merde[7] — amaldiçoo, baixo, entregando o envelope para
Edmundo. — Ainda estou tentando processar a descoberta de uma meia-
irmã e agora descubro que além de casada com um assassino sanguinário,
conselheiro de Sodoma, o cretino colocou um filho dentro dela!
Respiro com ódio e dou as costas para ele, tendo muitas
informações sendo processadas em minha mente. A maldição do sangue
Pellegrini era para acabar junto comigo quando meus olhos se fechassem, e
sentia aprazimento em saber que pelo menos um prazer eu tive quando
acordei naquela cama de hospital, anos atrás, e soube que jamais poderia ter
um filho biológico. Não perpetuaria mais a linhagem dessa porra de família
desgraçada! Só que agora descubro que uma criatura pura, que nunca devia
ter tido ligação alguma com esse inferno, tem o meu sangue e carrega a
descendência dos Pellegrini dentro dela.
— Oliver já sabe sobre ela?
— Sim, mas não que eu sei o que ele fez. Fora eu e Czar, você é o
único conselheiro de Sodoma que tem essa informação.
Eu não sou a porra de um conselheiro, não mais. Rosno com ódio e
esmago meus dedos na bengala, sentindo aquela velha picada do desejo de
morte, de derramar o sangue do meu pai, enquanto o vejo agonizando à
minha frente, por ter amaldiçoado a minha vida. Mas não foi só a minha
que sua maldade atingiu.
— Preciso de ajuda, Hector. — Ramsés mantém o tom de voz baixo,
falando enérgico ao meu lado. — Que chegue até a jovem Eva, a segunda
Messalina, antes de Valéria, e, principalmente, antes do seu pai.
— Por que meu pai a quer tanto? — Viro meu rosto e o encaro,
sabendo que Ramsés não me disse tudo. — Por que entre as três, seria atrás
dela que iria, já que pelo que entendi, ele não deseja que Sodoma busque
pelas moças?
Ramsés respira fundo, tendo um olhar perdido em sua face, como se
demônios antigos lhe assombrassem a mente.
— O que sabe, egípcio, que não me contou? — Dou um passo à
frente e estreito meu olhar para ele.
— Quando Raja trouxe essa foto para mim e eu a olhei... — Ele
solta o ar com pesar e leva suas mãos ao bolso. — Era como se eu tivesse
voltado no tempo, anos atrás, dentro daquele salão onde estava acontecendo
a reunião na Austrália. — Ele vira sua face para a janela, olhando sua
esposa. — Eva é a cópia viva da mãe dela. — O rosto dele gira, com seus
lábios se esmagando. — Não pude salvar Mina, mas prometi ao meu Corcel
que salvaria as irmãs dela. Por isso, Ramsés de Naca veio até você,
conselheiro de Sodoma, para pedir ajuda.
  — Não, Ramsés, o que veio pedir a mim é guerra! — Bato com
força a ponta da bengala no chão, virando minha face para Edmundo. — E
será justamente isso que vai ter.
Sua mão se ergue para sua testa e move sua cabeça lentamente para
baixo, esticando sua mão em minha direção.
— Shukra![8]
Minha mão se estica e se prende na sua, a apertando em meus dedos.
Viro meu rosto e olho uma última vez para a mulher no pátio, antes de o
encarar.
— Retorne para o deserto e a mantenha segura, egípcio — falo
lentamente, mas firme, para que ele compreenda exatamente minhas
palavras. — E tenha em mente que se fizer algo para machucá-la, o mais
leve que seja, será comigo que terá que se preocupar, e não com Oliver. Não
irei bater em sua porta com quarenta mercenários, mas sim com um
exército!
Escuto o som baixo da sua risada, enquanto ele balança sua cabeça
para os lados.
— É mais fácil Ramsés de Naca precisar de proteção contra meu
Corcel, Hector Pellegrini. — Ele solta minha mão e vira, caminhando
lentamente na direção da porta. — Quando estiver pronto para conhecê-la,
vai descobrir que não é só seu sangue que vocês têm em comum. — Ele
para perto da porta e vira sua face para mim. — Pelo menos agora, Ramsés
sabe a quem Stella puxou seu gênio desconfiado e arisco.
 O vejo partir, levando seu mercenário com ele. Fico calado e viro,
ficando de frente para a janela, olhando a mulher sorridente no pátio.
— O que seria da sua vida se não tivesse a mim para lhe
incomodar? — A face alegre e sorridente do meu irmão vira para mim,
enquanto ele fala com animação, batendo seu ombro no meu.
— Seria menos estressante — respondo sério para ele, negando com
a cabeça.
— Apenas diz isso porque sabe que, no fundo, eu sou uma versão
sua muito mais animada e feliz. — Sua mão se estica e bagunça meus
cabelos, enquanto me dá uma chave de pescoço, me incomodando, como
ele sempre costuma fazer, até tirar uma risada de mim. — Admita, Hector,
sem mim você viveria entediado, com a cara emburrada...
Fico em silêncio ao ser atingido por lembranças antigas, as quais
evito invocar, de momentos raros, onde eu ainda não sabia o que era ter o
coração consumido por ódio. Giro minha face para Edmundo, que está sério
e taciturno ao meu lado, olhando para ela, reconhecendo o mesmo olhar de
Joseph na jovem menina.
  — Prepare as coisas, partiremos em vinte minutos! — Dou a
ordem, sentenciando minha decisão.
Está na hora de uma pequena e infernal reunião de família.
CAPÍTULO 1

 
O jardim do Éden
 
Eva Fishie
 
Tempo atual
 
Nica - França
 
— Estamos longe dos olhos dos curiosos agora. — Rio quando
Nolan segura minha cintura e me faz rodar no ar.
— Não por muito tempo. — Sorrio e tombo meu rosto, olhando sua
face rosada por conta de termos corrido. — Logo, dame[9] Emanuelle irá
procurar por nós...
— Minha mãe nem vai se lembrar de você, a casa está repleta de
convidados para a festa que vai acontecer essa noite. — Ele me abaixa
lentamente, mantendo suas mãos em minha cintura, fazendo eu sentir
minhas bochechas queimarem pela forma como seus olhos me encaram. —
Queria uma chance de ficar um pouco mais com você...
Puxo o ar com força para meus pulmões e espalmo meus dedos em
seu ombro, dando um passo para trás, olhando envergonhada para o chão.
— Ficamos juntos quase todos os dias desde que cheguei aqui,
Nolan. — Viro de costas e dou um sorriso, observando as rosas do jardim
escondidas ao centro do labirinto verde. Paro meus olhos na estátua de um
anjo do tamanho de uma pessoa de verdade, perto das roseiras.
— Mas sempre com pessoas ao nosso redor, dessa vez queria ter um
tempo com você apenas para mim. — Ele dá um passo à frente, rindo
quando segura meu cabelo, o assoprando. — Não sente vontade de ficar
sozinha comigo também, Eva?
Nolan fica de frente para mim e estica sua mão, a espalmando em
minha face, alisando meus lábios com seu anelar.
— E-eu...
Mantenho meus olhos abaixados para sua camisa branca, enquanto
meu corpo se encolhe e fico mais tímida ainda, sem saber o que lhe
responder.
— Porque eu sinto. Às vezes, à noite, penso em como quero saber
qual o sabor dos seus lábios. — Ele segura meu queixo e me faz erguer
meus olhos para os seus. — Não sente vontade de ser beijada...
Eu estaria mentindo se falasse que não, porque a verdade é que eu
sinto vontade sim, mas não por ele. Se Nolan tivesse feito essa pergunta três
semanas atrás, eu teria o respondido que sim. Mas desde a chegada daquele
homem impertinente e insuportável à casa de dame Emanuelle,
pensamentos estranhos e inquietantes andam roubando minha paz. Ele é
estranho, terrivelmente rabugento e grosso. Parece que sente prazer em ficar
me infernizando a cada segundo que me vê, me encarando com seus olhos
azuis, que mais parecem duas safiras, ficando ainda mais destacados em
contraste com seus cabelos negros compridos até os ombros.
Lembro da primeira vez que o vi. Eu estava saindo da cozinha
quando me deparei com o homem esguio em seu terno negro, usando um
sobretudo preto, com a pele pálida, tão branca que parecia neve. Seus
braços estavam para trás, enquanto ele apenas balançava a cabeça em
positivo. Dame Emanuelle conversava baixo com ele, olhando para o chão.
Como se soubesse que estava sendo observado, sua cabeça se ergueu para
mim e cravou seus olhos aos meus. Eu senti os pelos da minha nuca se
arrepiarem, como se tivesse acabado de ser atingida por um raio que
inundava meu corpo de eletricidade. Uma inquietação estranha me aflorou,
não me deixando entender o porquê dele me olhar daquela forma tão
intensa. Não consegui manter contato visual com ele, e quase
imediatamente abaixei meu rosto, olhando para o chão.
— Monsieur[10] Pellegrini, me permita lhe apresentar Eva. — Ouço a
voz baixa de dame Emanuelle, enquanto ela caminha e para ao meu lado,
segurando meu ombro. — Cumprimente nosso patrono, ele ficará uns dias
aqui.
Seu sussurro é baixo perto do meu ouvido, enquanto dá um leve
aperto em meu ombro. Mantenho meus olhos abaixados, encarando o chão,
e prendo a lateral do meu vestido em meus dedos, flexionando um pouco
meus joelhos e curvando meu tórax para frente rapidinho, o
cumprimentando.
— Bem-vindo, monsieur Pellegrini... — murmuro quando endireito
meu corpo, mantendo o rosto abaixado. — Será um prazer o receber em
nossa casa.
Escuto o som de algo batendo com força no assoalho, me fazendo
encolher quando ele começa a andar. O latente batuque é contínuo, junto
com seu caminhar. O braço de dame Emanuelle solta meu ombro e ela dá
um passo para o lado. Sinto aquela sensação de eletricidade aumentar,
enquanto observo as pontas negras do seu sapato, parado a poucos
centímetros de mim. Desvio meu olhar para a bengala negra, a qual está
perto da sua perna esquerda, me deixando saber o que está fazendo
barulho enquanto ele anda. Ergo meus olhos lentamente pelo objeto,
estudando o material negro em que ele apoia sua mão, que tem a cor da
pele pálida, batendo lentamente seu dedo indicador longo na base da
bengala. Olho com interesse para a grande cabeça de uma naja prateada
com diamantes brilhantes em seus olhos. Sua outra mão se move e afasta o
sobretudo, levando a mão ao bolso da calça, enquanto mantém seus olhos
cravados em mim, fazendo eu me sentir ainda mais inquieta e sem coragem
alguma de levantar minha cabeça.
— O prazer será todo meu, mademoiselle[11] — ele responde sério,
com sua voz grossa, e solta um som baixo quando estala sua língua dentro
da boca. — Gostaria de conhecer meus aposentos, Ema.
Ainda fiquei um tempo parada, olhando para o chão, enquanto os
dois se afastavam, com dame Emanuelle o acompanhando em direção às
escadas. Ergui meu rosto em pura curiosidade depois que consegui respirar
direito, não tendo mais seus penetrantes olhos em cima de mim, sem poder
evitar minha bisbilhotice. Virei meu rosto para as escadas e o vi caminhar
de costas, usando a bengala como apoio, para subir os degraus. Seus
cabelos negros estavam penteados para trás, caindo um palmo abaixo da sua
nuca. Não parecia ser um homem tão velho para necessitar do apoio de uma
bengala, mas, ainda assim, mesmo com ela, seu andar era altivo, com
dominância. E novamente, como se soubesse que eu o estava olhando, fui
pega em flagrante quando ele chegou no topo da escada e virou seu rosto
taciturno para mim, cravando o par de olhos azuis mais gelados que eu já
vi, como se pudesse enxergar a minha alma. Com toda certeza, se eu tivesse
a pele branca, ela estaria completamente corada, porque senti meu rosto
inteiro arder de vergonha, porque nunca um homem havia me olhado
daquela forma.
A verdade, pensando bem, era que nunca, homem algum tinha
olhado para mim. Eu havia sido criada em um colégio interno de freiras
desde bebê, nunca tinha ficado perto de homens, minha madrinha achava
que minha educação seria melhor junto das freiras. Ela me visitava duas
vezes ao ano, e me contou que quando eu completasse dezenove anos, eu
iria viver com ela. Mas não foi isso que aconteceu, oito meses atrás, quando
Freire foi me buscar no colégio interno. Ela me disse que eu teria que
esperar mais um pouco para morar com ela, porque ela tinha assuntos para
resolver, e me acalmou dizendo que logo nós duas estaríamos juntas. Mas
depois que ela me trouxe para a França, me deixando aos cuidados de dame
Emanuelle, minha madrinha não voltou mais. Não que eu esteja
reclamando, pois morar com Emanuelle é muito melhor do que com as
freiras do colégio interno. Elas eram cruéis comigo e eu nunca via nada
além das paredes dos prédios.
As meninas que vivem na casa da dame Emanuelle são mais alegres
e risonhas, conversam comigo e até me contam coisas que acontecem com
elas e os rapazes. Eu também não posso sair da propriedade, nenhuma das
garotas pode, mas aqui tenho um pouco mais de liberdade do que tinha no
internato. O que mais me encantou na propriedade foi o jardim, um grande
jardim cheio de rosas, escondido dentro de um labirinto de galhas verdes. A
gente dança, conversa, lê livros, ouve música. Eu amo ouvir músicas.
Aprendemos etiquetas, dame Emanuelle diz que precisamos aprender a nos
comportar. Às vezes, a casa fica repleta de convidados, quando tem festa.
Eu nunca tinha participado de nenhuma delas, dame Emanuelle me
mandava ficar no quarto quando seus convidados chegavam, mas na
próxima festa, que vai acontecer daqui alguns dias, ela disse que eu vou
poder participar, que minha hora de ser apresentada como uma de suas
meninas tinha chegado.
Confesso que não entendi o que ela queria dizer com “como uma de
suas meninas”, mas eu gostava de finalmente na minha vida poder fazer
parte de alguma família. Sem falar em Nolan. Ele é filho de dame
Emanuelle, é alegre e sempre ri e brinca comigo. Nolan tem a minha idade,
e eu nunca tinha me aproximado de rapazes da minha idade, mas eu gosto
de conversar com Nolan, mesmo quando fico envergonhada com o jeito que
ele me olha. Mas se eu achava que Nolan me fazia sentir vergonha e
timidez, a presença do senhor Pellegrini começou a despertar outras
sensações. Era muito difícil não sentir a presença dele, pois era esmagadora,
sempre silencioso e taciturno. Às vezes, quando eu ia para o jardim, tinha a
sensação de estar sendo observada, e sempre que erguia meu rosto na
direção das janelas da casa, podia jurar que ele estava lá em uma delas,
olhando para mim. Raramente eu conversava com ele, o mais longe que
íamos era nas formalidades do dia a dia, quando nos encontrávamos nas
escadas, na cozinha ou em qualquer outro cômodo da casa.
“Bom dia, monsieur.”
“Em que posso te ajudar?”
“Precisa de alguma coisa, monsieur?”
Ele era sempre breve, me respondendo com um balançar de cabeça,
um sim ou um não. E logo se afastava de mim, como se minha presença
fosse insignificante e não valesse seu tempo. E o que começou com receio e
medo por sua presença, se transformou em birra. Na segunda semana eu o
detestava, o detestava profundamente, por ele sempre me olhar com ar de
superioridade. Odiava quando dame Emanuelle me mandava ir ao seu
quarto para trocar as roupas de cama ou levar toalhas limpas para ele. Mas
foi em uma dessas ordens, que eu fui, desgostosa, levar toalhas limpas para
seu banheiro, que minha visão sobre ele começou a ficar diferente. Freiras
não explicam muito bem sobre como funciona o sexo. Na verdade, você
aprende apenas o básico da procriação e como tudo que envolve um homem
e uma mulher pelado durante o coito, que não seja com intenção de procriar,
é pecado capital.
Estava entrando no quarto, segurando as toalhas, olhando para o
cômodo dele, o vendo meticulosamente arrumado, nem parecia que tinha
alguém usando aquele cômodo. Talvez, se eu não fosse tão curiosa, eu teria
largado as toalhas dobradas sobre a cama e me virado e saído
imediatamente no primeiro som que ouvi vindo do banheiro, ao invés de
caminhar de mansinho para perto da porta, bisbilhotando pela pequena
fresta aberta. Penso que as freiras do colégio interno rotulariam monsieur
Pellegrini como um diabo, se o vissem dentro daquele banheiro como eu vi,
pois ele era literalmente a face do pecado em carne e osso. Com seu corpo
nu, de costas para a porta, tendo o corpo de uma das garotas de dame
Emanuelle nua, colada em seu peito, enquanto esmagava sua garganta,
chocando o quadril dele no rabo dela.
Eu via seus olhos fechados e sua face retraída pelo reflexo do
espelho, enquanto ela gemia alto, com seus seios vermelhos e marcas de
mordidas. Eu não conseguia me mexer, nem sequer obrigar o meu corpo a
se virar e sair de lá. A visão brutal dos dois corpos nus se chocando com
tanta brutalidade me fazia ficar paralisada. Só que não por medo. Talvez no
início, em um primeiro momento, o medo tenha surgido, mas depois se
transformou em outra coisa, um interesse. Um interesse que me fazia olhar
com mais atenção para cada afago de mãos. Os lábios dela se morderam,
abafando um gemido quando a mão dele ergueu para o seu seio. Os
músculos das costas dele se retraíram, ficando com seus desenhos mais
delineados. O contraste dos seus cabelos negros com sua pele pálida, o
deixava com aspecto mais feroz. Eu sentia a pele da minha garganta
queimar, como se fosse em volta do meu pescoço que seus dedos estavam.
Uma quentura assolou o meu corpo, como se estivesse em uma fogueira,
sendo queimada viva.
Observei pelo reflexo do espelho a forma despudorada como a mão
dele esmagava o peito dela em seus dedos, deixando as veias da sua mão
saltadas, assim como as do braço. Cheguei a retrair minhas pernas, como se
assim pudesse diminuir a estranha sensação que fez minha vagina pulsar. O
corpo da garota foi empurrado para frente quando ele a obrigou a curvar
suas costas, com as mãos dela apoiadas na pia e sua face abaixada. Olhei
com mais interesse para o quadril dele, o vendo diminuir as investidas,
enquanto se moveu para trás, voltando forte em um único impacto, a
fazendo gemer mais alto. Meu corpo respondeu àquela visão, como se fosse
em mim que ele estivesse tocando, me fazendo morder meus lábios quando
soltei um gemido que não conseguia controlar.
Sua mão soltou um tapa forte e estalado no rabo dela, e eu arregalei
meus olhos quando minha vagina pulsou novamente, segurando com mais
força as toalhas em meus braços. Ela gemeu mais alto quando ele começou
a se mover rápido, esmagando as mãos na cintura dela. Senti o arrepio em
minha pele deixar todos os pelos do meu corpo ouriçados, e aquela
sensação do poder dos olhos dele sobre mim, o que me fez erguer meus
olhos na mesma hora para o espelho e me deparar com o par de íris safiras
cravadas em mim pelo reflexo do espelho, olhando diretamente para mim, o
espiando pela fresta da porta, mas não com raiva, como alguém poderia
ficar ao saber que tem alguém olhando, mas sim de um jeito diferente,
intenso e sombrio, como um demônio nefasto e perverso, que fazia minha
alma ambicionar os piores pecados. A luxúria queimou meu corpo e a
inveja corrompeu meu espírito por desejar estar no lugar dela.
Eu larguei as toalhas no chão, correndo para fora do quarto o mais
rápido que eu podia, sentindo meu coração disparado e meu corpo quente,
com minhas mãos suadas. Completamente eufórica e assustada com as
coisas que eu senti. Depois daquele dia, eu evitei ainda mais o ver. Pedi
para Nolan levar as toalhas para mim para o quarto de monsieur Pellegrini e
trocava a roupa de cama apenas ao fim da tarde, pois sabia que era o horário
que ele estava no escritório conversando com dame Emanuelle. Mas por
mais que eu evitasse o ver, minha mente ainda assim continuava lembrando
de cada detalhe que ela gravou. O que me fazia acordar suada no meio na
noite, com meu fôlego acelerado, minhas pernas meladas e minha vagina
pulsando, com apenas a memória dos sonhos lascivos, onde monsieur
Pellegrini me tocava igual ele tocou a garota em seu banheiro.
— Me negaria um beijo, Eva? — Nolan questiona, baixo,
aproximando seu rosto do meu lentamente, soltando meu queixo e levando
sua mão para minha cintura.
— Nolan, acho que preciso voltar — respondo rapidamente e ergo
meus dedos, os espalmando em seu peito, inclinando minhas costas para
trás, mantendo meu rosto afastado do seu.
— Não vamos demorar a menos que você queira ficar... — Estou
praticamente com minhas costas jogadas para trás, completamente
arqueada, com seu corpo se impulsionando por cima do meu.
— Nolan, e-eu... — Me calo e dou um pulinho quando sua mão me
assusta, esmagando minha bunda.
— Sua mãe está lhe procurando, jeune[12] Nolan!
Nolan e eu viramos o rosto na mesma hora, para a escultura de anjo
de gesso, quando a voz masculina fala séria. Vejo a face do homem se virar
para mim, enquanto esfrega uma maçã na manga do seu terno, encostando
na escultura. Talvez, se não fosse sua roupa negra, o deixando ainda mais
sombrio, poderia dizer que ele também era uma estátua de gesso, com os
olhos azuis de gelo. Nolan me solta, com nossos corpos se desvencilhando,
e abaixo meu rosto, alisando meu vestido com nervosismo.
— Senhor Pellegrini, não sabíamos que estava por aqui — Nolan
fala apressado, coçando sua nuca. — Eva e eu estamos apenas...
Ergo meu rosto para Nolan e vejo sua face vermelha, com sua
respiração mais agitada, olhando de mim para o homem sério e o
encarando. Olho para ele e o enxergo com seus olhos presos em mim.
— Sua mãe, agora! — Ele abre sua boca e dá uma grande mordida
na maçã vermelha, a mastigando sem pressa.
— Oh, claro... — Nolan o responde e dá uma rápida balançada de
cabeça, antes de sair correndo, me largando para trás.
Olho para o jovem que se afasta, correndo, ficando completamente
desesperada por ele ter me deixado sozinha aqui. Esmago meus dedos com
agonia na lateral do vestido e volto meus olhos para o homem sério, que
mastiga sem pressa sua maçã. Ele a deixa em cima da mão do anjo de
gesso, que está esticada, dando a impressão de que a estátua me oferece a
fruta. Retorno a olhar para ele e o vejo retirar a bengala debaixo do braço, a
girando no ar antes de a deixar estacada no chão, com as duas mãos dele a
segurando na frente do corpo.
— Está um pouco tarde para um passeio no jardim, não acha,
mademoiselle? — Sua sobrancelha negra esquerda se arqueia quando ele
me faz a pergunta, passando seus olhos pelo meu vestido branco. —
Principalmente acompanhada do jovem Nolan...
— A gente estava apenas... — Me calo, sentindo as palavras
morrerem em minha boca quando seus olhos se erguem para os meus e me
encara com intensidade. — Sim, monsieur. — Apenas concordo com ele,
abaixando meu rosto novamente. — E-eu... devo entrar agora.
Começo a andar rapidinho, para poder me afastar dele, mas sou
bloqueada pela bengala que se ergue, parando de frente com minhas pernas.
Giro meu rosto e olho para ele, respirando apressada. Sua face se move
lentamente e para seus olhos nos meus, como se soubesse que nos últimos
dias eu estava sendo atormentada por sonhos pecaminosos, onde ele é o
personagem principal. Meus olhos teimosos e desobedientes ficam presos
em sua boca, imaginando se eu repeliria ser beijada por seus lábios, como
eu não desejei os de Nolan.
— Não deveria olhar assim para um homem, Eva. — Sua voz é
perigosa e baixa. — Se não deseja que ele lhe beije, como fez com o pobre
Nolan.
— Mas não fiz nada, monsieur — murmuro, prestando atenção nos
movimentos rápidos do pomo de adão em sua garganta. — Nolan e eu
estávamos apenas conversando...
Sinto o cheiro marcante do seu perfume almiscarado entrar em
minhas narinas, reparando ainda mais nele do que eu reparei no primeiro
dia.
— Julgo que era uma conversa um pouco mais íntima que ele
desejava ter, tanto que creio que ele não lhe deixaria sair daqui sem ter o
que queria, se eu não o tivesse interrompido. — Sua voz é severa, como se
estivesse me dando uma bronca por ter incitado Nolan a me beijar, mas eu
não fiz isso.
Pisco rápido, precisando parar com o que quer que seja que esteja
atacando meu corpo, me fazendo ficar hipnotizada nele.
— Nolan jamais me obrigaria a nada — falo, baixo, negando com a
cabeça e girando meu rosto para frente. — E mesmo se tentasse, eu sei me
defender.
Tento falar com bravura, mesmo me sentindo acovardada por sua
presença, olhando altiva para o jardim.
— E como seria? — Viro meu rosto para ele e vejo um sorriso
cínico em seus lábios, com seus olhos me estudando. — Conte-me, pequena
Eva, como se defenderia...
— Bom, e-eu... — Calo e abaixo meu rosto, não suportando ver seus
olhos azuis caçoando de mim. — Daria um jeito — falo irritada, desejando
poder sair logo de perto dele. — Se me der licença, eu preciso entrar
agora...
Estico meu braço para afastar a porcaria da bengala, mas sua mão é
mais rápida quando segura meu braço e me puxa para perto dele.
— O que... o que pensa que está fazendo...
— Dê um jeito! — Seus olhos azuis brilham mais forte, ficando
mais intensos, com os olhos dele presos aos meus. — Se liberte.
— Não... não... — Nego com a cabeça e arregalo meus olhos,
ficando entre um misto de medo e euforia.
Sinto sua mão prender com mais força meu braço com a outra, que
segura a bengala, travando minhas costas e me mantendo presa a ele.
— Acabou de dizer que daria um jeito de impedir o jovem Nolan,
agora quero que me impeça...
Fico ainda mais nervosa, respirando depressa, não entendendo
porque ele está fazendo isso. Estávamos falando de Nolan, não dele. Nolan
é magro e baixo, quase da minha altura, não um homem duas vezes maior
do que eu.
— Monsieur, me solte, por favor... — Meus dedos se erguem e
espalmo-os em seu peito, sentindo meu coração bater mais depressa e
olhando assustada para ele.
— Me impeça, Eva, ou irei lhe beijar! — Sua cabeça se inclina e ele
a aproxima da minha quando se abaixa.
Mas não com agressividade e de um jeito atrapalhado, como Nolan
fez, mas de forma perigosa, quase como se fosse uma cobra, uma cobra
traiçoeira com olhar hipnótico, que enfeitiça sua presa antes do bote.
— Monsieur... — Eu não sei como o fazer parar, não porque eu
quero, mas porque eu não tenho forças para resistir a desejar, mesmo
sabendo dentro de mim, no íntimo, que não deveria.
— Me impeça... — Minha pele queima quando sinto sua respiração
quente causando tanta euforia em meu corpo, a qual eu nunca tive.
Sinto tremores estranhos em minhas pernas, que ficam moles e
gelatinosas, sem consistência alguma para fugir, e me fazem segurar com
mais força em seu terno. Anseio que ele me beije, porque eu não o
impediria. Sinto o aroma de maçã sair dos seus lábios, me dando a sensação
que estou prestes a morder a fruta, de tão delicioso que é. Sua mão em meu
braço se solta, com ele trilhando a lateral do meu corpo, subindo por minhas
costas lentamente, como se estivesse me despertando, despertando meu
corpo de um longo sono. Fecho meus olhos e entreabro meus lábios,
respirando mais rápido quando seus dedos se embrenham em meus cabelos,
de forma sorrateira, me fazendo experimentar um prazer novo em senti-los
sendo tocados por suas mãos, causando arrepios pelo meu corpo inteiro.
— Impeça-me, Eva... — Ouço sua voz rouca, tão distante, se
infiltrando na nuvem de delírio lascivo que me consome.
Um gemido escapa dos meus lábios e meu fôlego fica mais rápido
quando seus dentes raspam em meu queixo. Ele me tenta, me faz conhecer
pecados que até então, para minha alma, eram desconhecidos. Meus olhos
se abrem quando ele se afasta, me fazendo olhar perdida para ele, com meus
olhos molengas, assim como o resto do meu corpo, me sentindo queimando.
— Não deveria olhar assim para um homem, Eva. — Ele cerra sua
boca e a esmaga com força, como se estivesse com raiva.
— Assim como, monsieur? — As palavras saem arrastadas da
minha boca, enquanto meus olhos caem para seus lábios, sentindo seus
dedos mantendo a carícia em meus cabelos.
— Prometendo aceitar os piores pecados.
A fina camada de raciocínio que ainda podia existir em minha mente
é rompida no segundo que sua boca se choca com a minha, e ele a esmaga
forte, me presenteando com meu primeiro beijo. Acho que nunca pensei que
seria assim, esmagador e brutal, como se estivesse sendo castigada, mas ao
mesmo tempo como se me entregasse tudo. O sabor de maçã dos seus
lábios me faz o desejar mais, me deixando entregue ao beijo pecaminoso,
como se estivesse selando um pacto com o diabo em pessoa, corrompendo a
minha alma e sendo abraçada pela escuridão, sedutora e envolvente,
impiedosa, com sua mão soltando meus cabelos e esmagando minha cintura
em seus dedos, com força.
Gemo entre seus lábios e sinto a pontada de dor se misturar ao
prazer. Me agarro mais forte a ele, segurando com desespero seu terno,
sentindo seu tórax esmagar meu peito, chocando contra sua cintura. O
volume dentro da sua calça raspa sobre a frente do meu vestido e me
assusta, e mordo sua boca sem querer, o que me faz o empurrar para me
soltar, pulando para trás, olhando nervosa para ele enquanto respiro
depressa. Vejo sua mão se erguer e passar por seus lábios, retirando a
pequena gota de sangue da sua boca, onde eu mordi, olhando para ela com
interesse. Ele deixa um sorriso frio esboçar em seus lábios quando ergue
sua cabeça para mim e dá um passo em minha direção, o que me faz dar
dois para trás na mesma hora. Tropeço em meus pés, causando assim minha
queda, me levando a cair de bunda no chão.
— Tome isso como sua primeira lição, mademoiselle Eva! — Ele
apoia sua bengala no chão e retira a maçã da mão da estátua, a jogando para
mim, a fazendo cair em cima do vestido entre minhas pernas.
Abaixo meu rosto para a maçã e a vejo mordida, e em seguida ergo
meu rosto para ele. Mas o diabólico homem já está de costas, se afastando
de mim enquanto assobia, cantarolando. Fico perdida, caída de bunda na
grama, abaixando meus olhos para a maçã e a pegando lentamente,
observando a marca dos seus dentes gravada nela.
— Primeira lição do quê? — murmuro, confusa, e ergo meus olhos
para a estátua, que me faz ter a sensação de estar me olhando como se eu
tivesse feito algo que não deveria. Desvio meus olhos dela e ergo meu dedo
para minha boca, ainda sentindo meus lábios inchados e o gosto de maçã do
beijo dele no meu paladar. — O que você foi fazer, Eva?!
CAPÍTULO 2

 
A pecadora inocente
 
Eva Fishie
 
— Mantenha sua mente ligada à dor, Eva. — A voz baixa da
madrinha soa séria, enquanto me olha e cerra seu maxilar. — Estique sua
mão novamente.
Ela abaixa sua face para minhas mãos trêmulas quando eu lhe
obedeço. As mesmas estão queimando, por conta da força que ela desferiu
o pedaço de madeira lisa contra elas.
— Não pense mais nisso, se concentre apenas na dor.
Meu rosto molhado pelas lágrimas se retrai e choro, mordendo
minha boca ao receber o impacto da madeira com força na palma da
minha mão.
— Não pense mais nisso, apenas sinta a dor silenciando toda sua
mente, Eva...
Balanço minha cabeça em positivo para ela e soluço, encolhendo
meu corpo. Meus olhos se fecham e me preparo para receber outra
palmada com a madeira em cima das minhas mãos.
Inalo o ar mais depressa, arranhando meu braço com minhas unhas,
enquanto ouço a voz da minha madrinha martelando dentro da minha
mente.
— Não estou me sentindo confortável com essa roupa, dame
Emanuelle. — Meu corpo se torce para a esquerda, enquanto tento puxar a
barra da saia curta, a qual me faz ficar ainda mais nervosa a cada segundo
que olho para ela em meu corpo, no reflexo do espelho. — Eu poderia usar
um dos meus vestidos...
— Non! — Ela solta um tapinha em minha mão. — Agora pare de
ficar se contorcendo desse jeito, antes que amasse toda a roupa...
— Mas que roupa? — Repuxo meu nariz e nego com a cabeça, não
vendo como isso que ela me fez vestir pode ser chamado de roupa.
A saia dourada, cheia de lantejoulas, parece ser do mesmo tamanho
do top branco que cobre os meus seios. Nunca tinha visto tanta parte do
meu corpo à mostra como está agora. Me sinto ainda mais angustiada com
as coisas que ela passou no meu rosto, me enchendo de maquiagem.
— Acho que não quero ir para a festa... — Viro e a olho de costas
para mim, perto da penteadeira, pegando um frasco de perfume. — Não
quero sair do quarto com essa roupa...
Tento dar um passo em sua direção, mas sinto minhas pernas
ficarem bambas, o que me faz acreditar que vou cair a qualquer momento
por conta do salto alto.
— Pare de besteira, Eva. Passei horas para lhe arrumar, mon cher[13].
— Ela se vira e borrifa o perfume na direção da minha face, me fazendo
tossir por conta do seu odor extremamente doce, que faz meu estômago
ficar embrulhado. — Sorria para todos e transite pelo salão.
Ela guarda o perfume rapidamente e caminha para mim, passando
suas mãos em meus cabelos, para que eles fiquem soltos.
— Tinha certeza de que eles lisos ficariam ainda mais belos em
você. — Ela ri e dá um peteleco em meu nariz, me virando para ficar de
frente para o espelho novamente.
— Gosto dos meus cabelos como eles são... — murmuro, chateada,
olhando meus cabelos lisos, que parecem ser ainda mais longos, com o
comprimento deles passando da minha cintura.
Eu não me reconheço, em nada. E não gosto do que eu estou vendo.
Essa mulher com suas pernas de fora, barriga desnuda e com os seios
espremidos em um top branco e salto alto, não sou eu. Me sinto bem com
minhas roupas, não entendo por que dame Emanuelle não me deixou usar
meus vestidos, eles são bonitos e com comprimentos adequados até minhas
canelas, mas isso... Isso que estou vestindo é o oposto do que eu uso, tem
mais pele nua do que tecido me cobrindo. Sinto uma tristeza me pegar,
enquanto meus ombros se encolhem e olho para o chão. Não quero parecer
ingrata e lhe deixar chateada, por eu não ter gostado da roupa que ela me
deu.
— Sorriso belo e queixo erguido.
Emanuelle segura meu queixo e me faz erguer a cabeça, olhando
para ela pelo reflexo do espelho, que está atrás de mim, com seu queixo
apoiado em meu ombro, me dando um sorriso carinhoso.
— Com uma beleza dessa, poderia ficar banhada em ouro. Un
gâchis — ela murmura e nega com a cabeça ao se afastar.
[14]

— O que é um desperdício?
— Nada, apenas pensando alto... — Ela me vira lentamente e me dá
mais uma olhada, antes de soltar um suspiro. — Quero que me acompanhe,
Eva, pelo menos olhe a festa. Se achar que não gosta, então saberei que
tomei a decisão correta.
Emanuelle vira e anda para a porta do quarto, abrindo-a e apontando
para fora, me deixando perdida com suas palavras. Não entendo a qual
decisão ela se refere. Caminho lentamente e olho para os meus pés, rezando
para não tropeçar enquanto ando devagar.
— Venha, pequena, ou ficaremos velhas aqui, até você conseguir
sair desse quarto... — Emanuelle solta uma grande gargalhada e me segura
pelo braço, me fazendo andar ao seu lado.
A única vantagem de ter me arrumado no quarto dela, é que pelo
menos consegui escapar das escadas. Com toda certeza, eu quebraria meu
pescoço se tentasse descê-las usando esse salto alto. Escuto o som de
música alta, que toca pelo corredor, ficando mais intenso conforme ela nos
conduz. A risada das meninas estão mais alegres do que de costume, até os
cheiros estão mais estranhos, são de bebida e tabaco. Uso meu outro braço
para manter a saia presa no lugar pela minha mão que a segura com força,
para não subir.
— C’est parfait[15], não precisa ficar assim... — ela fala, rindo para
mim quando vê o nervosismo ainda mais estampado em minha face quando
nos aproximamos das grandes portas do salão, de onde a música alta vem.
— Não estou te levando para a forca, apenas desejo saber qual será seu
destino...
— Se pudesse vestir minhas próprias roupas, acho que me sentiria
melhor. — Respiro fundo e sinto meus dedos suados. A angústia vai
aumentando cada vez mais, conforme vou andando em cima desse troço
alto. — E não preciso usar isso para saber meu destino, dame Emanuelle,
madrinha vai vir me buscar... Ela ficaria muito brava se me visse usando
isso.
Seu riso morre e ela olha para mim pensativa, respirando fundo.
Seus olhos se fecham e ela nega com a cabeça.
— Freire não está aqui para decidir seu destino. Pelo contrário, ela
lhe deixou comigo para que eu fizesse isso. — Emanuelle abre seus olhos e
os deixa presos aos meus. — Às vezes penso: por que Deus deixou uma
criatura como você parar nas mãos de Freire? E então percebo que pior do
que ela, foi eu, por ter aceitado lhe recolher.
— Madrinha nunca foi ruim para mim... — Nego com a cabeça, não
entendendo por que ela está falando assim, com tanto ressentimento, de
Freire. — Ela cuidou de mim quando minha mãe morreu...
— Cieux.[16] — Ela ergue suas mãos para suas têmporas, as coçando.
— Da mesma forma que sua ingenuidade é uma bênção, também é sua
ruína, Eva.
Ela solta um longo suspiro e balança a cabeça para os lados, me
deixando confusa com suas palavras. Emanuelle abaixa suas mãos e vira
seu rosto para a porta, estufando seu peito para frente.
— Iremos conversar, mas só depois que entrarmos nesse salão. —
Emanuelle solta meu braço e dá um passo à frente, abrindo as portas e
sorrindo alegremente. — Bonne nuit mes chers.[17]
Ouço sua voz alegre saudando as pessoas lá dentro, enquanto ela
caminha para o interior do salão. Emanuelle para logo à frente e se vira para
mim, esticando sua mão e a balançando no ar, me chamando.
— Venha, mon cher! — Esfrego as palmas das minhas mãos na
lateral da minha perna com força, respirando mais angustiada e sentindo
meu coração disparado, como se algo dentro de mim me avisasse que eu
não vou gostar do que tem aí dentro.
Ando lentamente, dando um passo de cada vez, sentindo minhas
pernas pesadas e o ar entrando com mais dificuldade em meus pulmões,
pelo nervosismo que vai ficando ainda mais forte. Os odores de tabaco, que
se misturam a perfumes enjoativos, ficam mais intensos, me fazendo ficar
ainda mais enjoada. A música alta que tocava, se silencia, fazendo o lugar
cair em um grande silêncio esmagador. Sinto como se estivesse sendo
engolida, engolida por um monte de pares de olhos fixados em mim.
Homens de várias etnias, espalhados pelo salão, estão com suas
faces voltadas para mim. As garotas que vivem aqui estão sérias. Algumas
estão sentadas em seus colos, outras os abraçando de um jeito íntimo,
algumas me olham com melancolia, e outras parecem sentir raiva de mim.
Fico ainda mais nervosa, enquanto respiro com desespero, olhando tudo. As
roupas curtas delas são ainda mais promíscuas que as minhas. Sinto como
se estivesse em um zoológico, onde todos olham para o animal que está
quase extinto preso na gaiola. Mas, nesse cenário, eu não sou os visitantes
do zoológico, mas sim o animal.
Minhas pernas estão trêmulas e meu corpo frio transpira. Viro meu
rosto e passo meus olhos pela face de todos, me sentindo uma mercadoria
exposta, sendo avaliada com grande interesse, causando burburinhos e
olhares lascivos. Minhas vistas queimam, com lágrimas brotando em meus
olhos enquanto sinto medo.
— Mon cher, venha... — Emanuelle balança sua mão e a estica para
mim, me fazendo olhar para ela. Minha atenção recai para seus dedos, que
me chamam para segurá-los. — Precisa vir, se quiser fazer parte da
família...
— E-eu... — Minha voz está presa, como se não conseguisse sair,
tendo apenas o pavor me consumindo. Respiro mais rápido e sinto o dobro
de medo. Minhas unhas se movem e arranham meu pulso lentamente,
enquanto tento focar minha mente na dor e não em todos essas pessoas me
encarando.
E entre todos os olhares que me causam medo, sinto a força de um
olhar se destacando entre eles. Ergo minha face e olho por cima do ombro
de Emanuelle, vendo o homem silencioso com seu terno negro ao fundo do
salão, com seus cabelos negros e longos penteados para trás, apoiando sua
mão na bengala, que está à frente do seu corpo. Os olhos azuis e frios estão
cravados em mim, como se ele pudesse rasgar a minha alma. Seu maxilar se
esmaga, com sua face completamente sombria, como uma escultura de
gesso zangada, me encarando entre os convidados como um anjo negro, me
dando o pior dos olhares entre todos aqui. Esse é o mesmo que ele me
destina desde que chegou aqui, sempre que me vê.
— Eva, segura minha mão... — Desvio meus olhos dos seus para
Emanuelle, abraçando meu corpo e me encolhendo, como se eu pudesse
tapar as partes do meu corpo de fora, para que eles parem de olhar para
mim. — Eva, venha!
Sinto a quentura das lágrimas que escorrem por minhas bochechas,
enquanto abaixo meu rosto e nego com a cabeça, andando para trás.
— Não quero... não quero ficar aqui — falo, soluçando, movendo a
cabeça, me virando na mesma hora e saindo para fora da porta do salão.
Tento correr em direção à escada, mas desequilibro na porcaria do
salto alto e caio no chão, o que me faz chorar ainda mais, desejando que
minha madrinha viesse me buscar, que me levasse embora daqui. Arrasto
minha perna e deposito meu queixo em meu joelho, chorando enquanto
retiro as sandálias dos meus pés, sentindo dor no meu tornozelo direito.
Ergo minha mão e limpo as lágrimas das minhas bochechas, fungando
baixinho. O som do batuque, o qual eu reconheço, da bengala batendo no
chão, se aproximando de mim, faz eu me encolher e abraçar minhas pernas,
como se fosse uma criança assustada.
Assim que o brilho dos bicos dos seus sapatos lustrados param perto
de mim, fecho meus olhos e os aperto com força. Viro meu rosto de
mansinho, enquanto eu choro, abrindo os olhos e encontrando sua face
voltada para mim, me encarando. Seus olhos azuis estão ainda mais frios. O
vejo inclinar lentamente seu rosto para o lado, parando seus olhos em meu
tornozelo, com sua boca cerrando. Ele troca a bengala de mão, a usando
para se apoiar quando suas pernas se flexionam, com ele se agachando perto
de mim. Choro ainda mais, me sentindo uma mulher promíscua quando seu
olhar se ergue para minhas pernas desnudas. Seus dedos se esmagam com
força na cabeça da cobra, a cada canto do meu corpo que seus olhos tocam,
até ter seu olhar glacial preso ao meu. Se pensava que ele me via como uma
doença contagiosa, agora tenho certeza, porque é apenas repúdio que tem
em seu olhar.
— Que desastre! — Emanuelle sai do grande salão fechando a porta
atrás dela, enquanto respira fundo e resmunga. — Não pensei que ela se
assustaria...
— Leve-a para o quarto e retire isso tudo que fez com ela! — ele
rosna, baixo, de forma agressiva, enquanto mantém seus olhos nos meus. —
Agora.
— Bom, ninguém pode dizer que eu não tentei. — Emanuelle me
olha com decepção e balança a cabeça para os lados. — Vem, mon cher.
Vamos limpar esse rostinho, não foi minha intenção lhe assustar...
— Partiremos em quinze minutos, arrume suas coisas. — Pisco
rapidamente, olhando para o estranho homem que se levanta, ficando de pé
ao meu lado e me encarando.
— Partiremos? — Fungo, baixinho, e limpo meu rosto, sem
entender o que ele quer dizer com isso.
— Eva, seu lugar não é aqui, não posso mais permitir que fique
nessa casa... — Emanuelle fala lentamente as palavras, enquanto me olha
com tristeza. — Monsieur Pellegrini vai cuidar de você. Oui[18], será uma
espécie de tutor, um guardião.
— N-não... — Nego com a cabeça e me sinto ainda mais perdida. —
Madrinha vai vir me buscar, ela vai cuidar de mim, eu não preciso de um
guardião. E muito menos desse homem...
— Eva, Freire não vai vir lhe buscar! — Emanuelle abaixa o tom de
voz e vira sua face para ele, olhando-o nervosa.
Meu rosto se ergue para Pellegrini e o vejo sério, com seus olhos
desprovidos de emoção focados em mim. Entendo agora o porquê ele
estava aqui, porque ele me olhava sempre daquele jeito, como se eu fosse
um estorvo. Ele veio aqui para me buscar.
— Não... não, eu não vou... — Levanto na mesma hora, correndo na
direção das escadas, sem virar meu rosto para trás, desejando apenas estar
longe daqui, longe dele.
— Eva... Mon cher, espere!
Não quero esperar, quero apenas correr para longe, buscar segurança
dentro do meu quarto, tirar essas roupas do meu corpo. Não quero ficar
perto do senhor Pellegrini.
— Eva! — Escuto a voz de Emanuelle assim que entro no quarto.
— Hector vai cuidar de você, seu lugar não é em minha casa...
— Não, madrinha vai vir, ela me prometeu que viria... Ligue para
ela, Emanuelle, não quero ir com esse homem.
— Eva, me escute, criança. — Suas mãos se prendem em minha
face enquanto me faz a olhar.
— Por favor... Ligue para ela, eu quero ir embora, mas não com
ele... — Nego com a cabeça, tendo minha visão turva pelas lágrimas. —
Liga...
— Eu não posso ligar para Freire, Eva — Emanuelle fala séria,
limpando meu rosto. — Freire está morta.
— O que... — Seguro em seu ombro e dou um passo para trás, não
sabendo se ouvi direito o que ela acabou de dizer.
— Freire se matou um mês depois que deixou você aqui em minha
casa. Ela se enforcou dentro do apartamento que ela vivia em Nova York.
Meus joelhos fraquejam e tombo com eles no chão, esmagando meu
corpo enquanto me abraço, chorando com dor.
— Não... Não, a madrinha prometeu que voltaria, ela não se
mataria... Ela me disse que iríamos ficar juntas... — Choro, sentindo como
se tudo que eu tinha fosse tirado de mim. Eu não tenho mais ninguém. A
única pessoa que eu podia ter como família era Freire. Estou sozinha agora.
Sempre fui sozinha, a verdade é essa, mas, agora, mais do que nunca, eu
não tenho ninguém.
— Freire não sabia se voltava, tanto que foi por isso que ela me
autorizou a transformar você em uma das minhas garotas, se ela não
conseguisse vir lhe buscar... — Emanuelle se abaixa e segura meu rosto em
suas mãos, respirando fundo. — Cristo, Eva! Eu não posso ficar mais com
você, aqui não é lugar para uma criatura como você. Eu tentei ter calma e
esperar que talvez você pudesse aceitar ser como minhas garotas... Mas
depois de ver a forma como você ficou apenas de entrar dentro do salão,
imagina o que aconteceria quando um dos meus convidados te levasse para
o quarto...
— Para o quarto... — Nego com a cabeça, caindo de bunda no chão,
a olhando mais assustada. — Por que deixaria eles me levarem para o
quarto...
— Para ganhar muito dinheiro, em troca deles dormirem com você
— ela fala à queima-roupa, não usando de mais palavras para descrever o
meu fim. — Ainda estava pensando o que fazer com você, até que Hector
apareceu e informou que ele é seu novo tutor...
— Não, não... Por favor, não faz isso comigo... — Nego com a
cabeça, segurando em seus braços e implorando para ela não me entregar a
ele. — Eu posso fazer outras coisas, limpo a casa, até posso cozinhar...
Emanuelle, eu não tenho mais ninguém, por favor, não me entrega para esse
homem!
— Eu não posso ficar com você, Eva. — Ela envolve seus braços
em minhas costas e me abraça, me fazendo esconder meu rosto em seu
peito. — Monsieur Pellegrini vai cuidar de você... Irá para Paris com ele, eu
não posso voltar atrás com minha palavra, não com ele...
— Por favor, Emanuelle, por favor... — Choro com mais desespero,
sendo tomada por tudo.
O medo do meu futuro, a morte da minha madrinha, tudo vem em
cima de mim como uma avalanche, sendo soterrada com todas essas
informações de uma única vez. Passei a minha vida toda dentro do colégio
interno, eu não sei nada sobre o mundo, para onde ir ou o que posso fazer.
O que aprendi no colégio interno das freiras não me garante uma formação
em nada. Eu sobrevivia àquele inferno, apenas esperando pelo dia que
minha madrinha finalmente me levaria para morar com ela. Tive apenas um
pouco de paz quando vim para cá, mas agora tudo está desmoronando. Não
conheço esse homem, eu nem sei porque ele quer cuidar de mim. Não quero
ser entregue a ele, como se eu fosse um animal sendo doado.
— Vai ficar tudo bem, não precisa chorar. Quando chegar a hora,
Hector irá conversar com você, porque é mais seguro ficar com ele agora do
que aqui...
— Por favor, por favor, não me entrega para esse homem! — Meu
rosto se ergue para ela e choro, enquanto nego com a cabeça. — Ele me
assusta...
O rosto de Emanuelle vira na direção da porta do quarto aberta,
enquanto me abraça com mais força, alisando meus cabelos. O som seco do
batuque da bengala estoura no chão, seguido de uma longa respiração
pesada, o que me faz encolher, sabendo que ele me ouviu. Meus olhos
fecham com força e giro meu rosto para outra direção, abraçando-a com
mais angústia, sentindo o olhar de gelo do monsieur fixos em mim.
— Nos deixe só, Ema!
Me abraço mais forte à Emanuelle quando ouço o timbre da sua voz
mandando ela sair do quarto.
— N-não... Não, Emanuelle, por favor... — Nego com a cabeça e
me agarro à sua cintura.
— Hector, me deixa apenas acalmá-la... — A voz de dame
Emanuelle se cala ao mesmo tempo que eu me encolho ainda mais de
medo, com o latente som da ponta da bengala explodindo no chão.
— Por favor, Emanuelle... — Meus joelhos se dobram e tombam no
chão quando ela puxa com força meus braços da sua cintura, me olhando
com tristeza.
— Pardon[19], pequena! — ela murmura e corre para fora do quarto,
enquanto me abraço e fecho meus olhos, soluçando baixinho.
Me sinto sendo engolida por uma tristeza sem fim, me deixando
menor que um grão de areia. Estou completamente solitária. Meus ombros
chacoalham e meus soluços de dor, junto com meu choro, rompem por
minha garganta. Freire era tudo o que tinha, e agora que ela morreu, a vida
que eu desejava tanto começar longe daquele maldito colégio interno
acabará comigo presa ao lado de um homem que me assusta. Meu corpo
fica imóvel, completamente retraído, quando o som dos seus passos, com o
batuque da bengala dentro do quarto, se faz. As lágrimas escorrem com
mais sofrimento pelo meu rosto quando ouço o barulho da porta se
fechando.
Sento-me no chão e arrasto minhas pernas, escondendo meu rosto
em meus joelhos, espremendo bem forte os meus olhos, como se assim ele
pudesse desaparecer. Mas ele não desaparece, nem se mantém longe, pelo
contrário, seus passos se aproximam mais, e o toque frio da ponta da
bengala batendo em minha perna é suave, enquanto a sobe lentamente, até
parar em meus cabelos e empurrar as mechas lisas para trás.
— Olhe para mim, mademoiselle! — Sua voz em comando sai
ríspida e ele afasta a bengala do meu rosto.
Queria poder dizer que me mantive imóvel, agarrada às minhas
pernas, com minha face escondida em meus joelhos, mas é assustador como
meu corpo o responde no segundo que ele decreta uma ordem. Minha
cabeça se ergue e acato sua ordem, enquanto choro ainda mais
amedrontada, o vendo parado diante de mim, me olhando de cima a baixo,
sentada ao chão diante dos seus pés, o deixando ver minha alma solitária e
melindrada. Ele leva sua mão ao bolso do terno e retira um lenço, apoiando
a outra mão na bengala enquanto se agacha, deixando seus olhos na altura
dos meus.
— Há poucas pessoas que podem se dar ao luxo de não precisar
sentir medo de Hector Pellegrini. — Seu olhar de gelo fica preso em minha
boca enquanto arrasta o lenço lentamente sobre ela, como se estivesse
concentrado em retirar o batom. — E posso lhe garantir que você é uma
delas. — Seu peito estufa e ele inala o ar pesadamente, erguendo o lenço
para minhas bochechas e as secando, mantendo sua face zangada.
— Vai me obrigar a ir com você, monsieur? — Fecho meus olhos e
choro quando ele passa o lenço na minha outra bochecha, limpando as
lágrimas que escorrem por ela. Cravo as unhas em minha perna, me
arranhando com mais força. — Mesmo eu dizendo que não desejo ir...
— Oui! — ele me responde de forma tão fria, como se eu não
passasse de um objeto que ele arrematou, um objeto sem vontade ou
sentimento.
Abro meus olhos e o vejo sério, com sua face próxima a mim,
afastando o lenço do meu rosto, como se estivesse estudando uma pintura.
Seu olhar recai para meus tornozelos e observa as arranhaduras que eu faço
em minha perna.
CAPÍTULO 3

 
A isca
 
Dama Emanuelle
 
— Aquela cadela maldita a escondeu embaixo do meu nariz!
Faço uma expressão de tristeza, como se realmente estivesse
profundamente me sentindo culpada, enquanto ouço a voz de Oliver
rosnando, ao mesmo tempo em que me encara, sentando-se à minha frente
dentro do meu escritório.
— Deveria ter me avisado que Freire veio procurar por você no
segundo que deixou a garota aqui. — Ele esmaga seu punho e respira
fundo, virando sua face para a janela.
— Pardon, ma chérie, não sabia que era do seu interesse a jovem.
— Abro o leque em minhas mãos e me abano, lhe dando um olhar dócil. —
Afinal, nunca teve nenhum desejo em se deitar com uma das minhas
meninas...
— Isso é porque eu não me deito com cadelas de rua! — Ele vira
seu rosto para mim e fala com acidez. — Putas são como copos
descartáveis para mim, inúteis, e não me atraem.
— Está em minha casa, Oliver Pellegrini! — Fecho o leque com
força, não tendo mais um olhar dócil em minha expressão, apontando o
objeto com raiva para ele. — Não me importo quem você seja, mas nunca
vou admitir ninguém falar mal das minhas meninas.
Abro o leque novamente e suavizo minha expressão, lhe dando um
sorriso enquanto o estudo com cuidado.
— Mas confesso que me intriga lhe ver em minha casa. — Rodo o
leque lentamente no ar, falando mansa. — Se não é atraído por putas, o que
o faz vir aqui atrás de uma...
— O que Freire lhe entregou, não é uma puta — ele rosna e desfere
um murro em minha mesa. — Mas sim um objeto inestimável, que nunca
deveria ter vindo parar em suas mãos. — Ele se levanta com raiva e me
fuzila com seu olhar.
— Para mim é uma mulher, não um objeto...
— Falou a cafetina, que ganha a vida prostituindo suas garotas! —
Ele caminha para a janela e leva as mãos ao bolso. — Patético, Emanuelle.
Respiro com calma e tento manter minha expressão de suavidade,
mesmo sentindo meu coração disparado no peito. Estava ciente que isso
aconteceria, que esse homem bateria em minha porta feito um chacal,
buscando pela jovem de Freire. Maldita hora que Freire apareceu em minha
porta, pedindo para que eu ficasse responsável por Eva!
Quando pus meus olhos na ingênua criança, desconfiei que havia
algo diferente com ela. Não era como as meninas que já haviam vindo em
minha casa em busca de trabalho e abrigo. Eva não é como elas, é outra
coisa. Uma coisa que Freire não me contou, só garantiu que ela valeria
muito dinheiro se fosse entregue ao homem certo. Sua alma pura e doce,
emanada da ingenuidade dela, digna de uma criança, com olhos brandos,
presa no corpo de uma mulher, seria facilmente desejada por um mestre,
ainda mais sendo uma criatura obediente como Eva. Eu tinha que achar
alguém poderoso, que pudesse ficar com Eva, caso Freire não voltasse para
buscar a menina.
Freire sempre foi assim, uma incógnita para mim. Ela nunca contou
toda a história, tanto que por todos os anos que eu a conhecia, nunca soube
que ela tinha uma afilhada. Só que devendo tantos favores à Freire, não tive
como recusar cuidar da garota, mas via o medo nos olhos de Freire, algo a
estava assustando, e se algo tinha o poder de melindrar Freire, era porque
deveria ser realmente ruim. Ela nunca foi do tipo de mulher a ficar
assustada ou acuada, mas algo a estava aterrorizando, tanto que ela partiu
no mesmo dia que trouxe Eva. Foi um dos meus clientes que me contou
sobre a morte de Freire. Ainda não podia acreditar que ela tinha tirado sua
própria vida, um mês depois que deixou Eva comigo, me deixando sem
ideia de como proceder com ela.
E antes que eu pudesse descobrir, algo muito mais aterrorizante que
Oliver Pellegrini veio atrás de mim. O diabo! O mal encarnado em um
homem silencioso, que trouxe com ele desgraça para dentro da minha casa,
me prometendo um fim infeliz se eu não lhe entregasse o que ele queria.
Quando o diabo lhe caça, você não tem como fugir dele, e eu não podia
mais proteger Eva, não quando foi por ela que ele veio. Hector consegue ser
três vezes mais ameaçador que seu pai, e cinco vezes mais cruel com seus
inimigos do que seu avô já foi um dia. Hector é o último homem que você
deseja ter como carrasco. Quando o diabo lhe dá apenas duas escolhas,
entre entregar o que ele quer e receber sua proteção, ou recusar e lidar com
sua ira, você prefere a proteção.
Não tinha ideia de qual verdadeiro interesse ele podia ter nela, justo
em Eva, que é a criatura mais gentil e doce que já conheci, que nunca
deveria ter parado nas mãos de Freire e principalmente nas minhas, mas,
acima de tudo, nas dele. Mas não tive como esconder ela dele, não quando
Eva saiu da cozinha, o deixando a ver. O destino da jovem foi selado pelos
olhos azuis de Hector quando pousaram nela, encontrando o que ele veio
buscar. Já era tarde para ela, e muito tarde para mim. Não fazia perguntas,
não porque não queria, e sim porque eu sabia que ele não me daria
respostas. Apenas disse que guardaria Eva, a deixando escondida de quem
viria atrás dela quando soubesse que ela estava comigo. Novamente fiquei
no escuro, igual quando Freire a trouxe para mim, e, além disso, tive certeza
de que Eva era diferente de qualquer jovem que já apareceu em minha casa.
Hector Pellegrini não bateria em minha porta atrás dela se ela não fosse
valiosa. Só que o que eu não contava, era que quem estaria vindo atrás dela,
dois dias depois da festa, quando deixei todos os olhares dos meus clientes
repousarem em Eva, era o próprio pai do diabo.
— Diga onde ela está e quem foi o maldito que a comprou! —
Oliver vira e me encara. — Juro que não irá me querer como inimigo,
Emanuelle, pois destruo essa porcaria que chama de casa enquanto lhe vejo
morrer à míngua, amarrada em uma cela.
— Ela se recusou a ir. — Respiro fundo e fecho meus olhos,
enquanto recordo do rosto molhado, cheio de lágrimas, de Eva, agarrada a
mim no chão do quarto. — Seu comprador lhe deixou assustada depois que
se deitou com ela...
— Ele se deitou com ela? — Oliver tem seu rosto ficando vermelho,
expressando mais ódio em seu olhar para mim. — Deixou que ele tocasse
nela...
— Oui! — o respondo rápido, me levantando e me abanando com
meu leque, me afastando da minha mesa. — Afinal, esse foi o intuito da
venda dela. O cliente fica com o que paga...
Caminho para a porta do meu escritório e a abro, vendo Natash, uma
das minhas garotas, parada do outro lado do corredor, me encarando
nervosa.
— Traga Eva até aqui. — Lhe dou uma ordem e a vejo balançar sua
cabeça em positivo. — Diga para que se apresse.
Viro para Oliver, enquanto respiro rápido e sinto meu coração ficar
ainda mais disparado, com o medo me pegando a cada segundo que ele me
encara.
— Deseja ficar com ela, mesmo sabendo que outro lhe tocou? —
Fecho o leque e o espremo em meus dedos. — Sabe que em minha casa não
entra crianças, não é, Oliver?! Penso que a menina não será do seu agrado.
O vejo semicerrar a boca quando desvia seus olhos dos meus e
caminha para a janela. Olho para esse demônio doente, que não passa de um
escroto de merde, que sei muito bem qual a preferência dele. Oliver não se
deita com putas porque as acha nojentas, mas sim porque ele prefere
pequenas inocentes. Todos conhecem os boatos sobre o gosto pedófilo de
Oliver por meninas na faixa dos dez até os quinze anos. Ele mantém sua
face de aristocrata, vindo de uma família antiga da França e poderosa, se
vangloriando do seu sangue azul, mas por trás de todo seu poder, não passa
de um verme desgraçado.
O som de passos lentos vindo pelo corredor, se aproximando da
porta do escritório, o faz se virar, olhando ansioso para a porta, como se
estivesse esperando uma vida toda para pôr seus olhos na jovem.
— Dame Emanuelle mandou me chamar? — A voz baixa pergunta
atrás de mim, me fazendo girar para vê-la.
A jovem de olhos negros, com seus cabelos lisos até a bunda, está
nervosa, me olhando com medo.
— Eva, quero que conheça uma pessoa. — Seguro seu ombro e a
faço entrar no escritório, a deixando de frente para Oliver.
Ele fica confuso em um primeiro momento, olhando para ela. Logo
endurece sua face e esmaga seus lábios. Ela o encara nos olhos, mantendo o
contato visual com ele.
— Que brincadeira é essa?! — ele rosna com raiva e vira sua face
para mim.
— Pardon... mas não entendi. — Dou um passo para o lado e fico
perto da jovem, alisando seus cabelos. — Me disse que queria conhecer a
jovem que Freire me trouxe, e aqui está...
— Ela tem a pele clara, não se parece em nada com Mina — ele
murmura e nega com a cabeça, como se estivesse falando com ele mesmo.
— Valéria me garantiu que ela era a cópia viva da mãe. Essa não é a jovem
que procuro...
— Bom, então não sei o que lhe dizer. — Balanço meus ombros e
toco no ombro dela, fazendo um movimento de cabeça, para que ela se
retire.
— Aquela cadela a escondeu em outro lugar! — Volto meus olhos
para Oliver, enquanto sinto o ar saindo com alívio do meu peito.
— Não entendo do que está falando, Eva foi quem Freire me
entregou... — Dou a volta na mesa e sento em minha cadeira. — Eva
chamou a atenção de muitos com o tom de pele dourado... Pensou que a
mulher que Freire me entregou era negra?
— Tem certeza de que o nome dela é Eva...
— Sim, foi esse o nome que Freire disse. — Tamborilo meus dedos
na mesa. — A mãe dela era latina, Freire disse que ela iria me render um
bom lucro.
— Cadela desgraçada! — ele esbraveja com ódio. — Essa não é a
verdadeira Eva, Freire escondeu a garota em outro lugar...
— Outra? — Pisco, fingindo ter interesse, o olhando com
curiosidade.
Oliver ergue seus olhos para os meus e arruma seu terno enquanto
respira fundo.
— Perdi meu tempo vindo nesse lixo que você chama de casa! —
Ele sai para fora do escritório como um vendaval, batendo a porta com
força.
Sinto meu corpo esmorecer, enquanto meus dedos trêmulos soltam o
leque sobre a mesa. Levanto às pressas e ando na direção da janela, vendo-o
caminhando rumo ao portão, onde o carro está estacionado.
— Acha que ele acreditou? — Viro meu rosto para Natash quando
fala nervosa, depois de abrir a porta do escritório e entrar no cômodo.
— Creio que sim — suspiro, baixo, e esfrego minhas têmporas. —
Para nossa sorte.
— Graças a Deus, Irena tem o mesmo tamanho de Eva... — Natash
anda para perto da janela e esfrega sua mão em meu braço. — Confesso que
senti medo de não funcionar a sua ideia de fazer Eva ficar parecida com
Irena, apresentando-a diante dos clientes, para poder enganar Oliver agora,
quando ele visse Irena pensando ser Eva.
— Nem eu tinha ideia que iria funcionar. Ainda bem que Eva saiu
correndo daquela sala, não dando muito tempo para os clientes realmente
prestarem atenção no rosto dela — suspiro com alívio, ficando grata pelo
medo de Eva. Sabia que iria ficar assustada quando visse todos aqueles
homens a encarando. Não sabia se realmente era certo fazer isso com ela,
mas precisava, para poder despistar Oliver.
Hector realmente é um homem diabólico, ele queria que os clientes
da minha casa a vissem, pois sabia que os rumores sobre a nova garota da
casa de dame Emanuelle se espalhariam feito pólvora. Fiz todas as meninas
contarem histórias, dizendo que foi Freire que a entregou para mim, e que
antes mesmo de eu dar início ao leilão da sua virgindade, um homem a
comprou, pagando a maior fortuna por ela, o que de fato não deixa de ser
mentira, já que o valor astronômico que Hector chamou de doação para
minha casa, na verdade, foi o pagamento do meu silêncio, para o ajudar a
esconder Eva.
— Tenho medo do futuro de Eva, Ema — Natash fala seriamente
para mim. — Eu vi o corpo de Lasli depois que ela saiu do quarto daquele
homem. — Eu tinha ouvido boatos que uma das minhas meninas tinha se
deitado com Hector. — Suas pernas e coxas estavam roxas, cheias de
marcas, e havia mordidas profundas em seu pescoço... Parecia que ela tinha
sido atacada por um bicho.
— Lasli não se deitou com um bicho, mas sim com um conselheiro
de Sodoma, Natash — sussurro, preocupada, e viro meu rosto para a janela,
vendo o carro de Oliver partindo. — Não sei o que é pior para Eva, ter
Oliver a caçando ou ter ido parar nas mãos de Hector Pellegrini. Só espero
que eu não me arrependa de ter deixado o diabo se apossar daquela alma
inocente.
— Freire nunca devia ter trazido Eva para cá. Ela não é como nós —
Natash fala firme. Meu rosto se vira para o seu e lhe olho com medo.
— Não, ela não é — digo, aflita, recordando da jovem cabisbaixa,
caminhando lenta atrás de Hector, como se fosse um animalzinho assustado,
mas ainda assim obediente, quando ele a levou embora. — Mas tenho por
mim que Freire a preparou para ser outra coisa...
CAPÍTULO 4

 
Esqueletos no armário
 
Hector Pellegrini
 
 — Aquele maldito, verme desgraçado!
Viro meu rosto para meu irmão e dou um tapa em seu ombro,
enquanto tento acalmá-lo.
— Não ligue para ele, sabe que não passa de pura arrogância. —
Nego com a cabeça e respiro fundo. — Ficar assim é fazer exatamente o
que ele deseja, não dê esse gosto a ele.
— Passei a vida todo fazendo o que este merde queria, para, ao fim,
ele me apunhalar nas costas! — ele responde com raiva.
— Estamos falando de papai, Joseph, nada vindo de Oliver me
assusta mais.
O vejo abrir a porta do carro, enquanto olha para a janela do
terceiro andar da casa. A expressão de ódio no rosto do meu irmão
aumenta, o que faz eu me virar, para descobrir o que seus olhos veem.
— Deveria ter morrido no lugar da nossa mãe, seu verme! — meu
irmão sibila, rangendo seus dentes.
A imagem do nosso pai parado na janela, com as mãos no bolso, o
encarando friamente, faz Joseph sentir mais raiva. E é exatamente isso que
Oliver queria. Desestabilizar Joseph, o fazendo parecer inconsequente,
incapaz de lidar com suas emoções. Meu irmão é abençoado.
Completamente diferente de mim e de meu pai, ele possui emoções,
consegue rir com tanta leveza e se sentir em paz com ele mesmo, ao invés
ter uma alma morta como a nossa.
— Tenha calma, conversarei com o vovô — falo sereno para meu
irmão, tocando novamente em seu ombro, para que ele olhe para mim. —
Ele não será contra sua união com a menina.
— Sabe o que ele me disse, Hector? O que esse verme teve a
coragem de olhar em meus olhos e dizer? — Joseph fecha seus olhos e
nega com a cabeça. — Que amar uma empregada é como se afeiçoar a um
porco, que mais cedo ou mais tarde terei que vendê-la, para deixar outro a
comer. — Os olhos do meu irmão se abrem com cólera e me encaram. —
Nunca mais voltarei para essa casa, nunca mais Oliver irá pôr os olhos em
mim. Eu vou ser feliz com a mulher que eu amo...
Ele avança para adentrar no veículo, mas seguro seu ombro e retiro
as chaves da sua mão.
— Deixa que eu dirijo, não vou permitir que conduza o carro nesse
estado. — Sorrio para meu irmão, tomando seu lugar no banco do
motorista.
— Sir!
Sou despertado pela voz masculina me chamando baixo, enquanto
respiro fundo, esmagando meus dedos ao lado do corpo. Abro meus olhos
lentamente e não encontro Joseph, meu irmão, que vinha me visitar em
sonho, mas sim Edmundo, meu mordomo pessoal, que está sério e me
encara com seus braços para trás, parado a poucos passos de mim.
— Perdão lhe atrapalhar, mas trago notícias de dame Emanuelle. —
Balanço minha cabeça em positivo para ele e ergo meus dedos, os
gesticulando lentamente, para que ele prossiga. — Ela ligou e avisou que a
visita que o senhor alertou para ela que iria até sua casa, esteve lá nessa
tarde.
— É claro que esteve. — Espremo meus dedos na cabeça da cobra,
erguendo a bengala do banco vazio ao meu lado e apoiando-a no chão, a
batendo lentamente contra o piso.
— Dame Emanuelle também pediu para informar que a visita
parecia decepcionada por não ter encontrado o que buscava.
Dou um leve sorriso frio, imaginando como deve ter sido frustrante
para ele, e até desejo ter estado lá, para ver sua face de raiva de perto. Viro
meu rosto para a esquerda e vejo pela janela do trem as falésias do vilarejo
de Fleur, me avisando que finalmente estou em casa. A maresia do mar me
faz respirar fundo, observando o pôr do sol que está se despedindo,
trazendo o crepúsculo com ele.
— Estamos chegando à vila — Edmundo fala calmo e me dá um
sorriso breve.
Viro meu rosto para ele e balanço a cabeça em positivo, enquanto
levanto e saio do meu assento, indo em direção ao pequeno bar ao fim do
vagão, caminhando lento e sentindo a maldita pontada de dor latejando em
minha perna. Na pressa para sair na pequena excursão até o bordel de dame
Emanuelle, esqueci meus analgésicos. Sabia que mais alguns dias sem meu
medicamento me fariam sentir como se as engrenagens do carro estivessem
estraçalhando minha perna novamente. Já deveríamos ter chegado, mas a
parada em Paris foi necessária. Fiz uma videoconferência com Ramsés,
para lhe informar que o segundo presente de Elite estava comigo e que a
estaria levando para o meu vilarejo, onde ela estaria escondida das garras de
Valéria e do meu pai. E que em poucos dias poderíamos pôr a segunda parte
do meu plano em prática. Depois resolvi alguns problemas burocráticos, se
podemos chamar assim os meus distribuidores de cocaína, antes de retornar
para casa.
— Como estão as acomodações da nossa convidada, Edmundo? —
Seguro o copo de uísque e destampo a garrafa, a virando lentamente.
— Excelentes. Entrei em contato com Marrie e ela disse que está
tudo pronto para a chegada da jovem, como sir Hector solicitou... — Ouço
sua respiração ficar acelerada, o que me diz que não é tudo que ele tem para
me dizer.
— Mas? — Viro pouco a pouco para ele, enquanto eu bebo, o
estudando.
— Mademoiselle Fishie se negou a se alimentar. — Ele me olha
preocupado, soltando o ar lentamente pelos pulmões.
— E qual a importância da falta de apetite da menina para mim? —
Abaixo o copo da minha boca e dou de ombros. — Marrie irá cuidar disso
quando ela chegar lá, Edmundo. Não tenho tempo, e muito menos
paciência, para lidar com birras de criança.
— Peço pardon se parecer intromissão da minha parte, mas creio
que não seja uma birra de criança. — Ele insiste no assunto, dando um
passo à frente. — Mademoiselle está sentada do mesmo modo que entrou
ontem à noite no vagão, silenciosa e melancólica, com o olhar perdido para
a janela da sua cabine particular. Talvez, se sir...
— Marrie cuidará dela! — o respondo com a voz um pouco mais
severa, para que ele compreenda que o assunto está encerrado. — Pode ir,
Edmundo.
— Claro, sir. — Ele curva seu corpo para frente e sai rapidamente.
Tomo minha bebida em silêncio, enquanto bato lentamente a ponta
da bengala no chão, tentando não pensar na dor que está aumentando em
minha perna. Meu rosto se ergue para a porta de saída do vagão e repuxo
meu nariz, inalando o ar com força, andando até a minha cadeira
novamente. Sento devagar e viro meu rosto para a janela.
— Faça o que eu mandei e não terá com o que se preocupar. —
Entrego o cheque para Ema, vendo seus olhos ficarem arregalados quando
enxerga a quantia que eu lhe dei.
— Mas isso é muito... — Emanuelle ergue seu rosto para mim,
enquanto levanto da cadeira. — Nenhum homem paga uma quantia dessas
por uma mulher se não for com algum interesse...
— Não estou pagando por mulher, até porque sairia da sua casa
com a jovem Eva de um jeito ou de outro. — Arrumo a manga do meu terno
e puxo a bengala encostada ao lado da cadeira. — Esse pagamento é pelo
seu silêncio, e para fazer exatamente o que eu te ordenei...
— Mas, e se ninguém vir atrás dela, terei que devolver?
— Virá. — Viro de costas, não desejando perder mais tempo nesse
lugar. — Esteja preparada para quando ele aparecer, e lembre-se... — Paro
perto da porta e viro meu rosto para ela. — Em hipótese alguma demonstre
medo, Ema, caso contrário, ele irá desconfiar. Como bem já descobriu, os
Pellegrini farejam o medo de suas caças a quilômetros de distância.
Abro a porta do escritório e deixo meus olhos focarem na cena
acontecendo ao pé da escada.
— Prometa que vai dar um jeito de me avisar que está bem.
Vejo a cabeça dela balançando em positivo, enquanto o jovem
Nolan, à sua frente, segura o rosto pequeno e delicado de Eva em suas
mãos. Ele acaricia suas bochechas de forma carinhosa.
— Me escreva. — Ele a abraça, a trazendo para mais perto do seu
peito, depositando sua cabeça em seu ombro e escondendo o rosto em seus
cabelos.
A jovem ergue seus braços e circula sua cintura, balançando a
cabeça em positivo novamente, se espremendo em seus braços, enquanto
solta um soluço baixo.
— Vou te escrever assim que puder — ela murmura e dá um passo
para trás.
Mantenho meus olhos na mão do jovem espalmada na lateral da
face negra dela, escorregando seu anelar pela bochecha, o que apenas
aumenta minha antipatia e irritação pelo jovem insistente Nolan.
— Irei responder todas as suas cartas até poder ir te buscar. — Ele
cola sua testa na dela, esfregando a ponta do seu nariz ao seu.
— Pathétique[20] — sussurro, não tendo paciência para o apaixonado
Romeu[21]. Solto um pigarro proposital, os deixando saber da minha
presença, enquanto os encaro com tédio.
Nolan solta a face de Eva e dá um passo para trás, virando seu
rosto para mim, claramente deixando o brilho de raiva refletir em seu olhar
enquanto me encara, me vendo como um vilão cruel, destruidor da sua
fantasia de amor, onde criou um romance tolo e infantil entre ele e a
senhorita Fishie.
Jovem tolo.
Lhe dou um sorriso frio, não quebrando minha linha de visão com
ele, lhe dando o mesmo olhar que daria para uma barata correndo para o
esgoto, uma criatura insignificante. Meus olhos desviam dos seus para a
mão pequena que segura sua face, o fazendo olhar para ela. Eva se inclina
para frente e fica nas pontinhas dos pés, depositando um beijo casto e
carinhoso em sua face. O que causa um certo desconforto e irritação maior
em mim, gerando o aumento de fluxo de sangue em minhas veias. Meus
dedos se esmagam com mais pressão sobre a cabeça da cobra e bato com
força a ponta da bengala no chão, lhe dando uma ordem muda para
partirmos agora, e quase que instantaneamente, como se entendesse, Eva
se afasta do patético Nolan como resposta.
— Adeus, Nolan — ela murmura branda para ele, se abaixando e
esticando sua mão para pegar sua mala, a erguendo do chão e se virando
para mim, ficando cabisbaixa, não me direcionando seu olhar. — Já estou
pronta para partir, monsieur.
Encaro Nolan uma última vez, vendo os olhos dele presos nela,
antes de me virar e caminhar na direção do corredor, ouvindo seus passos
lentos atrás de mim. Ela caminha silenciosa atrás de mim, até chegarmos
no carro, onde Edmundo nos espera. Ele retira a mala da sua mão,
guardando-a no porta-malas. Abro a porta do banco de trás e aponto para
ela, olhando por cima do seu ombro para Nolan, que está na porta, como
um fiel cãozinho de estimação que aguarda para brincar com sua criança.
— Merci[22] — ela murmura quase inaudível e entra no carro.
Assim que entro logo atrás dela, vejo seu corpo encolhido na outra
ponta do assento, com sua face virada para a janela.
— Coloque o cinto. — Minha voz sai ríspida e lhe dou a ordem
enquanto arrumo meu cinto de segurança.
Fecho meus olhos e fico calado, desejando poder aproveitar a paz
do silêncio finalmente, encostando minha cabeça no estofamento do banco.
Mas, em poucos segundos da paz do meu silêncio, sou interrompido pelos
barulhinhos dos resmungos baixos dela, quase como se estivesse fazendo
uma oração. Abro meus olhos e encaro o banco do motorista, cerrando
meus lábios ao ouvir os sons dela enquanto tenta colocar seu cinto, como
se estivesse em uma luta com o utensílio de segurança do carro. Giro meu
rosto e a vejo tentar puxar o cinto para passar por sua cintura.
— Cristo... — murmuro e solto uma bufada de ar, de irritação. —
Tire suas mãos daí.
Seu corpo pequeno congela e ela fica imóvel quando meu braço se
estica sobre sua cintura, puxando com força o cinto, o fazendo se soltar.
Mantenho meus olhos aos seus, que estão arregalados e assustados, me
encarando, enquanto arrasto em volta da sua cintura o cinto, o encaixando
na trava. Meus olhos se abaixam para seu busto, que está subindo e
descendo rapidamente, enquanto se mantém imóvel e me olha como um
coelho assustado diante do grande lobo mau. Ergo meus olhos novamente e
paro minha atenção nos lábios entreabertos, que me fazem recordar
perfeitamente bem da maciez deles, e quais foram os tipos de sons que
saíram por eles enquanto eu os saboreava.
Não entendo ainda porque fui movido por aquele impulso. Talvez a
forma patética do jovem Romeu inexperiente, querendo tocar em algo tão
puro como ela, sem ter a mínima noção de como tocá-la, me fez desejar ser
o primeiro a provar aqueles lábios. Ou quem sabe foi o feiticeiro olhar
inocente, que não esconde seus pensamentos, que tenham me motivado a
lhe entregar o que ela pedia sem dizer uma única palavra.
Um leve movimento, apenas uma curta distância de inclinada de
cabeça, está entre mim e ela, me impedindo de beijá-la novamente,
experimentando outra vez o sabor perigoso da inocência de Eva. E aprecio
lhe ver assim, pura, sem nada imaculando sua candidez, sem aquelas
roupas escrotas de merda, de puta barata em seu corpo, ou a pele de beleza
natural sendo manchada por uma maquiagem promíscua.
— Estamos prontos para partir, sir — Edmundo me avisa.
Ergo meus olhos para os seus, sentindo o calor da respiração dela
sendo solta lentamente em meu rosto. Passo meus dedos no cinto,
conferindo se está preso e se ela está segura.
— Sua estada nessa casa e laços com essas pessoas acabou — falo,
sério, mantendo meu olhar ao seu. — Fui claro?
Seus olhos negros se abaixam e ela respira mais rápido, me dando
um leve acenar em positivo de cabeça.
— Vamos, Edmundo — o respondo baixo e endireito minhas costas
no banco, me afastando dela, virando meu rosto para frente e puxando o ar
com força para meus pulmões.
CAPÍTULO 5

 
O paraíso escondido de falésias
 
Eva Fishie
 
— Eva... — Dame Emanuelle segura meu rosto e me encara séria,
depois que retorna, quando monsieur sai do quarto. — Sei que pode
parecer ruim agora, mas ir com monsieur Pellegrini é a única coisa que lhe
resta, meu anjo...
— Não desejo ir...
— A vida é fazer coisas que não desejamos — ela sussurra e
acaricia minha face. — Sejamos francas, mon cher. Foi criada trancada,
sem ver nada do mundo dentro daquele colégio interno, Freire sabia que
você precisaria de alguém para lhe cuidar e lhe proteger, tanto que foi por
isso que trouxe você para cá... Pode parecer horrível para você agora, mas
garanto que muitas das minhas meninas dariam a vida para poder ter um
guardião como monsieur Pellegrini. Será para você...
— Peça para ele escolher outra então, ele não tem que me levar.
Pode escolher outra que deseje ir com ele... — Soluço, negando com minha
cabeça, me afastando dela.
— Deseja que minha casa seja destruída? — Meu rosto se vira e a
olho sem entender porque ela fala isso para mim tão duramente. — Que eu
e as meninas sejamos despejadas na rua, sendo humilhadas? Será tão
mesquinha que pagará o acolhimento que eu lhe dei com ingratidão?
— Não, não lhe desejo mal. Jamais seria ingrata...
— Mas será isso que será, se recusar ir com esse homem, irá trazer
desgraça para minha casa, Eva. — Ela ergue sua mão e aponta seu dedo
indicador para mim. — Monsieur Pellegrini não poupará sua ira sobre nós
quando eu tiver que lhe avisar que você se nega a partir com ele...
— Mas por que ele faria isso... — murmuro, confusa, me sentindo
ainda mais assustada. — Eu não sou ninguém, não tenho nada a oferecer a
esse homem que possa agradá-lo. Qualquer outra garota seria melhor do
que eu...
— Mas não foi outra garota que trouxe ele até aqui. E será por
culpa sua que vou ficar na rua, desamparada, com as garotas, se você se
recusar a ir.
Meu coração se aperta em meu peito, enquanto sinto minhas pernas
fraquejando. Observando a face de dame Emanuelle, sento lentamente na
beiradinha da cama, com as lágrimas escorrendo por minha face.
— E tudo que eu fiz por você desde o segundo que abri minhas
portas, lhe recebendo quando Freire te deixou aqui, será pago com
ingratidão. — Ouço a voz dela sair baixa enquanto caminha para mim. —
É isso que realmente deseja para mim, Eva... Para Nolan e as meninas?
Seria capaz de viver sabendo que fez todos nós ficarmos na miséria...
— Não, e-eu... — Ergo meus dedos e tapo meu rosto, balançando a
cabeça lentamente, fungando baixinho. — Eu não desejo isso.
— Então faça o que é certo, mon cher. Aceite a proteção que esse
homem quer lhe dar.
Abraço meu corpo enquanto choro baixinho, me sentindo solitária,
mais do que nunca, ao ouvir os passos de dame Emanuelle andando no
quarto, abrindo o guarda-roupa e tirando minha mala lá de dentro.
Pisco repetidas vezes e sinto como se estivesse vazia por dentro,
tendo apenas a voz de Emanuelle em minha cabeça.
— Por Deus, veja só esse lapin[23] assustado, que entra nessa casa! —
A senhora de cabelos ruivos até os ombros e bochechas rosadas sorri para
mim, caminhando em minha direção.
Olho nervosa para ela e espremo ainda mais a alça da minha mala
em meus dedos, não tendo ideia do porquê esse homem me trouxe com ele.
— Acomode mademoiselle Fishie em seus aposentos, Marrie — o
senhor Pellegrini fala de forma seca e anda na direção das escadas,
passando reto pela senhora.
Ela curva sua cabeça lentamente para frente, em resposta à ordem
dele, e dá um rápido olhar para o homem parado ao meu lado, como se os
dois estivessem tendo uma conversa silenciosa apenas com as trocas de
olhares.
— Mademoiselle. — Me encolho quando ele me surpreende e estica
sua mão para mim, mas percebo que não é para me tocar, e sim para retirar
a mala dos meus dedos.
— Venha, venha, doce criança! — Ela gesticula com suas mãos e
anda em minha direção. — Não sinta medo de Edmundo e Marrie. — A
mulher sorridente para à minha frente e segura meu ombro. — Deixe
Edmundo levar suas malas, vamos aquecer esse corpo pequeno que está
gelado...
Ela retira a mala dos meus dedos e entrega para ele, enquanto
esfrega meu braço, nos conduzindo.
— Sou Marrie, responsável pelo cuidado da casa. — Ela olha para
ele com doçura, o deixando andar à nossa frente.
— Eu sou Eva, dame Marrie... — falo, baixo, e olho perdida para a
escadaria quando ela para à sua frente.
— Oh, não, não! Apenas Marrie, Eva. — Ela pisca para mim e
esfrega mais rápido meu braço. — Me chame apenas de Marrie.
Volto meus olhos para a grande escadaria e subo os degraus,
observando os quadros de figuras aristocratas na parede, pinturas de retratos
de homens velhos, todos sempre na mesma posição, parados e segurando o
relógio de bolso, trajando ternos chiques.
— Deve estar cansada, foi uma viagem longa. Já deixei seu quarto
pronto para lhe receber — ela fala animada e de forma carinhosa, me dando
um olhar brando.
— Merci, Marrie — respondo, baixo, e lhe dou um sorriso de
agradecimento.
É tudo tão sombrio e escuro, com corredores longos e as tapeçarias
do chão bordô, que ficam ainda mais escuras por contas das cortinas cinzas.
Portas marrons estão fechadas e espalhadas por cada lado das paredes. O
senhor caminha à nossa frente, levando minha mala. O vejo parar de frente
para uma porta, a abrir e dar um passo para o lado, apontando para dentro,
esperando que eu e Marrie entre primeiro. Encolho meus ombros, me
sentindo perdida dentro do cômodo grande quando entro.
— Obrigada, Edmundo. — Marrie sorri para mim e retira a mala da
mão do senhor.
— Muito obrigada, sr. Edmundo — murmuro para ele e dou um
olhar por cima do ombro.
O senhor gentil, com a face rosada e olhar brando, balança sua
cabeça em positivo para mim, antes de fechar a porta, deixando Marrie e eu
sozinhas dentro do quarto.
— Presumo que deva estar com fome, posso lhe trazer algo para
comer...
— Obrigada, mas não tenho fome — digo, baixo, para ela, pegando
minha mala em suas mãos e dando um passo para trás.
— A viagem de trem é exaustiva... — Marrie sorri para mim e olha
a mala. — Mandarei uma das camareiras vir desfazer sua mala.
— Não, não precisa, eu mesmo posso fazer isso... — Nego com a
cabeça, ganhando dela um olhar de espanto. — Na verdade, apenas desejo
deitar-me um pouco, Marrie.
— Oh, claro! — Ela balança sua cabeça em positivo, me olhando
carinhosa. — Vou deixá-la, para que fique à vontade, mas qualquer coisa
que precisar, basta chamar por mim, sim? — Ela sorri e aponta para a
campainha perto da cama, acoplada na parede. — Eu virei imediatamente.
Fico em silêncio e apenas consinto com minha cabeça, ficando
parada no centro do quarto. Solto a mala lentamente no chão quando Marrie
parte, me deixando sozinha no cômodo. Observo-o lentamente, me sentindo
perdida dentro dele, ainda mais do que já me encontro. Uma porta está à
esquerda, entreaberta, me deixando saber que é o banheiro. Vejo a
decoração do quarto, que é ainda mais obscura que os corredores, variando
entre as madeiras marrons da cama, do guarda-roupa e da penteadeira, um
tapete vermelho puxado para a tonalidade de vinho ao chão, grande e bem
felpudo, cortinas cinzas e uma colcha de cama negra, combinando ainda
mais com a decoração gótica. Se alguém me dissesse que o decorador se
inspirou no romance de terror de Drácula[24], para retirar essas mobílias e
decorações das páginas do livro e trazer para o real, eu acreditaria. Pois me
sinto igualmente como o jovem advogado inglês Jonathan Harker, que se
viu como um refém aprisionado no castelo de Conde Drácula. A diferença é
que meu anfitrião, por mais pálido que seja, com sua pele clara que mais se
parece com um marfim, não é um vampiro, e sim um demônio.
Suspiro, desanimada, e caminho lenta para a porta do quarto,
passando a chave na fechadura, antes de retornar para perto da beirada da
cama e me sentar, olhando perdida para minha mala.
— O que estou fazendo aqui, meu Deus?! — murmuro, deprimida,
deixando meus olhos se perderem na lareira ao canto do quarto. Vejo os
desenhos dos pequenos anjos entalhados na madeira em volta dela, a
decorando.
 
Os dedos finos se prendem aos meus e apertam forte minha mão,
caminhando na direção da janela, enquanto soluça, chorando baixinho.
Ana solta minha mão e abre a janela do quarto, ao fim do corredor do
sétimo andar do prédio, que é o quarto da madre superior, o único cômodo
do colégio interno inteiro que não tem cadeados. Ana leva sua cabeça para
fora e solta um baixo suspiro.
— Eu vou primeiro, depois você vem, Eva — ela fala triste,
limpando seu rosto, quando vira sua face para mim. — Só temos que
conseguir chegar até a escada de incêndio, e vamos conseguir sair daqui.
Meus pés descalços se esmagam no chão e eu tento manter as
forças das minhas pernas, que estão fracas. Aperto meus dedos na camisola
e olho para ela, balançando minha cabeça em positivo. A vejo passar
lentamente pela janela e se segurar na beirada dela, enquanto passa
primeiro suas pernas para fora.
— Vem! — Ana estica seu braço para mim e balança sua mão com
pressa. Seus olhos ficam arregalados, em puro pânico, olhando para trás
de mim.
— Onde vocês duas pensam que estão indo?
Me viro, assustada, quando a voz zangada da madre fala atrás de
mim, vendo ela e a freira regente nos encarando. Tento correr para a
janela, mas meu corpo é imobilizado pela cintura, assim que o par de
braços se fecha à minha volta, me tirando do chão. Grito em meio ao
choro, me esperneando e esticando minha mão na direção da janela. Meus
olhos estão presos nos olhos verdes chorosos de Ana, que balança sua
cabeça para os lados.
— Sabia que as duas cadelinhas estavam aprontando! — a freira
regente fala com raiva, me jogando com brutalidade ao chão. — Leva essa
daqui de volta, para o castigo da madre. Pode deixar que, da outra, eu
cuido.
Tento me levantar, para impedir que ela se aproxime de Ana, mas
sou imobilizada pela madre, que me puxa pelos cabelos.
— ANAAAA... — grito e estico minha mão para ela, a vendo me
olhar com tristeza.
— Me perdoa, mas eu não aguento mais — murmura para mim,
negando com a cabeça, enquanto chora. — Eu prefiro morrer a continuar
aqui...
Ana abre seus braços lentamente, me dando um último sorriso antes
de impulsionar seu corpo para trás e se atirar da janela.
— NÃOOOOOO!
Minha voz explode com pura dor, gritando entre o choro e sentindo
as lágrimas descendo pela minha face. Sento na cama em um rompante,
com meu braço esticado para frente, como se pudesse segurar a mão de
alguém.
Mas não tem ninguém, apenas o quarto vazio e as cobertas da cama
caídas ao chão. Meu coração bate acelerado dentro do meu peito, e os
cabelos estão colados pelo suor em minhas bochechas. Pisco, confusa, e
olho perdida para meus dedos abertos. Compreendo que tive um pesadelo e
esfrego meu rosto, deixando meu braço cair ao lado do meu corpo,
respirando com agonia. Empurro minhas pernas para fora da cama e apoio
minhas mãos no colchão, fechando meus olhos, inalando profundamente
pelo nariz e soltando pouco a pouco o ar pela minha boca. Assim que
retomo o controle das minhas emoções, levanto lentamente e caminho na
direção do banheiro, esfregando minha nuca.
— Foi só um sonho, Eva. Você não está mais naquele inferno —
murmuro, melancólica, sentindo ainda agonia de o pesadelo parecer tão
real.
Acendo a luz e ando até a pia. Abro a torneira, fecho meus dedos em
concha embaixo d’água e inclino minha face, a molhando. Respiro fundo e
olho para a pia. Fecho a torneira, ergo minha face para o espelho e observo
meu reflexo, me lembrando que eu consegui sobreviver a toda aquela
maldade na qual fui criada, e que as únicas coisas que restaram para me
ferir foram os pesadelos. Respiro com mais calma e viro, apagando a luz do
banheiro e saindo de dentro dele. Paro perto da cama e inclino meu corpo
para frente, para pegar as cobertas caídas no chão, mas mantenho meu
corpo imóvel, com meus olhos perdidos, olhando a lareira acesa, com
madeiras em brasas queimando, notando pela primeira vez desde o segundo
que acordei, o quarto aquecido.
Seguro a coberta e deixo meu corpo esticado, o sentindo rígido.
Olho em volta, enquanto abraço as cobertas e as trago para perto do meu
peito. Ando lentamente para perto da parede e acendo a luz do quarto,
conferindo-o, deixando minha vista correr pelo cômodo, o vendo vazio,
tendo apenas a minha presença. Meus olhos param novamente na lareira
acesa. Não entendo como ela está funcionando. Eu tenho absoluta certeza
de que ela estava apagada quando eu fui me deitar, sei muito bem disso, por
conta do frio que eu senti, enquanto me encolhia na cama, me embrulhando
com a coberta.
Apago a luz do quarto, para retornar para minha cama, no segundo
que um som alto rasga o silêncio, como de um animal ferido, grotesco e
posso dizer até horripilante. Viro meu rosto para a porta do quarto e me
aproximo lentamente dela, deixando meu ouvido encostado na porta. Pulo
para trás, tendo meu coração disparado quando o grito ecoa novamente,
dessa vez mais forte, mais doloroso, dando a impressão que tem um animal
dentro da casa. Escuto o som de uma porta distante sendo batida com força,
seguida de passos apressados. E então apenas o silêncio retorna. Isso tinha
sido um grito de dor, uma dor angustiante e torturante. Eu reconheceria em
qualquer lugar esses tipos de gritos. Já ouvi muitos deles ao longo da minha
infância, assim como da minha própria garganta alguns já saíram.
Caminho devagar para perto da lareira e sento-me no tapete, ficando
de frente para ela, jogando a coberta em minhas costas enquanto me
encolho, assustada. Sinto como se tivesse voltado a ter seis anos e estivesse
dentro do colégio interno, ouvindo os gritos das crianças sendo castigadas
pelas freiras novamente.
CAPÍTULO 6

 
A panela de bronze
 
Eva Fishie
 
“Que espécie de homem será esse, ou que tipo de criatura ou
simples fera está ali, oculta sob as feições de um homem? Sinto o terror
deste demoníaco lugar aniquilar-me. Estou em pânico — em pânico mortal
— e não há uma saída para mim. Estou imobilizado por uma rede de terror
sobre a qual o meu cérebro se nega a raciocinar...”
Fecho o livro lentamente, que tinha pegado na noite passada na
biblioteca, a qual, diga-se de passagem, fora a cozinha, tinha se tornado o
lugar que eu mais visitava nesses quinze dias que já haviam se passado
desde a minha partida da casa de dame Emanuelle. Chega a ser irônico ou
apenas uma chacota amarga do destino, ter encontrado a edição de capa
amarela, tão envelhecida e abandonada na prateleira, de Drácula, de Bram
Stoker. Não resisti e acabei o pegando para ler, sendo minha anedota
particular da minha situação, e a comparação que fiz com meu estranho
anfitrião, já que na primeira noite nesse lugar, eu comparei meu quarto com
um dos cômodos do castelo de Conde Drácula. Ergo meu rosto e sorrio
quando Marrie entra na cozinha, segurando um punhado de cenouras e um
maço de salsinhas enquanto sorri para mim.
— Já desisti de tentar lhe tirar dessa cozinha, pequena! — ela diz,
rindo, entrando na cozinha pela porta que dá ao pátio de trás da residência.
— Acho que nunca vou conseguir.
— Também acho que não. — Sorrio para ela e nego com a cabeça.
— Bom dia, Marrie.
Levanto e vou para ela, pegando as cenouras da sua mão e as
levando para a pia.
— Bom dia, criança. — Marrie limpa seus sapatos no tapete,
enquanto suspira e olha para fora da porta. — Cristo, penso que vai vir uma
chuva forte, o dia amanheceu cinza...
Olho pela janela da cozinha, que fica de frente para a pia, o grande
céu do lado de fora, que está acinzentado.
— Só espero que não venha raios e trovões junto — murmuro,
desejando que realmente não chova. Eu odeio aqueles sons se quebrando no
céu, que me deixam assustada e me fazem recordar de memórias que eu não
quero.
— Se vier, não se preocupe, criança... Esse casarão aguenta até a
pior das piores tempestades — Marrie fala animada, parando ao meu lado e
dando um leve tapinha em meu ombro. — Dormiu bem? Estou lhe achando
com um aspecto ainda cansado, igual como no dia que chegou aqui.
Não, eu não estou dormindo bem. A verdade é que depois daquela
primeira noite que acordei do pesadelo, ele se tornou mais recorrente,
sempre me fazendo voltar para aquele momento em que Ana se atirou da
janela do sétimo andar do colégio interno. Eu acordo suada, sentindo meu
peito palpitando, com meu coração disparado, o que apenas me faz ficar
ainda mais dentro do quarto, preferindo ficar sozinha lá dentro. Mas a
meiguice de Marrie e sua doçura, foi quem me persuadiu a sair do quarto no
terceiro dia. Me afeiçoei a ela, apreciando ficar dentro da cozinha,
conversando com ela, enquanto eu lhe ajudava com alguma coisa, ao invés
de ficar perdida, andando pela casa, ou solitária dentro do meu quarto.
Ela havia me contado que sir Hector, como ela o chama, tinha
viajado um dia depois que me trouxe até aqui. Talvez isso tenha contribuído
para me animar a sair do quarto naquele dia. Eu gostava de ser útil, ajudá-la
com os afazeres da cozinha me fazia pensar menos na minha situação, e me
dava oportunidade de lhe conhecer ainda mais. Marrie tem quarenta e nove
anos. Pelo que pude entender, ela é a terceira geração da sua família a
trabalhar nessa casa, que outrora tinha sua avó como copeira e seu avô
como vassalo, depois sua mãe como cozinheira e seu pai era o chofer, e
agora Marrie é a cozinheira. Quando Edmundo não está na casa, ela assume
o posto de governanta, e desconfio que seu coração pertença a Edmundo, o
mordomo particular de monsieur Pellegrini. Ela sempre fica com os olhos
brilhantes quando fala o nome dele ou conta alguma história que ele esteja
junto com ela. Também conheci as duas moças que trabalham como
arrumadeiras. Elas moram no vilarejo que tem aqui perto, e foi uma delas
que me contou sobre a biblioteca e me disse onde ficava. Marrie e
Edmundo são os únicos empregados que moram no grande casarão. Eu
tinha ficado aliviada de Marrie não perguntar por que eu estava aqui, ou
qual o motivo da minha estada, porque eu não saberia lhe responder, não
tinha ideia do porquê dele ter me trazido para cá.
— Marrie, eu poderia lhe fazer uma pergunta? — murmuro, ligando
a torneira da pia para lavar as cenouras.
— Claro que pode, Eva. — Ela pega uma tábua e uma faca e vai na
direção da mesa. — Se essa velha souber a resposta, lhe darei com muito
prazer.
— Na primeira noite que eu dormi aqui... — Lavo as cenouras
lentamente, mordendo o cantinho da minha boca. — Eu ouvi uns sons
durante a madrugada...
Escuto o barulho seco da tábua de carne caindo em cima da mesa.
Desligo a torneira e viro meu rosto por cima do ombro, a vendo de costas
para mim, com sua cabeça abaixada, soltando um suspiro.
— É o fantasma do senhor Gusto que vive nessa casa, assombrando-
a. — A voz de Fila soa nervosa quando ela entra na cozinha. — Na vila,
dizem que se pode ouvir os agouros dele de madrugada dentro dessa casa...
— Oh, meu Deus, suma daqui, sua abelhuda, senão o único som que
vão ouvir é dos seus berros enquanto eu te bater com a panela, Fila! —
Marrie briga com a arrumadeira, falando zangada.
— Mas é verdade, senhora Marrie. Todos na vila falam disso...
— Sai! Anda, vá buscar o que eu te pedi ontem à noite. — Marrie
bota a jovem para correr, a fazendo ir para o pátio. — Foi gritos que ouviu
— ela fala com melancolia, quando estamos sozinhas novamente.
— Sim, eu ouvi gritos. — Pego uma bacia no escorredor de louça e
levo as cenouras limpas para dentro dela. Puxo um pano de prato e seco
meus dedos. — Aqueles gritos, eles eram do...
— Sir Hector — ela me responde rápido.
Eu estava certa então. Havia cogitado sobre isso nos dias que se
seguiram, já que depois daquela noite eu não ouvi os gritos novamente. Ele
tinha partido da casa no dia seguinte, por isso não houve mais gritos.
Seguro a bacia e pego uma faca, andando lentamente para a mesa e dando a
volta, me sentando na cadeira e ficando de frente para Marrie. Meus olhos
ficam abaixados enquanto descasco a cenoura, não sabendo se devo ser
enxerida e perguntar por qual motivo ele grita tão doloroso daquela forma.
— Alguns anos atrás, sir Hector sofreu um grave acidente de carro,
que causou lesões por todo corpo, mas uma de suas pernas foi mais
danificada — ela suspira, baixo, e deposita o maço de salsinha em cima da
tábua, o picotando. — Às vezes, ele sente dores muito fortes, dores
descomunais... — ela murmura com tristeza. — Quando isso acontece,
Edmundo é quem o socorre, pois sir Hector fica fora de si, agressivo e com
raiva. Estou lhe contando, porque não importa o quão alto ele grite por
conta da dor, Eva, mas nunca se aproxime dele quando estiver assim.
— Não vou. — Balanço minha cabeça em positivo para ela. — Mas
o que causa essas dores?
— Não entendo essas coisas que os médicos chamam de membros
fantasmas. Mas sir Hector sente muita dor quando essa flagelação o
consome. Edmundo me contou que os médicos garantem que a dor, em
parte, é ilusão da mente dele, criada pelo próprio cérebro, como se fosse
uma penitência que ele impôs como castigo a ele mesmo, o fazendo sofrer...
— Não entendo... — Ergo meu rosto para ela. — Como um cérebro
pode querer causar dor a si mesmo...
— Penso que seja mais a sua alma — ela fala, pensativa, me
deixando ainda mais perdida, sem entender. — Apenas nunca se aproxime
dele, quando ele estiver sofrendo com suas dores...
Antes que eu possa lhe perguntar o porquê, Fila retorna para a
cozinha pela porta do pátio, trazendo um pato com ela em seus braços.
— Pensei que teria que ir eu mesma buscar esse pato, Fila.
— Esse bicho deu maior trabalho para pegar! — a jovem
arrumadeira responde para ela.
Meus olhos se arregalam e encaro o animal, que é depositado sobre
a mesa.
— O que vão fazer? — Olho dele para Marrie, que está indo para o
armário e pega uma grande panela de bronze, deixando ao lado dele.
— Vamos assá-lo — Fila me responde, alegre. — Vai amar o pato
assado que Marrie faz — ela fala animada, saindo da cozinha e indo para o
interior da casa.
— Que Deus me perdoe pelo pecado do orgulho, mas realmente
devo confirmar que meu pato assado é divino! — Ergo meu rosto para ela
assim que vejo o cutelo em suas mãos. — Segure ele para mim, sim, Eva?!
— Vai matar o pato? — Me levanto, assustada, não acreditando que
o coitado do pato vai ser assassinado na minha frente.
— Apenas um certeiro e preciso corte em sua garganta e pronto, ele
nem saberá que já partiu desse mundo para outro... — Ela ergue o cutelo no
ar e estica sua mão para segurar o pescoço do pato. — Droga!
Chego a soltar um suspiro de alívio, quando uma buzina de carro do
lado de fora, no pátio de trás, chama a atenção dela.
— O entregador da mercearia chegou com minhas compras — ela
fala e repuxa seu nariz. — Tome. — Ela entrega o cutelo para mim,
retirando a bolsinha de dinheiro do bolso da sua calça.
— Mas o que eu faço com isso? — pergunto, olhando para a grande
faca que seguro em meus dedos.
— Acerte o pescoço dele, enquanto eu vou acertar minhas
compras...
— Quer que eu o mate? — Olho para ela e depois para o pobre
animal.
— É fácil, apenas corte sua garganta. — Ela sorri, falando animada.
— Já volto, e iremos depená-lo...
Fico congelada, olhando para o pato, enquanto Marrie sai da
cozinha, brigando com o entregador que tinha estacionado o carro no lugar
errado.
— Ok, só cortar a garganta! — Respiro fundo o ar e esmago meus
dedos ao redor do cabo da faca, parando minha outra mão na minha cintura.
— Não deve ser tão difícil, né? — digo e dou um sorriso amarelo para o
pobre pato, tentando encontrar coragem para fazer o que Marrie me pediu.
Dou um passo à frente, me aproximando da mesa, sendo encarada
pelo pobre pato, que faz eu me sentir uma assassina, com seu olhar cravado
no meu, como se tivesse suas dúvidas se eu terei coragem ou não de
assassiná-lo.
— Acho que se você não ficar me encarando, vai ser mais fácil de
fazer isso — sibilo e mordo minha boca, dando uma coçadinha em minha
nuca. — Olhe para lá!
Aponto na direção da janela e dou mais um passo para perto da
mesa. O pato me encara e passa seus olhos de mim para o cutelo, voltando a
me olhar, ficando imóvel em cima da mesa.
— Pensa que eu não tenho coragem, não é?! — falo brava para ele,
negando com a cabeça. — Pois fique sabendo que tenho, posso muito bem
cortar sua garganta sem sentir remorso algum.
Retorno para trás, abaixando o cutelo, com meus braços caídos ao
lado do corpo. Bato apressadamente a ponta do meu pé no chão,
semicerrando minha boca. O maldito pato permanece parado, me olhando
incrédulo que eu vá realmente o matar. Ergo meu braço de uma só vez, com
intenção de acertá-lo, mas o paro no ar.
— Merda! — Fecho meus olhos e respiro fundo, abaixando meu
braço. — Apenas olhe para o outro lado, ao invés de ficar me encarando. É
difícil cometer um crime com a vítima olhando.
— Quá... quá... — Ele solta um grasnar alto, como se estivesse
rindo da minha falta de coragem.
— Pato besta! — digo, chateada, e ergo meus olhos na direção da
porta, vendo ao longe Marrie distraída, conversando com o entregador. — É
o seguinte, vou me virar e vou te dar três segundos para salvar sua vida. Se
quando eu me virar de novo, de frente para a mesa, você estiver aí, vou te
matar sem pena alguma.
Viro rapidinho e fico de costas para ele, sentindo meus dedos
trêmulos. Esfrego minha mão no vestido enquanto conto mentalmente,
rezando para que a porcaria do pato tenha ido embora.
— Acho bom não estar mais aí, me ouviu, pato?! — resmungo e
bato ainda mais apressada meu pé no chão. — Vou me virar, se tiver aí, vou
ter que lhe matar...
Volto-me, com meus olhos fechados, esmagando meus dedos no
cutelo.
— Quáááá... — Abro apenas um dos meus olhos, o deixando
entreaberto, encarando o animal suicida, que ainda está parado feito uma
estátua no mesmo lugar.
— Que está fazendo aí, pato?! — Abro meus olhos por completo e
solto um tapa forte em minha perna. — Anda, xô... — Balanço minha mão
na direção dele, tentando lhe espantar. — Pato burro, anda, vá embora,
antes que Marrie volte e corte sua garganta...
O pato suicida, ao invés de pular para o chão e sair da mesa, fugindo
pela porta aberta, se demonstra conformado com seu fim e se move em
cima da mesa lentamente, entrando dentro da panela grande de bronze, me
dando o olhar mais triste que já vi em toda minha vida, como se tivesse
aceitado seu destino, em se transformar em um divino pato assado de
Marrie.
— Quá... — ele grasna para mim de forma mirrada, se encolhendo
dentro da panela, como se fosse o som da sua marcha fúnebre.
— Droga, pato! — murmuro e nego com a cabeça, fechando meus
olhos e não suportando mais ver seus olhinhos negros e vesgos
melancólicos. — Que Marrie não fique brava comigo...
Solto o cutelo em cima da mesa e pego o livro do Drácula em sua
ponta, o jogando dentro da panela, junto com o pato, antes de erguê-la em
meus braços, a segurando firme, e correr para fora da cozinha, como uma
doida, raptando o pato de Marrie. Fujo em direção à biblioteca,
agradecendo por não ter encontrado nenhuma das arrumadeiras em meu
caminho, usando minha bunda para empurrar a porta da biblioteca, a
abrindo.
— Será nosso segredinho, pato. — Sorrio para ele quando paro
perto da grande janela da biblioteca, escancarando-a, depositando a panela
ao chão. O seguro em meus braços e ganho outro grasnar dele. — Shhh!
Quer que Marrie nos ouça?!
Rio e me curvo sobre a janela, tendo minhas costas arqueadas,
ficando nas pontinhas dos pés para conseguir soltá-lo no chão.
— Vá, anda, pato, some daqui. — O espanto com minhas mãos
quando as mexo, para ele sair de perto da casa. — Vá fazer quá quá pra lá...
Sorrio e desencosto da janela, soltando um suspiro, aliviada por ter
conseguido salvar o pobre pato, o livrando de ser assado no forno. Meu
sorriso se desfaz, com meus olhos se arregalando e meu peito batendo
disparado, assim que me viro e sou pega sendo encarada pelo par de olhos
azuis safiras, que olha da minha face para a janela atrás de mim, sentado na
cadeira, atrás da escrivaninha, ao canto da sala. Ele volta a me encarar e
arqueia sua sobrancelha esquerda, batendo lentamente a ponta da bengala
no chão, se levantando.
— Mademoiselle?!
Abaixo meus olhos na mesma hora, encarando meus sapatos. Eu não
sabia que ele tinha voltado, muito menos que estava aqui dentro. Entrei tão
apressada para libertar o pato, que olhei apenas para a janela. Droga, Marrie
não tinha falado que ele estava para chegar!
— Perdão por ter invadido a sala, monsieur. — Esmago meus dedos
ao lado do corpo. — Não sabia que estava aqui.
— Cheguei há pouco tempo, passei aqui apenas para pegar uns
documentos. — Me encolho ao ouvir o som dos seus passos se
aproximando ainda mais, até ele estar a poucos centímetros de mim,
deixando seus sapatos lustrosos no meu campo de visão. — Preciso saber
por que acabou de jogar um pato pela janela?
— Pato? — balbucio covardemente, encolhendo meus ombros. —
Não vi pato, não...
Fecho meus olhos quando a ponta da sua bengala bate na lateral da
panela, ao chão, me pegando em minha mentira.
— Presumo que seja aquele pato passeando no jardim. — Sua voz
rouca está séria, enquanto fala de forma debochada.
Abro meus olhos na mesma hora, levanto a cabeça e viro para a
janela, encontrando a porcaria do pato desfilando tranquilamente pelo
gramado verde, se destacando com suas penas brancas, como se estivesse
em um desfile de modelo.
— Pato ingrato! — rosno, baixo, e fecho meus punhos. Assim que
me viro novamente, meus olhos ficam presos nos seus, que estão me
olhando com um brilho divertido em seus olhos enquanto me encara. — E-
eu...
Sinto meu coração disparar ao me recordar do que houve na última
vez que fiquei assim, tão pertinho dele, como meus lábios foram esmagados
pelos seus. Respiro rapidinho e pisco, atrapalhada, desviando meus olhos
das duas pedras azuis cintilantes que me encaram, ficando resignada a
observar apenas sua gravata.
— Não tive coragem de matá-lo, e senti pena em deixar Marrie o
assar — confesso meu crime para ele como se fosse um condenado diante
do juiz, rezando para que ele tenha misericórdia de mim.
— Está dizendo que fugiu com o pato de Marrie para ela não o
assar? — O timbre grosso da sua voz repercute em meu ouvido, fazendo eu
me sentir ainda mais culpada, mas não arrependida por ter salvado o pobre
pato. — E aquilo desfilando no meu gramado seria o meu almoço?
— Sim... — respondo de forma miserável para ele, encarando seu
pomo de adão, soltando um suspiro e erguendo meus olhos para os seus. —
Eu sinto muito, monsieur Pellegrini.
Vejo seu olhar ficar mais intenso, mas de uma forma que não
compreendo se ele está bravo comigo ou não, por ter roubado o pato.
— Eva... EVAAAA! — Ele quebra seu contato de visão comigo e dá
um passo para o lado, ficando na minha esquerda, quando a voz de Marrie
grita, me chamando. — Eva, onde está o pato?! Oh, sir Hector, já está em
casa!
Ele balança sua cabeça para ela, a cumprimentando, usando sua
bengala para empurrar a panela para atrás das suas pernas, a escondendo
dos olhos de Marrie.
— Acabei de chegar. — Ele estufa seu peito para frente e vira seu
rosto para mim. — Mademoiselle estava me agraciando, contando sobre sua
estada em minha casa, muitas aventuras, eu presumo.
Sinto minhas bochechas queimarem de vergonha e sinto seu olhar
repousado sobre mim.
— Oh, não sei onde essas aventuras! Se não a encontra nessa
biblioteca, enterrada em um livro, é dentro da minha cozinha — Marrie
fala, rindo, e balança suas mãos no ar. — Por falar em cozinha, Eva, onde
está o pato?
— Pato? — balbucio, perdida, para ela, como se não soubesse do
que ela está falando.
— O pato que deixei na cozinha com você, onde ele está? — ela
pergunta para mim. — O bicho sumiu de lá!
— E-eu...
— Creio que o pato não fará falta, Marrie — monsieur Pellegrini me
corta, falando sério, virando sua face para Marrie. — Prefiro carne bovina
para o almoço. Edmundo deve estar na garagem, peça para ele lhe levar até
a vila, para comprar um corte fresco.
A face dela se ilumina e deixa um sorriso ficar escondidinho na
lateral dos seus lábios, enquanto balança sua cabeça em positivo.
— Irei agora mesmo, sir Hector. — Marrie sai alegre, ao saber que
irá passear com Edmundo, o que a faz esquecer do sumiço do pato.
Respiro aliviada e solto o ar lentamente por minha boca, esfregando
meu rosto. Dou um passo para o lado e me abaixo para pegar a panela atrás
dele. Me levanto e olho tímida para o estranho homem em seu terno negro.
— Obrigada por não ter me delatado — murmuro e aperto meus
braços na panela, sem conseguir fazer essa sensação do meu coração
disparado em meu peito se dissipar, por ter seus olhos azuis cravados em
mim.
— Ainda bem que não era um animal de grande porte, presumo que
seria difícil o deixar escapar pela janela — ele fala sério e solta um longo
suspiro.
— Sim... — Sorrio e balanço a cabeça em positivo. — Desconfio
que eu entraria na frente de Marrie e imploraria para ela poupar a vida do
pobre animal.
— Tenho certeza de que faria isso. — O vejo repuxar sua face,
como se estivesse aborrecido, apoiando o peso do seu corpo na bengala.
— Eu vou guardar a panela e lhe deixar sozinho. — Abaixo meu
rosto e encaro a panela em meus braços. — Mais uma vez, me desculpe por
ter invadido a biblioteca e ter lhe atrapalhado.
Viro lentamente e ando em direção à porta, ouvindo a respiração
pesada dele.
— Filho do dragão. — Escuto a voz dele falando alto atrás de mim,
o que me faz parar de andar e girar meu rosto para ele.
— Como?
— Drácula... — ele responde sério, me encarando. — Significado
do nome em latim, filho do dragão. Em romeno, Dracul significa diabo, o
que seria filho do diabo. Esse é o verdadeiro significado do título do livro
que pegou da minha prateleira e agora está nessa panela.
— Oh, claro, o livro! — Sorrio, envergonhada, e abaixo meu rosto
para a panela, vendo o livro lá dentro, que tinha pegado para usar como
desculpa para Marrie, quando me perguntasse aonde eu fui depois que
deixasse o pato livre. — Eu o peguei para ler, ontem de tarde... Peço
desculpas se fui intrometida e o peguei sem lhe pedir permissão.
— Não estou lhe recriminando, mademoiselle. É uma convidada em
minha casa, tem livre-arbítrio para ir aonde quiser e pegar o que deseja sem
precisar pedir para mim. — Ele dá de ombros e caminha de volta para sua
mesa, usando palavras afáveis para dar uma falsa ilusão que sou convidada.
Se realmente fosse convidada, eu poderia partir a hora que quisesse, o que
não é o meu caso. — Apenas me intrigou lhe ver com uma leitura um pouco
incomum para uma jovem. — Ele dá de ombros e gesticula sua mão,
parando perto da sua mesa, me dando um olhar esnobe. — Talvez esperasse
algum gênero mais melodramático e romântico, como Romeu e Julieta, o
enfadonho amor juvenil, que costuma ser mais do agrado da sua idade.
Não sei porque o fim da sua frase me parece deboche, que ele está
caçoando de mim ao citar Romeu e Julieta e falar sobre minha idade. Fico
séria e o encaro, vendo sua expressão rabugenta estampada em sua face,
como se apreciasse ser soberbo.
— Na verdade, eu sempre preferi Tristão e Isolda[25]. Ou Gomes e
Mortícia Addams [26] — falo seriamente, o encarando e recebendo um olhar
estranho dele. — Mas acho que esse tipo de leitura não agrada homens da
sua idade.
— Já pode se retirar, mademoiselle. — Ele se senta na cadeira e
abaixa sua cabeça, me dispensando da biblioteca enquanto balança sua mão
no ar. — Já socializamos demais para um único dia.
Viro e encaro a porta aberta, sentindo meus dedos esmagando a
porcaria da panela, desejando poder acertar a cabeça dele com ela.
— Sujeitinho abominável! — murmuro e caminho para fora da
biblioteca, não entendendo qual o problema desse homem insuportável.
Se ele faz questão de demonstrar que minha presença o desagrada e
o deixa aborrecido, por que fui obrigada a vim para cá com ele?
CAPÍTULO 7

 
Trovão e escuro
 
Hector Pellegrini
 
O som da batida na porta me faz erguer minha cabeça e ouvir a voz
de Edmundo pedindo para entrar.
— Entre. — Lhe dou a permissão e fecho a pasta de documentos
que estava aberta em cima da minha mesa.
— Seu chá, sir Hector! — Ele entra na sala e segura uma bandeja
em suas mãos.
— Pode deixar em cima da mesa, por favor — falo brevemente e
aponto para a mesa. — Mademoiselle Fishie saiu do quarto?
— Não, senhor. Marrie está inconformada, na cozinha, pois tentou
de tudo o dia inteiro, mas mademoiselle se recusou a sair novamente,
alegando não estar com fome, por isso não desceu para jantar — ele me
responde calmo, ficando parado na frente da mesa. — Marrie me
confidenciou que ela estava um pouco mais animada nesses últimos dias,
mas que se fechou novamente, voltando a ficar trancada no quarto.
— Deixe-a — falo, sem dar muita importância para os faniquitos de
Marrie, que não entende a reclusão da jovem. — Quando estiver com fome,
saberá encontrar o caminho da cozinha — digo, baixo, sabendo
perfeitamente bem o que causou a reclusão de Eva.
— Marrie me perguntou algo sobre a noite que mademoiselle
chegou a essa casa. — Seguro minha xícara de chá e ergo meu rosto para
ele. — Ela me perguntou se foi eu que entrei no quarto da jovem e acendi a
lareira.
— O que disse a ela? — Relaxo meus ombros, o olhando com
calma.
— Eu fingi que ouvi o sir me chamar e saí da cozinha. — Ele dá de
ombros, respondendo rápido. — Ela disse que a jovem estava assustada
quando lhe perguntou isso.
— Se ela tivesse pedido para Fila acender a lareira do quarto dela,
eu não precisaria ter que ir lá fazer isso — falo sério, tomando meu chá.
— Marrie pediu, mas, com certeza, a pobre jovem deve ter
esquecido. — Ele desvia seus olhos dos meus e anda na direção da janela,
fechando as cortinas. — As arrumadeiras têm medo de andar pelos
corredores do casarão quando a noite cai, elas pensam que Gusto assombra
essa casa durante a noite.
— A imaginação dessas pessoas me espanta às vezes — digo, rindo,
olhando a janela quando Edmundo se afasta, me recordando do pequeno
corpo debruçado nela. — Tenho certeza de que se fantasma existisse, o
velho Gusto arrastaria correntes em outro lugar, não aqui.
O vestido longo, de mangas compridas, cobria praticamente seu
corpo inteiro, combinando com o lenço preso em seus cabelos. Meus olhos
ficaram presos no sorriso que se abriu em sua face quando ela libertou o
sortudo pato, que a deixava feliz.
— Tenho certeza disso, sir Hector. Seu avô amava esse casarão, ele
sempre dizia que os dias mais felizes dele foram aqui.
— Desconfio que ele foi o único a saber o que realmente é ser feliz
nessa maldita família — falo ríspido, depositando a xícara de chá em cima
da mesa. — Peça para Marrie deixar o quarto de Eva sempre aquecido. Não
a trouxe para cá, para que morra de hipotermia durante a noite.
— Pode deixar, eu vou pedir, sir Hector. — Edmundo bate seu pé
lentamente no chão, ficando parado no mesmo lugar.
Tinha observado seu corpo encolhido na cama, com ela deitada de
forma fetal e sua face molhada pelo choro, na certa amaldiçoando o destino
por ter posto um aleijado em seu caminho, que a arrastou para esse fim de
mundo. Depois que acendi a lareira, permaneci um bom tempo lá dentro, a
observando, antes de partir, na primeira noite que ela dormiu nessa casa.
— Estou indo para meu quarto, Edmundo, está dispensado por essa
noite.
— Mas, sir, suas dores... — Escuto sua voz preocupada, mas o
silencio quando meu rosto se vira e o encaro de forma severa.
— Está dispensado, Edmundo — retorno a falar, só que dessa vez
um pouco mais enérgico, para que ele compreenda minha ordem.
— Creio que talvez minha presença seja necessária, a viagem foi
desgastante, se sir precisar de mim...
— Edmundo, lhe dei uma ordem! — Paro no centro da biblioteca e
respiro fundo, esfregando minhas têmporas. — Não me faça ter que ser
repetitivo ou vou chutar seu rabo para fora dessa sala. Lembre-se que ainda
tenho uma perna boa!
Ouço o riso dele atrás de mim e me viro, olhando-o e recebendo
uma confirmação de cabeça.
— Como desejar, sir.
— Ótimo — o respondo sério e viro, retornando a caminhar em
direção à porta. — Edmundo...
Paro de andar e fecho meus olhos enquanto esmago meus dedos na
cabeça da cobra.
— Sim, sir Hector.
— Peça para Marrie levar uma bandeja com leite morno e biscoito
para a mademoiselle — sussurro para ele, recordando de assisti-la distraída
na cozinha da casa de Emanuelle, sentada à noite, se entupindo disso, não
notando minha presença, parado no corredor escuro daquela espelunca, a
observando.
— Claro, sir, irei pedir.
Balanço minha cabeça em positivo e volto a caminhar, saindo da
biblioteca e sentindo as malditas pontadas de dores em minha perna a cada
passo. Meus olhos observam a casa com baixa iluminação, enquanto subo
lentamente os degraus das escadas. A linhagem dos Pellegrini retratada nas
pinturas, me encara como se eu fosse o lixo que sobrou para carregar o
maldito sobrenome dessa família miserável.
 
Eva Fishie
 
Seco meus cabelos e caminho lenta pelo quarto, observando a lareira
acesa, a qual Marrie estava acendendo quando entrei no banheiro para
tomar banho.
— Não precisava fazer isso, Marrie. — Estendo a toalha em uma
cadeira, perto da penteadeira, e ando lentamente para perto da lareira.
— Oh, mas a noite faz muito frio, é bom ter o quarto quente! Ande,
venha, se alimente! — Viro e olho para ela, a vendo pegar uma bandeja em
cima da penteadeira. — Trouxe algo que pode gostar.
— Biscoito... — Sorrio e observo o prato repleto de biscoitos
grandes e redondos, com gotas de chocolate. — Eu amo biscoito, ainda
mais com leite! — Olho para ela e retiro a bandeja das suas mãos. — Como
soube?
— Talvez um passarinho tenha me contado que poderia abrir seu
apetite com isso...
Me sinto culpada e envergonhada com o olhar doce que ela me dá.
Não fiz uma desfeita por maldade, ao me recusar a sair do quarto para
almoçar e jantar, apenas preferi ficar quieta aqui dentro, do que impor a sir
Hector arrogante de merda, ter que socializar comigo novamente, só por
obrigação, quando Marrie me obrigasse a sentar na mesa da sala de estar
com ele. Ela já tinha me falado que quando ele retornasse para casa, eu não
podia mais fazer as minhas refeições na cozinha, com ela e com as
arrumadeiras, mesmo eu insistindo que preferia ficar lá.
— Obrigada, Marrie — murmuro e sorrio para ela, me sentando
lentamente no tapete e ficando perto da lareira, abaixando com cuidado a
bandeja. — Obrigada por trazer isso para mim.
— Não tem que agradecer, minha criança. Estava preocupada,
pensando que você iria dormir com fome — ela diz, rindo. — Jamais
permitiria isso acontecer, imagina deixar alguém dormir com fome...
Sim, eu podia imaginar, pois já tinha dormido várias vezes com
fome, e posso garantir que dormir sem se alimentar era o único castigo
menos doloroso que as freiras podiam me dar.
— Prometo que vou levar a bandeja, quando eu terminar de comer,
de volta para a cozinha — sussurro para ela e ergo meu rosto, pegando um
biscoito.
— Não se dê ao trabalho, darei uma saída, mas quando voltar para
casa, passo aqui e pego. — A olho com mais atenção, mastigando meu
biscoito, vendo um sorriso maroto em seus lábios.
— Vai sair essa noite? — pergunto e sorrio, tomando um gole de
leite.
— Sim, vou apenas até a vila, visitar uns amigos. O senhor
Edmundo me ofereceu uma carona, já que ele também vai para lá...
— Você e o senhor Edmundo vão sair juntos então? — Vejo as
bochechas dela ficarem vermelhas, com sua face negando rapidamente.
— Não disse isso, mocinha. Falei que ele vai me dar uma carona. —
Ela passa suas mãos em seu vestido preto, de corte formal. — Termine logo
esse lanche e vá se deitar. Para uma pessoa que passou o dia todo no quarto,
está muito curiosa agora, Eva!
Rio, a vendo sem graça, saindo feito um foguete para fora do quarto,
me deixando sozinha, com meu biscoito e leite. Depois que termino de
comer, meu prato fica com apenas com algumas migalhas e o copo vazio.
Empurro lentamente a bandeja para o lado e foco meu olhar nas chamas,
sentindo o calor que a brasa faz, aquecendo o quarto inteiro. Meus joelhos
se erguem e meus pés se arrastam, flexionando minhas pernas, até ter
minhas coxas perto da minha barriga. Inclino meu corpo para frente e
deposito meu queixo em minha perna. Estico meus braços para perto da
lareira e deixo o calor do fogo aquecer meus dedos, ficando perdida na
dança lenta que as chamas fazem enquanto queimam a lenha. Tombo meu
corpo lentamente no chão, o colocando de lado e mantendo meus joelhos
perto do meu peito, fechando meus olhos lentamente, enquanto abraço
minhas pernas e fico com meu corpo encolhido, ouvindo o som das brasas
estalando.
— Balança sua cabeça em positivo para mim, se você consegue
andar. — O dedo indicador fino, parado na frente dos meus lábios, me
silencia enquanto seus olhos vermelhos de choro estão presos aos meus.
Balanço minha cabeça em positivo e sento lentamente, olhando
para Ana, que está de pé, ao lado da minha cama, dentro do quarto frio,
com paredes de pedra bruta.
— Eu vou fugir, Eva... — Ana soluça baixo e fecha seus olhos,
encolhendo seus ombros. — Vem comigo, precisamos sair daqui agora.
Minha cabeça pequena balança mais depressa em positivo para ela,
enquanto deixo meus pés tocarem o chão. Sinto a fraqueza em meu corpo,
por estar há três dias sem me alimentar, de castigo, com minhas pernas
machucadas pela surra que eu levei da freira. Minha mão, tão magra, se
prende na dela, a deixando nos levar para perto da porta. Ana gira a chave
lentamente e abre a porta do quarto, levando sua cabeça primeiro para
fora, para conferir que está seguro.
— Tem certeza de que consegue andar? — Sua face gira para mim,
me olhando preocupada.
Eu não sei. A verdade é que estou tão fraca e faminta, que nem sinto
mais força em meus músculos. Mas a única coisa que tenho certeza, é que
eu me arrastaria no chão, feito um bicho, se fosse preciso, para poder sair
daqui. Seguro com mais força seus dedos e dou um passo para frente, me
segurando na parede, para sustentar meu corpo. Um instinto primitivo de
sobrevivência me governa, rasgando dentro da minha alma um grito de
socorro, o que me faz levar um pé depois do outro, não permitindo meu
corpo fraquejar e desabar no chão. Deixo o desejo de liberdade ser maior
do que tudo. Eu não quero morrer, não quero ficar aqui. Eu quero ser livre
e ir para bem longe desse lugar, longe da dor, longe do inferno no qual fui
jogada. Quero encontrar a minha madrinha e dizer para ela como esse
lugar é cruel e horrível. Os dedos finos se prendem aos meus e apertam
forte minha mão, caminhando na direção da janela, enquanto soluça,
chorando baixinho. Ana solta minha mão e abre a janela do quarto, ao fim
do corredor do sétimo andar do prédio, que é o quarto da madre superior, o
único cômodo do colégio interno inteiro que não tem cadeados. Ana leva
sua cabeça para fora e solta um baixo suspiro.
— Eu vou primeiro, depois você vem, Eva — ela fala triste,
limpando seu rosto, quando vira sua face para mim. — Só temos que
conseguir chegar até a escada de incêndio, e vamos conseguir sair daqui.
Meus pés descalços se esmagam no chão e eu tento manter as
forças das minhas pernas, que estão fracas. Aperto meus dedos na camisola
e olho para ela, balançando minha cabeça em positivo. A vejo passar
lentamente pela janela e se segurar na beirada dela, enquanto passa
primeiro suas pernas para fora.
— Vem! — Ana estica seu braço para mim e balança sua mão com
pressa. Seus olhos ficam arregalados, em puro pânico, olhando para trás
de mim.
— Onde vocês duas pensam que estão indo?
Me viro, assustada, quando a voz zangada da madre fala atrás de
mim, vendo ela e a freira regente nos encarando. Tento correr para a
janela, mas meu corpo é imobilizado pela cintura, assim que o par de
braços se fecha à minha volta, me tirando do chão. Grito em meio ao
choro, me esperneando e esticando minha mão na direção da janela. Meus
olhos estão presos nos olhos verdes chorosos de Ana, que balança sua
cabeça para os lados.
— Sabia que as duas cadelinhas estavam aprontando! — a freira
regente fala com raiva, me jogando com brutalidade ao chão. — Leva essa
daqui de volta, para o castigo da madre. Pode deixar que, da outra, eu
cuido.
Tento me levantar, para impedir que ela se aproxime de Ana, mas
sou imobilizada pela madre, que me puxa pelos cabelos.
— ANAAAA... — grito e estico minha mão para ela, a vendo me
olhar com tristeza.
— Me perdoa, mas eu não aguento mais — murmura para mim,
negando com a cabeça, enquanto chora. — Eu prefiro morrer a continuar
aqui...
Ana abre seus braços lentamente, me dando um último sorriso antes
de impulsionar seu corpo para trás e se atirar da janela.
— NÃOOOOOO! — A voz rasga minha garganta, enquanto choro e
sinto as lágrimas em minha face, tendo meu corpo trêmulo, com o suor
colando a camisola em minha pele.
Sinto meu peito rasgar com as batidas fortes do meu coração, e as
lágrimas escorrerem mais forte por meus olhos. Observo meu braço
erguido, com meus dedos esticados, não tendo ninguém para segurá-los. O
trovão alto faz um estrondo grotesco, me fazendo olhar na direção da janela
e enxergar a chuva forte do lado de fora. Respiro fundo e encolho meus
ombros, sentando-me lentamente no tapete do chão do quarto, onde tinha
adormecido. Vejo a lareira que está quase se apagando. Me abraço e sinto
meu corpo gélido, sabendo que não é porque dormi no tapete só de
camisola, sem a coberta, mas sim pelo pesadelo que se repete e se repete.
Mas hoje foi pior, porque parecia tão real, como se estivesse vendo Ana se
jogar novamente pela janela daquele quarto, tirando sua própria vida. Outro
trovão explode mais alto.
— Por que não podia só chover?! — murmuro com tristeza e sinto
como se cada trovão que corta o céu, estivesse explodindo dentro da minha
cabeça.
  Levanto com tristeza e pego a bandeja em meus dedos, fungando
baixinho e caminhando para a porta do quarto. Abro e enxergo o grande
corredor escuro, o que me faz tomar um pouco mais de coragem para
conseguir o atravessar. Eu odeio o escuro. Só Deus e eu sabemos o quanto
eu sinto pavor com a escuridão, mas meu carinho por Marrie é o que me faz
ter forças, pois se ela tinha se dado ao trabalho de trazer a bandeja para
mim, não seria ingrata ao ponto de deixar aqui, para ela vir retirar.
Ando lenta, encolhendo meus ombros, rezando para conseguir
chegar até a cozinha sem tropeçar e acabar derrubando as coisas. E é com
alívio que eu acendo a luz da cozinha quando chego nela. Deixo a bandeja
na pia e lavo o copo e o prato, os levando ao escorredor de louça. Passo um
pano na bandeja e a guardo em seu lugar, na segunda prateleira do armário
na parede. Respiro fundo e abraço meu corpo, parando meus olhos no
relógio na parede da cozinha, vendo que já são quase 3h da manhã. Suspiro
e viro lentamente, para voltar para o meu quarto, deixando a luz da cozinha
acesa, para poder iluminar as escadas. Já estou virando para entrar no
corredor, depois que subi os degraus, quando novamente o trovão explode
lá fora, me fazendo pular assustada.
— É uma porcaria de chuva! — Esfrego meu peito e tento controlar
o meu medo. — Só uma chuva...
O som alto e potente que corta dentro do casarão, me faz virar
assustada, ficando de frente para o corredor do outro lado da escadaria, sem
saber se foi um trovão ou um grito horripilante que eu ouvi. Meus dedos
friccionam mais rápido em cima do meu coração e olho amedrontada para o
corredor escuro, quando o som se faz novamente, me deixando saber que
realmente é um grito. É um eco doloroso, como se estivesse sendo imposto
a pior dor desse mundo a um ser vivo. Olho nervosa na direção da luz acesa
da cozinha, esperando para que Edmundo ou Marrie venham de lá. Sei que
os quartos dos funcionários ficam perto da cozinha.
CAPÍTULO 8

 
A fera
 
Hector Pellegrini
 
— Tenha calma, conversarei com o vovô — falo sereno para meu
irmão, tocando novamente em seu ombro, para que ele olhe para mim. —
Ele não será contra sua união com a menina.
— Sabe o que ele me disse, Hector? O que esse verme teve a
coragem de olhar em meus olhos e dizer? — Joseph fecha seus olhos e
nega com a cabeça. — Que amar uma empregada é como se afeiçoar a um
porco, que mais cedo ou mais tarde terei que vendê-la, para deixar outro a
comer. — Os olhos do meu irmão se abrem com cólera e me encaram. —
Nunca mais voltarei para essa casa, nunca mais Oliver irá pôr os olhos em
mim. Eu vou ser feliz com a mulher que eu amo...
Ele avança para adentrar no veículo, mas seguro seu ombro e retiro
as chaves da sua mão.
— Deixa que eu dirijo, não vou permitir que conduza o carro nesse
estado. — Sorrio para meu irmão, tomando seu lugar no banco do
motorista.
Ligo o carro e espero que ele entre. Giro meu rosto e encaro meu
pai parado na janela, nos olhando.
— Às vezes, eu queria saber se ele realmente consegue amar
alguma coisa que não seja esse maldito poder que o sobrenome Pellegrini
tem.
— Não, ele não ama nada, Joseph — respondo meu irmão e olho
para frente, soltando o freio de mão do carro, trocando as marchas e o
acelerando, entrando na autopista.
— Ainda bem que eu tenho você...
— E sempre irá ter. — Troco de marcha e acelero novamente,
desviando de um carro à minha frente. — Sabe que ele apenas está bravo
porque sempre pensou que você seguiria os passos dele.
— Eu não estou nem aí para ele, vou seguir os meus passos, não os
dele. E se ele quiser seguir em frente com essa ameaça de me deserdar, que
se foda! Prefiro viver sem um vintém dele, do que continuar lhe
obedecendo. — Sorrio ao ouvir a voz do meu irmão, que fala firme. — Vou
me casar com a mulher que eu quero, e não com a mimada que ele
escolheu, apenas porque vem de uma família nobre como a nossa. Não me
importo de trabalhar duro e pegar no pesado, para dar a vida que a mulher
que eu amo merece...
— Quero ver isso de perto, o burguês almofadinha dos Pellegrini
pegando um dia de serviço — digo, rindo, brincando com ele.
— Ainda sou seu irmão mais velho, Hector. — Joseph ri e esfrega
sua mão na minha cabeça.
— Mas que merda, pare de fazer isso, estou dirigindo! — brigo com
ele e viro meu rosto para o seu.
— HECTOR, O CARRO... — meu irmão grita, erguendo suas mãos
para frente.
— JOSEPH! — Me sento na cama e sinto meu corpo suado, com
meu coração batendo rápido, enquanto grito por meu irmão. — OHHH,
PORRA... AHHHHHHHH! — grito com dor e jogo as cobertas para fora da
cama, sentindo como se minha perna estivesse sendo esmagada pela
estrutura de metal do carro novamente.
A queimação aumentando dá a sensação da pele sendo dilacerada e
os músculos rasgados. Tento sair da cama para alcançar os remédios em
cima da penteadeira. Seguro a bengala e apoio minha perna no chão, o que
me faz gritar novamente, em pura dor. Respiro fundo e caminho trêmulo até
a cômoda, sentindo o suor colado em minha pele. Meus olhos se fecham e
esmago minha boca, mordendo com força os meus lábios, sentindo como se
os poucos passos da cama até a cômoda fossem uma grande jornada para
mim.
— AHHHHHHH! — Meu corpo se inclina para frente e ranjo meus
dentes, com a dor ficando pior a cada segundo.
Meu braço se estica e quero alcançar o frasco de remédio, mas ainda
preciso de mais um maldito passo para conseguir chegar até ele. Me
empurro, tentando andar, mas isso acaba fazendo eu me atrapalhar quando
perco por completo o movimento da minha perna, como se ela estivesse
inútil novamente. A porra do frasco rola longe e desabo no chão, feito um
saco de merda.
— INFERNOOOO! — Soco com raiva o chão e esmago a porra da
bengala caída ao meu lado, não tendo nada mais que a dor insuportável me
consumindo.
Escuto o som da porta do quarto sendo aberta e a luz acender, o que
faz eu me sentir um inútil inválido, por estar caído dessa forma no chão.
— SAI DAQUI, EDMUNDO! — grito com raiva, socando o chão
com mais força, deixando minha testa colada no piso. — SAI AGORA,
PORRA! — rujo mais alto, odiando a forma como eu acabei: um
imprestável aleijado, que não consegue nem chegar até seu próprio remédio
sem cair no chão, não sendo nem uma fração do homem que eu já fui um
dia. Agora não passo de um ser miserável e repleto de dor, amaldiçoado
pelos fantasmas do passado, que me consomem todo maldito dia da minha
vida de merda.
Ouço o som dos passos se aproximando lentamente, enquanto ele
observa a minha humilhação. Meus dedos se esmagam com mais raiva na
bengala e a trago para frente, usando de todo meu ódio para deferir com
raiva no ar, para que Edmundo se afaste.
— Sai, inferno!
O pequeno gritinho de dor sendo abafado por um soluço de choro,
me faz erguer meu rosto na mesma hora, encontrando o par de olhos negros
marejados, me olhando assustada, com sua mão fechada perto do peito. As
gotas de sangue escorrem da sua mão, onde a bengala acertou. Ela está
ajoelhada no chão, com seus cabelos soltos caindo em seus ombros,
parecendo uma criança assustada, como se estivesse diante de uma fera. Me
arrasto e tento me sentar, vendo as gotas do seu sangue pingando da cabeça
da cobra da bengala, que está presa em minhas mãos.
— Eva... — Olho para a mão dela com remorso, não desejando ter a
machucado, e muito menos fazê-la me olhar com medo.
Ela abaixa seu rosto e me deixa ver a lágrima rolando por sua
bochecha, caindo em seus joelhos. Sua mão ferida se afasta do seu peito e
se estica para mim, deixando o frasco de remédio à minha frente, de pé, no
chão.
— Eu sinto muito, monsieur.
— Evaaaa... — Estico minha mão, tentando a segurar quando ela se
levanta e corre para fora do quarto, fechando a porta atrás dela, com medo
de mim. — PORRA!
Respiro rápido e fecho meus olhos, apertando o frasco de remédio
em meus dedos quando o pego. Abro meus olhos e vejo o sangue dela no
frasco, enquanto meu rosto fica rígido e meu maxilar travado. Cerro meus
lábios e minha cabeça se ergue na direção do espelho, na porta do guarda-
roupa, perto de mim. Vejo meu reflexo, com meu peito despido e com as
cicatrizes antigas dos cortes que o acidente de carro fez em mim. Meu rosto
está raivoso, completamente com o olhar transtornado e com os cabelos
soltos, desalinhados, caindo em meus ombros, enxergando exatamente o
que Eva viu.
Não é um aleijado, com a porcaria da perna atrofiada e com dor,
largado no chão, apenas com a calça do pijama, mas sim uma fera raivosa e
assustadora, que a feriu. Seguro com ódio a maldita bengala e arremesso-a
com toda força na direção do espelho, o fazendo se quebrar e se estraçalhar
no chão com seus cacos.
CAPÍTULO 9

 
Trsitão e Isolda
 
Eva Fishie
 
— Ande, mocinha, me deixe ver isso! — Marrie balança sua mão
em minha direção, tendo a outra em sua cintura, batendo seu pé no chão da
cozinha e me encarando.
— Já disse que não foi nada, Marrie — suspiro e nego com a
cabeça, lhe dando um sorriso, batendo meus dedos em nervoso ao lado do
corpo. — Eu já cuidei, é apenas bobagem.
— Primeiro, enrolar um pedaço de uma fronha em sua mão não é
cuidar. Segundo, se é bobagem, então não tem por que não me deixar ver.
— Marrie estreita seu olhar. — Eva, se não me deixar ver, vou chamar sir
Hector nessa cozinha agora...
Quase imediatamente estico meu braço para ela, ganhando uma
bronca com seu olhar ao encarar o retalho da fronha que usei ontem à noite
para estancar o sangue do ferimento da minha mão.
— Cristo, nunca vi nada tão pavoroso! — ela fala, brava, e balança
a cabeça para os lados. — Ande, sente, vou pegar o kit de primeiros
socorros! — Marrie resmunga, chateada, e solta minha mão, caminhando
para o armário.
— Marrie, realmente não é necessário, daqui a pouco já vou tirar
isso...
— Não tem depois, vamos tirar isso daí agora, e fazer um curativo
decente! — Assim que encontra o que estava procurando, Marrie se vira
para mim e me dá um sorriso carinhoso. — Ande, criança, deixe Marrie ver
esse arranhão de perto.
Sento meu corpo na cadeira de forma pesada, enquanto a vejo
arrastar uma cadeira e sentar-se à minha frente. Marrie coloca o kit de
primeiros socorros sobre a mesa e segura minha mão, a virando lentamente.
Seus dedos desfazem o laço torto que fiz na palma da minha mão e retira o
retalho, me fazendo fechar meus olhos quando ela vira minha mão e olha o
dorso.
— Cristo, Eva, isso não é nem de longe um arranhão! — Abro
apenas um olho ao ouvir a voz dela. — Isso aqui está horrível...
Retraio meus dedos e sinto uma ardência em volta do machucado,
quando ela o toca com a pontinha do seu dedo. Inclino meu rosto para o
lado e observo o corte que não me parecia tão feio na noite passada. A pele
em volta está arroxeada, tendo o corte preciso em linha reta, o qual aparenta
ter uns 6 cm, com vestígio de sangue seco.
— Como diabos conseguiu fazer isso em sua mão? — Marrie ergue
seus olhos para mim e me encara preocupada.
— E-eu... Bom, eu... — Mordo minha boca e olho o corte que a
cabeça da cobra fez em cima do dorso da minha mão, quando me acertou.
— Eu me descuidei e acabei me machucando com a pazinha de mexer na
lareira, quando me levantei do chão do quarto na noite passada — minto
para Marrie, não lhe confessando que eu fiz exatamente o que ela me pediu
para não fazer.
Mas os gritos de dor dele ficaram tão dolorosos, que não suportei
ouvi-los sem me sentir impulsionada a ir até lá quando vi que ninguém saiu
da direção do quarto dos empregados. Lembro de como não pensei quando
entrei no quarto e o vi caído naquele chão. O frasco de remédio estava perto
dos meus pés, eu só agi, queria poder tirar toda aquela dor dele.
— Oh, pequena, não deve mexer com aquela bugiganga velha! Olha
só o estado que está sua mão agora! — Marrie fala e pega algodão e álcool
no kit. — Vai arder um pouco, criança, mas precisamos limpar esse
ferimento.
Fecho meus olhos e mordo minha boca assim que minha pele aberta
queima, como se estivesse pegando fogo, mas não retiro minha mão de
perto de Marrie. Assim que ela limpa, abro meus olhos e a vejo pegar uma
pomada.
— Isso vai ajudar a cicatrizar mais rápido. — Ela sorri para mim e
me dá uma piscada.
Fico em silêncio, olhando perdida para Marrie, a vendo tratar do
meu machucado com tanto cuidado, como se eu fosse uma criança
atrapalhada. Nunca alguém cuidou dos meus machucados, joelhos ralados
ou surras brutais que eu recebia. Ela protege o ferimento com gazes e passa
a faixa com delicadeza depois que passa a pomada, enfaixando minha mão
com um sorriso doce estampado em sua face.
— Prontinho, viu, isso sim é um curativo... Isso aqui não! — Rio,
olhando o pedaço de fronha quando ela o ergue na ponta do seu dedo e o
balança à minha frente, antes de soltar novamente em cima da mesa.
Marrie se levanta e guarda as coisas do kit, se virando para guardá-
lo no armário.
— Obrigada, Marrie — murmuro para ela e sorrio quando ela se
senta novamente, segurando duas xícaras de chá e deixando uma à minha
frente.
— Viu, não foi tão ruim assim! — Ela estica sua mão e acaricia meu
rosto. — Se não fosse aquela bendita tempestade ontem à noite, eu teria
conseguido voltar cedo para casa e ter resolvido isso na mesma hora...
— Esqueça esse machucado bobo — digo e nego com a cabeça,
dando um leve tapinha em cima dos seus dedos. — Me conte como foi seu
passeio com o senhor Edmundo...
— Oh, sabia! — Ela puxa sua mão da minha face e fica
envergonhada, com suas bochechas rosadas ainda mais vermelhas que de
costume. — Ele apenas me deu uma carona, Eva.
— Mas eu não falei nada... — Me calo assim que ouço o som do
batuque da bengala, que bate no chão.
Puxo o pedacinho de algodão junto com o retalho de fronha de cima
da mesa, os deixando esmagados em meus dedos, os escondendo entre
minhas pernas, junto com minha mão enfaixada, olhando para a xícara de
chá.
— Sim, sir Hector?!
Me mantenho olhando para o chá, ouvindo o som pesado da sua
respiração quando entra na cozinha. E quase como se meu corpo soubesse
que ele está olhando para mim, sinto os pelos na minha nuca arrepiarem.
— Peça para Edmundo me encontrar na biblioteca, sim? — A voz
masculina sai de forma polida, enquanto ele bate lentamente a ponta da
bengala no chão.
— Oh, claro, pode deixar que já o avisarei... — Marrie se levanta e
fica de pé perto de mim. — Sir gostaria de uma xícara de chá? Posso fazer
um de hortelã. Fiz um agora há pouco, mas é de camomila e sei que...
Respiro mais forte e sinto meu coração disparar, batendo rápido
enquanto olho o líquido na xícara, me sentindo covarde por não conseguir
olhar para ele. Não desejo ver aquela ira novamente, a qual estava tão nítida
em suas íris azuis, como se fosse gelo, o mais frio e cruel gelo no lugar dos
seus olhos, me encarando zangado, por eu ter entrado em seu quarto.
— Tomarei esse mesmo, pode levar o chá na biblioteca. — Escuto o
som da respiração dele ficar mais pesada, enquanto toda a cozinha fica
pequena com sua presença masculina dentro dela.
O batuque da ponta da bengala, batendo no chão, fica ainda mais
insistente, como se estivesse me dando uma ordem para olhar em seus
olhos. Mas eu não o faço, uso da dor para poder controlar o meu corpo,
cravando fundo as unhas na palma da minha mão, retraindo ainda mais a
ferida do meu machucado.
— Sir Hector deseja mais alguma coisa? — Marrie pergunta, o
fazendo cessar com o maldito batuque.
— Non, merci!
Apenas percebo que estava segurando a minha respiração, a
mantendo presa em meus pulmões, quando ouço seus passos se afastando
da cozinha, o que me faz agradecer por estar sentada, porque sei que
desabaria na cadeira se estivesse de pé, com minhas pernas gelatinosas.
— Como foi a noite por aqui? — Marrie pergunta séria e me faz
erguer meus olhos para ela, que está me estudando.
— Foi tranquila... — murmuro e me levanto, caminhando para o
lixinho e jogando o trapo e o algodão dentro dele.
— Vocês dois se viram? — Ela fica mais séria e vira seu rosto para a
porta, retornando sua face para mim.
— Não, não... Para ser franca, depois que enfaixei minha mão,
apaguei. — Pego minha xícara de chá e dou uma leve assoprada no líquido
quente. — Acordei só hoje cedo...
— Hum! — Ela me olha, mais desconfiada que eu esteja mentindo,
enquanto eu disfarço e tomo meu chá. — Estranho o sir Hector vir até a
cozinha... Em todos esses anos que trabalho nessa casa, ele nunca entrou
aqui, tanto que eu jurava que ele nem sabia o caminho.
— Ele veio atrás de Edmundo — sibilo e afasto a xícara dos meus
lábios.
— Edmundo?! — Marrie ergue seu dedo e bate na pontinha do seu
queixo, ficando pensativa. — O mesmo Edmundo que vive colado em sir
Hector, feito uma sombra?! Não sei o que me deixa mais intrigada, se é ele
ter vindo até a cozinha usando uma desculpa esfarrapada, ou ter aceitado
uma xícara de chá de camomila, já que ele odeia...
— Não sei, talvez ele queira tomar agora... — Desvio meus olhos de
Marrie e fico de costas para ela, não sabendo como fugir da sua inquisição.
— Eva, o que houve nessa casa na noite passada? — Marrie segura
meus ombros e me faz virar, ficando de frente para ela.
— Não houve nada...
— Não minta para mim, não quando esse homem entrou aqui e
ficou com os olhos dele cravados em você, como se tivesse achado o
caminho da cozinha só pelo seu cheiro...
— Eu ouvi os gritos dele ontem — a respondo, baixinho. — Não fiz
por mal, Marrie, ele estava gritando com tanta dor...
— Oh, céus, entrou no quarto de sir Hector? — Balanço minha
cabeça em positivo, fungando baixinho.
— Ele deve ter vindo até aqui porque está bravo comigo. — Viro
meu rosto para a porta, como se ele ainda estivesse lá.
Marrie segura meu rosto e vira novamente para ela, enquanto me
encara. Seus olhos caem para minha mão e fica pensativa, antes de voltar a
me olhar assustada.
— Senhorita Marrie, vai querer que eu vá agora para a vila comprar
as coisas que me pediu? — Dou um passo para trás, ficando de costas para
Fila, que entra na cozinha e conversa com Marrie.
— Oh, sim, quase me esqueci! — Marrie fala apressada. — Aqui
está a lista e o dinheiro. Não deixe faltar nada, quero tudo que tem aí para
preparar um almoço fresquinho...
— Pode deixar, não vou esquecer nada — Fila a responde, alegre, e
ouço seus passos andando na direção da porta da cozinha.
— Fila, espera! — Marrie chama por ela. — Por que não leva Eva
com você? Assim ela pode conhecer a vila e sair um pouco desse casarão...
Viro meu rosto na mesma hora para Marrie, a olhando surpresa
quando escuto o que ela falou.
— Eu posso passear na vila?
— Céus, Eva! Claro que pode, minha criança. — Ela sorri para mim
e me dá uma piscada. — Ande, vá passear com Fila!
— Obrigada, Marrie.
Abraço-a com força e sinto uma alegria apenas por saber que vou
conhecer a vila. Dou um beijo em sua bochecha, rindo, e me afasto dela,
caminhando na direção de Fila, que está tão animada quanto eu.
 
Hector Pellegrini
 
— Eva... — Olho para a mão dela com remorso, não desejando ter
a machucado, e muito menos fazê-la me olhar com medo.
Ela abaixa seu rosto e me deixa ver a lágrima rolando por sua
bochecha, caindo em seus joelhos. Sua mão ferida se afasta do seu peito e
se estica para mim, deixando o frasco de remédio à minha frente, de pé, no
chão.
— Eu sinto muito, monsieur.
Fecho meus olhos e respiro fundo, esmagando meus dedos na
cabeça da cobra, tendo a face triste dela completamente nítida em minha
mente.
— Então, sir? — Abro meus olhos e viro a cadeira do escritório
com rodinhas, ficando de frente para Edmundo, que está conversando
comigo.
— Desculpe, Edmundo, poderia repetir o que disse? — Esfrego
minhas têmporas, não conseguindo manter minha mente focada em sua
conversa.
— Disse que as ações das empresas irão cair, como o senhor
solicitou. Serão vendidas a preço de banana na bolsa de valores.
— Ótimo, está tudo correndo como planejado. — Abaixo minha
mão e fico em silêncio, olhando a maldita cabeça de cobra, como se
pudesse ver o sangue dela ali ainda.
— Será um golpe e tanto para o seu pai. — Sorrio com amargura ao
escutar Edmundo.
— Não tanto quanto o golpe final — rosno, baixo, deixando as
palavras amargas saírem da minha boca.
— Mas, sir, acredita mesmo que seja correto levar à falência a
empresa que seu avô lutou tanto para erguer? — Ergo meus olhos para os
seus e vejo a lealdade a Gusto brilhar nos olhos de Edmundo. — Foi uma
das primeiras que ele abriu, não tendo vínculo com o submundo.
— A empresa não irá à falência, Edmundo, apenas trocará de dono
temporariamente. — Levanto e apoio minha mão na bengala, para sustentar
meu peso. — Pelos relatórios que recebi dos detetives durante essa viagem,
meu pai conseguiu gastar até o último vintém da parte da herança que meu
avô lhe deixou. Ele não terá alternativa a não ser vender a fábrica de tabaco.
E garanto que o novo comprador está ansioso para arrematá-la.
Sorrio e caminho lento na direção da estante de livros, observando
os exemplares que estão na prateleira. Talvez, em outra época, eu teria me
recusado a arruinar a fábrica que foi o maior sonho do meu avô. Mas agora
não sinto remorso e nem pena, muito menos solidariedade. Não quando
minha vingança é exatamente acabar com tudo que é valioso para o meu
pai, e nada melhor do que começar pela fábrica, que deveria ter pertencido
ao meu irmão. Gusto iria deixar a fábrica de tabaco para Joseph, mas a
morte do meu irmão foi afortunada para Oliver, nosso pai, que recebeu a
herança no lugar dele. Gusto havia construído um grande império ao longo
da sua vida e desejava que seus netos cuidassem de tudo. Joseph ficaria
com a fábrica, eu cuidaria das outras empresas de tecelagem e dos negócios
ilegais da família. Talvez, para quem não conheça meu pai, pense que meu
avô era um homem ruim por ter tirado seu filho da divisão do testamento,
mas poucos sabem o real motivo.
Oliver sempre foi incapaz de cuidar dos seus bens, é um porco de
merda, que gosta de se afundar na lama, enquanto se esconde por trás dos
seus ternos caros. Patético e amargo, se casou com minha mãe apenas
visando a fortuna dela. Pobre mamãe, morreu amargurada em cima de uma
cama, com a tuberculose já no nível mais agressivo, tendo apenas uma
criada ao seu lado, enquanto meu pai estava em algum puteiro imundo,
desgraçando a vida de alguma criança. Julgo que meu avô descobriu a
doentia atração de Oliver, por isso, apenas a presença do meu pai perto dele
o enojava tanto. Por muito tempo, não entendi por que meu avô e meu pai
se odiavam tanto, e nem porque meu pai nutria raiva de mim com todas
suas forças. Joseph dizia que era porque eu parecia mais com Gusto do que
com o próprio Oliver, tanto fisicamente como em alma, o que eu acredito
que seja verdade, já que Gusto para mim era mais um pai do que avô.
Gostava de estar ao seu lado, de aprender tudo com ele, desde as
empresas, ao poder do nosso sobrenome e até o legado das gerações dos
Pellegrini. Tudo que tinha para aprender, foi Gusto que me ensinou. Gusto
sempre dizia que uma alma dominadora não era aprendida ou um gosto que
se nutria ao longo dos anos. Para ser um dominador, você tem que nascer
com o sadismo entranhado em suas veias, e desde feto, no ventre de minha
mãe, até o escroto do meu pai, cada célula minha é dominadora e sádica. E
meu avô sabia disso, tanto que foi exatamente por isso que a porta de outros
mundos foi aberta por ele para mim.
Sodoma é perigosa, mas envolvente e sedutora, como uma mulher
sexy e encantadora, que mesmo lhe alertando do seu amor perverso, lhe
promete um prazer indescritível. E foi assim que eu descobri o meu mundo,
um lugar que acalmava meus demônios, e eu gostava. Amava e vangloriava
a vida nefasta de luxúria e dominação que Sodoma me dava no passado.
Já Joseph não, ele era diferente de mim, do meu avô, e graças a
Deus do meu pai. Meu irmão era emotivo, governado por suas emoções, um
romântico por natureza, tanto que foi por isso que meu avô queria que ele
ficasse com a fábrica de tabaco. Joseph era o nosso legado bom, que tinha
conseguido não ser infectado. Tudo que se propunha a fazer, era com uma
entrega absoluta, um amor pelo trabalho e suas conquistas, pela família. Ele
não desejava apenas os louros e a glória do sobrenome Pellegrini, como
Oliver, ele suava, entrava na linha de frente se fosse preciso. Joseph era
tudo o que eu, Gusto e Oliver jamais seríamos, um homem do bem, com a
alma boa. Enquanto a de Gusto era orgulhosa, a do meu pai invejosa e a
minha traz apenas ira.
Quando acordei naquele leito de hospital, com ferros e metais
ligados aos meus ossos, recebendo a notícia que Joseph havia falecido, o
último laço de humanidade que ainda me restava morreu junto a ele. Não
foi a fé que me tirou daquela cama, nem o desejo de continuar vivo, mas
sim o ódio, a amargura e a raiva que nutria pelo meu pai. Ele nem sequer
esperou a missa de sétimo dia da morte do meu irmão, para obrigar o velho
Gusto a mudar seu testamento, passando a empresa de tabaco para ele. Mas
o velho preparou uma pegadinha para Oliver no final. Eu ainda estava
ligado a tubos, entre a vida e a morte, quando meu avô faleceu. No
testamento do meu avô, ele deixou a fábrica para o meu pai, mas apenas
isso e mais nada. O resto dos seus bens, propriedades, as fábricas de
tecelagem, o vilarejo de Fleur, que por oito gerações pertence à nossa
família, as contas recheadas de dinheiro na Suíça, Milão, Estados Unidos e
Rússia, e nossos serviços ilegais, ficaram para mim. E se por um acaso eu
viesse a falecer, não resistindo, tudo seria doado para a caridade. Fora a
fábrica e o sobrenome dos Pellegrini, meu pai não tinha direito a mais nada.
E para a desgraça do meu pai, sendo a cereja do bolo, eu sobrevivi,
para poder tomar posse do que era meu. Só que não era mais o mesmo
homem, algo morto e amargo tinha ficado em meu lugar. Gusto queria que
depois da sua partida, eu assumisse seu lugar entre o conselho de Sodoma,
mas não havia mais lugar para mim naquele mundo, não quando eu lutava
diariamente para conseguir ficar de pé, aprendendo a andar novamente,
aprendendo a conviver com as barras de metais dentro da minha perna, que
foram adaptadas aos ossos fraturados e quebrados. Por muitos anos,
amaldiçoei Deus por ter poupado a minha vida e tirado a do meu irmão.
Não entendo por que justo eu tinha que sobreviver, qual propósito, além de
fazer eu pagar os meus pecados em vida, da minha alma obscura, poderia
ter.
Era isso que pensava até conhecer a pequena criatura de sorriso
alegre e olhar gentil, que Ramsés trouxe para mim. Reconheci a bondade
que existe em seu olhar, a mesma bondade que brilhava nos olhos de
Joseph. Era como se eu tivesse voltado ao passado, um passado há muito
tempo esquecido, trancafiado no fundo da minha alma, no qual eu via o laço
de sangue que nos une. E soube, naquele segundo, que se Deus tinha
poupado a minha vida, tinha sido por ela. Para arrastar Oliver Pellegrini
para o inferno, onde ele me aprisionou por toda minha vida, para ser seu
carrasco e o fazer pagar pelo mal que ele tinha feito à jovem Mina. E eu irei
fazer isso. Com todo o prazer do mundo, eu o farei pagar, destruindo cada
coisa que ele ama, até o ver na merda, se arrastando como um verme no
chão, antes de eu fazer a última jogada.
Só que toda teoria do caos se modifica ao mais simples bater de asas
de uma borboleta, e algo mudou quando meus olhos encontraram a única
criatura que a minha alma escura jamais poderia ambicionar.
A inocente e jovem Eva.
— Conseguiu descansar bem, sir? — Edmundo me pergunta, baixo.
Apenas balanço minha cabeça em positivo, mantendo meus olhos
nos livros, buscando por um em especial, ainda sem entender o porquê
estou a perder meu tempo o procurando.
— Deseja que os homens nos passe informações diariamente, sir...
— Sim, sim — o respondo, encontrando o livro e o tirando da
prateleira. — Acha que a história de Tristão e Isolda é melhor que Romeu e
Julieta? — pergunto para ele, observando o livro em meus dedos.
— Desculpe, como? — Sua voz soa confusa, sem entender minha
pergunta.
Viro e balanço o livro, lhe mostrando a obra literária baseada em
uma lenda celta.
— Desconfio que cada obra aborda uma forma diferente do amor,
sir — Edmundo responde de forma cautelosa, como se estivesse pensativo
com a minha pergunta.
E é exatamente isso que admiro nele, essa expressão pensativa, de
um homem culto que aprecia literatura clássica, mas que consegue ser cruel
e fazer uma obra-prima com uma navalha em sua mão, quando está
destripando um corpo.
— Um amor mórbido, julgo. — Repuxo meu nariz e abaixo o livro,
andando lento até minha mesa. — Afinal, nos dois casos amorosos, o casal
tem seu desfecho de forma trágica e melosa. Um toma o veneno, não
aguentando a morte do outro, e no segundo caso, Isolda morre de tristeza ao
perder seu cavalheiro. — Solto o livro sobre a mesa, dando a volta nela e
me sentando em minha cadeira. — Penso ser patético essa ilusão do amor
verdadeiro dessa juventude. E quem diabos é Gomes e Mortícia, afinal?!
Isso é literatura americana?
— Não, sir, é um programa de TV antigo — ele fala para mim, me
olhando com interesse. — E se o sir me permite uma observação em
relação a Tristão e Isolda... — Edmundo dá um passo à frente e pega o livro
em seus dedos, olhando para mim e esperando minha permissão.
— Prossiga. — Ergo meu dedo e o movo lentamente no ar, para que
ele fale logo.
— Creio que vá além disso. Não da ilusão, mas sim do desejo de ser
amado e amar alguém. — Ele abaixa seus olhos e encara a capa do livro. —
De sentir que verdadeiramente encontramos alguém para compartilhar
nossas vidas.
— Não sabia que por trás desse terno, existia um coração tão
romântico, Edmundo. — Estreito meu olhar e o estudo, notando suas
bochechas ficando coradas.
— Nenhum coração se julga romântico, até encontrar sua Isolda —
ele me responde de forma polida, devolvendo o livro para cima da mesa.
— Encontrou sua Isolda, Edmundo?
Antes que ele possa me responder, o som de batidas na porta nos
interrompe. Edmundo toma à frente e caminha até a porta, abrindo-a,
deixando Marrie passar com a bandeja de chá.
— Oh, está aqui! — Ela sorri para ele e deixa suas covinhas à
mostra, lhe dando um olhar doce. Marrie caminha até minha mesa e deixa a
bandeja ao centro, me estendendo a xícara de chá. — Fico feliz, sir, que
conseguiu encontrar Edmundo, eu ia atrás dele logo que servisse o chá.
— Me encontrar? — Edmundo me olha sem entender.
Pigarreio, disfarçando uma tosse, enquanto lhe dou um olhar para
ficar em silêncio.
— Sim. Na hora que fui atrás de você no jardim... — Ergo a xícara
aos meus lábios, olhando-o pela borda da cerâmica. — Passei na cozinha
para ver se estava lá, antes de ir ao jardim.
— Oh, sim! — Ele confirma com um balançar de cabeça minha
mentira.
Não estava atrás dele, a verdade é que queria vê-la. O resto da
madrugada tinha sido longo, enquanto comtemplava minha desgraça,
sentado no chão, olhando o frasco de remédio sujo de sangue. Me odiei por
ter a machucado, a detestei por ter entrado naquele quarto e me visto como
um aleijado odioso, mas, ao fim, foi a porra do remorso, com um misto de
raiva, que me fez ir atrás dela, para me desculpar por ter lhe acertado com a
bengala. Mas me senti como um tolo ansioso parado na porta da cozinha,
olhando-a sentada, cabisbaixa, na cadeira, se negando a me olhar. Em toda
minha vida, nunca me desculpei com ninguém, muito menos fui atrás de
alguma mulher, e me vê ali, naquela posição, a qual a pequena Eva me
impulsionava a fazer, isso me deixava com raiva.
— Está bom o chá de camomila? — ela me pergunta de forma
provocadora.
— Esplêndido. — Tomo um pequeno gole e sinto meu paladar
amaldiçoar o sabor adocicado. — Merci, Marrie — falo, tentando soar
educado, abominando tomar o chá de camomila. Deveria ter recusado.
Devolvo a xícara para a bandeja e a empurro lentamente, para que ela a
leve.
— Mandei Fila à vila, para buscar algumas coisas para o almoço. —
Ela segura a bandeja e me olha com insistência.
— Oui! — A encaro, sem entender por qual motivo estou sendo
informado sobre os afazeres das empregadas da casa. — Está precisando de
dinheiro para pagar as compras, é isso...
— Oh, não, não! — Marrie sorri e nega com a cabeça. — Apenas
queria que sir soubesse. Bom, tenho que voltar à cozinha agora.
Edmundo se apressa e anda rápido à frente de Marrie, segurando a
porta da biblioteca e a mantendo aberta para ela. Sustento meu olhar no
livro sobre a mesa, revirando meus olhos, esmagando meus dedos na
bengala.
— Marrie — a chamo antes que mude de ideia, soltando uma bufada
de ar pelas narinas. — Peça para mademoiselle vir até a biblioteca.
Estico meu braço e puxo o livro, o guardando na gaveta da
escrivaninha.
— Aiii, eu esqueci de comentar! — Meus olhos se erguem para ela e
empurro a gaveta, a fechando, quando ela fala com um tom fingido de
esquecimento.
— O quê?
— Eva foi para a vila com Fila. — Sinto a veia na lateral da minha
garganta ficar agitada, com a corrente sanguínea aumentando, encarando
Marrie me contar isso.
— Mademoiselle foi para a vila sem minha permissão? — rosno,
baixo, e esmago mais forte a cabeça da cobra.
— Oui! Tomei a liberdade de autorizar, achei que seria bom para
ela. A pobre estava com o olhar triste, tão abatida, como se tivesse passado
a noite em claro. — Marrie se vira e faz uma cara triste para Edmundo. —
Presumo que seja por conta da dor.
— Dor? — Arqueio minha sobrancelha, indagando para ela.
— Sim, muita dor! — ela fala de forma firme, dando ênfase mais
forte à palavra dor. — Veja se pode, se feriu com a pazinha da lareira, sir.
— Marrie vira sua face para mim e comprime seu olhar. — Passou a
madrugada com a mão ferida e apareceu hoje cedo na cozinha, com um
pedaço de uma fronha enrolado sobre sua mão, tentando esconder de mim.
Chegou a chorar quando tive que desinfetar o ferimento com álcool, de tão
feio que estava.
— Mademoiselle chorou? — murmuro e recaio meu olhar para a
bengala, não imaginando que a tinha ferido tão seriamente.
— De soluçar, foi de cortar o coração. — Marrie faz eu repuxar meu
nariz e cerrar meus lábios ao ouvir isso. Não queria causar dor a ela, e
muito menos lágrimas. — Penso que fiz bem em mandá-la passear com
Fila, não fiz, sir Hector?
— Oui! — A palavra sai ríspida pela minha boca e mantenho meus
olhos presos na cabeça de cobra.
— Deseja que a busque, sir? — Edmundo me pergunta seriamente,
depois que Marrie parte da biblioteca.
— Non, deixe-a sair um pouco — respondo a contragosto, não
sabendo se ainda gosto da ideia dela andando pela vila. — Mademoiselle
está em minha casa como uma convidada, não como prisioneira.
Solto o peso do meu corpo de forma rabugenta na cadeira e olho
desgostoso para os papéis em cima da mesa.
— Sir deseja mais alguma coisa?
Nego com a cabeça a pergunta de Edmundo, enquanto a visão dela
caminhando feito uma borboleta, radiante naquele vestido amarelo de
alcinha, o qual ela está usando hoje, até seus joelhos, faz meu humor ficar
ainda pior.
— Preciso ir até a vila resolver umas coisas. — Ergo meu rosto para
Edmundo na mesma hora que ele fala.
— Vai para lá agora?
— Acho que o carro está com um barulho estranho, seria bom o
mecânico dar uma olhada...
— É, seria. Faça isso, vá até a vila. — Concordo rapidamente com a
cabeça.
— Sir Hector não gostaria de ir junto? — Repuxo meu nariz, não
simpatizando com esse convite. Sinto-me entediado andando pela vila.
Nego rapidamente com a cabeça. — Está tendo uma feira na praça da vila,
passei por lá ontem à noite e a vila está repleta de marujos, que têm seus
navios ancorados na baía das falésias, próximo aos rochedos, enchendo os
olhos das mulheres com seus uniformes brancos e medalhas pomposas. Mas
não se preocupe, eu irei sozinho, já que sir não deseja ir.
Estreito meu olhar e encaro Edmundo, sentindo a veia pulsar
duplamente mais forte, ao compreender o que ele quer dizer. O vejo virar e
caminhar em direção à porta da biblioteca, me largando para trás.
— Espere! — Me levanto e bato a ponta da bengala com força no
chão, o vendo se virar e me olhar com interesse. — Pensando bem, acho
que um passeio até a vila seria bom.
CAPÍTULO 10

 
Maçã do pecado
 
Eva Fishie
 
— Por que tenho a sensação de que algumas pessoas estão olhando
diretamente para mim? — Sorrio, nervosa, e empurro meu cabelo para trás
da orelha, desviando meus olhos de alguns comerciantes das barracas da
feira, que estão me encarando com interesse.
— É porque eles realmente estão olhando interessados em você. —
Fila ri e bate lentamente seu ombro no meu. — A chegada de uma visitante
no casarão Black rendeu muito o que falar para os moradores por esses dias
na vila...
— Não tenho nada de interessante que possa despertar a curiosidade
dessas pessoas, e não sou bem uma visita. — Olho de esguelha para a
senhora em uma barraca de flores, que cochicha com a outra mulher parada
ao lado dela, enquanto as duas me encaram.
Não sou realmente uma visita, e para ser franca, nem sei o que eu
sou dentro daquela casa. Penso em silêncio e desvio meus olhos dela.
— Claro que é interessante, para a gente você é — Fila fala e ri,
balançando sua cabeça para os lados. — Nunca ninguém tinha vindo de fora
para ficar naquela casa. Sir Pellegrini não é conhecido por aqui, por ser um
anfitrião hospitaleiro. — Ela acelera o passo e ergue sua mão, acenando
para o rapaz do outro lado da rua. — Se incomoda se eu for ali rapidinho,
dar um oi para meu amigo?
Apenas sorrio e nego com a cabeça, notando como os olhos de Fila
ficam brilhosos por conta do jovem menino. Ela sorri de orelha a orelha e se
vira, caminhando na direção dele. Solto um suspiro baixo e balanço meu
corpo lentamente para frente e para trás, olhando em volta. É tudo cheio de
tanta cor e pessoas. Umas caminham, outras estão paradas, olhando as
barracas. Tem variados odores de hortaliças, barracas de comida e peixe. E
eu me sinto curiosa em relação a tudo, nunca tinha visto nada além das
paredes do colégio interno e os jardins da propriedade de dame Emanuelle.
Me sinto como Dorothy, que foi carregada por um ciclone até a terra de Oz,
encontrando um lugar repleto de cores vibrantes e pessoas diferentes.
Observo tudo com atenção, desde as crianças correndo atrás de
cachorros, até a mulher da banca de peixe, que grita e tenta atrair a
freguesia, aos cantores de rua tocando o violão. Estudo os gestos deles e
caminho lenta, olhando para as pessoas, com gestos rápidos e as mãos
gesticulando enquanto falam, sorrisos amistosos e falas altas. Me sinto
perdida, como se aqui, entre eles, não fosse meu lugar. Havia imaginado
tantas vezes como seria desbravar o mundo além dos muros do colégio
interno, vivendo minhas próprias aventuras além dos livros, que agora que
estou aqui, não me vejo como um deles. Minha testa franze, enquanto tento
entender o que tem de errado comigo. Me sentia confortável na casa de
dame Emanuelle, junto com as meninas; até no casarão do senhor
Pellegrini, depois que comecei a desbravar a grande residência, eu me
sentia confortável. Mas fora daquelas paredes, me sinto como um peixe que
viveu a vida toda dentro de um aquário e agora fica perdido ao entrar no
mar aberto.
— Veja, veja, são perfeitas para você! — Um velho sorridente na
banca de bijuteria balança as pulseiras pratas à minha frente, quando passo
perto de sua barraca. — Delicadas e feitas especialmente para serem usadas
por uma jovem bela.
Rio com a forma como ele fala, mexendo suas sobrancelhas grossas
e me fazendo girar, para acompanhar seus passos, já que ele fica andando
em volta de mim.
— Experimente, veja como ficam belas em seu pulso! — Ele me
deixa nervosa quando tenta segurar meu braço, para me fazer experimentar
as pulseiras. — Não acha que elas são lindas?! Prata... prata pura.
— São belas, mas eu não desejo experimentar...
— Oh, prefere brincos! — Ele me deixa confusa com seu jeito
agitado, voltando a caminhar e me circular. — Colares, ou melhor, anéis...
— Bom, eu...
— Já sei! — Seu dedo estala à minha frente, com sua voz saindo
alta. — Algo mais perfeito e único para uma jovem bela.
Sua outra mão se ergue, não tendo mais as pulseiras em sua mão,
mas sim um prendedor dourado para cabelos, no formato de uma delicada
rosa, com pedras brilhantes nele, deixando o adereço de cabelos mais lindo
ainda. Sorrio ao olhar o prendedor, ainda não entendendo como ele o fez
aparecer em sua mão, como se fosse um mágico.
— Gosta? — Seu tom de voz fica baixo e ele suaviza seu sorriso. —
Apenas cinco euros e pode levar essa joia com você.
— Ele é lindo — cochicho, encantada com o prendedor tão bonito,
esticando meu dedo e tocando as pedrinhas brilhantes dele. — Mas eu não
tenho como pagar. — Nego com a cabeça e suspiro baixinho.
— Embrulhe para ela, Abenard. — A voz masculina falando ao meu
lado me faz girar minha face e encontrar os olhos azuis de sir Hector presos
em mim.
Seus olhos mudam de direção e param em minha mão erguida,
observando o curativo. Puxo meu braço rapidinho e o escondo atrás das
minhas costas, inalando o ar depressa, girando minha face para frente.
— Oh, milorde Pellegrini, que honra o ter em minha humilde
barraca! — O velho animado fala alegremente, cumprimentando o homem
taciturno. — Me dê apenas um segundo que vou embrulhar...
— Não precisa! — falo depressa e nego com a cabeça. — É muito
educado da sua parte, monsieur, mas preciso recusar...
Calo-me e mordo o canto da minha boca, quando ele me silencia
apenas com um gesto de sobrancelha, que arqueia para cima.
— Não será necessário embrulhar, Abenard. — Sir Hector estica seu
braço e deixa sua mão suspensa no ar, na direção do velho. — Vire-se,
mademoiselle...
Quero entender porque não consigo apenas manter minha recusa em
aceitar seu presente, mas, ao invés de fazer minha voz ser ouvida, apenas
giro lentamente e tiro minha mão das minhas costas, a trazendo para frente
do meu corpo e abaixando meus olhos para meus sapatos.
— Não acha que está muito distante da sua acompanhante? — A
voz pergunta séria, enquanto sinto o toque dos seus dedos nas mechas da
frente do meu cabelo. O ar quente é soprado no topo da minha cabeça e ele
arrasta os cachos, os prendendo atrás. — Não devia estar sozinha andando
pela feira.
Viro quando ele dá um passo para trás, deixando meus olhos presos
em sua gravata, esmagando meus dedos na frente do corpo. Olho para os
lados rapidinho, fazendo uma varredura, compreendendo que meus passos
se empolgaram ao ponto de nem notar. Fiquei tão curiosa com tudo que
meus olhos enxergavam pela primeira vez, que não me dei conta que me
distanciava de Fila, ao ponto de não conseguir encontrá-la.
— Por que Fila não está com você? — O homem de face fechada
pergunta baixo, apoiando os dedos na bengala parada à frente do seu corpo.
— Eu acho que me perdi dela. — Volto meu rosto para ele e mordo
minha boca com mais angústia, ao ver seu cenho franzido. — Fila não tem
culpa, eu que acabei me distanciando, ficando atraída pela feira...
Encolho meus ombros e abaixo meu olhar para o chão, rezando para
que ele não ache que a pobre Fila tem culpa pela minha curiosidade em ver
mais da feira.
— Nunca fui em uma feira, a verdade é que nunca nem andei em
uma rua. — Dou um sorriso fraco, falando apressada. — Apenas fiquei
curiosa, não a culpe pela minha ignorância, monsieur.
Mantenho meu olhar cabisbaixo, não desejando lhe mostrar como
me sinto uma tola por não ter controlado os meus passos e me mantido ao
lado de Fila. Não fiz por mal, para ser franca, eu nem sequer notei que tinha
feito isso, até ele perguntar sobre Fila.
— Sinto muito, monsieur. — Meus olhos ficam focados em sua mão
presa à bengala, batendo lentamente seu polegar sobre a cabeça da cobra.
— Edmundo, encontre Fila e a leve de volta para casa. — A sombra
do homem que sai de trás dele se faz ao nosso lado quando sir Hector fala,
soltando uma respiração pesada. — Mademoiselle e eu ficaremos mais um
pouco.
Meu rosto se ergue assim que ele fala, o que me faz o encarar com
surpresa. Edmundo consente com a cabeça e vira rapidamente, se afastando
de nós. Pisco, confusa, olhando Edmundo andar rapidinho, se misturando
na multidão.
— Então, mademoiselle, pretende continuar seu passeio ou prefere
criar raízes aí? — Giro meu rosto para sir Hector quando sua voz carregada
de ironia resmunga, o vendo a três passos de mim, caminhando de costas.
Ando apressadinha, para poder o acompanhar, sorrindo de ladinho
por ele ter me deixado ficar mais um pouco. Dou uma olhada de canto de
olho para o homem mal-encarado, andando de forma dominadora ao meu
lado. Minha cabeça automaticamente se abaixa, quando ele vira a face
rapidamente, como se soubesse que eu o estava olhando.
— Merci — digo, baixinho, sentindo os pelos da minha nuca se
arrepiarem, sabendo que ele ainda está com seus olhos azuis cravados em
mim.
Sir Hector é um homem que eu não compreendo. Não que eu tivesse
ficado perto de muitos homens para os compreender, mas eu não o entendia.
Sei que minha presença o desagrada, e que ele deve estar zangado comigo
por ter invadido seus aposentos, mas ainda assim optou por me deixar ver
um pouco mais da feira do que me levar de volta para a casa dele.
— Por que nunca tinha saído nas ruas?
— Cresci em um colégio interno de freiras, não tinha permissão
para sair do quarto onde ficava. — Sorrio e vejo as crianças brincando perto
de uma fonte. — Tudo parece tão alegre aqui fora, não acha?
Sorrio mais animada, ficando arrebatada pela forma livre como as
crianças brincam. Giro meu rosto, o olhando, disfarçando meu sorriso,
notando que nem tudo traz alegria. Sua expressão é amarga, com os olhos
cínicos me encarando, como se discordasse das minhas palavras.
— As freiras não permitiam as jovens saírem?
— Bom, na verdade, era só eu — falo e volto a me distrair com as
barracas quando paro diante de uma delas. — Eu não tinha permissão.
Estico meus dedos e toco nos lenços pendurados, sentindo a maciez
do tecido.
— Por que não tinha permissão? — Meu rosto se vira para sir
Hector, que está parado ao meu lado, olhando para a faixa em minha mão.
— Minha madrinha não permitia. — Abaixo minha mão e levo a
outra para cima dela, como se assim pudesse tapar aquela faixa, retornando
a andar devagarinho, com ele ao meu lado. — Ela me dizia que eu ficaria
mais segura lá dentro.
Sua cabeça se move em positivo e ele anda devagar, puxando o ar
com força por suas narinas.
— E era?
— O quê? — Pisco, confusa, quando ele me pergunta e gira seu
rosto de uma única vez para mim.
— Segura? — Seus olhos estão frios novamente, como se estivesse
vasculhando minha alma. — Estava segura lá dentro?
— Oh... — Sorrio e abaixo meu rosto, balançando a cabeça em
positivo. — Sim, estava... — falo, nervosa, não querendo conversar sobre
isso com ele.
— Quais eram os tipos de atividades que fazia nesse colégio,
mademoiselle?
Meu corpo fica rígido e sinto uma sensação esmagadora me pegar
por dentro, ficando imóvel assim que sua bengala se ergue e toca em minha
perna, nos fazendo parar de andar. Eu não converso sobre o que acontecia lá
dentro, evitava pensar, como se assim toda aquela dor pudesse ficar
trancafiada em algum canto, escondida das minhas memórias.
— Eva, olhe para mim. — Sua mão se move rápido e retira a
bengala da minha perna. Toca a ponta do meu queixo com ela, me fazendo
erguer a cabeça. — Quando estiver conversando com você, mantenha seus
olhos nos meus.
Fico congelada, parada, sem me mover, apenas olhando e sentindo
meu coração batendo depressa. Madrinha nunca perguntou para mim o que
acontecia no colégio, apenas uma vez, quando eu tinha oito anos, eu tentei
contar para ela, mas ela me disse que era para o meu bem, que eu precisava
aprender, se quisesse ir morar com ela.
 — O que aprendia, Eva? — Seu tom de voz se abaixa e dá mais um
passo à frente, mantendo meus olhos presos aos seus de uma forma
hipnótica.
— Milorde Pellegrini. — A voz suave de uma mulher de idade
falando alegre com ele, me faz conseguir quebrar o contato de visão, me
desvinculando desse poder estranho que ele exerce em mim. — Me permita
lhe presentear...
Sorrio sem graça e dou um passo para trás, ficando de frente para
mulher, a vendo segurar um quadrado grande de isopor, com maçãs
carameladas espetadas no palito. Ela pega uma em suas mãos e estende para
ele. Eu não olho, muito menos me movo, penso que até a respiração fica
presa, ainda sentindo seus olhos em mim, em vez de dar atenção para a
senhora.
— Merci! Pode entregar a mademoiselle! — Sua voz soa séria e vira
para ficar de frente para ela finalmente.
A senhora sorri de orelha a orelha, como se o fato dele ter aceitado
seu agrado fosse o melhor acontecimento que tivesse acontecido com ela
hoje.
— Merci. — Sorri com carinho para ela quando estica a maçã
caramelada para mim.
Ela move sua cabeça para frente rapidinho, antes de sair e retornar
para as vendas.
— Por que eles o chamam de milorde? — Pisco, confusa, ficando
intrigada com isso. — Parece ser ainda mais pomposo que sir... — Mordo a
maçã e rio, olhando para ele.
— Minha família vem desde o império francês, é uma linhagem
antiga da monarquia — ele responde de forma seca, me olhando de uma
forma irônica, como se eu tivesse obrigação de saber quem é a família dele.
— A dinastia dos Pellegrini. Sou a oitava geração dos Pellegrini a continuar
comandando as falésias.
Pisco, ainda perdida, ganhando em vez de uma resposta prática, uma
aula de história sobre os burgueses Pellegrinis. O que explica o porquê
desse ar aristocrata e nariz empinado, olhando de forma superior para todos
à sua volta. Seguro a maçã e sorrio, segurando a lateral do meu vestido e
cruzando minhas pernas, fazendo uma pequena reverência.
— Milorde! — digo, brincando, achando graça de toda essa
formalidade.
— Está debochando de mim, mademoiselle?! — Minha cabeça se
ergue, com meu corpo se endireitando quando sua voz sai zangada.
— O que eu... — Nego rapidinho com a cabeça, sentindo minhas
bochechas queimarem de vergonha. Apenas achei engraçado, mas não
estava debochando dele. — Bom, e-eu... — Me calo, sem saber o que dizer,
ficando ainda mais nervosa com essa face taciturna dele, que o faz estreitar
seu olhar. Mordo a maçã para disfarçar minha vergonha e estico logo em
seguida o braço na direção do rosto dele. — Quer um pedacinho?
Vejo o olhar azul se comprimir, com ele me encarando por cima da
maçã caramelada, desviando sua atenção para a faixa em minha mão.
— Como está sua mão? — Sua voz sai em um tom diferente, o qual
eu nunca tinha ouvido sair da boca dele, com seus lábios finos se
comprimindo.
— Foi apenas um arranhão. — Giro meu rosto para o lado e observo
as barracas de flores, vendo tantas cores bonitas, retornando a caminhar. —
Eu sinto muito por ter invadido seu quarto, monsieur — suspiro com pesar,
me desculpando por ter invadido sua privacidade.
— Não tive a intenção de lhe ferir, mademoiselle. — Minha boca,
que estava se abrindo para morder a maçã, fica entreaberta, enquanto olho
para ele, caminhando do meu lado, tendo seu pomo de adão mexendo. — E
muito menos que sentisse medo de mim. — A face dele, de pele clara, tão
branca como uma estátua de marfim, gira para mim, tendo um olhar
diferente preso ao meu, mas logo se apaga, com ele retornando à frieza
costumeira. — Peço par... pardon! — Sua boca se comprime, com as
palavras quase lhe sufocando quando saem da sua boca.
— Cristo, isso foi tão doloroso de ver como de ouvir! — Rio e
mordo a maçã, não conseguindo segurar o riso ao ver a expressão rabugenta
dele. — Julgo que milorde não se desculpa com tanta frequência, certo?
Ergo os dedos para minha boca e limpo o cantinho dela, que está
lambuzado com caramelo. Observo seus lábios se esmagarem e ele girar sua
face para mim.
  — Na próxima vez que... — Ele se cala e fica em silêncio, me
vendo sugar meus dedos, chupando a calda da maçã.
— Sir, quer um pedacinho? — murmuro e sorrio, esticando a maçã
mordida para ele novamente, escorregando minha língua pelos lábios, ainda
sentindo eles colando com tanto caramelo. — Está bem doce...
— Non. — Ele pigarreia e vira seu rosto para o outro lado, voltando
a andar.
Fico parada, o olhando sair caminhando a passos duros, me largando
para trás, contendo aquele olhar, de quem está diante de algo que ele não
gosta. Suspiro e balanço a cabeça para os lados, mordendo minha maçã, não
entendendo por que ele faz isso. O som de um trovão alto explode no céu, o
que me faz encolher meus ombros e repuxar meu nariz.
Ergo minha cabeça e olho as nuvens cinzas se aproximando.
Rapidamente, meus pés começam a se moverem, e ando às pressas atrás de
sir Pellegrini. Já estamos descendo a rua, nos distanciando da feira, quando
as primeiras gotas de chuva começam a cair, nos atingindo. Ele nos conduz
entre as ruas, enquanto eu rio, vendo as crianças passando, correndo,
gritando de alegria, ao mesmo tempo em que a chuva vai ficando mais
forte. Meu rosto vira por cima do ombro e as olho pulando nas poças, à
medida que brincam, subindo a rua. Ergo a maçã para a morder novamente,
mas no segundo que vou fazer isso, sinto o solavanco de algo me puxando,
me pegando de surpresa quando sua mão se fecha em meu pulso, me
levando para a entrada de uma porta aberta.
— Oh, meu Deus! — Rio e passo a mão no meu rosto, retirando as
gotas de chuva e empurrando as mechas de cabelo que se soltaram e
ficaram coladas em minha testa. — Por um momento, jurei que tinha
tropeçado e ia cair.
Pisco meus cílios e ergo a maçã, a mordendo, mastigando o pedaço
que derrete o caramelo em minha boca. Minha mão se eleva e limpo meus
lábios. Quando levanto minha cabeça, noto a forma como seus olhos azuis
estão colados em mim novamente, com ele parado à minha frente, tão perto
que posso sentir o raspar dos tórax um no outro, causando um arrepio em
minha pele.
— Sir, mudou de ideia... — Engulo o pedaço que eu estava
comendo, sentindo minha pele se arrepiar, mas não pelas gotas geladas da
chuva, mas sim por me sentir sendo afogada em seu olhar, que é dividido
entre minha face e a maçã erguida entre nós dois. — Deseja experimentar
um pedaço...
É como uma energia magnética, como se estivesse sendo puxada
para ele. Aquela sensação de despertar retorna, parecendo que dentro de
mim um ímã me atrai para seus olhos azuis. Mordo minha boca lentamente
e escorrego a ponta da minha língua pelo cantinho, olhando seus lábios e
tendo meu corpo ficando mais desperto por causa das lembranças da última
vez que ele ficou assim, tão perto de mim. Eu não sei o que me leva a
impulsionar meu corpo para frente, ficando nas pontinhas dos pés e tocando
seus lábios com os meus. Fico em choque por ter feito isso e me afasto dele
na mesma rapidez com a qual me aproximei. Meu coração bate forte e sinto
minha mente confusa, não entendendo porque agi assim, o que me levou a
ter essa iniciativa.
— E-eu... — Meu peito sobe e desce mais depressa. Esmago o
palito da maçã em meus dedos, olhando assustada para ele, não sabendo
como explicar o que aconteceu, já que nem eu entendo.
Não compreendo o que me levou a tocar seus lábios com os meus,
nem porque meu corpo agiu por impulso. É como se algo dentro de mim
tivesse feito aquilo, algo que eu não sei o que é e nem como controlar. E se
eu achei que estava confusa quando meu corpo se moveu rápido para perto
dele, simplesmente fiquei mais perdida ainda quando seu corpo se chocou
com o meu, esmagando minhas costas contra o umbral da porta, prendendo
sua mão em minha nuca, com seus dedos segurando meus cabelos, não
tendo a mesma timidez que eu tive quando o beijei. Meus dedos, que
estavam congelados em um primeiro momento, retraídos com o ataque ágil
de sir Hector, se amolecem quando eu espalmo minha mão em seu peito e
sinto seu coração bater tão disparado como o meu.
Sua língua é cruel, assim como o esmagar da sua boca contra a
minha, que se infiltra sem modéstia ou acanhamento, não tendo um traço do
primeiro beijo calmo que ele me deu no jardim de dame Emanuelle. É um
beijo agressivo, como uma punição, mas uma punição que não me causa
dor, pelo contrário, me faz desejar ser mais castigada. A maçã vai ao chão,
junto com a bengala, quando sua mão a solta para se prender em minhas
costas, esmagando meus seios contra seu tórax. A pele, que tinha ficado
arrepiada apenas com um olhar, agora está queimando, como se tivesse
gasolina correndo em minhas veias.
Meus braços circulam seu pescoço. Preciso me apoiar nele para
conseguir amenizar esse efeito de queda que me acerta, por conta do seu
beijo. Um rosnado escapa da sua boca e me beija mais forte quando gemo
baixinho, me rendendo a ele. Meus passos são atrapalhados quando ele nos
move para trás, nos tirando da porta, tendo o baque seco das minhas costas
em uma parede.
— Ohhh... — Meus olhos se comprimem mais fortes e gemo com
dor, sentindo a ardência no couro da minha cabeça, com a densidade que
seus dedos estão se esmagando em meus cabelos.
Mas a dor não me faz o querer parar, pelo contrário, ela me faz
desejar mais. E meu corpo o responde, não mostrando resistência quando
sua mão em minhas costas desliza como uma serpente por minha bunda,
arrastando o vestido para cima, afligindo uma dor à carne, ao ter seus dedos
a esmagando com brutalidade.
— Sir... — gemo, baixo, e minha cabeça tomba para trás quando ele
força esse movimento com um puxar de cabelos.
Inalo o ar depressa, como se ele tivesse tirado meu fôlego, quando
sua boca liberta meus lábios. Um prazer, carregado de pecado e luxúria, se
acende dentro de mim, ficando sem controle, forte, me consumindo quando
sua língua desliza pelo meu queixo e ele acerta minha pele com sua
respiração quente. Minha pele está em brasa, me fazendo não saber se quero
chorar ou rir, se quero gritar ou morder minha boca para abafar essa agonia
que está aumentando. Respiro mais depressa e seguro em seus ombros,
tendo uma alma pecadora tomando conta do meu ser. Uma parte minha, que
eu não conhecia, mas que parecia ter esperado anos para poder se libertar,
sai. Ele a libertou, tirou as correntes que a prendiam em meu ser, a incitando
a se abrasar com mais profanação. Não me conheço, não sei quem é essa
parte minha que está me governando, apenas que ela é forte demais para eu
trancafiá-la novamente, porque ela não deseja mais ficar abafada.
— É uma terrível perdição, pequena pécheur[27]. — Sua voz rouca
ruge, zangada, e ele morde meu pescoço, me fazendo tremer, gemer mais
forte quando ele força meu quadril a se chocar com o seu.
Não tenho tempo nem de raciocinar que estou sendo esmagada
contra uma parede e que seu pênis acabou de raspar a frente da minha
vagina, por cima da calcinha, porque logo minha mente é desligada por sua
boca, que se cola à minha novamente, arrancando toda consciência ou razão
que podia ter sobrado para o fazer parar.
Gemo com angústia e sinto vontade de chorar, de implorar para que
ele faça essa agonia que está afligindo meu corpo parar. Minhas coxas se
fecham e esmago minhas pernas uma na outra, como se assim pudesse
aliviar o pulsar que tem entre minhas pernas. O beijo com mais desespero,
não compreendendo o que meu corpo está precisando. Meu peito raspa em
sua camisa, que está úmida, e sinto os bicos sensíveis ficarem mais eretos e
uma vibração diferente me atingir. Repito outra vez o movimento e seguro
com mais força seus ombros, cravando minhas unhas no terno, ganhando
outro pico de dor quando sua mão esmaga minha coxa, escorregando para a
minha bunda.
— Sir... — Retiro meus lábios dos seus, gemendo baixo, fechando
meus olhos e escondendo meu rosto em seu ombro.
Mordo com agonia sua pele por cima do tecido e me sinto doente,
com uma febre que aumenta a cada segundo, causando dor e angústia em
meu corpo inteiro. O movimento abrupto me assusta quando seu corpo se
empurra para trás, se afastando de mim, tendo uma expressão horrorizada
em sua face. Fico confusa e não entendo o que eu fiz para o fazer me olhar
dessa forma. Ele gira e respira rápido, passando seus dedos em seus
cabelos, enrijecendo sua postura.
— Merde! — Meu corpo se encolhe e fico ainda mais assustada
quando um xingamento, junto com um rosnado, sai alto da sua boca, com
ele chutando uma lata de lixo com raiva.
Abraço meu corpo depois de arrumar meu vestido torto, não
sabendo o que lhe dizer, nem o que eu fiz de errado para ele ter ficado tão
nervoso. Permaneço parada no momento em que ele inclina seu tórax para
frente e estica o braço para pegar sua bengala, com dificuldade, porque não
consegue dobrar sua perna. Eu não atrevo a querer lhe ajudar, não quando
ele está furioso, com seus olhos azuis parecendo duas pedras frias. Abaixo
minha cabeça e olho para o chão no instante em que ele se endireita e fica
de frente para a porta. O som do carro do lado de fora, estacionando, se faz,
e logo em seguida uma porta é aberta.
— Sir! — O som baixo da voz Edmundo é cordial. — Presumi que
teria vindo para cá, por causa da chuva.
— Leve mademoiselle para casa. — Minha cabeça se ergue ao ouvir
sua ordem. Olho para ele e o vejo com sua face endurecida como mármore,
encarando a rua. — Irei depois.
Os olhos de Edmundo param em mim, encolhida perto da parede,
antes de desviar para o chão, apenas consentindo com um leve balançar de
cabeça.
— Mademoiselle. — Edmundo dá um passo para o lado, se
afastando da entrada da porta aberta, esticando seu braço para o carro.
Sinto-me triste, com vontade de chorar, como se tivesse feito algo
muito ruim para o deixar bravo, mas eu não sei o que foi. Abaixo meu rosto
e abraço mais forte meu corpo, me desencostando da parede e andando
apressada para a porta, não querendo mais ver a raiva em seu olhar. A
chuva ainda está caindo, só que mais fraca, como uma garoa, o que ajuda a
camuflar as lágrimas que escorrem por minhas bochechas.
Edmundo abre a porta do carro para mim, ainda mantendo seus
olhos abaixados. Sento no banco de trás do carro e fico encolhida no
assento, esmagando meus dedos na lateral do meu corpo e fungando
baixinho. Meus cabelos, que se desprenderam do prendedor de cabelo,
caem soltos por meus ombros, fazendo uma cortina na frente do meu rosto,
quando eu abaixo minha cabeça. Mantenho meu olhar caído, sentindo as
gotas de lágrimas que rolam por minhas bochechas e desabam em meu colo,
quando o carro é ligado, com Edmundo me levando de volta para casa.
CAPÍTULO 11

 
A maldição da primeira pecadora
 
Eva Fishie
 
Tento me levantar, para impedir que ela se aproxime de Ana, mas
sou imobilizada pela madre, que me puxa pelos cabelos.
— ANAAAA... — grito e estico minha mão para ela, a vendo me
olhar com tristeza.
— Me perdoa, mas eu não aguento mais — murmura para mim,
negando com a cabeça, enquanto chora. — Eu prefiro morrer a continuar
aqui...
Ana abre seus braços lentamente, me dando um último sorriso antes
de impulsionar seu corpo para trás e se atirar da janela.
— NÃOOOOOO!
O suor escorre por minha face, com meu peito acelerado, enquanto
me tremo por inteira. Abro meus olhos quando sento e enxergo meu braço
esticado, com minha mão aberta, como se pudesse segurar os dedos de Ana,
mas novamente é apenas o vazio do quarto que tenho à minha frente. Sinto
aquela agonia, aquele terror, que está três vezes pior desde quando os
pesadelos começaram. Nesse sonho que acabei de ter, a cena se repete
constantemente, como se fosse um disco arranhado dentro da minha cabeça,
tocando o mesmo refrão da melodia. Assisti Ana se jogar da janela cinco
vezes, até conseguir despertar, revendo e revendo a face dela de choro, com
seus braços se abrindo e seu corpo se atirando da janela.
Soluço baixinho e tombo minha mão para frente, fechando meus
olhos, mantendo meu braço ainda esticado, desejando que eu pudesse ter
conseguido segurar sua mão. Não entendo por que nunca saí desse
pesadelo, por que ele sempre me deixa presa a esse segundo, me torturando,
me obrigando a assistir sua morte novamente.
Minha cabeça se eleva e abro meus olhos, assustada, quando sinto o
contato de calor humano, que se prende em meus dedos e segura minha
mão. Giro minha face e encontro os olhos azuis de gelo a centímetros dos
meus. Seu braço alongado, rente ao meu, entrelaça seus dedos com mais
firmeza em minha mão. Não sei o que ele está fazendo dentro desse quarto,
nem como tinha entrado, mas aqui está o estranho homem silencioso, de
olhar intenso e peculiar, como se conhecesse o inferno que eu visito todas
as noites quando fecho meus olhos.
Abaixo minhas pálpebras e soluço baixinho. Seu braço movimenta o
meu, o dobrando em cima da minha barriga, tendo o outro enlaçando minha
cintura, me fazendo deitar. Inclino minhas costas para o colchão e viro de
ladinho, como uma criança que acorda assustada por causa do pesadelo. O
colchão se movimenta, com seu corpo se deitando atrás de mim, colando
seu peito em minhas costas. Sinto tudo sendo tão pesado dentro do meu
coração: a confusão que me encontro, as coisas que ele desperta em mim, a
tristeza por ter entrado naquele carro sem saber o que eu fiz, Ana que me
visita em meus sonhos, torturando minha alma sempre na mesma cena...
Isso me faz chorar ainda mais, por tudo. Sinto com uma intensidade maior o
caos que está dentro de mim, como se estivesse perdida, perdida dentro do
meu ser, e algo que eu não compreendia tivesse tomando o meu controle,
algo que não o repele, pelo contrário, que se submete a ele.
— Foi só um pesadelo, pequena — sussurra em meu ouvido, tendo a
face dele encostada em meus cabelos. Sua outra mão alisa meu braço e sobe
lento até o ombro, descendo novamente.
E eu choro mais, choro por saber que não é um pesadelo, que não é
invenção da minha mente, assim como choro por não entender, por que
mesmo sabendo que não devo aceitar seu abrigo que seu abraço me fornece,
eu ainda aceito. Há caos e demônios dentro de mim, desordem, angústia,
agonia, algo que me desmorona por dentro, e não me recordo de senti-los
tão aflorados, como eles andam agora, desde o segundo que Hector
Pellegrini entrou na minha vida. É como se me transformasse em Babilônia,
me arrastando para a desgraça que ele me puxa. Minha face vira por cima
do meu ombro e olho para esse homem que me repudia com tanta raiva em
seu olhar, não escondendo o desagrado que lhe causo, e que ao mesmo
tempo, agora está aqui dentro desse quarto, deitado ao meu lado, como um
anjo de asas negras e olhos azuis celestiais, me acalmando. Fungo com
tristeza e olho para ele, sentindo o toque da ponta dos seus dedos em minha
bochecha, escorregando seu polegar na maçã do meu rosto.
— Por Dieu[28], pequena pécheur, não dê esse olhar para um
homem... — ele murmura, com seus olhos presos aos meus, que estão
marejados, e olho perdida para ele.
— Eu não entendo... — Soluço e nego com a cabeça.
Não entendo como eu lhe olho, não entendo por que ele me chama
de pecadora e nem o que está acontecendo comigo. Por que tudo está uma
bagunça em minha mente, em meu corpo e em minha alma?
— Não entendo, monsieur. — Choro, mais confusa, não importando
de o deixar ver o caos que está dentro de mim.
Meus olhos se fecham no segundo que sua cabeça se move para
frente e toca meus lábios com os seus. Os dedos em minha bochecha se
deslocam e se fecham ao redor do meu pescoço, silenciando o caos, como
se o congelasse, o domando. Minha mão se ergue e seguro atrás da sua
cabeça, mantendo meu pescoço torto, morrendo em perdição em seus
beijos. Talvez ele realmente esteja correto e minha alma seja tão pecadora
quanto meus demônios, por isso se sente atraída por ele, gemendo baixo e
ficando em chamas a cada deslizar de língua.
Os dedos em minha garganta se fecham com mais pressão, causando
dificuldade de respirar, mas é como se eu não me importasse. Quero que ele
tire todo meu oxigênio, que me condene de vez, ao invés de me deixar
perdida, não entendendo o que me arrasta para ele. Seu braço, que está
circulando minha cintura, se move sobre a camisola e esmaga um dos meus
seios em sua mão, arrancando outro gemido dos meus lábios, enquanto me
beija. Cravo com mais agonia as unhas em sua nuca, me perdendo em seu
beijo, ficando submissa a qualquer coisa que ele queira fazer comigo. O
toque, que antes era tão desconhecido pelo meu corpo, de dedos masculinos
acariciando meus seios, me faz arfar e contrair os músculos internos das
minhas coxas, sentindo a umidade começando a se fazer em minha
calcinha. Sua cabeça começa a se afastar, mas não deixo e o beijo com mais
desespero, cravando mais forte minhas unhas em seu pescoço.
— Eva, não posso... — Meu nome sai dos seus lábios como um
rosnado quando ele comprime meu pescoço, me fazendo o soltar, não me
deixando continuar o beijando. — Inferno!
Pisco, confusa, não compreendendo por que novamente ele me beija
com tanta fome, despertando sensações em meu corpo e me deixando com a
sensação de vazio quando se afasta. Sento e seguro a coberta diante do meu
corpo quando ele se levanta e fica de costas para mim. A iluminação da
lareira acesa dentro do quarto, deixa eu ver sua forma rígida esmagando
seus dedos ao lado do corpo, a camisa branca com as mangas dobradas e a
barra para fora da calça negra social.
— Não entendo... — murmuro e abraço minhas pernas quando
arrasto meus pés na cama, me encolhendo. — Monsieur não entrou no
quarto por que desejava me tocar...
— Entrei no quarto porque ouvi seus gritos, Eva. — Sua voz sai
ríspida e ele respira depressa, virando sua face para mim e me dando um
olhar gélido, retornando àquela expressão de asco. — Estava andando no
corredor quando gritou. Não entrei porque tinha outra coisa em mente...
Sir Hector xinga baixo, soltando outro rosnado e caminhando lento
para perto da lareira, ficando de costas para mim.
— Por que me tirou da casa de dame Emanuelle então? — Abaixo
meu rosto, olhando para o lençol. — Não entendo porque me trouxe para
cá, se tem tanto nojo de mim. Podia ter escolhido uma das outras meninas
que lhe agradasse mais...
— Não te tirei da porra daquele lugar para ter o seu corpo. — Fico
em silêncio quando ele rosna com ódio e gira sua face para mim,
esmagando sua boca. — E muito menos tenho nojo de você, Eva...
Ele inala o ar com força e esfrega seu rosto, virando novamente e
me dando suas costas, não conseguindo nem continuar olhando nos meus
olhos, de tanto que não suporta me olhar.
— Se afasta de mim e me olha como se eu fosse algo horrível... —
Encolho ainda mais meu corpo e abraço com força minhas pernas. — Posso
não ter conhecido nada além das paredes do colégio interno, mas eu sei
reconhecer um olhar de repúdio, monsieur. Me devolva para dame
Emanuelle, me deixe ir embora se não me quer aqui, mas não me obrigue a
ficar quando sei que tem nojo de mim...
— NÃO TENHO NOJO DE VOCÊ! — O som da sua voz é alto
como um trovão e repercute dentro do quarto. Congelo e fico mais
assustada pela ira que o aflige. — Não tenho nojo de você, eu tenho nojo de
mim.
Meu rosto se ergue lento e olho para ele, que fala cabisbaixo, com
sua mão esticada, se esmagando no mármore da lareira, de costas para mim.
Pisco, confusa, olhando perdida para ele e esticando minhas pernas na
cama.
— Tenho de mim por desejar lhe tocar de todas as formas que lhe
fariam me temer. — Seus dedos soltam o mármore e sua cabeça se ergue,
com ele enrijecendo os músculos das suas costas. — Não posso lhe tocar,
pequena pécheur, porque, ao fim, quem sentirá nojo de mim será você.
— Não entendo — sussurro para ele, não compreendendo. — Não
sinto nojo quando me toca...
— Mas o que me fez ir até a casa de Emanuelle lhe buscar, que liga
você a mim, a fará sentir. — Seu corpo vira lento, com ele me olhando sem
emoção alguma, apenas com o olhar vago e perdido. — Sua mãe.
Me arrumo na cama e estico meu tórax para frente, espalmando
meus dedos no colchão, quando ele fala da minha mãe.
— O que tem a minha mãe? — balbucio e respiro com força, vendo
sua face ficar rígida, com seus lábios se esmagando. — Sir conheceu minha
mãe? — pergunto, ansiosa, olhando para ele.
Fora madrinha, nunca tinha conversado com ninguém que a
conhecesse. Freire não falava muito sobre ela, disse que morreu ao me dar à
luz, que era adoentada. Todas as vezes que perguntava sobre minha mãe, ela
respondia de forma breve, logo mudando de assunto, me pedindo para não a
fazer ficar triste, porque ela sofria ao falar sobre minha mãe, e que pararia
de me visitar, porque não queria sofrer. Então, com medo dela não voltar, eu
não perguntava mais sobre minha mãe.
Hector move sua cabeça para os lados em negativo e estufa seu
peito quando inala o ar pesadamente.
— Porém, alguém ligado a mim, a conhecia. — Suas mãos vão ao
bolso da calça, com ele encarando os pés da cama. — Há alguns anos, uma
jovem foi transformada em uma submissa alfa, uma raça de mulheres que
foi criada para ser uma submissa dócil e obediente, que seria leal apenas às
ordens do seu dono. Existe um grupo de pessoas para o qual ela foi
apresentada, e eles tiveram conhecimento da sua criação. Essas pessoas
tiveram medo de que a existência dessa garota trouxesse muita desordem
para o mundinho secreto deles, denominado como Sodoma.
Não entendo o que ele está falando, o que apenas me deixa mais
agoniada, não sabendo o que essa história tem a ver com a minha mãe.
— Uma votação foi feita, e todos os conselheiros foram firmes em
recusar a criação de submissas alfas. — Ele esmaga sua boca com mais
força e dá um sorriso frio. — Um conselheiro decretou que a submissa
fosse morta, assim ninguém se atreveria a cometer tal abominação
novamente. Mas o que os outros conselheiros não tinham conhecimento, era
que, na verdade, a jovem foi executada não para proteger Sodoma, mas sim
para que ninguém soubesse o que foi feito a ela e o que tinha resultado da
sua desgraça. Muito menos que a linhagem nascida de um estupro seguiria
o mesmo caminho, se transformando em submissas alfas mais
aperfeiçoadas, para serem as primeiras criações da Ordem das Messalinas.
— O que isso tem a ver com a minha mãe? — Sinto como se uma
mão estivesse em meu peito, esmagando meu coração, me fazendo querer
chorar.
— A jovem que foi executada era sua mãe, Eva — ele solta as
palavras de uma vez só, erguendo seus olhos para os meus. — Mina era sua
mãe.
— Oh, meu Deus... — Rio e tapo meu rosto, negando com a cabeça
e esfregando meu peito, sentindo um alívio dentro dele. — Cristo, quase
pensei que meu coração ia sair pela boca, monsieur!
Rio, nervosa, não achando graça dessa piada mórbida, que minha
mãe tivesse envolvida em algum tipo de seita. Afasto o lençol e me levanto
da cama, caminhando para perto da parede e acendendo a luz do quarto.
— Está enganado, monsieur Pellegrini. — Viro e olho-o,
balançando minha cabeça para os lados. — Minha mãe se chamava Shei,
ela não fazia parte de nada dessas coisas que disse. Ela trabalhava na casa
da minha madrinha e um dia se envolveu com um homem que frequentava a
casa. Ele era casado, por isso não a assumiu quando ela descobriu que
estava grávida. Minha mãe morreu ao dar à luz a mim, não foi executada.
— Sua mãe morreu na Austrália, assassinada dentro de uma
banheira, seis anos depois do seu nascimento, Eva. — Sua expressão se
mantém séria quando fala. — Seu nome de batismo era Shei, ela foi a
primeira submissa alfa criada pela Ordem das Messalinas, que lhe deram o
codinome de Mina. Ela era educada por Freire, uma sádica praticante
assídua de sadismo, membra antiga de Sodoma. Freire matou Mina afogada
na banheira, depois que recebeu uma ordem direta para apagar sua mãe.
 — Não... — Nego com a cabeça e me afasto dele quando estica sua
mão para segurar o meu braço. — Minha mãe morreu ao me dar à luz,
minha madrinha nunca iria machucá-la... Freire amava minha mãe, assim
como ela me amava, por que tá contando essa mentira...
— Freire amava o que ela criou, Eva. — Sir Hector mantém sua voz
séria, falando com firmeza. — O que ela sentia por sua mãe, era apenas o
amor do criador diante da sua obra-prima, assim como ela amava você, a
linhagem pura da primeira submissa alfa, a qual seria sua obra-prima
também, Herodias...
— Não... não, você está mentindo... Por que tá mentindo? Por que tá
me chamando por esse nome?! — Caminho para perto da janela, fugindo
dele, esmagando meus dedos em minha cabeça, sentindo as malditas
pontadas acertarem meu cérebro ao ouvir esse nome.
— Venha, meu amor, não precisa sentir medo... — O braço longo se
estica para mim e segura meus ombros, me puxando do cantinho escuro da
parede.
Seus olhos ficam presos em minhas mãos trêmulas, que estão
vermelhas. Há tanto sangue, sangue em meus dedos, em minha roupa...
— Sinto muito, sinto muito... — Choro com dor e fecho meus olhos,
sentindo tanto medo, tanto desespero, que consome meu magro corpo
machucado e faminto. Não sei há quanto tempo estou trancada dentro
desse quarto frio e sujo. — Eu não queria, não queria... me desculpa.
— Está tudo bem, tudo bem, eu cuido de tudo. — Ela se agacha e
deixa seus olhos na altura dos meus, segurando meu rosto, me fazendo
abrir meus olhos para ela. — Apenas esqueça, não pense mais nisso.
Seus braços se esticam e me puxam para seu peito, e eu choro,
sentindo dor em meu corpo. Estou assustada, quero que ela me leve daqui.
— Não pense mais nisso, nunca mais pense nisso, minha pequena
Herodias.
Tudo fica confuso, com as imagens se misturando em minha mente.
Os dedos de Freire retiram a coleira do meu pescoço, a deixando cair no
chão junto com a corrente, e me ergue em seus braços. Sua voz baixa e
calma mantém as palavras me mandando esquecer de tudo, e minha mente
vai se apagando.
— Minha Herodias...
— Eva... — Pulo para trás quando sinto o toque masculino em meu
ombro. — Freire era um monstro, igual ao que mandou matar a sua mãe.
Herodias foi o codinome que ela lhe deu.
— Está inventando calúnias...
Mordo minha boca e sinto uma agonia em meu corpo. Abraço com
força minha cintura e esmago meus dedos na palma da minha mão, para
tentar controlar a vontade que sinto de arranhar minha pele, até a rasgar,
como se pudesse tirar essa agonia de dentro de mim.
— Minha madrinha me amava, ela cuidou de mim... Cuidou de mim
depois que minha mãe morreu ao me dar à luz...
— Freire não amava nada, e ela não cuidou de você — ele fala com
mais força, puxando sua bengala, que estava encostada perto da cama, e a
apoiando em seu braço. — Eu ainda não sei o que ela fez com você, qual o
propósito, mas não era amor.
— Minha madrinha me amava, me amava... — Nego com a cabeça
e fecho meus olhos, repetindo as palavras, não podendo acreditar nisso.
Freire era a única pessoa que me amava. — Ela cuidou de mim, minha
madrinha cuidou de mim...
— Ela te escondeu, Eva. — O som da bengala caindo ao chão se faz
no segundo que seus dedos esmagam meu braço e me puxam para ele. —
Freire não cuidou de você, ela estava te escondendo. Assim como ela te
escondeu, te deixando na casa de dame Emanuelle, para poder ser vendida
para o primeiro filho da puta que quisesse ser seu dono.
— Freire não está aqui para decidir seu destino. Pelo contrário, ela
lhe deixou comigo para que eu fizesse isso. — Emanuelle abre seus olhos e
os deixa presos aos meus. — Às vezes penso: por que Deus deixou uma
criatura como você parar nas mãos de Freire? E então percebo que pior do
que ela, foi eu, por ter aceitado lhe recolher.
— Madrinha nunca foi ruim para mim... — Nego com a cabeça, não
entendendo por que ela está falando assim, com tanto ressentimento, de
Freire. — Ela cuidou de mim quando minha mãe morreu...
— Cieux. — Ela ergue suas mãos para suas têmporas, as coçando.
— Da mesma forma que sua ingenuidade é uma bênção, também é sua
ruína, Eva.
As palavras de Emanuelle invadem minha mente, enquanto recordo
da nossa conversa, antes dela me fazer entrar naquele salão.
— Freire apenas te escondeu, porque ela queria proteger sua obra-
prima de ser destruída, como ela e seus cúmplices, nessa abominação toda
que fizeram com sua mãe. — Sua grande mão se fecha na lateral do meu
rosto, me fazendo ficar parada diante dele. — Ela não estava cuidando de
você, minha pequena pécheur.
Seu timbre de voz sai baixo e ele respira fundo, escorregando seu
anelar por minha bochecha molhada.
— Não, não... é mentira. — Meus joelhos se flexionam e desejo cair
ao chão, sendo esmagada pela dor que me consome ao descobrir que a
única pessoa que eu tinha na face da Terra, era apenas uma mentira.
— Te peguei, minha pequena pécheur — diz, baixo, com seu queixo
em cima do topo da minha cabeça quando escondo meu rosto em seu peito.
Choro, não conseguindo suportar toda essa dor. Por dezenove anos
de mentiras, de sofrimento, de medo, onde eu fiquei presa dentro daquele
colégio... Não consigo aceitar que ela me deixou lá, para sofrer, de
propósito. Cada cintada, castigo, noite acorrentada dentro daquele quarto
pequeno, suas palavras carinhosas me dizendo que logo me levaria com ela,
que eu precisava ser forte e aguentar, porque se eu fosse uma boa menina
ela me tiraria de lá, que tudo que ela fazia por mim era porque me amava,
na verdade, era mentira, tudo mentira. Não reluto aos movimentos dele e o
deixo me embalar em seus braços, que me sustentam e me puxam para ele,
me levando consigo quando me ergue no colo e dá alguns passos para trás,
sentando-se na beirada da cama, me aninhando em seus braços. Soluço com
dor e choro convulsivamente, com meus dedos presos em sua camisa.
— Está segura, pequena pécheur. Nunca mais alguém vai te usar ou
te machucar. — Sua face raspa em meus cabelos e seu nariz se enterra entre
eles, puxando o ar com força, me aprisionando em seus braços. — Vou
fazer cada um deles pagar, Eva. Ao que fizeram a você, à sua mãe e às suas
irmãs.
Minha cabeça se ergue e olho para ele quando ouço suas palavras.
Levanto meu braço e limpo meu nariz com o dorso da mão, fungando
baixinho.
— Irmãs? — balbucio, olhando perdida seus olhos, não sabendo se
ouvi bem suas palavras.
Sir Hector respira fundo e estica seu braço, alisando meu rosto
enquanto empurra uma mecha de cabelo para trás, olhando em meus olhos.
— Sua mãe, quando deu à luz a você, trouxe outra criança junto, ela
estava grávida de gêmeos. — Ele ergue sua mão e alisa minha bochecha, a
limpando. — Assim como dois anos depois, ela também teve outra filha,
uma filha que foi resgatada por um dos conselheiros de Sodoma, e através
dela, ele descobriu a verdade sobre o que aconteceu com sua mãe, e chegou
até mim, para eu poder salvar você.
— Eu tenho irmãs? Eu tenho uma irmã gêmea? — Meus dedos,
trêmulos, soltam sua camisa, enquanto respiro mais depressa. — Sir as
conheceu?
— Sim, mas apenas uma, sua irmã caçula, e ela é linda, assim como
você, pequena pécheur. — Ele alisa a lateral do meu rosto com o dorso da
sua mão.
— Você a conheceu? — Pisco rápido, não sabendo como processar
tudo isso que ele está me contando, como uma bomba que explode dentro
de mim e aumenta ainda mais o caos que eu me encontro. — Falou com ela,
falou sobre mim...
— Eu vi Stella apenas de longe. — Seus dedos se abaixam e ele
muda o rumo do seu olhar para minha garganta.
— Stella... — O nome sai baixinho dos meus lábios, enquanto tudo
parece tão confuso. — Eu tenho uma irmã chamada Stella...
— Eva, existe mais uma parte dessa história que precisa saber. —
Sua cabeça se ergue e retorna seus olhos para os meus. — Sua mãe tinha
quatorze anos quando Freire deixou a cúmplice dela, chamada Valéria, levar
Mina para uma sala...
Sinto novamente aquela sensação esmagando meu coração,
enquanto ele fala sem emoção alguma.
— Sua mãe foi amarrada em uma cadeira, para que fosse violentada,
para poder engravidar.
Minha cabeça abaixa e tapo minha boca, mordendo minha mão com
força, abafando meu choro. Eu não tinha nascido de um amor proibido entre
minha mãe e um homem casado, como Freire me contou, eu tinha sido
concebida de um estupro, de uma monstruosidade que fizeram com minha
mãe.
— Depois que vocês nasceram, eles tiraram os bebês da sua mãe.
Freire ficou com você e lhe escondeu, para que Valéria e o outro cúmplice
não lhe encontrassem. Valéria ficou com o outro neném. — Ele retira minha
mão de perto da minha boca quando vê a faixa ficando vermelha com meu
sangue. — Há uma pessoa que está buscando pela sua irmã gêmea, e não
vamos parar até encontrá-la, assim como achamos Stella e você.
— Freire deixou machucarem a minha mãe, ela me tirou da minha
mãe... — Fecho meus olhos e nego com a cabeça. Não consigo
compreender como ela pôde ser tão monstruosa, mentindo para mim
enquanto me dizia que me amava, igual amou a minha mãe. — Por que...
por que ela fez isso?
— Porque vocês e suas irmãs são de valor incalculável, pequena
Messalina. Qualquer homem pagaria uma alta quantia, sem pensar duas
vezes, no mercado clandestino, por uma de vocês. — Ele puxa o ar com
força. — Mas ainda não tenho certeza qual realmente era o propósito de
Freire com você.
— Por isso foi até casa de dame Emanuelle, por isso me trouxe com
você... — Me sinto como um objeto criado com um propósito sujo, que teve
dezenove anos roubados da sua vida. — Porque acharam minha irmã...
— Sim, mas principalmente por conta do laço que me une à Stella.
— Meus olhos se abrem e olho para ele ao ouvir sua voz baixa. — Stella é
o fruto da monstruosidade que meu pai fez com Mina.
Meu corpo pula longe e me afasto do seu toque no segundo que suas
palavras são proferidas. Respiro depressa, olhando para ele.
— Monsieur Pellegrini é irmão então... — Meus passos vão para
trás e me viro, para esconder minha face de horror. Eu o beijei, o deixei me
tocar...
— Eva, apenas de Stella. — Sua voz sai depressa, como se estivesse
lendo o que está passando por minha cabeça. — Meu laço de sangue é
apenas com Stella.
Viro e olho-o, ficando ainda mais perdida em toda essa podridão,
nessa história feia que me liga às minhas irmãs.
— Não disse que tinha algo que nos liga... Eu achei que... — falo,
confusa, e desvio meus olhos para a lareira, recordando das suas palavras.
— Oliver Pellegrini foi o primeiro homem a tocar Mina. Quando ela
estava amarrada, ele a estuprou. Mas foi o segundo homem que Valéria
levou para a sala que engravidou Mina. Adrien é o nome do seu pai, e ele
não sabia que era uma criança que estava naquela sala.
Meu corpo se encolhe e olho com dor para ele, sentindo como se
uma bala atingisse meu peito e me desfigurasse por dentro. Minha mãe foi
condenada ao inferno, sendo violentada por dois homens dentro de uma
sala, amarrada em uma cadeira, como um bicho que servia apenas para
procriar.
— É por isso que me condeno e sinto nojo de mim, Eva. Que me
odeio por desejar lhe tocar, por minha alma dominadora ansiar tanto se
apossar pelo seu cerne submisso — ele fala em um tom rouco, mantendo
seus olhos nos meus. — Porque o homem que destruiu a vida da sua mãe,
que gerou Stella e sentenciou Mina à morte, é o meu pai. O mesmo homem
que está caçando você, porque você, minha pequena pécheur, não é apenas
a filha de Mina, você é a cópia viva da sua mãe. — Sir Hector se levanta e
respira fundo, levando seus dedos ao bolso da calça.
Caminho lentamente para trás, com meu corpo girando e entrando
no banheiro, fechando a porta atrás de mim. A tranco e encosto na porta.
Minhas unhas se erguem e arranho meu pescoço, desejando sentir qualquer
outro tipo de dor em minha pele, para conseguir diminuir a que consome
minha alma. Rasgo com força, sentindo a ardência me queimar, mordendo
minha boca enquanto desabo em meus joelhos e choro caída no chão.
— Você é especial, minha doce Eva. — Minha madrinha estica sua
mão e alisa minha face, escorregando seus dedos em minhas bochechas
lentamente. — Por isso precisa permanecer aqui.
Minha face se abaixa e olho meus dedos em minha perna, enquanto
fico em silêncio, não a deixando ver minha dor, por saber que ela não veio
me buscar para me levar embora com ela ainda.
— Ande, agora levante e me deixe ver a mocinha linda que está se
transformando. — Freire levanta e segura meus dedos em sua mão, me
fazendo ficar de pé à sua frente.
Meus olhos se abaixam e encaro o chão, me mantendo em silêncio,
sentindo seus dedos alisarem meus cabelos.
— Está linda, meu amor — ela fala alegremente e dá um passo para
trás. — Trouxe um presente para você.
Levanto minha cabeça com curiosidade, me sentindo animada ao
saber que ela trouxe algo. Ela caminha para sua bolsa, que está em cima
da minha cama, no quarto onde eu durmo, e abre. Vejo o pacote
embrulhado com um papel vermelho e um laço grande branco em cima
dele, quando ela vira, o segurando em suas mãos.
— Onde estão os modos, Eva? A freira regente não anda lhe
educando corretamente? — ela pergunta, séria, me encarando. — É assim
que tem que ficar?
— Me desculpa, madrinha — balbucio, nervosa, e abaixo minha
cabeça, retornando a olhar o chão. Meus joelhos dobram lentamente e
tocam o piso bruto. Me ajoelho, até minha bunda aterrissar nas batatas das
pernas, espalmando minhas mãos em minhas coxas, permanecendo com a
cabeça baixa.
— Perfeita. — Sua voz retorna a ficar alegre e aproxima seus
passos de mim, se abaixando e deixando a caixa de presente no chão, à
minha frente. — Abra.
Balanço minha cabeça em positivo rapidinho e estico meus dedos
com agonia, abrindo o lacinho e rasgando a embalagem. Abro a caixa,
ansiosa para ver o que tem dentro dela. Sorrio ao ver a delicada fita
vermelha de seda para prender os cabelos.
— Pertenceu a uma pessoa muito importante para mim. — Minha
face se ergue para Freire quando ela fala com brandura. — Me deixe
colocar em você.
Ela retira a fita de dentro da caixa e fica de pé, se posicionando
atrás de mim. Seus dedos mexem no meu cabelo e arruma a fita em minha
cabeça. Escuto seus passos se afastando quando ela termina. Mexe em sua
bolsa e retira um pequeno espelho compacto, parando-o à minha frente e
segurando meu queixo, percorrendo seus olhos por minha face.
— Está linda, tão linda, minha pequena Mina... — Seus olhos
brilham e ergue o espelho para mim. Estou tão feliz por ter ganhado um
presente, que não presto atenção ao nome que ela me chama. — Linda, meu
amor!
Seguro o espelho, olhando o lacinho vermelho em meus cabelos,
enquanto ela se levanta e fica parada à minha frente, comigo ajoelhada
diante dela. Minha cabeça se inclina quando seus dedos tocam meus
cabelos, os acariciando, e esfrego meu rosto em sua perna, sorrindo
contente por ela me amar.
Vivencio a dor ficando maior dentro de mim, enquanto minhas
unhas rasgam a pele do meu braço e me arranho com agonia. Sinto o peso
da maldição da primeira pecadora esmagando minha alma. Freire nunca me
amou, ela não estava me vendo, ela via minha mãe, era a criadora
apreciando sua obra-prima.
Uma obra-prima amaldiçoada!
CAPÍTULO 12

 
Demônios silenciosos
 
Hector Pellegrini
 
— Julgo que talvez vá demorar um pouco mais de tempo do que eu
imaginava — o homem do outro lado da tela do computador fala baixo,
soltando um suspiro pesado.
— Ainda nada? — Meu indicador bate lentamente na cabeça da
cobra e vejo sua cabeça balançar em negativo.
— Pensei que seria mais rápido encontrá-la pelo sistema de
reconhecimento facial. Já que são gêmeas, as características são quase as
mesmas. — Ele nega com a cabeça, se encostando na cadeira. — Estendi o
programa para que buscasse no banco de dados do mundo inteiro via
satélite, se Mical, a terceira Messalina ainda estiver viva, ele vai detectá-la.
Czar[29], conselheiro da Rússia, que está empenhado em conseguir
encontrar a terceira Messalina, me repassa a situação da busca pela jovem.
— Há algo mais que queira conversar, Hector? — A voz de Czar sai
baixa, com ele me olhando atento.
Esmago minha boca e olho na direção das prateleiras dos livros,
ficando em silêncio por alguns segundos.
— Nos documentos que Ramsés me deixou, estava bem
autoexplicativo o conceito da criação das Messalinas. Vi o relatório sobre
sua esposa, Mabel[30], e Stella. — Retorno meus olhos para ele e o vejo com
sua sobrancelha arqueada. — Mas não existe nada falando sobre a criação
de Eva, por quê?
— Não existe — ele responde de forma rápida e solta o ar
lentamente pela boca. — Freire era esperta, apagou todos os rastros. Se não
fosse pela informante que Ramsés encontrou no Cairo e o que ela nos
contou, nunca saberíamos sobre o vínculo sanguíneo delas.
— O colégio interno, o que descobriram? — Balanço a ponta do
meu pé lentamente, olhando para a tela do computador.
— Não existe sistema de informática, por isso fiquei impossibilitado
de acessar. As informações que levantei foram ligadas ao nome do colégio
de freiras. A princípio, não mostra nada de irregular. Ramsés tentou
encontrar um informante lá dentro, para nos contar mais, e principalmente
qual tipo de ligação existia com Freire. Mas até agora não temos notícias
reais, além de especulações. — Ele respira fundo e cruza seus braços em
cima da mesa, aproximando sua face da tela. — Ela apresentou algum traço
diferente, como as outras?
Eva em si é diferente. Cada pedaço do seu corpo emana uma
essência submissa, mas há algo mais, algo que eu não consegui decifrar. O
que me deixa incomodado por não saber qual era o verdadeiro objetivo de
Freire com a jovem.
— Por que acha que Freire a escondeu em um colégio de freiras? Se
tinha a intenção de criar uma Messalina, lá não deveria ser o lugar mais
apropriado...
— Freire era uma sádica, fria e calculista, mas, ainda assim, uma
sádica com uma mente brilhante na prática de Sodoma. — Czar repuxa seu
nariz e esmaga sua boca. — Meu pai contava que Freire tinha meios muito
ortodoxos para disciplinar seus submissos, um dom alarmante para entrar na
mente deles, os quebrando lentamente, até se transformarem no que ela
queria. O único que ela não conseguiu manipular a mente foi Jonathan
Roy[31], e Roy não fala sobre isso. Eu já tentei uma vez conversar com ele,
sobre como eram as dominações de Freire...
Conheço o conselheiro de Sodoma da Austrália por relatórios. Tinha
tido conhecimento que ele foi preparado por Freire para se desenvolver
como mestre, para poder assumir a cadeira herdada do seu pai em Sodoma.
Freire não tinha conseguido manipular a mente de Roy, porque cada
molécula dele é dominante. Uma alma sádica e dominadora nunca se dobra
diante de outro mestre.
— Ela contou alguma coisa sobre como era a relação de Freire com
ela, ou como foi educada nesse colégio interno?
— Freire inventou mentiras e mais mentiras para ela. — Troco a
bengala de mão e descruzo minhas pernas, recordando da sua face molhada.
— Não conversa sobre o colégio. Perguntei a ela ontem, mas deu uma
resposta breve.
— Breve o suficiente para lhe deixar desconfiado? — ele rebate
com curiosidade.
— Sim!
Meus olhos estudaram sua face pequena enquanto ela me respondia.
A veia em sua garganta disparou, ficando agitada. Seu peito subiu e desceu,
e um leve tremor passou em seu corpo quando desviou seus olhos dos
meus, me contando muito mais do que suas palavras breves.
— Freire não a permitia sair de dentro do quarto. — A expressão de
Czar não mostra surpresa e muito menos confusão, é como se já esperasse
por isso.
— Como ela lida com dor, Hector? — ele me pergunta, baixo, e
desvia seus olhos dos meus.
— Julgo que Eva não seja masoquista, Czar — falo sério, negando
com a cabeça. — Ela lida de outra forma com a dor...
A imagem dela caída no chão do banheiro, quando estourei a porta
do banheiro para tirá-la de lá, enche minha mente. Seu corpo pequeno
deitado ao chão, em posição fetal, com sangue escorrendo de suas pernas e
braços, por conta dos arranhões que ela causou a si mesma. Eu senti a
quentura da face molhada enquanto chorava baixinho, quando a peguei em
meu colo, a tirando de lá.
— Não entendi... — o russo fala, confuso, me fazendo olhar sério
para ele.
— Desconfio que a pequena Eva busque se livrar da dor causando
uma nova dor. — A boca de Czar se abre, compreendendo o que eu estou
falando.
— Autoflagelação! — ele solta a palavra e retorna suas costas para a
cadeira, soltando um longo assobio e levando suas mãos à cabeça. —
Droga!
Eu tinha notado esse pequeno traço em Eva, no dia que Emanuelle a
levou para aquela sala, cheia de clientes. A forma nervosa como ela ficou,
com seus dedos trêmulos raspando as unhas em seu braço, e depois caída no
chão do quarto, quando eu entrei para conversar com ela, machucando seus
tornozelos. Ela se autopune para aliviar a dor que está sentindo.
— Pessoas com esses distúrbios não buscam dor erótica, como a dor
do masoquismo, elas buscam dor real, não por prazer, mas para aliviar a
outra dor que está sentindo por dentro — digo sério, ainda recordando dos
machucados em suas pernas e braços. — O ato em si, de se autoferir, já
mostra que ela não é masoquista. Eva é diferente...
— Isso é recente ou acha que ela anda se punindo há algum tempo?
— Czar muda sua expressão e fica pensativo, me perguntando ansioso.
— Pelo que pude notar, é recente. A observei por algum tempo na
casa que ela vivia, antes de trazê-la para cá, e foi apenas quando ela ficou
exposta diante de uma situação que a fazia sofrer, que apresentou esse
comportamento...
— Ela está entrando em conflito — Czar fala rápido e abaixa sua
mão da cabeça, inclinando seu tórax para frente novamente.
— Explique-se. — Olho-o com atenção.
— Veja... Minha esposa, quando sua alma masoquista começou a
aflorar com mais força, desencadeou uma série de conflitos dentro dela, que
a levaram a agir por impulso. Ela estava tão confusa, sem entender o que
ela era, que chegou a pagar para um estranho lhe espancar. — Ele respira
fundo e range seus dentes. — Mabel não entendia que sua confusão vinha
do fato da sua alma submissa alfa estar querendo se libertar. Assim como a
esposa de Ramsés, que lutou com ele ferozmente, sempre tentando o manter
longe. Ramsés me relatou que ela não compreendia e mostrava confusão, e
por isso lutava com selvageria com ele. Se estiver correto em sua análise,
Hector, julgo que tem grandes chances da alma submissa de Eva ter
despertado.
Levanto e afasto a cadeira, absorvendo as palavras do conselheiro da
Rússia.
— O que provocou o despertar? — Giro meu rosto para a tela, o
encarando.
— Ramsés e eu pensamos na teoria dos ímãs, os polos magnéticos.
— Czar gesticula com sua mão, falando pensativo. — O positivo sendo
atraído pelo negativo. Uma alma submissa sempre reconhece uma
dominante, e elas foram criadas especialmente para serem submissas, o que
para elas é duplamente mais forte. Talvez Freire tenha a ativado, mas isso
seria muito estranho, já que confirmou que é recente, e pelo que eu conheço
da casa de prostituição de Emanuelle, seus clientes são homens normais. A
não ser que Eva...
Ele se cala e solta o peso das suas costas na cadeira, fechando sua
boca enquanto me olha, descobrindo a resposta que procurava.
— Merda, foi você! — murmura, enquanto eu sento na cadeira,
soltando o peso do meu corpo. — Você é o polo negativo que despertou a
alma submissa dela.
Sim, tinha sido eu. E ao mesmo tempo que meu lado sádico se
vangloria por isso, inflamando meu peito com orgulho, por ter despertado
sua alma submissa, outra parte minha me condena, me amaldiçoando por
não ter resistido à Eva, por me perder no encanto daquele olhar doce que
me chama para ela, sem conseguir esconder o que ela quer, me mostrando
cada pensamento que ela tem em sua mente. A forma como seu corpo
vibrou em meus braços naquele jardim, quando lhe beijei a primeira vez, foi
submisso, assim como ontem de tarde, quando não resisti à tentação ao tê-la
à minha frente. Eu sabia o que ela queria, o que me pedia com seu olhar, e
cedi, mesmo tendo consciência que meu toque jamais poderia ter se
aproximado dela.
— Como posso reverter isso?
— Isso foi uma boa pergunta, mas, infelizmente, não tenho resposta
para ela. — Ele nega com a cabeça e me dá um olhar de quem sabe que
estou ferrado. — Tentar tirar a alma submissa dela é o mesmo que alguém
querer tirar a dominadora nossa. Não tem como, está entranhado dentro de
nós, faz parte de quem somos. — Ele ergue suas mãos. — O que pode fazer
é se afastar dela. Se quiser, posso pedir para Sieta[32] ir até a França buscar
Eva.
 Minha face se endurece, com meus olhos desviando dos dele, tendo
meu lado sádico ficando agressivo apenas com a possibilidade dela sair de
perto de nós.
— Isso, claro, se você desejar...
— Agradeço pelas informações, Czar, continue me mantendo
informado. — Ergo meu rosto para ele, finalizando o assunto.
— Pode deixar, manterei. Assim que tiver novas informações, tanto
da terceira Messalina ou do colégio interno, eu lhe repasso.
— Merci! — Balanço minha cabeça lentamente e estico meu braço
para encerrar a videoconferência com o conselheiro da Rússia.
— Hector! — Meu braço congela quando ele fala meu nome com
ênfase, me mostrando preocupação em seu olhar. — Algo mais que precisa
saber, não sei se Ramsés lhe repassou isso...
— O quê? — pergunto, sério, o estudando.
— Elas não vão ter uma vida normal, não como uma pessoa fora do
nosso mundo, sem um mestre para cuidar delas. Viveriam em um eterno
conflito interior, onde a alma submissa sempre é mais predominante. — Ele
bate lentamente a ponta do seu dedo sobre a mesa, falando calmamente,
como se estivesse ponderando suas palavras. — E isso as deixaria propícias
a ficarem nas mãos de alguém abusivo, que não tem ideia do que elas são e
do que elas precisam. Há uma coleira invisível em seus pescoços, Hector, e
no caso de senhorita Eva, julgo que deva ser duas vezes pior que Mabel ou
Stella. Pelo pouco de histórias de alguns praticantes de autoflagelação que
ouvi, nenhuma delas acabou bem.
Ele me dá um olhar de pesar e balança sua cabeça em positivo, antes
de encerrar a ligação. Eu compreendi exatamente o que Czar quis dizer. Eva
não ficará estável em um mundo normal, perto de outros pessoas que não
entendem o que ela é. Seu próprio conflito já está causando o caos dentro
dela. Arranhões serão a menor punição que ela se aplicará se não for parada
agora.
— Sir! — Ergo meu rosto quando Edmundo me chama, batendo na
porta do meu escritório.
— Pode entrar, Edmundo. — Fico sério e olho para ele enquanto
entra, fechando a porta atrás dele. — Como ela está?
Solto um suspiro baixo e esfrego as minhas têmporas, perguntando
por ela.
— Marrie me disse que ela dormiu, depois que tomou um chá. —
Ele para de frente para mim, perto da minha mesa. — Marrie trocou a faixa
do seu machucado, assim como limpou os outros ferimentos.
Balanço minha cabeça em positivo e me apoio na bengala quando
me levanto, repuxando minha face ao sentir uma fisgada de dor no meu
joelho.
— E sua perna, sir? — Ele abaixa seus olhos e encara minha perna.
— Como está?
— O que tem? — pergunto para ele, não entendendo o porquê dessa
pergunta agora.
— Foi o senhor que a socorreu. Não sentiu dor em sua perna quando
a pegou no colo e a levou para a cama? — Edmundo desvia seus olhos da
minha perna e me olha intrigado. — A dor não se agravou?
Minha cabeça se abaixa e olho minha perna, esmagando meus dedos
na muleta, enquanto noto que não tinha pensado nisso, nem sequer me
preocupei com a porra da minha perna quando me abaixei para tirá-la do
chão, e muito menos senti dor alguma naquele segundo. Estava tão focado
em Eva, que não pensei em mais nada, além de segurá-la em meus braços.
— Não tem com o que se alarmar, meu caro — o respondo e ergo
meu rosto para ele. — Preciso que ache alguém para descobrir algumas
informações para mim. — Mudo o rumo da conversa e ando lento até a
janela, olhando o céu negro sem estrelas.
— Só pedir, sir.
— Descubra tudo sobre o local onde mademoiselle foi criada, e qual
vínculo ligava Freire a um convento. Preciso de respostas e não tenho
paciência para ficar aguardando que Czar ou Ramsés as consiga.
— Providenciarei elas, sir, o mais breve possível — Edmundo fala
rápido, me conhecendo há tempo suficiente para saber que preciso de
respostas para ontem, e sei que ele irá me dar. — Sir deseja mais alguma
coisa?
— Não, apenas isso. — Balanço minha cabeça em negativo e
mantenho meus olhos no céu. — Pode se retirar, não vou mais precisar dos
seus serviços por agora.
Edmundo sai silencioso da sala, me deixando só no escritório,
enquanto minha mente fica aglomerada com vários pensamentos, tendo
apenas um se sobressaindo entre eles.
Eva!
CAPÍTULO 13

 
A pecadora e a serpente
 
Eva Fishie
 
Meu corpo se encolhe ao som do ensurdecedor trovão, que explode
no meio da tempestade, enquanto ando apressada e nervosa, com o corpo
úmido ainda, por causa do banho. Desço as escadas sentindo meu coração
palpitando. Meus dedos se abrem e fecham, e tento amenizar meu
constrangimento por estar indo no meio da madrugada bater na porta do
quarto de Marrie. Eu tinha acordado com o som da chuva forte desabando
lá fora. Quando um trovão seguido de um relâmpago cortou o céu, me
sentei na cama, assustada, ao sentir a umidade entre minhas pernas, o que
me fez pular para longe do colchão e acender a luz do quarto. A mancha do
meu sangue marcava o lençol branco, enquanto outra se destacava na frente
da camisola, com minhas pernas escorrendo minha menstruação.
Corri para o banheiro e tirei minha roupa, entrando no banho para
me limpar, olhando agoniada para o sangue. Eu sabia que aquilo era algo
normal no corpo de uma mulher, tinha aprendido isso quando cheguei na
casa de dame Emanuelle, que espancou a porta do quarto depois do terceiro
dia que fiquei trancada dentro dele, quando minha menstruação desceu
umas duas semanas depois de eu ter chegado em sua casa. Quando ela
perguntou porque eu estava trancada dentro do quarto, contei para ela que o
sangue impuro do meu corpo estava saindo, que eu estava suja e não podia
ficar perto das outras pessoas, porque era isso que a freira regente me
falava, por isso ficava trancada em meu quarto, isolada das outras. Meu
sangue era impuro e o que saía do meu corpo era um castigo pelo qual todas
as mulheres passavam, todos os meses, para nunca esquecerem de como
nossas almas são sujas e impuras.
Eu não tinha ninguém mais para me explicar sobre ciclo menstrual,
e quando se tem dez anos e se acorda em uma cama suja de sangue, é claro
que acredita no que um adulto fala, ainda mais sendo a freira regente, que
era a responsável por cuidar de mim no convento. Recordo que naquele dia
eu chorei, achando que estava morrendo, que minha alma era tão suja e
impura, que o sangue todo do meu corpo iria vazar pelo meio das minhas
pernas, até eu cair seca e morta no chão, o que, claro, não aconteceu.
Apenas tive que me acostumar com o acontecimento que vinha todo mês.
Nos primeiros anos, eu ficava sentada no chão, esperando os dias passarem,
até o sangue acabar de sair; nos outros comecei a usar qualquer coisa que
pudesse como proteção em minha calcinha, outras calcinhas dobradas,
pedaço de papel... Teve uma vez que usei a fronha do travesseiro, a rasguei
em várias partes, e levei uma surra da freira regente quando ela quis saber
onde estava a fronha do meu travesseiro.
Não foi de admirar que dame Emanuelle teve uma crise de riso,
quase se mijando nas calças, quando lhe contei o que a freira regente me
falava. E depois de rir, ao ponto de precisar se apoiar na parede para não
cair no chão, com seus olhos lacrimejando de lágrimas pelas gargalhadas,
dame Emanuelle me explicou que não tinha nada de sujo ou impuro dentro
de mim, que a menstruação era algo normal, que se toda mulher que
menstruasse se trancasse em um quarto, para não encher a sociedade de
impureza, a população viveria seus dias sendo apenas de homens. Ela me
ensinou como usar absorvente e me mandou a procurar quando minhas
regras retornassem, que não podia ficar usando retalhos de pano. E era o
que eu fazia desde então, por todos os meses que fiquei morando em sua
casa.
Só que não trouxe nenhum absorvente comigo. E agora rezo,
enquanto caminho às pressas, na direção da cozinha, que Marrie possa me
ajudar. Eu não tive corregem de rasgar as fronhas dos travesseiros, ainda
mais sendo tão finas e de um material caro, e eu já tinha estragado uma,
para estacar meu machucado em minha mão. Podia ter usado papel
higiênico, mas a desgraça parece que nunca vem sozinha. Por ter ficado
trancada dentro do meu quarto por dois dias, Fila não pôde entrar para o
limpar e trazer mais papéis. Levo minhas mãos à frente da minha pélvis e
rezo para que não escorra por minhas pernas. Entro na cozinha e acendo a
luz, seguindo em direção ao corredor que vai para o quarto de Marrie.
— Marrie... — Bato na porta do quarto, a chamando baixinho. —
Marrie, preciso de ajuda! Está aí?
Mordo minha boca e sinto minhas bochechas queimando de
vergonha, com meu coração palpitando, mais assustado a cada trovão que
estoura lá fora.
— Droga! — Encosto minha testa na porta, cochichando, batendo
com mais persistência. — Marrie, está aí?
Minhas coxas se colam, ficando unidas, como se isso de alguma
forma pudesse ajudar o problema. Bato mais depressa na porta, agoniada,
rezando para ela acordar. Meu rosto se ergue quando a luz da cozinha se
apaga e se acende novamente, como se a luz tivesse acabado e voltado em
segundos.
— Merda, merda! — Bato mais forte na porta, retornando a olhar
para ela. — Marrie...
Minha mão para de bater quando minha cabeça se inclina para baixo
e sinto a quentura de um risco fino de sangue escorrendo por minhas
pernas. Olho para a porta e sei que não tem como esperar mais. Corro para a
cozinha e pego um papel toalha, retirando um pedaço e passando em minha
perna, vendo que a frente da camisola limpa, que eu tinha vestido após o
banho, já está suja novamente. Esmago o papel em minha mão e corro para
fora da cozinha, subindo as escadas às pressas, parando meus dedos na
frente da camisola. A colisão é quase iminente quando piso no topo da
escada, acertando meu rosto na parede de carne.
— Oh, meu Deus... — Me apoio, desesperada, nos braços que
seguram minha cintura quando meu corpo se inclina para trás, com meus
pés vacilando, e olho para trás, vendo os lances da escada.
— Teria sido uma queda e tanto, eu presumo, mademoiselle. —
Minha face gira para frente rapidamente, quando a voz masculina sai em
tom baixo. Me deparo com um par de olhos safiras preso ao meu.
Respiro mais forte, com meus olhos recaindo para seu peito despido,
com a pele pálida e suada. Se achava a pele do seu rosto parecida com
marfim, seu tórax desnudo me mostra que estava certa. Os ombros largos,
com veias saltadas no braço, acentuando sua magreza falsa, me deixa ver
que a massa magra do seu corpo é bem distribuída em seus músculos. Pisco
rapidamente, arregalando meus olhos, tendo consciência que é a primeira
vez que um homem semidespido está a poucos centímetros de mim, me
tocando. Meu cérebro, não contente em apenas ter perdido minha fala
enquanto encarava seu tórax, me faz ficar admirando a forma como o pomo
de adão em sua garganta se move lento.
— Passeios furtivos no meio da noite, mademoiselle? — Obrigo
meu cérebro a retornar a devolver minha fala quando ele me pergunta com
sua voz rouca, ficando mais intimidadora.
— E-eu... Eu... — Mordo minha boca e dou um sorriso nervoso.
Meu cérebro está de sacanagem comigo!
Me amaldiçoo e fecho meus olhos, tentando pensar em uma frase
inteira que possa sair pela minha boca, sem ficar sibilando as palavras como
uma criança que está se alfabetizando.
— Fico feliz que tenha resolvido sair do seu quarto, mesmo que seja
na calada da noite. — A ponta de ironia e recriminação em sua voz não
passa despercebida. Abro meus olhos e o encaro, encolhendo meus ombros
com a intensidade do seu olhar que recebo.
Eu não tinha a intenção de encontrá-lo agora, na verdade, pretendia
fazer isso pela manhã. Tinha consciência que não foi correto ficar dois dias
inteiros trancada dentro do meu quarto, me negando a ir à biblioteca quando
ele mandava me chamar. Mas a verdade é que dois dias ainda foram pouco
para digerir e assimilar dezenove anos de mentiras da minha vida. E por
mais que tentei nessas quarenta e oito horas, ainda não tenho ideia do que
pensar, do que será da minha vida agora. Não que soubesse antes, para ser
bem franca. Mas agora tudo é diferente, mais feio e solitário, e o caos está
mais forte e intransigente dentro de mim.
— O que está fazendo fora do quarto essa hora, Eva? — Ele muda o
tom de voz e respira fundo, esmagando seus lábios enquanto mantém seus
dedos em minha cintura.
— Eu, bom... — Abaixo meu rosto, me vendo na pontinha do pé, na
beira do topo da escada. — Precisa falar com Marrie, mas... — Mordo
minha boca, não me sentindo confortável nessa posição de queda iminente a
qualquer momento, se ele resolvesse me soltar. — Monsieur, se importaria
de dar apenas um passinho para trás... — balbucio e giro meu pescoço,
olhando para trás com medo, vendo os dezesseis degraus atrás de mim.
— Não confia em mim, pequena pécheur? — Retorno meus olhos
diretamente para ele, ao sentir o calor morno da respiração em minha
garganta.
Podia facilmente mentir, que o coração desfibrilado, com
palpitações aceleradas, é por causa de estar sendo segurada na beirada do
topo da escada, e não porque sinto como se estivesse sendo presa em seu
olhar azul tão limpo, que parece um céu celestial, pela forma que me olha.
— Penso que sim — murmuro e abaixo minhas vistas para sua boca,
a vendo se entreabrir, quase como se estivesse me provocando a lembrar de
como ela pode ser cruel e perfeita quando ele me beija.
— Pensa? — As palavras saem baixo e ele pergunta de forma
traiçoeira.
— Foi o único a me dizer a verdade. — Meus olhos se elevam para
os seus, enquanto sinto seus dedos se esmagarem lentamente em minha
cintura.
Seguro seus braços com mais força quando ele nos vira lentamente,
fazendo eu me afastar da beirada da escada, ficando de frente para mim,
ainda me mantendo presa pela cintura.
— Como se sente?
— Como uma pessoa que viveu dezenove anos no escuro. E agora
que a luz se acendeu, eu não sei o que fazer... — Dou um sorriso triste para
ele, falando a verdade.
Sua cabeça balança lentamente em positivo, enquanto ele me
observa olhando meus braços antes de voltar seus olhos para os meus.
— Marrie não está em casa, Edmundo a levou para o vilarejo depois
do jantar. — Ele ergue a cabeça para cima, prestando atenção no som das
gotas fortes de chuva caindo no telhado. — Creio que o temporal acabou os
impedindo novamente de voltar. — Quando sua cabeça se abaixa, trazendo
seus olhos para os meus, vejo um sorriso no canto dos seus lábios. — O que
começo a perceber que é muito vantajoso para eles...
Rio e abaixo meus olhos, balançando minha cabeça em positivo,
descobrindo que não sou a única a ter percebido a forma como eles ficam
perto um do outro.
— Precisava de Marrie para alguma coisa, mademoiselle? — ele
indaga, sério, o que faz eu me lembrar do motivo de ter saído do quarto
desesperada, atrás de Marrie.
Minha cabeça se ergue na mesma hora e olho na direção da minha
mão, que segura seu braço, com a bolinha de papel suja de sangue em meus
dedos.
— E-eu... rããm... — Rio, nervosa, e nego com a cabeça, soltando
seu braço e dando passinhos para trás, para que ele me solte. — Coisa
boba...
Meus dedos se esmagam com nervosismo e volto a ter consciência
que tem sangue escorrendo por minhas pernas. Minha cabeça se abaixa
assim que o risco de sangue toca o peito do meu pé, me fazendo respirar
mais depressa.
— O que... — Sua voz se cala quando ele começa a falar. Ergo
minha cabeça o e vejo olhando para minhas pernas, vendo o mesmo que eu.
— Eu sinto muito — falo, nervosa, mordendo meus lábios e levando
minhas mãos para frente da camisola, me sentindo suja diante dele. — Sinto
muito, não consegui controlar... Pensei que Marrie pudesse me ajudar...
Dame Emanuelle me dava coisas para tapar o sangue, mas eu não tenho
nada comigo...
Estou tão mortificada pela vergonha, que não consigo nem olhar
para ele. Sinto meus olhos arderem e as lágrimas começarem a ameaçar a
descer. E a única coisa que vem em minha mente são os gritos da freira
regente, me chamando de porca imunda, me condenando por estar impura
diante de um homem. Meus pés viram, enquanto corro na direção do meu
quarto, levando as mãos à frente da minha pélvis, como se pudesse conter
meu sangue. Bato a porta atrás de mim assim que passo por ela, olhando o
lençol sujo jogado no chão, o qual eu tinha tirado antes de sair do quarto.
Marrie irá ficar triste comigo, por ter sujado o lençol tão bonito com meu
sangue sujo.
Estico meu braço e raspo as pontas das minhas unhas em minha
pele, fazendo a ardência se alastrar quando começo a rasgar com mais
força, arranhando mais forte, andando assustada para o banheiro. Tiro a
camisola e entro embaixo da água, pegando o sabonete com pressa e o
esfregando em minhas pernas, vendo a água vermelha escorrer para o ralo.
Mordo minha boca e aperto forte o lábio inferior, enquanto fricciono
intensamente o sabonete contra a pele, mesmo quando ele escorrega dos
meus dedos pela forma bruta como me lavo. Continuo a esfregar minha
perna, cravando mais forte as unhas, como se pudesse fazer isso parar,
como se pudesse tirar toda essa sujeira de dentro de mim. Mas ela não para,
não vai parar, porque, no fundo, eu sou uma porca imunda, uma porca
imunda nascida da desgraçada da minha mãe, jogada dentro de um quarto
escuro, que foi tudo que eu tive a vida inteira para esconder toda a imundice
e podridão da minha criação.
— Suja... Suja... — murmuro, chorando, rasgando mais forte minha
pele, enquanto esfrego minhas pernas. — Porca imunda, imunda, Eva...
Meus olhos ficam congelados no sangue que escorre no ralo, tendo
apenas a face de Freire em minha mente, o som da sua voz, os gritos da
freira regente. Meus gritos, gritos de dor, ecoam por minha boca. A
sensação da coleira em meu pescoço, a mesma coleira que queimava a pele,
me deixando presa na parede quando eu era desobediente, porque eu era
impura. Era suja e precisava ser uma boa menina, uma menina obediente,
uma menina quietinha, mas boas meninas não eram imundas e sujas.
— Porca imunda, imunda...
Fecho meus olhos e ergo meus dedos, arranhando meu pescoço,
como se pudesse sentir o material do couro em volta dele, me lembrando da
minha sujeira, da minha desgraça. O choro vem mais forte e soluço,
rasgando minha pele, desejando que a dor me limpe, que a dor me purifique
da minha sujeira.
— Imunda... — E quanto mais eu me arranho, mais suja eu me
sinto, o que faz eu me arranhar ainda mais, desesperada.
 — Pare agora! — O som da voz zangada falando ao meu lado, em
comando, me faz olhar assustada para o homem dentro do banheiro, que
estica sua mão e prende meu pulso, o esmagando com pressão. — Chega,
Eva!
— Imunda, meu sangue me deixa imunda... — balbucio e encolho
meus ombros, chorando com tanta dor.
Seus olhos desviam dos meus e observa meu braço, abaixando sua
atenção para minhas pernas, antes de olhar para meu pescoço. Vejo seus
lábios se esmagarem, enquanto inala fundo, dilatando suas narinas e
rangendo seus dentes. Ele solta meu pulso e estica seu braço para o registro
da torneira do banheiro, o fechando. Seu corpo gira e ele puxa uma toalha
do gancho da parede, deixando sua bengala encostada na pia do banheiro,
antes de jogar a toalha em volta de mim. Meu rosto encosta em seu peito
quando ele se aproxima lentamente. Choro baixinho e fecho meus olhos,
tendo seus braços me abrigando, com um ficando rente minhas costas e o
outro se abaixando para trás dos meus joelhos, me tirando do chão.
— Venha, Eva! — Escuto o timbre da sua voz murmurar perto dos
meus cabelos, com seu rosto se esfregando neles, enquanto caminha
devagar para fora do banheiro.
Sir Hector é silencioso quando me deixa no chão, de pé, aos pés da
cama, e seca meu corpo sem pressa, mantendo seus olhos concentrados na
toalha, secando cada parte da minha pele. Ele levanta, sério, e olha para
minha face, escorregando a toalha em minha garganta, tendo seus olhos
fixos nela.
— Se fizer isso de novo com você mesma, vou ser obrigado a lhe
disciplinar. — Seus olhos azuis brilham em um tom escuro quando ele os
para nos meus, falando em tom baixo, mas sério o suficiente para eu saber
que ele está falando a verdade. — Tenha isso em mente na próxima vez que
se ferir de propósito, pequena pécheur.
— Não entendi porque me chamava assim na primeira vez que disse,
mas é isso que eu sou, não é, sir Hector?! Uma pecadora... — Olho para ele,
chorando e balançando minha cabeça para o lado. — Uma alma tão suja e
pecadora quanto o meu sangue.
— Non, pequena. — Suas mãos se erguem e ele seca meus cabelos,
respirando forte. — Sua alma não é suja, pequena Eva, muito menos seu
sangue.
— O que está fazendo... — pergunto, baixinho, fungando e
erguendo meus dedos, para limpar meu rosto.
— Estou te secando, Eva, cuidando de você — ele fala direto, sem
perder sua concentração no que faz.
Sir Hector mantém os movimentos lentos, como se estivesse
secando mecha por mecha, e mesmo aqui, despida diante dele, dentro desse
quarto, eu não desejo sair, não quando pela primeira vez na minha vida
entendo o significado da palavra ser cuidada.
— Eu estou suja, monsieur, não devia estar tocando em mim... —
Meus ombros se encolhem enquanto abraço meu corpo, encarando o chão.
— Está menstruada, Eva, não suja — ele diz calmo, não tendo
pressa em terminar de secar meus cabelos.
— Mas ainda assim não penso que deva ser correto, sir, estar me
tocando comigo assim...
— Estigma da menstruação é um tipo de misoginia, Eva. Puro tabu.
— Sua voz sai baixa e ele termina de secar meus cabelos, saindo de trás de
mim e ficando à minha frente, jogando a toalha no chão junto com o lençol.
— Tabus contraproducentes, criados apenas para fazer a menstruação
feminina parecer algo vergonhoso, que deva ser escondido.
Sua face retorna para a minha e segura meu queixo, me fazendo
levantar a cabeça para ele.
— Não lhe ensinavam sobre isso no colégio? — Seu olhar me
estuda e se mantém sério, parado diante de mim.
— Não — cochicho e nego com a cabeça.
— Não sei por que isso não me surpreende... — Ele solta meu
queixo e dá um passo para trás, inalando o ar com força, como se só agora
permitisse seu olhar vagar por meu corpo. — Não há nada de errado, pelo
contrário, é algo belo, que faz parte da natureza feminina.
Sinto como se seu olhar atravessasse minha pele, podendo enxergar
minha alma com a intensidade que ele me olha, não demonstrando
desconforto algum por estar me encarando. Ele se vira e fica de costas para
mim, caminhando para o guarda-roupa e o abrindo.
— A tribo Mbendjele, da África Central, por exemplo, cultua o ciclo
feminino. Para eles é considerado algo sagrado, uma bênção poderosa da
Lua para as mulheres.
— Acho que a freira regente discordaria, e ainda alegaria que isso é
uma herança do pecado. — Sorrio sem felicidade, murmurando e fungando
com pesar.
— O pecado de Eva, eu presumo. — Ele ri com deboche e passa
seus olhos por minhas roupas. — A velha história da maçã...
— Não acredita que Eva pecou e acabou caindo em desgraça, por
não conseguir controlar seu desejo em comer a maçã... — Descruzo meus
braços e os deixo caídos ao lado do meu corpo, olhando para o chão. Meus
cabelos ficam caídos na frente do meu corpo e tapo meus seios, enquanto
respiro lentamente. — Que devia ter lutado mais contra o pecado que a
serpente lhe induzia...
— Foi com as palavras que a serpente seduziu Eva, a maçã serviu
apenas para selar o pecado. — Sua voz sai baixa e faz um som diferente em
sua garganta quando a voz dele sai rouca.
Meus olhos levantam para sir Hector e o vejo virado para mim,
segurando um vestido meu em suas mãos.
— Por que ela seduziu diretamente Eva? Por que tinha que marcar
uma alma com o pecado? — Pisco, confusa, não entendendo por que ele faz
emoções tão divergentes borbulharem dentro de mim.
E me sinto verdadeiramente como Eva, diante da serpente que a
tenta. Penso que nossas almas já deviam ter alguma marca pecadora, a qual
apenas a serpente via.
— Acredito que foi Eva que seduziu a serpente, que a enfeitiçou
com seu olhar inocente, sendo algo puro demais para a escuridão da
serpente resistir...
Não sei mais se estamos falando sobre o pecado original ou sobre
nossos pecados. Apenas fico parada, como se estivesse sentindo tudo que
Eva sentiu naquele Jardim do Éden antes de ser expulsa do Paraíso, ao
ceder ao pecado. Mas a diferença entre nós duas, é que eu não vivo no
Jardim do Éden, e muito menos tenho a alma pura como ela tinha, para
fazer a serpente desejar corrompê-la. Minha alma já nasceu suja e marcada
com o pecado muito antes de eu almejar cometê-lo. Uma alma confusa, que
não compreende o caos dentro de mim, mas se acalma perante o olhar azul,
que a deixa serena, como se ele conhecesse meus demônios.
— O que eu sou, monsieur? — pergunto, baixinho, com meus olhos
ficando marejados novamente e com minha cabeça balançando para os
lados, me sentindo tão cansada, como se tivesse milênios e séculos de vida
solitários dentro de mim, que desejam encontrar a calmaria. — O que
realmente eu sou? Uma pecadora ou uma amaldiçoada que carrega na alma
os pecados e os crimes dos outros?
Meus olhos se fecham e solto um soluço, não tendo nada mais que a
dor, aquela dor forte, me esmagando por dentro, ao ponto de me fazer
desejar arrancar meu coração para fora. Minhas unhas raspam a lateral da
minha perna e não consigo suportar isso que está dentro de mim. Sua mão
se fecha em meu pulso antes que as unhas rasguem a pele. Meus olhos
abrem e o vejo diante de mim, erguendo sua outra mão para minha nuca e
segurando forte quando prende seus dedos em meus cabelos, me olhando
com um olhar azul tão claro, que posso jurar que é o céu.
— Non, pequena. É portadora da alma mais pura e submissa que eu
já vi, uma alma pura e bela, assim como seu sangue, porque faz parte da sua
natureza. — Sua voz sai firme, enquanto todo o caos vai se dissipando,
ficando apenas o fogo ao ter seus lábios tocando os meus. — Você é a
pureza a qual minha escuridão não conseguiu resistir, Eva!
Minhas mãos trêmulas já não estão nervosas e nem angustiadas,
quando levantam e seguram em seu ombro. Assim que ele solta meu pulso,
seu braço circula minha cintura e me traz para perto dele, causando o raspar
dos bicos dos meus seios em seu tórax firme. Gemo, ficando mole em seus
braços, respirando mais depressa pelo nariz, me sentindo devastada pela
forma como ele me domina. Não existe mais o que eu sou, o que eu era ou o
que eu serei. Existe apenas o que ele me faz sentir, quando me beija com
tanta posse. Sua mão se ergue e se embrenha em meus cabelos, os
segurando com força enquanto choca seu quadril ao meu, me deixando
sentir a protuberância dentro da sua calça. E antes que possa processar,
sinto meu corpo ser tombado para trás com o peso dele se deitando por
cima de mim no colchão.
Seus lábios soltam dos meus e me faz arfar meu peito quando
respiro rápido. Os olhos expressivos azuis avaliam meu rosto, e ele encaixa
sua pélvis sobre o meu quadril, empurrando minhas pernas para o lado,
dando passagem para sua pélvis se encaixar entre a minha virilha. Suas
mãos erguem meus braços e os leva para cima da minha cabeça, as
deixando presas lá pelo pulso. Ouço um rosnado suave saindo dos seus
lábios, deixando sua atenção cair para os meus seios eretos, que sobem e
descem rapidamente.
— Vou lhe arrastar para o pecado junto comigo, Eva. — Sua voz
vibra em meus ouvidos quando um toque quente da sua respiração próxima
a minha garganta me acerta, me fazendo gemer baixinho. Me sinto
derretendo, como um sorvete sendo chupado por sua boca, com sua língua
me torturando ao deslizar em minha pele. — Mas se aceitar cair em pecado
comigo, pequena pécheur, não terá volta, porque a serpente é gananciosa
demais.
Ele ergue sua cabeça e a deixa parada diante da minha, com seus
olhos azuis me consumindo, como uma fogueira perigosa e diabólica. Qual
volta minha vida podia ter? Para o inferno que eu vivi durante dezenove
anos, na esperança de um dia ir morar com a pessoa que desgraçou a vida
da minha mãe? Viver sem saber o que sou ou aceitar o que a serpente me
oferece de tão bom grado, me seduzindo com suas palavras? Não é a maçã
que sela meu pecado, são os seus lábios, quando minha cabeça se ergue e o
beijo, aceitando o que ele me oferece. E ele pega tudo, me conduz ao
inferno, onde minha alma queimará pela eternidade, mas ao lado da dele.
— Não ouse abaixar suas mãos, pequena pécheur. — Ele solta meu
pulso e segura meu queixo com pressão entre seus dedos.
Gemo quando seus dentes mordiscam meu lábio inferior, o
prendendo entre sua boca e o sugando lentamente, me fazendo sentir como
se uma revolução estivesse sendo travada dentro de mim, um combate entre
o céu e o inferno, onde meus anjos lutam contra os meus mais perversos e
nefastos demônios, demônios bestiais, que gritam com fúria, desejando sua
liberdade. E sir Hector os liberta, os solta, os enchendo de mais fome e
incitando a guerra. A pele do meu pescoço se arrepia, sendo queimada por
cada pedaço que seus lábios tocam, junto com sua respiração morna. Suas
mãos escorregam pela lateral do meu corpo, como se seus dedos
mapeassem as linhas dos meus contornos.
— Deus! — Abro meus olhos, tendo um movimento involuntário do
meu corpo, que se arqueia imediatamente para frente, quando sua boca para
em cima do meu peito.
Meu pescoço levanta e olho no mesmo segundo para o homem que
abre sua boca e abocanha meu seio. Minha cabeça se afunda no colchão e
um grito rasga por minha garganta, ao ter essa nova sensação alastrando
choques por meu ser. Eu vibro, mordendo minha boca, me sentindo viva a
cada deslizar da ponta da sua língua no bico do meu seio. Os dedos que
esmagam minha cintura, se prendem com força na lateral do meu corpo.
Sua boca solta a minha e captura meu seio, o sugando com a mesma
selvageria, e não sei o que é mais intenso: a besta sobre mim, que me
despedaça, cravando seus caninos na pele do seio quando morde, causando
um pico de dor que ricocheteia diretamente no centro das minhas pernas; ou
a besta dentro de mim, que me rasga de dentro para fora, querendo mais dos
seus toques pecaminosos.
Minhas unhas cravam nas palmas das minhas mãos e as mantenho
no alto da minha cabeça, com meus braços esticados no colchão, não
desobedecendo sua ordem. Meu rosto tomba para o lado e entreabro meus
olhos, o vendo deslizar sua língua pelo vale dos meus seios, descendo para
minha barriga. Suas costas estão arqueadas, com os músculos dos ombros e
dos braços saltados. Os cabelos negros são escuros como a noite, e um olhar
feroz reluz em seus olhos azuis, quando ele morde minha barriga com força,
mantendo seu contato visual comigo. Respiro mais forte e sinto meu corpo
inteiro responder ao seu ataque, não com medo ou pavor, mas com deleite,
com luxúria, uma dor selvagem, que silencia o caos dentro de mim, o
varrendo para longe. Sinto o toque perverso da sua língua, que escorrega
em volta do umbigo e faz círculos, esmagando minhas coxas em seus dedos
com brutalidade, ao ponto de me fazer gemer, sem saber se é dor que sinto
ou prazer em o ter me machucando. Meu corpo se retrai e tento fechar
minhas pernas quando sua cabeça se move junto ao seu corpo, se
abaixando.
  — Monsieur! — falo, assustada, não entendendo o que ele está
fazendo. — Não... OHHH, DEUS! — grito no segundo que ele esmaga com
mais força minhas coxas, as obrigando a se manter abertas, causando uma
ardência na região.
Mas qualquer dor apaga e fica distante, assim que sua respiração
acerta em cima do centro das minhas coxas. Um rosnado alto sai da boca
dele, e eu simplesmente me sinto vibrando, ao sentir o toque da ponta da
sua língua em cima da minha vagina, tocando um nervo pequeno e
escondido acima entre os lábios. Fecho meus lábios e minha boca se
entreabre. Sinto como se meu coração fosse pular para fora, de tão rápido
que bate. O fôlego fica mais eufórico e não sei em qual patamar de pecado
isso condiz, mas é como se meu corpo não se importasse. Ele deseja ser
arrastado para esse paraíso deturpado que sir Hector me arrasta. Recordo da
freira regente falando que o pecado da luxúria condenaria as almas a
arderem nas profundezas do inferno, que a mulher que buscava alívio carnal
em um homem, tinha sua alma carregada para os demônios. Mas não é um
homem que me toca, é o verdadeiro demônio, que me faz pecar não só
como uma mulher que tem seu corpo transbordando luxúria, mas como uma
que acha correto ele me possuir assim, com meu sangue impuro escorrendo
por minha vagina.
— Ohhh, Deus! — Minhas unhas cravam mais forte na palma da
minha mão, enquanto sinto meu estômago se contraindo e as solas do meu
pé queimando, com os dedinhos se contorcendo, fincando no colchão. —
Cristo, eu vou para o inferno! — balbucio entre um gemido, não
conseguindo manter minha mente em ordem a cada deslizar da sua língua
em cima do meu clitóris, o circulando mais depressa.
Sua mão escorrega das minhas coxas para minha bunda e me
mantém presa no lugar, me fazendo sentir tanta dor pelo aperto forte que dá,
como prazer. Escuto um riso baixo e diabólico escapar da sua boca, feito
uma serpente astuta e maligna, que acabou de corromper de vez a minha
alma, meu corpo. Minha cabeça gira para o outro lado e arqueio meu tórax
para cima, tendo os tremores aumentando e a euforia se transformando em
agonia. E eu caio, caio diante da besta, que me suga com tanta força,
libertando de vez a besta que está dentro de mim.
— Ohhh... — Abro meus olhos e gemo com puro delírio quando me
sinto sendo cortada por uma descarga insuportável de energia, a tendo
correndo por minhas veias, disparando choques dentro do meu cérebro. —
Monsieur, está queimando, eu estou sentindo minhas veias queimando...
Minhas mãos não são mais obedientes e nem ficam quietas acima da
minha cabeça, quando meus braços se esticam e seguram em seu ombro,
com tremores fortes sendo disparados em minhas coxas, retraindo meus
músculos. Me sinto caindo e caindo, não tendo nada além dos seus ombros
para me amparar. Os movimentos circulares em cima do meu clitóris se
tornam mais densos e ferozes. Suas mãos, abaixo do meu rabo, se soltam e
param à frente do meu corpo, com seus dedos esmagando meus seios. E o
pequeno beliscão no bico da mama é o suficiente para me desestabilizar de
vez, como uma chave que foi virada dentro de mim no segundo que a dor e
o prazer se chocam, causando uma explosão dentro da minha mente, me
dando a sensação de que meu cérebro se tornou várias partículas, que ficam
boiando dentro da minha cabeça, e meu corpo nada mais é que uma massa
mole e gelatinosa.
Minhas pernas desabam e meus pés escorregam da beirada do
colchão, ficando com elas penduradas, tendo apenas choquinhos causando
tremores em meus pés. Respiro depressa, com um sorriso fraco se
esboçando em meus lábios, enquanto meus braços caem lentos ao lado do
meu corpo. O som do seu corpo se levantando entra em minha mente pouco
a pouco, seguido do barulho do zíper da sua calça. Meus olhos se abrem
devagar, molengas e preguiçosos, e encontro sua imagem parada aos pés da
cama, com seus olhos pregados em minha face, enquanto retira o cinto
lentamente.
Seu peito sobe e desce depressa, com ele tendo seus cabelos negros
bagunçados, sendo a mais devassa e perigosa personificação da serpente, o
vermelho se destacando em sua pele. E nesse segundo, olhando o demônio
diante de mim, com seus olhos safiras queimando como duas pedras de
fogo azul, passando a língua lentamente pelo canto da sua boca, eu não me
sinto mais como Eva, eu me sinto como a maçã.
Respiro fundo e mordo minha boca, não conseguindo controlar
meus olhos de desvendar seu corpo, e dessa vez não como uma intrusa
bisbilhoteira, que o assiste pela fresta da porta do banheiro, mas sim o
admirando de verdade, o tendo me tocando. Observo a magreza falsa, com
os músculos disciplinados, que vão ficando mais rígidos conforme ele
respira; as pernas longas com cicatrizes nas coxas, estigmas finas, as quais
mostram a precisão cirúrgica de cada linha que foi aberta em suas pernas.
Sinto minha bochecha queimar, ainda não entendendo o que poderia ter
sobrado de vergonha dentro de mim depois dele ter acabado de me tocar de
uma forma que nunca nenhum homem me tocou. Mas, ainda assim, fico
tímida, desviando meus olhos do seu quadril quando ele abaixa sua cueca.
Seus olhos azuis estão presos nos meus, quando caminha para a cama. Vejo
seus olhos com um brilho diferente por um segundo, antes de retornar à cor
escura predominante, com ele mantendo o cinto em suas mãos, o segurando
com força.
— Não faço esse tipo de sexo, Eva. — Pisco, confusa, quando sua
voz sai pesada e ele inala o ar com força. — Mas, apenas dessa vez, abrirei
uma exceção.
Fico sem entender, olhando para o cinto em suas mãos. Não é o tipo
de assunto que eu possua entendimento, até então a única coisa que aprendi
é que só podia deixar um homem tocar em mim quando ele fosse pôr um
filho dentro do meu corpo. Meus pensamentos são dissipados quando sua
mão se move e segura meu pulso, passando o cinto em volta dele e
repetindo o mesmo no outro, os deixando unidos.
— Monsieur, vai me pôr de castigo? — Olho para o cinto e ergo
meus braços, olhando meus pulsos contidos. — Por isso me amarrou...
Sua face demonstra confusão e olha para mim sem entender minha
pergunta.
— Fiz algo que lhe desagrada... — Respiro depressa e viro meu
rosto para o canto do quarto, tentando entender o que eu fiz de errado para
ele me castigar.
Sinto sua mão segurar meu rosto, enquanto me olha e estuda minha
face, abaixando seus olhos lentamente para os meus pulsos.
— Por que pensa que fez algo que me desagradou, pequena
pécheur? — Sir Hector ergue seus olhos para os meus, esmagando sua boca.
— Monsieur me amarrou... — Nego com a cabeça e sinto meu
corpo todo perdendo o calor, com apenas o medo crescendo. — Não quero
ficar no escuro de novo, é vazio e solitário lá.
Mordo minha boca e olho para o cantinho da parede, não desejando
ficar lá. Meu rosto se volta para o seu assim que sinto meus braços sendo
erguidos, com sua cabeça passando entre eles, deixando meus pulsos atrás
da sua nuca. Seus olhos estão presos nos meus e seu quadril se arruma entre
minhas pernas, as afastando. Segura minha coxa e a faz se erguer, passando
por sua cintura, com seu outro antebraço apoiado na cama e sustentando seu
peso que paira acima do meu.
— Nunca mais ficará sozinha no escuro novamente, Eva! — Sua
voz sai baixa e ele empurra seu quadril para frente, me deixando sentir seu
pênis se encaixando na entrada do meu corpo. — A única dor que seu corpo
irá conhecer, será a dor erótica, a qual eu ensinarei a ele. Por isso, pense
bem se realmente deseja o que vai acontecer agora, se quer ficar presa a um
demônio que nunca mais permitirá que você fique sozinha no escuro.
Porque depois que meu pau se afundar até o último centímetro dentro da
sua boceta, não terá mais volta, porque será apenas minha, pequena
pécheur.
Me perco em seus olhos, vendo o perfeito paraíso destruído que ele
me oferece, e mesmo sendo uma ruína, eu aceito, porque ele é a única coisa
real que eu já tive na minha vida. Minha cabeça balança em positivo e
prendo mais forte minhas pernas em sua cintura, quando ergo a outra e o
enlaço.
— Ninguém pode dizer que o diabo não deu uma chance à doce
Eva! — Um sorriso fraco se forma ao canto dos seus lábios. — Sangue,
carne e pecado.
— O que...
Minha voz é calada quando sua cabeça se abaixa, esmagando minha
boca com a sua. Meus olhos se arregalam e retraio as pontas dos meus
dedos da mão, mordendo sua boca com força assim que seu quadril se
empurra de uma única vez para dentro de mim, me fazendo gemer de dor e
de agonia, como se estivesse sendo rasgada. Sinto o sabor do seu sangue,
que sai da sua boca pela mordida que dei, se misturando com o próprio
sangue que tem em seus lábios. É como se fosse uma assinatura perpétua
selando nosso pecado, com meu coração disparado e batendo depressa a
cada segundo que ele se move lento para trás, retornando a me invadir.
Meu corpo fica perdido, sem saber lidar com o despejo de emoções
que vai se misturando dentro do meu ser. Dor, angústia, prazer, tudo vai
ficando maior, se tornando algo que não consigo entender, e apenas me
tomando, tendo a posse dele sobre mim, me submetendo a cada canto que
seu pênis invade. Meu corpo é erguido por ele, que me segura pela bunda,
ficando em seus joelhos na cama, me fazendo o sentir mais fundo dentro de
mim. Minhas unhas arranham suas costas, dividindo minha agonia e
loucura com ele, apenas sendo arrastada para o inferno e queimando em
seus braços. Seu beijo fica mais dominante e ergue sua mão para minha
cabeça, puxando meu cabelo para trás. Gemo, alto, e respiro depressa,
sentindo sua língua escorregar por meu queixo e chupar minha garganta.
Meus olhos se abrem e ficam presos no teto do quarto. Sinto tudo,
desde o couro da cabeça, que arde ao ter os cabelos puxados para trás, até a
mordida dos seus dentes, que perfura a pele. Meus seios são esmagados
pelo seu peito, os ossos do seu quadril estouram em minha virilha, minhas
coxas esmagam mais forte sua cintura, e apoio meus pés em sua bunda. Sua
mão está como aço, prensada em minha bunda. Ele movimenta meu corpo
junto com o seu, enquanto seu pau me invade, e eu me sinto livre, livre pela
primeira vez na minha vida, como se tudo que ele me faz sentir fizesse parte
de mim. Não estou mais perdida ou confusa. Porque cair em pecado não me
destruiu, mas sim quebrou as correntes que me trancafiavam por dentro.
— Tão quente, minha pequena pécheur — rosna, com ele
esmagando mais bruto minha bunda, mordendo com o dobro de força meu
pescoço, largando-o apenas para marcar o outro lado.
Sim, eu sou uma pecadora. Uma pecadora que queima no inferno,
mas se sente viva nos braços da serpente, não impura, mas sim dele. Não
entendo o que sou, nem para o que fui criada, mas nesse momento sinto que
em toda minha vida, eu estava sendo preparada para ele. Meu perfeito
paraíso destruído, onde Eva não é expulsa, mas sim retorna para casa. Sinto
nossas peles colando, os movimentos ficando mais desesperados, um
mundo de ruína encontrando paz e meu demônios encontrando seu lar a
cada batida do meu coração. A sensação do fogo me queima, correndo sua
lava por minhas veias, retorna mais densa, intensa e selvagem, e minha
mente cai em desgraça, virando apenas moléculas, várias partículas de
moléculas.
Sua mão solta meus cabelos quando um grito rasga minha garganta.
Meu rosto se apoia em seu ombro e o mordo com a mesma agressividade
que ele me morde, sentindo o gosto do seu sangue em meus lábios, o
sugando com força, tendo seus braços me prendendo pelas costas, me
abraçando com força. Tremo por inteira, com os músculos das coxas se
comprimindo ao redor da sua cintura, e caio no mais perfeito e nefasto
pecado, com todo prazer da minha vida, tendo um som grotesco e rouco
saindo da sua boca, quando se afunda, até me fazer o sentir por inteiro
dentro de mim, com seu corpo tremendo e ele marcando minha garganta
com seus dentes.
Meus olhos se abrem e vejo o espelho da porta do guarda-roupa
aberto, virado para nós, e pela primeira vez eu concordo com a freira
regente. O vermelho do meu sangue realmente simboliza meu pecado, mas
ele não é imundo. É o vermelho do pecado da minha alma, da minha
rendição diante desse perverso diabo, da tentação na qual eu decaio, da
paixão que me incendia, da minha entrega carnal e submissão a ele, que nos
liga em sangue, carne e pecado.
CAPÍTULO 14

 
A maçã podre
 
Nolan
 
A boca do jovem Nolan se entreabre, soltando um gemido rouco
dentro do carro, com suas costas se inclinando no encosto do banco de
couro do carona, enquanto os músculos das suas pernas ficam rígidos e seu
pau pulsa, ejetando toda sua porra dentro da pequena boca que o suga com
esfomeação. A mulher loira o chupa mais forte, enquanto engole sua porra
até a última gota.
— Cristo, Stacy, está acabando comigo! — Nolan fala com a voz
arrastada, sentindo a forma preguiçosa que seu corpo se encontra quando o
gozo acaba.
— Você que está acabando comigo — ela murmura e escorrega sua
língua uma última vez por cima da cabeça do pau do rapaz, antes de afastar
sua cabeça e se arrumar no banco do motorista. — Desde o segundo que
seus olhos se encontraram com os meus.
Nolan gira seu rosto para ela e sente o afago brando em seu queixo,
que recebe da linda mulher com quem ele anda passando suas tardes em
encontros furtivos, em locais sem movimentação, para manter a discrição
deles. Nolan sente como se esses momentos com Stacy, nessas últimas duas
semanas, fossem a única coisa que o faz se sentir bem de verdade, desde a
partida de Eva. A revolta tinha o tomado com pura força, o fazendo sofrer
por ela ter sido entrega àquele filho da puta velho e aleijado. O ódio por sua
mãe ficou aflorado, o fazendo condená-la por ter sido gananciosa e vendido
Eva. Nolan não é ingênuo, sempre soube exatamente quem sua mãe é.
Torna-se meio difícil ser filho da cafetina mais conhecida da França, morar
dentro do bordel dela e não saber o que ela faz. Mas ela mentiu para Nolan,
e a sensação de traição no coração do jovem é inevitável. Emanuelle tinha
quebrado sua palavra. Ela tinha prometido a Nolan que não faria com Eva a
mesma coisa que ela faz com as outras meninas, e Nolan acreditou de
verdade na palavra da sua mãe, porque assim como ela, também sabia que
Eva era doce e ingênua para essa vida de prostituição.
Quando Eva chegou na casa parecia um filhotinho de cachorro
perdido, assustado e carente, que ao primeiro afago se transformava em um
filhotinho risonho e brincalhão, que vivia perto dele. Nolan se afeiçoou por
ela assim que a viu, sentiu seu coração disparado, e fazia de tudo para
conseguir tirar um sorriso da face de Eva. Mas sua mãe o traiu, entregou
Eva para aquele velho de merda, um maldito velho! E o ódio se enraizou no
coração do jovem, o fazendo não ouvir as falsas alegações da sua mãe, que
tentou justificar o que ela fez. Nolan não acreditava em suas palavras ao
dizer que era o melhor para Eva, que a jovem precisava ser cuidada por
aquele aleijado. Eva não precisava de um velho de merda na vida dela, sua
mãe apenas foi uma cafetina gananciosa, essa era a verdade.
A partida de Eva desencadeou a rebeldia em Nolan, o fazendo ficar
mais tempo fora de casa, e foi assim, ao sair da academia, que sua vida se
cruzou com Stacy, quando ele praticamente a atropelou, quando os dois se
esbarraram na rua. Nolan recorda de ter perdido o fôlego. Nunca tinha visto
uma mulher tão linda, com cabelos loiros longos e bonitos, assim como
seus olhos acastanhados, que o fazia ficar encantado. Um sorriso
envergonhado saiu dos lábios dela, um pedido de desculpa saiu dos dele, e
uma conversa brincalhona começou para quebrar o clima. Um convite para
tomar café na esquina para continuar o bate-papo foi feito, o qual ela
aceitou. Ela era tão encantadora, que apenas nas poucas horas que passaram
juntos, ele já tinha contado sobre sua primeira decepção amorosa, por ter
perdido sua Eva. Ela, triste e sofrendo em seu casamento abusivo, com um
marido violento, contou sobre sua vida para ele. E antes do fim daquela
noite, Nolan e Stacy estavam trepando no banco de trás do carro dela, e
continuaram. Ela ia encontrar com ele todos os dias depois da academia,
para os dois foderem como loucos. Só que Stacy era diferente, ela não era
como as garotas da idade de Nolan, com quem ele saia, e nem como as
garotas da academia, muito menos como as meninas do bordel da sua mãe.
Nolan achava que mesmo sendo jovem, já era experiente pelo tanto de
boceta que ele já tinha comido. Mas nas mãos de Stacy ele se sentia um
virgem que estava descobrindo um prazer melhor do que outro a cada
encontro.
— Como andam as coisas entre você e sua mãe? — ela pergunta,
baixo, fechando os botões da sua camisa e empurrando seus cabelos para
trás.
— A mesma merda de sempre — Nolan responde com melancolia e
guarda o pau esfolado pela boca dela dentro da cueca, arrumando sua calça.
— Mamãe é mentirosa.
— Ainda está bravo com ela por conta da jovem? — A face da loira
carinhosa se vira para ele, o olhando com brandura. — Ela realmente devia
ser especial para você a amar tanto.
— Eva era única.
— Tenho certeza que sim. — Ela alisa os cabelos de Nolan e tomba
sua face para o lado. — Apenas uma jovem muito especial para conseguir
fazer um amor tão lindo assim nascer em seu peito.
O que Nolan aprecia em Stacy é que ela o compreende, ela o ouve,
ao contrário da sua mãe. Stacy entende o quanto ele ama Eva, e mesmo os
dois trepando, ela não se importa em saber que é apenas isso que eles
podem ter, até porque ela é casada e ele já tem Eva em seu coração.
— Por que não vai atrás dela? — Stacy bate a ponta do dedo em seu
queixo. — Procure por ela e conte que a ama.
— Não posso. — Ele respira fundo e vira seu rosto para o lado,
observando a fábrica abandonada do outro lado da rua, vazia, onde eles
costumam ficar para fazer sexo.
— Por quê? — Stacy pisca e olha confusa para ele. — Me disse que
ela também sentia amor por você. Se for atrás dela e se declarar, ela vai
gostar...
— Não é isso, eu apenas não posso ir atrás de Eva. — Ele esmaga
sua boca, negando com a cabeça. — É complicado, você não entenderia...
— Me explique, então, tenho certeza de que vou entender. — Stacy
estica sua mão e segura o queixo dele, o fazendo voltar sua face na direção
dela. — Talvez eu possa te ajudar.
— Não me leve a mal, Stacy, mas...
Ele se cala e abaixa seu olhar. Nolan sabe que Eva nunca mais
voltará para ele.
— Não confia em mim, mon cher? — ela pergunta e deixa sua voz
sair magoada, enquanto solta seu queixo. — Apenas queria poder lhe
ajudar. Eu sei que meu casamento nunca vai mudar, mas ficaria feliz em
saber que você encontrou seu amor.
— Eu confio em você — Nolan fala depressa e segura sua mão. Não
quer deixar Stacy triste, ainda mais porque ela é a única que o entende. — É
que não tenho permissão para falar para ninguém onde Eva está.
Sua mãe tinha o proibido, foi clara ao afirmar que ninguém dentro
do bordel pode falar com qualquer pessoa que seja, sobre Eva, para onde ela
foi e, principalmente, com quem. Mesmo não acreditando nas mentiras dela
ao dizer que é para o bem de Eva, Nolan respeita sua ordem.
— Ela está em perigo? Por isso não tem permissão? — Stacy
pergunta, aflita, olhando assustada para Nolan.
— Tenho certeza de que não, minha mãe só inventou mais
mentiras... — A voz de Nolan soa ressentida, enquanto a raiva por sua mãe
se mantém cada dia mais forte.
Stacy segura a face do rapaz e inclina seu corpo para frente,
beijando seus lábios com lentidão, escorregando sua língua para dentro da
boca dele, o fazendo sentir seu pau ficar duro de novo, apenas com um
beijo dela, de tão intenso que é, nem parecendo que ele a tinha fodido
instantes atrás e gozado na boca dela. A mão de Nolan se ergue e alisa seus
seios por cima da camisa, ouvindo um gemido fraco sair da boca de Stacy
enquanto lhe beija.
— Se acha que é mentira, vá atrás dela! — Stacy murmura e se
afasta apenas um pouco, com sua face perto da dele, olhando-o com paixão.
— Encontre sua amada e a ame como você me ama quando me toca.
Antes que Nolan possa lhe responder, Stacy já está novamente em
seu colo. A saia ainda está torta, assim como sua calcinha, raspando sua
vagina em cima do pau dele dentro da calça, que está ficando em alerta com
o carinho que recebe.
— Não deseja a amar com toda as forças do seu coração, desse
jeito?! — Ela lambe seu rosto e ronrona, fazendo sua mente ficar nublada
de tanto desejo.
Sim, ele deseja mais do que tudo amar Eva, sentir o calor dos seus
beijos e tocar em seu corpo. Quer amá-la, como ela realmente merece. As
mãos de Nolan alisam a bunda de Stacy, imaginando que seja a pele de Eva,
que a mulher sentada em seu colo é a doce jovem por quem ele tinha se
apaixonado. Stacy segura seus cabelos e o faz empurrar a cabeça para trás,
afastando sua boca do rosto dele e o olhando com carinho.
— Se a ama tanto, não devia abrir mão dela. — O quadril de Stacy
para de se mover, com ela falando calmamente.
— Eu não sei como posso chegar até ela. — Nolan confuso, fala
perdido, realmente não tendo ideia. — A pessoa que está com ela...
Ele se cala e morde sua boca, sentindo ódio em apenas lembrar
daquele homem aleijado, parecendo uma maldita sombra dentro da casa.
Tinha desconfiado dele no segundo que o viu olhando Eva distraída na
cozinha, em uma noite, quando Nolan estava indo diretamente para lá atrás
dela, porque o jovem sabia que Eva costumava se sentar de noite sozinha na
cozinha, depois que todos iam se deitar, para comer biscoito e tomar leite.
Nolan quem tinha lhe oferecido a primeira vez, e se agraciou quando a viu
arregalar seus olhos, mastigando com esfomeação o biscoito. Eva o tinha
confidenciado que nunca tinha comido biscoito de chocolate, na verdade,
nenhum tipo de biscoito, ou nada com um sabor tão bom, e que seria sua
comida predileta. Desde então, todos os dias, à noite, ela fugia na pontinha
do pé para comer escondida na cozinha, mesmo Nolan falando que não
precisava comer escondida, que ninguém brigaria com ela.
Mas naquela noite ele não conseguiu chegar até ela, não quando o
manco bloqueou sua passagem no corredor, deixando a bengala na frente do
seu corpo e o encarando, como se soubesse onde Nolan estava indo, lhe
dizendo que já estava tarde para Nolan estar fora do quarto e que seria mais
correto ele retornar para lá. Nolan não teria obedecido sua ordem e muito
menos deixado de ir atrás de Eva, se não fosse por sua mãe, que apareceu
no corredor e os viu ali, se confrontando. Foi a primeira vez que viu
Emanuelle nervosa e assustada, por conta de um simples olhar que o idiota
do aleijado deu para ela. A mãe de Nolan o obrigou a voltar para o quarto,
lhe dando uma bronca e dizendo que era para ficar longe daquele homem e
não o confrontar. Quando Nolan perguntou por que ela tinha tanto medo,
sua mãe apenas disse uma única frase.
— A última coisa que vai desejar na sua vida, é ter Hector
Pellegrini como inimigo, Nolan!
  E assim o fez, ele respeitou o pedido da sua mãe e o aviso dela.
Sabia que aquele homem tinha alguma coisa estranha, parecia um morto-
vivo sem alma. Mas um corpo sem alma que não tinha ido lá para foder
com as vadias que sua mãe oferecia para os clientes, aquele filho da puta
tinha ido lá por causa da Eva.
— Esqueça Eva, Nolan. Precisa esquecê-la, se não quiser trazer
morte para dentro dessa casa. Hector Pellegrini é o guardião dela agora.
Nolan se recorda das palavras da sua mãe no dia que Eva partiu,
enquanto ele a olhava ir embora dentro daquele carro com aquele homem
maldito.
— Eu não posso ir até ela, não quando aquele demônio se apossou
da minha Eva.
Os dedos de Stacy se prendem em seu queixo, enquanto ela alisa sua
face com a outra mão.
— Não precisa ter medo do demônio, apenas me diga o nome dele e
eu descubro como o exorcizar para você, meu amado Nolan.
Nolan sabe que Stacy tem boas intenções, mas não acredita que ela
possa fazer alguma coisa. Nolan havia pesquisado sobre o babaca aleijado.
Ele é de uma família nobre e importante, cheia do dinheiro, praticamente
intocável. Não entende ainda por que justo Eva tinha que ter chamado a
atenção dele.
— Ninguém pode fazer nada, Stacy. — Nolan respira fundo e nega
com a cabeça, voltando a olhar para ela. — Hector Pellegrini tirou Eva de
mim para sempre — Nolan fala tristemente e fecha seus olhos, inalando o
ar com força.
Eva tinha ido para sempre.
— Merci! — Seus olhos ficam presos no sorriso largo e contente
que ela lhe dá, ficando confuso, não entendendo o porquê dela estar lhe
agradecendo.
— Não entend...
  As palavras da boca do jovem se calam, assim como a vida, no
segundo que seu pescoço é quebrado pelo giro com pressão e preciso de
Stacy, que esmaga seus dedos na lateral do rosto dele, lhe dando uma morte
rápida.
— Ora, ora, por essa eu não esperava. Hector Pellegrini... — Suas
mãos se afastam da cabeça de Nolan. — Veja se o destino realmente não é
brincalhão, Freire! — Ela afasta um pouco seu tórax, soltando a face do
rapaz, conversando sozinha. — Por essa nem eu esperava!
 
Camaleoa
 
Os dedos finos seguram o cigarro em sua boca enquanto o traga
lentamente, encostada no carro, observando outro veículo que se aproxima.
Solta a fumaça lentamente no ar e joga o cigarro fora enquanto pisa em
cima dele, assim que o carro estaciona perto do seu. Seus olhos
acompanham o motorista, que abre a porta do carro, com a cara fechada.
Ele dá a volta no carro e abre a porta do carona do banco de trás, e não
demora muito para a cabeça grisalha aparecer quando ele sai do automóvel.
— Podia ter marcado em outro lugar! — A voz de asco de Oliver sai
com raiva, olhando com puro nojo para o lugar miserável, na periferia da
cidade.
— Não seja ingrato por eu ter que fazer o que você não tem
capacidade. — Ela sorri e retira os óculos escuros, lhe encarando. — E
desfaça essa cara, nós dois sabemos que você frequenta lugares muito
piores para encontrar suas submissinhas.
A boca de Oliver se retrai e ele deixa sua raiva visível quando é
provocado pela víbora à sua frente.
— O que quer? — ele rosna, baixo, estreitando seu olhar e a
encarando com raiva.
— Não seja assim, querido. — A mão dela se ergue e alisa o queixo
de Oliver, lhe dando uma piscadinha. — Sabe muito bem que nunca julguei
seus gostos.
A voz fica branda e ela ronrona, escorregando a mão para o seu
peito.
— Pelo contrário, sempre apreciei lhe ver em prática! — Um
suspiro lento sai da sua boca e ela dá de ombros. — Tanto que lhe dei um
presente, não lembra?!
— Um presente que era mais seu do que meu! — ele esbraveja com
ódio.
— Um pequeno detalhe, não vamos nos apegar a isso. — Ela dá
uma batidinha na ponta do seu nariz e retorna a se encostar no carro. Sua
cabeça se ergue e abre a pupila. Retira a lente de contato, que deixa seus
olhos castanhos, e as joga fora quando retira a outra. — Sempre foi muito
rancoroso, Oliver, isso uma hora vai acabar te matando.
— Diga logo por que me chamou, porque estou sem um pingo de
paciência hoje para suas gracinhas e mentiras, Valéria!
— Nunca menti, não me culpe pela sua incompetência! — Valéria
rosna, baixo, deixando sua face fria. — Lhe avisei que a garota estava na
França, se tivesse caçado ela direito, ao invés de fazer um serviço de porco,
a teria encontrado.
— Acha que não o fiz, que não procurei por ela quando me falou
que Freire finalmente a tirou da porcaria da masmorra que a trancafiava?!
Revirei a França inteira atrás dela, mas Freire foi uma cadela, largando
apenas pistas falsas...
— Freire foi esperta, ela sempre foi, e você sabia disso. Ela
escondeu Eva embaixo do seu nariz porque sabia que Oliver Pellegrini
pensa apenas com a cabeça de baixo, ao invés da de cima.
— Ela era minha! — Oliver ruge e esmaga o braço de Valéria, só
faltando espumar pela boca de tanto ódio que tem. — Assim como a mãe
dela me pertencia, mas você e Freire me enganaram quando você ficou com
um bebê e a Freire com outro. Nem pude ficar com a terceira, porque
aquela cadela ingrata a tirou de mim, e você mais uma vez me enganou,
deixando Stella escondida de mim.
— Oh, faça-me o favor! — Valéria rosna com o dobro de raiva de
Oliver, o confrontando. — Seria nojento até mesmo para você querer ficar
com Stella. Me diga, por um acaso, em algum momento se lembraria que é
o pai dela quando estivesse comendo a boceta da menina?!
— Ela não é minha filha, é apenas uma cadela como a mãe. E sim,
eu comeria perfeitamente bem a boceta dela, da mesma forma que comi a
mãe dela.
— Cristo, você é nojento, Oliver! — Valéria revira seus olhos e
nega com a cabeça.
— Isso vindo da mulher que criou crianças para serem adestradas
como cadelas, para se tornarem submissas alfas perfeitas, chega a ser um
elogio.
— Eu criei algo perfeito, o qual nem Sodoma poderia estragar — ela
diz, baixo, e esmaga seus dedos.
— Bem dito, poderia! — Oliver leva as mãos ao bolso e a olha. —
Mas Sodoma descobriu, e agora sua cabeça está sendo caçada em cada
canto do mundo, e enquanto essas meninas não forem encontradas e você
executada, os conselheiros não vão descansar.
Valéria sabe disso, por isso teve que ficar trocando seus passaportes
com nomes falsos, identidades novas. Depois do Cairo, quando perdeu a
jovem Messalina e toda fortuna exorbitante que ganharia com a venda dela,
as coisas ficaram arriscadas. Tinha entregado a localização da segunda
Messalina para Oliver, sabia que ele não resistiria à garota, mesmo ela já
tendo passado da idade que ele prefere suas submissas. Mas a aparência
gritante, idêntica à Mina, o faria a querer. Mas Oliver é um incompetente,
deixou Freire esconder a garota embaixo das suas barbas. E quando ele
entrou em contato com ela, dizendo que achou a menina, mas que não era a
verdadeira Eva, ela precisou se arriscar vindo para a França. Sabia que
Emanuelle era uma amiga antiga de Freire, tinha dívidas até a alma com a
advogada, que muitas vezes a ajudou quando estava encrencada. Mas não
podia ir direto à Emanuelle, sabia disso, precisava achar a maçã podre
dentro da sua casa, e foi fácil atrair o jovem Nolan, o qual cumpriu bem seu
papel, lhe contando com quem realmente Eva está, não tendo nenhuma
serventia para Valéria depois disso. Poderia ter o deixado vivo, mas ao
contrário de Oliver e Freire, Valéria nunca deixa pontas soltas, tanto que
apagou o rastro dele de vez. O corpo do rapaz, ela levou em um ferro velho,
de um antigo amigo, e foi incendiado. Ninguém nunca saberia qual foi o
fim do jovem Nolan.
— E quando esse dia chegar, minha cara, não quero estar na sua
pele.
— Está mesmo querendo arrancar seu corpo fora?! — Valéria o
encara, soando séria. — Ainda mais você, que está até o pescoço nisso
tudo?
— Eu estou muito longe dessa merda toda. Acha mesmo que os
conselheiros irão acreditar em uma única palavra que sai da sua boca, se
quiser me ferrar?! — Ele sorri com frieza e abaixa seus olhos em seu corpo,
a olhando com nojo. — Você está fodida e sozinha, Valéria. E sem Eva para
me entregar, você não me interessa em nada!
O sorriso que se forma na face de Valéria é tão frio e morto quanto
sua alma sádica. Se tinha o chamado para lhe avisar onde Eva se encontra,
Oliver acabou de fazê-la mudar de ideia.
— Realmente eu estou sozinha, mas não fodida, Oliver.
— Está acabada, Valéria. Você, junto com a louca da Freire,
cavaram suas covas sozinhas. — Oliver estreita seu olhar, falando com
ódio.
— Sabe por que Freire escolheu ficar com Eva, Oliver, ao invés da
outra criança? — ela pergunta de forma curiosa, imaginando como será
glorioso ver a queda do ingrato Oliver Pellegrini.
— Por que era uma cadela que gostava de foder muito mais boceta
do que pau?
— Não, meu querido. Ela ficou com Eva porque seria sua nova
Mina, a versão aprimorada da mãe, onde não iriam ter falhas, que seria
perfeita — Valéria fala baixo, se recordando de Freire segurar a criança em
seus braços quando nasceu, alegando que seria sua Mina. — Eva foi criada
para ser a melhor de todas, e conhece muito bem o quão diabólica Freire
podia ser quando desejava uma coisa. Pense, Oliver, por que acha que nossa
velha amiga a escondeu em um colégio de freiras, por dezenove anos,
quebrando a mente da menina, tirando qualquer tipo de laço com o mundo
exterior?! Ela estava aprimorando sua cadela para ser a mais obediente.
— Por que está contando isso?
— Por nada! — Valeria ri e dá de ombros, olhando-o com cinismo.
— Apenas conversando sobre os velhos tempos com um antigo amigo.
Valéria cruza seus braços e encara o patético homem, que fica com
seu olhar perdido. Poderia lhe dizer que Hector está com a garota, como era
sua intenção inicial, e que se o jovem Pellegrini está com a Messalina, é
porque, com toda certeza, alguém de Sodoma já deve saber sobre os podres
de Oliver. Mas deixará Sodoma lidar com essa cobra falsa de Oliver,
enquanto ganha tempo para pensar em qual será seu próximo passo.
— Sabe, vou lhe dar um conselho. Enquanto não achar a garota,
deveria se preocupar em se livrar de Adrien o quanto antes, porque, se por
um acaso, Sodoma encontrar Eva antes de mim, tenho certeza que eles não
duvidarão da palavra de um juiz. — Valéria dá um sorriso e ergue a lente de
contato negra dos óculos para sua face. — Acredito que irá conseguir dar
conta de algo tão fácil como silenciar Adrien. Afinal, para um homem que
arquitetou a morte dos próprios filhos, para ser o único herdeiro vivo, tenho
certeza de que será fichinha matar o inútil de um juiz de Sodoma.
— Não posso tocar nele, sabe muito bem que Sodoma irá investigar
se um juiz aparecer morto — ele fala, negando com a cabeça.
  — Sem testemunhas, sem julgamento. Conhece as regras de
Sodoma melhor do que ninguém. Mate Adrien antes que Sodoma encontre
a menina! — Ela o olha com desagrado, como se visse uma barata
asquerosa à sua frente, que em breve será esmagada.
— Jamais faria uma porcaria dessas!
— Faça como quiser, quem avisa amigo é. — Valéria sorri antes de
lhe dar as costas. Ergue sua mão e acena para ele, dando a volta no carro,
enquanto se despede.
— Espere, para onde está indo? — ele a chama, apressado.
— Eu — Valéria sorri e dá de ombros — vou cuidar de proteger a
minha pele. — Ela abre a porta do carro e olha divertida para o merda de
Oliver, fazendo um biquinho e lhe mandando um beijo. — Boa sorte, mon
amour!
— Não pode ir, não enquanto não souber onde Freire escondeu a
Messalina. Tem que achar ela antes de Sodoma. Está tão entranhada nessa
história como eu! — Oliver esbraveja com ódio, desferindo um soco no
capô do carro.
— Como disse, estou sozinha e fodida. — Ela o observa e ergue seu
dedo, tocando lentamente a ponta do seu queixo. — O que me faz pensar o
quão fodido você estaria, se um dia chegasse aos ouvidos de Hector
Pellegrini, que a morte do seu irmão e os anos que ele passou em cima de
uma cama, foram tudo culpa do seu asqueroso e ganancioso pai... — Ela faz
um beicinho, fingindo tristeza. — Ainda bem que deu um jeito de se livrar
do seu velho pai e garantiu que Gusto levasse com ele esse segredinho para
o túmulo, quando ele descobriu que foi você que deu um jeito de deixar o
carro sem freio.
A face de Oliver fica vermelha, a olhando com puro ódio, enquanto
estreita seu olhar.
— Está me ameaçando?
— Oh, eu?! Nunca, sei guardar um segredo como ninguém —
Valéria fala séria, o encarando, antes de suavizar sua expressão e mandar
um beijinho. — Au revoir, mon amour![33]
Valéria entra no carro e fecha a porta, dando partida, não olhando
para trás quando acelera o carro, se distanciando de Oliver. Realmente sabe
guardar um segredo como ninguém, pois nunca sabe quando precisará o
usar a seu favor. E Oliver sentirá o amargor de suas palavras logo em breve,
pois antes que Sodoma a fodesse, ela vai garantir uma cova ainda mais
funda para Oliver.
CAPÍTULO 15

 
Pequena pecadora
 
Eva Fishie
 
Esmago meus dedos em minhas pernas enquanto observo o olhar de
Fila para mim, quando deposita a bandeja de café da manhã em cima da
mesa da sala de estar. Encolho meus ombros, com minhas bochechas
ficando aquecidas, como se o olhar dela me dissesse que finalmente tinha
compreendido o porquê da minha estada nessa casa. Não sou muito boa em
ler as emoções dos outros, mas em Fila é visível o olhar de reprovação e um
brilho pequeno de inveja, quando ela mantém seus olhos atentos em mim.
— Pode se retirar, Fila. — A voz de Edmundo é séria quando lhe dá
uma ordem, se afastando de perto da porta, a qual segurava para manter
aberta para ela passar com a bandeja. — Pode deixar que sirvo
mademoiselle.
Abaixo minha cabeça e sinto um pouco de alívio quando ouço seus
passos se afastando.
— Mademoiselle — Edmundo murmura para mim, me
cumprimentando, enquanto serve café em minha xícara.
A sensação de vergonha que senti com o breve olhar de julgamento
de Fila, não é nada comparada a vergonha que fico diante de Edmundo, sem
coragem nem de olhar em seus olhos. Pois sei que tinha sido ele que Hector
mandou limpar o quarto, não deixando Marrie e nem uma das outras
empregadas entrarem. Sir Hector me contou isso no outro dia de manhã,
quando acordei, dormindo em sua cama, depois que ele me levou para o seu
quarto. Havia roupas limpas e absorventes esperando por mim dentro do
seu banheiro quando ele me levou para lá, me avisando que meu antigo
aposento não seria mais onde eu dormiria.
— Manteremos suas unhas assim por um tempo! — sir Hector fala
sério, libertando minha mão, se levantando da borda da banheira, onde ele
está sentado, cortando minhas unhas.
Fico em silêncio e ergo meus dedos, olhando as unhas cortadas bem
pequenas, não tendo mais o mesmo comprimento de antes. Tombo meu
rosto para o lado e abaixo minha mão dentro da água quente, olhando seu
corpo seminu de costas para mim. Ele guarda o cortador de unha dentro do
armário e mexe em outras coisas que não consigo ver o que é.
— Não pode mais se ferir, Eva, causar um arranhão que seja em seu
corpo para sentir dor.
— Por quê? — Pisco, confusa, olhando-o, não sabendo por que é
errado, já que é só eu que sinto a dor. — Não machuco ninguém além de
mim mesma.
— E exatamente por isso, não vai mais fazer isso. — Ele se vira
sério e me faz olhar para sua face, que está com seus olhos cravados em
mim. — Na noite passada, recordo de ser claro ao lhe perguntar se era
aquilo mesmo que queria, porque depois não teria mais volta. — Ele
estreita seu olhar, o que o deixa como um predador. — E sua linda
cabecinha balançou em positivo. E no segundo que ela balançou em
positivo, você estava me dando poder absoluto sobre você, Eva.
Ele inala o ar com força e se vira novamente para o armário,
deixando o som firme da sua voz repercutir dentro do banheiro.
— E é por isso que se causar algum arranhão em você, vou lhe
castigar. Porque não causará ferimento em seu corpo, mas sim no meu
corpo!
— Monsieur, vai me deixar amarrada no escuro? — Olho aflita
para ele, sentindo aquela sensação de medo me pegando, com as memórias
cheias de dor e escuridão querendo se libertar.
— Non, Eva! — Escuto sua voz sair baixa, com ele soltando o ar
pesadamente, enquanto se vira e me olha. — Irei lhe amarrar, mas não
para lhe deixar presa no escuro, e sim para disciplinar seu corpo, enquanto
lhe dou o que precisa.
— Não sei se compreendi...
— Os castigos que lhe darei, não serão para lhe fazer sofrer, Eva, e
muito menos para que tenha medo, por isso preciso sempre saber o que está
pensando. Nunca pode esconder seus pensamentos, medos e anseios de
mim. — Ele encosta no balcão e cruza seus braços, me olhando na
banheira cheia de espuma. — Não sou seu carrasco, serei seu mestre, seu
dominador, lhe ensinarei a sentir alívio em outro tipo de dor, uma dor que
traga prazer, e não que lhe fira como anda fazendo.
— Como a dor da noite passada? — Pisco e viro meu rosto para
frente, deixando minha bunda escorregar dentro d’água, até ter apenas
minha cabeça de fora, me recordando da dor que senti quando ele entrou
dentro de mim. Mas depois ela se transformou em outra coisa, algo mais
intenso, que me fazia não conseguir pensar.
E acho que só agora eu fui parar para pensar nela. Sir Hector me
tirou do quarto e me levou para o dele, tirando o lençol sujo do meu corpo
e entrando comigo embaixo do chuveiro. Suas mãos me ensaboaram, sem
pressa, do mesmo modo que ele nos secou depois que me banhou. Ele me
entregou uma camisa negra dele para vestir, forrando a cama com mantas
grossas, todas pretas, me colocando depois para deitar e me cobrindo.
Minha mente ainda estava cansada, como se meu corpo estivesse em paz e
aliviado por finalmente ter conseguido se libertar. Eu acho que foi a
primeira noite, desde que cheguei nessa casa, que dormi sem ter pesadelos.
Mas agora lembro da dor ao primeiro toque invasor, agressivo, fazendo eu
me sentir como se estivesse sendo rasgada de dentro para fora. Mas aquela
dor virou outra emoção, outra sensação, sendo mais forte do que os
arranhões que eu faço em mim, para poder me concentrar em outra coisa
que não seja os meus demônios.
— Como se sentiu? — A pergunta feita em tom sério me faz girar
meu rosto, olhando-o, vendo seus olhos presos aos meus, me estudando.
— Livre — murmuro com timidez, mas sendo franca, como ele me
disse que tinha que ser, não escondendo meus pensamentos. — Depois que
a dor passou, eu me senti livre, senti como se fogo tivesse dentro das
minhas veias, e meu coração fosse sair pela minha boca...
— O nome do que sentiu é prazer, Eva. — Hector respira fundo e
passa seus olhos pela minha face, tendo seu tórax expandido para frente. —
E farei seu corpo sentir muito mais. Por isso nunca irá esconder nada de
mim, fui claro?
— Sim. — Minha cabeça balança em positivo para ele e o respondo
baixinho.
Sir Hector se vira e pega algo no armário, que pelo visto estava
procurando. Ele se mantém de costas, e quando se vira, vejo um potinho em
sua mão, com uma espuma branca e algum tipo de pincel dentro dele.
— Agora se levante, pécheur. — Ele faz um gesto de cabeça para
mim, me dando uma ordem. — Quero olhar de perto o que me pertence.
Meu corpo é estranho, ele obedece com tanta facilidade, nem
sequer esperando-o terminar de falar para se levantar. Fico perdida,
olhando para ele, vendo seu tórax se mover mais rápido, com ele
respirando forte, enchendo os pulmões de ar, enquanto olha meu corpo nu
molhado e cheio de espumas. Encolho e me sinto completamente exposta
diante dele, esmagando minhas coxas uma na outra e cruzando meus
braços acima do meu peito, mesmo no fundo eu sabendo que depois da
noite passada, não tenho mais do que ter vergonha, mas eu ainda fico,
porque sir Hector é o único homem que já me viu nua.
— Deseja que eu saia da banheira, sir Hector? — Abaixo meu rosto
e mordo minha boca, sentindo cada vez mais a força da presença masculina
dele dentro desse banheiro, me encarando.
— Ordenei que fique de pé, não lhe mandei sair da banheira. —
Sinto o toque do seu dedo em meu queixo, o que me faz levantar a cabeça
para ele enquanto me encara. — Tolerarei essa timidez apenas dessa vez,
Eva, mas não tente esconder seu corpo dos meus olhos quando estivermos
juntos.
Meus olhos ficam arregalados e ouço o tom da sua voz mudar de
sério para dominador, da mesma forma que seu olhar, ficando em um azul-
escuro.
— Não se mexa! — Ele dá a ordem e se abaixa, ficando com sua
face parada diante do meu ventre, tão perto que posso sentir sua respiração
sobre meu montículo.
— O que... — Mordo minha boca e me calo no segundo que sua
mão se estica, passando a espuma que tem no pote em cima do meu sexo. —
Monsieur!
Olho para baixo na mesma hora e sinto o contraste da minha pele
quente, pela água da banheira, com a espuma gelada que ele passa sobre
meus pelos pubianos.
— Pécheur! — ele rosna, baixo, e ergue sua cabeça, me dando um
olhar de advertência. Eu fico paralisada ao ver o objeto prata que ele tira
do bolso, abrindo e deixando o brilho da lâmina da navalha ficar nítido. —
Não se mexa!
— O que sir pretende fazer com isso... — Respiro mais depressa,
sentindo a forma como meu coração está acelerado. Sua cabeça se abaixa
e retorna a olhar para meu ventre.
— Estou lhe limpando — ele diz, baixo, esticando seu braço na
minha direção, segurando a navalha.
— Mas eu estou limpa! — Dou um pulinho para trás, não me
importando com o perigo de escorregar dentro da banheira. Estou
assustada demais, encarando a navalha na mão dele. — Já me lavei com
sabonete...
Minhas mãos ficam na frente do meu órgão e nego com a cabeça
rapidinho para os lados, enquanto olho com medo para ele. Vejo um
sorriso se abrir em sua boca, enquanto ele solta uma gargalhada, me
olhando e rindo, antes de balançar sua cabeça para os lados e respirar
fundo.
— Não vou lhe limpar porque está suja, eu vou retirar os pelinhos
macios da sua boceta. — Ele ergue a navalha para mim e a balança
lentamente, antes de deixar o riso morrer, voltando a ficar com sua face
taciturna. — Agora retire suas mãos e me deixe te limpar, não me faça ter
que lhe ordenar novamente.
— Mas o que tem de errado com meus pelinhos? — Afasto minhas
mãos apenas um pouquinho, olhando para minha vagina, ficando confusa.
— Nada! — ele fala e solta um suspiro, olhando para minha mão e
observando o ferimento. Olho para a face dele e o vejo concentrado no
dorso da minha mão. — Não vou te machucar, Eva, apenas vou retirar os
pelos, quero que sinta o dobro de prazer na próxima vez que te tocar.
— Mas... — Me calo e mordo minha boca, tentando pensar se isso é
correto ou não. Não o fato dele querer tirar os meus pelos, mas sim ser
precisamente ele a fazer isso. — Não sei se é certo deixar sir fazer isso...
Sua cabeça se ergue para mim e me olha com atenção, estreitando
seu olhar, enquanto sua sobrancelha negra se arqueia, com ele me
encarando.
— Alguma vez já usou uma navalha? — Sua voz é séria quando me
pergunta. Nego com a cabeça e encolho meus ombros, mordendo o
cantinho da minha boca. — Então tire suas mãos da frente e me deixar
fazê-lo, porque deixar uma navalha em sua mão não vou, e muito menos
outra pessoa vai fazer isso. — Ele puxa minha perna, o que me faz erguer
minhas mãos para me segurar na parede, para não escorregar, ficando
pertinho dele, que está sentado na borda da banheira. — Agora não se
mexa!
Meus olhos se fecham e mordo minha boca, enquanto sinto a lâmina
raspar em mim. Meu corpo todo está concentrado no toque áspero e frio da
navalha. A sensação dos pelos sendo retirados lentamente, a quentura da
respiração dele tocando sobre minha vagina, com ele se concentrando
apenas nisso, é como se fosse a tarefa mais importante do seu dia. Meus
olhos se abrem e encaro o teto do banheiro, notando a forma como meus
seios estão ficando arrepiados e os bicos sensíveis se enrijecendo. Sinto o
deslizar da espuma novamente entre o montículo, e não consigo abafar o
som que sai da minha boca, o que automaticamente o faz ficar imóvel, e um
silêncio ainda mais constrangedor do que já está esmaga o banheiro.
— Me desculpa. — Mordo minha boca, querendo me afundar dento
dessa banheira e ficar no fundo dela para sempre.
Escuto a respiração pesada sendo solta lentamente, enquanto ele
retorna a passar a navalha em minha vagina.
— Muito indisciplinada. — Rio, baixinho, ao ouvir sua voz
murmurar, enquanto mantenho meus olhos encarando o teto. Mordo minha
boca assim que recebo um beliscão em minha coxa, para que eu pare de rir.
— Pequena Péchéur!
Acho que minha mente ainda está tendo de processar tudo que tinha
acontecido, pois nada do que ele fez parece estranho, tudo é certo. A forma
como me perdi quando ele me tocou, o que fizemos em cima daquela cama,
a visão do meu corpo colado ao seu, refletindo no espelho da porta do
guarda-roupa, o que eu tinha acabado de aceitar, muitas coisas em minha
mente... Isso explica porque o deixei usar a navalha em mim. É certo
quando é ele fazendo. E não só isso. Tudo que ele fez nos dias que se
seguiram, me dar banho, me pôr para dormir, ficar deitado na cama comigo,
mesmo não me tocando mais da forma que fizemos no meu quarto, depois
que passei a dormir com ele. Suas mãos apenas se aproximam do meu
corpo, para me dar banho, e seus olhos azuis serenos ficam concentrados
em me ensaboar, não demonstrando nenhum tipo de interesse em me tocar
de outra forma. Não conversa mais, nem sequer ri ou responde as minhas
brincadeiras, apenas se mantém silencioso e cuidadoso.
No primeiro dia, depois que amanheci em seu quarto, não me
incomodou seu distanciamento. No segundo, eu me sentia confusa, porque
meu corpo desejava seu toque. No terceiro dia, a ansiedade começou a ficar
maior, e me pegava aguardando a hora do banho como se fosse o momento
mais esperado do meu dia. No quarto, estava inquieta, nervosa. No quinto,
era tristeza que eu sentia, porque ele não me tocou, e eu não sabia como
expressar que meu corpo sentia falta, porque nem eu mesmo entendia. Não
sei se é fácil de compreender, meu corpo sente falta da sensação que ele me
deu, como se tê-la apenas uma vez assaltando meu corpo, tivesse sido
pouco, e agora minha alma pede por mais, e sinto vergonha de contar a sir
Hector o que meus demônios imploram dentro de mim.
Recordo do primeiro dia que acordei em seu quarto, depois que ele
me deu banho e me tirou os pelos da minha vagina, me secou sem pressa,
me pedindo para me trocar, que logo o café chegaria. Marrie foi educada e
gentil quando trouxe o café da manhã no quarto de sir Hector para mim, me
dando um singelo sorriso, sem julgamento ou reprovação em seu olhar,
como foi o que recebi de Fila agora há pouco. Lembro das suas palavras
brandas, com um olhar preocupado em sua face.
— Está tudo bem? — ela me pergunta baixinho, me olhando com
carinho, aproveitando que estamos sozinhas no quarto. — Não precisa me
contar nada se não quiser, apenas quero saber se está bem...
— Sim. — Balanço minha cabeça para ela, sentada no tapete do
quarto, perto da lareira, olhando a bandeja que ela deixa perto de mim. —
Não fui obrigada, vim porque desejei — murmuro, segurando um biscoito e
o levando para minha boca, a olhando.
— Eu sei, conheço a índole boa de sir Hector — ela sussurra e
estica sua mão, alisando meus cabelos. — Mas qualquer coisa que precisar,
não pense duas vezes antes de me dizer, oui?! Digo isso porque também
conheço a índole sombria dele.
Que Marrie conhecia a índole boa e sombria de sir Hector eu não
duvido, ainda mais pela forma como ela demonstrava sua lealdade a ele,
mas julgo que eram as minhas que Marrie não conhecia. Nem eu as
conhecia direito, não até ele me tocar, para depois me deixar como se
estivesse caindo no limbo.
— Deixe tudo preparado para amanhã, Edmundo, vamos para Paris.
— A voz aristocrata soa em tom calmo, sentado na outra ponta da mesa.
Levanto meu rosto e o tombo para o lado lentamente, observando sir
Hector com o jornal aberto na frente do seu rosto. Ergo meu pé e esfrego a
ponta da sapatilha com força em cima do meu tornozelo, enquanto solto um
suspiro lento e retorno a ajeitar meu pescoço, ficando com meus olhos
presos no exagerado arranjo de flores no centro da mesa, que bloqueia
minha visão dele.
— Sir parte de manhã? — Edmundo segura o bule de café de
cerâmica e caminha na direção dele.
— Oiu! — ele responde breve, folheando o jornal.
Novamente meu pescoço se inclina e olho para seus dedos presos às
páginas grandes abertas na frente da sua face, batendo lentamente a
pontinha do dedo no papel. Minhas mãos se abrem e fecham lentamente, e
esfrego-as em meus joelhos, mordendo o cantinho da minha boca, não
entendendo por que essa mesa tem que ser tão longa. Sinto como se
estivesse a quilômetros de distância dele, enquanto minha presença é
ignorada, como se eu não estivesse sentada na outra ponta, como se não
soubesse que eu estava sofrendo, que estou à beira de levantar e gritar com
raiva para que ele me toque, que estou queimando.
— Sir ficará fora por quantos dias? — Olho para Edmundo, que
serve café em sua xícara.
— Alguns dias, quem sabe uma semana... — Ele fecha o jornal e
leva a xícara de café à boca, olhando para Edmundo.
— Uma semana... — Minha boca se abre e cochicho tão baixinho,
que quase não dá para ouvir minha voz, enquanto retorno meu corpo para a
cadeira e fico encarando o arranjo cheio de flores.
Sinto uma sensação melancólica e um vazio. Não entendo por que
estou sentindo isso ao saber que ele irá partir. Mas será uma semana sem
seus toques, nem durante os banhos eu os teria mais. Eu tinha me pegado
estranhamente fascinada pelo calor dele deitado comigo junto na cama, a
sensação de proteção, quando acordava no outro dia e via seus braços em
volta da minha cintura, a forma como eu me aninhava pertinho dele, apenas
para o sentir mais coladinho a mim. Minha mão se ergue e esfrego minha
nuca, tendo a angústia ficando maior, desejando que ele não tivesse cortado
minhas unhas, para que eu pudesse pelo menos sentir um alívio que fosse
dessa sensação que está ficando insuportável dentro de mim.
Um calor infernal queima minha alma de dentro para fora, as batidas
do coração aceleram, buscando um mísero alívio que seja nas lembranças,
nas memórias da pele, me recordando da sensação boa ao sentir seus dentes
mordendo meu pescoço, e apenas a memória já me obriga a comprimir
minhas coxas, as esmagando. O raspar da pele me faz arfar ao sentir o
tecido da calcinha tocando minha vagina lisa. Arregalo meus olhos e encaro
minha xícara de café, abaixando minha mão rapidinho da minha nuca, ao
sentir meu corpo despertando novamente, apenas com leves movimentos.
— Talvez acabe estendendo um pouco mais. — Ouço sua voz sair
rouca e baixa, no mesmo tom que conversou comigo durante o banho, o que
apenas me deixa mais agitada, e sinto como se um líquido estivesse
escorrendo de dentro de mim.
Ergo meus pés e fico nas pontinhas dele, causando a fricção entre
minhas pernas, dando um sorriso maroto quando sinto a calcinha ficando
úmida.
— O que... — Esfrego minhas coxas, tendo noção de que realmente
estou com a calcinha molhada. — Oh, meu Deus!
— Quer dividir algum pensamento comigo, mademoiselle? —
Minhas pernas param de se esfregar assim que escuto sua voz soando alta.
— Eva?
Mordo o cantinho da boca e respiro depressa, inclinando minha face
devagarinho para o lado, não encontrando mais seus olhos em Edmundo ou
nas folhas do jornal, mas sim sérios em minha direção. Vejo sua
sobrancelha se arquear, com seus olhos ficando mais intensos, como se
soubesse que estou escondendo alguma coisa dele, e como um cruel
carrasco aguarda eu tomar coragem para falar.
— Acho que não, monsieur. — Nego com a cabeça e olho rapidinho
para Edmundo, que está ao lado dele segurando o bule, antes de retornar
meu olhar para sir Hector.
Seus lábios se comprimem e ele leva a xícara à boca, me fazendo
sentir minhas bochechas queimarem pela forma que ele me olha tão
intensamente. E a sensação de umidade em minha calcinha fica maior, a
deixando melada em cima da minha vagina. Ele abaixa a xícara e dobra o
jornal, o largando sobre a mesa, se arrumando na cadeira enquanto me
encara mais sério, me deixando saber que está aguardando por sua resposta,
e que não se dará por satisfeito enquanto não a receber.
— O que disse que nunca pode fazer, Eva? — Sua mão se estica e
ele bate os dedos lento na mesa, tendo o tom da sua voz ficando ameaçador.
— Nunca esconder meus pensamentos de monsieur! — falo,
baixinho, mordendo o cantinho da minha boca. — Só que...
— Tem alguma coisa que quer me contar, Eva? — ele me corta,
perguntando mais sério.
— Eu estava ouvindo sua voz. — Dou um sorriso fraco e encolho
meus ombros. — E minha calcinha ficou molhada... — falo de forma
franca, não escondendo meus pensamentos e nem o que acabou
acontecendo com minha calcinha.
Sua face se mantém séria, com seus olhos azuis presos aos meus, e
se não fosse pelo seu peito, que está se estufando para frente, e seus dedos
se esmagando em cima da mesa, podia jurar que ele nem ouviu o que eu
disse. Já Edmundo demonstra ter ouvido e entendido muito bem, pois suas
bochechas estão vermelhas e ele começa a pigarrear, nervoso. A veia da
garganta de sir Hector começa a pulsar mais forte, e seus olhos azuis ficam
escuros, com a mão dele se erguendo e ficando suspensa no ar, diante de
Edmundo.
— Feche a porta quando sair, Edmundo! — Meu corpo se endireita
rapidinho, no segundo que sua voz sai ríspida.
Bato meus pés no chão com nervosismo e fecho meus olhos. Escuto
os passos de Edmundo, que sai às pressas, e sinto uma vontade imensa de
implorar para ele me levar junto com ele, para não me largar sozinha com
esse homem dentro da sala. Solto um suspiro baixo quando a porta é
fechada atrás de Edmundo, me sentenciando à ira do homem sentado na
outra ponta da mesa. Meu coração, que já está batendo rápido,
simplesmente fica descompassado de vez, assim que o ruído da sua cadeira
se afastando se faz.
— Merda! — Esmago meus dedos em meus joelhos e sinto meu
corpo ir se afundando na cadeira, pensando seriamente se poderei me
esconder dele embaixo da mesa.
O batuque latente e forte da ponta da bengala, acertando o assoalho,
enquanto ele caminha, me parece tambores de guerra avisando que o
inimigo está se aproximando. Meus olhos cabisbaixos enxergam as pontas
negras e ilustradas dos seus sapatos reluzentes, que param ao meu lado e me
dão a impressão de que são como canhões apontados para mim. Vejo seus
dedos esmagarem a cabeça da cobra, enquanto ele inala o ar com força. De
onde eu estava olhando, a outra ponta da mesa parecia ser tão longa, como
que agora, para estar ao meu lado, ele consegue vir em um curto espaço de
tempo?! Respiro mais depressa e encolho meu corpo, mordendo minha
boca.
— Eu sinto muito...
— Levante-se, Eva! — Sua voz em comando é como um disparo em
minha mente, não deixando ter um meio-termo entre rebeldia e medo, e eu
apenas obedeço, me levantando e afastando a cadeira, esfregando a ponta
do sapato no meu calcanhar. — Fui claro sobre se machucar, não fui? — ele
rosna, baixo, como se soubesse qual a minha intenção em esfregar o sapato
em minha pele.
Meus olhos estão focados nos seus, e em segundos a cabeça da
cobra se ergue, alavancando meu queixo e deixando minha face elevada
para a sua. Seus olhos azuis estão celestes e brilhantes, com aquela
intensidade forte que apenas ele consegue ter, não me deixando saber se
estou encrencada ou não.
— O que mais tem em seus pensamentos, Eva? — Ele abaixa a
cabeça de cobra do meu queixo e troca pela sua mão quando seus dedos se
fecham em minha garganta, dando mais um passo à frente.
— Muita coisa — murmuro e olho-o, me sentindo afogando com a
forma como ele me domina, silenciando aquela bagunça que estava aqui
dentro.
Minha boca se entreabre e respiro mais forte, sugando uma grande
lufada de ar, assim que o material frio da cabeça da cobra toca entre minhas
pernas e sobe lentamente o vestido.
— Diga! — Ele inclina sua face para o lado e olha para baixo,
deixando o tom da sua voz sair cheio de rouquidão, como se soubesse o
efeito que ela causa. — Preciso que me diga.
— Não me tocou mais, e isso está me deixando ansiosa e triste ao
mesmo tempo... — Fecho meus olhos quando sua face se inclina para frente
e ele apenas esfrega a ponta do seu nariz em minha bochecha, não tocando
meus lábios com os seus, o que me faz querer chorar de raiva.
— Lhe toco toda noite, pécheur... — O timbre da sua voz entra em
meus ouvidos e causa uma rebelião dentro de mim, incitando meu corpo a
declarar guerra à minha paz, a qual está em frangalhos. — Quando lhe dou
banho e ensaboo seu corpo, toco em cada canto dele lentamente, quando o
seco, lhe visto...
— Mas quero que me toque também de outro jeito. — Minha voz
sai angustiada, o que me faz morder minha boca com força, para sentir
qualquer outra sensação que não seja essa.
— Não me desobedeça, Eva! — Um rosnado sai baixo perto do meu
ouvido e seus dedos esmagam mais forte meu pescoço quando mordo
minha boca, o que me faz abrir na mesma hora meus lábios, inalando o ar
com mais força. — Como deseja que eu lhe toque, minha pequena pécheur?
Se não me diz o que deseja, eu não posso lhe atender.
Meus olhos se abrem no segundo que a cabeça da cobra raspa sobre
o tecido da calcinha, alisando lentamente minha vagina, me fazendo
respirar mais rápido, tendo meu próprio corpo se esfregando nela, para
acertar bem em cima do nervo, que está pulsando. E como um carrasco
malvado, ele afasta de mim, me privando de sentir essa sensação
novamente.
— Por favor... — Por puro desespero e angústia, com meu corpo
sedento pelo toque dele, qualquer coisa que faça eu me sentir livre de novo,
seguro seu pulso, para que ele não afaste a cabeça da cobra de mim. — Oh,
Deus...
Fecho meus olhos e encolho meu corpo quando ele a desfere em
minha perna, causando uma ardência na lateral da coxa como castigo.
— Diga! Precisa me dizer o que deseja, não pode esconder seus
pensamentos de mim, eu lhe disse, não foi?! — Sua voz soa mais
dominante e ele dá um passo à frente, me fazendo chorar como menina
quando seus dentes mordem a pontinha da minha orelha. — Então diga ao
seu mestre o que deseja, Eva.
— Que me toque, toque-me como me tocou em meu quarto. —
Meus olhos se abrem e o encaro, falando com súplica, não me importando
de implorar se for preciso. — Toque em meu corpo como fez na primeira
vez, monsieur.
Sir Hector solta meu pescoço e se afasta de mim, dando dois passos
para trás e mantendo a bengala parada diante dele, com suas mãos apoiadas,
tendo seus olhos me fitando sérios.
— Desde quando está sentindo falta do meu toque? — Ele se
mantém taciturno e me encara, aguardando sua resposta.
— Desde o segundo dia que comecei a dormir em sua cama... —
respondo, baixinho, e vejo uma expressão nova se refletir em sua face, com
ele abrindo sua boca lentamente e a fechando, virando sua face para o outro
lado e inalando o ar com força.
— Por que não disse, Eva, se eu tinha lhe dado uma ordem para me
dizer o que deseja? — Sua expressão retorna rapidamente para a carrancuda
quando ele para seus olhos nos meus. — Se esconde o que seu corpo quer,
não posso lhe dar o que deseja. Precisa confiar em mim, ser um livro aberto,
o qual posso ler cada linha a hora que desejar. Se não me diz o que quer, é
porque não confia. Se uma submissa não confia em seu mestre, então eles
não têm nenhum elo que os ligue.
— Eu não sei como explicar o que meu corpo deseja, eu não o
entendo... — Abaixo meu rosto e fecho meus olhos, não mentindo para ele.
Não sei como expressar o que quero, e por isso a angústia cresce. — Não é
que não confio, eu só não sei o que falar. Eu sinto muito, monsieur...
O toque em minha face faz meu rosto se erguer, com ele mantendo
seus olhos presos aos meus. Balança sua cabeça para o lado, enquanto alisa
meu queixo e inala o ar com força.
— Minha pequena pécheur indisciplinada! — Sua voz rosna
baixinho e sua face se aproxima da minha, me fazendo sentir meu corpo se
acender.
Suspiro baixinho, tendo meu corpo ficando elétrico apenas por
sentir seus lábios tocando nos meus novamente. Gemo e esmago meus
dedos na lateral do meu corpo, desejando poder tocar nele. No segundo que
sir Hector ameaça quebrar o beijo, acabo não conseguindo mais controlar
meus dedos. Fico nas pontas dos pés e enlaço seu pescoço, ficando colada a
ele, gemendo com a sensação que me invade com tanta força ao ter meus
seios raspando em seu tórax, no tecido fino da camisa. Eu não compreendo
o que devo falar, e nem como agir, mas deixo meu corpo mostrar a ele o que
desejo, o beijando da mesma forma que me beija, me sentindo viva a cada
toque das línguas. Me comprimo mais a ele e gemo, sentindo dor e prazer
quando sua mão se fecha em minha bunda e a esmaga com força, como se
estivesse me castigando por meu impulso. Mas eu não consigo parar, quero
que ele me toque mais forte, que me toque com sua boca, suas duas mãos e
cada parte dele toque em mim. E como se ouvisse os gritos desesperados da
minha alma, a qual lhe suplica nesse beijo cheio de angústia, ele me dá
finalmente o que eu quero quando seu braço se estica por trás de mim. Ele
usa a bengala para jogar tudo que está em cima da mesa ao chão, a soltando
apenas para esmagar sua mão no outro lado da minha bunda, tirando meu
corpo do chão e aterrissando meu traseiro sobre a mesa.
— Indisciplinada, muito indisciplinada, minha péchuér! — Meus
olhos se fecham e gemo, tombando meu pescoço para trás, tendo minha
pele queimando como brasa onde sua boca toca. Ele escorrega sua língua
em minha garganta.
Meu rosto retorna para frente e se esconde em seu ombro. Aperto
mais forte meus braços em volta dele, quando sinto a ponta dos seus dedos
escorregando sobre a calcinha. Ele rosna e abre sua boca, mordendo meu
pescoço quando sente o tecido molhado.
— Dieu, devia virar esse seu rabo em cima dessa mesa e usar essa
maldita bengala para o espancar! — Ele afasta seu tórax para trás e segura
meu pescoço, me obrigando a olhar para ele. — Apenas por ter deixado
Edmundo saber como estava.
— Ohhh! — gemo e mordo minha boca, apoiando minhas mãos na
mesa, inclinando apenas um pouco meu corpo para trás. Respiro depressa,
com minhas pernas se abrindo e sentindo seus dedos empurrando a calcinha
para o lado, com ele os levando para dentro de mim. — Monsieur...
— Nunca mais deixe outros ouvidos, que não sejam os meus,
saberem como essa sua boceta fica encharcada, Eva! — Ele inclina seu
rosto para perto do meu e se aproxima de mansinho, raspando sua boca em
cima do meu seio sobre o vestido. — Está entendendo minha ordem,
pécheur?
— Sim! Oh, Deus, sim... — Meu corpo vibra, com ele escorregando
seus dedos para fora e retornando a empurrar para dentro lentamente. —
Sim, só milorde, apenas milorde...
Sorrio de ladinho e olho seus olhos azuis brilhando com intensidade.
Ele esmaga mais forte seus dedos em meu pescoço e cola sua boca na
minha com posse. Eu devia não me sentir do jeito que me sinto, tão viva e
liberta, quando ele me toca desse jeito, causando dor em minha garganta,
arrancando o fôlego com seu beijo agressivo, mas eu não consigo controlar,
porque é isso, é exatamente isso que meu corpo implora. Seus dedos se
retiram de dentro de mim e ele liberta meu pescoço do aperto dos seus
dedos, erguendo meu vestido até o deixar acima dos meus seios nus. A sua
boca se fecha na lateral da minha garganta e a chupa com força, e ele
esmaga com brutalidade minhas coxas. Meus dedos se prendem em suas
costas, cravando com força, como se fosse uma forma de fazê-lo sentir a
mesma dor e prazer que sua boca faz em meu pescoço.
— Seu corpo me pertence, Eva. Nunca esconda o que ele deseja de
mim.
Ouço suas palavras saírem abafadas, com ele cravando os dentes
com pura raiva e mais forte em minha pele.
— Milorde...
Uma mistura de desejo, violência e loucura me faz respirar com
euforia, sentindo tudo tão urgente, tão misturado e confuso dentro de mim.
Meus olhos me deixam ver os seus brilhando quando sua face paira sobre a
minha. Olhos azuis selvagens, animalescos, os quais me cativam. Sir Hector
toma meus lábios e força minha cabeça para trás, me fazendo deitar sobre a
mesa, enquanto me beija. Sua mão solta minhas pernas e vai para meus
seios, segurando cada um em suas palmas abertas, os sentindo massageando
de forma perversa. Sinto os bicos das minhas mamas duros, sensíveis, e
grito entre nossos beijos, o deixando ser abafado, diante da incapacidade
que tenho de controlar a forma como meu corpo responde a essas carícias
violentas. Minha mente dá voltas, se perdendo entre as emoções de desejos
primitivos que me desencadeiam com o toque dele. Eu não tenho mais
controle diante da luxúria e a libertinagem que ele toma, me fazendo desejar
a posse completa de sir Hector sobre mim.
— Seu corpo é meu, e é a mim que ele responde, Eva — sir Hector
rosna com a voz rouca, me sentenciando aos castigos sedutores das suas
carícias.
— Milorde, por favor... — balbucio, perdida, entre o fogo que me
queima e a dor que fica mais forte.
— Me diga, pécheur. — Ele morde minha orelha, a beijando com
ardor na sequência. — Diga a verdade que seu corpo já sabe, e lhe dou o
que me pede.
— Eu desejo seu toque. — Minha voz é apenas um misto de miséria
com luxúria, sem um pingo de dignidade.
E esses efeitos aumentam quando a boca dele desce por meu
pescoço e o lambe, até parar sobre o bico do meu seio. O gemido
involuntário irrompe minha garganta com a onda de prazer que me pega.
Não há pressa na tortura que sir Hector me sentencia, um fogo que queima
rápido e aumenta suas chamas, incendiando meu corpo por completo. Sua
mão explora meu corpo e se infiltra entre nós, tocando suavemente minha
boceta, provocando meu corpo a responder a ele com mais luxúria do que já
tem. Seu cheiro, ao qual já tinha me acostumado e ficado cada vez mais
viciada, é como uma droga que me contamina a cada ar que puxo para meus
pulmões. Respiro como se tivesse me faltando todo oxigênio em meu
cérebro. Sob minhas mãos posso sentir as ondas dos músculos duros dos
seus braços e seguro o gemido, abrindo meus olhos, ao sentir seu dedo se
empurrando entre os lábios da minha vagina novamente. Sir Hector o move
lento, parando seu polegar sobre o nervo inchado, que me faz quase querer
chorar, implorando para que ele faça essa sensação de fogo por minhas
veias parar. Sua boca solta um seio e pega o outro, o abocanhando entre
seus lábios com a mesma urgência com a qual ele tão bem chupou o
primeiro.
— Deusss!!! — Seguro mais forte seus braços e mordo minha boca
quando ele empurra outro dedo, entrando e saindo, aumentando suas
investidas. Ele aperta o nervo inchado e me faz gritar, empurrando minha
cabeça para trás. — Por favor, faz isso parar...
Sua respiração quente se alastra em minha garganta e sinto seus
dentes roçando a pele, antes dos seus lábios me tomarem em um beijo
exigente, sem misericórdia. Uma tortura, uma doce e cruel tortura! O
almejo que cresce dentro de mim, deixa meus músculos rígidos, com a
necessidade de sua posse, de sentir sir Hector me tomando. Com carícias
trêmulas, meus dedos percorrem suas costas e seus ombros, tendo meu
corpo se torcendo embaixo dele em pura agonia, a cada investida que
recebo, com seu dedo aumentando a pressão sobre meu clitóris e o
massageando. Quando sinto que vou explodir, sir Hector para de se mover,
voltando a ficar apenas estático.
Retira seus dedos e entra com preguiça, deixando apenas seu beijo
mostrar a intensidade da paixão que está me destruindo de dentro para fora.
Me vejo sendo rasgada, com minha luxúria me tomando, a qual ele incita a
ficar mais urgente, com seus dedos me fodendo. Seu dedo retorna a
massagear o nervo no momento exato que meu corpo alcança a libertação, e
quase como se estivesse esperando por sua permissão para liberar meu
prazer, minha pele toda se arrepia. Uma agonia que me consumiu por todos
esses dias, se transforma em explosão, me jogando em um carrossel de
emoções fortes, bárbaras, morrendo com a pressão que ele mantém a posse
dos meus lábios com seus beijos, e os seus dedos se afundando dentro do
meu corpo.
Minhas mãos soltam suas costas, caindo, com meus dedos
espalmados sobre a mesa. Tento fechar minhas pernas para fazer parar o
líquido quente que está sendo expelido pela minha boceta, sem conseguir
ter controle sobre isso, enquanto minha mente está explodindo em múltiplas
partículas. Sinto os músculos das minhas pernas relaxarem, me deixando
fraca, esgotada, quando a sensação violenta que tomou meu corpo vai
embora. Seus dedos se retiram de dentro de mim, e estou tão perdida, sem
conseguir assimilar nada ou ter coordenação do meu corpo, que não consigo
relutar quando ele me vira sobre a mesa.
Meu rosto fica com a bochecha colada na mesa, enquanto respiro
depressa, não me deixando saber se o som da respiração descoordenada é a
minha ou dele. Meu cérebro parece ter virado uma maçã flácida e molenga,
sem consciência ou raciocínio algum. Assopro sem força os cabelos caídos
em meu rosto quando o ergo lentamente e olho por cima do meu ombro. Os
olhos azuis brilhantes estão focados em meu corpo debruçado sobre a mesa,
enquanto abre o zíper da calça e retira seu pau para fora. Fecho meus olhos
quando as mãos fortes dele se prendem em meu quadril. O som de um
ronronado baixinho sai dos meus lábios quando a ponta do seu sapato toca
meu tornozelo e afasta minhas pernas, as deixando abertas para ele.
Sua mão se alastra feito cobra por minhas costas e para seus dedos,
os fechando em meus ombros, me puxando de forma agressiva para cima.
Meus dedos se esticam, querendo se segurar em algo, e me sinto tão sem
controle de mim, do meu corpo, dos meus pensamentos. Sinto sua
respiração quente como fogo quando ele solta o ar por seus lábios em minha
garganta, colando minhas costas em seu peito. Ele retira os cabelos da
minha face e gira meu rosto de mansinho para ele, com sua mão espalmada
em minha barriga. Fico petrificada, com meus olhos presos aos seus,
enquanto sinto a cabeça do seu pênis se encaixando na entrada da minha
vagina.
— Vai me sentir bem mais fundo dentro de você, assim, Eva. — Seu
rosto se esfrega na lateral do meu e arrasta a lateral dos seus lábios por
minha bochecha, mordiscando a orelha, causando arrepios dentro de mim.
Sua mão livre para em meu quadril e mantém o vestido erguido,
enquanto a que estava em minha barriga sobe para meu pescoço, fechando
seus dedos em volta dele. Sua boca faz meu corpo se arrepiar quando beija
minha orelha de forma diabólica, mordendo o lóbulo.
— Ohhh, meu DEUSSS! — Minha boca suga o ar com desespero e
fecho meus olhos assim que ele empurra seu quadril com força contra o
meu traseiro, me tomando em uma única estocada bruta.
Sinto minha boceta se expandindo, tendo a entrada agressiva do pau
de sir Hector me dividindo entre a dor e o desejo de deixá-lo bem ali,
enterrado fundo dentro de mim. Sinto o ar sendo restringido dos meus
pulmões conforme seus dedos se comprimem em minha garganta. Meus
olhos estão dilatados, marejados, quando os abro, me chocando com os
seus, tão profundos, olhando para minha face. Mas não é medo que me
pega, nem dor, apenas uma magia pela sedução que ele faz, se retirando
apenas um pouco de dentro do meu corpo e voltando a enterrar seu pau com
força, fazendo meus lábios se abrirem com prazer. Ele repete seu
movimento com mais precisão, arrancando gemidos baixos da minha boca.
— Milorde... — murmuro. Seu olhar fica parado em minha boca,
tendo um brilho mais dominador quando abro um pequeno sorriso para ele.
É um demônio que me ama tão urgente em seus braços, me fodendo
com brutalidade. Sir Hector prende sua boca em meu ombro e escorrega
suas mãos para meu ventre, me prendendo com os dois braços e
aumentando as baterias que entra e sai de dentro da minha boceta, a
tomando em cada maldito canto, o qual apenas ele sabe desencadear esse
fogo que me queima. O tombo dos corpos sobre a mesa, quando ele força
seu peso contra o meu, me fazendo ficar debruçada, funciona como um
solavanco para ele, me martelando fundo tão íntimo, sem pudor algum,
misturando nossos gemidos. Aromas se mesclam e aumentam o cheiro de
sexo puro dentro da sala de estar. Sua boca morde minha orelha e distribui
beijos em meus cabelos, nos embalando entre estocadas profundas. Ele
empurra meus cabelos e os tira da frente da minha face. Minha boca se abre
e sugo seu dedo para mim, tendo o meu gosto e o seu em um único paladar,
sem vergonha ou timidez, apenas querendo sentir ainda mais ele, como se
esse gesto fosse certo, como se tudo que sir Hector está fazendo comigo
fosse correto. Ele me faz sentir liberta, atiçando minha natureza a ser tão
despudorada quanto ele, como uma alma impura que se entrega ao seu
demônio, se perdendo na luxúria em cima dessa mesa, e eu quero tudo.
Tudo que ele faz com meu corpo, cada sensação, prazer, arrepio e dor,
sendo apenas tocada por ele.
Sir Hector alavanca seu tórax e espalma suas mãos na mesa,
acelerando suas investidas densas. Meu rosto vira sobre meu ombro,
buscando por seus olhos, para conseguir compreender o que é isso que ele
está fazendo com meus nervos, que estão ficando tão rígidos e duros outra
vez, mais rápido e forte. Sua boca silencia meus gemidos e me beija com
paixão pura, e eu me deixo cair outra vez, mais rápido e mais urgente, com
todo meu corpo recebendo a descarga elétrica que me corta, quando a
libertação me abraça com tanta necessidade quando sir Hector me fode.
Escuto seus gemidos grossos, a respiração agressiva sendo desencadeada de
nós dois. Minha mente explode novamente e sinto toda aquela energia
correndo por minhas veias, o que me faz sugar com toda força que posso o
pau dele dentro de mim, me sentindo sensível.
— Pécheur! — sir Hector rosna e afunda seu pau com força em três
baterias, antes do seu corpo entrar em colapso depois do meu.
Seus gemidos se misturam com os meus, enquanto ele treme com
uma força maior que foi a minha, e resta apenas uma fraqueza e tremores
percorrendo meu corpo lânguido e preguiçoso. Sinto o peso do corpo dele
caindo sobre o meu, caindo com sua testa apoiada sobre minhas costas,
respirando rápido.
— Maçã! — Ouço sua voz rouca soar baixo, enquanto sua mão
esmaga na lateral do meu quadril, se retirando de dentro de mim.
Sinto meu corpo sendo movido com cuidado, com ele me sentando
sobre a mesa e abaixando meu vestido, erguendo meu queixo para ele.
— Maçã... Se não consegue expressar, apenas diga essa palavra e
vou saber o que deseja. Não importa onde estivermos ou quem estiver
perto, vou saber o que quer, assim que disser. — Pisco, confusa, olhando
para ele enquanto seus dedos retiram os cabelos da minha face. —
Compreendeu, pequena pécheur?! Não pode se ferir para tentar causar
alívio com a dor, e nem tentar esconder de mim o que quer, apenas tem que
dizer...
— Maçã. — Balanço minha cabeça em positivo, entendendo o que
ele quer que eu faça.
— Agora que teve o que desejava, vamos terminar o café. — Ele
respira fundo e alisa meu braço, erguendo a alcinha do meu vestido, antes
de me pegar pela cintura e me tirar de cima da mesa, me deixando de pé à
sua frente, apontando na direção da cadeira dele, para dividir seu dejejum
comigo, já que o meu tinha ido ao chão.
Dou um passo para o lado e me agacho para pegar sua bengala caída
no chão, enquanto ele arruma seu pênis dentro da calça.
— Preciso deixar algumas coisas em ordem, antes da nossa viagem
para Paris.
Meu rosto se ergue, olhando-o parado diante de mim, enquanto meu
corpo fica imóvel, comigo agachada à sua frente, segurando a bengala em
minha mão e olhando para sua face, sentindo meu coração disparado ao
ouvir o que ele falou.
— Monsieur vai me levar para Paris? — pergunto, olhando-o, ainda
sem saber se compreendi.
— Sim. Lhe disse que não ficaria mais sozinha, pequena Eva...
Por impulso, meu corpo se inclina para frente, com meu rosto se
colando em sua perna. Esfrego minha bochecha nela, ao saber que ele não
me deixará sozinha por uma semana, sem sua presença. Sorrio para ele e
ergo meu rosto, olhando-o com carinho, vendo sua face pálida e sua mão
congelada ao lado, perto de mim, enquanto me observa surpreso, como se
minha demonstração de agradecimento o tivesse lhe deixado abalado. Não
compreendo porque ele me olha confuso. Eu estou feliz porque ele deseja
me ter ao seu lado, e foi assim que me ensinaram a demonstrar minha
felicidade e gratidão.
Olho para sua mão congelada no ar, a poucos centímetros da minha
cabeça, e pisco confusa, por não entender por que ele não acaricia meus
cabelos, já que tinha o deixado saber que estava feliz. Meus joelhos
tombam no chão e estico meu pescoço apenas um pouco, deixando a palma
da sua mão tocar o topo da minha cabeça, olhando para ele e lhe dando um
sorriso. Sir Hector respira fundo, enquanto seu peito se movimenta rápido,
olhando de mim, ajoelhada à sua frente, para sua mão em meus cabelos.
Seus dedos começam a se mexer lentamente, como se compreendesse que
estou esperando seu carinho em meus cabelos. Sorrio mais alegre e fecho
meus olhos, retornando a esfregar minha bochecha em sua perna de
mansinho.
CAPÍTULO 16

 
A intuição da serpente
 
Hector Pellegrini
 
Escorrego minhas mãos por seus braços e os aliso, perdendo meus
olhos em sua face delicada quando ela ergue sua cabeça para me observar.
Relaxa suas coxas na lateral das minhas pernas, dentro da banheira, e senta
em meu colo. Suspira calma, me deixando sentir prazer ao admirar os
movimentos dos seus seios roliços escorrendo gotas de água. Os cabelos,
como uma manta, caem por seus ombros. Os afasto lentamente e empurro
para trás, vendo os arrepios que se formam em sua pele, onde minha mão
toca. Um pequeno receptáculo de luxúria aprisionado em um corpo de
mulher, fazendo eu me sentir mais vivo do que nunca. Uma pecadora que
transborda curiosidade e doçura, enquanto fica bisbilhotando meu corpo
com a ponta do seu dedo, o escorregando por meu peito.
— Sophia me falava que um homem só tocaria em mim, quando
fosse para procriar, que só assim um homem pode tocar em uma mulher. Ela
não me contou que eu podia sentir essas coisas que sinto quando sir Hector
me toca. — Ela ergue sua cabeça e morde o canto da sua boca, com seus
olhos negros me olhando de forma inocente. — Sir Hector me tocou por
isso, por que queria procriar?
Me endireito dentro da banheira e seguro sua cintura, a olhando
sério, antes dos meus olhos caírem para seu ventre.
— Non, Eva! — Meus olhos se erguem aos seus e nego com a
cabeça. — Não toquei em você por isso.
Ranjo meus dentes e ergo minha mão, alisando seus cabelos, vendo
o olhar confuso de Eva.
— Monsieur ficou dentro de mim... Sophia me contou como
acontece a procriação entre um homem e uma mulher...
Lhe toquei porque sou um condenado, com a alma mais fodida que
qualquer outro, que caiu diante da pequena Messalina rápido demais.
Impulsivo demais, intenso demais, ao ponto de esquecer que eu deveria ser
o último homem na face da Terra que poderia ambicionar a tocá-la, só que
mesmo consciente disso, eu decidi ser o primeiro. O primeiro demônio a se
render diante de Eva, esquecendo as regras, desejando sua inocência e
pureza, com uma ferocidade animal. Não toco em mulheres sem
preservativo. Desde o segundo que descobri cada buraco que existe no
corpo de uma mulher, que eu possa afundar meu pau, nunca foi sem estar
com ele envolto de uma camisinha. Até depois do acidente, quando voltei a
trepar, mesmo sabendo que era impossibilitado de ter filho, eu não as fodia
sem proteção, por não desejar correr o risco de pegar uma doença e acabar a
transmitido. Mas minha mente se desligou, ficando focada apenas nela,
fazendo eu me sentir um demônio sortudo ao ter meu pau enterrado tão
fundo dentro do seu corpo, sentindo sua quentura, tomando sua inocência
para mim, que nada importava além de senti-la por inteira.
— Não posso gerar filhos, Eva — digo, sério, e olho sua face,
estudando sua expressão e a vendo surpresa. — Nunca vou poder colocar
um filho dentro de você ou em qualquer outra mulher, isso foi tirado de
mim alguns anos atrás, quando me acidentei.
Eva move rápido sua face para frente e beija meu queixo,
mordendo-o de mansinho em seguida. Seguro com firmeza seu quadril e
esmago meus dedos em seu rabo, que se mexe, fazendo sua boceta quente
raspar em cima do meu pau, que já se desperta com a fricção dela.
— E a criatura que lhe disse uma merda dessas, está enganada —
falo rouco, ainda sentindo pela primeira vez um desconforto ao pensar
sobre esse assunto.
— Monsieur me toca, então, por que deseja? — Ela afasta sua boca
do meu queixo e me olha curiosa. Empurro algumas mechas soltas dos seus
cabelos para trás das suas orelhas.
— Sim. — Desencosto minhas costas do encosto da banheira e tomo
sua boca em um beijo, sentindo seus lábios inchados. E aprecio o jeitinho
manhoso que ela geme baixinho.
— Gosto do seu beijo. — Ela fecha seus olhos e respira fundo, me
presenteando com um sorriso delicado que se forma em sua boca, quando
afasto meus lábios dos seus. — Gosto de como me sinto quando me toca.
Agora entendo qual foi a sensação que aquela menina sentiu no banheiro
junto com monsieur.
Minha mão se ergue e segura sua nuca, esmagando meu maxilar.
Não quero lembrar da puta da casa de Emanuelle, não quando era só um
corpo vazio que eu tocava, enquanto imaginava ser ela. E nada me deu mais
tesão em foder uma boceta do que encontrar seus olhos me observando pelo
reflexo do espelho. E sabia que Eva não era para mim, talvez por isso fodi a
garota ainda mais selvagem, descontando toda a vontade que meus
demônios sentiam por tocar em Eva.
Meus dedos se apertam em sua pele, prendendo com mais força que
o normal. Não era nem para ter passado do beijo, aquele beijo roubado no
jardim, muito menos ter me perdido em suas curvas, com meu pau se
afundando em agonia e prazer que foi estar dentro dela. Mas assim que seus
lábios se entregaram aos meus, me beijando com pura doçura, eu queria
mais, e já não tinha mais volta.
Seus olhos se abrem de forma branda e ela me olha curiosa,
recaindo seus olhos para minha boca. Seus lábios se abrem de mansinho,
me convidando para beijá-la. Trago sua cabeça para mim e tomo seus
lábios, pegando tudo que ela me entrega tão perfeita. Suas pernas se
apertam mais ao meu redor, com sua bunda raspando no meu colo, se
contorcendo e esfregando cada vez mais sua virilha em cima do meu pau, e
cada vez mais está impossível de não perceber o que ela quer, me deixando
saber que estaria pronta para me receber dentro dela. Eu serei o maior filho
da puta se não admitir que eu quero me enterrar dentro da sua boceta
quente.
Eva é um recipiente de prazer e doçura, mesmo não tendo ideia do
poder que ela tem sobre um mestre. Havia me afastado dela, lhe dado tempo
para seu corpo sentir a falta do meu toque, o ensinando dia após dia, a cada
banho que eu lhe dava, a memorizar meu tato, e sabia que podia acabar
levando mais tempo. Só que não estava preparado para ela me dizendo de
forma inocente que no segundo dia seu corpo já ansiava por mim. Quando a
interroguei durante o café, pretendia ouvir o que ela estava pensando sobre
a viagem, mas ter seus pequenos lábios se abrindo para me contar que sua
calcinha estava molhada, me pegou despreparado, como uma delicada
caixinha de surpresa cheia de pecado, e precisei de alguns segundos para
retornar ao meu controle.
— Vou lhe foder de novo se não parar de ficar esfregando sua
boceta em cima do meu pau, pécheur! — Dou um tapa em sua bunda roliça,
advertindo entre nossos beijos.
— Eu quero... — Eva segura meus ombros e afasta sua boca da
minha, lambendo lentamente meus lábios.
Eu congelo e volto a sugar o ar com força para meus pulmões, assim
que tenho certeza de que ouvi muito bem o que ela falou. Puxo-a pelos
quadris e os forço para baixo, fazendo ela se encontrar com meu pau duro,
que pulsa com pura agonia, quando ela mexe com curiosidade seu quadril,
soltando um baixo gemido.
— Deseja que lhe toque de novo, Eva?
Ela recai seus olhos para meu quadril, dando espaço entre nós dois,
mordendo sua boca e sorrindo de ladinho. Balança sua cabeça rapidinho em
positivo.
— Mostre o que deseja, Eva — falo, entrando em modo de
comando, lhe dando permissão para ela tomar a iniciativa.
Eva se aproxima e escorrega sua língua por minha garganta,
beijando meu peito de mansinho. Seus dentes raspam em minha pele
vagarosos, aprendendo rápido a forma de usar sua boca, do mesmo jeito que
fiz com ela, fechando sobre meu peito e o beijando demoradamente.
— Eva! — Fecho meus olhos e rosno entre meus dentes, arfando
que nem um diabo condenado, com ela movimentando lentamente sua
vagina sobre o meu pau, descobrindo quais movimentos atiçam mais seu
corpo.
Seu riso travesso é baixinho e desloca sua boca por meu tórax, indo
para meu outro peito. Agarro seu quadril e o choco com mais brutalidade
em cima do meu pau, desejando sentir o inferno de quente que é estar
dentro dela. Ela desliza seu dedo por minha barriga e abaixa seu rosto,
erguendo apenas um pouco seu quadril para olhar o meu pau duro. Um riso
escapa da boca dela, a fazendo puxar seu dedo rapidinho de perto dele,
quando ele pulsa na direção dela.
— Machucou ele? — Olho sua face, que me encara assustada e
curiosa.
— Não, ele se sente fodidamente bem. — Seguro sua mão e a deixo
conhecer o meu corpo, como meus dedos conhecem o seu. Levo sua mão
entre nós e a faço ficar perto do meu pau. — Tem que tocá-lo com calma...
— Minhas palavras se engasgam dentro da minha garganta, assim que os
dedos curiosos alisam meu pau. — Inferno!
Eva o estuda e toca em cada canto, resvalando a ponta dos dedos
sobre a cabeça. Ela afasta sua mão e olha tímida quando ele pulsa outra vez.
Minha mão se estica e pego a sua, a levando para meu pau novamente,
apenas para me torturar mais um pouco com seu toque envergonhado e
curioso.
— Não precisa ter vergonha de me tocar... — Minha outra mão se
ergue e para na lateral do seu rosto, mantendo seus olhos aos meus. — Não
precisa ter vergonha de me mostrar o que deseja, Eva.
Mostro para ela como deve mover sua mão, a deixando seguir o
curso lentamente em seu sobe e desce, estimulando meu pau. Eu sabia que
estaria ferrado no momento que toquei nela, mas não tinha ideia da
curiosidade lasciva que a pequena Messalina esconde dentro dela. Eva
aprende rápido, não precisa de guia. Apenas se mantém atrevida,
acompanhando a reação da minha face, lhe admirando e sentindo a
possessividade sendo maior a cada instante que fico ao seu lado.
— Um pouco mais forte, pécheur... Oh, merda! — Engulo em seco
quando ela segue minhas ordens.
O som rouco sai da minha boca, enquanto respiro depressa, sabendo
que nenhuma punheta já tinha me feito ficar tão excitado como ela está
fazendo. Não porque nunca tinha recebido uma massagem em meu pau por
alguma mulher, mas sim porque não é qualquer mulher, é ela. E meu pau é
o primeiro que ela toca, enquanto se descobre em seu pequeno corpo cheio
de luxúria. E fodidamente isso me deixa dominante sobre ela, pra caralho.
— Os sons que saem da sua boca... — Ela se aproxima de mansinho
e mantém a cadência dos seus dedos, me torturando e encostando sua boca
na minha, sendo uma mistura de pecadora com inocência, me beijando
castamente. — Eu gosto deles, milorde.
Ela se afasta apenas um pouco e me dá um sorriso tão devasso
repleto de timidez, que apenas a Eva consegue ter. Minha mão, na lateral do
seu rosto, trilha para seus cabelos e os prende entre meus dedos, puxando a
boca dela de volta para mim, a beijando com a mais pura vontade de estar
fundo dentro dela, a fodendo duro, sem um pingo de recato. Nunca na
minha vida tinha tido uma submissa que me desencadeava os piores e mais
possessivos demônios, apagando tudo dos meus pensamentos e fazendo
apenas ficar o animal, que quer ensinar tudo, desbravar cada canto do seu
corpo, marcando-a como minha e eu como seu único dono. Solto seus
lábios e esmago meus dedos em seu rabo, a fazendo se levantar.
— Vire-se e se sente novamente em meu colo, pécheur! — Lhe dou
uma ordem e inalo o ar mais forte, sendo um pervertido que adora cada vez
que ela me obedece lindamente.
Eva faz o que ordeno e senta-se em meu colo, com suas costas
viradas para mim. Deixo suas costas coladas em meu peito e suas pernas
esparramadas uma de cada lado das minhas, dentro da banheira. Com uma
das mãos em seu peito, massageio sua mama e belisco de mansinho o bico
do seu peito, e com a outra vou até a entrada da sua boceta e escorrego um
dedo dentro dela, a sentindo inchada e encharcada. Eva solta um gemido
dengoso e encosta sua cabeça em meu ombro, virando sua face para mim.
— Milorde... — Sua voz sai em pura luxúria, com ela tendo suas
pupilas ficando dilatadas, e dentro de mim fico mais animal, apreciando
como sua boca sussurra milorde.
— Não se reprima, apenas siga seus instintos. — Beijo seus lábios e
mordisco sua boca pecadora, soltando seu seio e descendo para o centro das
suas pernas.
Meus dedos alisam seu clitóris, que pulsa assim que o toco,
implorando por atenção a cada circulada em cima dele. Levo outro dedo
com a outra mão para dentro de sua boceta molhada, para ter certeza de que
ela está preparada para me receber. Beijo seu ombro e cravo lentamente
meus dentes em sua pele.
— Nessa posição vai me sentir muito mais fundo dentro de você, do
que as outras vezes — murmuro rouco em seu ouvido, mordiscando a
pontinha da sua orelha. — Vou lhe permitir comandar o ritmo que quer que
eu lhe foda.
Eva fecha seus olhos e suspira lento, arfando a cada respiração, com
um sorriso arteiro em seus lábios. Seus braços se erguem e ela deixa suas
mãos presas em minha cabeça. Seus dentes superiores capturam a lateral do
seu lábio, e ela suspira. Empurro mais fundo meu dedo, tocando dentro da
sua boceta quente e apertada, a qual meu pau fodidamente quer estar
enterrado novamente. Ela vai se entregando a cada carícia, ficando tão
pronta e melada, me enchendo de desejo e uma fome insaciável por Eva.
Tiro meus dedos de dentro dela e os ergo para minha boca, o sugando sem
pressa. Eva abre seus olhos e os deixa presos em meus lábios,
experimentando seu sabor, que é como um licor doce e afrodisíaco, o qual
eu mataria para sempre ter mais.
Apenas solto meus dedos para arrumar meu pau entre os lábios
inchados da sua vagina. Ele escorrega de mansinho, empurrando-se para
seu interior, enquanto meus olhos ficam petrificados no sorriso tímido que
ela expande em sua face, salientando suas covinhas, assim que meu pau se
instala por completo dentro dela. Minha mão se ergue para seus seios e vejo
a forma sensível que estão ao meu toque. Começo a me mexer, com um
entra e sai lentamente, a fodendo. Beijo seu pescoço e mordo-o de leve,
sentindo a quentura infernal que é estar dentro dessa terrível Messalina.
— Sir... Oh, Deus!
— Apenas deixe sua natureza te guiar para fazer o que deseja. —
Mordo seu pescoço com força e fecho meus olhos, a marcando como
minha.
Auxilio seu quadril com minha mão agarrada a ele, o fazendo se
mover para frente e para trás, com ela fazendo o que eu mandei, se
libertando, deixando a natureza dela solta. Seu quadril se move e nos
embala, com sua bunda colada em minhas pernas e meu pau enterrado
dentro dela, me torturando a cada vai e vem da sua pélvis. Ela se contorce
mais ainda, pressionando seus quadris enquanto eu massageio seus seios. O
corpo agitado sobre o meu está em brasas, com ela esfregando sua cabeça
em meu peito, como uma gata manhosa.
— Oh, Deus, isso é bom... — Eva faz o que a sua natureza pede,
requebrando seu quadril enquanto me esfola com sua boceta, se apertando
em volta do meu pau, o comprimindo como um punho quente e macio.
— Porra! — rosno com mais agonia, sendo devastado por Eva e sua
inocência se descobrindo em meus braços.
Sua cabeça tomba e abre seus olhos negros e brandos, com um
sorriso em sua face. E assim, olhando para ela tão livre em sua forma
submissa e entregue, algo escuro vai preenchendo meu peito, um predador
que se agita, feroz, e que fica orgulhoso e selvagem por saber que ela é
nossa, que mataria qualquer filho da puta que tivesse essa visão da sua face
chegando ao orgasmo, com seu corpo tremendo de prazer, que pertence
apenas a mim. Meu corpo se move e a empurro para frente, a fazendo se
apoiar na borda da banheira, deixando seu quadril empinado, enquanto meu
quadril estoura com força e a fodo tão forte, que poderia quebrar a porra da
banheira, a partindo ao meio, e ainda assim manter meu pau fundo e
descontrolado fodendo Eva.
— Ohhhhhh! — ela geme mais alto, gozando no meu pau. Meu
peito cobre suas costas e a prendo pela cintura, cravando meus dentes com
fúria em seu pescoço, a fodendo mais duro e bruto, sentindo meus dentes
perfurando a pele.
Eva se encolhe e choraminga, enquanto seu corpo treme abaixo do
meu, tendo meu pau explodindo mais três vezes dentro dela, antes do meu
próprio gozo chegar. Abraço sua cintura e inalo o ar depressa, ouvindo a
dela tão agitada quanto a minha. Minha boca se abre e solto seu ombro,
vendo as gotas vermelhas escorrendo por ele, com a marca da minha arcada
dentária tatuada em sua pele. Minha língua escorre sobre ela e lambo seu
sangue lentamente, sentindo como se fosse uma droga que já está
entranhada em meu organismo.
Sangue, carne e pecado.
 

Meus olhos ficam parados no corpo pequeno deitado na cama, de


barriga para baixo. Sua pele nua se destaca entre o lençol vermelho, tendo a
manta de cabelos negros caindo por cima das suas costas. Fico em silêncio,
com minhas mãos nos bolsos da calça, parado no pé da cama, olhando-a.
Ainda estou tentando entender o que Eva tinha feito na sala de estar hoje
cedo, no café da manhã.
— Monsieur vai me levar para Paris? — Sua voz me pergunta
tímida, com ela abaixando e pegando a bengala.
Subo o zíper da calça e balanço minha cabeça em positivo. Estico
meus braços ao lado do corpo, para poder ajudá-la a se levantar.
— Sim, lhe disse que não ficaria mais sozinha, pequena Eva... —
Meu corpo congela, ficando estático, assim que sua face se inclina
rapidamente para frente e ela esfrega sua bochecha em minha perna.
Meu peito dispara, enquanto meus olhos ficam petrificados em Eva,
agachada à minha frente, como um filhote, esfregando seu rosto em minha
perna. Seu rosto se ergue para mim e ela sorri, tendo o olhar mais doce que
ela já me deu. Eva ergue sua cabeça e a deixa abaixo da minha mão, me
olhando como se esperasse por um afago, como um cão obediente. Meus
dedos se movem lentos, confirmando que é isso mesmo que ela deseja, e sua
bochecha retorna a se esfregar em minha perna, suspirando baixinho.
Minha mão se afasta dela, ainda em choque, e dou um passo para trás.
Anos entranhado de sadismo dentro de mim, com minha alma fodida por
Sodoma, me garante experiência suficiente para reconhecer uma
parafilia[34] quando a vejo diante de mim.
— Por que fez isso? — pergunto, rouco, esmagando minha boca
quando me agacho à sua frente e seguro seu rosto.
— O quê? — Ela me olha perdida, me deixando ver a inocência do
seu olhar, não compreendendo o que acabou de fazer.
— Isso, isso que acabou de fazer em minha perna, Eva. — Olho
seus joelhos tombados no chão diante de mim, em uma forma submissa.
— Eu estou feliz, apenas queria deixar monsieur saber que estou
feliz... — ela murmura, sorrindo, e inclina sua face para o lado, alisando
sua bochecha na palma da minha mão e fechando seus olhos.
Inalo o ar com força e fico sério, a encarando deitada na cama,
recordando da face calma dela, enquanto usava a palma da minha mão para
afagar sua bochecha. Não, ela não estava mostrando sua felicidade, Eva
estava entregando sua submissão. Seu pequeno ato, o qual alguma mente
abominável lhe instruiu a aprender tão bem, não é uma demonstração de
felicidade, é a confiança que um animal deposita ao seu dono: lealdade.
As batidas na porta da sala de estar por Marrie, tinham me
interrompido no segundo que iria lhe perguntar se foi Freire que lhe ensinou
a fazer isso. A voz da mulher chamando por mim, quebrou a conexão
quando os olhos de Eva se abriram, com sua face se afastando da minha
mão. Ela entregou a bengala para mim e abaixou sua cabeça, ficando com
suas mãos espalmadas em suas coxas, exatamente como Ramsés descreveu
que a esposa de Czar fez, e Stella também. A marca obscura em sua alma de
submissa alfa. Segurei seus ombros e a fiz se levantar, enquanto esmagava
minha boca, encarando a maldita porta, ouvindo a voz de Marrie me
chamando, avisando que tinha alguém esperando para falar comigo no
telefone da biblioteca. Tive que me afastar de Eva, para atender a ligação do
contador, que estava cuidando dos assuntos da empresa do meu pai, que eu
tinha quebrado de propósito, para lhe obrigar a vender. Quando retornei
para conversar com ela, a vi caminhando no jardim, distraída, admirando as
flores. Mas pelo resto do dia, a imagem dela ajoelhada diante de mim,
esfregando sua face em minha perna, ficou gravada em minha mente.
O som baixo das batidas na porta do quarto me faz girar meu rosto e
olhar para lá. Sei que o único para vir essas horas da noite em meu quarto
me chamar, é Edmundo. Caminho lento e destranco a porta, a abrindo e o
vendo parado do outro lado do corredor, com sua face abaixada e seus
braços atrás das costas, não se atrevendo a olhar o interior do quarto. Saio
do quarto e fecho a porta atrás de mim, olhando para ele.
— Lamento vir lhe incomodar essas horas, mas achei que gostaria
de saber que o que sir me solicitou, já tenho algumas informações.
— Ótimo! O que temos? — pergunto para ele e cruzo meus braços
acima do peito.
— Para ser franco, nada que ligue Freire ao convento, sir! —
Edmundo ergue sua cabeça e traz suas mãos para frente, estendendo um
envelope amarelo para mim. — Nem mademoiselle. Pelos arquivos, ela
nunca esteve naquele lugar, é por isso que os conselheiros do Egito e da
Rússia não encontraram nada. Mademoiselle nunca teve registro lá.
Abro o envelope e vejo as fotos lá dentro, passando uma por uma
lentamente.
— Alguém lá dentro devia ajudar Freire a esconder Eva! — rosno,
baixo, olhando o lugar, prestando atenção no pátio, nos muros altos e nas
poucas janelas. Um prédio digno para um presídio, não um colégio interno
de freiras. — Devia ajudar Freire a educá-la.
Rosno com raiva, odiando andar em círculos e não chegar a lugar
algum. Freire não podia ficar supervisionando Eva constantemente, alguém
lá dentro ficou responsável por educar Eva, a iniciá-la no mundo do
sadismo.
— Tente descobrir se alguém dentro desse convento ou na época
que ela estava lá, tinha alguma ligação com Sodoma. Quem ensinou Eva,
sabia exatamente o que estava fazendo. — Repasso as fotos, as olhando, e
dou a ordem para Edmundo enquanto observo os cômodos. Há algumas
crianças e freiras dentro das dependências, mas é na penúltima foto que
meus olhos focam com mais atenção. Reparo no material brilhante prateado
caído ao canto, perto da parede.
— Vou fazer isso, uma varredura...
— O que vê nessa foto? — A ergo e mostro para ele, enquanto meu
rosto se vira e encaro a porta do quarto, tendo meu sangue parecendo fogo
abrasando minhas veias.
— Um cômodo vazio, talvez um depósito pequeno ou um quarto de
limpeza. — Ele retira a foto da minha mão e a olha com mais atenção. —
Essa foto é da torre leste. Pedi foto de tudo, mas a pessoa apenas reportou
que a torre leste estava desativada há anos.
  — Mosieur me amarrou... — Sua cabeça nega e a balança
lentamente para os lados, com seus olhos cheios de dor e medo. — Não
quero ficar no escuro de novo, é vazio e solitário lá.
— Não sei se consigo entender o que é isso no canto, está meio
desfocado, para ser franco, penso que seja apenas um cômodo antigo.
— É um canil! — Meus dedos se esmagam lentamente, enquanto
sinto ódio crescendo dentro de mim. — E isso ao canto é uma corrente.
Viro meu rosto para Edmundo, que ergue sua face para mim no
mesmo segundo, estreitando seu olhar, enquanto eu entendo exatamente por
que não existe registro de Eva naquele lugar.
— Sir pensa que mademoiselle... — Ele se cala e olha novamente
para a foto.
— Não existe registro de Eva, porque ela não era uma criança
deixada naquele lugar, era o animal de Freire!
— Pardieu![35]
Edmundo não precisa de muito para compreender. Tanto eu, como
ele, tínhamos lido minuciosamente o dossiê de Ramsés, sobre a Ordem das
Messalinas, e como Mina era vista como uma cadela de raça para Valéria e
Freire, tanto que foi por isso que elas quiseram cruzar sua fêmea com um
dominador de Sodoma. Elas não viam mulheres, mas sim uma nova raça de
submissas, e ela estava aperfeiçoando Eva para ser sua cadela pessoal de
estimação. E agora finalmente começo a entender qual era o objetivo de
Freire com a criação de Eva dentro daquele maldito lugar.
CAPÍTULO 17

 
Meus olhos
 
Seita Gregovivk
 
Seis dias antes, em Moscou – Rússia
Nova sede de Sodoma
 
Balanço meu pé lentamente e o ergo em cima da mesinha de centro,
levando o copo de vodca à boca, sendo encarada por meu primo Czar, que
estufa seu peito para frente quando relaxa seus braços no encosto da
cadeira.
— Por que penso que não me chamou aqui porque estava com
saudade de mim? — Abaixo o copo da boca e retorço meu nariz, olhando
desconfiada para Czar.
— Porque fora minha sombra, a única pessoa que confio é você! —
ele responde rápido e bate as pontas dos seus dedos no encosto da cadeira,
me dando um olhar de quem irá fazer eu me arrepender imensamente por
ter vindo o ver.
— Talvez seja apenas porque não o conhece — falo e dou de
ombros. — Ramsés não lhe garantiu que Hector é um homem íntegro...
Me calo ao receber um olhar zangado do meu primo, que me deixa
saber que ele não está com muita paciência hoje.
— Não usaria íntegro para descrever um narcotraficante que possui
inúmeras mortes nas costas, Sieta! — ele fala e range seus dentes, se
levantando da cadeira e levando suas mãos ao bolso.
— Apenas um pequeno desvio de caráter. Sabe que nossa família
também presta alguns tipos de serviços que não são dentro da lei. — Bebo
minha vodca, ainda não entendendo exatamente o que Czar está querendo.
— O fato dele comandar o tráfico da França e ser responsável por
transportar toneladas de cocaína líquida pela Europa, não me incomoda,
mas sim ele ser um mestre de Sodoma que está há muito tempo afastado,
para agora estar cuidando de uma Messalina, sem ninguém
supervisionando.
— Acha que ele é algum perigo para ela? — Abaixo o copo, o
segurando em meus dedos. — Pelo que pude vasculhar do histórico que ele
tinha aqui dentro, não existe nada de alarmante, tem mestres e conselheiros
que praticam coisas piores. O que realmente está lhe incomodando, Czar?
— Depois da morte da minha mãe, meu pai nunca mais possuiu uma
submissa. — Czar inala o ar com força e fala sério, abaixando seus olhos
para a fotografia de Mabel, a sua esposa, que tem em cima da mesa. — O
vínculo entre ela e ele era extremamente forte, Sieta.
Sim, eu sei disso. Meu tio nunca mais tocou em mulher alguma
depois da morte da sua esposa, a mãe de Czar.
— Mas o que isso tem a ver com o senhor Pellegrini? — Olho para
ele, ainda não sabendo qual direção a conversa de Czar está tomando.
— Meu pai e minha mãe foram a prova viva que o elo criado entre
uma submissa alfa e um mestre, é algo que afeta os dois lados, e nem a
morte pode quebrar — ele responde sério, retirando a mão do bolso e
erguendo seu rosto para mim. — Pellegrini é um eremita, afastado há anos
de Sodoma, sem histórico algum por onde andou e passou, depois que ele
abdicou da cadeira. Julgo que ele não tem percepção do que pode acontecer
caso se vincule com ela sem interesse real da posse...
— Espera, por que está falando sobre a posse? — Começo a
entender o que está alarmando Czar, mas o que não compreendo é porque
ele disse posse. — Ele não está nessa apenas para ajudar a foder com o puto
do pai dele? Por isso está com a garota?
— Pela conversa que tive com ele recentemente, julgo que Hector
despertou a alma submissa dela.
— Oh, porra, não fode! — Retiro meus pés da mesinha e fico
chocada, olhando para o copo em minha mão. — Hector e a garota estão se
relacionando...
— Eu não sei, não tenho certeza. — Ele nega com a cabeça e fecha
seus olhos, respirando fundo. — Disse a ele que poderia lhe mandar para
cuidar dela, mas algo na expressão dele foi o que me alertou. Um
dominador sabe reconhecer a expressão de outro dominador, que não deseja
ter sua submissa afastada.
— Uau, isso me deixou sem nem saber o que dizer! — Viro o resto
da bebida, a tomando em um único gole, abaixando o copo em cima da
mesinha. — Agora entendi o porquê da conversa sobre o vínculo. Está com
medo de Ramsés querer levar a menina para o Cairo, para poder ficar junto
da irmã...
— Na verdade, estou com receio é de Hector não ter ideia do mal
que vai causar à jovem, se ele não estiver realmente interessado em ser o
dominador dela — Czar fala seriamente e estreita seu olhar quando encara a
foto de Mabel. — Elas são como pássaros que não voam, Sieta. Ao se
vincularem a um mestre, nunca mais irão aceitar outros. Para uma submissa
como ela, não ter um mestre já seria difícil, mas ter um e depois ele a
deixar, a fará morrer em vida, como aconteceu com o meu pai depois que
minha mãe morreu.
— Um elo que afeta os dois lados — murmuro, compreendendo
agora por que ele falou sobre o sofrimento do meu tio, por nunca ter
possuído outra submissa.
Era o elo entre ele minha tia. Caso as suspeitas de Czar estejam
certas e a jovem tenha criado o elo com Pellegrini, e ele a deixasse, isso a
definharia, porque ela nunca mais teria um outro mestre. Tiro isso por base
em Mabel, a esposa de Czar. Ela é tão viciada no meu primo e dependente
emocionalmente dele, quanto ele dela, que causaria uma desgraça na vida
dos dois se fossem separados. Isso sem falar em Ramsés, que parece um cão
de guarda perto da sua jovem esposa. Eu precisei vê-lo pessoalmente com
Stella, para poder acreditar que Ramsés de Naca tinha sido laçado por uma
submissa, e é visível a adoração que ele tem pela sua esposa.
— Acha que ele a abandonaria?
— Eu não sei, não o conheço, e não confio no que eu não conheço.
— Ele se senta em sua cadeira novamente, me olhando sério. — Por isso
preciso que você seja meus olhos.
— O QUÊ? — Me levanto em um rompante e o encaro cética, sem
ter certeza do que ele acabou de me falar.
— Quero que a veja e descubra se a jovem está bem. — Ele sorri de
forma sacana para mim. — Sabe que é a única que confio para me dizer
realmente se ela corre algum perigo nas mãos dele.
— Oh, grande merda! Confia em mim, e só por isso eu tenho que
ser louca em aceitar essa missão suicida, em ficar de olho em Hector
Pellegrini?! — Esmago meus dedos ao lado do corpo. — Hector Pellegrini,
o mesmo cara que Ramsés precisou de quarenta mercenários para poder se
aproximar dele?! Está me mandando para a cova do lobo e nem esconde seu
sorriso de filho da puta em me sacanear, Czar!
— Não estou te mandando para uma missão! — Ele pisca para mim
e ri, negando com a cabeça. — Mas sim de férias para a França. Veja isso
como uma folga!
— Está louco! Férias seria eu em Cuba, participando de uma orgia,
ir para a França é jogar roleta-russa com um traficante de sangue azul! —
rosno com raiva, odiando Czar nesse segundo mais que tudo. — E me fala,
como acha que vou conseguir me aproximar da garota, se nem Ramsés, que
é Ramsés, conseguiu chegar perto de Hector sem ter quarenta mercenários
armados, para chamar a atenção dele?!
— Não preciso de quarenta homens armados para encontrar uma
pessoa, Sieta, apenas um IP rastreável, e Hector Pellegrini me deu no dia
que fez uma chamada de vídeo comigo! — Czar sorri e abre uma gaveta,
jogando um aparelho de rastreamento por satélite em minha direção. O
pego no ar e olho a tela do aparelho brilhando, com o GPS ligado. — Invadi
o sistema do computador dele, e através da rede de internet, encontrei outro
aparelho móvel detectado na casa. Hector não usa aparelho celular
justamente para não ser rastreado, apenas seu cão de ataque, Edmundo. E
pelo que Ramsés me reportou, Edmundo não dá dois passos sem estar à
sombra do seu patrão. Siga o sinal e vai achar Hector. Sonde de longe, não
precisa ter contato, vai saber se ela está segura perto dele.
Czar me fode por cada lado, se antecipando e marcando os passos de
Hector e me deixando sem saída para poder dizer não, já que agora não
tenho mais desculpa para não rastrear Hector Pellegrini. Meu primo leva a
mão à gaveta e pega um envelope, enquanto se levanta. Me dá um sorriso
cretino e caminha em minha direção.
— Será apenas umas férias, aproveite. Descanse e me mantenha
informado sobre a segurança da jovem. Assim que tiver certeza de que está
tudo bem, me avise, e eu lhe tiro da França. — Ele estende o envelope para
mim, rindo, e dá uma batidinha em meu ombro. — E se apresse, o carro já
está te esperando lá embaixo, para te levar ao aeroporto.
— Como assim me esperando lá embaixo? Eu preciso fazer as
minhas malas ainda. — Pisco, confusa, olhando sem entender para ele. —
Tenho que pegar minhas princesas — falo, séria, me referindo às minhas
automáticas.
— Não será preciso, como disse, está de folga, não irá levar nenhum
tipo de arma, Sieta.
— Tá me sacaneando de propósito? — indago, em choque, não
acreditando que ele está me proibindo de levar minhas princesas. — As
princesas não são armas, praticamente são minhas filhas...
— Suas filhas automáticas de calibre 12 ficarão na Rússia! — Czar
soa mais firme, me deixando saber que não terá meio-termo. — E quanto às
suas malas, não se preocupe, alguém já as fez para você. — Czar assobia e
se afasta, enquanto abro o envelope e olho duas passagens de avião no
interior do envelope.
— Espera, por que tem duas passagens aqui?
— Pois é, como eu disse, são férias! — ele responde e retorna a
assobiar, indo na direção da porta. — E ninguém gosta de sair de férias
sozinho!
Meus olhos se arregalam assim que olho o segundo nome na
passagem de avião, soltando um grito de ódio.
— CZARRRRRRR!
 

Paris – França, tempo atual


 
— É aquele bonitão saindo do carro que estamos espiando? — A
voz baixa fala ao meu lado, apoiando seu rosto em meu ombro, olhando
para o homem saindo do carro do outro lado da rua. — Ele é tão elegante...
Talvez você e Czar tenham se enganado dessa vez...
— Aristocratas e criminosos têm muito em comum, não se engane
pela roupa. — O estudo, vendo o terno de grife sob medida em seu corpo, o
dando um ar ainda mais de homem poderoso. — Ambos são egoístas e têm
acesso a dinheiro facilmente, sem ter que trabalhar honestamente. E para
completar, ambos não se interessam pelas leis ou a moral burguesa. E
quando se tem os dois traços no sangue, acaba tendo a fórmula perfeita para
ser um narcotraficante sanguinário, o que faz Czar e eu ter certeza de que
não estamos enganados a respeito do senhor Hector.
— Uma vez transei com um francês, foi o melhor sexo oral que
ganhei em minha vida!
— Oh, meu Deus! — Viro meu rosto para a mulher sorridente ao
meu lado, que solta a frase mais aleatória, mudando completamente o
assunto. A fuzilo com meu olhar e balanço meu ombro, para que ela
desencoste. — Não vamos falar sobre os caras que você transou!
— Por quê?! Não vejo problema algum em falar sobre minhas
transas. Sou velha, não uma virgem pura! — Ela volta a olhar para a janela,
encarando Hector Pellegrini, arrumando a manga do terno e endireitando a
bengala em sua mão esquerda. — E aquele francês ali, eu treparia até ter
um deslocamento no meu fêmur.
— Porra, eu quero entender o que passou na cabeça oca de Czar em
mandar você junto comigo, mãe! — rosno, baixo, e cruzo meus braços
acima do meu peito, encarando o filho da puta engomado no terno, do outro
lado da rua.
— Ainda bem que alguém pensa em mim, porque se dependesse da
minha filha, eu seria uma estranha para sempre na vida dela — minha mãe
tagarela, falando em meu ouvido. — Aquilo saindo do carro é uma
adolescente?
Me arrumo na cadeira no segundo que vejo o topo da cabeça saindo
do carro. A jovem, que pela primeira vez consigo ver, desde que cheguei à
França, parece uma adolescente, com uma fita vermelha amarrada no
cabelo, um vestido branco soltinho até a canela, de manga comprida, com
um laço na cintura e sapatinhos baixos nos pés. Czar tinha me passado um
relatório sobre Eva. Ela já é maior de idade, mas qualquer um que vê-la ao
lado do elegante francês, com sua face mal-encarada, pensará que é uma
adolescente que foi adotada por ele.
— Cristo, ela parece uma menina! — Inalo o ar com força, odiando
ainda mais Valéria e Freire, e juro que se a puta de Freire não tivesse se
matado, eu mesmo daria um jeito de matar aquela cadela desgraçada.
Olho mais atenta para eles, reconhecendo o cão de caça de Hector
pelas fotos que Czar me passou. Edmundo fica parado perto do carro,
enquanto Hector caminha para a calçada, sendo seguido pela jovem, que
caminha cabisbaixa atrás dele, olhando para o chão, com os braços à frente
do corpo e com seus dedos presos um ao outro.
— Acha mesmo que eles estão tendo algo? — minha mãe me
pergunta, cética, olhando a forma como ele anda à frente da jovem.
— Isso que eu quero descobrir...
Me calo, não perdendo o movimento da mão dele, quando para à
frente da entrada do grande hotel de luxo e dá um passo para o lado,
trocando a bengala de mão, deixando a jovem passar em sua frente. O gesto
quase comum, que não seria percebido por alguém fora do nosso mundo,
podia ter passado despercebido, se não fosse a forma dominadora como ele
repousa a mão nas costas dela, marcando território, como um dominador de
Sodoma faz.
— Porra! — Repuxo meu nariz e inclino meu corpo para frente,
olhando o anelar que escorrega lento, fazendo círculos lentamente em suas
costas.
— Qual a idade dela mesmo? — Yelena me pergunta, baixinho,
mantendo seus olhos curiosos na mesma direção que eu.
— Dezenove.
Inalo o ar com força e repasso o dossiê sobre Hector Pellegrini em
minha mente. Hétero, na faixa dos trinta e sete anos, tem habilidades
interessantes com cordas e aprecia a prática de shibari[36]. Mas, ainda assim,
não tinha nada relatando qual era sua especialidade, que o fez se
transformar em um mestre dentro de Sodoma. Sádico, talvez dominador,
com toda certeza ele é um fodido dominador. Seus olhos presos na pequena
face da jovem confirmam isso, mas tem alguma coisa que está faltando e eu
ainda não descobri.
— Tem mais alguma coisa — murmuro, pensativa, o estudando,
acompanhando a forma como ele se mantém sério ao lado dela. — Qual a
sua praia, garotão?!
— Dá para sentir a emanação da posse dele sobre ela daqui —
minha mãe fala e dá de ombros ao meu lado, o que me faz olhar para ela. —
Não consegue notar?
— Como assim?
— Daddy Kink[37]! — Pisco, confusa, estreitando meu olhar.
— Tá de sacanagem? — Abro minha boca e viro para a janela, o
olhando a levar para dentro do hotel. — Sério, acha que está rolando uma
relação dessas ali...
— Pelo que estou observando, se não está, falta bem pouco! —
minha mãe diz de forma prática, erguendo sua xícara de chá e a levando à
boca. — Esses tipos de homens poderosos, como ele, com toda certeza
possuem uma atração por inocência.
— Czar vai pirar quando souber disso. A dependência dela será duas
vezes maior. — Esfrego meu rosto, pensando se minha mãe pode estar
certa. — Foi muito rápido, não temos como ter certeza sobre isso.
— Siezinha... — Ela me cutuca e abaixa sua xícara de chá para a
mesa.
— Não me chame assim, mãe, pelo amor Deus! — rosno, baixo,
encarando o outro lado da rua.
Não é uma relação comum em nosso mundo, como seria entre um
sugar daddy e uma sugar baby. Um Daddy Kink eleva o nível para outro
patamar, algo mais sério. Se apegam rápido às suas submissas, tomando
controle de tudo que possa estar ligado a elas, não seria apenas suprir as
necessidades da sua sub baby, como um sugar daddy faria. Se Hector
Pellegrini for realmente um Daddy Kink, se enquadraria na dependência
exclusiva de cuidar da pequena Eva.
— Sieta! — Minha mãe me cutuca novamente, me chamando
baixinho.
— Mãe, estou tentando pensar, preciso entender que porra está
acontecendo...
— Amor, melhor pensar que porra vai acontecer agora! — ela
tagarela e ri, nervosa, batendo seus dedos em minhas pernas. — A gente
tem companhia.
— O que... — Me viro para olhá-la, mas meus olhos ficam presos
no gigante loiro, parecendo um armário musculoso, imóvel, perto da nossa
mesa, com seus braços parados na frente do corpo.
Rosno, baixo, olhando outro grandão que está parado diante da porta
do café, com suas mãos no bolso da calça, me encarando e dando uma leve
balançada de cabeça para os lados, como se me avisasse para não tentar
reagir.
— S’il vous plaît[38]! — Volto o olhar para o cara ao lado da nossa
mesa, que está com sua mão no braço da minha mãe, a erguendo, enquanto
mantém seus olhos nos meus. — Nos acompanhe, conselheira de Sodoma!
Meu rosto gira para o hotel e vejo o cão de ataque de Hector ainda
encostado no carro, com seus olhos vidrados na direção do café, do outro
lado da rua, me encarando.
— Cretino, filho da puta! — rosno com raiva e esmago meus dedos
ao lado do corpo, me levantando, sabendo que fui descoberta.
Estou odiando Czar duplamente, por ter me mandado para essa
porcaria de viagem sem uma arma, sem munição e ainda por cima com
Yelena a tiracolo.
 

 
— Não precisa empurrar, seu merda! — esbravejo com raiva e giro
meu rosto para o grandão loiro, quando ele me empurra para dentro de uma
sala. — Onde está minha mãe?
— Está sendo bem cuidada, conselheira Sieta. — Fecho meus olhos
e inalo o ar com força, no segundo que a voz masculina fala baixo atrás de
mim. — Me intriga pensar que até alguns meses atrás, a existência de
Sodoma para mim era irrelevante, assim como eu era para vocês. E agora,
em um curto espaço de tempo, sou agraciado por duas vezes ao ser visitado
por conselheiros de Sodoma.
Abro meus olhos e encaro o loiro filho da puta, que fecha a porta na
minha cara enquanto se retira. Arrumo a manga da minha jaqueta e me viro
lentamente, deixando meu olhar parar em Hector Pellegrini, sentado em
uma cadeira de couro vermelha, tomando uma taça de champanhe.
— Estranho, não acha? — Ele balança a ponta do seu sapato, depois
que cruza suas pernas. Seu braço se estica e ele aponta para uma cadeira à
sua frente. — Sente, senhorita Sieta, e beba uma taça de champanhe
comigo.
— Eu estou bem de pé — falo séria, passando meus olhos pela sala
luxuosa, vendo a porta dupla branca na parede da esquerda. Retorno meus
olhos para ele, que se mantém feito uma cobra, sentado, aguardando para
dar o bote.
— Que seja! — Ele dá de ombros e vira sua taça de uma única vez,
antes de a deixar sobre a mesinha ao lado. — Bom, me conte, ao que devo a
honra de estar sendo espionado por Sodoma?
— Espionado? — falo de forma tola, como se não entendesse do
que está falando. — Estou apenas de férias, com minha mãe...
Me calo no segundo que o olhar azul fica mais perigoso e se estreita,
com ele me encarando.
— Por favor, não me insulte, não quando tenho conhecimento da
sua presença desde o segundo que pisou em solo francês. — Sua boca se
esmaga, com suas narinas se dilatando e sugando uma lufada de ar pesada.
— Por que Sodoma está me espionando, a mando do conselheiro de
Moscou?
— Não confiamos em você! — Sou clara e direta, indo ao ponto, já
que não existe motivos mais para mentir. — Especificamente, Czar e eu não
confiamos em você, não tem nada a ver com Sodoma. Não é nada pessoal, e
nem leve isso a sério, mas os Gregovivk não são conhecidos pela sua
guarda baixa, ainda mais quando se trata de uma submissa alfa perto de um
Pellegrini.
Me mantenho parada, o encarando, não desviando meus olhos dos
seus, vendo o sorriso frio se esboçar em seus lábios. Ele gesticula
lentamente sua cabeça para frente e para trás. Meu rosto gira quando a porta
atrás de mim é aberta por seu cão de ataque engomado, no terno de
alfaiataria, que me encara, como se esperasse sua ordem para me dilacerar.
— Franqueza é uma característica rara nos dias de hoje, conselheira
Sieta! — Minha face retorna para Hector Pellegrini quando ele fala sem
muita emoção, estalando a língua dentro da boca. — Posso ao menos saber
por que sou agraciado com as desconfianças dos Gregovivk?
— Como bem já sabe da história — o respondo calma e passo meus
olhos pela janela, buscando por alguma saída de emergência, caso precise.
— A última vez que uma submissa alfa ficou nas mãos de um Pellegrini, a
jovem não teve um final feliz.
Paro meus olhos nos seus e vejo sua boca se esmagar, enquanto um
rosnado baixo sai dos seus lábios, sendo direcionado para mim.
— Lhe aconselho que meça suas palavras, conselheira de Sodoma.
— Meus olhos ficam fixos nos seus dedos quando ele puxa a bengala, que
está apoiada na lateral do seu assento, a esmagando em seus dedos. —
Principalmente quando quiser me insultar me comparando ao meu pai.
— Sugiro que você...
— Veio me matar? — Minha voz se cala, tendo minhas palavras
sendo cortadas pela voz baixinha que pergunta nervosa.
Meu rosto e o de Hector Pellegrini se viram na mesma hora para as
portas duplas que estão entreabertas, com a jovem me olhando com medo,
parada em frente a elas.
— Eva! — O rosnado baixo de Hector se faz, com ele se levantando
ao vê-la me olhando assustada.
A face da jovem pequena e delicada, que demonstra ser ainda mais
baixinha de perto do que nas fotos, olha para ele apenas uma única vez,
mordendo o cantinho da boca, antes de retornar seus olhos para mim.
— Ela veio para me matar? — Seus dedos se prendem na lateral do
vestido, enquanto abaixa seu olhar para o chão.
— O que... — Fico perdida por um segundo, antes de compreender
sua pergunta. Rapidamente nego com a cabeça. — Não, não vim aqui para
lhe ferir, Eva, jamais...
Antes que possa dar um passo à frente, o movimento lento se faz ao
meu lado, me deixando ver a aproximação de Edmundo. Permaneço parada,
sabendo que ele me derrubaria antes mesmo de chegar a me aproximar um
passo que seja da jovem Messalina.
— Vim aqui porque desejo saber se está bem, se está segura. —
Abaixo o tom de voz, falando calma com ela, para que saiba que não sou
uma ameaça.
— Segura? — Sua cabeça se ergue e ela me olha perdida, tombando
sua face para o lado. — Segura com monsieur ou de Sodoma?
— O quê? — Olho perdida para ela, negando com a cabeça. — Não,
está entendendo errado...
— Sodoma ordenou matar a minha mãe. — Eva me cala, me
deixando sentir a dor que está dentro dela enquanto as palavras saem
lentamente e finalmente me deixa compreender seu olhar de medo. —
Mandaram você aqui para me matar, como fizeram com ela?
Minha face gira para Hector, que tem sua boca se esmagando,
enquanto respira com força, demonstrando sua ira na veia que lateja rápido
em sua garganta, me encarando com ódio, o qual, com toda certeza, se não
fosse a presença da pequena Eva, o faria me atacar como um cão raivoso.
Os cachos negros da pequena entram no meu campo de visão quando o
corpo dela para a frente do dele, ficando de costas para mim, com sua
cabeça cabisbaixa, encostada no peito de Hector. Os dedos esmagados na
lateral do terno dele, buscam proteção. A boca de Hector se comprime e ele
abriga o corpo pequeno da jovem com seu braço esquerdo, a fazendo ficar
colada a ele.
— Sieta não veio lhe ferir, pécheur. — Sua voz é baixa e usa um
tom calmo para conversar com ela, mantendo os olhos cravados em mim.
— Ela deseja saber se está segura, se eu não lhe machuquei...
— Como machucaram a minha mãe? — A voz dela sai baixa e vira
sua face, encostando as bochechas no peito dele.
— Oui!
Respiro fundo e ergo minha mão, a esfregando em minha nuca,
enquanto tenho vontade de chutar meu rabo por ter comparado ele com seu
pai. Não tinha ideia que ela estava do outro lado da sala, e muito menos que
Eva já sabia sobre sua mãe e Sodoma.
— Eu apenas queria ter certeza de que está bem, Eva...
— Monsieur não me machuca. — Sua resposta é rápida, quando vira
sua face para mim, me deixando ver o elo entre ela e ele refletido em sua
submissão diante de Hector.
Dou um sorriso fraco, apenas balançando a cabeça em positivo, e
solto um suspiro, vendo com os meus olhos o que Czar já desconfiava.
Hector e Eva tinham se unido em uma relação submissa alfa e mestre. E ao
julgar pela forma como os olhos azuis de gelo estão cravados em minha
face, penso que o medo de Czar não tinha que ser em Hector se afastar de
Eva, mas sim alguém querer a tirar dele.
— Fico feliz em saber que está bem e segura, Eva. — Busco pelas
palavras corretas para conversar com ela, para que saiba que não estou aqui
como conselheira de Sodoma, mas sim como uma pessoa que estava
preocupada com o bem-estar dela. — Foi o que me trouxe a você, apenas
sua segurança.
— Eu estou segura — ela responde e me dá um sorriso de ladinho,
antes de retornar sua face para o peito de Hector, se encolhendo no braço
dele.
— Bom, acho que então essa é a minha deixa! — Bato meu pé no
chão, falando apressada, já imaginando o chute que vou dar no rabo de Czar
quando chegar a Moscou.
— Edmundo lhe levará até seus aposentos, conselheira — Hector
fala sério, se mantendo rente junto a ela, apertando ainda mais forte sua
cintura. — Será uma honra lhe ter hospedada como minha convidada em
meu hotel, junto com sua mãe.
Meu rosto se vira para Edmundo, que está parado ao meu lado, me
encarando com sua face fechada, parecendo uma sentinela pronta para o
ataque.
— Tenho certeza de que não recusará, não é?! — As palavras
calmas, que disfarçam muito bem sua ordem, me fazem olhar para Hector.
— Assim poderá apagar qualquer traço de dúvida que ainda reste sobre a
segurança de Eva.
— Claro, por que não?! — Dou um sorriso sem emoção, ciente que
acabei de ficar presa na cova do lobo.
— Ótimo. Edmundo, acompanhe a conselheira Sieta até seus
aposentos, creio que as malas dela e da sua mãe já devam ter chegado.
Ele mantém o olhar frio enquanto me encara, a protegendo como se
pensasse que eu a arrancaria dos seus braços e sairia correndo para fora
desse quarto, deixando as palavras da minha mãe se afirmarem, mostrando
abertamente diante dos meus olhos o Daddy Kink em seu modo de ataque e
protetor ativado, cuidando da sua posse. Se um sádico é incontrolável
quando algo assusta sua submissa, sendo mais cruel que um dominador, um
Kink é três vezes pior. Um inimigo que nunca vai querer ter, são como
lobos gigantes, que andam em duas patas, com a mente focada em um único
objetivo: proteger seu brinquedo inestimável, de tudo e, principalmente, de
todos que possam representar alguma ameaça para sua submissa.
— Espere que não se importe, de eu ter tomado a liberdade de
encerrar sua conta no hotel que estava hospedada.
Nego com a cabeça e inalo o ar com força, me virando e seguindo o
maldito segurança, que me escolta na direção da porta. Ele a abre e sai
primeiro. Minha face gira rapidamente por cima do meu ombro e olho
Hector se sentando na cadeira, com ela subindo em seu colo, ficando
encolhida, apoiando seus pés descalços nos joelhos dele, com a cabeça
encostada em seu ombro e os olhos negros que se fecham, assim que os
dedos magros e longos de Hector afagam seus cabelos. Sua face se inclina e
ele murmura algo no ouvido dela, me deixando ver o pequeno sorriso nos
lábios da jovem, antes que Edmundo feche a porta na minha cara,
apontando para a direita no longo corredor.
— É, agora está explicado por que não achamos nada sobre ele fora
de Sodoma! — Mordo o canto da minha boca, tentando assimilar tudo que
acabei de ver, andando a passos lentos, sendo seguida por Edmundo, que
me escolta.
 

— Me diz que sabia que Hector Pellegrini era a porra de um Daddy


Kink quando me mandou vir atrás da garota?!
— Eu desconfiava, mas não tinha certeza. Gusto Pellegrini também
era, imaginei que o neto podia ter herdado esse traço. — Fecho meus olhos
e respiro fundo, esmagando o celular em minhas mãos, desejando ser a
garganta de Czar. — Por isso lhe mandei...
— Cretino de merda! Tem ideia de que eu quase perdi meu pescoço
no segundo que ele me viu como uma ameaça para ela?
— Também pensei nisso, ainda mais quando sugeri a ele que você
fosse buscar ela, e ele recusou. — Ouço a risada de Czar, enquanto
confessa suas merdas.
— Porra, por que me mandou mesmo assim, Greg? — rosno, baixo,
soltando o peso da minha bunda na cama. — Se ela não tivesse na sala, ele
arrancaria meu couro, podia ver isso no olhar dele...
— Menos, Sieta. Hector não iria lhe atacar, ainda mais que você
não representa uma ameaça real a ela. — Escuto a voz dele enquanto jogo
minhas costas para trás, me deitando na cama.
— Por isso me mandou para cá sem minhas armas, seu cretino! —
Abro meus olhos e encaro o teto.
Czar já sabia que Hector descobriria que eu estava o sondando, por
isso não me deixou vim armada.
— Você teria mais chances de chegar perto dela do que eu, como eu
previa. Hector não deixaria eu me aproximar se eu tivesse ido — Czar fala
baixo. — Como está a ligação entre os dois?
— Alta, extremamente alta, e de uma forma assustadora, se quer
saber — o respondo, me lembrando do olhar dela encarando o chão,
enquanto conversava comigo.
— Explique-se.
— Ela exala submissão, Czar — digo, pensativa. — E Hector está
visivelmente ligado a ela. Não sei há quanto tempo estão mantendo a
relação, mas é quase palpável a submissão dela diante dele. O olhar dela
permaneceu baixo durante grande parte da conversa, como se soubesse que
não podia me olhar nos olhos, em respeito ao seu mestre... Isso é uma coisa
que demora algum tempo de ligação entre um dominador e uma submissa
para obter...
— Eva é discípula de Freire, Sieta, tenho certeza de que a
submissão já foi programada dentro dela desde o segundo que nasceu da
barriga da sua mãe. — Meu primo respira fundo e solta o ar pesado pelo
outro lado da linha. — O que julgo que acabou sendo fortuno para você...
— Como assim? — Me levanto e sento-me na cama, perguntando
para ele.
— Se Hector está tão protetor assim em relação a ela, o fato de Eva
manter os olhos abaixados, não lhe encarando por muito tempo, acabou
salvando sua pele e acalmando o mestre dela.
Fico em silêncio, recordando da voz dela. Eva abriu a porta no
segundo que Hector e eu estávamos começando a discutir. Naquele
segundo, não tinha prestado atenção, pensei que ela apareceu porque ouviu
a gente conversar sobre Sodoma. Mas agora lembro dela caminhando para
ele, escondendo sua face em seu peito, para ele poder abraçá-la. Não era
porque ela estava assustada comigo, mas sim porque ela queria acalmá-lo, o
deixar saber que ela não sairia do seu lado.
— Uma alma submissa reconhece uma dominadora — sussurro,
compreendendo o que Eva fez.
— Exatamente, e isso vale duas vezes mais quando se é educada
por Freire. — Ouço o som da cadeira de Czar rangendo, enquanto ele
provavelmente se levanta, seguido de sons de garrafas. — Ela está ligada a
ele de um jeito...
— De um jeito que é mais perigoso ele estraçalhar qualquer um que
queira afastá-la dele, do que ele a deixar — completo sua frase de uma
forma que Czar compreenda o quão forte está o vínculo de Eva com
Pellegrini. — É como ver um rottweiler cuidando de um filhotinho de gato,
ele não vai se afastar dela, Czar. É um dominador que tem em sua posse
algo valioso demais para ele, o que o faz ficar ainda mais perigoso. Não
para ela, mas já não posso dizer o mesmo para quem se aproximar.
— Tia Yelena a viu? — ele pergunta, baixo. — Chegou a conversar
com ela?
— Viu, mas foi apenas de longe. — Repuxo meu nariz e me levanto,
caminhando para a porta ligada ao meu quarto e a abrindo, vendo minha
mãe apagada na cama. — Acredita que enquanto eu estava lá, quase sendo
estrangulada por Hector, ela estava no quarto, ficando chapada com o
segurança?! Quando cheguei, ela estava passando uma receita de chá de
cogumelo alucinógeno para ele!
Nego com a cabeça e fecho a porta do quarto, esfregando minha
face. É como ter uma filha de cinquenta e oito anos.
— Ainda não acredito que me fez trazê-la para a França!
— Preciso que tia Yelena converse com ela, que descubra algumas
pistas que nos leve a entender o que Freire tinha em mente com a menina...
— Tomou chá de luz de novo com a Mabel? — Nego com a cabeça,
sabendo que isso está fora de cogitação. — Sem chance da mamãe jogar
com Eva, como ela fez com Mabel. Hector decepa o braço dela antes que a
mão de Yelena encoste na face de Eva!
— Não, não estou querendo que Yelena jogue com Eva, como fez
com Mabel, e muito menos a embriague — ele fala rápido. — Mas sim que
decifre a menina. Existem muitas lacunas abertas que Yelena pode ajudar a
descobrir. Ela, melhor do que ninguém, compreende as Messalinas.
— Por isso a mandou para cá... — Cretino sorrateiro, esse meu
primo! — Vou tentar descobrir o que mamãe pode fazer. — Inalo o ar com
força e esfrego minhas têmporas. — Aproveitar a estada que nosso anfitrião
nos ofereceu educadamente.
— Faça isso, e me mantenha informado!
Czar desliga a chamada, enquanto eu fico em silêncio, observando o
quarto luxuoso, no qual Hector Pellegrini nos hospedou.
 
CAPÍTULO 18

 
Pecadora inocente
 
Hector Pellegrini
 
Abro a porta do banheiro, estou secando meus cabelos e caminho
lento, com a toalha enrolada em minha cintura. Busco por Eva na cama,
onde eu havia lhe visto adormecida quando cheguei no quarto, após ter
ficado preso a tarde inteira, resolvendo assuntos do novo carregamento que
estarei fazendo pela rota da Europa, autorizando o pagamento de propinas e
acertando os pontos de entrega. Tentei, nesse meio tempo, retornar a ter
meu controle depois do encontro com a conselheira de Sodoma, evitando
me aproximar de Eva enquanto minha raiva não passasse. A cama vazia me
faz erguer meu rosto e paro meu olhar na pequena criatura inocente, que
está de costas para mim, parada de frente para a janela do quarto,
admirando a vista panorâmica da Torre Eiffel. O vestido branco comprido,
tão imaculado, lhe dá um aspecto ainda mais inocente, com seus cabelos
longos arrumados em um penteado, para ficarem retos, caídos em suas
costas, adornados pelo laço vermelho no topo da cabeça.
Cristo, eu sou um demônio que tinha se acorrentado a uma pecadora
inocente, que não tem ideia de como minha possessividade sobre ela fica
maior a cada segundo! Ando lento e seguro a toalha que secava meus
cabelos em minha mão, ficando atrás dela. Meus olhos se fecham enquanto
inalo o seu aroma profundamente, sentindo meus demônios ficando
apaziguados, por tê-la perto de nós.
— Ela é linda, não acha? — Sua voz soa baixinho e sorri, tombando
sua cabeça para trás e a encostando no meu peito, olhando para mim.
— Perfeita — murmuro, não olhando para o que ela admira, mas
sim para seus olhos brilhantes que parecem estrelas, ficando focados nos
meus.
— Eu também achei. — Eva retorna seus olhos para a janela e ri. —
É tudo tão vivo e cheio de cores do lado de fora, que nem sei o que gosto
mais de olhar.
Ela sorri mais alegre e vira, ficando de frente para mim. Seus olhos
se abaixam e param em meu tórax, antes de morder o cantinho da sua boca
e girar sua face para o lado. O movimento rápido em seu peito se faz, com
ela esmagando seus dedos ao lado do corpo.
 — Não precisa ter vergonha, Eva — falo, baixo, e inalo o ar com
força, esticando meus dedos e tocando em seu queixo, a fazendo retornar
seus olhos para mim. — Me dê sua mão, pequena.
Eva mordisca o cantinho da boca e ergue sua mão de mansinho, a
deixando estendida, com seus dedos abertos para mim.
— Seque meu corpo como eu seco o seu. — Os olhos negros se
arregalam e seu peito se move mais depressa assim que deixo a toalha em
sua mão. — Me seque! — Minha voz, mesmo em tom baixo, sai em
comando, para que ela saiba que estou lhe dando uma ordem.
A pequena cabeça se move em positivo rapidamente e ela prende a
toalha em seus dedos, me dando um sorriso envergonhado.
— Não precisa ter vergonha de olhar para o meu corpo, Eva, assim
como não deve ter vergonha de deixar o seu despido perto de mim — falo
calmamente com ela, soltando seu queixo e deixando meus braços soltos ao
lado do meu corpo.
Observo os tremores em seus dedos quando ela ergue a toalha e a
passa lentamente em meu pescoço. Sinto meu sangue pulsar mais rápido a
cada toque brando do calor morno da sua respiração em minha pele. Eva
passa a toalha lentamente, descendo-a até meu braço esquerdo em
movimentos iguais aos que eu faço em seu corpo quando a seco. Vai para o
outro braço quando finaliza o primeiro. Meu rosto gira e olho para a parede
direita, onde tem um grande espelho na parede, perto da cômoda, e observo-
a caminhar para trás de mim, erguendo a toalha para minhas costas. Eva
fica imóvel, com seus olhos atentos em meus músculos, olhando com
curiosidade. Seus olhos se erguem e ficam presos em meus ombros, me
deixando enxergar a mesma curiosidade com a qual ela estava me olhando
no dia que me espiou pela fresta aberta da porta do banheiro, enquanto eu
fodia a prostituta. Com inocência e receio, como se estivesse fazendo algo
errado. Inalo o ar com força quando meus olhos ficam presos na frente do
seu vestido, e noto a forma como os bicos dos seus seios estão começando a
ficarem pontudos por baixo do tecido.
— Fui o primeiro homem despido que você viu, Eva — digo, baixo,
e retorno a olhar para a janela, encarando a torre de metal. Não estou
fazendo uma pergunta, apenas constatando o que os olhos dela me contaram
naquele dia que ela me espiava.
— Sophia me contava sobre a diferença entre o homem e a mulher,
mas eu nunca tinha visto um homem nu pessoalmente. — Ela ergue a toalha
e retorna a me secar, a passando em círculos. — Eu tinha visto Nolan
tomando sol no jardim uma vez sem camisa. — Repuxo meu nariz e fecho
meus olhos ao ouvi-la citar o nome do jovem Romeu, o que me faz lembrar
da sua existência insignificante e como ele a segurou em seus braços no
jardim aquela tarde, quando o interrompi do seu avanço indesejado, em
tentar beijá-la. Tinha recebido uma ligação de sua mãe, Emanuelle, que
estava preocupada com o garoto, que havia desaparecido. Ela pensou que
ele pudesse ter vindo atrás de Eva. — Mas naquele dia que entrei no quarto
de monsieur...
— O que tem? — Abro meus olhos quando a voz dela sai baixinha.
— Foi diferente. — Giro minha face e a estudo, vendo seus pés
batendo a pontinha dos dedos no chão, enquanto se concentra em seu
manuseio com a toalha, secando minhas costas.
— O que foi diferente, Eva? — pergunto, sério, não desviando meus
olhos da sua face.
Como se soubesse que estou a observando, seus olhos se voltam
para os meus e me olha rapidinho pelo reflexo do espelho, antes de abaixar
sua cabeça e se mover para o lado, para secar a lateral da minha cintura. Sua
mão se atrapalha e solta a toalha quando me viro, ficando de frente para ela,
causando apenas o contato da palma da sua mão quente em minha pele. Eva
tenta puxar sua mão, mas seguro seu punho e mantenho sua palma colada
sobre meu peito. Sua respiração fica mais forte, com seus olhos negros mais
arregalados. Os movimentos rápidos do seu peito aumentam, o que me faz
encarar suas mamas, que estão escondidas abaixo do tecido, com os bicos
rígidos apontados para mim. Suas pernas se esfregam uma à outra e
comprime as coxas, com ela encarando seus dedos sobre meu peito.
— O que foi diferente entre ver o jovem tolo Romeu sem camisa, e
me ver nu dentro daquele banheiro, pécheur? — Inclino meu rosto para
frente e inalo o ar com força quando me aproximo do seu pescoço, sendo
um cretino maldito por apreciar a forma como a pele dela se arrepia, me
respondendo ao menor contato que seja.
Eva inala mais forte e solta um baixo gemido quando minha mão se
ergue e acaricia o bico do seu seio.
— Seu corpo não respondeu a ele dessa forma, pécheur? — Volto
minha face para trás, mantendo uma distância entre nós, e abaixo minha
mão, que acaricia seu seio, mas mantendo meus dedos presos em seu pulso,
para que ela mantenha seu contato com minha pele.
A cabeça de Eva se move rapidinho em negativo, respondendo
minha pergunta, mordendo o cantinho da boca. Ela faz eu me sentir o pior
diabo da face da Terra, por inflamar meu corpo com dominação e orgulho,
ao saber que fui eu que a despertei.
— Não me olhe assim, pécheur! — rosno, baixo, suavizando o
toque dos meus dedos em seu pulso, deslizando meu anelar por cima do
dorso da sua mão, vendo o ferimento que a bengala causou em sua pele, que
está cicatrizando.
— Como... como eu te olho? — Ela pisca seus longos cílios negros,
condenando minha alma fodida a ficar a eternidade inteira no inferno,
apenas por desejar tanto seus olhos negros doces, sempre presos aos meus.
Ergo meu olhar para sua face e solto seu pulso antes de dar um
passo para trás, soltando a toalha da minha cintura e a deixando cair no
chão. Eva respira mais forte, tendo o olhar dela preso em meu pau,
erguendo seus olhos rapidinhos para mim. Sinto uma fome descomunal por
ela, um desejo diabólico em lhe tocar e foder seu corpo, a marcando em
mente e alma como apenas minha, principalmente depois do encontro com
a conselheira de Sodoma antes do almoço, que me fez sentir todos meus
demônios aflorados apenas ao imaginá-la vindo tirar Eva de mim. E mesmo
fazendo a leitura corporal de Eva, ciente que ela não recusaria meu toque,
mesmo seu corpo ainda estando sensível do meu ataque feroz nele, quando
a fodi com urgência dentro da minha cabine do trem, não desejo causar
nenhuma dor que não seja a erótica. O corpo de Eva está sensível e a dor
seria maior que o prazer. Só que preciso que Eva entenda que não pode
existir vergonha entre nós, que ela pode olhar o meu corpo da mesma forma
que eu faço com o dela, que reprimir sua curiosidade está fora de cogitação.
Não deixarei mais brechas para ela ficar causando qualquer tipo de dor a ela
mesma, por não entender o que sente.
— Se ajoelhe, Eva! — O tom da minha voz muda, ficando mais
ríspida quando lhe dou a ordem.
E apenas como minha pequena e doce Eva consegue ser, sua alma
submissa fala mais alto, não protelando nem piscando antes de dobrar seus
joelhos diante de mim.
— Monsieur vai tocar em mim?
— Non, hoje você que vai me tocar. — Mantenho meus olhos presos
aos seus e falo em comando com ela.
Eva me olha apenas uma vez, antes de abaixar sua face em
submissão. Seus dedos tremem quando pega a toalha caída e a ergue para
me secar. Meus dedos se fecham ao redor do seu pulso e nego com a
cabeça.
— Não! Hoje lhe ensinarei a me dar prazer, Eva. — A faço soltar a
toalha, trazendo seus dedos para perto do meu pau, vendo seu olhar preso
no meu órgão. — Toque-me! — ordeno com a voz rouca.
As pontas dos seus dedos passam primeiro pela cabeça do meu pau,
levemente. Meu pau pulsa ao suave toque das suas mãos, me fazendo ficar
com a respiração acelerada. Meus dedos se fecham em volta dos seus sobre
o meu pau, lhe mostrando como deve me tocar. Ela se assusta e ergue sua
face para mim, tendo os olhos negros brilhantes fixos nos meus, com seu
peito arfando a cada inalada de ar.
— Suba a mão, pécheur, e desça lentamente — instruo Eva e
movimento sua mão junto com a minha, para ela que repita os movimentos.
— Está vendo, está me tocando igual como fez na banheira.
Eva mexe suas mãos como eu lhe ordenei, retornando sua atenção
para o meu pau, que se sente sordidamente bem ao receber as carícias dela,
enquanto sobe e desce lentamente. Retiro minha mão que cobre a dela e
estico meu braço para sua nuca, acariciando seus cabelos, mantendo meus
olhos na visão perfeita de Eva ajoelhada à minha frente, me fazendo sentir
ainda mais tesão enquanto me masturba.
— Um pouco mais rápido, pécheur! — Minhas veias queimam,
como se fogo estivesse correndo por elas.
Eva é perfeita e faz exatamente o que lhe ordeno. Suas mãos forçam
um pouco mais seu aperto em volta do meu pau, e acelera seus movimentos,
subindo e descendo. Sua face se ergue para meu rosto e me olha com
curiosidade. Meu maxilar se prende com força enquanto esmago minha
boca, não desviando minha atenção um único segundo que seja do par de
olhos negros, curiosos e sedutores. Ela retorna a olhar para o meu pau, e
antes que eu possa me preparar para o que ela fará, Eva me surpreende ao
abrir seus lábios e inclinar sua cabeça para frente, me pegando de surpresa.
Seus lábios se prendem em cima da cabeça do meu pau e toca a pele
sensível com a ponta da sua língua, que desliza com curiosidade, dando
leves pinceladas. Sinto meu corpo tremer por inteiro, com meu peito
disparando ao ter o calor interno da sua boca engolindo o meu pau.
— Eva! — Minha voz sai rouca, não conseguindo soar firme para
fazê-la parar.
Mas isso apenas a incita a continuar me tomando, abrindo mais seus
lábios e forçando sua cabeça para frente, repetindo os mesmos movimentos
que fazia com suas mãos, mas agora o faz com a boca, subindo e descendo,
fodendo a porra do meu cérebro enquanto ela me engole. E mesmo ciente
que deveria tomar o controle da situação, lhe castigando por ser
desobediente e tomar liberdade por conta própria, eu não consigo. Como
um fraco que acabou de encontrar a melhor tortura que sua boca pode me
causar, eu cedo à curiosidade dela.
Minha mão, atrás da sua nuca, aperta com um pouco mais de
pressão seu cabelo, a mantendo imóvel e empurrando meu quadril contra
sua face, a fazendo me tomar ainda mais em sua boca. Sinto o toque dos
seus dedos em minhas pernas, enquanto ela geme e me suga com pressão,
causando o raspar dos seus dentes superiores sobre a pele do meu pênis.
— Porra! — rosno, baixo, e respiro mais depressa, com meu pau
vibrando em sua boca. Esmago mais firme seus cabelos, a fazendo aliviar a
pressão dos seus lábios em volta dele. — Sem dentes, pécheur! — Ergo
minha outra mão e balanço meu dedo indicador em negativo à sua frente,
mantendo a cabeça dela imóvel e empurrando meu pau dentro da sua boca
com força.
Os olhos dilatados negros me encaram arregalados e estão
marejados, me deixando ver o brilho de lágrimas ao cantinho, com ela
tendo meu pau por inteiro dentro da sua boca, a ponto de eu poder sentir a
cabeça do meu pênis raspar a parede inteira da sua garganta.
— A menos que queira meus dentes marcando com o dobro de força
seu rabo!
Eva alarga suas narinas e inala o ar mais rápido, enquanto me olha
com um brilho arteiro em seu olhar. A pontinha dos seus dentes se fecha
sobre meu pau novamente, com ela me provocando, provocando a mim de
uma forma inocente e tão indecente diante da janela aberta, tendo a poucos
metros de nós um ponto turístico repleto de pessoas, as quais nem
imaginam que a imagem mais perfeita e gloriosa que se tem em Paris não é
da Torre, mas sim da Messalina arteira, ajoelhada diante de mim, com meu
pau fodendo a boca dela.
— Vou sentir muito prazer em lhe disciplinar, bébé[39]! — Sorrio
diabolicamente para ela, garantindo que compreenda que seu pequeno ato
de rebeldia terá um preço.
Meus olhos se fecham e minha cabeça tomba para trás, aliviando a
pressão em seus cabelos, lhe deixando continuar me sugando. Eva retorna a
me torturar, aumentando ainda mais as cadências que sua boca escorrega
por meu pênis, a deixando parar quase ao fim, perto da cabeça, antes de
retornar e o engolir com uma sucção, me fazendo saber exatamente como
aquela maçã caramelada se sentiu ao ter o prazer infernal da boca dela lhe
dando completa atenção. Minha doce Eva, pecaminosa e visceral em sua
inocência, que me destrói de dentro para fora, sendo a maldita e mais bela
ruína com a qual já me deparei.
Minha boca se abre e solto um rosnado alto, acompanhado de um
gemido, assim que meu corpo começa a tremer, tendo os músculos das
minhas coxas se enrijecendo, antes do meu pau libertar minha porra em
uma sequência de jatos sendo disparados dentro da boca de Eva. E ela, não
contente em apenas me fazer gozar diante dela como um garoto, ainda me
tortura com a curiosidade da sua língua quando desliza sobre a cabeça do
meu pau, o lambendo. Seus dedos deslizam por minhas pernas e ela afasta
sua boca assim que garante que não deixou uma única gota de porra para
trás. Respiro rápido, com meu corpo relaxado, e inclino minha face para
frente, olhando para a pequena destruidora e pecaminosa, ajoelhada,
passando a pontinha da sua língua no cantinho da sua boca com
curiosidade. Minha mão se estica e prendo seu queixo, a fazendo me olhar
assustada quando me movo rápido.
— Fiz algo errado? — ela murmura.
Balanço minha cabeça em positivo e inalo o ar com força, não lhe
dizendo que a única coisa errada que ela fez, foi ter me olhado daquela
forma tão curiosa e submissa, quando me viu pela primeira vez na porta da
casa de Emanuelle, que seu erro foi não ter me impedido de lhe dar aquele
primeiro beijo, o qual a condenaria a ter um maldito demônio
completamente obcecado e viciado nela.
— Eu sinto muito... e-eu...
Inclino minhas costas e deixo meus olhos presos aos seus, com ela
emudecendo suas palavras e me olhando mais aflita.
— Pequena pécheur! — rosno, baixo, tendo meus demônios presos
a essa criatura bela.
As mãos de Eva ficam erguidas, congeladas no ar, no segundo que
ataco, gemendo baixo quando meus lábios tocam os seus, forçando sua boca
a se abrir. Meu beijo não é lento ou calmo, nada que ela desencadeia de
dentro de mim me faz agir assim. Eva me desencadeia o lado mais sombrio,
dominador e sádico. Solto seu queixo e passo minhas mãos por baixo dos
seus braços, a puxando para cima, separando meus lábios dos seus. Um
gritinho sai da sua boca quando a pego em meus braços e a levo comigo
para a cama, a virando de bruços sobre minhas pernas, com seu rabo
erguido para cima e a parte superior do seu tórax apoiada no colchão, com
suas pernas penduradas ao lado da minha coxa.
— Monsieur, o que vai fazer? — Sua face gira por cima do seu
ombro e ela me olha, respirando depressa.
Fico em silêncio e olho para ela, enquanto ergo seu vestido e arrasto
sua calcinha para baixo, a deixando presa em sua coxa.
— Por que me desobedeceu, mesmo eu lhe avisando o que iria
acontecer? — pergunto, rouco, não desviando meus olhos dos seus, tendo
meu dedo indo ao meio das suas pernas e sentindo a umidade da sua boceta.
— Ohhh, Deus! — Eva gira o rosto para frente e o enterra no
colchão, abafando um gemido.
Meu dedo escorrega entre os lábios da sua boceta e os sinto
inchados e molhados, tendo a porra da quentura dela ainda mais infernal
quando o introduzo lá dentro, me deixando saber o quanto ela está excitada.
— Gostou de me provocar com essa boca, fazendo justamente o que
mandei não fazer, pécheur? — Empurro outro dedo e a fodo sem pressa,
abaixando meus olhos para o seu rabo, que me faz dar uma fisgada com a
língua ao canto da minha boca, ao imaginar a beleza que será ter meus
dentes marcando sua pele.
— Monsieur... Eu... Oh, Deus! — Eva tenta comprimir suas pernas
quando empurro um terceiro dedo, diminuindo a entrada e saída deles
dentro dela enquanto lhe fodo lentamente.
Meus dedos sentem as paredes internas da sua boceta quente,
inchadas por dentro, e se não fosse por isso, com toda certeza estaria lhe
fodendo ainda mais rápido, sem um pingo de misericórdia.
— Tão quente e molhada, que poderia lhe foder com meu punho
inteiro, apenas para ouvir seus gemidos baixinhos. — Sua boceta se contrai
e ela geme novamente quando empurro meus três dedos para dentro,
repousando meu anelar em cima do seu clitóris e o massageando em
círculos. — Responda minha pergunta, Eva, ou será exatamente isso que
vou fazer, enfiarei meus cinco dedos dentro de você e foderei sua boceta
com meu punho.
— Sim, sim, eu gostei! — ela responde apressada, quando ameaço
levar um quarto dedo para dentro da sua vagina. — Mas não foi por
maldade...
Eu uso de todo meu controle para não rir diante da face inocente me
falando isso quando gira seu rosto por cima do seu ombro, falando para
mim com seus cabelos colados em suas bochechas.
— Apenas... apenas queria ouvir o som que sai da sua boca. — Ela
morde o cantinho dos seus lábios e arfa, dengosa, quando mantenho meus
dedos imóveis dentro da sua boceta, tendo apenas meu anelar circulando em
cima do clitóris. — Não fiz por mal.
Meus olhos se comprimem e inalo o ar com força, tendo meus
demônios implorando para lhe foder em cima dessa cama, até ela perder por
completo suas forças. Mas sei que a boceta de Eva está sensível demais
para ter meu pau estourando duro e fundo dentro dela do jeito que eu quero.
Abaixo meu rosto para seu lindo rabo empinado em minha perna e ergo
minha outra mão, usando meu indicador para esfregar entre as dobrinhas da
sua bunda. Eva geme baixinho, com seu corpo ficando enrijecido quando
paro a ponta dele sobre o pequeno buraco escondido entre suas nádegas.
— Monsieur, o que está fazendo aí? — ela pergunta, confusa,
enquanto respira mais depressa e usa seus cotovelos para se apoiar e me
olhar.
— Tenho certeza de que eu também vou gostar do som que você irá
fazer quando tiver com meu pau enterrado aqui. — Sorrio e o acaricio,
imaginando o quanto meu pau vai amar isso. Relaxo meus ombros e inalo o
ar com força, antes de afastar minha mão, usando meus dedos para afastar
sua bunda, tendo a perfeita visão do seu pequeno buraquinho. — Acha que
vai gostar do meu pau aqui dentro, Eva?
Ergo meu rosto para ela e vejo seus olhos confusos, olhando da
minha face para sua bunda empinada em minha perna. Sua boceta se
contraindo, sugando meus dedos dentro dela, é quem me responde,
demonstrando como ela está excitada. Dou uma piscada para Eva e retorno
meu olhar para seu rabo, inclinando minha cabeça para frente, deixando
minha língua escorregar em cima do seu cu. Eva treme por inteira e
escorrega seus braços na cama, gemendo.
— Deus, eu vou para o inferno... — Meu peito vibra, enquanto rio
baixo, lambendo seu rabo ao ouvir suas palavras saírem entrecortadas com
os gemidos.
Ela, eu tenho certeza que não irá, mas para um diabo como eu, que
já carrega tantos pecados em minhas costas, será apenas mais um dia no
parque, quando os portões do inferno se abrirem para mim, e tenho absoluta
certeza de que de todos os meus crimes, o que me condenará a queimar na
chama eterna será apenas um. A corrupção da alma de Eva, a arrastando
para todos os pecados, os quais fodidamente eu vou apresentar a esse corpo.
Lambo em círculos seu pequeno buraco e o deixo molhado quando cuspo
nele, empurrando meu tronco para trás, retornando a massagear com a ponta
do meu dedo.
Eva fica mais molhada, com sua boceta sugando meus dedos e
mexendo seu quadril, me deixando saber o que deseja, mas não lhe dou.
Nego, lhe impedindo de sentir meus dedos se movendo dentro dela, os
mantendo imóveis. Apenas a deixo sentir meu dedo indicador se
empurrando contra a entrada tortuosa e apertada do seu rabo, que o engole
cada vez mais depressa em suas paredes quentes como o inferno. Retorno a
massagear seu clitóris e fodo seu rabo com lentidão, tendo a porra do meu
pau morrendo de inveja do meu dedo nesse segundo, desejando estar no
lugar dele, sentindo a maravilha que é tomar esse pequeno corpo cheio de
luxúria.
— Ohhhh... — Eva geme e agarra o colchão, enquanto sua bunda se
empina. Tombo meu rosto para o lado e a vejo nas pontinhas dos pés, para
não ficar desequilibrada.
Flexiono minha perna e dobro meus joelhos, não resistindo à
pequena tortura que lhe sentencio, a obrigando a lutar para conseguir ficar
nas pontinhas dos seus pés, empinando ainda mais sua bunda para mim.
— Monsieur... — ela fala, agitada, abafando um gemido no colchão
e enterrando sua cabeça nele.
Mantenho o ritmo lento, movimentando meu anelar em seu clitóris,
com meus dedos imóveis dentro da sua boceta, deixando apenas o dedo em
seu rabo lhe foder. Minha pequena personificação de inocência, presa em
um corpo lascivo, se treme por inteira, com sua boceta se retraindo mais
forte e me sugando com desespero quando o orgasmo lhe atinge. E apenas
nesse segundo que o gozo lhe invade, eu retorno a mexer meus dedos
dentro da sua boceta, lhe fodendo com rapidez. Eva grita e se retorce,
enquanto suas pernas se esmagam uma à outra, tentando fazer meu braço
ficar imóvel, tendo o esguicho quente que sai da sua boceta lavando minhas
coxas.
Retiro meu dedo do seu rabo e abaixo minha cabeça, não
diminuindo o entra e sai dos meus dedos em seu interior, cravando meus
dentes em seu rabo com toda força. Eva grita e se retorce, enquanto sua
boceta esguicha ainda mais, deixando meus dedos completamente molhados
e lambuzados. Minha boca se afasta do seu delicioso rabo apenas quando
suas perninhas ficam imóveis, com ela respirando depressa, tendo seu corpo
molenga relaxado em minhas pernas.
— Perfeição! — Sorrio e admiro a marca dos meus dentes em um
lado da sua bunda.
Retiro meus dedos de dentro de Eva e aliso sua coxa, ouvindo seus
gemidos baixinhos, enquanto ela se recupera.
— Se não fosse pelas nossas convidadas para o jantar, com toda
certeza iria perder muitas horas preparando esse seu rabo para receber o
meu pau. — Solto um suspiro e dou um leve tapinha em sua perna, antes de
retirar de vez sua calcinha. — Mas pode ter certeza de que depois do jantar,
vou dedicar muito tempo para ele, pécheur! Amanhã, depois das compras,
iremos descobrir quais sons essa boquinha faz.
— Compras? — Seu corpo molenga rola para o lado e ela escorrega
para baixo, ficando sentada ao chão, me dando um olhar perdido.
— Sim — respondo, baixo, passando meus olhos por seu vestido
branco. — Precisamos comprar roupas novas para você, esse foi um dos
motivos de termos vindo para Paris.
— Mas eu tenho roupas...
— Meia dúzia de vestidos não são roupas, Eva — a respondo com
calma, enquanto recordo das peças penduradas nos cabides. Dá para contar
com os dedos das mãos quantas roupas têm lá. — E precisa de roupas
novas, roupas que condizem com sua idade...
— O que tem de errado com minhas roupas? — Ela abaixa sua
cabeça e olha seu vestido, antes de olhar confusa para mim.
— Nada, tirando o fato que lhe fazem parecer uma criança e eu um
pedófilo toda vez que lhe olho. — Pouso meus olhos em seus cabelos e
observo o laço vermelho, que a faz parecer ainda mais uma menina diante
de mim. — Não gostaria de roupas novas?
— Vai querer que eu me vista como dame Emanuelle fez eu me
vestir? — Seu tom de voz se abaixa e me deixa ver seus dentes cravando
em sua boca com força, com ela demonstrando seu medo.
— Não! — a respondo rápido e nego com a cabeça, segurando seu
queixo e a fazendo me olhar. — Solte seus lábios, Eva!
Ela me obedece enquanto alivia o aperto da sua boca, encolhendo
suas pernas quando as flexiona, deixando seus joelhos perto do seu peito.
— Nunca vou lhe obrigar a se vestir daquela forma — rosno, baixo,
ainda sentindo ódio de Emanuelle por tê-la vestido como uma vagabunda
que não passava de um pedaço de carne, para chamar a atenção daqueles
porcos. — Apenas pensei que gostaria de ter roupas que condizem mais
com você...
— Mas não sei o que condizem comigo... — ela diz e me dá um
olhar triste. — Sempre me vesti assim, e era assim que devia me vestir.
Vejo seus dedos puxarem a barra do vestido para baixo, até tapar as
pontinhas dos seus pés. Sei que a forma como Eva se veste vem da sua
criação restrita, a qual pouca coisa eu tenho conhecimento. Talvez a
presença das freiras serviu para enraizar ainda mais a forma como tinha que
se vestir, o que julgo que foi proveitoso para Freire, que a mantinha
escondida no mundo, a privando de viver todas as experiências e
descobertas de uma menina da idade dela.
— Não precisará se preocupar, apenas irá vestir o que lhe agradar,
está bem?! — falo em tom baixo, mas firme, para que ela entenda que não
estou lhe dando uma ordem para comprar roupas, mas sim que descubra do
que goste. — Já providenciei tudo, terá uma manhã agradável na butique de
madame Clô. Ela vai lhe mostrar algumas peças de roupas, se for alguma
que goste, quero que experimente, não será obrigada a vestir o que não
quer.
Sua cabecinha balança em positivo, compreendendo o que digo.
Ordenei Edmundo a falar com a dona da butique de luxo, a qual fica em um
centro comercial que me pertence. Ela fechará a loja durante todo o tempo
que Eva estiver lá dentro, para não a deixar nervosa e nem assustada, dando
total atenção e exclusividade para Eva.
— E se eu não encontrar algo? — Eva pergunta, baixinho, e abaixa
seus joelhos. — Monsieur ficará bravo comigo?
— Não! — Dou de ombros e nego com a cabeça, erguendo minha
face para a janela. — Apenas terei que aceitar que sou um velho de trinta e
sete anos, pedófilo, que tem um fraco por uma garota de dezenove anos,
que anda vestida parecendo uma de quinze.
Eva ri, baixinho, ao ouvir o que disse para brincar com ela. Mas em
meu cérebro está martelando exatamente minha situação: um homem velho,
com os ombros carregados de pecados, que está fraco diante de uma
menina, uma menina de dezenove anos. Meus olhos congelam na paisagem
de fora na janela, enquanto meu coração fica acelerado, tendo meu corpo
inteiro endurecendo no segundo que sinto sua face encostar em meus
joelhos e esfregar sua bochecha.
Abaixo minha face e observo Eva ajoelhada ao lado das minhas
pernas, como uma gatinha mansa, afagando minha pele com a lateral do seu
rosto. Seus olhos negros se erguem para mim e ela me dá um sorriso,
tombando sua face para o lado, olhando para minha mão e me deixando
saber o que quer. Ergo meu rosto e encaro a janela, enquanto esmago minha
boca, inalando o ar com força. Meus dedos se abrem e fecham, tentando
diminuir a rigidez dos meus nervos antes de erguer minha mão e tocar o
topo da sua cabeça. Meus olhos se fecham e me sinto um monstro pior do
que quem ensinou isso a ela, quando um suspiro baixinho sai da boca de
Eva, com ela retornando a esfregar sua bochecha em meu joelho.
— Eva, quem te ensinou a demonstrar sua felicidade assim? —
Tento fazer minha voz sair menos ríspida possível, para não a assustar,
enquanto mantenho o afago em seus cabelos.
— Sophia... — ela murmura e suspira, virando seu rosto e alisando a
outra bochecha em meu joelho.
— Sophia era sua amiga, alguém que lhe ensinava as coisas no
colégio interno? — Fecho meus olhos e sinto o sangue em minhas veias se
tornando fel, a cada batida estourada do meu coração com ódio.
— Sim, ela que me ensinava a como me comportar. Mas Sophia não
era minha amiga, ela era minha mestra. Madrinha me dizia que se
aprendesse tudo que Sophia me ensinava, eu seria uma boa menina, e
poderia ir morar com ela... — Meu rosto se abaixa e olho a face de Eva,
com seus olhos fechados, esfregando seu rosto em minha pele, tendo um
sorriso no cantinho da boca quando abre seus olhos, os deixando presos aos
meus com doçura. — Monsieur está chateado por que lhe deixo saber que
estou feliz?
— Não, não estou bravo por me deixar saber que está feliz, Eva. —
Ranjo meus dentes e nego com a cabeça, enquanto minha boca se esmaga.
Mantenho o carinho em seus cabelos. Estou furioso, mas não com ela, não
com a inocência dela, e sim com a puta que lhe ensinou essa perversão. —
Pécheur poderia me fazer feliz?
Sua cabeça se afasta quando pergunto roucamente, tendo meus
demônios lutando dentro de mim para que ela não veja minha ira. Paro
meus olhos aos seus e a vejo ajoelhada perto de mim, com suas mãos em
suas coxas, balançando sua cabeça em positivo.
— Onde eu encontro Sophia, Eva? — Escorro meus dedos por sua
face e a aliso, mascarando meu ódio enquanto lhe dou um sorriso calmo.
— No convento — ela me responde de forma inocente e me dá um
sorriso doce. — Sophia é a freira regente, por isso ela cuidava de mim. —
Eva solta um suspiro baixinho e retorna a esfregar sua bochecha em meu
joelho. — Sir Hector está feliz também agora?
— Estou! — Minha mão se move e acaricio seus cabelos, deixando
meus olhos ficarem focados no pôr do sol que está no céu, do lado de fora
da janela. — Estou muito feliz! — rosno, baixo, e esmago minha boca,
sabendo que nem um convento ou o Papa em pessoa vai deixar essa mulher
longe da minha ira quando eu pôr minhas mãos nela.
CAPÍTULO 19

 
Messalina
 
Hector Pellegrini
 
— As duas se deram bem. — A mulher encostada no parapeito da
sacada da minha suíte, fala baixo ao meu lado, levando um gole de cerveja
à boca.
Meus olhos se mantêm fixos em Eva, que ri, conversando com a
senhora de cabelos prateados, sentada no sofá.
— Sim! — Ergo minha taça de champanhe para minha boca e tomo-
a lentamente. — Teve uma abordagem peculiar, mas funcionou com Eva.
A senhora com vestido colorido, que mais parece um arco-íris
ambulante com vários colares no pescoço e brincos de argola, quebrou o
nervosismo de Eva no segundo que passou pela porta, tirando um sorriso de
Eva quando Yelena fez uma piada com Edmundo, se referindo à roupa dele
como de um pinguim imperador. Ela ganhou do meu mordomo um olhar
gélido, o qual julgo pela expressão relaxada da velha, que pouco se
importou em ser intimidada pelo homem, já que seu foco tinha sido atingido
com êxito no segundo que Eva riu, lhe dando uma brecha para se
aproximar. Com Sieta, Eva ainda se manteve alguns segundos retraída,
ficando parada ao meu lado quando a conselheira se apresentou
formalmente para ela, tentando apagar a primeira impressão do encontro
das duas. Ela contou sobre a esposa de Czar para Eva, e como tinha certeza
de que as duas iriam gostar de se conhecer. Também contou sobre Stella, o
que foi ganhando a atenção de Eva ainda mais, ao ouvir sobre a irmã.
— Ela não causa uma boa impressão em um primeiro encontro, mas
ela é gente boa, não representa nenhum perigo à Eva. — Viro e olho a
recente conselheira intitulada dentro de Sodoma, uma das mais novas entre
os conselheiros, que deve ter trinta e cinco anos.
Com a alma tão sádica quanto seu primo, Czar Gregovivk, havia
seguido bem os passos dele. Sieta é uma stalker, perigosa e tão inteligente
quanto seu primo, de quem ela é seu braço direito. Estudo a mulher com a
pele pálida e seus olhos azuis-claros e cabelos tão negros quanto os de Eva,
em corte masculino, e algumas sardas perto do nariz. É completamente o
oposto da estranha mãe, que mais parece uma integrante do movimento
hippie de Woodstock[40].
— Sei que não. Se representasse, ela não estaria sentada ainda viva
dentro dessa suíte. — Volto meus olhos para Eva, que tem suas covinhas
aparecendo enquanto ri com a conversa empolgada que a mulher tem com
ela.
— Olha, Hector, eu sei que não começamos bem, e quero que saiba
que não tive a intenção de lhe comparar com o porco do seu pai. — Sieta
inala o ar com força e cruza seus braços, olhando para as duas. — Apenas
queríamos ter certeza de que ela está segura. Como lhe disse, não é nada
pessoal.
Estufo meu peito e levo minha mão ao bolso, virando minha face
para Sieta enquanto bebo meu champanhe.
— Czar e eu nos preocupamos com ela, com todas elas. — Sieta
morde o canto da boca e balança lentamente sua garrafa de cerveja. — Para
nós, e principalmente para Czar, é como um dever, entende, protegê-las?!
Uma responsabilidade tentar, pelo menos, reparar o mal que Valéria fez a
elas...
— Por conta da mãe dele?! — falo sério, a olhando. Sieta move sua
face para mim e me dá um olhar melancólico, balançando a cabeça em
positivo.
— Sim, por causa da tia Melissa. Foi o ódio que Valéria nutriu pela
minha tia, que causou o sofrimento de Mina e de todas que vieram depois
dela. — Ela balança seus ombros e move a cabeça para os lados. — Para
Czar, isso é um dever que ele tem com essas submissas, e não porque
realmente pensamos que você seria um verme, como Oliver.
Eu tinha lido o dossiê. Ramsés foi meticuloso, não deixando
nenhuma brecha, relatando desde o início o nascimento da ideia abominável
de Freire e Valéria. O pai de Czar era marido de Valéria, e se encantou por
uma jovem humilde, que tinha tido uma criação um tanto peculiar, que
aguçou o lado dominador de Huslan Gregovivk. Ao se apaixonar pela
jovem, a qual ele dizia possuir uma alma de submissa alfa, a separação
entre ele e Valéria não demorou a vir quando soube que a jovem estava
grávida. E entre a esposa e sua submissa, Huslan escolheu a menina.
Valéria, para se vingar, corrompeu o que ele mais amava, criando algo
abominável derivado da forma como os pais de Melissa a educaram, para
ser tão dócil e obediente.
— Compreendo porque está aqui, conselheira Sieta, assim como
compartilho do código de dever do seu primo Czar com essas jovens, já que
o verme do meu pai está tão entranhado nisso quanto Valéria — a respondo,
baixo, estudando sua expressão facial.
— Fico feliz em ouvir isso, assim como fico feliz em saber que ela
está segura. — Ela balança sua cabeça em positivo e me dá um sorriso
fraco, retornando a olhar para Eva conversando com Yelena. — Não confio
ainda em você, Hector, mas desconfio bem menos do que algumas horas
atrás, o que já é um grande passo.
— Aprecio sua sinceridade, Sieta — falo, mantendo meus olhos nas
duas dentro da sala.
— Como ela lidou com toda a verdade? — Sieta pergunta, baixo, e
ergue a garrafa de bebida à boca.
— Negação primeiro, depois confusão e medo. E então se fechou.
— Observo Eva, que tem os olhos dela brilhando enquanto sorri para
Yelena. — Desconfio que seja devido à sua criação. Eva reprime as
emoções, ficando mais fácil para ela lidar com tudo. Ela demonstra de outra
forma sua dor.
— Czar me contou sobre o declínio que ela tem para autoflagelação.
Foi assim que ela lidou? — Sieta vira o rosto para mim e abaixa seu tom de
voz.
Balanço minha cabeça em positivo, recordando do corpo pequeno
de Eva dentro do banheiro, caído ao chão, com ela encolhida em posição
fetal, arranhando suas pernas e braços, cheios de estigmas ensanguentadas
causadas por ela mesma.
— Sabe que isso faz que o cuidado com ela seja redobrado, não é,
Hector? — Sieta retorna a olhar Eva e solta um suspiro baixo. — A
predisposição para causar dor em si mesmo é algo perigoso, porque ela não
tem controle de até onde pode ir.
Sim, eu sei disso. No segundo que tive certeza de que Eva se
autoflagelava, soube que ela nunca poderá ficar sozinha. É uma ameaça
para ela mesma, que precisa de supervisão constante.
— Ela não conta sobre o colégio interno? — Sieta indaga, séria. —
Nada que possa nos dizer qual era a ideia de Freire e para quem ela poderia
ser entregue...
— Eva não conversa sobre o colégio, e quando é abordada, fica
visível seu desconforto com as lembranças que ela tem — a respondo,
observando Eva, que olha risonha para Yelena. — E Freire não entregaria
Eva. Tenho certeza que ela seria dela.
— Como assim? Pensa que Freire estava preparando Eva para ser
dela?
— Eva não seria vendida, ela seria de Freire. — Esmago minha
boca e aperto a taça em meus dedos, olhando a face de Eva. — Note como a
presença da sua mãe a deixa calma. — Faço um gesto de cabeça e aponto
na direção das duas. — Eva foi criada em um convento com um único
intuito, a deixar longe da presença masculina e a acostumar com a presença
de mulheres mais velhas.
Eu tinha notado isso desde a casa de Emanuelle. Eva não ficava
muito tempo perto das outras garotas, conversava mais com o jovem tolo
Romeu, mas era apenas quando estava na presença de Emanuelle que ela
relaxava, ficando submissa, tentando a agradar, para deixar Emanuelle
contente. Por isso a levei para o vale, queria testá-la com Marrie, e como
imaginei, Eva ficou mais calma ao ter uma mulher mais velha dentro da
casa. Passa horas junto da governanta, dentro da cozinha. Freire havia
programado Eva para ser dócil e obediente, ainda mais do que sua natureza
já é.
— Freire não iria vender, Eva... Aquela cadela...
— Iria ser a dona de Eva, por isso foi ensinado a ela que apenas
seria tocada por um homem quando ele fosse procriar com ela — a
respondo e viro minha face para Sieta.
— Vagabunda, ela estava preparando Eva para quando chegasse a
hora de ter mais filhotes, como ela fez com Mina! — Sieta fala com nojo,
descruzando seus braços. — Porca desgraçada, ela queria ter Eva só para
ela! Mas então, por que ela criou Eva escondida, dentro de um convento,
por que não fez a mesma coisa que fez com Mina...
— Penso que não queria que o erro se repetisse. — Abaixo a taça e
a deixo sobre o parapeito da sacada, me virando e olhando para a noite
iluminada de Paris. — Ramsés relatou como foi a apresentação de Freire
diante do conselho, quando levou Mina. Ela afirmou que apenas na maior
idade as submissas alfas estariam prontas para serem tocadas pelo seu
dono...
— Mas Mina foi levada por Valéria para uma sala, para ser
violentada, quando ela tinha quatorze anos... — Ela se cala e fica
cabisbaixa, virando de frente para a sacada e olhando para o céu pensativa.
— Sim, exatamente — respondo, sério, e balanço minha cabeça em
positivo. — Freire sabia que ela ainda não estava pronta. Valéria e o verme
do meu pai atravessaram no meio do projeto abominável de Freire,
acelerando o processo, o corrompendo...
— Ela quis garantir que o mesmo não aconteceria com Eva. — A
mente de Sieta é rápida, seguindo o mesmo raciocínio que o meu. — Mas
como ela iria fazer para consumar...
— Com amor. — A palavra sai com ódio da minha boca, enquanto
lembro da face de Eva dentro do quarto, se negando a acreditar em um
primeiro momento o que Freire tinha feito com a mãe dela. — Ela iria usar
o amor de Eva e o amor que ela dizia ter por Eva, para induzi-la a acreditar
que aquilo seria o certo.
Meu rosto vira e olho para a jovem Messalina dentro da sala, que
teria o amor que ela sentia por Freire sendo sua sentença, quando
finalmente a cadela sádica a tirasse de dentro do convento. Ela já tinha a
confiança de Eva, a induzia a acreditar que era a única pessoa no mundo
que ela tinha. Dezenove anos tendo sua mente quebrada e condicionada a
amar Freire. Freire despertaria sua alma submissa, a deixando presa a ela.
 — A filha da puta iria tocar em Eva, quando a hora chegasse...
— Mas a chegada da esposa de Czar mudou o rumo do destino de
Eva — falo sem emoção e viro meu rosto para Sieta. — Freire não teve
tempo de consumar sua dominação completa em Eva, por isso a largou na
casa de Emanuelle. Freire sabia que o círculo estava se fechando.
— Czar estava certo... — Sieta murmura, pensativa, e ergue seus
olhos para mim.
— Em relação ao quê? — indago, sem entender.
— Ao elo, à ligação que a submissa alfa tem com seu dono. — Ela
solta a garrafa no parapeito, a depositando na base, e ergue seus dedos à
frente do corpo, os unindo e mostrando para mim. — A obediência e
dependência que um causa ao outro. E Freire também sabia disso, por isso
ela não tocou em Eva, não a despertou. Ela sabia que isso iria matar Eva
lentamente, quando ela não estivesse mais aqui, e se tem uma coisa que
aquela cadela era, é egocêntrica, ela jamais podia permitir que sua obra-
prima se destruísse. Seu ego foi o que a deixou longe de Eva, porque ela
queria deixar a marca do que ela fez viva.
Arqueio minhas sobrancelhas e a olho sério, aguardando, para ela
explicar melhor sua teoria.
— Meu tio Huslan, nunca mais teve outra mulher e nem uma
submissa depois que minha tia faleceu, ele praticamente morreu de tristeza.
— Sieta descruza os dedos e passa sua mão em seu cabelo, olhando
pensativa para mim, como se buscasse as palavras certas. — Czar pensa que
isso vale para elas também, por isso ele me mandou até aqui. Não porque
pensamos que você é um verme como o seu pai, mas sim porque meu primo
desconfia que você e Eva se ligaram, o que nos deixou preocupados...
— Preocupados?
Ela ergue suas mãos e nega com a cabeça, caminhando lentamente
pela sacada.
— Deixa eu tentar falar de um jeito mais claro. — Ela para de andar
e olha para mim. — Freire criou as submissas alfas para serem leais a um
único dono, esse foi o ponto que ela citou na reunião dentro de Sodoma,
para aguçar o interesse dos outros conselheiros. Uma raça obediente, doce e
leal a um único mestre, para sempre.
Meu rosto gira automaticamente para Eva e compreendo o ponto
que Sieta está falando.
— Freire não tocou nela, porque sabia que Eva ficaria ligada a ela
para sempre e nunca mais aceitaria outro mestre. Eva iria definhar, e no
caso dela seria mais rápido que as outras, por causa da sua propensão à
autoflagelação, Hector.
— Czar pensou que eu iria a deixar... — murmuro e viro minha face
para Sieta, sabendo que é exatamente isso que ele pensou que eu faria. —
Achou que eu a descartaria como se fosse um nada...
— Sim, nossa preocupação era essa. — Sieta se mantém franca,
confirmando suas palavras com um balançar de cabeça. — Você foi o
primeiro conselheiro nomeado a uma cadeira dentro de Sodoma que a
recusou, Czar tinha receio que fizesse a mesma coisa com a Messalina. Só
que elas não são uma cadeira que pode ser renunciada, ou descartada. Como
eu disse, não é nada pessoal, realmente apenas queríamos ter certeza de que
Eva está segura.
Fecho meus olhos e inalo o ar com força, balançando minha cabeça
lentamente em positivo. Eu não aceitei a cadeira de Sodoma porque não me
interessava, porque minha veia sádica já tinha meus próprios meios de lidar
com minha dor sem precisar de Sodoma. Mas não vejo Eva como um
objeto, e nem tinha ideia do que Eva desencadearia dentro de mim para ser
franco. Os dias que passei lhe observando, lhe estudando dentro da casa de
Emanuelle, me despertaram curiosidade, ao mesmo tempo que sentia algo
dentro de mim sendo puxado para ela. Seus olhares assustados e ao mesmo
tempo curiosos, sua alma submissa que consegue desencadear qualquer
sádico a querer ser seu único mestre. Também tive que lidar com a irritação
que a presença do jovem Nolan, a cercando, me causava, e no meio disso
imaginava meus dedos tocando Eva e mostrando a ela tudo que podia
descobrir de prazer, a iniciando.
E quando dei por mim, era Eva que eu via em minha mente, ao
ponto de me fazer foder com aquela puta apenas em uma tentativa de me
manter longe dela, mas fracassei. Fracassei miseravelmente quando olhei
para aquele espelho e lhe vi lá, parada no cantinho da porta, me observando.
Fracassei quando lhe beijei naquele jardim e me condenei quando lhe
toquei. Eu já estava com Eva completamente entranhada dentro de mim,
para sequer imaginar me renunciando a ela. Queria lhe proteger dela
mesma, dos monstros que lhe machucaram, condenar seus carrascos a uma
dor três vezes pior do que fizeram a ela.
— Czar fala que elas são pássaros que não voam, e ele tem razão. —
Abro meus olhos, observando Sieta. — Os primeiros anos da vida delas
foram quebrados, moldaram as mentes delas a serem silenciosas e dóceis,
depois preparadas a obedecerem seus mestres. Por mais que elas desejem
ser normais, elas nunca serão. Não quando uma vida inteira as preparou
para serem assim, presas a uma coleira invisível. No mundo normal, fora de
Sodoma, que ninguém compreende o que elas são, a necessidade que elas
têm, elas seriam apenas presas fáceis, largadas à própria sorte. E pássaros
que não voam precisam de uma gaiola para os protegerem.
Caminho lento na direção da porta, olhando Eva, ciente das palavras
de Sieta sobre a pequena Messalina.
— Está certa em suas observações, conselheira — sussurro e
esmago meus dedos dentro do bolso da calça. — Apenas em uma coisa está
enganada...
— O quê? — Sieta caminha para perto de mim.
— Eva não foi criada para ser um pássaro. — Tombo meu rosto para
o lado e encaro Sieta. — Mas sim para ser um filhote!
Os olhos se Sieta se expandem e ela pisca rapidamente, olhando na
direção da Eva, antes de retornar seus olhos aos meus.
— Um filhote...
— Um filhote que esfrega sua face na perna do seu dono, para o
deixar saber que ele o faz feliz, demonstrando sua lealdade.
O corpo de Sieta se vira, ficando de costas no mesmo instante, com
ela respirando depressa, esmagando sua boca.
— Está dizendo que ensinaram ela...
— Autozoofilia[41]. — A palavra sai com um gosto amargo,
embrulhando meu estômago dentro das minhas vísceras. — Freire queria
garantir que Eva fosse sua obra-prima perfeita...
Desencadear uma parafilia dentro de Eva foi a forma mais
abominável e escrota que Freire encontrou para quebrar a alma de Eva,
garantindo que ela seria sua submissa alfa exemplar, que suas teorias
iniciais estavam corretas, que se as pegassem desde novas, as moldando,
modificando sua mente conforme iam crescendo, elas seriam submissas
completas. Porque não seria um gosto adquirido com o tempo, mas sim que
nasceu dentro delas, ficando ainda mais intenso na fase adulta, quando
chegasse a hora de serem despertadas.
— Cristo, cadela dos infernos! Deus, como queria poder eu mesmo
ter matado aquela vadia! — Sieta ergue sua mão e esfrega seu rosto. —
Como pôde ter estômago de ensinar isso para uma criança?! Até para os
parâmetros de Sodoma, isso ultrapassa qualquer linha. Eva tem ideia do que
está fazendo?
— Não! — a respondo e nego com a cabeça. — É a forma que ela
me diz que está feliz, o único momento que ela deixa completamente
transparecer sua essência. Temo abordar o assunto e ela acabar se fechando.
— E deixar a autoflagelação mais intensa. — Sieta compreende o
porquê de eu não ter conversado com Eva e lhe dito que o que ela faz não é
normal, não é saudável.
Mesmo em Sodoma, que foi criada com o intuito de abraçar cada
demônio, cada desejo nefasto e perturbador da alma podre de um ser
humano, saciando seus desejos escrotos sem julgamento algum, há uma
linha fina que divide o doentio do mórbido. Ter desejo em foder uma
mulher enquanto ela está amarrada ou com uma coleira no pescoço, é bem
diferente de criar uma pessoa como se fosse um cachorro.
— Tento ser ao máximo objetivo com Eva, não deixando dúvidas
assombrarem sua mente, a ensinando a me mostrar o que sente, o que está
pensando. — Meus olhos param em minha pequena Messalina, que está
com seus olhos focados em mim, me olhando com doçura. — Fazê-la lidar
com tudo de uma única vez, vai estilhaçar a mente dela...
— Eu não fui sincera completamente. — Meu rosto se vira para
Sieta quando ela fala em tom baixo e nervoso. — Em relação à minha vinda
para cá. O real motivo que Czar me mandou para Eva...
Meu corpo se endireita, tendo meu maxilar travando e minha face
endurecendo, estreitando meu olhar.
  — Não sairá viva de dentro desse hotel se tentar a tirar daqui,
conselheira de Sodoma! — rosno, baixo, tendo todo meu corpo ficando em
modo de proteção, a deixando saber que a mataria antes mesmo de chegar
perto de Eva. Eu declararia guerra sem medo algum contra os Gregovivk.
— Não foi por isso que Czar me enviou, Hector. — Ela gira seu
corpo e olha para as duas na sala. — Mas sim por causa da minha mãe.
Pisco, confuso, olhando na mesma direção que Sieta olha,
observando a velha risonha que arranca sorrisos de Eva.
— Yelena pode ajudar Eva. Minha mãe, melhor do que ninguém,
compreende o que se passa na mente dela.
Estudo a mulher, a observando com o dobro de atenção, notando que
não foi apenas seu jeito peculiar que encantou Eva, mas sim porque as duas
se conectaram.
— Sua mãe era uma submissa alfa?! — Volto meus olhos para Sieta.
— Ela foi criada e educada junto com minha tia, a mãe de Czar, só
que minha mãe tinha a mente mais forte do que Melissa, a alma dela não
era submissa. — Sieta respira fundo e fica de frente para mim. — Depois
que meu tio Huslan se casou com minha tia, a levando embora, minha mãe
fugiu de casa. Ela apenas ficou por causa de Melissa, quando sua irmã
conseguiu se livrar do destino que ela teria, ficando com tio Huslan, minha
mãe pôde finalmente partir. — Sieta morde sua boca e me olha ansiosa. —
Sei que não confia em mim, tanto quanto não confio em você, mas nós dois
nos preocupamos com Eva, por isso lhe peço, permita Yelena ficar a sós
com ela.
— Por que acha que eu permitiria isso? — A olho desconfiado,
falando em tom áspero.
— Porque se deseja realmente proteger Eva dela mesma, terá que
confiar na doida da minha mãe, porque Yelena é a única que pode ler
perfeitamente bem uma submissa alfa...
— Oh, céus, como assim nunca tomou vodca? — A voz alta da
mulher, rindo e falando com Eva, me faz virar meu rosto, olhando para as
duas.
— O que é vodca? — Eva a olha confusa.
— Simplesmente a melhor bebida que existe, e não esse chá cheio
de bolhas que os franceses gostam e chamam de champanhe. — Ela ri e dá
um tapinha no joelho de Eva. — Vai amar experimentar...
Os olhos negros de Eva se erguem para mim, me olhando perdida,
esmagando seus dedos em seus joelhos, enquanto vejo a confusão em sua
mente, como se estivesse buscando uma ordem minha. Lhe dou uma
resposta imediata, balançando minha cabeça em negativo, lhe acalmando,
para saber que não tem que experimentar a bebida.
— Sir Hector disse que não. — Ela volta a olhar para a mulher e
alivia o aperto em seus joelhos, dando um sorriso maroto.
— Sir Hector disse não, é? — A velha vira e me olha com deboche,
me encarando de cima a baixo. — Claro que disse! — Ela retorna a olhar
Eva. — Sir Hector também disse que ele parece um tarado velho quando
está perto de você, ainda mais com esse jeito antiquado dele nesse visual?!
— Ela ri, negando com a cabeça. — Juro que quando o vi hoje mais cedo
perto de você, eu jurava que ele era o Conde Drácula, com mais de mil anos
nas costas...
A face de Eva tomba para trás, enquanto ela solta uma gargalhada,
rindo de uma forma tão leve, que acaba fazendo minha mente focar em sua
face alegre, ao invés da odiosa bruxa hippie me insultando. Giro minha face
para Sieta, que está com suas bochechas vermelhas e me dá um sorriso
amarelo.
— Eu disse que ela não causava uma boa impressão em um primeiro
encontro. — Ela dá de ombros e nega com a cabeça. — Mas é a nossa única
chance!
— Irei permitir que ela fale com Eva. Mas se ela se aproximar de
Eva com uma garrafa de bebida alcoólica, providenciarei pessoalmente que
Edmundo lhe faça uma visita em sua casa, naquela clínica clandestina, que
ela faz aborto e vende drogas psicodélicas! — Mantenho meus olhos presos
em Sieta, sibilando lento, para que ela compreenda minhas palavras, que
não estou falando da boca para fora. — Fui claro, conselheira de Sodoma?
— Muito! — Ela balança sua cabeça em positivo e leva seus dedos
para trás da calça, os enganchando no bolso. — Nada de vodca perto de Eva
e da minha mãe, pode deixar!
 
Eva Fishie
 
Caminho lentamente para fora do banheiro, enrolada em uma toalha.
Sir Hector tinha me pedido para secar e esperar por ele sentada na cama.
Ele precisou sair, por isso não terminou nosso banho juntos. Edmundo
chamou por ele, antes mesmo que pudesse entrar na banheira comigo. Eu
pensei que depois que dona Yelena e a senhorita Sieta partissem, ficaríamos
sozinhos, mas Edmundo retornou. Ando para perto da cama e me abaixo,
para recolher minha roupa que está no chão. Meu braço esbarra na bengala
dele, que encontra-se na beirada do colchão, o que a faz cair no chão e rolar
para debaixo da cama.
— Desastrada, Eva! — murmuro e me ajoelho, esticando meu braço
para puxá-la. Seguro a cabeça da cobra quando a alcanço.
  Levanto e a seguro em meus dedos. Quando aperto na cabeça, o
som baixo de um clique se faz, chamando minha atenção, o que me faz
olhar mais curiosa para a bengala. O brilho prateado da lâmina, reluz ainda
mais forte quando puxo lentamente a cabeça da cobra, mostrando que não é
apenas uma bengala, é uma arma.
— Sua cadela desgraçada...
Meu pescoço repuxa quando uma fisgada de dor se faz dentro da
minha mente, ao ouvir a voz zangada gritando com pura raiva.
— Venha, meu amor, não precisa sentir medo... — O braço longo se
estica para mim e segura meus ombros, me puxando do cantinho escuro da
parede.
Seus olhos ficam presos em minhas mãos trêmulas, que estão
vermelhas. Há tanto sangue, sangue em meus dedos, em minha roupa...
— Sinto muito, sinto muito... — Choro com dor e fecho meus olhos,
sentindo tanto medo, tanto desespero, que consome meu magro corpo
machucado e faminto. Não sei há quanto tempo estou trancada dentro
desse quarto frio e sujo. — Eu não queria, não queria... me desculpa.
Sinto meu coração disparado, meu peito arfando, enquanto fecho
meus olhos e os esmago, como se pudesse fazer aquela imagem
desaparecer. Mas ela não desaparece, fica mais forte, invadindo minha
mente, com a voz me xingando com mais raiva.
— Sua cadela desgraçada! — O tapa forte em meu rosto é desferido
com força, o que me faz cair no chão. — Putinha nojenta, me mordeu!
— EVAAAAA... — O grito de dor, um grito de muita dor, chamando
pelo meu nome, me obriga a levantar e usar toda força que ainda tem no
meu corpo, querendo chegar até quem me chama.
— Eva, não mexa nisso! — O som da voz de sir Hector me faz virar
assustada, quando ele toca em meu ombro.
— E-eu... e-eu a derrubei... — digo, nervosa, e fecho meus olhos,
enquanto uma dor esmagadora se faz dentro da minha cabeça, como uma
mão me espremendo. — Sinto muito... sinto muito, eu não queria...
— Está tudo bem, pécheur! — Sua mão toca minha face, me
fazendo abrir meus olhos e me olhando com mais atenção. — Não estou
bravo, apenas não quero que se fira.
Ele abaixa sua face e olha a bengala deitada em minha mão, a
retirando lentamente dos meus dedos, puxando a lâmina inteira e
desembainhando a espada. A segura em sua mão.
— Está vendo, é uma espada de esgrima — sir Hector fala calmo e
estica seu braço, a empunhando. — Pode parecer inofensiva, pelo fato de se
assemelhar com uma agulha, de tão fina que é, mas sua lâmina é muito
afiada.
Ele olha para a lâmina e a rola lentamente em sua mão, ficando em
silêncio, antes de atravessar o colchão, com ele a enfiando fundo,
demostrando quão afiada ela é.
— Quer me dizer alguma coisa, Eva? — Suas mãos seguram minha
face, me fazendo olhar para ele.
— Por que a tem escondida dentro da bengala? — pergunto e desvio
meu olhar do seu, encarando a espada, tentando mudar o assunto e dando
um sorriso fraco para ele.
— Foi um presente que eu ganhei — sir Hector me responde, mas
mantém seus olhos em minha face, mesmo depois que solta meu rosto. —
Participava desde os dez anos de torneios de esgrima, meu irmão me
presenteou com ela no meu aniversário de dezoito anos.
— Monsieur tem um irmão? — Olho-o com carinho.
— Eu tinha, Joseph faleceu em um acidente de carro. — Fico sem
saber o que dizer, o vendo olhar para a espada e inalando o ar com força. —
Nós dois estávamos juntos quando o carro que eu dirigia perdeu o freio,
causando a colisão com outro veículo. Meu irmão morreu na hora, e eu
acabei ficando por um longo tempo preso a uma cama de hospital. Quando
retornei a andar e descobri que precisava de apoio, mandei fazer uma
bengala com ela.
— Eu sinto muito... — sussurro e encolho meus ombros.
Sir Hector a puxa, a devolvendo para a capa protetora que forma a
bengala, olhando de uma forma melancólica para a espada.
— Deu um nome a ela? — indago e dou um sorriso para ele,
desejando poder tirar a culpa que está brilhando em seu olhar. Sua cabeça se
ergue para mim e ele me olha. — Uma vez li em um livro que todas as
espadas tinham que ter nomes... Sir deu um nome a sua?
— Non! — Ele estica seu braço e a joga sobre a cama, estreitando
seu olhar. — A batize, por que não lhe dá um nome?
— Eu? — Dou um passinho para trás quando ele anda de forma
sorrateira em minha direção.
— Oui! Você, pequena péchéur. — Seus dedos seguram meus
ombros, me fazendo ficar ansiosa, da mesma forma que assustada, quando
me vira e cola minhas costas em seu peito, me deixando de frente para a
cama. — Tenho certeza de que sua cabecinha vai conseguir ter imaginação
para pensar em algo.
— Acho... — Me calo e respiro mais depressa quando seus dentes
raspam em minha orelha.
— Talvez podemos nos inspirar no livro que andou pegando da
minha biblioteca, o qual penso ser o mesmo nome que lhe arrancou uma
gargalhada, na sala, quando a velha me comparou com o Drácula!
— Oh, Deus! — Fecho meus olhos e encolho meu corpo quando
seus dentes cravam em meu pescoço e ele morde com força. — Eu apenas
achei graça, nunca lhe comparei com ele...
— Mentirosa! — Sir Hector morde com mais força, enquanto ergue
sua mão e solta a toalha do meu corpo, a fazendo ir ao chão. — Talvez eu
seja mesmo, já que aprecio fodidamente chupar o seu sangue...
Minha boca se abre, com meus dedos se agarrando ao seu braço, ao
redor da minha cintura, me deixando presa a ele, assim que sua outra mão
desliza na frente da minha vagina, acariciando-a.
— Monsieur... — murmuro, ofegante, e sinto cada vez mais meu
corpo ficando quente, ao ter seu dedo se empurrando para dentro de mim.
— Mas sabe o que mais Drácula gosta, do que apenas chupar boceta
e morder seu lindo pescocinho, pécheur? — É um feitiço paralisante, o qual
é conduzido por sua voz rouca, murmurando em meu ouvido. — Enterrar
meu pau dentro do seu rabo, o que me faz lembrar que tínhamos marcado
um compromisso para depois que nossas convidadas fossem embora, não
é?!
Sir Hector ri e me vira em seus braços quando inclina seu corpo
junto com o meu na cama, beijando minha boca, fazendo toda minha mente
se desligar.
 

 
— Mantenha sua mente ligada à dor, Eva. — A voz baixa da
madrinha soa séria, enquanto me olha e cerra seu maxilar. — Estique sua
mão novamente.
Ela abaixa sua face para minhas mãos trêmulas quando eu lhe
obedeço. As mesmas estão queimando, por conta da força que ela desferiu
o pedaço de madeira lisa contra elas.
— Não pense mais nisso, se concentre apenas na dor.
Meu rosto molhado pelas lágrimas se retrai e choro, mordendo
minha boca ao receber o impacto da madeira com força na palma da
minha mão.
— Não pense mais nisso, apenas sinta a dor silenciando toda sua
mente, Eva...
Balanço minha cabeça em positivo para ela e soluço, encolhendo
meu corpo. Meus olhos se fecham e me preparo para receber outra
palmada com a madeira em cima das minhas mãos.
— Eu vou fugir, Eva...
Meus olhos se abrem lentamente quando ouço a voz baixa falando
com tristeza, soluçando baixinho. Não é mais a madrinha que está diante
de mim, é como se fosse eu mesma, parada perto da cama, conversando
comigo, e não como Ana, como sempre era nos outros sonhos.
— Vem comigo, precisamos sair daqui agora.
Minha cabeça pequena balança mais depressa em positivo e me
levanto, deixando meus pés tocarem o chão. Sinto a fraqueza em meu corpo
por estar há três dias sem me alimentar, de castigo, com minhas pernas
machucadas pela surra que eu levei da freira. Minha mão, tão magra, se
prende na dela, a deixando nos levar para perto da porta. Olho sua face
pequena, com seus cabelos até os ombros, cacheados, me olhando com
tristeza, dividindo sua dor comigo. Minha dor, nossa dor. Gira a chave
lentamente e abre a porta do quarto, levando sua cabeça primeiro para
fora, para conferir que está seguro.
— Tem certeza de que consegue andar? — A cópia da minha face se
gira para mim, enquanto eu apenas balanço minha cabeça em positivo, lhe
respondendo.
Eu não sei. A verdade é que estou tão fraca e faminta, que nem sinto
mais força em meus músculos, mas a única coisa que tenho certeza, é que
eu me arrastaria no chão feito um bicho se fosse preciso para poder sair
daqui. Seguro com mais força seus dedos e dou um passo para frente, me
segurando na parede, para sustentar meu corpo. Um instinto primitivo de
sobrevivência me governa, rasgando dentro da minha alma um grito de
socorro, me fazendo levar um pé depois do outro, não permitindo meu
corpo fraquejar e desabar no chão, porque eu sei que preciso tirá-la daqui.
Só que dessa vez não estamos subindo as escadas, eu estou descendo.
Descemos as escadas às pressas, com nossos corpos abraçados, um
sustentando o outro.
— Não vão me separar de você, nunca! — Os olhos negros ficam
presos aos meus, enquanto um sorriso se faz em seus lábios machucados.
— Nunca! — murmuro e esmago com mais força meus dedos nos
seus.
— Só temos que conseguir chegar até a escada de incêndio, e vamos
conseguir sair daqui.
Meus pés descalços se esmagam no chão e eu tento manter as
forças das minhas pernas, que estão fracas. Aperto meus dedos na camisola
e olho para o corpo magro, quando para diante de uma porta. Balanço
minha cabeça em positivo, me escorando na parede, enquanto sua mão
abre a porta. A vejo passar lentamente e esticar seu braço para mim.
— Vem! — O chamado se repete, só que não é Ana em uma janela,
balançando sua mão com pressa, como nos outros sonhos, mas sim em uma
porta, e uma criança com a minha face.
O olhar de medo é o mesmo, não muda quando ficam arregalados
em puro pânico, olhando para trás de mim, me deixando saber o que vem a
seguir.
— Onde vocês duas pensam que estão indo?
Viro, assustada, quando a voz zangada da madre fala atrás de mim,
vendo ela e a freira regente nos encarando. Tento correr para a porta, mas
meu corpo é imobilizado pela cintura, assim que o par de braços se fecha à
minha volta e me tira do chão. Grito entre o choro e esperneio, esticando
minha mão na direção da porta. Meus olhos estão presos nos olhos negros,
chorosos, que balança sua cabeça para os lados.
— Sabia que as duas cadelinhas estavam aprontando! — a freira
regente fala com raiva, me jogando com brutalidade ao chão. — Leva essa
daqui de volta, para o castigo da madre.
Tento me levantar, para impedir que a freira regente toque no
pequeno corpo, porque eu sei o que ela irá fazer. Ela machuca, causa muita
dor, e eu não quero que ela faça aquilo com a criança. Mas sou imobilizada
pela madre, que me puxa pelos cabelos.
— A... — Um grito mudo sai da minha boca, como se minha voz não
saísse, como se o nome ficasse perdido em minha memória.
Minha mão se estica e tento segurar os dedos machucados, que
estão balançando em minha direção.
— M... — Sua voz murmura algo para mim, mas não ouço suas
palavras, como se a voz também tivesse sido retirada.
Não é igual aos outros sonhos, em nada. Porque nesse momento
seria o que os braços de Ana se abririam se estivéssemos naquele quarto,
com ela perto da janela. O pequeno corpo da criança que tem a minha face
esculpida em seu rosto, não se joga, não parte, pelo contrário, ele avança,
prendendo minha mão à sua. Meus olhos se fecham e me seguro mais forte
em seus dedos, enquanto grito com pura dor ao sentir a ardência em
minhas costas, quando meus olhos se abrem e retorno para um lugar
maldito, um cômodo escuro, o qual minha mente nunca visitava, mas que
hoje ela me fez retornar a ele. O couro rasga minhas costas novamente e eu
o uso como escudo para proteger a minha cópia, que está encolhida ao
canto da parede, de costas, com minha testa colada a dela, ouvindo seu
choro se misturando com meus gritos.
— SAI, EVA! — A voz da freira regente sai alta, enquanto grita,
acertando novamente as minhas costas.
O som frio da corrente se alastra em meus ouvidos, antes mesmo do
couro se forçar em meu pescoço, quando ela me puxa com força, para me
fazer tombar para trás. Sua mão se ergue novamente para me chicotear,
mas eu me viro e mordo sua mão, a fazendo soltar o chicote.
— Sua cadela desgraçada! — O tapa forte em meu rosto é desferido
com força, o que me faz cair no chão. — Putinha nojenta, me mordeu!
Meu corpo se move e fico agachada de frente para a freira regente,
entre ela e o canto da parede, não permitindo que ela se aproxime. Não a
deixarei se aproximar. Eu sinto medo, raiva, ódio, selvageria, tanta dor
dentro da minha cabeça.
— AVISEI QUE ESSA CADELA IA TE ATACAR, SE A SOLTASSE
DA COLEIRA! — a madre grita com ódio, na entrada da porta. — Avisei
que isso ia acontecer, porque ela ainda não está pronta!
Minha mente está confusa, tendo apenas o medo e o ódio me
governando, com meus olhos indo de uma para outra, esmagando meus
dedos no chão.
— CALA ESSA MALDITA BOCA E PEGA ALGUMA COISA PARA
TIRÁ-LA DALI! — a freira regente grita, apontando para a madre. — Vai
sair daí, Eva, nem que eu tenha que quebrar cada maldito osso do seu
corpo, você vai aprender a obedecer!
Meus dentes se abrem e se arreganham para ela. Sinto a coleira
machucando ainda mais minha garganta quando ela dá um puxão na
corrente. É tudo tão confuso e rápido, como se eu tivesse perdido minha
mente. A corrente que é puxada mais forte, causa o impacto do meu corpo
no chão quando meus braços fraquejam por causa do chicote que os
acerta. O braço da freira regente se estica e me puxa pelos cabelos, me
arrastando para longe.
  — EVAAAAA... — O grito de dor entra em minha mente, me
fazendo olhar para o canto da parede, e eu me vejo novamente, vejo uma
cópia minha encolhida, com sua face molhada pelas lágrimas.
A madre, segurando uma espátula fina e grande em sua mão, ergue
seu braço para cima, para acertar as pernas machucadas da criança, com
minha face encolhida ao canto da parede. O que me faz usar todo o resto de
força que ainda tem dentro de mim, para chegar até ela. Giro meu rosto e
mordo a coxa da freira regente, a fazendo gritar de dor, soltando meus
cabelos. Meu corpo se levanta e uso a fúria para me manter em pé.
E tudo se transforma em sangue, como se escorresse das paredes,
borbulhando do chão, como uma banheira grande se enchendo e me
afogando dentro dela.
— EVAAAA!
Meu corpo se senta na cama em um pulo, enquanto respiro depressa,
sentindo meus cabelos colados em minhas costas e minha pele toda suada,
como se pudesse sentir toda a viscosidade de sangue em meu corpo.
Esfrego minha face e olho a cama vazia, tendo apenas eu sentada nela, antes
de olhar o quarto da suíte, que me deixa saber que eu tive um pesadelo. As
roupas de sir Hector estão no chão, no mesmo lugar que ele jogou quando
se despiu, e o cheiro dos nossos suores e de sexo preenche o quarto. Nada
foi real, tinha sido só um pesadelo, só um pesadelo.
Meus ombros se encolhem e arrasto meus pés na cama, trazendo
meus joelhos para perto da minha barriga. Sinto a umidade no lençol, que
está colado em minha pele nua, o que me faz abaixar minha cabeça e
descobrir minhas pernas. Meu corpo nu salta para fora da cama e fico de pé,
olhando a grande mancha de urina, onde eu estava deitada, com meu peito
batendo mais acelerado e com as imagens do pesadelo ficando mais
intensas em minha mente. Esmago a lateral da minha cabeça e me encolho,
sentindo como se fosse um prédio desmoronando dentro da minha mente.
— AVISEI QUE ESSA CADELA IA TE ATACAR, SE A SOLTASSE
DA COLEIRA! — a madre grita com ódio, na entrada da porta. — Avisei
que isso ia acontecer, porque ela ainda não está pronta!
Minha mente está confusa, tendo apenas o medo e o ódio me
governando, com meus olhos indo de uma para outra, esmagando meus
dedos no chão.
— CALA ESSA MALDITA BOCA E PEGA ALGUMA COISA PARA
TIRÁ-LA DALI! — a freira regente grita, apontando para a madre. — Vai
sair daí, Eva, nem que eu tenha que quebrar cada maldito osso do seu
corpo, você vai aprender a obedecer!
Minhas mãos se abaixam enquanto esfrego-as com força, sentindo
minhas pernas molhadas, encarando meu xixi na cama.
— Não pense mais nisso, se concentre apenas na dor.
Meu rosto molhado pelas lágrimas se retrai e choro, mordendo
minha boca ao receber o impacto da madeira com força na palma da
minha mão.
— Não pense mais nisso, apenas sinta a dor silenciando toda sua
mente, Eva...
Balanço minha cabeça em positivo para ela e soluço, encolhendo
meu corpo.
Meus pés cambaleiam, com minhas pernas se movendo para trás.
Esfrego meus dedos nos meus braços, não conseguindo me concentrar na
dor, desejando que minhas unhas estivessem grandes. Mordo minha boca
com força, ao ponto de sentir meus dentes a machucando, mas não é o
suficiente, não é o bastante para fazer minha mente silenciar.
— EVAAAAAA!
O grito da voz me chamando, me faz espremer meus olhos, como se
estivesse sentindo tanto a minha dor quanto a dor daquela criança do
pesadelo dentro de mim.
— É só um pesadelo, um pesadelo! — Nego com a cabeça e esfrego
meus dedos em cima da ferida, que está cicatrizando no dorso da minha
mão, arrancando as peles secas com angústia.
— Apresse, não tenho paciência de esperar! — Minha cabeça se
ergue quando a porta do quarto é aberta por sir Hector.
— Sinto muito... — Choro, soluçando, e abraço meu corpo quando
ele acende a luz do quarto, me sentindo assustada, envergonhada por ter
feito xixi na cama.
Sua cabeça se vira e olha para o colchão, erguendo sua mão na
mesma hora, como se estivesse mandando alguém se afastar, voltando a me
olhar e passando seus olhos por meu corpo nu, que está tremendo
encolhido.
— Eu sinto muito, sinto muito... — Abaixo minha cabeça,
chorando, e dobro meus joelhos ao me agachar no chão, quando ele se
move e atravessa o quarto a passos decididos.
— Eva! — Sinto o toque dos seus dedos em meus ombros, quando
me curvo para frente e encosto meu rosto em suas pernas.
— Eu sinto muito... — Meus dedos se esmagam em minha pele
enquanto os comprimo com força para me castigar.
Minha mente está se destruindo por dentro lentamente, como um
prédio desmoronando, causando abalos por cada nervo do meu corpo,
sentindo tudo ficar esmagador. As mãos grandes que passam por baixo dos
meus braços me erguem do chão e me levantam, como se estivesse me
tirando dos escombros de dor, angústia, medo, lembranças e pesadelos que
me soterram. Meus braços se abrem e circulo seu pescoço, buscando abrigo
entre seus braços, enquanto choro. Choro, não conseguindo lidar com todo
caos da minha alma.
— Está fria e molhada! — Sua voz é distante enquanto entra em
minha mente, com ele apoiando um braço abaixo da minha bunda, para me
segurar direito em seu colo. — Olhe para mim, pequena... Eva, me olhe!
Sir Hector esmaga meus cabelos em seus dedos e tenta me fazer
olhar para ele, mas não solto seu pescoço, apenas seguro mais forte,
enterrando meu rosto em seu ombro.
— Eu sinto muito, eu fiz xixi no colchão...
  — Olhe para mim, pécheur. — Sua face gira e ele esmaga mais
forte meu corpo em seus braços. — Foda-se o colchão, Eva! Olhe para
mim, estou lhe dando uma ordem!
Meu rosto se afasta lentamente e o olho com dor enquanto choro. Sir
Hector afasta as mechas de cabelo da minha face, me olhando preocupado.
— Eu não consegui segurar, eu não fiz por mal. — Me sinto
culpada, culpada pelo colchão, culpada por ter feito algo ruim, algo muito
ruim, e essa sensação me faz chorar ainda mais, porque dentro de mim, em
meu interior, sei que não é só o colchão, eu fiz algo muito feio.
— Edmundo, quero a porra de um colchão limpo nesse quarto em
cinco minutos, mande alguém vir trocar agora! — Sua face se vira na
direção da porta aberta do quarto, gritando alto em comando. — Viu, já está
resolvido, não pense mais no colchão! — Sua face volta para mim e me
olha nervoso. — Me diz o que lhe machucou, pécheur...
Minha mente, ela me condena, e eu não sei como lhe dizer o quanto
ela está bagunçada, que o pesadelo parecia tão real, ao ponto de me fazer
sentir toda dor e angústia que tinha dentro daquele cômodo escuro, no olhar
negro daquela criança que tinha a minha face. Meus dedos se erguem e toco
minha testa, chorando, enquanto lhe mostro, mostro a ele onde meus
demônios estão escondidos. Mordo minha boca e rasgo a pele do lábio
inferior, sentindo a dor não sendo suficiente para fazer tudo se silenciar.
— Não faça isso! — Meus olhos se abrem e encontro os seus
quando sua mão esmaga meu pescoço. — Não pode se machucar, Eva!
Olhe nos meus olhos e solte seus lábios.
É um comando, sendo alto e claro, com seus olhos intensos fixos
nos meus. Seu dedo alivia o aperto em minha garganta e alisa a pele
lentamente com seu indicador, na lateral da minha veia. Sua cabeça balança
em positivo quando meus dentes obedecem sua ordem.
— Isso, boa menina... — Sir Hector mantém seu contato visual e
caminha lento, me segurando, mantendo seus dedos presos na minha
garganta, acariciando. — Está sentindo o toque, sinta minha mão em volta
de seu pescoço, se concentre apenas no calor dela...
Meus olhos se fecham e minha mente bagunçada tenta se concentrar
apenas nos seus dedos, nos movimentos que eles fazem enquanto
comprimem lentamente meu pescoço.
— Abra os olhos! — Minhas pupilas se abrem, respondendo à sua
ordem, quando ele força um pouco mais sua mão, causando a compressão
do ar. — Respire devagar e mantenha seus olhos em mim, minha pécheur.
Não desvio meus olhos dos seus, nem os fecho enquanto tento
diminuir a minha respiração, mas não consigo, não consigo acalmar meu
coração, que bate acelerado, e nem inalar o ar devagar. Sinto meu corpo
sendo depositado lentamente sobre o balcão da pia do banheiro, com ele me
soltando apenas a tempo para fechar a porta e trancar, ligando o chuveiro
em seguida.
— Mantenha seu olhar em mim! — Sua voz é rouca, mas firme, me
dando uma ordem.
Soluço e balanço minha cabeça em positivo, enquanto ele retira sua
calça, sem desviar seus olhos dos meus, antes de me pegar novamente em
seus braços e entrar embaixo do chuveiro comigo. Meus pés tocam o piso e
sinto água quente caindo em meu corpo. Sua mão se ergue e alisa minha
face, antes de seu outro braço se esticar e pegar o sabonete. Ele o passa pelo
meu corpo devagar. Eu apenas choro, não consigo segurar as lágrimas, mas
ainda obedeço, não desviando meus olhos dos seus a cada toque da sua mão
me ensaboando com cuidado.
— Eu cuido de você, porque eu te amo. Sabe que eu te amo, e
sempre vou cuidar de você. — O sorriso se faz em seus lábios enquanto
beija minha testa, segurando minha face em suas mãos. — Eu sempre serei
uma parte sua, assim como você é minha.
Eu quero gritar, desejo bater minha cabeça na parede, com toda a
força que eu posso, para fazer a maldita voz de Freire sair da minha mente.
Ela não cuidou de mim, ela tinha destruído a minha vida.
— Sinto muito, sinto muito... — Choro com dor e fecho meus olhos,
sentindo tanto medo, tanto desespero, que consome meu magro corpo
machucado e faminto. Não sei há quanto tempo estou trancada dentro
desse quarto frio e sujo. — Eu não queria, não queria... me desculpa.
— Está tudo bem, tudo bem, eu cuido de tudo. — Ela se agacha e
deixa seus olhos na altura dos meus, segurando meu rosto, me fazendo
abrir meus olhos para ela. — Apenas esqueça, não pense mais nisso.
Seus braços se esticam e me puxam para seu peito, e eu choro,
sentindo dor em meu corpo. Estou assustada, quero que ela me leve daqui.
— Não pense mais nisso, nunca mais pense nisso, minha pequena
Herodias.
Tudo fica confuso, com as imagens se misturando em minha mente.
Os dedos de Freire retiram a coleira do meu pescoço, a deixando cair no
chão junto com a corrente, e me ergue em seus braços. Sua voz baixa e
calma mantém as palavras me mandando esquecer de tudo, e minha mente
vai se apagando.
— Minha Herodias, não pense mais, apenas descanse, que vou
cuidar de tudo, como eu sempre cuidei de você.
Foram dezenove anos roubados e destruídos, escondidos dentro dos
escombros da minha mente. Pedaços de paredes que contavam histórias que
eu passei anos fingindo que não existiam. Eu a amava, a amava porque era
a única coisa real que eu tinha na minha vida, a única pessoa que cuidava de
mim, mas o que ela fazia em minha mente não era cuidar, era envenenar. E
eu me enxergo, vejo minha dor diante do reflexo do olhar azul de gelo que
está preso ao meu, com ele em silêncio, me lavando enquanto eu choro. É
tanta dor que guardo dentro de mim, que nem se arrancasse cada centímetro
da minha pele, pedaço por pedaço, tira a tira, nada a abafaria. Sir Hector
acaricia meu rosto e empurra meus cabelos para trás. Seu dedo se move e
toca minha boca, observando meus lábios, enquanto lhe mostro quão
quebrada e machucada eu sou por dentro, a cada lágrima que rola por
minhas bochechas.
Não sei quanto tempo ficamos embaixo do chuveiro, o quanto eu
choro, mas a cada segundo, minuto ou hora que se passou, eu mantive meus
olhos presos aos seus. Talvez tenha sido dez minutos, trinta, não importa,
porque para mim foi o choro de uma vida inteira diante dele. Depois que me
tira do banho, ele me enrola em uma toalha, pegando outra para ele e se
secando rápido. Destranca a porta do banheiro, abrindo-a antes de retornar
para mim. Sir Hector me ergue no colo como um bebê, me levando colada
em seu peito. Observo a cama arrumada, com lençol limpo, e a porta do
quarto fechada. Ele caminha para ela e me deposita na cama, me secando
com cuidado e sem pressa. Com carinho, seus dedos trilham cada parte do
meu corpo, me secando, dedicando um longo tempo a secar com calma os
meus cabelos. Sir Hector se move lento após os secar, ficando parado à
minha frente. Ele ergue meu braço e olha para a ferida com tristeza, a que
eu tinha aberto de novo no dorso da minha mão, esmagando seus lábios
enquanto inala o ar com força.
— Não desejo lhe castigar, Eva, mas terei que fazer isso, já que não
obedece minhas ordens. — Sua voz é serena, enquanto nega com a cabeça.
— A dor alivia — murmuro e olho para a ferida, antes de erguer
meus olhos aos seus. — Ela silencia...
— Não essa dor, pécheur. — Ele se move e segura meu rosto,
alisando a lateral da minha nuca, me fazendo erguer a cabeça para ele,
apoiando seu joelho no colchão e me fazendo deitar na cama. — Não essa
dor.
Ele se afasta e caminha para perto da parede, apagando a luz do
quarto e deixando apenas a do banheiro acesa. Seu peso faz a cama se
mover, enquanto ele engatinha pelos pés dela. Sinto o choque na minha pele
quando sua boca se fecha em meu tornozelo, o beijando lentamente,
arrastando devagar sua língua, fazendo minha mente se concentrar apenas
nele. Sua boca sobe com calma por minha perna, tendo o rastro de fogo
aquecendo a pele onde sua língua desliza, repetindo o mesmo gesto na outra
perna, até parar sua boca entre minhas coxas, acertando sua respiração
quente em cima do meu clitóris.
E meu corpo arde, vibra, como se estivesse em chamas, na primeira
passada de língua em minha vagina. Ele a beija lentamente, me fazendo
sentir meu interior pulsar. Meus dedos sentem seus cabelos molhados
quando os ergo e os prendo em sua cabeça. Sua boca me suga e me chupa
com mais intensidade. Sua mão sobe, espalma e esmaga a lateral do meu
corpo, até chegar na barriga, a alisando. Meus gemidos são baixos, o tendo
me tocando de uma forma diferente, a qual ele nunca fez em mim, me
acariciando com ternura e sem pressa. Sir Hector lambe várias vezes meu
clitóris, deslizando sua língua por cima dele, o castigando a cada tremor que
causa dentro de mim. Meu corpo inteiro fica rígido, implorando por
libertação.
Fecho meus olhos e arqueio meu tórax para cima, quando dois
dedos dele me invadem, entrando e saindo lentamente, no mesmo ritmo da
sua língua, que circula sobre meu clitóris. Viro meu rosto e mordo o
travesseiro quando sinto o formigamento que me atinge, me fazendo ofegar,
causando choque em meus músculos. Sua boca se fecha por inteira e suga
meu clitóris, quando minha mente explode, liberando toda aquela sensação
de adrenalina por meu corpo, sendo seguida por uma nova onda de
relaxamento. Meu raciocínio está lento, praticamente vazio, quando sinto o
colchão se afundando e suas mãos espalmadas de cada lado do meu corpo,
com ele me cobrindo por inteira, com seu corpo acima do meu. Meus olhos
se abrem e encontro os seus quando ele força a cabeça do seu pau dentro de
mim, empurrando seu quadril pouco a pouco.
Sua face se abaixa e seus lábios me beijam, me penetrando a cada
espacinho que seu pau vai se empurrando dentro de mim. Minhas mãos
seguram em seus braços e apertam mais forte, como se tivesse medo da
escuridão o levar embora, deixando apenas toda aquela dor e confusão me
machucar novamente. Ele movimenta lento, entrando e saindo de dentro de
mim, me beijando de um jeito que eu poderia morrer com prazer se ele
tirasse todo meu ar. Demonstrei o quanto ele era importante para mim, o
quanto ele tinha se tornado precioso em minha vida em tão pouco tempo,
que apenas me sinto completa e em paz quando ele está comigo.
Sir Hector ergue um pouco seu tórax e solta meus lábios, raspando
seus dentes em minha garganta, deixando suas estocadas ficarem mais
fundas e fortes, rasgando a minha alma, como se pudesse tirar o que tem de
feio dentro dela. Minha boceta o suga dentro dela, assim que meu corpo
treme por inteiro, com a energia que ele me toma ficando mais intensa,
tendo seus olhos presos aos meus. Minha cabeça se ergue quando minha
mão segura seu pescoço, trazendo sua face para perto da minha, e ele beija
com brandura, enquanto faz eu me sentir viva novamente em seus braços,
quando meu orgasmo rasga dentro de mim. Seu peito se cola ao meu e leva
sua mão para minha coxa, esfregando sua face em meu pescoço, com seus
lábios mordendo a pele, me fazendo sentir uma ardência quando suas presas
rompem a pele, e apenas essa dor, essa dor, consegue silenciar tudo,
enquanto ele goza dentro de mim.
O abraço mais forte, não querendo que ele se afaste, enlaçando sua
cintura com as minhas pernas. Fecho meus olhos e concentro minha mente
no som alto das nossas respirações, no deslizar da língua sobre meu ombro,
lento. O beijo calmo é depositado em cima da mordida, com ele esfregando
seu nariz em meus cabelos. Não sei o que tínhamos feito, não teve aquela
urgência, nem pressa que normalmente ele causa dentro de mim quando me
toca, o que teve dessa vez foi diferente, de um jeito que não era só meu
corpo que ele tocava, mas sim a minha alma.
— Eu me vi, me vi encolhida no canto escuro, me vi lutando para
proteger a mim mesma, e por mais que tenha sido um pesadelo, tudo foi tão
real, cada grito, cada dor, como se sentisse tudo me engolindo... —
murmuro, abraçando-o mais forte. — E senti medo, tanto medo, porque,
dentro de mim, algo sabe que eu fiz uma coisa muito ruim...
Sua face se afasta devagar e seus olhos ficam presos aos meus
quando ele ergue a cabeça, estudando minha face.
 — E ela sabia, sabia que eu fiz algo mau, e ficou feliz por isso.
— A freira regente, a Sophia? — Hector ergue sua mão e segura
meu rosto, enquanto eu soluço e choro, negando com a cabeça.
— Minha madrinha, Freire! — Fecho meus olhos e escondo meu
rosto em seu peito, o abraçando forte.
 
CAPÍTULO 20

 
O pecado de Herodias
 
Eva Fishie
 
— Pensei que tinha gostado de Yelena. — Escuto sua voz enquanto
deixo meus olhos focados na cabeça de cobra que ele esmaga em seus
dedos.
— Eu gostei — sussurro e balanço minha cabeça em positivo, não
mentindo, já que tinha me sentido bem na presença dela.
Minha face vira para a janela do carro e olho Edmundo parado na
calçada, com mais três homens perto dele, de terno e óculos escuros.
— Eva, olhe para mim.
A ordem dita em voz de comando me faz girar meu rosto para sir
Hector, que está sentado ao meu lado, no banco de trás do carro.
— Me diga o que está pensando. — Seus dedos se erguem e ele
segura meu queixo, o mantendo preso.
Inalo o ar lentamente pelo nariz e olho confusa para ele, não
sabendo ainda como me sinto ao descobrir que ele não ficará comigo
dentro da butique. Nunca tinha comprado nada. E se eu não gostar de
nada, ou pior, se o que eu gostasse o deixasse bravo?!
— Pensei que ficaria comigo — murmuro, lhe dizendo a verdade
que está me afligindo.
— Tenho assuntos para resolver. Yelena e Sieta se ofereceram para
lhe fazer companhia. Não precisa ficar assustada, está segura. — Sir
Hector alisa meu queixo e eleva os olhos por cima da minha cabeça,
olhando na direção do prédio. — Edmundo ficará também, ninguém vai lhe
fazer mal algum, compreende, ninguém, pécheur...
Meus olhos piscam e respiro fundo, encarando o vestido em um tom
tão laranja, que faz eu me sentir uma abóbora gigante enquanto me olho no
espelho, com a cintura marcada, mas que tem a saia parecendo um balão,
com a gola alta. Dame Clô, a dona da butique, tinha o separado para mim
junto com outras peças de roupas, as quais nenhuma até agora fez eu me
sentir confortável. Todas eram elegantes demais, extravagantes demais.
— Vamos, Eva, saia, nos mostre como ficou! — A voz risonha de
Yelena se faz do lado de fora do provador. Ela e Sieta passaram os trinta
primeiros minutos desde que cheguei, sentadas no sofá rosado, que tem no
meio da sala, olhando os vestidos que a dona da loja me dava para
experimentar.
Não eram roupas feias, muito menos roupas como dame Emanuelle
me fez vestir, deixando muitas partes do meu corpo desnudo. Só que eram
roupas que faziam eu me sentir um arco-íris, de tão chamativas. Rosa-
choque, amarelo que deixaria uma gema de ovo com inveja da tonalidade,
vermelho escarlate, roxo... E a cada peça de roupa que eu experimentava,
mais nervosa eu ia ficando, porque essas roupas elegantes, cheias de
brilhos, não pareciam combinar comigo.
— Eva, ande, nos mostre! — Viro meu rosto e olho para a grande
cortina de camurça vermelha, encolhendo meus ombros, enquanto caminho
para fora do provador.
Um sorriso amarelo se faz em meus lábios, enquanto abro a cortina
e fico parada diante delas. Sieta, que estava levando uma garrafa de água à
boca, fica com seu braço congelado, me encarando, enquanto Yelena
arregala seus olhos e me olha de cima a baixo. Edmundo, que está a poucos
passos, parado, com seus braços cruzados perto da porta fechada da loja,
pigarreia, dando uma tosse e desviando seus olhos de mim, não
conseguindo desfazer o repuxar em sua boca, que demonstra desagrado
quando encara o chão.
— Oh, mon cher, está...
— Fazendo meus olhos doerem — Yelena corta a dona da loja e se
levanta, negando com a cabeça e caminhando em minha direção.
— Que absurdo! É um vestido exclusivo...
— Exclusivo para ser jogado no lixo, creio eu. — Sieta se levanta e
fecha a garrafa com a tampa. — Ok, para mim já deu. Se tiver que ver mais
um vestido cafona, vou queimar essa loja. — Olho para Edmundo, que tem
um riso preso em seus lábios quando Sieta fala zangada com a dona da loja.
— Minhas roupas são exclusivas, usadas pelas damas da alta
sociedade. Nunca fui tão insultada ao ter alguém que usa pedaços de couros
remendados, dizendo que minha roupa é cafona, como fui agora! Sir
Pellegrini veio até mim porque sabia que eu poderia ajudar a jovem a se
vestir à altura de um gentleman como ele. Tenho certeza de que ele não
pensa em desfilar com a sobrinha parecendo uma camponesa ao seu lado!
O corpo de Edmundo se desencosta da parede, no mesmo segundo
que Sieta avança para perto da mulher, cerrando sua boca.
— Tenho absoluta certeza que Pellegrini pediu para deixá-la
confortável e feliz. E não é isso que a face de Eva me mostra! — Um
rosnado escapa dos lábios de Sieta, enquanto caminha lenta e faz a dona da
loja se encolher, ficando assustada. — A menos que deseje que Edmundo
chame Pellegrini aqui, e veja com os próprios olhos dele o desconforto de
Eva, sugiro que meça suas palavras!
A mulher vira sua face para mim, antes de olhar rapidinho para
Edmundo, balançando a cabeça em negativo.
— Ótimo, agora traga as roupas que realmente são para ela, e não as
que você quer vender para aumentar o lucro do seu caixa! — Acho que a
minha expressão de assombro é a mesma que está na face da dona da loja,
ao ver a mulher pequena de cabelos curtos ameaçando-a.
— Acho que devo ter outras peças, vou buscá-las! — A mulher
elegante, com seu vestido negro, balança a cabeça em positivo para Sieta,
enquanto lhe responde nervosa.
— Faça isso. — Sieta relaxa sua expressão zangada e dá um sorriso.
— E a propósito, todos aqui dentro sabem que ela não é sobrinha dele, e
sim a mulher! — Meu corpo fica rígido enquanto respiro depressa, ao ouvi-
la falar isso. Eu não sei o que sou do sir Hector, nunca conversamos sobre
isso. — Então não a insulte novamente, lhe comparando a uma amante de
luxo, e muito menos a uma camponesa, se não será de mim que terá que ter
medo, e não de Pellegrini!
Sieta vira seu rosto para mim e me dá uma piscadinha, deixando um
sorriso de lado se esboçar em seus lábios.
— Mãe, ajude Eva a tirar essa coisa horripilante do corpo dela, vou
ajudar a madame Clô a escolher as peças de roupas...
Viro quando Yelena segura meu braço, rindo e caminhando comigo
para o provador. Volto meu rosto e olho preocupada para as duas mulheres
que ficaram discutindo.
— Não se preocupe, pequena. — Yelena sorri e bate sua mão em
meu ombro. — O máximo que pode acontecer, é Sieta realmente tacar fogo
na loja, ou estrangular aquela vadia com aquele lenço horrível que ela está
usando.
Meus olhos se arregalam, ficando presos nos de Yelena, quando ela
diz isso de forma tão natural, como se realmente Sieta fosse fazer isso.
— Pinguinzinho charmoso, fique de olho nas duas! — Me viro e
olho Edmundo quando entro no provador, que tem seu olhar cerrado,
encarando Yelena quando ela o chama de pinguim. — E não deixe Sieta
bater na velha...
Yelena solta uma gargalhada e fecha a cortina na cara dele, antes de
se virar para mim, levando suas mãos à cintura.
— Está parecendo uma grande abóbora.
— Sim! — Caio na gargalhada e balanço minha cabeça em positivo,
ficando de frente para o espelho, desapreciando o vestido ainda mais do que
da primeira vez que me olhei no espelho. — Uma abóbora gigante.
— Sieta vai achar roupas mais confortáveis — Yelena fala calma, se
aproximando por trás de mim, me deixando ver sua face pelo reflexo do
espelho. — Não lhe agradou ouvir Sieta lhe dizer que é a mulher de Hector?
— Monsieur cuida de mim. — Ergo minha mão e belisco a fina pele
que tem entre meus dedos. — Ele me tirou da casa de dame Emanuelle, me
protege e me contou a verdade sobre Freire e minha mãe, mas não sou a
mulher dele, ele só cuida de mim...
— Oh, meu pequeno anjo! — Yelena diz, rindo, negando com a
cabeça. — Dorme na cama dele, não dorme? — Balanço minha cabeça em
positivo, a olhando pelo espelho. — O deixou tocar em você e gosta do
toque dele?
— Sim... — Fico envergonhada pela forma que ela me olha de um
jeito risonho.
— Gosta, não é?! — Yelena brinca e empurra a gola do vestido,
olhando o roxo em meu pescoço, rindo da timidez que fico ao vê-la
enxergando a marca dos dentes dele em minha pele.
— Gosto, eu gosto quando sir Hector me toca. — Eu abaixo meu
olhar e dou um suspiro.
— Aprecia o cheiro dele, de uma forma que até de olhos fechados
poderia o encontrar apenas pelo odor que lhe faz ficar com o coração
batendo apressado e a respiração sem fôlego?
— Sim! — Ergo meu rosto e olho a face dela, confirmando como as
palavras dela descrevem como eu me sinto.
— Se encolhe nos braços dele, porque o calor da sua pele a faz
desejar ficar sempre junto dele, segura e abrigada em seu peito... — Seu
tom de voz fica calmo, com ela me dando um olhar sereno. — Mesmo em
tão pouco tempo que ele entrou em sua vida, dentro de você se sente
solitária e ansiosa quando ele não está perto.
— Sim... — É como se ela estivesse olhando dentro de mim, como
se explicasse para mim mesma o que eu sinto ao ficar perto dele, em seus
braços, como eu não fico mais perdida ou solitária quando estou ao lado
dele. — Isso é ruim?
— Não, ao menos que um dia queira se afastar dele, daí sim isso
será um problema, já que terá um grande lobo te caçando...
— Não quero me afastar de sir Hector — a respondo rápido e nego
com a cabeça.
— Então isso lhe torna a mulher dele, pequena Eva, em corpo e
alma...
— Sangue, carne e pecado. — Sorrio, lhe respondendo, recordando
das palavras de sir Hector na primeira vez que ele me tocou.
— Quem lhe disse isso? — Yelena pergunta séria e dá um passo
para trás, olhando curiosa para mim.
— Sir Hector, ele me disse isso quando tomou meu corpo pela
primeira vez — lhe respondo rapidinho. — Sir Hector não acha meu sangue
sujo ou impuro.
 Seus olhos ficam perdidos por alguns segundos e vira seu rosto na
direção da cortina do provador, dando um sorriso fraco quando retorna a me
olhar.
— Por que não fazemos uma trança nesse cabelo? Tenho certeza de
que com essas inúmeras trocas de roupas, deve estar com a nuca molhada
de tanto calor. Podemos fazer isso até Sieta voltar com suas roupas — ela
desconversa e abaixa seu olhar para os meus cabelos. — Eu sofria com os
meus cabelos grandes quando o verão chegava.
Meu corpo congela quando sinto seus dedos tocarem meus ombros,
com eles puxando meus cabelos para trás.
— Minha irmã tinha cabelos longos também, iguais aos seus, acho
que o dela era até maior, batia perto da panturrilha, de tão compridos. Gosta
de trança, Eva? — O som da sua voz muda, não tendo mais o traço de riso.
Balanço minha cabeça em positivo e desvio meus olhos do espelho,
encarando o tapete vermelho no chão do provador.
— Quando eu era menina, eu amava fazer tranças. — Os dedos de
Yelena alisam meus cabelos, enquanto os separa em três mechas grossas. —
Fazia tranças em minhas bonecas, em minha irmã... Amava fazer tranças.
Às vezes eu desmanchava apenas para fazer de novo, de novo e de novo.
Podia passar o dia todo apenas brincando nos cabelos da minha irmã, os
trançando.
Ergo meus olhos para o espelho e encontro a face da senhora
erguida, me encarando pelo reflexo.
— Fazia tranças em suas bonecas quando criança, Eva? — Nego
com a cabeça, respondendo sua pergunta. — Mas por que não fazia, não
gostava?
— Eu não tinha boneca... — Pisco rapidinho e retorno a olhar para o
chão.
— Então fazia as tranças em si mesma, ou era outra pessoa que
fazia?
Meus ombros se encolhem e meus dedos se esmagam na lateral da
minha perna, prendendo o tecido feio em minhas mãos.
— Tinha ajuda...
— Um cabelo tão longo e bonito como esse devia dar muito
trabalho, como os meus e os da minha irmã davam. Eu realmente amava
fazer tranças, mas odiava quando minha mãe fazia em mim.
Meu pescoço fica rígido e endireito minha postura quando ela aperta
um pouco mais forte meus cabelos em sua mão, os puxando para trás.
— Era grosseira e maldosa, todas as vezes que mexia em meus
cabelos. — Meus olhos se fecham e inalo o ar mais depressa, sentindo os
dedos dela trançando meus cabelos. — Sempre me obrigava a ficar
ajoelhada diante dela, todas as noites, escovando e escovando meus cabelos,
com um pente de madeira, ao ponto de causar dor em minha cabeça, pelo
tanto que ela puxava.
Mantenho meu olhar baixo e fico calada. Não quero me mover, com
medo dela ficar brava, como Sophia ficava quando eu me mexia.
— Eu chorava à noite, enquanto a dor no couro cabeludo ficava
mais forte pela tortura que era ter minha mãe mexendo em meus cabelos —
ela murmura e solta o ar lentamente, o deixando atingir minha nuca. —
Realmente odiava a forma como ela mexia em meus cabelos. Talvez seja
por isso que os cortei quando saí da casa da minha mãe, para me lembrar
que ela não podia mais me ferir.
— Ela te machucava? — pergunto, baixinho, olhando meus pés
enquanto raspo meu calcanhar no tapete.
— Sim, ela me machucava. Machucava minha irmã também, ela era
uma pessoa ruim. — Minha cabeça se ergue quando sinto suas mãos se
fecharem em meu ombro e alisarem meus braços lentamente, com seus
olhos fixos em minha face. — Só que eu a amava, amava ela, e pensava que
o que ela fazia comigo, era porque ela me amava também. Mas o amor dela
era cruel, era um amor que só tinha dor. — Seu queixo se fixa em meu
ombro, com ela abaixando seu tom de voz, mantendo o carinho em meu
braço. — E demorei algum tempo para entender realmente que o que ela
fazia comigo e minha irmã não era amor.
— Não? — Olho para ela perdida, vendo sua cabeça balançando em
negativo.
— Não, não era. Porque ela não se importava se eu estava com dor,
assustada e triste, ela apenas se importava de eu ser sua perfeita boneca,
delicada e silenciosa, e eu fazia isso. Lhe obedecia na esperança de que ela
me amasse de verdade. — Yelena abaixa seu olhar para minha mão e fica
em silêncio, olhando para o curativo. — E como eu era muito jovem e ainda
não compreendia o que ela estava fazendo comigo, eu desenvolvi um
péssimo hábito. Aos dez anos...
— O quê?
— Cabelos — ela diz, baixinho, negando com a cabeça. — Minha
mãe controlava tanto a minha mente, que eu comia meus cabelos, arrancava
fio a fio e os comia, para poder lidar com todo o estresse que ela me
causava. E isso quase me matou aos vinte e dois anos, quando descobri que
tinha problemas severos em meu intestino delgado e uma bola de cabelo no
meu estômago.
Sua mão escorrega pelo meu braço e ergue minha mão lentamente,
olhando o curativo.
— Às vezes queremos esquecer do que nos machuca e isso causa
danos ainda maiores. — Ela ergue sua face e me dá um sorriso calmo. — E
quando nos machucamos, também machucamos quem está à nossa volta,
compreende?
— Arrancou o cabelo de alguém para comer? — Pisco, confusa,
olhando meu curativo, ouvindo o som baixo da risada de Yelena.
— Não — ela suspira e nega com a cabeça, me dando um sorriso
triste. — Mas machucava de outra forma. Machuquei quem cuidava de
mim, o deixando triste ao saber que não conseguia me proteger de mim
mesma, e isso o fazia ficar infeliz.
Ele ergue meu braço e olha para a ferida com tristeza, a que eu
tinha aberto de novo no dorso da minha mão, esmagando seus lábios
enquanto inala o ar com força.
— Não desejo lhe castigar, Eva, mas terei que fazer isso, já que não
obedece minhas ordens. — Sua voz é serena, enquanto nega com a cabeça.
— Sir Hector fica triste quando eu me machuco — murmuro,
ficando infeliz ao saber que causo tristeza nele.
— É isso que você quer, Eva? — Ela me vira lentamente e abre o
zíper na lateral do vestido que está no meu corpo.
— Não. — Nego com a cabeça, não quero causar tristeza nele. —
Sir Hector cuida de mim, não quero o fazer ficar triste.
Ainda não compreendo o que tenho com sir Hector, mas realmente
não quero causar tristeza a ele, não quando tristeza é tudo o que eu tive.
— Como Yelena deixou de se machucar? — Ergo meus olhos para
ela, lhe perguntando baixinho.
— Digamos que busquei outro meio de lidar com a minha dor, mas
acho que no seu caso, sir Hector não autorizaria. — Ela ri e se afasta,
levando as mãos à cintura. — Mas você pode recorrer a outros meios. —
Ela ergue seus olhos para meus ombros quando eu afasto a manga do
vestido, puxando o meu braço. — O que sente quando ele te morde?
Eu desvio meus olhos dos seus, abaixando minha cabeça e sorrindo.
— Me sinto bem — sussurro envergonhada.
Mas estou dizendo a verdade, realmente me sinto bem com tudo que
sir Hector faz em mim, é como se encontrasse paz.
— Pois bem, já sabe por onde começar!
— Achei algumas coisas que pode gostar, Eva. — A voz animada de
Sieta soa do lado de fora do provador.
Yelena afasta apenas um pouco a cortina, enquanto pega as peças de
roupas. Recaio meus olhos para elas e dou um sorriso.
— Experimente, e descubra do que gosta! — Yelena pisca para mim
e se retira do provador, me dando a impressão que não é apenas sobre as
roupas que ela fala.
Retiro o vestido do meu corpo de vez, pegando uma camisa e uma
calça jeans, que estão junto com as peças de roupas. Experimento e sorrio
quando me vejo usando calça. E a cada peça de roupa que visto e mostro
para elas, mais contente eu fico. Descubro que gosto de shorts, assim como
saias, regatas, camisetinhas de botões e jardineira de vestidinho jeans. E a
cada peça de roupa que eu vou vestindo, mais curiosa fico sobre aquela
mulher no reflexo do espelho que me encara, e eu gosto do que vejo.
— Ande, Eva, estou louca para ver você! — A voz de Sieta fala e ri,
enquanto eu fico em silêncio, observando o último vestido que ela me
trouxe. — Só para saber, esse aí foi minha mãe que escolheu!
— Porque ele foi praticamente feito para ela! — Viro meu rosto e
olho para a cortina fechada quando Yelena fala. Retorno a olhar para o
espelho, tendo que concordar com suas palavras.
É como se madame Clô o tivesse costurado em meu corpo. Seu tom
vermelho é forte, mas não de um jeito agressivo, ele fica justo em meu
corpo, principalmente na cintura, mas não é curto, como as roupas que
dame Emanuelle me fez vestir. É delicado, dois dedos acima dos meus
joelhos, com a saia soltinha, mangas de renda, deixando a parte de cima do
meu colo transparente, tendo apenas a gola dele em um tom vermelho mais
forte, se fechando em volta do meu pescoço.
— Vamos morrer velhas aqui fora, te esperando, Eva! — Sieta ri,
brincando comigo.
— Fale por você, Sie, porque eu e o pinguim charmoso já estamos
velhos. — Sorrio ao ouvir a voz de Yelena, resmungando com Sieta, ao
mesmo tempo que provoca Edmundo.
Inalo o ar com força e me viro, saindo lentamente do provador,
abrindo de mansinho a cortina.
— Meu Deus! — A voz de Sieta não tem mais traço de riso, está
com seus olhos presos em mim, olhando o vestido inteiro em meu corpo,
antes de parar seu olhar em minha garganta. — Escolheu esse vestido de
propósito, mãe!
— Ela está linda, não está?! — Yelena sorri para mim de orelha a
orelha.
Paro meu olhar em Edmundo, que tem suas bochechas rosadas,
antes de desviar seus olhos de mim.
— Não precisa levar esse se não quiser, Eva — Sieta fala com
calma, olhando para o vestido. — Não sei onde Yelena estava com a cabeça
em pegar esse vestido para você...
— Eu gostei dele — lhe respondo e abaixo meu olhar para o tecido
vermelho, enquanto passo meus dedos no vestido. — Acha que sir Hector
não vai gostar?
Ergo meu rosto para Sieta e a vejo negar com sua cabeça, erguendo
sua mão e coçando sua nuca.
— Penso que Pellegrini vai...
— Vai achar parfait! — A voz masculina fala alta perto de
Edmundo, com um timbre grosso e potente. Ergo meu olhar rapidamente
para o homem de cabelos curtos, que fecha a porta da loja, estando de
costas para mim.
Abaixo minha cabeça, em um primeiro momento pensando ser
algum cliente, mas o som do batuque acertando o piso e o timbre
irreconhecível da bengala, como se tivesse me dando uma ordem para
erguer minha cabeça, me deixa confusa. Pisco rapidamente e ergo minha
cabeça de volta, o olhando. Meus olhos param em seus olhos azuis, antes de
olhar seu corte de cabelo curto, deixando a beleza aristocrata dele ainda
mais esmagadora, fazendo eu me sentir como se estivesse o vendo pela
primeira vez novamente.
— Olha só quem também mudou o visual! — Yelena fala, rindo,
enquanto Sieta solta um assobio.
Não consigo desviar meus olhos dele. Sir Hector está ainda mais
charmoso do que antes, não que não gostasse dos seus cabelos negros
longos, que lhe davam um aspecto selvagem, pois eu gostava, só que agora
ele está ainda mais perigoso. Ele dá um olhar para Edmundo, que murmura
algo que apenas ele pode ouvir, antes de começar a andar em minha direção.
Sinto meu coração disparar, minha respiração ficar mais forte, e seu olhar
azul-celeste irradia masculinidade enquanto caminha a passos lentos para
mim.
Seu perfume entra em minhas narinas a cada lufada de ar que dou
mais forte, inalando seu perfume, que me faz ficar aquecida da cabeça aos
pés. E aquela mesma sensação de impulso, que eu tive quando o beijei,
quando nos escondemos da chuva, me pega novamente, me fazendo andar
para ele, cortando o espaço de vez, como se tudo ao nosso redor tivesse sido
anulado. Meus dedos inquietos estão trêmulos quando se erguem e o tocam,
como se precisasse senti-lo para saber que realmente é sir Hector que está à
minha frente.
— Sentiu minha falta? — Sua voz rouca sai perigosa quando inclina
sua cabeça para frente e murmura para mim.
Balanço minha cabeça rapidinho em positivo e estico meus dedos,
tocando seus cabelos curtos.
— Gosta? — Meus olhos desviam dos seus cabelos para os seus
olhos, que contêm uma magia que me deixa à sua mercê toda vez que me
olha assim, com pura posse.
Sinto o pulsar entre minhas pernas, do mesmo jeito que a umidade
da minha calcinha, não conseguindo controlar o impulso de fechar meus
olhos e esfregar minha bochecha em seu peito, enquanto eu sorrio, lhe
deixando saber que tinha gostado, que senti sua falta. Meu corpo inteiro fica
elétrico e sinto como se formigas estivessem por baixo da minha pele,
querendo sentir seu toque, seu calor, seus dedos em meu corpo, beijar sua
boca.
— Acho que isso foi um sim. — Seu peito vibra e ele inala o ar com
força, inclinando seu rosto e alisando meus cabelos com seu nariz.
— Maçã... — Ergo meu rosto quando sua mão o segura, alisando a
ponta do meu queixo.
Sir Hector comprime seus lábios e me faz hiperventilar apenas com
a intensidade que seus olhos estão presos aos meus, compreendendo o que
eu peço. Sua cabeça se ergue e ele olha para trás de mim, mantendo sua
face séria.
— Yelena, venha, quero te mostrar uma coisa lá fora. — A voz de
Sieta é rápida, sendo seguida de uma risada baixinha, arrastando Yelena
para fora da loja.
— Edmundo! — O tom da voz de sir Hector em comando sai rouco,
com ele mantendo seus olhos aos meus.
— Dame Clô poderia me acompanhar? — Edmundo chama de
forma educada a dona da loja, a levando para fora.
— Maçã? — Sir Hector me olha, tendo um sorriso no canto dos seus
lábios.
— Maçã... — Sorrio e escondo minha face no peito dele, sentindo
os movimentos que as batidas do seu coração causam em seu tórax. —
Maçã.
Um gritinho sai da minha boca quando ele envolve minha cintura,
me puxando para ele e esmagando sua mão em minha bunda.
— Pequena pécheur!
 
Hector Pellegrini
 
— Diga! — sibilo calmo para Edmundo e mantenho meus olhos nos
documentos à minha frente, da fábrica do meu pai, que eu forcei a ir à
falência, para ele renunciar a ela e ter que vender.
— Se não for muita intromissão da minha parte, gostaria de dizer
que aprecio lhe ver com o mesmo vigor de antigamente, sir.
Ergo meu rosto e reclino minhas costas na cadeira, olhando
Edmundo parado dentro do escritório conjugado, que tem dentro do
apartamento da suíte de luxo.
— É bom revê-lo. — Balanço minha cabeça em positivo para ele e
lhe dou um rápido sorriso, compreendendo ao que Edmundo se refere.
Eu também me revi quando cortei meu cabelo, enxergando um
Hector que há muito tempo estava morto para mim. Tinha o abandonado
entre os metais do carro no dia que Joseph morreu, mas, de alguma forma,
ele retornou desde o dia que Eva me aceitou dentro daquele quarto. Ela faz
eu me sentir como há muitos anos eu não me sentia.
— Foi apenas um corte de cabelo, Edmundo — falo, baixo,
tamborilando a ponta dos meus dedos sobre a mesa.
— Suponho que não, sir. — Edmundo dá um passo à frente, me
deixando curioso com a forma que seus olhos estão me encarando.
— Pelo que me lembre, foi a única coisa diferente que mudou em
mim, ainda continuo o mesmo.
— Não notou mais nada de diferente, sir? — Ele arqueia sua
sobrancelha, me indagando.
— Ainda continuo o mesmo.
— Quando foi a última vez que teve uma crise de dor em sua perna,
ou precisou tomar os remédios? — Ele leva seus braços para trás das costas,
enquanto me olha com atenção.
Pisco rapidamente, tentando me recordar. O último pesadelo que
tive foi na noite que Eva entrou no meu quarto e eu a feri. Lembro
exatamente desse dia, porque a dor que vi em seus olhos, e saber que eu fui
o causador, fez eu me odiar, tanto quanto a odiei por ter entrado no meu
quarto e me visto daquela forma, como um aleijado maldito.
— Sir Hector está há mais de três semana sem se medicar, assim
como não tem mais pesadelos noturnos. — A voz de Edmundo é serena e
soa baixo. — Assim como também ultimamente usa a bengala mais como
um suvenir estimado do que um objeto de apoio. Sir não tinha notado essas
mudanças?
Nego com a cabeça, realmente repassando todos esses dias em
minha mente, confirmando que Edmundo está correto. Minha mente está
tão concentrada em Eva, me deixando absorto em tudo que envolve minha
pequena Messalina, que não havia me atentado a esses detalhes, que por
tanto tempo fizeram parte da minha vida, desde que saí daquela cama de
hospital.
— Talvez os médicos estivessem corretos em seus diagnósticos. —
Viro meu rosto e encaro a bengala escorada ao lado da cadeira, prestando
atenção nas palavras dele.
Sim, eu sei o que os médicos diziam, que minha mente me
autopunia, como se fosse meu próprio autoflagelo por ter sobrevivido ao
invés de ter sido Joseph; que não aceitar que a morte do meu irmão era a
minha verdadeira desgraça, e não os pesadelos e as dores latentes em minha
cabeça, ou a porra da bengala. Mas não acreditava, minhas dores eram
reais, a maldita paralisia que me fazia ficar sem os movimentos da minha
perna era real. Só que agora minha mente não está mais presa ao passado, o
revivendo a cada instante. Minha mente está cativa de Eva.
O som da campainha do quarto me faz erguer meu rosto e olhar na
direção da porta.
— Mademoiselle Gregovivk e sua mãe devem ter chegado. — Ele
me dá um sorriso calmo.
— Traga Sieta até aqui, e fique de olho na mãe dela perto de Eva,
principalmente se ela oferecer algum tipo de bebida a ela. — Edmundo me
dá um sorriso e balança a cabeça em positivo.
— Tomei a liberdade de pedir para que o jantar fosse servido na
suíte novamente.
— Está ótimo. Ainda não quero me arriscar deixando Eva à vista de
olhares especuladores, que possam chegar até os ouvidos do meu pai.
Edmundo se afasta e sai do escritório, enquanto retorno meu olhar
para a bengala, a encarando. Meus dedos se comprimem na cabeça da cobra
e bato lentamente a ponta do meu pé no chão, pensando sobre minhas dores,
que há dias eu não sinto mais.
— Edmundo me disse que queria falar comigo. — Ergo minha
cabeça para a mulher magra, usando um vestido preto de couro colado ao
corpo, que me olha desconfiada. — Olha, se é por causa do vestido, saiba
que foi minha mãe que o escolheu...
— Não é por causa do vestido — a respondo e aponto para a
cadeira, lhe deixando saber que não é por isso que a chamei aqui.
Não deixo margem para conversar com ela sobre a veste que sua
mãe tinha escolhido e pedido para Eva experimentar. Eu havia perdido o
raciocínio no momento em que abri a porta da loja e a vi com seus cabelos
longos em uma trança comprida, o vestido vermelho marcando suas curvas,
a deixando ainda mais delicada, como uma rosa, e tenho certeza de que o
enfeite em seu pescoço, como uma coleira de seda, foi tão proposital quanto
a cor escolhida no vermelho em tom de pecado e sangue.
— Meus homens me repassaram informações sobre meu pai das
últimas semanas. — Abro a gaveta e retiro uma pasta, jogando em cima da
mesa. — Julgo que isso possa ser do seu interesse.
Sieta pisca, confusa, olhando para mim e esticando seu braço
lentamente, pegando o documento.
— Alguns dias atrás, Oliver marcou um encontro em um ponto
pobre e miserável de Nice.
— Me diz que não tem foto dele aqui com alguma criança, ou juro
que vou vomitar na sua frente — ela fala com a voz baixa e cerra seus
lábios, abrindo o documento.
— Se fosse isso, lhe garanto que seriam fotos dos restos do corpo
dele que teria aí dentro. — Minha voz sai enojada ao ter que conversar
sobre o maldito que tenho o mesmo sangue em minhas veias. — Oliver foi
até lá para se encontrar com uma mulher, a qual usava o nome falso de
Stacy. — Giro a bengala lentamente e abro e fecho meus dedos, tendo a
cabeça da cobra apoiada na palma da minha mão.
— Nome falso? — Sieta ergue sua face para mim e puxa as fotos em
seus dedos, antes de abaixar sua cabeça, as olhando.
— Sim, meus homens a seguiram, mas ela tem uma grande
facilidade em se mesclar na multidão, como uma camaleoa. — Ela passa as
fotos e olha uma por uma, sem pressa, enquanto eu falo. — Eles acabaram
perdendo o rastro dela quando entrou em um hangar de voo privatizado.
— Filha da puta! — Sieta se ergue assim que encara uma das fotos,
xingando com ódio. — É a cadela da Valéria!
— Sim, tinha quase certeza que era ela assim que vi a foto, mas já
tem muitos anos que meu avô me apresentou a esposa de Huslan Gregovivk
em Sodoma. — Sieta esmaga a foto em sua mão com mais raiva e joga as
outras, com a pasta, em cima da mesa. — Como você tem a memória mais
recente de Valéria, achei melhor confirmar.
— Reconheço a face dessa cadela até se passar mil anos. — Ela
volta a encarar a foto com raiva. — Pode ter mudado a cor de cabelo, mas
te garanto que a vadia nessa foto, conversando com seu pai, é Valéria. Não
acredito que essa puta estava na França e eu não sabia!
— Ela está se camuflando, usando documentos falsos e mudando
sua aparência, por isso não conseguiram rastreá-la.
— Essa cadela é esperta, sabia que se usasse seu nome verdadeiro e
sua aparência, Czar a encontraria. — Sieta esfrega o rosto, xingando
baixinho. — Tenho que passar essa informação para ele, preciso dizer que
ela estava aqui na França...
Sieta para de falar e ergue sua face para mim, me olhando pensativa.
— Por que ela está aqui, para começo de conversa, e principalmente
atrás de Oliver... Acha que ela veio contar sobre Eva e que a gente sabe que
ele está metido nisso?
Nego com a cabeça e me levanto, caminhando lento até a porta do
escritório, observando minha Eva, rindo e conversando com Yelena. Estico
meu braço lentamente e fecho a porta, antes de virar para Sieta.
— Oliver é emocional, sua cabeça não pensa quando está
encurralado. Os gastos dele estão aumentando, assim como a falência está
se aproximando a cada dia. Sei que se Valéria esteve na França, com toda
certeza foi por causa de Eva. Mas se a vagabunda da Valéria tivesse contado
ao meu pai com quem Eva está, essa hora ele já teria vindo atrás de mim.
— Mas como pode ter tanta certeza disso...
— Porque essa é a diferença entre mim e ele, que sempre fez meu
avô o achar patético e fraco. Um homem que não controla seus próprios
devaneios, não pode controlar nada à sua volta. — Inalo o ar com calma e
levo minhas mãos ao bolso do terno. — Ele sabe sobre ela, que Freire
escondeu a filha de Mina na França, mas está seguindo pistas falsas, indo
para onde eu quero que ele vá.
— Está o mantendo ocupado? — Sieta indaga, baixo, me olhando
confusa.
— Sim, e enquanto ele corre atrás do seu próprio rabo, ele não
percebe a queda dele que se aproxima. — Ela pisca rapidamente, me
olhando séria.
— Quer o derrubar diante de Sodoma — ela balbucia, sendo rápida
em sua linha de pensamento, sacando qual será minha próxima jogada.
— Confrontar Oliver assim que Ramsés veio até mim, seria algo
fácil demais, indigno demais para o tanto de desgraça que Oliver causou.
Irei o fazer sangrar diante da cadeira que ele usurpa.
— Mas não quer apenas o derrubar, quer um espetáculo.
— Sim. — Sorrio de forma fria, lhe respondendo. — E creio que
você será muito útil nessa minha última jogada, conselheira.
— A convocação dos outros conselheiros — ela murmura,
compreendendo o que eu quero. — Mas por que precisa que seja eu, podia
pedir isso a Czar ou Ramsés...
— Czar levantaria a suspeita do meu pai, assim como Ramsés. Uma
convocação dos conselheiros de Sodoma precisa vir de alguém que ele não
veja como ameaça.
— Uma conselheira recente. — Ela fisga o conto da boca e estreita
seu olhar ao me encarar. — Mas o que eu poderia alegar para poder pedir
uma reunião do conselho... A menos que seja Eva, não penso que eles
aceitariam uma convocação de uma conselheira recém-empossada.
— Eva está fora de cogitação. — Relaxo meus ombros e bato a
ponta do meu pé lentamente no chão, negando com a cabeça. — Mas penso
que tem uma testemunha que chamaria a atenção dos conselheiros. Ela está
sendo trazida até Paris, chega amanhã, logo cedo, Edmundo já providenciou
as acomodações dela, para que eu possa ter uma conversa agradável com
minha convidada. Tenho por mim que ela terá algumas revelações
importantes a nos dizer.
— Achou alguém ligado à Freire...
— Ligado à Eva. Sendo mais direto, a educadora da pequena
Messalina. — Minha voz sai ríspida, enquanto o gosto amargo me enche a
boca, ao me referir a mulher do convento, que meus homens tinham
encontrado a meu pedido.
— Mas como conseguiu achar alguma coisa? Czar estava há dias
tentando levantar alguma informação do colégio interno...
— Gregovivk não tinha um fator crucial para conseguir essas
informações. — Meu rosto se vira e encaro a janela, vendo a noite de Paris.
— Eva... — ela balbucia e caminha para perto de mim. —
Conseguiu descobrir algo com ela, não foi?
— Eva não compreende muito o que lhe foi feito, e nem quão
ortodoxos, doentios e perversos foram os meios que a educaram. — Meu
maxilar trava ao me recordar da forma que para ela é tão inocente, de
demonstrar sua felicidade. — Mas como você mesma pôde ver hoje, dentro
da loja, quando a essência dela está aflorada, Eva se torna um livro aberto.
Sieta desvia seus olhos dos meus e balança a cabeça em positivo.
Sei que ela tinha compreendido o que fizeram com Eva, no segundo que
meu rosto se ergueu e a encontrei olhando para Eva com surpresa no
interior da butique. Eva não esconde sua essência quando sua guarda está
baixa, principalmente quando age por impulso, se entregando em sua
submissão, a cada gesto que para ela é inocente. Mas para o olhar de um
mestre, é a entrega da lealdade. O acariciar da sua face em meu peito,
raspando sua bochecha, seu corpo se encolhendo e ficando pertinho de
mim, com os dedos esmagando em meu terno, enquanto praticamente
ronronava como um filhotinho dócil, que se sente feliz quando seu dono
retorna para perto dele, era a prova viva diante dos olhos de Sieta, do quão
mórbida foi a mente de Freire ao educar Eva.
— A pessoa que você encontrou é a que aflorou a parafilia em Eva?
— Sieta pergunta, baixinho, encolhendo seus ombros.
— Uma parafilia não pode ser aflorada, conselheira Sieta,
especialmente em uma criança. Ela foi plantada dentro de Eva, plantada por
essa mulher — falo, baixo, rangendo meus dentes, caminhando de volta
para minha cadeira. — E usaremos o que ela vai dizer para poder jogar a
isca, para meu pai morder.
— Vai querer que eu a leve diante do conselho? — Sieta questiona,
séria.
— Creio que isso não será possível, ainda mais depois de eu
conversar com ela. Mas usaremos as informações que ela nos der como um
chamariz.
— Mas como pode ter tanta certeza de que ela vai falar alguma
coisa? Talvez se feche no segundo que tocar no nome de Eva, não podemos
ter certeza...
— Ela vai falar — digo com firmeza, esmagando meus dedos na
cabeça da cobra. — Posso garantir que ela vai falar, ou melhor, irá latir.
Sieta me dá um sorriso frio e balança sua cabeça em positivo, me
deixando ver o olhar frio de morte brilhar em suas íris. O som da campainha
do apartamento da suíte se faz.
— Nosso jantar chegou! — Bato a ponta da bengala no chão e me
levanto, dando a volta na mesa. — Conversaremos de negócios mais tarde.
Ela joga a fotografia sobre a mesa e caminha atrás de mim. Abro a
porta e encontro Edmundo perto da entrada da suíte, abrindo a porta. O
camareiro entra com o carrinho de comida, sendo seguido de outro. Meu
olhar se vira quando saio da porta para a pequena que caminha para mim
com um vestido rosa clarinho, até seus joelhos, com seus cabelos soltos, me
dando um sorriso ingênuo, mantendo seus olhos nos meus. Estico meu
braço como se fosse algo que já tivesse se tornado natural, a ter junto ao
meu peito, se aconchegando.
O olhar dela muda rapidamente, de dócil para feroz, e abre seus
dentes como se fosse um animal se preparando para o ataque. Tudo
acontece rápido, me deixando confuso por alguns segundos quando o braço
dela se estica e passa pelo lado do meu corpo, sendo ágil com seu pequeno
tamanho e se movimentando rápido. Derruba o camareiro em cima do
carrinho quando pula em cima dele. Edmundo grita, entrando em combate
com o segundo homem. Puxo o corpo de Eva pela cintura e ouço os gritos
de Sieta, que corre para perto da mãe dela, jogando-a atrás do sofá. Meus
dedos vão à parte de trás da minha cintura e saco meu revólver em minha
cintura, tendo o único impulso em deixá-la segura quando a empurro para
junto de Sieta, a fazendo cair no chão. Minha mira se ergue em direção à
porta, quando o camareiro que Eva atacou, se levanta e corre, cambaleando,
tentando fugir. Disparo e acerto uma bala na perna dele.
— Filho da puta! — rosno com ódio e caminho na direção da porta.
Edmundo se levanta lentamente e cospe no chão, tendo o corpo do
rapaz largado perto dele, se torcendo no chão. Me abaixo e seguro a gola do
miserável que eu atirei, o arrastando para o corredor e estourando a cabeça
dele com força na parede, quando me abaixo perto dele.
— Quem te mandou? — grunho com raiva, segurando-o pela
camisa, vendo sua boca aberta espumando sangue por ela. Meus olhos
param em seu peito e observo a mancha grande de sangue em sua camisa.
Meus olhos se abaixam para sua perna, ficando confuso por um
breve momento. Eu mirei na perna dele, tinha certeza disso. Constato a
verdade ao ver o seu ferimento no joelho estourado, que eu acertei uma
bala. Não atirei no peito dele.
— Sir... — Edmundo para à frente da porta, jogando o segundo para
fora, me chamando, o que me faz virar meu rosto, olhando para ele, que
está olhando para dentro do cômodo.
Meus olhos não demoram para encontrar o que chama a atenção de
Edmundo. Meu rosto tomba para o lado enquanto me levanto, vendo Eva de
costas, se erguendo, com seu peito se movimentando rápido. Os olhos de
Sieta estão cravados em Eva enquanto se ergue junto com sua mãe, tendo
sua face pálida.
— Eva, está tudo bem — Sieta fala, nervosa, e estica seu braço, com
seus dedos balançando. — Me entregue isso...
O pequeno corpo se encolhe e ela chora baixinho. Me movo lento,
olhando para ela, indo em sua direção.
— Eva — chamo por ela e noto seus ombros se encolherem mais,
com ela correndo para o canto da parede e se agachando.
As gotas de sangue marcam o piso por onde ela corre, me fazendo
sentir meu coração ficar congelado por um segundo, ao imaginar que ela se
feriu. Sua bunda desaba e ela cai sentada ao chão, balançando sua cabeça
para os lados e soluçando.
— Eva, por favor, me entrega isso... — Sieta tenta se aproximar
dela, mas congela assim que ela se vira, erguendo sua cabeça e olhando
para nós.
Meu corpo se move, parando apenas quando estou a um braço de
distância dela, vendo sua face molhada, completamente perdida, como se
sua mente não estivesse aqui, tendo apenas medo e angústia lhe
consumindo.
— Eu sinto muito, sinto muito... — Eva balbucia entre o choro, com
tanto medo, parecendo uma criança assustada e ferida. Suas mãos se
esticam para mim e me deixa ver o brilho da lâmina da faca em uma delas,
manchada de sangue, como as suas mãos. — Sinto muito, sinto muito...
Meu rosto gira para trás e olho o camareiro com o peito
ensanguentado, com o rosto tombado e os olhos congelados, escorado na
parede, sem vida. E não preciso de muito para descobrir o que causou a
morte dele.
  — São codinomes de mulheres pecadoras, Valéria usou isso para
pregar uma peça na gente. — Fico em silêncio ao ouvir a voz de Ramsés do
outro lado da linha, enquanto fico parado perto da janela do quarto onde
Emanuelle me hospedou, observando a jovem caminhar para o jardim. —
Mas, além disso, seus codinomes contêm segredos sobre elas. Eu apenas fui
me atentar a isso quando descobri a idade de Stella.
— Compreendo a pretensão de Valéria ao dar o codinome de
Salomé à Stella — falo, baixo, ainda intrigado, olhando a jovem de costas,
que caminha na grama e estica seu braço, tocando lentamente as galhas da
roseira. — Mas não encontro uma ligação entre a garota e seu codinome.
Seu próprio nome é de uma pecadora, a primeira pecadora.
— Eu sei, também fiquei pensando ainda mais, porque não tem
relação histórica entre as duas, na Bíblia...
— Apenas com Salomé. Herodias era a mãe de Salomé. — Bato
lentamente a bengala no chão. — Mas por que dar o codinome de uma
irmã, se passando pela mãe...
— Uma mãe assassina — Ramsés fala rápido, do outro lado da
linha.
— Herodias foi quem realmente matou João Batista, ao manipular
sua filha, a induzindo a pedir a cabeça do profeta. — Mas, ainda assim,
algo não se encaixa nesse quadro que Valéria e Freire pintaram, tendo
como sua musa a jovem Messalina Eva.
— Herodias maculou a inocência da filha, manchando as mãos dela
com sangue, ao tramar o assassinato de João Batista. — Ramsés solta um
suspiro, falando baixo. — Esse é o pecado de Herodias.
— O sangue que mancha a mão de um inocente!
— Eu sinto muito, SINTO MUITO... — Meus olhos se voltam para
ela, tendo as lembranças daquela conversa com Ramsés me acertando como
um tiro dentro da minha cabeça. — Eu sinto, sinto... — Suas mãos tremem,
enquanto ela olha o sangue em suas mãos. — Sinto muito...
CAPÍTULO 21

 
A desfiguração da alma
 
Eva Fishie
 
— Sua cadela desgraçada! — O tapa forte em meu rosto é desferido
com força, o que me faz cair no chão. — Putinha nojenta, me mordeu!
Meu corpo se move e fico agachada de frente para a freira regente,
entre ela e o canto da parede, não permitindo que ela se aproxime. Não a
deixarei se aproximar. Eu sinto medo, raiva, ódio, selvageria, tanta dor
dentro da minha cabeça.
— AVISEI QUE ESSA CADELA IA TE ATACAR, SE A SOLTASSE
DA COLEIRA! — a madre grita com ódio, na entrada da porta. — Avisei
que isso ia acontecer, porque ela ainda não está pronta!
Minha mente está confusa, tendo apenas o medo e o ódio me
governando, com meus olhos indo de uma para outra, esmagando meus
dedos no chão.
— CALA ESSA MALDITA BOCA E PEGA ALGUMA COISA PARA
TIRÁ-LA DALI! — a freira regente grita, apontando para a madre. — Vai
sair daí, Eva, nem que eu tenha que quebrar cada maldito osso do seu
corpo, você vai aprender a obedecer!
Meus dentes se abrem e se arreganham para ela. Sinto a coleira
machucando ainda mais minha garganta quando ela dá um puxão na
corrente. É tudo tão confuso e rápido, como se eu tivesse perdido minha
mente. A corrente que é puxada mais forte, causa o impacto do meu corpo
no chão quando meus braços fraquejam por causa do chicote que os
acerta. O braço da freira regente se estica e me puxa pelos cabelos, me
arrastando para longe.
— EVAAAAA... — O grito de dor entra em minha mente, me fazendo
olhar para o canto da parede, e eu me vejo novamente, vejo uma cópia
minha encolhida, com sua face molhada pelas lágrimas.
A madre, segurando uma espátula fina e grande em sua mão, ergue
seu braço para cima, para acertar as pernas machucadas da criança, com
minha face encolhida ao canto da parede. O que me faz usar todo o resto de
força que ainda tem dentro de mim, para chegar até ela. Giro meu rosto e
mordo a coxa da freira regente, a fazendo gritar de dor, soltando meus
cabelos. Meu corpo se levanta e uso a fúria para me manter em pé.
Meus dedos tremem enquanto olho o sangue, vermelho e viscoso,
que escorre em meus dedos. A pressão dentro da minha cabeça aumenta,
com as imagens ficando fortes, nítidas. Sinto tudo, o medo, a dor
insuportável, a loucura. É como se a lâmina da faca ensanguentada
refletisse a desfiguração da minha alma, me fazendo chorar ainda mais, com
cada flash que estoura dentro da minha cabeça.
Eu estou quebrada, destruída, com fome, medo e apenas um instinto
de proteção batendo latente e desesperado dentro do meu peito, como um
animal selvagem que busca liberdade. Não tenho voz, não tenho controle
do meu corpo, ele age por conta própria. Ele ataca e se joga contra o da
madre. Meus dentes se abrem e mordem seu braço. Seu grito de dor rasga
por sua boca, enquanto ela solta a espátula fina de metal ao chão. Meus
dentes continuam presos em seu braço, cravando ainda mais em sua pele,
não a libertando nem mesmo quando ela bate em minha cabeça. Suas
pernas tropeçam na corrente, o que a faz cair de costas, comigo em cima
dela.
Minha cabeça se ergue a tempo de ver seu braço esticado para
pegar a espátula de ferro. Grito quando ela a desfere com força, batendo
em minha costela. Na segunda vez que seu braço se move para me bater,
meus dedos se prendem ao metal, arrancando a espátula da sua mão. O
jato de sangue explode, voando para meu rosto no primeiro ataque, quando
meus dedos esmagam em volta do metal, o desferindo contra seu peito. Na
segunda apunhalada contra o peito da madre, a poça de sangue está em
volta de nós, melando meus joelhos, que estão apoiados ao chão, ao lado
da sua cintura. Na terceira, um grito, como de um animal explode dentro do
cômodo, e ele aumenta, intensifica ao ponto de ser ensurdecedor, assim
como meus braços que se erguem e se abaixam com fúria, a apunhalando
repetidas vezes, não sentindo nada além de medo e dor dentro de mim.
Minha mente está tão quebrada, assim como minha alma desfigurada, que
não percebo que os gritos saem da minha boca, tendo apenas olhos sem
vida e a madre imóvel abaixo de mim, com meu corpo completamente
lavado com seu sangue, enquanto desfiro golpes contra o cadáver.
Sinto as lágrimas rolarem mais forte pelo meu rosto, como se
aqueles olhos de vidro, sem alma, estivessem me encarando, como se o
sangue em meus dedos fosse o dela. Minha cabeça se ergue e choro, como
se a visse aqui, diante de mim, se abaixando de mansinho, enquanto meus
dedos se esticam para ela, lhe deixando ver o que fiz, ver o sangue em meus
dedos e como eu estava assustada, como não pretendia machucar ninguém.
Eu apenas queria proteger, mas minha mente não se lembra, não sabe o que
eu protegia, se era a mim. Apenas sei que eu precisava proteger, porque não
suportava mais sentir tanta dor.
— Eu sinto muito, SINTO MUITO... — murmuro entre o choro,
vendo olhos azuis intensos que me fitam, com a imagem do rosto de Freire
ficando borrada. — Eu sinto, sinto... — Meu coração bate mais depressa e
tudo me consome. Abaixo meus olhos para minha mão. — Sinto muito...
— Mantenha sua mente ligada à dor, Eva. — A voz baixa da
madrinha soa séria, enquanto me olha e cerra seu maxilar. — Estique sua
mão novamente.
Ela abaixa sua face para minhas mãos trêmulas quando eu lhe
obedeço. As mesmas estão queimando, por conta da força que ela desferiu
o pedaço de madeira lisa contra elas.
— Não pense mais nisso, se concentre apenas na dor.
Meu rosto molhado pelas lágrimas se retrai e choro, mordendo
minha boca ao receber o impacto da madeira com força na palma da
minha mão.
— Não pense mais nisso, apenas sinta a dor silenciando toda sua
mente, Eva...
Balanço minha cabeça em positivo para ela e soluço, encolhendo
meu corpo. Meus olhos se fecham e me preparo para receber outra
palmada com a madeira em cima das minhas mãos.
— Apenas foque na dor, a permita aliviar sua mente, acalmar.
Meus dedos trêmulos se fecham sobre a faca, enquanto me sinto
sendo soterrada por todos os flashes. A voz, que se repete constantemente
dentro da minha mente, como um mantra, se faz mais forte. Latejando, se
mesclando ao pavor, à agonia, e quero esquecer, quero que isso acabe, que
minha mente se alivie dessa tormenta que me puxa. Em um ato derradeiro
de pura loucura, desesperada para focar em uma dor real, estico meu
antebraço e ergo meus dedos, com a faca presa a eles.
— NÃO! — O grito alto explode com raiva no mesmo segundo que
os dedos fortes se prendem em meu pulso, o torcendo para que meus dedos
soltem a faca.
Grito mais alto, me esperneando, com meu corpo se torcendo
quando sou puxada, com minhas costas acertando o chão quando sou
imobilizada. Sinto o peso sobre mim, meu braço colado à lateral do meu
corpo, tendo pernas e coxas me esmagando pela lateral, e outro braço sendo
contido pelos dedos fortes que os seguram. Eu grito entre o choro, batendo
meus pés no chão, tentando me libertar, mas não consigo e choro ainda mais
com desespero, por não conseguir tirar isso de dentro de mim, por não ter a
dor para aliviar todo esse caos. Mordo com toda força que posso minha
boca e sinto a pele sendo rasgada, enquanto as imagens ficam mais fortes,
não conseguindo sentir alívio.
— Olhe para mim! — A voz alta como um trovão invade minha
mente, se infiltrando dentro da tempestade que está na minha cabeça. Sinto
a dureza dos seus dedos comprimindo meu queixo, não me permitindo que
a dor me alivie. — Abra os olhos e olhe para mim, EVA!
A voz como um trovão é mais potente, como uma ordem, e meu
corpo a responde, a reconhece no meio de toda a dor. Abro meus olhos e
encontro os azuis-escuros presos em minha face, me tirando do passeio
infernal que minha mente estava me arrastando dentro dela, mas ainda
assim as memórias são insuportáveis, esmagadoras, e sinto elas me
machucando de dentro para fora.
— Mantenha os olhos em mim, pequena. — Sua mão suaviza,
falando calmo e de forma lenta, tendo seus dedos se fechando em volta da
minha garganta, dando o aspecto de ser uma coleira que me deixa presa a
ele, como se fosse seu jeito de me dizer que eu não estou sozinha no escuro,
enquanto mantém contato visual. — Não feche os olhos...
— Maçã... Se não consegue expressar, apenas diga essa palavra e
vou saber o que deseja. Não importa onde estivermos ou quem estiver
perto, vou saber o que quer, assim que dizer. — Pisco, confusa, olhando
para ele enquanto seus dedos retiram os cabelos da minha face. —
Compreendeu, pequena pécheur?! Não pode se ferir para tentar causar
alívio com a dor, e nem tentar esconder de mim o que quer, apenas tem que
dizer...
— Maçã... Maçã... — Soluço enquanto balbucio a única palavra que
consegue sair por minha boca, implorando a cada lágrima que rola por
minha face, para que ele entenda o meu sofrimento, que não suporto mais e
preciso de dor, preciso sentir qualquer dor que seja forte o suficiente para
fazer isso parar. — Maçã, maçã...
Seus olhos se expandem enquanto ele me encara, tendo suas narinas
se alargando, inalando o ar com força, me deixando ver em seus olhos que
ele sabe o que eu lhe suplico.
— Maçã... — Minha cabeça se empurra para trás e alavanco meu
tórax, esticando ao máximo meu pescoço, apenas para ter seus dedos os
comprimindo com mais dureza em volta da pele.
Mas é pouco, parece que toda dor que eu pudesse causar a mim
ainda seria pouco para fazer minha mente esquecer o que eu fiz. Sinto sua
respiração acertar meu colo quando sua testa fica apoiada em meu peito.
Choro com mais angústia, tendo cada parte do meu ser preenchido com
cólera. Sua mão em meu braço, esmaga mais forte meu braço, com sua
respiração ficando pesada, enquanto ouve meu choro.
— Maçã... — Fecho meus olhos, com meu corpo convulsionando
entre o choro.
— Saiam. — A voz potente que entra em minha mente, me tirando
da escuridão, sai quebrada e baixo.
— Mas ela...
— SAIAM! — Minha mente está em uma gangorra, indo e
voltando, saindo daquele canto escuro, ouvindo a voz de sir Hector gritando
com Sieta.
— Sie, temos que sair.
Meus olhos se abrem e meu rosto se abaixa, olhando para sua
garganta, quando a cabeça dele se ergue e se vira para o lado. Ele a retorna
para minha direção, com seus olhos presos aos meus apenas quando o som
de passos já está distante e a porta foi fechada.
— Eu sinto muito, sinto muito... — O grunhido das palavras sai por
minha boca junto com a lamúria, enquanto meus dedos se esmagam no
piso. — Por favor, faz isso parar.
O aperto em minha garganta se afrouxa, tendo sua mão se
espalmando ao lado do meu rosto, como se viesse minha alma desfigurada e
enxergasse meus demônios, e o que eles estão fazendo dentro de mim. O
sopro quente do seu hálito toca minha face, enquanto sinto sua testa rente à
minha.
— Pécheur. — Minha mente fica concentrada em sua voz quando
ele murmura perto da minha boca.
— Maçã...
  — Eu não posso lhe tocar, não agora, Eva. — Soluço, chorando,
negando com um balançar de cabeça quando ouço a voz dele sair baixa, me
negando o que eu preciso. Sua mão liberta meu pulso e segura minha face
pelos dois lados entre seus dedos. — Isso é errado...
— Maçã, por favor... — Meu braço se ergue e agarro a sua camisa,
segurando com força, implorando para ele. — Maçã...
— Por favor, não me peça para te machucar. — Eu me desfaço,
chorando com mais desespero diante dele, me quebrando à sua frente, lhe
mostrando como estou me destruindo como um castelo de cartas por dentro.
— Me peça para machucar qualquer outra pessoa que lhe condenou, mas
não me peça para lhe ferir, minha pécheur...
— Foi eu, eu condenei a minha alma. — A loucura me toma, não
tendo mais nada certo ou errado, o passado e o futuro, a realidade ou o
sonho, apenas as imagens do corpo sem vida daquela mulher, com o sangue
dela lavando meu corpo. — Por favor, por favor, faz isso parar...
Choro, fechando meus olhos, soltando seu braço e erguendo meus
dedos para meu pescoço, rasgando minha garganta entre soluços e gritos de
dor, tão infernais que me condenam.
— Ela atacou a madre. — A voz de Sophia soa alta, me fazendo ver
a sombra dela por debaixo da porta. — A matou. Sua abominação matou
uma pessoa, porra!
— Por favor... — Desço minha mão para meu peito e raspo minhas
unhas por cima do vestido, como se pudesse arrancar meu coração para
fora. — Sir Hector, por favor, faz isso parar.
Sinto seus braços me abraçando forte, segurando meu corpo colado
ao seu, prendendo meus dedos em sua pele, para que eu não me machuque.
Fecho meus olhos quando ele se empurra para trás e senta no chão, me
erguendo para seus braços.
— Não posso lhe machucar. — Seus braços me apertam com toda
força, me deixando rente a ele.
Meus braços se soltam e me seguro com desespero, chorando,
enlaçando seu pescoço. Com minha boca, busco pela dele, sentindo meu
mundo ruir, sendo devastado pelo pecado que eu cometi. O efeito da dor, da
raiva, do medo, a revolta pelo destino ter me jogado ao inferno, me faz
odiar minha alma com todas as minhas forças e almejar a dor com mais
urgência do que nunca desejei até agora. E eu choro enquanto o beijo, lhe
mostrando toda minha ruína, o beijando com tanta dor. Me movo e enlaço
sua cintura com minhas pernas.
— Faz isso parar, meu senhor. — Minhas mãos se espalmam em
suas costas e murmuro entre nossos beijos, lhe suplicando que alivie minha
alma.
— Pardieu!
Fecho meus olhos quando seu corpo se inclina sobre o meu,
tombando minhas costas no chão novamente. Viro meu rosto para o lado e
me seguro mais forte a ele quando seus dentes cravam em meu pescoço, o
mordendo com agressividade.
— É minha ruína, Eva. — Ele morde com mais força, como se
castigasse mais a ele do que a mim, com seu tórax se afastando apenas um
pouco, com sua mão deslizando por meu corpo. — Meu enigma de Sansão,
a fraqueza a qual eu não tenho controle e agora vou condenar ainda mais
nós dois, ao aceitar lhe dar o que me pede.
— Ohhhh! — Meu corpo arqueia, com minha boca se esmagando.
Com sua mão ele prende meu peito com força em seus dedos. — Deus!
Gemo e sinto um pico de dor sendo disparado dentro de mim, com a
boca dele sugando mais forte minha garganta. Cravo minhas unhas em seu
ombro, apertando minhas coxas ao redor do seu quadril. Ele solta minha
garganta e afasta sua boca dela, arqueando seu corpo para trás, mantendo
seus olhos presos em minha face molhada pelas lágrimas. Minhas pernas
escorregam pela lateral do seu corpo quando liberto sua cintura, tendo meu
corpo balançando em espasmos com o choro. Os olhos azuis ficam presos
aos meus, sem desviar. Estica sua mão para seu pescoço e afrouxa o nó da
gravata, a puxando por cima da sua cabeça.
Meu corpo é apenas desespero, pânico e agonia, quando sua mão se
prende em minha cintura, com força, me virando de barriga para baixo.
Fecho meus olhos e soluço baixinho, sentindo sua mão segurando meu
braço, o levando para trás das minhas costas, enrolando a gravata ao redor
do meu pulso e repetindo o mesmo com o outro, os deixando amarrados. O
som da sua respiração pesada entra em meus ouvidos, se misturando ao meu
choro, tendo o barulho do tecido se partindo e botões voando por cima da
minha cabeça quando ele estoura o vestido nas costas. Mordo minha boca e
seguro o soluço assim que minha bunda fica desnuda.
Minha mente tenta focar em tudo, para não voltar para dentro
daquele cômodo escuro. A carne sendo comprimida em seus dedos pela
lateral da cintura quando ergue meu quadril para cima, o deixa empinado
para ele. Minhas pernas ficam coladas e são posicionadas entre as dele, com
meu peito colado ao chão, para me deixar imobilizada. Sinto o tecido frio
da gravata amarrada com força em volta dos meus pulsos, causando
ardência à pele. O dedilhar do seu dedo causa arrepio em meu traseiro
quando se prende à lateral da calcinha, a puxando para baixo, até estarem na
metade das minhas coxas.
— Diga ao seu mestre o que deseja, Eva! — Sua voz é dominadora
quando rosna, prendendo sua mão em meus cabelos, causando sofrimento
ao couro cabeludo quando arqueia minha cabeça e a mantém erguida. —
Diga!
— Vai sair daí, Eva, nem que eu tenha que quebrar cada maldito
osso do seu corpo, você vai aprender a obedecer!
— Dor. — A palavra salta por minha boca, como se fosse uma
resposta dita pelo meu próprio corpo, que está sofrendo com a minha mente
que está se perdendo novamente. — Eu preciso de dor...
E como um anjo misericordioso, um anjo negro que conhece meus
pecados e os absolve, ele entrega o que eles precisam para se calarem. Meu
corpo sente o choque e se retrai em um primeiro momento, assim que seu
dedo invade minha boceta, que não estava preparada para o receber,
esmagando mais forte meus cabelos em suas mãos, me fazendo gritar
quando sua boca se inclina e crava seus dentes na lateral da minha bunda.
— Mais... — Escuto minha própria voz lhe suplicando, precisando
demais da dor para poder encontrar paz.
Outro dedo invade, com ele os movendo rápido e fundo, soltando
meus cabelos, esmagando sua mão em minha bunda enquanto me fode com
seus dedos, e meu corpo o responde. Não demora nenhum segundo sequer,
ficando à mercê dele. Tudo se quebra, se encontra e vai se silenciando,
tendo apenas o som da sua respiração ficando latente em meus ouvidos, o
barulho do zíper da calça sendo abaixado, o cinto desafivelando, e eu
queimando no segundo que seu pau troca de lugar com seus dedos, se
afundando dentro da minha boceta, que o recebe com tanta urgência. Meu
corpo é erguido pelo pescoço quando sua mão se prende a ele, me puxando
para trás. Sinto seu coração bater rápido e forte, colado em minhas costas,
afundando seu pênis a cada investida de entra e sai.
— Ohhhh... — Meus olhos se abrem ao mesmo tempo que minha
boca, quando ele comprime com força seus dedos em minha garganta. Fico
com minha visão cravada na porta, enquanto as lágrimas escorrem por
minhas bochechas.
— Ela atacou a madre. — A voz de Sophia soa alta, me fazendo ver
a sombra dela por debaixo da porta. — A matou. Sua abominação matou
uma pessoa, porra!
— E?
— Tem ideia de como isso vai nos foder? Como acha que pode
explicar a morte de uma madre, caralho, ainda mais depois da sua cadela
ter surtado!
— Acha que isso prejudicou de alguma forma a cobaia? — Meu
corpo se levanta e me ergo do cantinho da parede, quando reconheço a voz.
— Alterou a essência dela?
— Porra, ouviu o que eu acabei de lhe dizer?! — Sophia grita mais
alto. — Sua cadela matou uma pessoa, Freire, ela desferiu mais de trinta
golpes contra o peito da madre, e está preocupada se seu projeto foi
corrompido?
— Estou. Acho que é você que não tem ideia do quanto ela será
valiosa! — Uma risada baixa se faz, tendo uma segunda sombra
aparecendo. — Uma velha miserável, como aquela, não tem valor algum,
foi só um efeito colateral durante o processo. Todo grande projeto está
propenso a falhas.
— Meu Deus, você me assusta com toda essa sua frieza! — Sophia
murmura e respira fundo. — Às vezes, penso que te conheço, mas vejo que
você sempre foi muito mais perigosa do que é...
— Sempre fui exatamente o que sou, e você melhor do que ninguém
sabe disso, Sophia. Estou criando algo belo e único, e não me importo com
nada além do que tem dentro daquele quarto, porque aquilo lá dentro será
a minha mais perfeita obra-prima.
— O que pretende fazer com o corpo da madre, como vai esconder
isso?
— Simples, se não tem corpo, não tem prova. — Ouço o som do
salto alto batendo no piso. — Deixe que darei um jeito de lidar com tudo,
sua única concentração será ela.
— Ela não está pronta, a separação foi recente...
— Exatamente por isso ela está pronta, agora saia!
Sinto meu peito disparado e meus olhos congelados, enquanto tudo
vem tão feio e real dentro da minha mente. Choro com mais dor e tombo
minha cabeça para frente, tendo o corpo imóvel de sir Hector atrás de mim,
deixando apenas a respiração pesada dele entrar em meus ouvidos. Sua mão
alivia o aperto em meu pescoço, enquanto soluço baixinho, sentindo a
carícia lenta dele. Sua testa está encostada atrás da minha cabeça, com ele
segurando minha cintura, e seus dedos ficam mais densos, esmagando a
pele quando ele se retira de dentro de mim. Meu corpo se retrai em um
primeiro momento, ficando com a respiração presa quando a ponta do seu
pau encosta em minha bunda, com sua mão se afrouxando em meu quadril e
afagando a pele enquanto desliza até minha boceta, empurrando seus dedos
dentro dela, ficando lubrificados.
Pisco, confusa, olhando apenas para o único risco de luz que tem
dentro do cômodo, que está abaixo da porta. Escuto sons de passos se
afastando, antes do barulho da chave na porta se fazer. Me encolho quando
ela é empurrada, tendo apenas a silhueta feminina parada diante dela.
— Eva. — A voz calma me chama com brandura, com ela
adentrando no cômodo, caminhando devagar. — Está segura, meu amor.
— Sinto muito, sinto muito... — Choro com dor e fecho meus olhos,
sentindo tanto medo, tanto desespero consumindo meu magro corpo
machucado e faminto. Não sei há quanto tempo estou trancada dentro
desse quarto frio e sujo. — Eu não queria, não queria... me desculpa.
Meu coração bate disparado, completamente frenético, com meus
olhos abertos encarando a porta. Seguro meu fôlego e sinto seu dedo alisar
entre a fenda da minha bunda, como ele fez aquele dia dentro do quarto,
mas dessa vez não é seu dedo que ele empurra, mas sim posiciona a cabeça
do seu pênis na entrada do meu ânus.
— Está tudo bem, tudo bem, eu cuido de tudo. — Ela se agacha e
deixa seus olhos na altura dos meus, segurando meu rosto, me fazendo
abrir meus olhos para ela. — Apenas esqueça, não pense mais nisso.
Seus braços se esticam e me puxam para seu peito, e eu choro,
choro sentindo dor em meu corpo, choro assustada, querendo que ela me
leve daqui.
— Não pense mais nisso, nunca mais pense nisso...
— Se concentre em meu toque, pécheur. — Fecho meus olhos,
ouvindo sua voz perto do meu ouvido, tendo a primeira fisgada de dor me
assaltando em cheio, me cortando de dentro para fora, tendo seu quadril se
empurrando lentamente.
Meu corpo fica rígido, e a dor finalmente silencia tudo, deixa uma
tela em branco em meu cérebro, tendo apenas sir Hector o comandando.
Sua mão para à frente da minha barriga e acaricia de mansinho, se
empurrando pouco a pouco, me deixando focar apenas no seu pênis que está
se afundando dentro de mim, de um jeito invasor e envolvente. Não é
apenas dor, é uma sensação nova, uma dilaceração, que queima e me dá
vontade de o expulsar de dentro de mim, ao mesmo tempo que o suga com
mais pressão. Sinto meu próprio corpo se conectando a ele, de tão intenso
que a sensação de dor e prazer vão se mesclando. O afago calmo e brando
em minha garganta para, retornando ao aperto esmagador, comprimindo o
ar e deixando difícil de respirar. Não entendo o que ele está fazendo, e nem
sei se é o correto, mas não quero que ele pare, eu quero mais.
— Sir... — balbucio entre meus lábios, respirando mais depressa,
sentindo a dor latente em meus braços, que estão sendo esmagados em
minhas costas por seu peito, ficando tão pequena perto do que ele está
causando dentro de mim.
Ele para de se empurrar apenas quando está por completo dentro de
mim, e eu me concentro apenas nisso, na forma como meu corpo acomoda
seu pau. Seu peito estufa e ele inala o ar com força, esfregando seu rosto em
meus cabelos, não me deixando saber se dói mais quando ele começa a se
retirar ou quando entra novamente, chocando sua pélvis contra a minha
bunda. Minha boceta pulsa, com os bicos dos meus seios rígidos, e eu
gosto, gosto da dor que ele me causa. E como se soubesse disso, ele acelera
seu ritmo, me fodendo mais forte. O ar fica mais difícil de inalar, as batidas
descompassadas do meu coração, a dor que se transforma em puro prazer,
tudo vai me acertando, me jogando para um carrossel de luxúria e
perversão.
Sophia tinha razão, eu sou uma abominação, algo feio e sujo. Mas
quando ele me toca, minha alma se sente livre e viva, mesmo desfigurada,
cheia de deformação, sir Hector a deixa inteira quando enxerga o que ela
lhe mostra.
Sua mão solta meu pescoço, girando-o para o lado, me fazendo
morrer lentamente em seus lábios quando me beija. Abraça minha cintura e
me penetra mais fundo. Gemo com loucura entre seu beijo, tombando meu
corpo para frente lentamente, enquanto ele nos empurra e força seu peso
acima do meu. Minha cabeça se abaixa e apoio-a no piso, tendo seus braços
me enjaulando na lateral do corpo quando ele espalma sua mão no chão,
acelerando ainda mais as estocadas do seu pau dentro do meu rabo.
— Não está sozinha, minha pécheur. — Escuto sua voz murmurando
perto do meu ouvido, antes da sua boca se prender em meu ombro e rasgar
a pele.
Um gemido sai dos meus lábios e finalmente meu corpo encontra
paz.
Não, eu realmente não estou mais sozinha no escuro.
CAPÍTULO 22

 
A lei do mais forte
 
Hector Pellegrini
 
— Quem lhe mandou? — pergunto sem um pingo de paciência,
segurando os cabelos do rapaz que tinha entrado em luta corporal com
Edmundo, encarando seus olhos.
Com suas íris arregaladas, olha a furadeira em minha mão. Não
estou com paciência, não estou com vontade de perder tempo com esse
verme, apenas quero minha resposta, antes de o mandar para o inferno. E a
única coisa que me segura, para não afundar a porra da ponta da espada no
rabo dele, a fazendo sair por sua boca, é ainda ouvir o choro dela
martelando em minha mente; é ter o seu cheiro impregnado em minha pele;
é o desejo de morte em machucar todos que a feriram; é ver seus olhos
negros me encarando com lágrimas enquanto me confessava seus pecados,
a vendo se sentir quebrada; é o calor do seu corpo colado ao meu quando a
peguei em meus braços, a tirando daquele chão; é o cuidado que tive em
ensaboá-la, limpando seu corpo do sangue sujo de um verme miserável que
não era digno de ter tido seu fim pelas mãos dela; é a minha condenação
enquanto a segurava e via sua face se retrair quando espalmei meus dedos
em sua bunda, para lhe tirar da banheira, sabendo que tinha sido eu que a
machuquei; é saber que tive que lhe causar dor para que ela não se ferisse
ainda mais; é olhar em sua alma e saber que a minha não vale nada,
comparada a dela.
É Eva, apenas Eva, que me segura para não me libertar em um
maldito frenesi assassino, que sentiria prazer em torturar lentamente esse
filho da puta que ousou almejar me atacar.
— Não sei, eu não sei... Foi Destope que descolou o serviço — ele
choraminga, negando com a cabeça, se debatendo na cadeira que está
amarrado.
Viro meu rosto e olho para o chão, vendo o corpo do falso
camareiro, que Eva esfaqueou no peito, esticado em cima de um saco
plástico. Edmundo, que está de pé ao lado dele, segura um serrote e olha
para o jovem amarrado na cadeira. Ergo a amarra de pano que está solta em
seu pescoço para sua boca, o amordaçando de novo.
— Quando foi a última vez que fiz uma lobotomia[42] em alguém,
Edmundo? — indago, baixo, inclinando meu rosto para o rapaz.
— Já faz tempo, sir — ele me responde calmo.
— Sim, faz tempo, mas é como andar de bicicleta, depois da
primeira vez, nunca mais se esquece. — Ergo meu braço e o estico,
posicionando a broca da furadeira rente ao olho do rapaz. — Vai doer
muito, mas depois que a broca perfurar seu globo ocular, o triturando e
desmembrando a retina, doerá menos. Seu cérebro ficará focado na dor
insuportável, que explodirá em sua cabeça quando começar a desfigurar sua
massa encefálica, que nem mais vai se lembrar da dor do seu olho.
O corpo dele treme enquanto se debate, se balançando na cadeira,
com os braços e pernas amarradas quando aperto o botão da furadeira, a
ligando, tendo o ferro girando com rapidez.
— Impressionante como esses equipamentos de agora não são tão
barulhentos — falo, baixo, e dou um sorriso, olhando a furadeira portátil.
  O jovem resmunga com o pano na boca, chorando ainda mais e
empurrando sua cabeça para trás, com a broca a poucos centímetros do seu
olho esquerdo.
— Quem lhe mandou aqui? — rosno com mais ódio, segurando sua
cabeça e a mantendo parada enquanto aproximo a furadeira do olho dele.
Meu corpo se estica e fico ereto quando um som começa a se fazer
dentro da suíte, para onde Edmundo tinha arrastado o morto e o
sobrevivente. Olho para Edmundo, que está abaixado perto do corpo,
cerrando a coxa do rapaz, para o desmembrar e poder jogar o resto dele
dentro da banheira, onde jogará soda para finalizar o serviço.
— Está vindo do morto — Edmundo fala sério e estica sua mão, a
levando para o bolso da calça.
Ele puxa um celular, que toca mais alto e insistente, virando a tela
para mim. Na tela acende um número desconhecido, enquanto o som dele
se mantém. Volto meu olhar para o rapaz amarrado, que está imóvel agora,
tendo sua atenção presa no celular que para de tocar.
— Quem mandou vocês me atacarem? — Empurro a broca da
furadeira na lateral da sua bochecha, dando uma última chance dele me
responder. — Vou lhe dar a chance de escolher como quer morrer. Me diga
a verdade e deixo Edmundo ser benevolente e lhe dar uma morte rápida,
continue a mentir e vou arrancar seu cérebro inteiro pelo seu olho.
— Por favor... — Ele chora, enquanto murmura quando abaixo a
mordaça da sua boca. — Eu só tinha que vir junto, para cobrir Destope,
devia uma grana para ele. Ele disse que estaria quite se eu viesse, juro que
não tinha ideia que ele ia atacar alguém.
— Tem ideia de quem eu sou? — o pergunto, esmagando minha
boca. — Ideia de quem vocês atacaram?
— Pensei que seria um assalto, ele disse que estava tudo arranjado,
era só entrar e sair, grana fácil...
O som do telefone retorna com a mesma insistência novamente.
Viro meu rosto para o aparelho no chão, ao lado do corpo. Edmundo para
de desmembrar o cadáver de novo e olha para o celular, antes de erguer a
cabeça para mim. Me afasto do jovem e dou um passo para trás, esticando
meu braço para Edmundo.
— Me deixe dizer um olá para quem encomendou o serviço,
Edmundo — rosno, baixo, mantendo meus olhos no rapaz.
Eram dois peões, peças insignificantes de um tabuleiro, os quais
nem sequer tinham a dimensão de como tinham assinado sua sentença de
morte ao aceitar me atacar, mas tenho por mim que quem mandou as duas
marionetes sabia. Edmundo me entrega o telefone e olho para a tela,
tentando entender quem seria tão estúpido e burro quanto esses dois
incompetentes, que estarão dissolvidos pela soda, antes do amanhecer, para
sequer pensar que realmente poderia invadir meu hotel, infiltrar dois idiotas
entre os meus funcionários e achar que eles sairiam vivos no segundo que
entraram na minha suíte. Ouço a respiração baixa do outro lado da linha
quando atendo a chamada, levando o aparelho ao meu ouvido.
— Presumo que essa hora já deve ter desembrulhado meu presente.
— A voz feminina soa baixa. — Afinal, como uma mãe zelosa, não podia
deixar de cumprimentar quem tão bem anda escondendo minha cria.
— Na verdade, ainda estou os abrindo. Gostei tanto do presente que
lhe digo que pode se sentir livre para vir me ver — respondo sério,
esmagando meus dedos no aparelho, já sabendo exatamente quem é do
outro lado da linha. — Assim poderei lhe agradecer pessoalmente, Valéria.
— Garoto malandrinho, espertinho como o avô. — Sua risada fica
alta, enquanto tento prestar atenção em algum som ao fundo, que dê uma
pista de onde ela está.
— A que devo a honra de ganhar seus presentes? — Meu rosto fica
focado no corpo do garoto, olhando sua pele roxa.
— Oh, a nada, apenas queria deixar claro que não me oponho a
você estar escondendo minha Messalina — ela fala com desdém, enquanto
inala o ar com força. — Tenho um certo apresso especial por ela, afinal, eu
participei do ato da sua criação.
Filha da puta! Ela ri enquanto fala de forma depravada, escondendo
atrás de palavras bonitas, o que ela, junto com o meu pai, fizeram dentro
daquela sala, anos atrás, quando brutalizaram a jovem mãe de Eva.
— Creio que deva ser praga de família, afinal, seu pai também
tinha uma atração pela jovem e doce Mina, então quem melhor que você
para ficar com a cria dela...
Retraio minha face e ergo meu rosto, fechando meus olhos e
controlando minhas emoções, não caindo nas provocações dela.
— Está encurralada, Valéria, e a cada dia mais desesperada se
encontra. E o fato de mandar suas marionetes me atacar, apenas prova o
quão perto da sua queda você está.
— Oh, não, nunca mandaria lhe atacar! Apenas queria emoção, um
pouco teatral, de fato, eu concordo. — Ela ri e solta um estalo ao canto da
boca. — Mas o que seria da vida sem a arte, não é?! Achei que daria um
toque especial pedir para lhe atacar.
— Posso não estar presente no dia que o último suspiro sair da sua
boca, Valéria, mas pode ter certeza de que seu último sopro de vida será
depois que tiver sentido muita dor.
— Para pessoas como nós, a dor é a nossa vida, não o fim, mas sim
a essência da nossa existência. Você, melhor do que ninguém, sabe o
quanto a dor nos é preciosa, assim como a doce Eva também sabe. — Ela
solta seu veneno, o destilando em cada palavra. — Me diga, a boceta dela é
tão apertada quando a de Mina era quando seu pai a violentou...
— Eu vou achar você, custe o que custar, eu vou achar você, e por
Deus, que Ele tenha misericórdia da sua alma, porque de mim não terá
nenhuma quando começar a lhe torturar...
— Oh, isso soa como um convite de um amante apaixonado pela
sua cadela Messalina para os meus ouvidos — ela fala, rindo, me fazendo
rosnar com mais ódio. — Pena que Mina não teve a mesma sorte com
Oliver. Trágico, mas ainda assim belo, morrer pela ordem do seu dono. Se
parar para pensar, praticamente uma eutanásia em um animal que não
tinha mais serventia.
O ódio me toma enquanto inalo com mais força, amaldiçoando essa
mulher junto com o verme do meu pai.
— Não se irrite, jovem Pellegrini. A lei do mais forte sempre reinou
no mundo animal, você mais do que ninguém deveria saber disso.
— Sua cobra maldita, asquerosa!
— Cobras são mais protetoras com suas crias do que você julga,
Hector. Veja o leão, por exemplo, que não mede esforços para proteger seu
território. — Suas palavras ficam suaves, com ela murmurando. — Sabia
que eles matam suas próprias proles, quando os filhotes crescem e se
transformam em leões grandes, apresentando ser um risco para seu trono?
Eles eliminam os leões ainda jovens, para não ter concorrentes, e
continuam suas vidas sem um pingo de remorso, apenas usufruindo do
poder.
— Você é uma vaca doente! — Respiro mais depressa, segurando
com ódio a furadeira.
— Talvez, mas deveria pensar sobre isso e vai chegar à conclusão
de que a lei do mais forte impera sempre. — Ela ri mais alto, me deixando
ouvir o barulho de vento, como se estivesse caminhando em algum lugar
aberto. — E, a propósito, não se preocupe, não contei ao seu pai com quem
a Messalina que ele tanto busca, está. Mande um beijo meu para Eva,
jovem leão!
A linha fica muda quando ela desliga. Abaixo o celular e encaro o
aparelho, cerrando meus dentes.
— Vai me soltar agora... — Ele se debate, chorando. — Eu sinto
muito, sinto muito.
Meu rosto gira para o rapaz, que tem a face molhada, enquanto se
treme na cadeira.
— Eu sinto muito, sinto muito... — Eva balbucia entre o choro, com
tanto medo, parecendo uma criança assustada e ferida. Suas mãos se
esticam para mim, me deixando ver o brilho da lâmina da faca em uma
delas, manchada de sangue como as suas mãos. — Sinto muito, sinto
muito...
A face dela invade minha mente, acuada, com tanto desespero lhe
consumindo. E aquela fina camada que me segurava ao meu controle, o
qual precisei segurar até o último segundo, para que ela não visse o quão
monstruoso minha alma se encontrava, se rompe de vez. Ergo a mordaça
com raiva e tapo a boca do filho da puta quando estico meu braço, jogando
o celular com ódio no chão e prendendo meus dedos em seu cabelo,
apertando o botão no gatilho da furadeira.
Meu ódio transborda dentro de mim enquanto seguro firme o
instrumento, sentindo o sangue dele jorrando em minha camisa no momento
em que perfuro seu olho. O fedor das suas fezes se mistura com sua urina,
impregnando o ar e deixando a carnificina ir ao extremo, tendo meus
demônios soltos, libertos, como há muito tempo eles não ficavam, ciente
que toda a dor que causar daqui para frente, em cada maldito que a
machucou de alguma forma, será descomunal.
 
CAPÍTULO 23

 
Tempo de carnificina
 
Sieta Gregovivk
 
Retiro o capacete da minha cabeça depois que desligo a moto,
passando meus dedos nos cabelos e olhando para o que julgo ser uma
fábrica desativada. A pintura do prédio está envelhecida, a grande placa do
letreiro que tem ao topo está descascada, onde apenas é possível ver
algumas sílabas intactas, resistindo à degradação do abandono do prédio. O
endereço do local, o qual Edmundo me passou e joguei no GPS, e cheguei
até aqui depois de quarenta minutos de estrada, é totalmente inabitável, não
tendo nenhum outro prédio ou construção a quilômetros e quilômetros de
distância. Eu estava rastreando os voos particulares e as rotas que saíram no
dia que os homens de Hector seguiram Valéria até o hangar privatizado. Era
umas 9h30 quando Edmundo bateu na porta do quarto, onde eu e minha
mãe estávamos hospedadas, me dizendo que Hector havia mandado me
chamar, e pediu para que minha mãe acompanhasse Edmundo e ficasse
fazendo companhia à Eva.
Yelena saiu de dentro do banheiro antes mesmo que eu pudesse dar
minha resposta, pegando sua bolsa e dizendo que estava pronta. Ainda
estava desconfiada quando saímos do quarto. Andei lenta atrás de
Edmundo, o acompanhando pelos corredores até o elevador, e quando as
portas se abriram, no último andar, onde fica o apartamento de Hector
Pellegrini, meus olhos fizeram uma rápida vistoria pelo corredor, o qual no
final da noite passada continha os dois corpos dos camareiros que nos
atacaram. Não encontrei nem um risco de sangue que fosse no chão, como
eu tinha visto na outra noite, quando Edmundo nos tirou do apartamento
depois que Hector mandou a gente sair.
Parei meu olhar no segurança armado, encostado na parede, perto da
porta, que a abriu quando nos aproximamos. Yelena foi a única a entrar.
Antes mesmo que pudesse a seguir, a porta foi fechada atrás dela. Edmundo
me pediu para seguir o segurança, que me levaria até o estacionamento
privado de sir Hector, para que eu escolhesse qualquer um dos seus carros
que desejasse e fosse até o encontro dele. Peguei a localização que
Edmundo me passou e segui o segurança. Claro que não me interessei pelos
carros, não quando uma Dodge Tomahawk vermelha me implorava para
escolhê-la. O som potente do motor da moto roncou no estacionamento,
estourando como um grunhido alto de um dragão quando acelerei e saí do
subsolo do hotel, seguindo as coordenadas do GPS pelo fone de ouvido.
— Perfeita, boneca! — Desligo a moto e apoio o capacete sobre o
motor. Saio de cima dela, retiro os fones de ouvido e os levo ao bolso da
jaqueta.
Estudo o perímetro ao mesmo tempo em que ando lentamente no
chão de pedras, ao longe, no topo da fábrica. Vejo um segurança segurando
um rifle, apoiando sua mão na orelha, e ando de forma tranquila enquanto
busco pelos pontos de rápida fuga, caso precise, como sempre faço em
qualquer lugar que chego. Há árvores em volta do perímetro, como se
fossem cercas-vivas. O rangido da porta pesada de ferro sendo aberta me
faz olhar na direção da fábrica. Um segundo segurança aparece, com um
rifle de longo alcance pendurado na frente do seu peito. Sua cabeça se move
em um gesto lento e acena para eu entrar.
Passo por ele e ouço o som da porta velha se fechando atrás de mim.
Noto os cadeados nas janelas superiores, as mantendo trancadas, próximas
às plataformas de ferro, e conto mais cinco seguranças pelo trajeto que faço
entre o corredor mal iluminado da porta de ferro até chegar ao centro de
uma plataforma. O odor forte de porcos entra em meu nariz, me fazendo
olhar para baixo enquanto caminho na plataforma de metal cheia de grades.
Vejo alguns tanques de cimento vazios com bacias de madeira e caixas
d’água vazias. Estudo com mais atenção o piso inferior, vendo que os
tanques seguem em um longo corredor, um ao lado do outro. E todos estão
vazios, deixando apenas o cheiro forte de suínos no local. Talvez seja um
abatedouro de porcos antigos desativado, isso explicaria a sala de
refrigeração que vi quando passei pelo corredor.
— Mademoiselle. — Minha cabeça se ergue quando reconheço a
voz do francês gigante loiro que tinha me pegado de surpresa no café, no
dia que estava observando Hector e Eva de longe.
Ele estica sua mão e aponta na direção de uma escadaria de metal,
me pedindo para que o siga. Faço o que ele pede, enquanto balanço minha
cabeça em positivo, erguendo meus dedos e arrumando minha jaqueta.
Desço os degraus das escadas e ouço o som dos passos do gigante vindo
atrás de mim. Minha mente, que está calculando quanto tempo eu precisaria
para o desarmar, caso fosse preciso, se perde, ficando congelada no segundo
que olho ao centro, onde tem uma única lâmpada acesa. Posso dizer que foi
a visão da mulher sentada em uma cadeira, usando uma camisa de força,
com os tornozelos dela amarrados em cada lado da perna da cadeira, os
dedos dos seus pés sangrando, em carne viva, mostrando que todas as unhas
foram arrancadas, que causam um bug em minha mente, mas não, é a face
dela.
Em um primeiro momento, minha mente jura que eu estou olhando
para Freire. Respiro mais fundo e cerro minha boca, descendo as escadas e
caminhando para ela. Seus olhos param aos meus, com ela erguendo sua
cabeça, o que me faz descobrir que ela é parecida com aquela cadela sádica,
mas não é Freire. Elas possuem o mesmo nariz fino e olhar, mas o rosto é
um pouco mais largo, assim como os lábios mais grossos.
— Que porra é essa? — indago, baixo, olhando confusa para essa
mulher.
— Sophia Brandusque. — Meu rosto se vira para o canto escuro, ao
ouvir a voz de Hector. — Até então, freira regente.
O vejo sair das sombras com sua camisa branca suja de sague, as
mangas dobradas, segurando um alicate em sua mão. Assobia baixinho,
contendo uma expressão assustadora em seus olhos azuis, que dão um
aspecto de serem de vidros, sem nenhum piscar de cílios que seja. Caminha
lento em direção à mulher. O gigante loiro, que vinha atrás de mim, anda
para a esquerda, e não demora para retornar com uma cadeira, a deixando
de frente com a mulher. Dá um passo para trás e aponta o assento para
Hector.
— É uma mulher da fé?
— Não, mas acho que hoje ela vai encontrar a fé dela. Lhe apresento
a irmã caçula de Freire, seu nome verdadeiro é Mégara, e ela foi uma
psiquiatra renomada anos atrás — Hector fala sério, olhando a mulher. —
Isso até ela ter sua licença caçada e se tornar foragida da polícia, depois de
fazer alguns tipos de experimentos um tanto ortodoxos, podemos dizer
assim, em seus pacientes, e precisar sumir do mapa, tendo a ajuda de Freire,
que a escondeu no convento. Não é, cara doutora?!
O rosto da mulher se retrai e ela vira sua face para o lado, desviando
os olhos de Hector quando ele senta de frente para ela.
— Estávamos tendo uma conversa agradável, enquanto lhe
aguardávamos, Sieta. — Hector relaxa seus ombros e cruza suas pernas.
Meus olhos se abaixam para os dedos dos pés dela, que sangram e
estão em carne viva.
— Não sei mais o que quer que eu te diga. — Ela solta um choro
baixo, soluçando enquanto nega com a cabeça. — Não sei de nada do que
minha irmã fazia, Freire não me contava nada, eu juro. — A mulher ergue
sua cabeça para mim e a balança para os lados. — Por favor, por favor, eu
não sei...
— Nos conte sobre o projeto que ajudou sua irmã a criar dentro do
colégio interno do convento. — A voz de Hector é falsamente calma,
quando ele sibila, parecendo uma cobra. — Uma menina, cujo nome era
Eva.
O rosto dela se abaixa e olha surpresa para ele, tendo seus olhos se
arregalando.
— Não sei do que está falando. — O peito dela começa a se mover
mais depressa, com ela respirando rápido, negando com a cabeça. — Eu
nunca a ajudei com nada, Freire apenas me acobertou, para me safar das
acusações, porque ela não queria nada envolvido ao sobrenome da nossa
família...
Meu corpo se assusta e dou um passo para trás quando o movimento
do corpo de Hector se faz rápido e letal, com ele levantando e esmagando o
pescoço dela. Um som alto escapa da boca da mulher quando ela grita,
recebendo um golpe no rosto, com a mão que ele segura o alicate. Hector
rosna com ódio e aperta mais forte sua garganta, tendo seu rosto a
centímetros do dela.
— Criou uma criança dentro daquele maldito lugar, acorrentada
como um bicho, ajudando a puta da sua irmã a quebrar a mente dela, até
transformar aquela criança em um animal! — Os olhos da irmã de Freire se
arregalam, ficando presos ao alicate na mão de Hector, que se aproxima dos
lábios dela. — E agora está mentindo para mim, então, que tal isso? — Ele
solta sua garganta e puxa o cabelo dela com força para trás. — A partir de
agora, cada palavra que sair da sua boca vai ser verdade, ou eu vou arrancar
todos os seus dentes, um por um, antes de lhe fazer latir para mim como
uma cadela, implorando para que eu te mate rapidamente.
Meu corpo se mantém paralisado, enquanto o observo diante dela,
esmagando o alicate em seus dedos. Olho para o lado e encontro o gigante
loiro, que tem seus olhos presos em Hector perto da mulher. Ele solta sua
cabeça quando ela balbucia um sim entre o choro. Sua face está sem um
pingo de emoção quando ele se vira para mim e retorna a se sentar na
cadeira, ficando de frente para a tal de Sophia.
— Comece — ele rosna, lhe dando uma ordem, apoiando o cotovelo
dele no braço da cadeira e esfregando seus dedos em suas têmporas,
enquanto inala o ar com força.
— Eu estava estudando a fundo sobre persuasão coerciva[43]. Havia
avançado bastante em alguns pacientes no manicômio que eu trabalhava. —
Ela abaixa sua cabeça.
— Lavagem cerebral... — murmuro e dou um passo à frente, a
olhando, assim que compreendo o que ela fala. Yelena mantinha uma
biblioteca imensa dentro de casa. Mamãe iria estudar psicologia se não
tivesse encontrado sua paixão em ginecologia, por isso reconheço esse
termo que ela usa. São apenas palavras bonitas para disfarçar algo
criminoso e horrendo como lavagem cerebral. — Estava praticando
lavagem cerebral nessas pessoas...
— Não era lavagem cerebral! — A cabeça dela se ergue e seus
olhos ficam presos aos meus. — O que eu estava fazendo podia salvar
vidas, mudar uma sociedade inteira...
— Cristo! — Respiro rápido e nego com a cabeça, enquanto ela fala
como se realmente achasse que o que fazia era correto. — Isso é
abominável!
— Tanto quanto uma mãe com depressão assassinar seu próprio
filho, dentro de uma banheira com água fervente, ou um estuprador retalhar
suas vítimas antes de comer as carnes delas. — Ela me olha com raiva,
negando com a cabeça. — O que eu fazia não era nada perto dos assassinos
que estavam aprisionados no manicômio, com suas mentes doentes e
perversas. Eu tinha achado um avanço que podia mudar tudo...
— Estava mexendo na cabeça deles. — Hector abaixa sua mão e
esmaga no braço da cadeira, enquanto encara Sophia. — Mexendo na
cabeça de pessoas que já eram doentes.
— Eles eram as únicas cobaias que seriam fáceis de testar minha
teoria. — Ela o olha e dá um sorriso fraco. — Mas não foi assim que a
diretoria do manicômio encarou o meu trabalho, quando um dos meus
pacientes atacou uma enfermeira, a matando porque ele achava que ele era
um messias.
 — Você o fez achar que era — falo, baixo, estreitando meu olhar.
— Plantou isso na cabeça dele...
— A persuasão cognitiva e emocional muda o modo de pensar e
sentir do indivíduo, os deixando em estado de transe, nos quais é mais fácil
persuadir. — Ela abaixa seu rosto e fica séria, encarando o chão. — Eles me
viram como um monstro e me culparam pela morte da enfermeira.
— Então correu para a saia da sua irmã! — Ela ergue seus olhos
para Hector, consentindo lentamente com um movimento de cabeça à
pergunta dele.
— Freire disse que podia me ajudar, que me esconderia. — Sua
cabeça cai para trás e ela fecha seus olhos. — Mas Freire nunca fazia nada
sem ter algo em mente, e eu sabia que ela queria ter algo em troca.
— Ela sabia o que você estava fazendo com seus pacientes? — a
interrogo, ficando pensativa sobre os interesses de Freire com as ideias
loucas da sua irmã em mexer com a mente das pessoas. — Isso deve ter
sido um prato cheio para aquela cadela!
— Freire queria saber mais, ela se interessou pela persuasão
cognitiva. Queria saber quais eram os limites, até que ponto podia ser
aplicada e se uma mente pura seria mais fácil de trabalhar. Eu lhe disse que
sim. É mil vezes mais fácil, seria o mesmo que brincar de massinha de
modelar, moldando da forma que quisesse. Contei a ela que o método pode
moldar um ser humano a crescer e se tornar o que fosse plantado em sua
mente. Como um vaso, uma sementinha que você cuida e vai cultivando,
até se tornar adulta. Mas era tudo teoria, nunca tinha tentado na prática, não
com uma mente que ainda estava se formando. — Ela nega com a cabeça e
solta um suspiro. — Foi aí então que ela fez a proposta, que se eu a
ajudasse com uma coisa, ela me manteria segura. — Seus olhos param nos
meus. — Eu estava sendo caçada, iria ser presa a qualquer momento, então
aceitei ajudá-la no que fosse preciso, para ela me manter a salvo.
— Ela te escondeu no colégio interno, lhe fazendo passar por uma
freira regente. — Hector esmaga sua boca e nega com a cabeça. — Mas não
era um vaso que ela queria que você cultivasse, mas sim uma criança.
— Sim. — Os olhos da mulher param em Hector, soluçando
baixinho. — Eu não compreendi em um primeiro momento o que ela
queria, não até ela me perguntar o que aconteceria se criasse alguém com os
mesmos métodos que se cria um cachorro, se podia desencadear ainda mais
os traços de disciplina, lealdade, obediência e docilidade.
O som ríspido que sai da boca de Hector é rouco, tendo seus dedos
se esmagando ainda mais ao alicate enquanto a olha.
— Eu disse que era possível... que o cérebro absorve o que é
ensinado, que uma mente jovem é como uma esponja, que absorve tudo que
está à sua volta...
— Aceitou ajudá-la a fazer isso... a criar uma criança como um
animal? — O ar entra mais denso em meus pulmões, enquanto sinto o ódio
dentro de mim ficando cada vez maior.
— Ou era isso ou ser presa! O QUE EU PODIA FAZER? — A
cabeça da mulher se ergue para mim, me encarando e gritando com histeria.
— Podia ter se negado, como qualquer pessoa sã faria! — Meu
braço se ergue com fúria quando meu punho fechado acerta seu nariz, lhe
desferindo um soco com ódio.
Não sei o que me desencadeia, se é ouvir a forma tão fria como ela
conta sobre a lavagem cerebral, a face dela me recordar ainda mais da
cadela de Freire, ou ela olhar para mim e me fazer uma pergunta absurda
dessas.
— Podia ter mudado o destino da vida daquela criança. — Meu
peito sobe e desce rapidamente, enquanto a olho com desprezo.
— Freire iria me entregar à polícia pessoalmente, ela podia ser
muito vingativa. — A face da mulher se ergue e ela cospe no chão, tendo o
sangue escorrendo do seu nariz. — Acha mesmo que eu podia negar alguma
coisa a Freire, eu não tive escolha...
— Todos têm escolha, e você escolheu ajudar Freire! — Hector
rosna, baixo, enquanto se levanta, a olhando com ódio. — A única que não
teve escolha foi Eva.
— Não era para ter sido daquela forma, não do jeito que Freire
queria... Quando dei por mim, não tinha mais como eu parar...
— De que forma? — Esmago meu punho ao lado do corpo,
respirando com agonia. — Que forma vocês a criaram...
— Acorrentada em um canto escuro, com uma coleira em seu
pescoço. — Ergo meu rosto para Hector quando a voz dele sai ríspida. — A
isolando de tudo e todos, quebrando a mente dela e a fazendo não conseguir
compreender o que era, apenas obedecendo o que vocês a estavam
transformando, enquanto faziam a lavagem cerebral na mente dela.
— Como... — A mulher pisca, balbuciando e olhando para ele antes
de se calar. — Está com ela, está com o projeto de Freire...
Os olhos dela se arregalam e sua voz se cala quando o punho dele
fechado está a centímetros da sua boca, congelado no ar. Hector tem seu
peito subindo e descendo rapidamente e um som grotesco sai dos seus
lábios. Ele tomba sua cabeça para o lado e inala o ar com força, relaxando
seus dedos e abrindo sua mão, segurando o queixo de Sophia.
— Quantos anos ela tinha quando começaram a fazer isso com ela?
— ele pergunta, baixo, mantendo seus olhos presos na mulher.
— Ela tinha sete... — O som do seu grito é alto quando ele a força a
abrir a boca, prendendo o bico do alicate em um dos seus dentes, a fazendo
se debater na cadeira enquanto ele o extrai da boca dela com força. — Oh,
meu Deus...
Ela chora mais alto enquanto se retorce, tendo a frente da camisa de
força manchada de sangue. Abaixo meus olhos e encaro o dente que é
jogado ao chão, vendo o nervo e a raiz ainda presos a ele. Hector inala o ar
com força e liberta seu rosto, dando um passo para trás.
— Disse o que aconteceria se mentisse para mim. — Ele abre e
fecha o alicate ensanguentado em sua mão lentamente, a olhando. —
Agora, a menos que queira que eu arranque mais três de uma única vez,
diga a verdade. Quantos anos Eva tinha?
— Três, ela tinha três anos quando cheguei no colégio interno.
— Cristo! — Inalo o ar com mais dificuldade e me viro de costas,
não conseguindo olhar para ela ao ouvir sua resposta.
— Era a melhor idade, a idade que sua mente ainda estava limpa
como uma tela, então Freire e eu começamos a pintar. — Fecho meus olhos
e sinto como se algo dentro de mim estivesse se quebrando, enxergando
ainda mais a monstruosidade de Freire, Valéria e Morgana, quando
começaram tudo isso. — Eu avisei à Freire que para conseguir obter os
resultados que ela queria, da lealdade, da obediência cega como de um
animal fiel ao seu dono, Eva teria que ser criada como um, e que isso iria
ser completamente o oposto do que eu estava testando no manicômio. Meus
estudos eram em cima de pessoas já doentes, no caso da menina, estaríamos
pegando um cérebro saudável e o modificando, não teria mais volta. Mas
Freire não me ouviu, ela disse que Eva seria sua obra mais perfeita.
— Deus, como conseguiram fazer isso dentro de um convento,
como puderam criar uma criança como uma cadela domesticada dentro da
porra de um convento?! — Me viro com ódio, tendo meus dedos trêmulos
quando aponto para a face dela.
— Ninguém iria interferir, não quando Freire doou o terreno que o
convento foi erguido. A madre, na época, que estava cuidando de tudo,
tinha um acordo com Freire. Minha irmã não era o tipo de pessoa que você
iria querer ter como inimigo, ainda mais se ela sabe muita coisa a seu
respeito.
— Freire chantageou a velha responsável pelo convento, para
aceitar a abominação que vocês faziam — Hector fala, baixo, enquanto
inala o ar com força.
— Sim, e posso garantir que ela aceitou muito bem a chantagem,
ainda mais porque Freire a queria ajudando, construindo sua obra de arte.
— Sophia cospe um catarro de sangue no chão e olha para mim. — Eva era
diferente, ela era quietinha e aceitava tudo, sua mente era pura e não
precisava de muito para a quebrar...
Dessa vez quem se vira é Hector, ficando de costas para Sophia.
Vejo os ombros dele ficando tensos, com suas mãos se esmagando ao lado
do corpo.
— Estávamos avançando, conseguindo resultados inimagináveis
com ela, mas a madre... Eu não podia descuidar um segundo sequer com
ela, ela achava que o medo era a melhor resposta, e Freire a deixava
castigar Eva. As surras, os castigos, a deixar acorrentada, isso tudo era
pedido por Freire, e eu apenas obedecia.
Meu estômago está embrulhado, completamente enojado a cada
palavra que ouço.
— Só que houve consequências. Eu trabalhava com o psicológico,
mas tinha avisado à Freire que não podíamos empurrar demais, se não a
mente ia se quebrar por inteira. Mas Freire queria mais, queria o extremo, e
então...
— Ela matou a madre do convento. — Hector se vira, fazendo
Sophia olhar para ele quando fala sério. — Vocês a trataram como um
animal, até os instintos dela pensarem que era um...
— Não era para aquilo ter acontecido, não com Eva, que estava
respondendo bem à persuasão coerciva. — Sophia fecha seus olhos,
negando com a cabeça. — Mas a separação, isso causou danos dentro dela...
— Separação? — Quem pergunta sou eu, olhando perdida para ela.
— A separação da ninhada. Por isso Eva respondia bem ao
tratamento. Mas quando tentamos separar os filhotes, Eva ficou fora de si...
— A criança com a mesma face. — Pisco, confusa, virando meu
rosto para Hector, o vendo cabisbaixo, murmurando. — Não era ela!
— O quê?
— Eva! — Ele ergue seu rosto e me responde. — Ela teve um
pesadelo, me contou que se via, via sua face em uma criança acuada.
Naquele momento, pensei que fosse um sonho, onde ela via a si mesmo,
pelo jeito que ela me contou, mas não era Eva...
— Mina deu à luz a gêmeos! — Compreendo o que ele fala no
mesmo segundo. — Criaram as crianças juntas...
Meus dedos já estão se esmagando com raiva na camisa de força,
obrigando a vagabunda da irmã de Freire a me olhar.
— ONDE ESTÁ A OUTRA CRIANÇA? — grito, chacoalhando
seu corpo, querendo arrancar a verdade dessa puta no soco. — ME FALA!
— Valéria levou a outra criança! — Sophia responde, chorando e
negando com a cabeça.
— ME DÁ A PORRA DESSE ALICATE! — Estico meu braço para
Hector, o puxando dos dedos dele. — ME FALA ONDE A OUTRA
CRIANÇA ESTÁ, VAGABUNDA!
Esmago a ponta do alicate em sua orelha, o apertando com força,
enquanto ela berra, se debatendo.
— EU NÃO SEI, NÃO SEI, JUROOOO... — Aperto mais forte e
vejo a pele se esmagando. — NÃO SEI, POR FAVOR, JURO QUE NÃO
SEI. VALÉRIA A BUSCOU, ELA LEVOU A CRIANÇA COM ELA.
— Mas a informante de Ramsés disse que cada uma escolheu um
bebê. — Solto a orelha da vadia, virando meu rosto para Hector. — Está no
dossiê que ele me entregou. Freire escolheu um bebê e Valéria outro. Mas
se Freire queria esconder Eva de Valéria, como foi contado, por que a outra
criança estava lá...
— A menos que fosse mentira das duas. Valéria e Freire sempre
foram unidas, ela estava escondendo Eva apenas...
— Do meu pai! — ele termina por mim, enquanto respira com
força. — Valéria sabia que Freire era a melhor para educar as crianças, que
moldaria a mente delas para ficar do jeito que ela queria. As duas nunca se
desvencilharam, estava ali, diante de mim, e eu não enxerguei o que as duas
tramavam. — Ele fecha seus olhos e nega com a cabeça.
— Do que está falando, Hector?
— Selvagem! — Ele abre seus olhos e me encara, me fazendo ficar
ainda mais perdida, sem entender o que ele fala. — É assim que o dossiê da
minha meia-irmã, Stella, a descreve. Criada em um puteiro sujo, dormindo
no chão em uma cozinha, como bicho, arisca e inocente ao mesmo tempo.
Nos documentos, relatam que a dona do bordel alega ter sido instruída por
Valéria a criar Stella daquela forma, porque a queria selvagem. Mas Valéria
apenas a instruiu a fazer o que Freire e essa cadela já estavam testando em
Eva. — A face dele endurece, enquanto olha Sophia com ódio. — Mina era
vista como uma cadela de procriação, Stella foi educada para ser um animal
arisco e indomável, e minha Eva foi machucada para ser leal,
completamente leal. Foi o instinto de proteção.
  Hector está com ódio, com sua boca tremendo, enquanto o peito
dele sobe e desce rápido. A cadeira que ele estava sentado voa longe
quando ele a chuta com raiva, tendo seus olhos frios como aço ficando mais
intensos.
— Por isso ela atacou a madre, por isso ela atacou o camareiro, o
instinto de proteger foi o gatilho disparado dentro dela. — Sua boca espuma
de raiva, enquanto solta as palavras com amargura. — A maldita
abominação que Freire impôs à alma da Eva, ao ensiná-la a se comportar
como uma cadela dócil. Mas ela não podia ser totalmente leal à Freire, não
é?!
Sophia grita quando os dedos dele se prendem no cabelo dela com
força, puxando sua cabeça para trás e a fazendo o encarar.
— Não podia ter a lealdade cega de Eva, não enquanto o sangue do
seu sangue estivesse junto dela, por isso ela separou as crianças...
— Freire usava isso para acuar Eva, ela usava a outra criança para
ter a obediência de Eva. A madre a machucava e Eva aceitava, porque
assim a outra criança não sofria... — ela grita, chorando, quando ele esmaga
com mais ódio seus cabelos, apertando sua boca com a outra mão. — Por
favor... por favor, eu apenas fiz o que Freire me pediu...
— A machucou, a feriu, brincou com a mente dela, lhe fazendo se
tornar algo frágil, que busca alívio na dor para conseguir silenciar o horror
que ela vivia dentro daquele maldito lugar.
— Não... Não! — Ela nega com a cabeça e chora mais desesperada.
— Isso foi Freire, Freire a ensinou, ela condicionava a mente de Eva a focar
na dor, criando histórias dentro da cabeça dela, modificando suas memórias.
Eu apenas cuidava dela, ensinava as coisas que Freire queria que ela
soubesse, ensinava que ela tinha que ser submissa para não estranhar
quando chegasse a hora de Freire tocar nela, eu apenas fazia isso...
O som forte da cadeira sendo derrubada ao chão, com o corpo da
irmã de Freire em cima dela é forte, quando ele a empurra, causando o
impacto da cabeça dela no piso bruto. Vejo os pés da mulher em carne viva,
com o sangue escorrendo, mas é a sola dos pés esfolados, que está com a
pele completamente retalhada, que me faz virar meu rosto e olhar para o
outro lado.
— Tem mais alguma pergunta que queira fazer a ela, conselheira de
Sodoma? — Hector ergue sua cabeça para mim, enquanto está parado ao
lado do corpo da mulher, tombada na cadeira. Nego lentamente com minha
cabeça, já tendo ouvido o máximo de monstruosidade por hoje. — Libérez-
les[44].
Ergo meu rosto e o encaro quando ele dá uma ordem para o gigante
loiro. Vejo o grandão se afastar, enquanto caminha para o que parece ser
uma porta grande de aço.
— Lhe aconselho que não se mova enquanto eu não mandar. —
Volto meu rosto para Hector quando sua voz com raiva sai baixa, o vendo
parando ao meu lado.
— Por favor... Por favor, eu contei tudo, por favor...
Os sons de grunhidos altos se sobressaem ao choro de Sophia,
quando o barulho da porta que o gigante foi abrir se faz. Meu corpo não se
move, e nem sequer pisco, penso que até minha respiração ficou presa
dentro dos meus pulmões, quando a primeira sombra gorda e barulhenta sai
correndo das sombras, vindo como se fosse uma ratazana gigante direto
para a irmã de Freire. E logo outro aparece, e mais outro, e logo o que se
pode se dominar como um enxame de suínos imensos estão se debatendo,
um se jogando sobre o outro, para poder mordiscar um pedaço de pele dela.
Seus gritos se misturam aos grunhidos, ficando perdidos entre o som
assustador que os porcos fazem enquanto se alimentam dos seus pés
esfolados. O dente arrancado em sua boca, me faz entender que não era a
verdadeira tortura, mas sim um meio de fazê-la jorrar sangue por sua boca,
chamando a atenção dos porcos para seu rosto. Escuto a respiração pesada
do homem parado ao meu lado, assistindo aos animais se alimentando de
Sophia, com seu peito se estufando para frente e ele inalando o ar com
força.
— Venha! — Hector se vira e se afasta, caminhando lentamente,
enquanto meu corpo ainda está paralisado, assistindo à carnificina.
Uma morte dolorosa e horrível, sendo comida viva por animais
burros e gigantes, que são apenas uma máquina de se alimentar, com uma
fome sem fim, triturando e comendo tudo que veem pela frente. Vejo o
sangue escorrer no chão, enquanto os porcos mordem suas pernas, depois
de terem comido os pés.
— Sieta, sugiro que não queira estar aí quando eles terminarem, a
menos que deseje ser o próximo prato!
Meu corpo gira rapidamente quando a voz de Hector sai mais alta. O
vejo parado nas escadas, assistindo ao banquete infernal dos suínos. E não
sei o que é mais assustador, se são os animais comendo aquela mulher
enquanto os grunhidos e chiados ficam mais altos, silenciando os gritos
dela, ou se é encarar a face de Hector Pellegrini, enquanto observa com
deleite a carnificina.
— Meu jato particular está lhe esperando no aeroporto, para te levar
para Malta. — Hector mantém seus olhos no espetáculo suíno, falando para
mim. — Lá dentro irá encontrar tudo que precisar, armas, dinheiro e
equipamentos. Alguns dos meus homens estão esperando por você quando
o avião pousar, estão inteiramente sob seu comando.
— Mas, como assim? — Pisco, confusa, não o compreendendo. —
O que tem em Malta...
— Valéria! — Ele vira seu rosto, me encarando. — Ela está em
Malta, negociando com Cornélio Lontra, um traficantezinho de merda de
heroína, que tem alguns amigos no mercado de escravos e de prostituição
da Turquia.
Minha mente para por um segundo, assimilando tudo que acabei de
ouvir, não acreditando que finalmente alguém descobriu a localização
daquela vagabunda.
— Meu Deus, a terceira Messalina! — Ergo a mão para o meu rosto,
enquanto respiro depressa. — Ela pode estar querendo vender a jovem com
codinome de Mical. Mas como conseguiu essa informação...
— Ela me deu, quando me ligou no celular do camareiro que Eva
atacou. — Meus olhos se expandem, ficando pasma.
— Foi aquela puta que os mandou?
— Sim, para me deixar saber que ela tem conhecimento de com
quem Eva está. Sugiro que se apresse, Valéria é ligeira, não vai demorar
para sumir outra vez. Meus homens rastrearam a ligação dela de um
telefone público em Malta, o que me fez saber exatamente atrás de quem
ela estava indo. Dei uns telefonemas e me confirmaram que uma mulher
ruiva, com olhos azuis, está hospedada na casa dele. Como nós dois
sabemos que ela é uma camaleoa, tenho certeza de que é ela.
— Vamos ter que agir rápido, se ela realmente está com a terceira
Messalina, não vai querer perder tempo.
— Por isso sugiro que se apresse. Sua mãe estará segura sob minha
proteção, posso te garantir.
— Mas, e a convocação, preciso chamar os outros conselheiros...
— Czar irá cuidar disso, ele e Ramsés estão vindo para Paris,
chegam no sábado junto com outros conselheiros. Digamos que será uma
festinha surpresa para o meu pai. — Sigo Hector, subindo as escadas atrás
dele quando ele caminha a passos duros.
Está acontecendo tudo rápido, muita informação sendo jogada em
cima de mim. As informações de Sophia, a forma como ela morreu, agora o
descobrimento do paradeiro de Valéria. Cristo, a última Messalina podia ser
salva!
— Não sei se sou a pessoa certa para salvar essa jovem, e se eu
acabar a perdendo e se por um erro meu Valéria também escapar... — Eu
paro de falar quando o corpo de Hector se vira de uma única vez, ficando
sério, com seus olhos azuis cravados em mim.
— Quer saber por que eu realmente renunciei à minha cadeira,
Sieta?! — Ele esmaga sua boca e fala sério. — Porque Sodoma é podre,
porque não havia nada lá que realmente fosse algo verdadeiro, além das
nossas almas podres e sádicas. Porque não precisava deles para alimentar
meus demônios, porque eu sabia que eles ficariam piores do que já são,
porque nada que Sodoma pudesse me mostrar me surpreenderia.
Engulo minha saliva e respiro mais forte, tendo minha cabeça
erguida para conseguir o encarar.
— Mas, estranhamente, Sodoma conseguiu a proeza de me
surpreender, quando uma conselheira parou à minha frente, não escondendo
suas desconfianças e sendo verdadeira, não usando o véu da falsidade de
Sodoma para esconder o que pensava, disposta a lutar comigo para proteger
Eva. — Ele leva sua mão para trás da sua calça, e quando retorna vejo a
automática em seus dedos, com ele a estendendo para mim. — E é por isso,
que eu sei que estou mandando a pessoa certa para resgatar a terceira
Messalina.
Meus dedos se erguem e seguro a arma antes de erguer meu rosto
para ele.
— Eu não vou falhar, vou trazê-la em segurança!
— Eu sei que vai! — Hector ergue sua cabeça e para seu olhar no
andar de baixo, onde os porcos estão se alimentando do que sobrou de
Sophia. Balanço minha cabeça em positivo e levo a arma para minha
cintura, usando a barra da camisa para a esconder. Passo por Hector e me
direciono para o corredor, mas paro e giro lentamente, olhando para ele.
— Vai cuidar dela, não vai, Pellegrini? — Sua face gira e ele me
olha.
— Dei minha palavra que cuidaria, nada de mal vai acontecer com
sua mãe...
— Estou me referindo à Eva! — Olho séria para ele, querendo saber
se ele compreende como ela está ligada para sempre a ele. — Vai proteger e
cuidar dela?
— Com a minha vida se for preciso. — Ele inala o ar com força e
leva suas mãos ao bolso. — Com a minha vida!
Balanço minha cabeça em positivo, encontrando a resposta não em
suas palavras, mais em seu olhar, que troca o tom de azul-escuro para um
claro quando me responde.
— Eu estava errada a seu respeito, Hector — falo, baixo, e olho na
direção dos porcos. — Ainda continuo lhe achando perigoso, mas confio
muito mais em você agora do que quando eu cheguei!
Meus pés se giram quando eu me viro, caminhando em uma linha
reta, a passos decididos. Não irei falhar com a terceira Messalina, e muito
menos deixar aquela vagabunda da Valéria escapar.
CAPÍTULO 24

 
Livre
 
Eva Fishie
 
Me sento na cama e bocejo enquanto esfrego meus olhos. Viro meu
rosto e vejo a luz do banheiro acesa, com a porta aberta. Giro minha face e
encaro a cama vazia, soltando um suspiro baixo. O relógio em cima da
mesinha, ao lado da cama, me mostra que já são três horas da manhã. O
som da respiração pesada me faz erguer meu olhar na direção do pé da
cama. Observo Hector sentado em uma cadeira, próximo à janela,
segurando um copo de bebida, o deixando repousado em seu joelho. A luz
do banheiro acesa me mostra seu peito despido, assim como a toalha
enrolada em sua cintura, me dizendo que tinha tomado banho, apenas não
sei há quanto tempo ele está ali. Seus olhos estão parados em mim, como se
estivesse a um bom tempo me observando dormir.
Eu fico quieta, sem me mexer, olhando para ele e encolhendo meus
ombros. Havia me sentido perdida e solitária a quarta-feira inteira, desde a
manhã, quando sir Hector partiu sem me olhar nos olhos. Yelena passou
boa parte do dia comigo, deixando minha angústia ser menor, já que eu
tinha a companhia dela. Após o jantar, quando ela se retirou para ir ao seu
quarto tomar banho, eu perguntei a Edmundo se eu poderia ir até o jardim,
que eu avistava da janela do quarto. De uma forma educada e cavalheira,
como apenas ele consegue ser, me disse não, que eu não tinha permissão
para andar nas dependências externas do hotel, que sir Hector achava
perigoso me deixar exposta aos hóspedes, ainda mais por causa do ocorrido
da noite passada. Eu não tive coragem de olhar nos olhos de Edmundo
quando lhe perguntei o que tinha acontecido com o rapaz que eu ataquei.
Ele apenas minimizou a informação, sendo breve ao dizer que estava tudo
bem. Mas não está tudo bem, eu sei disso. Hector estava fora o dia todo,
assim como Sieta. Yelena também desconversou durante o decorrer do dia,
quando lhe perguntei de Sieta, após ela atender uma chamada telefônica da
filha.
— Ela precisou partir, mas disse que assim que voltar, ela irá lhe
ver. — Um sorriso animado esboça em sua face, com ela falando alegre,
mas ainda assim são seus olhos que me contam a verdade, deixando a
aflição ficar mais visível neles.
Eu fingi acreditar em suas palavras alegres, mesmo vendo a verdade
nos seus olhos. Sinto aquela angústia ficando maior a cada segundo dentro
do meu peito, assim como o caos. Minha mente tenta focar na ardência que
ainda sinto em minhas nádegas, por causa da forma que sir Hector me tocou
na noite passada, e é nessa dor que eu me foco, para não tentar causar novas
dores em mim, não queria o deixar triste. Nem enxergar a expressão abatida
que vi em sua face, quando ele me tirou do chão e me levou para o banho.
Eu sabia o que tinha lhe pedido, e fui grata por ele não ter me negado, mas
me senti infeliz quando vi a culpa em seus olhos, por ter me machucado
propositalmente. Eu demorei alguns segundos para compreender o seu
olhar, e foi confuso para mim ver aquilo. Madrinha nunca tinha me olhado
daquela forma, assim como Sophia ou a madre. Elas nunca me olharam
com culpa depois que me castigaram, mas sim o contrário. E a forma como
ele me olhou ficou presa em minha mente, me fazendo recordar da sua
expressão o dia todo, e quanto mais as horas passavam e ele não voltava,
mais triste eu ia ficando.
Mas agora não é algo novo que vejo em seus olhos azuis, não culpa,
mas sim sombras, algo sombrio, que é tão intenso e me dá a impressão de
estar sendo afogada em seus olhos azuis. Me arrasto de mansinho até os pés
da cama e tomo coragem em ir até ele. Escorrego meu corpo ao chão e vou
engatinhando lentamente, até parar perto das suas pernas. Sir Hector me
observa, não dizendo uma única palavra, apenas me olhando, e mesmo com
toda escuridão que vejo em suas íris azuis, sinto meu coração bater
acelerado, desejando estar junto dele. E como se me desse permissão para o
que eu desejo, ele afasta o copo do joelho e o deposita no chão. Meus olhos
se abaixam no segundo que minhas mãos seguram em suas pernas,
percorrendo sua pele. Continuo subindo minhas mãos por cima da toalha,
me alavancando, até me aproximar do seu colo.
Sinto seu cheiro almiscarado, o que alivia ainda mais a falta que
senti dele hoje. Seu peito sobe e desce rápido, enquanto ele solta um ruído
rouco por sua boca. Deixo meus dedos trilharem seu caminho, subindo para
seu peito, sentindo os pelos em sua pele. Sua respiração morna toca em
minha bochecha, quando sento-me encolhida em seu colo, erguendo meus
pés do chão e me apoiando em suas coxas. Meu rosto se inclina para perto
do seu peito nu e afago minha bochecha com a pele, o deixando saber como
fiquei solitária na sua ausência e sofri.
— Não faça isso, Eva. — A voz masculina soa baixa, mas não como
se estivesse bravo por eu querer ficar perto dele, mas sim triste. Seus dedos
alisam meus cabelos, jogando-os para trás das minhas costas, respirando
com força. — Não precisa fazer isso para mim, pequena...
Sua voz está pesada, quase arrastada, carregada com o odor de
bebida forte vindo do seu hálito quando ele encosta sua testa na lateral da
minha, murmurando rouco.
— Basta me dizer, pécheur.
Fecho meus olhos e me aninho mais em seus braços, parando de
esfregar minha bochecha em seu peito.
— Sir Hector está bravo comigo? — murmuro e fico paradinha,
com medo da sua resposta. — Por isso diz isso...
— Non! — Ele tomba sua cabeça para trás e enlaça meu corpo com
seus braços, me deixando presa a ele.
— Não gosta quando faço isso... — As palavras saem baixinhas por
minha boca, enquanto tento entender o que o desagrada.
— Não gosto do que eu sinto quando você faz isso, Eva. — Sir
Hector retorna sua cabeça para frente e apoia seu queixo sobre minha
cabeça. — Porque ao mesmo tempo que abomino, uma parte minha fica
mais possessiva, e isso me torna igual às pessoas que lhe ensinaram a agir
assim — ele responde de forma lenta, como se as palavras fossem amargas
demais para sair dos seus lábios, enquanto alisa meus cabelos com sua mão.
— Eu gosto de lhe mostrar o que sinto — lhe respondo rápido,
retornando a afagar seu peito com a lateral do meu rosto —, o que não
consigo expressar em palavras.
Sorrio com timidez e ergo meu rosto para ele. A ponta do meu dedo
toca sua face e o vejo fechar seus olhos. Passo os dedos por suas
sobrancelhas e contorno cada linha da sua expressão, o vendo ficar
relaxada. Escorrego meus dedos da ponta do seu nariz até tocarem seus
lábios, e antes que perceba, deposito um pequeno beijo em seus lábios
quando inclino minha cabeça. Sinto a dureza da sua boca quando a toco.
Sorrio para ele com mais alegria, me afastando apenas um pouco, deixando
uma distância entre nós.
— Sir Hector não é como elas.
Seus olhos se abrem, mais relaxados, e sua boca ensaia um pequeno
sorriso que não sai. Suas grandes mãos se encaixam em meu rosto e alisa
meu cabelo, puxando-o para frente do meu pescoço, mantendo seu olhar
perdido em meus cabelos que ele afaga.
— Não, pécheur, não sou como elas — fala, baixo, deixando seus
dedos separarem as mechas. — Minha alma é muito pior, e é por isso que
sei que não devia gostar da forma como me mostra sua alma, sua essência.
— Ele ergue seus olhos aos meus. — E me condeno por isso, por ser
cativado em sua inocência, adorando cada entrega sua, mesmo tendo
consciência que não devia, o que me torna ainda mais monstruoso que
Freire.
Olho para ele e balanço minha cabeça em negativo. Não quero vê-lo
assim. Não sei como agir, como ele quer que eu aja, apenas desejo agradá-
lo, o ver feliz.
— Sir Hector não é um monstro... — sussurro, perdendo-me em seu
olhar, tentando me mexer em seu colo, mas mordo minha boca e reprimo
um gemido, assim que sinto a fisgada nas dobrinhas ao meio da minha
bunda que está sensível.
Seus olhos ficam sérios e ele abaixa seu olhar, encarando minhas
pernas em seu colo.
— Estou bem... — murmuro e mordo o cantinho da minha boca
devagar, enxergando aquela expressão de culpa de novo. — Foi eu que
pedi, monsieur.
Abaixo meus olhos para minha mão, que está espalmada em seu
peito, a vendo se mover conforme as batidas fortes do coração dele as faz se
mexer.
— Por favor, não se sinta culpado pelo que eu pedi para que fizesse
comigo, e nem se compare a elas... Apenas queria esquecer, esquecer as
lembranças do que fiz, do que eu tinha feito com aquele homem, e do que
mais podia ser capaz de fazer, se não tivesse me tirado de cima dele...
— Estão mortos, Eva. — Sua voz é baixa, quando fala de forma
séria, o que me faz erguer meus olhos para ele. — Os dois, tanto o que você
atacou quanto o que sobreviveu, morreram em minhas mãos, assim como
Sophia!
Meu cérebro fica em pane, não sabendo se ouvi direito ou não
quando ele toca no nome de Sophia, falando rapidamente.
— A freira regente...
— A matei, Eva! — sir Hector fala de uma única vez, não usando
de meios-termos para dar a notícia, apenas diz de forma rápida e direta.
Meus dedos se abaixam do seu peito e escorregam para minha coxa,
vendo a verdade ali sendo confirmada pelos seus olhos azuis-escuros e frios
como gelo. Ele não está brincando ou mentindo.
— Matou a freira? — o indago, surpresa, em um misto de choque,
sem saber o que pensar. — Monsieur matou a freira Sophia?
— Matei a irmã de Freire, uma psiquiatra louca que ajudou a irmã
dela a lhe machucar, fingindo ser uma freira. O nome verdadeiro dela nem
era Sophia. — Ele não desvia seus olhos dos meus enquanto fala, se
mantendo parado diante de mim. — Mas mesmo que ela fosse uma mulher
da fé, não teria importância nenhuma para mim, a mataria do mesmo jeito,
de forma pior até.
— Cristo... — Abaixo meu rosto, tentando compreender todas essas
informações.
A morte de Sophia, a ligação dela com Freire, ela ser uma falsa
mulher da fé...
— Não estou lhe contando isso para que tenha medo de mim. —
Meu rosto se ergue e o olho, vendo sua boca se esmagando enquanto ele
inala com força o ar. — Só para que entenda que digo a verdade ao afirmar
que minha alma é muito pior que as delas. Minha alma é monstruosa e
cruel, pécheur. E sábado arrastarei para o inferno mais um demônio que lhe
condenou àquele purgatório, que amaldiçoou tanto sua vida quanto a da sua
mãe e irmãs.
— Seu pai... — balbucio apressadamente, compreendendo a quem
ele se refere.
Pisco rapidamente, tendo meu peito disparado, com meus dedos se
esmagando em meus joelhos. Sir Hector não me esconde a verdade, e eu
aprecio isso nele. Depois de tantos anos tendo minha mente sendo quebrada
e distorcida, com mentiras e crueldade, ter alguém que me fala apenas a
verdade é uma bênção. Mas agora, nesse segundo, ainda estou incerta se é
uma bênção ou uma maldição. Compreendo que por trás do seu olhar, um
homem perigoso habita dentro dele, apenas não tenho dimensão do tanto, só
que não tenho medo dele, e isso me assusta ainda mais.
— Não deixarei nenhum deles escapar — sir Hector fala sério, me
deixando ouvir sua voz rouca. — Principalmente ele. Oliver terá que
responder pelo que fez. Os conselheiros de Sodoma estarão presentes, para
saberem o que ele fez. Ao final do sábado, não precisará mais ter que se
esconder, estará livre, Eva.
Acho que ouvir isso me aflige muito mais do que ouvir ele me
contar que matou Sophia.
— Livre? — murmuro, me sentindo estranha. Ele partirá, será isso
que acontecerá, me mandará ir embora. Deixará meu destino ao encargo de
Sodoma e nunca mais o verei.
— Encontrei uma pista que me leva a acreditar e quase ter certeza
de que sua irmã está em Malta, com Valéria. Sieta foi atrás dela. — Olho
para sua face e pisco, confusa, ainda tentando entender a parte do livre. —
Logo vocês estarão juntas novamente.
Sinto meu peito bater mais depressa, com o ar entrando rápido em
minhas vias respiratórias, assimilando tudo. Sinto muitas coisas ao mesmo
tempo: felicidade, medo e dor.
— A encontraram... Acharam minha irmã?
— Sim, julgo que muito em breve estará com elas, tanto com essa
como com Stella. — Vejo um brilho em seus olhos passar tão rápido, que
não consigo distinguir. — Terá sua família, pécheur.
Não compreendo o que estou sentindo. Deveria estar feliz, mas não
me sinto feliz, não porque encontraram minha irmã, nem porque logo irei
conhecê-las, e sim porque a única coisa que martela dentro da minha mente
é a palavra livre.
— O sonho que me contou, da criança que tinha o mesmo rosto que
o seu, era sua irmã, Eva. Não era um sonho, e sim uma lembrança... — Sir
Hector segura meu rosto, o alisando. — Você estava defendendo-a, por isso
atacou a madre. Foi um instinto de proteção, minha Eva, não porque sua
alma é monstruosa.
Fecho meus olhos e encosto meu rosto em seu peito, como se
pudesse ver aquelas imagens tão reais dentro da minha mente.
— EVAAAAA... — O grito de dor entra em minha mente, me fazendo
olhar para o canto da parede, e eu me vejo novamente, vejo uma cópia
minha encolhida, com sua face molhada pelas lágrimas.
A madre, segurando uma espátula fina e grande em sua mão, ergue
seu braço para cima, para acertar as pernas machucadas da criança, com
minha face encolhida ao canto da parede. O que me faz usar todo o resto de
força que ainda tem dentro de mim, para chegar até ela. Giro meu rosto e
mordo a coxa da freira regente, a fazendo gritar de dor, soltando meus
cabelos. Meu corpo se levanta e uso a fúria para me manter em pé.
— EVAAAA!
— Ela estava lá... — murmuro, abrindo meus olhos. — Ela estava lá
comigo o tempo todo, mas por que eu não me lembro dela?! Não me lembro
do seu rosto, apenas me vejo, como se estivesse olhando no espelho...
— Sophia e Freire mexeram demais com sua mente, pequena. — Sir
Hector segura minha face e fala lentamente. — Freire precisava que você
esquecesse sua irmã, para poder ser fiel inteiramente a ela.
— Madrinha foi tudo que eu tive por tantos anos...
— Não mais, minha pequena Eva. — Ele inala com força o ar e
abaixa seu olhar para os meus dedos em meus joelhos. — Agora tem suas
irmãs, e nunca mais ninguém vai lhe machucar.
Sir Hector segura meus dedos em sua mão e me olha nos olhos. Ele
aproxima nossas bocas, deixando-me sentir seu gosto de bebida em um
beijo quente e selvagem. Sua língua domina a minha rapidamente, e sua
força sobre mim aumenta quando ele solta meus dedos e abraça meu corpo.
Derreto-me em seus lábios, sentindo sua boca me devorando a alma.
Minhas mãos, inquietas, se erguem, e espalmo meus dedos sobre sua pele
quente. Sinto os pelos sedosos do seu peito, que arfa junto ao meu. Suas
mãos descem pelas minhas costas e sua boca me toma entre meus suspiros,
deslizando seus lábios pelo meu pescoço, entre mordidas e sugadas.
Espalma sua mão em minha bunda, apertando mais a carne, me
fazendo sentir tanta dor como prazer, mas não é só isso que sinto, eu
também sinto desespero. Ele se levanta e meus braços enlaçam seu pescoço,
do mesmo modo que minhas pernas. Minha pele queima como uma
fogueira em seus braços. Perco-me em sua boca, que se volta à minha. Meu
corpo se movimenta mais, colando ao seu. Nem sinto seus movimentos,
apenas quando o colchão se afunda embaixo das minhas costas. Sir Hector
se ergue sobre mim e deixa sua mão escorregar por minhas coxas, parando
na barra da camisa dele em meu corpo e a erguendo para cima, deixando
meus seios à mostra.
Vejo a luxúria e algo que não entendo em seus olhos, mas me
entrego em abandono para ele. Ele traz meus joelhos para frente e puxa
minha calcinha, retirando-a com a mesma facilidade que a camisa. Seus
beijos lentos em minha pele começam em meus tornozelos, embriagando-
me. Suspiro pelo toque quente dele em mim. Minhas pernas caem ao lado e
meu corpo arqueia, assim que seus dedos me invadem sem aviso. Sinto meu
corpo implorando, latejando em agonia, deixando-me molhada, fazendo
meus quadris balançarem em movimentos involuntários, indo mais para ele.
— É o ser mais belo que já cruzou o meu caminho, Eva! — diz em
sua voz rouca, com seus olhos presos em meu rosto. — Meu pequeno
pecado.
Sir Hector abaixa sua cabeça e suga meu seio, fazendo meu corpo
explodir pela força de cada sugada que seus lábios fazem em minha mama.
Meu corpo se arqueia para ele em um movimento de puro abandono,
e meus dedos se enterram ao lençol. Vejo o teto sobre nossas cabeças, mas
nada mais tem importância, como se tudo congelasse à nossa volta. Isso
para mim é ser livre. Ele alavanca apenas um pouco seu corpo e retira a
toalha da sua cintura, se abaixando novamente e deixando nossos rostos tão
próximos, que me sinto como se estivesse me afogando em seu olhar. Ele
move seu quadril, enquanto tem a cabeça do seu pau me invadindo. Minhas
unhas se enterram no lençol e minha respiração fica entrecortada. Meu
corpo o toma, o recebe, mesmo sentindo-me ser esticada ao último por
dentro, tomada por ele em cada pedacinho.
Quando nossos corpos se colam, com ele tão fundo dentro de mim,
Hector levanta sua parte superior e me olha em silêncio, com seus olhos
presos aos meus. Puxa minhas pernas, colando-nos mais, e seu quadril se
move lentamente. Seus dedos trilham minha pele, até que invadem minha
boca, fazendo-me chupar lentamente. Quando deslizo minha língua por
eles, seu peito arfa em satisfação ao ver, com seus olhos de luxúria, seus
dedos fodendo minha boca.
— Minha pécheur! — Sua voz grossa e rouca sussurra para mim.
Hector se movimenta dentro do meu corpo na mesma velocidade
com que seus dedos entram e saem dos meus lábios, fazendo-me sentir
completa por ele todo. Sinto a forma que ele toca em cada nervo interno
meu, cada músculo que se contrai a cada movimento brusco e latente.
Minhas pernas se prendem mais em seus quadris, fazendo-me assim
alavancar mais meu corpo para ele, chocando-nos, entrelaçando-nos. Ele
aumenta sua força e o único som do quarto é das nossas respirações
aceleradas.
E eu quero dizer que sim, que sou dele, que não me deixe, que
minha liberdade é estar em seus braços, mas as palavras não saem, elas se
prendem dentro de mim, se perdendo entre seus toques. À medida que ele
fode meus lábios e minha boceta, sinto o formigamento que corre o meu
corpo, a corrente elétrica que nos corta. Sinto-me sendo empurrada para a
borda. Meus olhos ficam nublados e enterro mais minha cabeça no
travesseiro, sentindo a corrente elétrica percorrendo meu corpo, fazendo-me
gritar seu nome, com seus dedos em meus lábios.
— Hector... — Meus dedos soltam o lençol e se prendem em seus
braços, afundando as unhas em sua pele.
Perdemo-nos a cada movimento, mais rápido, mais acelerado,
fundindo-nos. O nirvana me assalta assim que tudo explode dentro de mim.
Meu corpo treme, apertando-se ao seu. Ele aperta mais forte minha coxa,
seus dedos saem dos meus lábios e vão ao meu pescoço. Ele se envolve em
meu aperto, seu pau batendo rápido e forte, acelerando ao seu limite as
estocadas. O ar me falta, enquanto tudo queima ao nosso redor, e meu corpo
se enche com jatos quentes entre o som rouco que sai dos seus lábios. Seu
corpo treme com a última estocada e ele desaba sobre mim, soltando meu
pescoço. Sinto entre a dor e o prazer do orgasmo, tudo se expandindo sobre
meu corpo. Seu rosto esfrega sobre minha pele, encaixando-se em meu
pescoço, enquanto sua língua desliza lentamente pela minha garganta,
tocando a veia que pulsa forte. Sinto o pequeno frenesi de prazer que me
toma, fazendo-me gemer, apertando-me a ele, trazendo-o para mim.
— Pardieu, Eva — ele murmura abafado em meu cabelo, enquanto
apenas o silêncio é nosso cúmplice dentro do quarto.
Meus dedos se prendem em seu pulso e seguro sua mão que está
descansando em cima do meu seio. Arrasto-a novamente para cima, até seus
dedos tocarem minha garganta novamente. Sir Hector alavanca seu tórax
para o alto e ergue sua cabeça, apoiando sua outra mão perto dos meus
cabelos, me olhando, antes de deixar sua atenção cair para meus dedos em
volta do seu pulso, o mantendo com a mão sobre meu pescoço.
— Eva... — ele pronuncia meu nome, encarando seus dedos, que ele
mantém em minha pele.
Solto seu pulso e fecho minha mão sobre a sua, para que ele a
prenda mais forte em volta do meu pescoço, como se fosse uma coleira, lhe
contando a maneira que não desejo ser livre, que o que quero é ficar presa a
ele.
— Livre — murmuro com dor, querendo que ele entenda o que lhe
mostro.
Sir Hector ergue seus olhos para os meus, contendo um azul-celeste
em seu olhar, me deixando saber que ele entendeu. Sua face se abaixa e cola
seus lábios aos meus, comprimindo seus dedos em minha garganta e me
beijando com mais desejo, movendo seu quadril contra o meu, que ainda
tem seu pau dentro de mim.
 

— Ele era diferente de mim, completamente diferente. — Ergo meu


rosto e olho para sua face, ouvindo o som baixo da sua voz. — Ele teria
gostado de você, assim como você dele.
— Sir Hector ainda sente a falta do seu irmão. — Meu braço se
estica e aliso seu cenho, o acariciando, sentindo a quentura da sua pele nua
abaixo da minha.
— Às vezes eu me esqueço, por alguns segundos me esqueço, que
ele morreu. — Ele abaixa sua mão por minhas costas e alisa minha bunda,
enquanto mantém seu olhar perdido no teto do quarto. — E quando vejo
alguma coisa que me faz lembrar a ele, eu recordo que ele não está mais
aqui.
— Ele ainda está aqui — falo, baixinho, e beijo seu queixo,
espalmando minha mão em seu coração. — Ele sempre vai estar vivo aqui,
sir Hector, e agora ainda mais, já que tem Stella.
Seus olhos azuis se abaixam para os meus e me olha com carinho,
mantendo sua carícia em minha bunda.
— Sir Hector vai estar comigo quando ela chegar? — pergunto, me
sentindo angustiada.
Sir Hector me contou que Stella estava a caminho, assim como os
outros conselheiros de Sodoma, que são iguais a Sieta. Eles irão se reunir
para fazer o julgamento de Oliver, pelo que ele fez à minha mãe.
— Está com medo? — ele me questiona, sério, estudando minha
face.
— Acho que tenho medo dela não gostar de mim. — Esmago minha
boca e arrumo meu queixo, o deixando apoiado em seu peito. — Eu sempre
pensei que não tinha ninguém além de Freire. Nunca imaginei que teria uma
irmã, quanto mais duas. E se eu não for o que ela quer...
— Ela vai, Eva! — Ele sorri e nega com a cabeça, me pegando de
surpresa quando nos gira na cama, trocando as posições e me deixando
abaixo dele, presa em seus braços. — Stella vai amar você. Ramsés me
contou que ela está agoniada para lhe conhecer...
— E você? — Sorrio, olhando-o com ternura. — Ela também deve
estar animada para conhecer o sir...
— Non. — Ele nega com a cabeça e solta um suspiro. — Stella não
sabe sobre mim, pedi a Ramsés que não lhe contasse. Não desejo que ela
sinta dor quando tiver que me olhar, ainda mais pelo fato que nos liga.
— Não devia mentir. — Ergo meus dedos e contorno a lateral do seu
rosto. — Pelo que me contou, Stella viveu em um mundo feio, cheio de
mentiras, assim como eu, e eu fiquei feliz quando finalmente alguém me
contou a verdade, mesmo ela sendo dolorosa. Tenho certeza de que minha
irmã também ficará feliz. Nossa, na verdade... — Pisco, confusa, falando
baixo ao pensar nesse contexto. — Nossa irmã.
— Pensar sobre isso lhe assusta? — Paro meus olhos nos seus e vejo
uma interrogação bem grande no meio das suas linhas retraídas sobre sua
testa.
— O quê? Que é meio-irmão de Stella?
— Pensar sofre o fato de eu ser meio-irmão da filha que nasceu de
Mina quando meu pai a violentou, ser filho do homem que desgraçou a vida
da sua mãe? — Eu fico em silêncio e observo seu rosto, sentindo a forma
que seu corpo se retrai sobre o meu, ficando rígido, à espera da minha
resposta.
— Não, a verdade é que não penso nisso — o respondo com
sinceridade, não mentindo. — Não penso em você como filho do monstro
que mandou matar minha mãe, mas sim como sir Hector, meu sir Hector
que cuida de mim.
Suspiro e ergo meu rosto, o abraçando e esfregando minha bochecha
nos pelinhos do seu peito. Cruzo minhas pernas em sua cintura e fico
agarradinha a ele.
— Nunca o deixarei lhe machucar, Eva. Não o deixarei sair impune.
— Ele beija meu ombro e raspa a ponta do nariz em minha pele. — Oliver
terá que responder ao que fez...
— Como assim? — pergunto, baixo, sentindo meu coração bater
mais depressa.
— Os conselheiros irão julgá-lo da mesma forma que julgaram
Mina, nada mais justo.
— Sodoma irá condenar ele a morte, como fizeram com minha
mãe? — Afasto meu rosto do seu peito e deito minha cabeça no travesseiro,
buscando a verdade em seu olhar.
— Não sei, Eva. Mas Oliver irá cair diante do que ele mais ama na
vida dele, seu trono. — Ele não mente, nem sequer pisca quando fala tão
firme, sentenciando Oliver Pellegrini.
— Sir Hector não vai se sentir triste ao fazerem isso com o seu pai?
— Oliver não é meu pai, Eva. Ele foi só a porcaria do pau que
expeliu o esperma dentro do útero da minha mãe. — Sua mão se ergue e
arruma meu cabelo, o empurrando para trás da minha orelha. — Ele nem
sabe o que significa essa palavra, sempre foi um miserável que via eu e
Joseph como uns vermes que queriam roubar sua herança, conforme íamos
crescendo. Ele sempre fazia questão de nos mostrar como éramos
insignificantes, tanto que não derramou uma única lágrima que fosse pela
morte do seu filho. Não passa de um maldito...
— Leão — suspiro com tristeza, finalizando sua frase e enxergando
assim Oliver Pellegrini.
— O que disse? — Hector pergunta seriamente, me fazendo notar a
forma como seu corpo fica rígido.
— Leão — falo apressada, não sabendo se o insultei. — Não disse
por mal, apenas me veio à cabeça o leão, porque eles são assim.
Sento na cama quando ele se afasta e fica de joelhos ao centro da
cama, me olhando de um jeito estranho.
— Leões são territorialistas, até mesmo com sua prole. — Tento me
explicar de uma forma que ele entenda que não disse por maldade. — Eles
matam os jovens quando percebem que os leões são uma ameaça para o
reinado deles. Eu li isso em um livro, uma vez, na casa de dame Emanuelle,
não quis insultar...
Não consigo terminar de falar, o corpo dele já está pulando para fora
da cama, enquanto caminha de uma ponta à outra do quarto.
— Sir Hector ficou bravo com algo que eu disse? — Me ajoelho na
cama e o vejo ficar mais transtornado a cada segundo que anda de lá para
cá.
E como uma escultura, ele congela, ficando estático, com os olhos
presos na bengala em cima da cômoda.
— A lei do mais forte... — Não compreendo as palavras que ele
murmura, apenas vejo o olhar dele ficar mais escuro, com suas pupilas
dilatadas e sem piscar.
— Como?
— Valéria me ligou, Eva... Ligou no telefone do camareiro que nos
atacou. Ela foi a mandante. — Ele solta a informação de uma única vez, me
deixando ainda mais confusa. O vejo esfregar seu rosto e negar com a
cabeça. — Achei que ela queria me provocar, apenas para me dizer que
sabia que você estava comigo. Mas...
Ele se cala e olha na direção da bengala, encostada perto da cadeira,
enquanto respira depressa.
— Ela me disse a mesma coisa, mas não entendi. Estava com ódio e
não prestei atenção no que ela realmente estava contando... Jovem leão, foi
assim que ela se despediu...
— Ela lhe disse algo, algo sobre minha irmã desaparecida? —
pergunto, nervosa, olhando-o aflita. — Por que ela lhe chamou de jovem
leão?
— Não, Valéria ligou para me contar sobre o que fizeram com meu
irmão — ele rosna com raiva e caminha na direção da bengala,
desembainhando a lâmina, com seus olhos azuis brilhando com ódio mortal.
— Mais precisamente, para me dizer o que o verme do meu pai fez para
continuar com poder.
Eu fico sem reação, vendo-o completamente transtornado,
esmagando a cabeça da cobra em sua mão, olhando para a lâmina.
CAPÍTULO 25

 
SODOMA
 
Oliver Pellegrini
 
— Por que essa porra está fechada a essa hora, Amiel? — O homem
grisalho vira seu rosto para seu segurança, andando rápido, a passos duros,
e observando o salão do casarão onde funciona Sodoma em Paris, que está
completamente vazio.
Nunca sua casa esteve vazia, principalmente em um sábado à noite.
Seus olhos vasculham todo o lugar, não encontrando nem os funcionários.
Está absorto com a raiva que vem passando nos últimos dias, tendo sua
mente povoada com tanta coisa, que nem conseguiu prestar atenção na
ligação inteira do funcionário, que o ligou solicitando que viesse com
urgência para o casarão, antes de desligar.
— INFERNO! Estou rodeado de incompetentes! — Sua boca se
esmaga e rosna com ódio, não acreditando que seu casarão está vazio numa
noite de sábado, que sempre é o dia que a casa mais lota de praticantes de
Sodoma. — ACHE ALGUÉM PARA ME EXPLICAR O QUE ESTÁ
ACONTECENDO, AO INVÉS DE FICAR ME SEGUINDO, SEU
MERDA! — ele grita com raiva para o segurança, o ordenando para sair do
seu calcanhar e ir fazer algo de útil, ao invés de ficar como uma sombra,
andando atrás dele. — Cambada de filho da puta!
Sua mão se ergue e esfrega sua face. Já tinha perdido muita coisa
nesses últimos dias, mas não irá perder Sodoma, a deixando se arruinar por
conta de funcionários inúteis.
Retira o celular do bolso e disca novamente o telefone de Andrei, o
juiz de Sodoma. O cretino continua com seu aparelho desligado, a chamada
cai sempre direto na caixa postal.
— Deveria ter acabado logo com esse cretino, como Valéria sugeriu!
— ele rosna, baixo, e desliga o celular, o guardando no bolso. — Outra
cretina miserável!
Sente raiva apenas em falar o nome da cadela de Valéria, que nem
serviu para descobrir o verdadeiro paradeiro da Messalina que Freire
escondeu. Uma cachorra vigarista, assim como a cadela da Freire e a burra
da Morgana!
Ele caminha em direção ao escritório, para saber se a secretária que
trabalha para ele está lá dentro, mas a luz vinda debaixo da porta, ao fim do
corredor, chama sua atenção. Ele caminha para lá, seguindo com seus
passos pesados, imaginando suas mãos esmagando ao redor do pescoço da
incompetente da secretária, que provavelmente deve estar lá dentro. Sua
mão se ergue e abre a porta, a escancarando e entrando como um trem
desgovernado cômodo adentro.
— Que porra é essa? — Sua boca se esmaga e seus olhos ficam
semicerrados, encarando cada fodido dentro da sala grande, sentados em
suas cadeiras. — Isso é algum tipo de brincadeira idiota?
Oliver dá mais um passo à frente e passa seus olhos na face de cada
um. Hu-Li está sentado à esquerda, tendo Santana ao seu lado, fumando um
charuto. Fica ainda mais sem entender o que está acontecendo ali, ao ver
Baby Roy sentada na cadeira que é designada para Jonathan, seu irmão,
quando ele vem à França para alguma reunião. Czar Gregovivk tem seus
olhos cravados em Oliver, tendo Ramsés de Naca ao seu lado.
— Se aproxime, Oliver — Hu-Li é quem fala, com seu olhar sereno
e voz calma. — Estávamos lhe aguardando, conselheiro de Sodoma.
— Por que não fui comunicado dessa reunião? E que diabos Baby
Roy está fazendo sentada na cadeira de um conselheiro? — Oliver diz,
irritado, erguendo seu braço e apontando para a intrusa entre os
conselheiros.
— Meu irmão está cuidando da sua esposa e do seu filho recém-
nascido. Jonathan me mandou em seu lugar, para lhe representar. — A loira,
com um sorriso falso e frio nos lábios, o encara e cruza suas pernas. — O
que eu aceitei com puro prazer, conselheiro Oliver, diga-se de passagem!
— Quem vai me explicar que porra estão fazendo aqui?! E por que
eu não fui comunicado dessa reunião?! — ele rosna com raiva e esmaga os
dedos ao lado do corpo.
— Porque não é uma reunião, meu caro Oliver Pellegrini. — Quem
responde é Ramsés de Naca, conselheiro do Egito, soltando os botões do
seu terno.
— E sim um juicio[45], mi[46] amigo. — Santana traga seu charuto,
soltando a fumaça em sua direção.
— O seu, a propósito. — Czar Gregovivk, o russo de face fechada,
cruza seus braços à frente do corpo, soltando as palavras de forma lenta.
Um riso que começa baixo na boca de Oliver, aumenta, se
transformando em uma gargalhada, enquanto os olha, achando tudo isso
uma grande piada.
— Meu julgamento?! — Olivier ri mais alto, negando com a cabeça.
— Sério, e quais seriam as acusações?
— Oliver Pellegrini está sendo julgado por Sodoma pelos crimes de
usar seu poder diante do conselho ao seu próprio benefício, por mentir e
omitir que está envolvido com a Ordem das Messalinas, assim como
violentar e ordenar matar Shei, que possuía o codinome de Mina.
O riso de Oliver cessa quando Czar começa a proferir as palavras
lentamente, tendo sua face endurecida, como se fosse esculpida em
mármore.
— Vocês estão loucos?! — Ele esmaga sua boca e encara a face de
cada conselheiro, um de cada vez. — Eu fui contra essa ideia horrenda que
Freire trouxe diante de Sodoma, assim como eu tive que tomar a decisão
que nenhum de vocês teve coragem, em obrigar aquela cadela a sumir com
a aberração que estava criando...
— Ordenou a morte Mina não visando a proteção de Sodoma, mas
sim a sua! — Ramsés o corta, enquanto o encara, tendo seus dedos se
esmagando no braço da cadeira. — Ordenou uma das suas cúmplices, a
limpar a sujeira, porque você estava até o pescoço metido nisso tudo.
— Como ousa abrir sua boca arrogante para inventar calúnias contra
mim, Ramsés? — Oliver dá um passo à frente, apontando o dedo para a
face do cretino egípcio. — Posso te banir da minha casa, assim como da sua
cadeira entre o conselho, apenas por ousar falar mentiras. Acho que
esqueceu com quem está falando. Todos aqui esqueceram! Minha família é
uma linhagem direta dos primeiros conselheiros de Sodoma, possuímos a
cadeira mais antiga por anos, tenho todo o direito de chutar seu rabo para
bem longe se não retirar essas mentiras que disse agora!
Ramsés de Naca se mantém sério, apenas observando-o, enquanto
tomba sua face para o lado. Os olhos de Oliver passam lentamente pela face
de cada conselheiro, os vendo com a mesma expressão de Ramsés.
— Não estão acreditando nesse egípcio mentiroso, não é? — Ele
abre os braços, estreitando seu olhar. — Santana, sabe que é mentira, certo?
O espanhol de olhar negro traga novamente seu charuto, não lhe
respondendo, apenas o encarando de forma cínica, da mesma forma que
Baby Roy, Czar e Hu-Li.
— Não acredito que são tão burros por estarem realmente cogitando
que eu faria isso, se deixando levar por um conselheiro burro, que está
fodendo uma das cadelas adestradas de Freire! — O som da cadeira caindo
para trás se faz alto, quando Ramsés de Naca se levanta em um rompante.
— Ramsés! — Czar segura seu braço, contendo o egípcio, que
espuma de raiva pela boca, com seus olhos marrons cravados em Oliver. —
Se sente, meu amigo!
— Seja um bom garoto e escute o conselheiro de Moscou, egípcio!
— Oliver estufa seu peito, enquanto respira com força e dá um passo à
frente, ficando a poucos centímetros de Ramsés, o provocando. — Sente-se
na cadeira.
Sente ódio por esse intrometido de uma figa, que tinha lhe roubado
seu prêmio quando a cadela burra de Valéria deixou de entregar a Messalina
para ele, preferindo a vender no mercado clandestino no Cairo, e
posteriormente ela acabou indo parar nas mãos de Rasmés, que a salvou.
Teria apreciado muito mais a submissa alfa do que Ramsés um dia sequer
poderia apreciar. Os olhos castanhos de Ramsés lhe fitando com puro ódio,
lhe confirmam que ele realmente sabe sobre sua ligação com Valéria, mas
tem certeza de que não pode provar. Quem acreditaria na vaca de Valéria?
Freire já está morta, assim como Mina, e Adrien é um covarde de merda
que jamais teve boca para nada. Ninguém pode provar seu envolvimento
nessa história.
— É um mentiroso, Ramsés, e nós dois sabemos disso! — Oliver
sorri e leva seus dedos ao bolso da calça. — Não devia inventar calúnias
que não tem como provar.
— Saketa rask[47] — o egípcio rosna em árabe e ergue seus dedos à
testa, tocando lentamente, antes de esticar seu braço e apontar para Oliver,
que está confuso, sem compreender o que ele fala. — Ramsés de Naca fez
uma promessa, Oliver Pellegrini. — Ele inala o ar com força e esmaga seu
maxilar. — E antes do fim dessa noite, eu irei cumprir minha palavra!
Oliver se mantém sério, encarando o egípcio que se vira e ergue sua
cadeira, sentando-se novamente nela. Czar se senta também novamente,
dando um olhar sério para Ramsés.
— Vieram à minha casa, sem me comunicar, armados de mentiras,
querendo me julgar, apenas acreditando na palavra de um homem
visivelmente instável?! — Oliver fala com desprezo e abre seus braços,
olhando a face de cada um deles. — Não sou obrigado a ficar aqui e
participar disso. Quero todos fora da minha casa, agora. Ainda sou o voto
mais forte desse conselho, essa palhaçada acabou agora!
O som da porta sendo fechada com força atrás dele, o faz se virar,
estreitando seus olhos no segundo que enxerga Raja, o gigante mal-
encarado que sempre está colado a Ramsés.
— Realmente estão dispostos a levar esse circo adiante? — Sua face
retorna para os conselheiros, com sua boca se esmagando.
— Como disse, são só calúnias. — A voz sedosa de Baby soa
baixinho, com ela batendo seus cílios de forma branda para ele. — Se não
tem nada a esconder, quando o julgamento terminar, então todos nós nos
retrataremos com você e continuaremos nossas vidas como se nada tivesse
acontecido, esquecendo desse inconveniente.
— Se não tem o que esconder, não tem motivos para evitar. —
Santana estica sua mão e gesticula no ar. — Como mi amigo sabe melhor do
que ninguém dentro dessa sala, Sodoma leva todos os julgamentos até o
fim!
Oliver rosna, baixo, e estreita seu olhar. Sodoma não recuará, ele
melhor do que ninguém sabe disso. As leis dos julgamentos valem para
todos. Se alguém é acusado, Sodoma tem que julgar, não importa quem
seja.
— Estou sendo acusado e não tenho nada para esconder, porque são
mentiras. — Oliver pondera suas palavras, as escolhendo com cuidado,
ciente que terá que sair dessa sala sem deixar nenhuma suspeita no ar. —
Como sei que todos os julgamentos têm que ser finalizados, também tenho
ciência que esse julgamento não pode ser levado adiante sem um juiz. Não
serei insultado e ao mesmo tempo desrespeitado diante de um circo armado
por esse egípcio.
— Como pode ter tanta certeza de que foi Ramsés? — Quem
surpreende Oliver com a pergunta é Hu-Li, o conselheiro da Tríade de
Lótus, a sede de Sodoma na Ásia. — Em nenhum momento foi dito que
Ramsés foi o responsável pela convocação do seu julgamento.
Oliver pisca, confuso, sendo pego desprevenido. Retorna seus olhos
para o egípcio, que tem sua face endurecida, o encarando.
— Porque o único louco para inventar essas calúnias seria ele... —
Oliver alivia o nó da sua gravata, apontando para Ramsés. — Porque fora
ele, o único a ter envolvimento com essas aberrações de Freire, é
Gregovivk! — O francês fica em dúvida quando olha o russo, que o
observa. — Não me diga que foi você, Czar?
— Não! — Czar estufa seu peito e cruza as pernas, batendo a ponta
do seu dedo lentamente no apoio de braço da cadeira.
A confusão toma conta de Oliver, enquanto ele olha a face dos
outros conselheiros, entendendo menos ainda que porra de jogo estão
fazendo com ele.
— Fui eu! — A voz alta e firme, que sai do fundo da sala, o faz
erguer a cabeça, olhando na direção do interior do cômodo, atrás das
cadeiras dos conselheiros.
Oliver estreita sua boca e encara o maldito traidor que caminha a
passos lentos, com suas mãos no bolso, não desviando os olhos dele.
— Você?! — Oliver ri e abaixa sua cabeça, a balançando para os
lados. — Você pediu o meu julgamento? Inacreditável!
— Eu, Adrien, juiz de Sodoma, confirmo toda as acusações feitas
contra Oliver Pellegrini! — o juiz fala firme, enquanto caminha e para ao
lado da cadeira de Baby. — Confirmo o envolvimento de Oliver na criação
das Messalinas.
— Seu filho da puta! — Oliver nega com a cabeça, não acreditando
que o puto do Adrien teve coragem de lhe trair.
— Adrien, conte aos outros conselheiros, com as mesmas palavras,
o que testemunhou para Ramsés — Ramsés fala baixo, mantendo seus
olhos em Oliver.
— Só pode ser uma palhaçada, isso é uma armadi...
— Cale-se, Oliver! — O som potente da voz do espanhol se faz alta,
como um trovão, silenciando Pellegrini, usando do poder que sua cadeira
lhe dá, pois a segunda família mais antiga dentro de Sodoma, depois dos
Pellegrini, é a dos Santana. — Conte-nos, Adrien, cada palavra que disse a
Ramsés.
— Há dezenove anos, Valéria me convidou para participar de uma
festa particular na casa de Freire. — As palavras baixas saem da boca de
Adrien, enquanto seus olhos se prendem aos de Oliver. — Eu era jovem, era
novo em Sodoma, tudo era tão contagiante e atraente, queria cada vez mais
estar nesse mundo. Em uma certa altura da festa, eu estava fodendo uma
garota que eu conheci. Valéria entrou no quarto e riu para mim, me
perguntou se eu queria experimentar uma coisa nova, algo completamente
diferente, que iria me dar muito prazer. Eu pensei que era um jogo ou
alguma brincadeira, estava alto, tinha bebido bastante, e topei. Topei na
mesma hora, larguei a garota no quarto e segui Valéria.
Adrien sorri, sem um traço sequer de felicidade, enquanto range
seus dentes, esmagando seus punhos ao lado do corpo.
— Entrei em um cômodo que tinha as luzes apagadas. Antes de
Valéria fechar a porta, consegui ver uma maca de ginecologista, com uma
mulher amarrada nela e um homem a fodendo. — Ele deixa seu sorriso
morrer e abaixa seus olhos para o chão. — Valéria disse que fazia parte da
brincadeira a luz apagada, e que eu não podia tocar na mulher na maca com
minhas mãos, apenas podia transar com ela. Eu não me importei, estava
excitado. Valéria me chupou, me fazendo ficar ainda mais eufórico, e o som
baixo de um grunhido aumentou dentro da sala. Era uma submissa
amordaçada, que queria trepar com dois homens, foi o que eu imaginei...
O único som dentro da sala é da respiração pesada de Adrien, que
mantém seus olhos abaixados e nega com a cabeça.
— Eu fiz o que ela me disse que tinha que fazer, transei com a
mulher da maca... — Um som rouco, como de um soluço, escapa da boca
de Adrien, com ele erguendo sua cabeça e olhando para Oliver. — Eu tinha
acabado de gozar e tentava voltar a respirar normalmente quando as luzes
da sala acenderam. Seus olhos vermelhos, com a face coberta de lágrimas,
estavam presos nos meus, enquanto ela mordia a mordaça de couro que
estava em sua boca, olhando para mim. Era uma criança, uma criança três
vezes menor do que eu, amarrada e amordaçada na maca... Eu tombei para
trás assim que tive consciência do que eu fiz, olhando horrorizado para ela.
Valéria sorria enquanto se aproximava dela, tocando sua vagina e vendo
minha porra escorrendo de dentro do pequeno corpo. Ela levou seu dedo
para dentro do órgão da menina e o chupou lentamente depois que o retirou,
me dando uma piscada. Oliver Pellegrini estava lá dentro, nu, parado perto
da cabeça de Mina, alisando o rosto dela. Oliver Pellegrini foi o primeiro a
tocar em Mina...
— Meu Deus, Adrien! — A voz de Baby se faz, com ela tendo sua
face completamente pálida, olhando com horror para ele.
— TRAIDOR FILHO DA PUTA! — Oliver grita com raiva e
avança para cima de Adrien, mas é bloqueado quando Hu-Li se levanta e
fica como uma estátua, cheia de raiva, à sua frente, retirando o revólver da
cintura e apontando a arma para sua cabeça.
— Continue, juiz de Sodoma — Hu-Li sibila sério, não desviando
seu olhar de Oliver, mantendo a boca do revólver mirando em sua testa.
— Juro que eu nunca teria feito aquilo se a luz tivesse acesa. Se eu
ao menos desconfiasse que era uma criança em cima daquela maca, eu
nunca teria entrado lá dentro... — O juiz vira e olha Baby, negando com a
cabeça. — Nunca, Baby! Eu saí de lá correndo, sentindo nojo de mim, nojo
do que eu fiz com aquela menina... Nojo das palavras de Valéria, contando
sobre as submissas alfas. — Ele ergue seu rosto para Oliver e esmaga sua
boca. — Eu ia, ia contar a verdade para vocês... Mas então Valéria me
ameaçou. Eu estava concorrendo para ser o juiz de Sodoma naquela época,
ela disse que destruiria minha vida se eu contasse sobre as submissas alfas...
— Ele esfrega seu rosto com nervosismo, rangendo seus dentes. —
Walkiria, uma das minhas esposas, estava grávida na época, e Valéria
ameaçou contar tudo para ela, dizendo que eu violentei a menina de
propósito... Minha esposa jamais me deixaria chegar perto dela e do meu
filho novamente... E por covardia, eu me calei.
Oliver sente seu rosto congelar, enquanto o sangue bombeia mais
rápido e seu coração fica disparado, desejando meter uma bala na cabeça do
filho da puta de Adrien.
— Quando soube da morte de Mina e confirmei o que eu já
suspeitava ser o motivo que Valéria me levou até a jovem aquele dia,
apenas para a engravidar, eu fiquei furioso, com ódio de mim por ter me
calado por todos aqueles anos, não salvando a vida de Mina, com raiva de
Valéria por ter me usado. Com o dobro de ódio de Oliver, por ter
participado daquilo aquela noite. Nós dois brigamos, eu estava pouco me
fodendo para as consequências, queria apenas descarregar toda a minha
raiva nele e o fazer pagar pelo que ele fez a ela. Mas Oliver disse que daria
o mesmo fim às minhas filhas, o qual ele deu à Mina, se eu trouxesse esse
assunto à tona...
— Esse cretino está mentindo, acham mesmo que eu... — Oliver se
cala quando Czar se levanta.
— Está banido da Sodoma de Moscou, Oliver Pellegrini — o russo
o sentencia lentamente, enquanto o olha.
— Assim como da Austrália! — Baby Roy é a segunda a proferir as
palavras enquanto se levanta.
— As portas da Sodoma do Egito estão fechadas para sempre para
você! — Ramsés fala baixo, esmagando seus dedos ao lado do corpo.
— Não podem fazer isso, não podem me expulsar de Sodoma... —
Oliver dá um passo para trás.
— Está banido da Sodoma da China, Oliver! — Hu-Li abaixa seu
braço e guarda o revólver em sua cintura.
— Santana... Santana! — Os olhos de Oliver buscam pelos do
espanhol, com desespero, negando com a cabeça. — Não pode acreditar
nisso, sempre fomos aliados, Santana...
— Está banido da Sodoma da Espanha, mi amigo! — Santana traga
seu charuto, enquanto lhe dá um sorriso breve e se levanta com calma.
— Não, não, esse julgamento foi uma armação... Não podem me
expulsar de SODOMA! Minha família é a mais antiga, eu sou a porra de um
CONSELHEIRO...
— Não estamos expulsando sua família, apenas você, Oliver! —
Czar é quem o responde, o olhando com nojo. — E você não é um
conselheiro, apenas um regente.
— Sua merdinha miserável...
— Está banido da Sodoma da França, Oliver Pellegrini! — A voz
familiar soa baixa, como um eco vindo das profundezas do inferno, o qual
Oliver reconheceria em qualquer lugar.
Seu corpo se vira e olha na direção do fundo da sala, no segundo
que a luz do abajur ao lado da sua cadeira se acende. Os olhos azuis e frios
do homem de terno negro, o encarando, sentado na cadeira que pertence a
Oliver dentro de Sodoma, o faz sentir até os ossos do seu corpo congelarem.
A mão de Hector segura a bengala com força, esmagando seus dedos na
cabeça da cobra.
— Hector! — O nome da prole maldita sai com desprezo da boca de
Oliver, com ele dando um passo à frente, vendo seu filho sentado na
cadeira. — Sua cobra asquerosa, está metido nisso, não é...
Oliver caminha com mais raiva, se aproximando dele, mas seu
corpo congela, ficando a cinco passos de Hector, quando uma sombra
pequena sai de trás da cadeira. Os olhos negros o fitam em silêncio e ela dá
um passo à frente, ficando ao lado da cadeira de Hector. Os cabelos longos
e negros, assim como sua pele de ébano, o fazem enxergar sua submissa
mais preferida diante dele.
— Mina... — A voz é um sussurro quando sibila o nome da jovem,
a qual era sua mais perfeita submissa. Ele podia ter dado o mundo para ela,
teria lhe dado tudo se ela não o tivesse rejeitado, mas ela está aqui, diante
dele agora.
Com o mesmo olhar, como se o tempo nunca tivesse passado e ela
tivesse retornado dos mortos para ficar com ele.
— Veja, Oliver, se não é uma joia preciosa! — A voz de Valéria soa
baixo, e ri, entrando na sala.
Ele se mantém de costas e leva seu copo de bebida à boca, enquanto
observa o lado de fora da janela. Ainda estava incerto quando aceitou o
convite de Valéria para ir até a casa de Freire.
— Espero que não tenha me trazido aqui para me fazer perder meu
tempo, Valéria...
Suas palavras se calam quando ele se vira, não encarando Valéria,
mas sim o pequeno e delicado anjo ao lado dela. Os cabelos compridos
caem pelos ombros e tem seu olhar cabisbaixo, com seu corpo retraído.
— Oliver, me permita lhe apresentar Mina. — A voz de Valéria é
baixa, enquanto sorri e caminha com a pequena ao seu lado, se
aproximando de Oliver. — Cumprimente o senhor Pellegrini, Mina.
Oliver sente a garganta seca e esmaga seus dedos no copo, não
conseguindo desviar seus olhos da pequena face delicada.
— Olá, senhor. — Ela estica sua mão para ele e ergue sua cabeça
lentamente, olhando-o com pura timidez.
As palavras não saem da boca de Oliver, nem seus olhos conseguem
desviar do rosto pequenino.
— Eu disse que tínhamos encontrado algo único — Valéria o
provoca, falando em deboche.
— Nos deixe a sós! — Oliver entorna de vez o resto da sua bebida,
dando uma ordem para Valéria, ainda mantendo seus olhos presos no
pequeno anjo.
Sua respiração se acelera e dá mais um passo à frente, sentindo o
mesmo feitiço que os olhos negros lhe jogaram sobre sua alma dezenove
anos atrás, quando a viu pela primeira vez. Seu olhar vaga pelo corpo
delicado da reencarnação de Mina à sua frente.
— Nunca vou ser sua, Oliver. — A voz dela grita alto, enquanto
chora. — Pode ter me violado, ter me destruído de todas as formas, me
tirado meus filhos... Mas eu nunca, nunca vou ser sua...
Seu corpo cai para trás assim que o tapa forte é desferido em sua
face. Mina se mantém caída e chora, segurando seu rosto. Amaldiçoa o dia
que pôs os olhos nessa criatura desgraçada. Tinha a desejado mais do que
qualquer outra, seria capaz de lhe dar o mundo se ela não o tivesse
rejeitado, fugindo com a cria que lhe pertencia. Valéria havia garantido
que a entregaria depois que os filhos de Adrien nascessem, mas ela não o
fez. Freire alegava que precisava continuar com ela, que Mina ainda não
estava pronta para ser entregue. Ele sentiu ódio, fúria, e tomado por uma
ira, foi atrás da maldita que tinha lhe roubado a paz. A tomou dentro
daquele escritório novamente, a fodendo no chão como a cadela que era,
quando ela se negou a ir embora com ele. Ficou tão fora de si, que acabou
se descuidando, plantando uma semente dentro do ventre dela, a qual
novamente a faria ficar afastada dele. Só que ela fugiu, fugiu e se
escondeu, e ele a caçou, a caçou com todas as forças, e não descansaria
até encontrá-la. E quando Valéria a achou, ordenou que a levasse
imediatamente para ele. Estava magra, abatida, como uma cadela vira-lata
de rua, que abria as pernas para vários homens enquanto se escondia em
um puteiro sujo, preferindo ficar lá a lhe aceitar como seu dono, seu único
e verdadeiro dono.
— É minha, está me entendendo?! Não importa para onde vá,
sempre será minha, sua cadela maldita! — A primeira cintada desferida
com ódio acerta o pescoço dela, a fazendo gritar e se torcer de dor. — POR
QUE NÃO PODE SIMPLESMENTE ACEITAR QUE VOCÊ ME
PERTENCE?!
Ele a odeia, se odeia por esse sentimento doentio que ela plantou
dentro dele, a amaldiçoa por ela se recusar a lhe aceitar.
— PORQUE EU NUNCA VOU SER! — Os pequenos dedos se
apoiam na cama e se levanta, tendo suas pernas trêmulas. — Pode ter me
machucado, imposto seu corpo nojento contra o meu, me fazendo aceitar
seu toque, ter me destruído, Oliver, tirado meus bebês... Mas nunca vai ser
dono da minha alma. Minha alma é minha! Prefiro morrer a um dia lhe
aceitar como meu senhor.
As palavras ditas dos lábios trêmulos, que estão machucados, saem
a plenos pulmões dentro do quarto, com seus olhos o encarando.
— Eu escolho morrer, Oliver! Morrer a ser sua!
A lembrança da última vez que ficaram sozinhos inunda sua mente.
Recorda das palavras dela, do seu choro enquanto lhe quebrava, desferindo
as cintadas em suas costas. Lembra do cheiro da sua pele, de tudo. O calor
da pele colada, seu pau se afundando dentro dela, a marcando com tanto
ódio, por ela preferir morrer a ser dele. E foi exatamente o fim que ele lhe
deu. Se Mina não fosse dele, não seria de mais ninguém. Mas a doentia
obsessão por ela lhe fazia covarde. Não teve coragem de ser ele a dar fim na
vida dela, Freire foi incumbida disso. Ela apenas tinha que lhe olhar, apenas
se submeter, e ele a teria salvado, teria a poupado do seu fim. Mas Mina
preferiu a morte a ser dele.
Seus olhos não se cruzaram com os seus uma única vez que fosse
diante daquele julgamento, mesmo ela sabendo qual seria seu fim. E agora
volta dos mortos, lhe assombrando com seu olhar, lhe condenando,
enquanto se mantém parada a poucos passos dele. Em um ímpeto
governado por aquele sentimento obsessor, o qual sempre nutriu por ela, seu
braço se ergue, desejando lhe tocar, sentir o calor da sua face.
— Mina...
O corpo pequeno diante dele se retrai com nojo e dá um passo para
trás, tendo a grande sombra a bloqueando, como se fosse um ladrão maldito
que lhe rouba sua Mina novamente, assim que seu filho se levanta e fica
entre Oliver e ela. Hector prende sua mão no ombro de Oliver, o puxando
para frente em um único golpe, deixando a ponta da lâmina perfurar a
barriga do seu pai.
— Ohhhh... — A boca de Oliver se entreabre, com seus olhos se
arregalando, erguendo sua mão e prendendo-a ao braço do filho.
— Isso é por Joseph! — Os lábios de Hector se entreabrem e encara
seu pai, erguendo sua mão e espalmando ao lado do seu rosto, o vendo
agonizando, girando a lâmina dentro da barriga de Oliver lentamente. —
Meu irmão, que você matou, que pagou o preço pela sua ganância.
Ele puxa a lâmina para o lado, retalhando suas entranhas e abrindo
um buraco reto sobre a barriga ensanguentada. O som da espada caindo ao
chão, quando Hector a puxa e a joga, é o único som além dos grunhidos de
Oliver dentro da sala. Oliver cambaleia e dá um passo para trás, encarando
os olhos azuis de Hector, antes de abaixar seu rosto e ver o sangue esvaindo
do seu corpo.
— Isso é por mim! — A voz rouca do jovem Pellegrini rosna
quando seus braços se esticam e leva sua mão ao ferimento, fazendo Oliver
gritar.
— HECTOR... — Oliver tomba sua cabeça para frente e escora sua
cabeça no peito do filho enquanto sente o buraco do ferimento ser rasgado
quando a mão se empurra para dentro, esmagando seus órgãos em seus
dedos.
— Isso é por Mina! — A voz forte explode, fazendo Oliver tombar,
caindo em seus joelhos, quando a mão de Hector se retira, puxando as tripas
para fora.
O peito de Hector sobe e desce com rapidez, enquanto sua mão, que
pinga sangue, está parada ao lado do corpo. Seus olhos azuis se erguem e
encara os conselheiros, que estão com as faces pálidas, olhando a forma
patética de Oliver ajoelhado no chão, com seus intestinos pendurados para
fora e com a poça de sangue se formando em volta dele. Só Czar e Ramsés
não demonstram surpresa, pois eram os únicos que sabiam que Oliver não
iria sair vivo de dentro dessa sala. Não seria apenas a expulsão de Oliver,
mas sim sua condenação e sentença.
— Seu merdinha, ingrato... — Oliver ri fracamente, tendo o sangue
escorrendo por sua boca. — Sempre se achou melhor... — Suas palavras se
entrecortam e ele ergue a cabeça, encarando seu filho. — Mas é igual a
mim...
— Não, sempre fui muito pior, e por isso se sentia ameaçado, por
isso tentou me matar, e matou meu irmão, fazendo eu me sentir culpado
pela morte dele... Mas foi você, você o matou, você me condenou a ficar
meses em cima de uma cama, você causou aquele acidente, Oliver, quando
manipulou os freios do carro. Sabia exatamente que eu iria atrás de Joseph
quando iniciou aquela briga, o proibindo de se casar com a mulher que ele
amava...
Hector tomba sua face para o lado e encara seu pai ajoelhado diante
dele, como a barata nojenta e maldita que ele é.
— Permiti que tivesse um julgamento justo diante do conselho, mas
não vou permitir que saia vivo. — Hector ergue sua cabeça e encara os
outros, antes de retornar a olhar para o seu pai.
O braço de Oliver se move lento, com ele tossindo e levando suas
mãos para as costas.
— Se fosse você, não faria isso. — Hector não se move, nem sequer
pisca, enquanto fica sério e encara Oliver, que tenta puxar sua arma
debilmente, com seu braço molenga.
— Meu único arrependimento foi você ter sobrevivido... — Ele
golfa uma bola de sangue, com seu corpo balançando para os lados,
destravando o revólver.
Ramsés se levanta, assim como Czar, e ficam sérios, encarando
Hector, sem o compreender. Não entendem porque ele se mantém parado,
em silêncio, sem se mexer ou desarmar o seu pai.
— Se não quiser ter uma morte pior do que a que vai ter, não erga
seu braço! — Hector sibila, baixo, para Oliver.
— Foda-se você... — O braço de Oliver se ergue e usa o resto de
força para atingir seu filho com um disparo.
Os movimentos de Czar e Ramsés congelam antes mesmo que eles
possam sair do lugar, tendo os olhos deles e dos outros conselheiros
vidrados no corpo pequeno e rápido, que sai de trás de Hector, segurando a
lâmina com a cabeça da cobra em sua mão. Os olhos negros já estão a
poucos centímetros de Oliver, o fazendo arfar, tendo a lâmina atravessando
seus pulmões. A arma escapa dos seus dedos e cai no chão, enquanto ele a
olha ali, parada diante dele, tão perto, com seus olhos negros brilhando e
com a boca pequena cerrada.
— Min... — A voz se cala quando ela puxa seu braço para trás e
retira a lâmina, retornando novamente para seu peito, com seus dentes
abertos, como um animal com olhos ferozes.
O charuto dos dedos de Santana rola e cai ao chão, com os olhos
dele presos na cena, ao centro da sala. O corpo de Oliver tomba, com as
costas caindo no piso em meio à poça de sangue, enquanto a criatura
pequena sobre ele desfere a lâmina com mais força contra seu peito. Depois
da quinta golpeada, ninguém mais conta, apenas assistem, tendo os gritos
de ódio sendo rugidos pelos lábios dela, em sua forma selvagem e
assustadora, com sua face suja de sangue que voa em sua pele. E quando
não resta mais nada além de um cadáver ensanguentado, com os olhos
arregalados, ela cessa o ataque e engatinha lenta para trás, esmagando a
lâmina em seus dedos enquanto observa o moribundo.
— Cristo, isso... — Os olhos de Baby estão arregalados, ficando
presos na jovem que se levanta lentamente, fazendo a voz de Baby Roy se
calar.
— Porra! — Hu-Li solta um assobio, erguendo seus dedos e
passando por seus cabelos.
Os olhos negros se erguem e encaram cada um deles. Tomba sua
face lentamente para o lado. Ramsés ergue sua mão e toca seu peito,
fazendo um leve movimento com a cabeça quando a inclina para frente,
olhando na direção da loira alta.
— Por que ela está me encarando desse jeito, como se quisesse me
atacar? — Baby indaga, nervosa, e dá um passo para trás, se aproximando
de Santana, vendo a pequena caminhando lenta, arrastando a espada em sua
mão, com seus olhos presos em sua direção.
— Não é para você, Baby. — A voz baixa de Adrien sai rouca, com
ele tendo seus olhos ficando marejados. — Eu sinto muito...
 — Ahhh! — A pequena jovem abre sua boca e mostra seus dentes,
soltando um baixo rosnado, esmagando mais forte a cabeça da cobra em sua
mão, dando um passo à frente, ficando com seu corpo em modo de ataque.
— Eva! — A voz em comando chama por ela, que estaca na mesma
hora. Sua cabeça se vira e olha para trás, vendo Hector sentado na cadeira.
Ela retorna sua cabeça e encara o juiz, rosnando baixinho, ainda
mantendo seus olhos negros presos aos seus. Sua boca se esmaga e abre
seus dedos, jogando a adaga no chão. Todos se mantêm em silêncio, a
vendo se virar e caminhar devagar na direção de Hector. Seus joelhos se
dobram e flexionam quando se aproxima dele, ficando sentada ao lado das
suas pernas, inclinando sua face para perto do seu joelho, esfregando
lentamente a bochecha na perna dele e fechando seus olhos. A mão do
francês se ergue e toca o topo da sua cabeça, lhe afagando os cabelos, com
seus olhos azuis presos ao corpo de Oliver.
— Tem uma palavra a cumprir, se não me engano, Ramsés! — Sua
voz é sem emoção, enquanto olha com nojo para a carcaça de Oliver.
— Shukra, jovem Hector! — Ramsés dá um passo à frente e toca
sua testa, esticando seu braço para Hector. — Raja, pode levar!
O som dos passos de Raja, o segurança, se faz, enquanto caminha na
direção do corpo, se inclinando e puxando o braço de Oliver, o arrastando
na direção da porta, até sair da sala levando o corpo com ele.
— Bom, julgo que por um longo tempo, longo tempo, desejo que
não me convoque para participar de um novo julgamento — Hu-Li fala
sério, olhando o rastro de sangue que ficou para trás, antes de erguer seus
olhos para Hector. — Seja muito bem-vindo, conselheiro de Sodoma. —
Seus olhos curiosos param em Eva uma única vez e dá um breve sorriso,
antes de desviar seus olhos para Andrei. — Penso que sua presença não é
mais necessária, Andrei. Decidiremos seu destino dentro de Sodoma e lhe
comunicaremos.
O juiz o olha e vira sua face para Hector, observando ele e a jovem
com a face inclinada no joelho do francês. Ele não sabia que ela estava ali,
não sabia que ouvia cada palavra do seu testemunho. Abre sua boca e
ameaça dar um passo à frente, mas se cala quando os dedos de Hu-Li
seguram seu braço, negando com a cabeça.
— Pode partir agora! — Hu-Li fala mais firme, lhe encarando.
Andrei abaixa sua cabeça e caminha para fora da sala, tendo seus
passos sendo acompanhados pelos olhos azuis de Hector.
— Nossa, acho que Jonathan não vai acreditar quando eu contar
para ele tudo o que eu vi nessa sala! — Baby inala o ar com força e passa
seus dedos pelos cabelos, antes de parar suas mãos na cintura. — Nem eu
ainda estou acreditando, por isso, senhores, me despeço. — Ela nega com a
cabeça e caminha na direção da saída. — Não quero ver sua cara russa por
um bom tempo, Czar!
— Fala isso agora, mas sabe que me ama! — Ele pisca para ela e a
vê erguer o dedo do meio enquanto se retira, não olhando para trás.
— Agora, alguém quer contar o que eu ainda não sei... — Santana
dá um passo à frente e olha para Ramsés e Czar. — Por que a conselheira
Sieta não está presente?
A boca de Czar se abre, mas se fecha no segundo que passos altos e
pesados se fazem presentes, como se fosse uma tropa inteira marchando.
Czar já está retirando a arma da cintura, assim como Hu-Li e Santana.
Hector se levanta e segura a mão de Eva, a empurrando para trás das suas
costas, a deixando protegida.
— Estamos sendo atacados? — Santana pergunta, rosnando
enquanto esmaga a arma em seus dedos, vendo o batalhão de homens
entrando dentro da sala, todos armados, fazendo um círculo em volta da
sala.
— Valéria? — Hu-Li fala alto e dá um passo à frente, olhando os
homens armados os encarando.
— Não é Valéria, é pior! — Ramsés bate o pé no chão com raiva e
vira sua face na direção da porta. — É uma praga do Egito!
— Praga? — Santana pergunta, confuso, olhando sem entender para
Ramsés.
— É a esposa dele! — Czar fala, reprimindo o riso e virando de
costas, deixando Hu-Li e Santana ainda mais confusos.
Escutam o som forte dos coturnos do pelotão de mercenários,
batendo alto no chão quando se viram, ficando de costas e abrindo
passagem diante da porta, para deixar a visão de todos concentrados na
entrada, quando a pequena figura passa por ela, com suas mãos erguidas e
espalmadas no ventre volumoso. As camadas de tecidos dourados como
ouro cobrem seu corpo dos pés à cabeça, tendo apenas os olhos negros
presos em Hector.
— Por Rá, por que nunca pode me obedecer, Corcel?! — Ramsés
bufa pelas narinas e esmaga sua boca com raiva, se virando para os outros
dois conselheiros. — Se virem logo de costas, vocês dois!

 
Hector Pellegrini
 
Me mantenho imóvel, tendo o par de olhos negros presos aos meus,
me observando, sem se mexer.
— Façam logo o que ele está pedindo, ou não têm ideia de como ele
fica insuportável! — A voz de Czar fala, rindo, para Hu-Li e Santana,
enquanto Ramsés está espumando de raiva.
— Mas por quê? — Santana é quem indaga, rindo, sendo o primeiro
a se virar.
— Porque seus olhos são impuros para olhar minha esposa! —
Ramsés rosna e gira seu rosto, a encarando bravo.
— Inacreditável, Ramsés de Naca! — Hu-Li fala e solta uma
gargalhada, se aproximando de Santana e Czar, fazendo a mesma coisa e se
mantendo de costas.
— Não podia me obedecer, não é?! Não podia ficar lá, quietinha, na
sala onde eu lhe deixei esperando que eu fosse lhe buscar! — Ele a olha
com raiva e bufa pelo nariz. — Por Rá, por que não me mata logo com uma
punhalada no coração, ao invés de ficar me humilhando?!
— Não seja mal-humorado, Tarado de Naca! — A voz suave de
Stella sai baixinha, me fazendo ver o brilho em seu olhar quando o provoca.
— Corcel!
— Sua mulher lhe chamou de tarado, conselheiro? — Santana ri,
ganhando um xingamento alto da boca de Ramsés quando o egípcio ergue a
arma na direção dele.
— Tirem os três abelhudos daqui! — Ramsés amaldiçoa, enquanto
dá a ordem. Fico em silêncio e observo Czar rir junto com Santana e Hu-Li,
enquanto eles são escoltados para fora da sala.
A respiração nervosa atrás de mim fica mais forte, enquanto sinto
seus dedos se esmagando no meu terno. Meu braço se estica e aliso a lateral
do seu corpo, acalmando Eva.
— Está tudo bem, pécheur! — murmuro para Eva.
— É ela? — Sua pergunta sai quase inaudível, enquanto Eva se
segura mais forte em mim.
— Sim, pequena, é ela.
— É Stella! — A voz suave fala alta, enquanto ela dá um passo à
frente lentamente. — Eu me chamo Stella. — Suas mãos se afastam da sua
barriga e ela esmaga seus dedos ao lado do corpo. — Eu estou nervosa,
imagino que você também...
A face de Ramsés se ergue e ele olha preocupado para Stella, dando
um passo na direção dela assim que ela começa a andar em minha direção.
Meus olhos se movem e passam por cada homem que está de costas,
armado, antes de parar meus olhos em Ramsés.
— Se algum deles a ferir, acho bom me matar, Ramsés de Naca,
porque não vai me querer rosnando em seu pescoço — digo, baixo,
mantendo Eva escondida atrás de mim, levando minha outra mão para
minha cintura e esmagando meus dedos no revólver. — Ordene para que
eles saiam.
Reconheço a preocupação no olhar dele e entendo que quer proteger
sua esposa, mas eu meteria uma bala na sua testa antes de algum filho da
puta tocar em Eva. Ramsés olha na direção do sangue, onde estava o corpo
de Oliver, e respira fundo.
— Ramsés, os mande sair! — A voz firme e suave vem da pequena
mulher que me olha com curiosidade. — Me deu sua palavra que não iria
me fazer sofrer! — Sua cabeça gira para ele e funga baixo.
— Por Rá! — Ramsés esmaga sua boca ao primeiro sinal de brilho
de lágrimas marejando os olhos negros de Stella. — Saiam todos. La, la,
andem, saiam! — ele grita alto, dando a ordem, que rapidamente é
obedecida.
Seus homens armados saem de dentro da sala, deixando apenas nós
quatro aqui dentro. Inalo o ar com força e viro meu rosto por cima do
ombro, enxergando apenas o topo da sua cabeça.
— Não sei se sabe quem eu sou, mas eu sinto como se tivesse
esperado a vida inteira por esse momento. — O som da voz de Stella se faz
baixo e ela solta um soluço. — Mesmo quando eu ainda nem sabia da sua
existência, mas ainda assim meu coração desejava encontrá-la. Por favor,
não sinta medo de mim, deixe eu me aproximar de você...
— Não sinto medo de você, Stella. — O pequeno corpo se move e
sai de trás de mim, ficando parada ao meu lado, olhando para o chão,
falando baixinho com o choro. — Apenas não desejo que seja você a ter
medo de mim.
Sua face se ergue e olha para Stella, a deixando ver suas bochechas
sujas de sangue. Stella expande seus olhos negros, olhando para Eva, que
está assustada, com medo de ser rejeitada. Os dedos se Stella se erguem e
retiram o grande véu que cobre seu rosto, o deixando deslizar sobre seus
ombros no momento em que o puxa, caminhando lentamente na direção de
Eva. Me mantenho em silêncio, observando os olhos de Eva se encherem de
lágrimas enquanto chora. Stella ergue seu braço e para sua mão perto do
rosto de Eva, com o lenço preso em seus dedos. Eva fecha seus olhos e
chora ainda mais quando o gesto delicado de Stella se faz, limpando seu
rosto, ao mesmo tempo em que também chora olhando sua irmã.
— E eu chorei tanto quando soube sobre você, sobre nossa irmã,
porque tudo que eu mais sonhei nessa vida era não ser sozinha... — Os
olhos de Eva se abrem, olhando para Stella. — E eu não sou mais, eu tenho
você, Eva...
Dou um passo para trás quando os braços de Stella se abrem e
puxam Eva para perto dela. Ramsés fica com o olhar perdido, olhando para
as duas, tendo o choro delas ficando mais forte ao se abraçarem. Sua cabeça
se ergue para mim e me dá um olhar singelo, com um sorriso breve,
movendo sua cabeça para frente em agradecimento. Balanço minha cabeça
em positivo e retorno meus olhos para as duas. A face de Eva está deitada
de lado no ombro de Stella, com seu olhar fechado, chorando enquanto
abraça forte sua irmã. Vejo seus olhos negros se abrirem e olharem para
mim, me dando um sorriso entre o choro. Me sinto como um intruso, como
alguém que não tem o direito de estar aqui, roubando a emoção desse
encontro, indigno de observar as filhas de Mina.
— A gente é uma família, uma família, e nunca mais vão nos
separar... — Stella fala entre o choro, segurando o rosto de Eva em suas
mãos. — Não precisa mais ter medo, vamos achar nossa irmã e ficaremos
juntas... Pode vir para o Cairo comigo, não está mais sozinha...
O peso das palavras de Stella me esmaga por dentro como uma
rocha, não sabendo o que me sobrará se ela escolher partir com sua irmã,
mas ciente que por mais que deseje tê-la comigo, eu não lhe prenderei se
esse for seu desejo. Meu rosto vira para a cadeira e observo a única coisa
que me sobrará, para arrastar minha alma em uma solidão sem fim, se
minha pequena pecadora partir. Eva havia se infiltrado dentro de mim, me
fazendo ficar preso a ela como eu nunca imaginei que um dia ficaria a
alguém.
Meu rosto se volta assim que sinto os dedos finos se fechando em
meu pulso. Abaixo meu rosto e olho as pulseiras de ouro em seu braço,
erguendo meus olhos para a pequena mulher.
— Você também não está mais sozinho... — A voz baixa de Stella
fala chorosa, com ela me olhando de forma doce. — Meu irmão.
Meu peito fica acelerado e inalo o ar com força, olhando dela para
Ramsés. Ele encolhe seus ombros e nega com a cabeça.
— Jovem Hector não me pediu para dar minha palavra em manter o
segredo! — Ele solta um suspiro e leva seus dedos ao bolso da calça.
— Cresci em um lugar onde eu não passava de uma sujeira, algo
sem importância, Hector. — Stella ergue sua mão, soltando meu pulso, me
olhando com brandura. — Onde apenas tinha ódio e dor, e quando descobri
que um filho crescia dentro de mim, a única coisa que eu sabia era que ele
nunca iria saber o que era isso, que teria amor em sua vida, e foi amor que
eu senti quando descobri que além de duas irmãs, eu também tenho um
irmão.
Meu corpo congela e fico sem saber como agir quando ela me pega
de surpresa, me abraçando e enlaçando minha cintura. Meus dedos ficam
erguidos, parados no ar, e olho para a mulher pequena agarrada a mim, com
seu ventre volumoso.
— Obrigada por ter a trazido para mim. — Ela soluça e me abraça
mais forte. Meus dedos caem e repousam sobre seus ombros, enquanto lhe
abraço lentamente, fechando meus olhos, sentindo como se estivesse
abraçando Joseph outra vez.
Sentia a mesma emoção e carinho quando ele me abraçava como
Stella está fazendo agora.
— Não importa o que nos una, e nem como isso aconteceu, eu fiquei
muito feliz em saber que tenho você.
— Também estou muito feliz, Stella — murmuro e abaixo meu
rosto, depositando um beijo em seus cabelos.
Ela sorri para mim quando se afasta, voltando seus olhos para Eva,
tendo suas íris negras ainda mais iluminadas.
— Malika tem uma grande família, cheia de tias e tio! — ela fala
emocionada e ergue sua mão, segurando o rosto de Eva. — E Stella tem
uma linda irmã!
— Tenho uma sobrinha que se chamará Malika? — Ergo meu rosto
para Ramsés, que me dá de ombros.
— Rá achou que eu precisava de mais uma mulher geniosa dentro
da minha casa! — ele suspira e olha o ventre da sua esposa com carinho.
Rio e nego com a cabeça, vendo o olhar dele sobre Stella, ficando
em silêncio ao olhar as duas se abraçando. Me viro devagar e caminho para
fora da sala lentamente, sentindo pela primeira vez algo esmagar meu peito
de uma forma muito mais intensa do que quando acordei naquela cama de
hospital. Descubro que pela primeira vez Hector Pellegrini tem medo, medo
de perder minha Eva.
— Monsieur! — Meus passos param ao ouvir a voz de Eva falando
comigo.
Me viro devagar e encontro seus olhos presos aos meus, com ela
parada no meio do corredor, a alguns passos de mim, segurando a bengala
em sua mão. Ergo meu olhar e vejo Ramsés ao longe, dentro da sala, parado
diante da porta, com Stella nos olhando perdida. Ele se aproxima de Stella e
murmura algo em seu ouvido, que a faz virar seu rosto na mesma hora para
ele. Ramsés balança sua cabeça em positivo, erguendo seus dedos e
alisando seu rosto.
— Eu tenho alguns assuntos para resolver, Eva, tenho que repassar
as ordens para Edmundo encaminhar uma equipe de faxina para cá, para
apagar os rastros de Oliver — falo breve, levando meus dedos ao bolso da
calça. — Como isso vai acabar me tomando muito tempo, pensei que seria
bom você ficar com sua irmã, assim podem se conhecer melhor.
— Depois vai vir me buscar, para irmos para a falésia? — Ela
comprime seus lábios e respira depressa.
— Eva... — Um sorriso fraco se esboça em meus lábios e encaro a
bengala em sua mão. — Não precisa mais ter que voltar para a falésia,
pequena.
Solto as palavras lentamente, enquanto esmago meus dedos dentro
do bolso.
— Está livre agora, não é obrigada a ficar ao meu lado, deve ficar
junto de Stella.
— Sir Hector não quer mais cuidar de mim? — ela me pergunta
aflita, me deixando ver sua confusão. — Por isso está me dando a liberdade,
vai me obrigar a ir embora...
— Pardieu, non! — Nego com a cabeça e dou um passo à frente,
esticando meu braço, não suportando ver seu olhar triste. Meus dedos tocam
sua face lentamente. — Não será obrigada a nada. Nunca lhe obrigaria a
partir, minha doce Eva, assim como também não lhe obrigaria a ficar ao
meu lado. É livre, minha pequena Eva, para escolher, não desejo lhe
prender a mim...
— Não quero escolher — ela fala rápido, olhando para mim com
medo, negando com a cabeça. — Não quero liberdade, quero ficar com meu
monsieur.
— Oh, minha pequena! — Fecho meus olhos e nego com a cabeça,
a abraçando, tendo a lateral do seu rosto encostando em meu peito. — Tem
uma vida inteira, Eva, que lhe foi roubada. Suas irmãs, uma família, ao meu
lado nunca terá uma vida, Eva, uma vida crescendo dentro de você, uma
família sua... Lhe permitir ficar ao meu lado, será o mesmo que arrancar
uma rosa de um arbusto e assisti-la murchar e morrer solitária, dia após dia.
Não quero causar esse mal a você...
— Eu me recordo da primeira vez que vi um jardim — ela fala com
a voz chorosa, se empurrando para trás, se desvencilhando do meu abraço.
— Era tudo tão cheio de cor e vida, que me fazia querer ficar lá para
sempre, apenas as olhando. Não havia dor, era como se elas
desconhecessem essa palavra. E naquele dia, eu orei para Deus, para que ele
me transformasse em uma flor, sir Hector, como aquelas rosas, assim eu
podia ficar lá para sempre, eu não precisaria me machucar para ter paz. —
Sua boca se esmaga e ela fecha seus olhos, negando com a cabeça. — Me
sinto um monstro, como se minha alma tivesse sido rasgada e costurada
tantas vezes, que não sobrou nada meu dentro de mim, que meu destino é
me tornar uma criatura para ser o espelho da sua criadora, destinada a nunca
ter paz, apenas dor.
— Eva... — Estico meu braço, tentando tocá-la, desejando que ela
me ouça, que entenda que é justamente isso que não quero para ela, que não
desejo lhe machucar. — Não compreende o que eu disse. Não posso ser
egoísta e lhe tirar esse privilégio, tirar sua liberdade, sua escolha...
— Não! — Seus olhos se abrem e ela se esquiva, negando com a
cabeça. — Sir é que não está compreendendo o que eu falo. Você é o meu
jardim, sir Hector, é a minha paz.
Eva me olha de forma inocente, me fazendo calar diante dela
quando solta a bengala e a deixa rolar no chão, dando um passo à frente.
— Se ter liberdade para escolher é o que me dá. — Ela se alavanca e
fica na pontinha do pé, esfregando meu rosto em seu peito e esmagando
meus ombros com seus dedos. — Então eu escolho ficar, escolho ficar ao
seu lado, sir Hector.
Meus dedos se erguem e seguro sua face, escorregando meus dedos
em suas bochechas, sabendo que morreria e mataria por essa pequena
pecadora que me tem em suas mãos.
  — Me ensinou que tenho que falar o que penso, o que desejo. E
estou falando, não desejo liberdade. Eu desejo fica. Não me mande embora,
por favor. — Abraço suas costas e abaixo meu rosto, tomando seus lábios
com uma posse que me desgoverna a alma, não abdicando de nada do que
ela me entrega, porque Eva é minha, minha maçã, meu mais poderoso
pecado e paraíso.
— Pardieu, Eva, eu queimaria meu corpo inteiro antes de fazer isso
— confesso minha ruína diante dela, separando meus lábios dos seus e
esfregando meu nariz em sua pele. — Nunca a deixarei, minha doce Eva,
apenas queria que soubesse que não é obrigada a ficar ao meu lado, que tem
uma escolha.
— Eu escolho ficar, monsieur! — Ela sorri para mim e funga
baixinho, me abraçando com mais força e escondendo sua face em meu
peito, afagando minha pele com sua bochecha. — Escolho sempre ficar!
Beijo o topo da sua cabeça e esfrego minha face em seus cabelos, a
prendendo mais forte em meus braços. Minha doce menina, com alma feroz
e olhar ingênuo, submissa e Messalina, meu mais perfeito pecado.
Minha Eva!
 
Fim!
EPÍLOGO

 
Hector Pellegrini
 
Vilarejo de Fleur – Falésia
Quinze dias depois
 
— Sir... — Sinto seus lábios se fechando sobre meu dedo, o
sugando em sua boca, enquanto ela geme baixinho. — Ohhhh!
O som suave do seu gemido me envenena, intoxicando minha alma
de uma forma única e avassaladora, me jogando entre o céu e o inferno a
cada segundo que meu pau desliza no interior do seu rabo, que me toma
entre investidas lentas e profundas. Minha outra mão escorrega por seus
seios inchados, completamente sensíveis ao meu toque, por conta das
cordas amarradas entre eles, que os esmaga e os deixa belos. Paro minha
mão à frente da sua boceta quando a deslizo, introduzindo um dedo dentro
dela. Sua cabeça tomba para trás em abandono em meu peito, deixando
exposta sua face expressiva. Uma pequena criatura bela que me governa em
todos os sentidos, me presenteando com seu olhar negro cheio de desejo,
que se infiltra de forma sorrateira em minha mente, em minha vida, não me
deixando saber mais como poderei viver sem ela.
— Sir... por favor... — Ela solta meu dedo dos seus lábios e logo
esmago meus dedos no couro da minha cinta presa em volta da sua
garganta, a fazendo arfar quando seu ar é comprimido.
Invisto com mais pressão meu quadril contra sua traseira, lhe dando
tudo o que me pede, não sendo capaz de negar nada a ela, não quando se
entrega de forma tão submissa.
— Rápido e duro, minha pécheur? — rosno próximo à sua orelha,
mordiscando a pontinha dela, ouvindo seus gemidos.
Levo outro dedo para dentro da sua boceta e aumento as investidas
do meu pau, a fodendo com delírio, que explode alto dentro da minha
mente, e nada me dá mais prazer que marcar esse maldito rabo, com meu
pau o tomando e a marcando como minha, apenas minha doce Eva. Inunda
o quarto com seus sons de luxúria enquanto a fodo de pé, me enterrando
dentro do seu rabo, com seu corpo colado na parede e meu peito em suas
costas.
— Ou minha pequena pecadora prefere lento? — Afasto apenas um
pouco minha pélvis, retornando a entrar vagaroso no seu rabo quente,
sussurrando em seu ouvido.
— Monsieur... — Eva balbucia com seus olhos se abrindo para
mim, tendo suas pupilas dilatadas. A boca inchada pelos meus beijos densos
se abre, com ela gemendo mais dengosa, assim que paro de mover meu
quadril, fodendo sua boceta com meus dedos.
— Doce pécheur... — Minha voz rouca sai baixa enquanto esfrego a
ponta do meu nariz entre seus cabelos.
Solto o couro da cinta presa em sua garganta, parando minha mão
sobre seu seio e o massageando, diminuindo a brutalidade que meus dedos
invadem sua boceta, voltando a mobilizar meu pau dentro do seu rabo.
Sinto meu coração acelerar, batendo descontrolado dentro de mim, com
meu peito colado em suas costas. Minha boca se abre e cravo meus dentes
em seu ombro, a fodendo com puro instinto e selvageria, como um animal
agressivo que fareja sua carne preferida.
— Hector, por favor... Oh, meu Deus!
Ela fecha seus olhos e grita alto quando a palma da minha mão
achata em cima do seu clitóris, e aumento o ritmo. Eva é um corpo feito
para o pecado, que responde a cada toque. Ela não me recusa, não me
afasta, ela apenas me entrega o que quero, uma caixa pequena repleta de
luxúria que me suga para dentro dela.
— Tão sordidamente quente, pécheur — digo, baixo, e travo meu
maxilar, sendo comandado por um desejo primitivo. — Seu corpo me diz
que gosta de me ter fodendo seu rabo assim, pequena.
Ela abre seus olhos e respira fundo assim que me enterro por
completo dentro dela, sentindo um prazer indescritível em foder seu rabo
que eu tanto idolatro.
— Oh, Deus, sim...
Removo meu pau do seu rabo, junto com meus dedos da sua boceta,
e giro seu corpo em um único movimento, até ter seus seios dentro da
minha boca, os sugando com fome, a fazendo gemer ainda mais alto. As
cordas em volta da pele causam uma pressão, além da ardência que a
textura da corda provavelmente causa em suas mamas sensíveis. As coxas
modeladas se prendem em minha cintura, com seus calcanhares se travando
em minha bunda, com a boceta dela se esfregando em minha barriga, assim
que minha mão se prende em seu rabo, a erguendo do chão. Eva se retorce
com inquietação por conta dos seus braços imobilizados, presos ao lado do
corpo.
Solto seu seio e caminho com ela na direção da cama, com minhas
mãos em seu rabo, tendo seus olhos presos aos meus, me dando um
pequeno sorriso travesso e inclinando sua cabeça para frente, beijando meus
lábios com doçura e devassidão. Respiro com força, experimentando o
sabor da maçã que ela estava comendo quando a encontrei na cozinha, antes
de lhe trazer para o quarto, me envenenando, fazendo eu buscar mais do seu
gosto de pecado. Meu corpo para próximo à beirada da cama e sento-me
com ela em meu colo, ajeitando suas coxas na lateral da minha. Empurro
minha cabeça para trás e quebro nosso beijo, deitando minhas costas no
colchão.
— Monsieur não vai soltar minhas mãos... — Sua voz sussurra
arteira e ela me olha com luxúria.
Nego com a cabeça, apenas admirando. Admirando a pequena Eva
pecadora montada em minhas pernas, com as cordas em volta do seu tronco
superior, a deixando mais bela do que nunca. Seus seios inchados estão
arrepiados, parecendo duas maçãs negras suculentas. Observo os nós da
corda passando por sua barriga e em volta dos seus braços, encantado com
minha pequena Eva, que aos meus olhos é a obra de arte mais linda e
perfeita que eu já vi. E desejo lhe dar o mundo, lhe mostrar todas as formas
como poderei lhe dar prazer e dor, do jeito que ela quer e sua alma precisa.
Sei que terei que a introduzir lentamente na prática do shibari, lhe
instigando aos poucos, testando seus limites e o que lhe deixa confortável, o
que ela gosta. Não desejei prender seus membros inferiores e nem a deixar
suspensa pelas cordas, tinha começado por nós mais fáceis, a fazendo
compreender como a prática funcionava pouco a pouco.
— Quero que me foda assim. — Ergo minha mão e acaricio o bico
do seu seio, tendo ela respondendo ao meu toque e soltando um gemido. —
Está com seus braços contidos, mas ainda assim tem poder para controlar a
forma que me quer dentro de você, pécheur.
Esfrego minhas mãos nas laterais da sua coxa, acompanhando o
inclinar da sua face para seu ombro. Os cabelos negros soltos ficam ainda
mais belos, como sua pele suada, a fazendo parecer minha pequena
divindade perversa e sexual, a qual minha alma sádica idolatra e ama com
pura adoração. Eva inclina seu corpo para frente e abaixa sua cabeça,
lambendo meu peito com preguiça, mordiscando meus mamilos conforme
ela traça seu caminho de pecado, escorregando sua pélvis por minhas
pernas. Sinto sua boceta raspar em meu joelho, com ela estimulando seu
próprio corpo, se esfregando nele. Meus olhos se fecham e travo meu
maxilar no segundo que sua língua roça a cabeça do meu pau.
— Eva! — Aperto mais forte meus olhos e respiro com força.
E ela vai me sugando para dentro da sua boca, voltando a libertar,
lambendo a lateral dele da base até a cabeça.
— Pécheur! — Ela afasta sua boca do meu pau, falando baixinho.
Quando abro meus olhos e paro aos seus, me perco no prazer infernal que
ela me oferece apenas com um simples olhar. — Gosto quando sir me
chama de pécheur. Porque é como me sinto, uma pecadora que o ama,
monsieur.
Minha boca se entreabre por um segundo, não tendo reação ao que
ela acabou de dizer, apenas sentindo meu coração bater mais rápido e todos
meus demônios se curvando diante de Eva, que os tem na palma da sua
mão, e agora os domina por completo ao se declarar tão submissa.
Minha mão se estica e prende no couro da cinta em seu pescoço, a
olhando com puro amor.
— Diga de novo, pécheur! — Puxo com mais força a ponta da cinta,
que esmaga contra a pele da sua garganta. — Repita o que acabou de dizer...
— Eu o amo, monsieur — ela diz, baixinho, com seus olhos se
fechando e um sorriso arteiro se abrindo em seus lábios. — O amo, meu
mestre...
— Eva... — rosno entre meus dentes e fecho meus olhos, tendo o
tom ríspido da minha voz embargada de tesão, com a forma que ela abre
sua boca e suga meu pau dentro dela.
Diminuo a pressão no seu couro da cinta, a soltando e acariciando
seus cabelos com afago, tendo meu o ar sendo repuxado com força para
meus pulmões, enquanto ela me fode com sua boca, me tomando mais
dentro dela. As pontas dos seus dentes raspam apenas como forma de
provocação a carne do meu pau, fazendo percorrer um pico de euforia
dentro de mim. Suas engolidas e sugadas são sem vergonha ou recato,
apenas a porra do perfeito boquete, que faz um homem desejar querer nunca
mais que ela afaste sua boca dali. Eva esfrega sua boceta encharcada em
meu joelho e aumenta o ritmo do seu quadril, me fazendo não saber em qual
ponto minha mente se foca, se é na quentura da sua boceta, na sucção da
sua boca em volta do meu pau ou em como ela me desarmou ao se declarar
para mim.
Ela me engole com cuidado, abrindo sua boca e alargando a lateral
dos seus lábios até ter a ponta do seu nariz tocando minha pélvis. Meus
dedos ficam congelados em cima da sua cabeça, não conseguindo
comprimir um único movimento, tendo a cabeça do meu pau tocando o
fundo da sua garganta, me fazendo enrijecer meus músculos e soltar um
gemido rouco. Sinto a descarga de prazer sendo liberada em meu corpo.
Eva vai soltando meu pau lentamente e ergue seus lábios. Inclino meu
pescoço e alavanco um pouco minha cabeça, sendo preso no olhar dócil que
ela me presenteia. Uma criatura pura e tão perversa ao mesmo tempo.
Escorrega sua língua por toda base do meu pau, parando apenas na cabeça,
o lambuzando de saliva. A deixo livre para fazer o que ela quer, afastando
minhas mãos do seu corpo. Seu corpo se inclina para frente e ela se
endireita, voltando com seu rabo para perto do meu pau. Sinto a maciez das
suas coxas ao lado das minhas, com ela alavancando seu quadril para cima,
tendo a entrada do seu cu se esfregando sobre a cabeça do meu pau.
— Pécheur... — murmuro, rouco, soltando e alisando sua perna
novamente, não conseguindo manter minhas mãos afastadas dela por muito
tempo.
A ajudo e levo uma das minhas mãos ao meu pau, o encaixando
com cuidado na entrada do seu rabo. Minhas mãos vão para suas nádegas e
a prendo com força em meus dedos, afastando elas uma da outra. A veia da
minha garganta dispara, tendo meu corpo todo rígido, com ela empurrando
sua bunda para baixo pouco a pouco. Meu pau tem o efeito da sua cavidade
quente, o tomando de forma intensa nessa posição.
— Deus! — Ela captura seu lábio inferior com seus dentes, o
mantendo preso com seus olhos fechados.
Minha atenção fixa no meu pau sumindo dentro do rabo dela
enquanto ela desce, vagarosa, o engolindo sem pressa, se acostumando com
ele dentro do seu corpo nessa posição. O ar é puxado com força para seus
pulmões assim que ela aterrissa sua bunda em minhas coxas. Vejo as pontas
dos seus dedos se fechando na palma da mão, com seus braços imobilizados
ao lado do corpo, me deixando vê-la bela em cima de mim. A quentura das
paredes internas do seu órgão me destrói a cada segundo que ela o suga com
pressão, o tentando expulsar ao mesmo tempo que o recebe, e eu caio diante
da minha Eva pecadora e inocente assim que o pequeno corpo sobre o meu
começa a se movimentar, se mexendo com preguiça, me recebendo por
completo dentro dela nessa posição de amazona.
Fecho minhas pernas e colo meu joelho um no outro, garantindo que
ela está segura, sem perigo de tombar para o lado e se machucar. Eva abre
os olhos e fica com ele ligados aos meus, jogando seu quadril com leveza
para frente e para trás. Minha garganta arranha e sinto-a me fodendo com
lentidão, intercalando entre movimentos de vai e vem e sobe desce. Seu
quadril se ergue e retira apenas um pouco do meu pau de dentro do seu
rabo, apenas para me torturar quando retorna a descer, rebolando e o
engolindo.
— Oh, merda! — Agarro sua coxa e sinto todas as emoções que ela
me desperta.
— Monsieur... — Ela tomba sua cabeça para trás e aumenta o ritmo,
me cavalgando com euforia.
Solto uma de suas pernas e levo meu polegar para sua boceta,
achatando meu dedo sobre seu clitóris e o circulando. Posso sentir o corpo
dela pronto, exigindo para ser liberto a cada segundo que seu rabo quente
me engole, fazendo pressão em volta do meu pau. Ela morde seus lábios e
rebola com mais urgência, os mexendo com puro instinto. Mantenho a
cadência de círculos sobre seu clitóris inchado, sentindo o líquido quente da
sua boceta escorregando sobre minha pélvis, com seu rosto retornando para
frente. Os olhos dela se prendem aos meus, e eu vou a seguindo, caindo em
pecado com minha Eva, sabendo que seu orgasmo a está rasgando de fora
para dentro. Ela geme e comprime seus joelhos na lateral do meu corpo,
impulsionando seu quadril a subir e descer com mais rapidez, me dando um
sorriso devasso, com a boceta dela expelindo sobre mim, me montando com
loucura.
— Porraaaa! — Esmago seu quadril e sinto meu pau latejar, com seu
cu ordenhando os jatos de porra que vou soltando.
Meus dedos comprimem mais forte sua pele de forma densa e sinto
os tremores do gozo passando pelo meu corpo todo, até começar a relaxar
meus músculos, com meu gemido se misturando aos dela. Eva solta seu
peso sobre meu peito e respira rápido, esfregando sua face perto do meu
pescoço e ronronando baixinho. Solto suas pernas e abraço suas costas,
podendo sentir seu coração bater rápido contra o meu.
— Monsieur — ela murmura e empina seu rabo para cima de
mansinho, fazendo meu pau escorregar para fora do seu cu.
Desliza suas pernas sobre o colchão e suspira dengosa, retornando a
esfregar seu nariz em minha garganta, soltando um suave risinho arteiro
enquanto distribui pequenos beijos em minha pele. Ergo minha mão para
sua nuca e massageio seus cabelos, tentando fazer minha respiração voltar
ao normal, a mantendo presa a mim, como um afável gatinho. Ela sorri e
sua bochecha se esfrega em meu peito, me dizendo do seu jeitinho que tinha
gostado das amarras. Meus dedos se movem para a cinta em seu pescoço e
afasto seus cabelos, para tirá-la do pescoço dela.
— Não precisa tirar agora. — Sua voz sai baixa, me fazendo abrir
meus olhos e erguer um pouco da minha cabeça para olhar para ela. —
Desejo ficar um pouco mais com ela...
A estudo em silêncio por alguns instantes, olhando do seu rosto para
o couro da cinta. Tinha tido receio, em um primeiro momento, de ela estar
tendo algum gatilho ou memória ruim, quando vi seu olhar perdido na cinta
em cima da cama, quando eu acabei de amarrá-la. Mas Eva é um livro
aberto diante de mim, e me deixou saber o que ela queria assim que olhou
para mim e de volta para a cinta. Perguntei se era da sua vontade ter a cinta
em volta do seu pescoço como uma coleira, e sua pequena cabeça apenas
balançou em positivo para mim.
— Por que deseja ficar com ela um pouco mais, pécheur?
— Eu não sei. — Ela dá ombros e endireita seu rosto, deixando seu
queixo parado sobre meu peito.
Aliso sua face e jogo a bagunça dos seus cabelos para trás, em cima
dos seus ombros, alavancando seu corpo para cima, até sua face parar
diante da minha. Eu sei o porquê. Não é apenas a demonstração de
felicidade que a faz ficar mais ligada ao que lhe foi ensinado dentro daquele
convento, Eva demonstra sua essência por completo quando a autozoofilia
está aflorada.
— Querer ficar com ela um pouco mais é ruim? — Ela me olha
perdida, me mostrando a confusão que está sentindo. — Monsieur não
aprova?
Dou um fraco sorriso e nego com a cabeça para ela. Não desaprovo
ela se sentir bem com o couro da cinta em volta do seu pescoço, apenas
ainda não sei como dizer a ela o porquê dela se sentir bem com isso, mas sei
que já está na hora.
— Há algo que precisamos conversar, pécheur — respondo, baixo, a
segurando pelas costas e nos impulsionando para cima, a sentando
novamente em meu colo. — Vou desamarrar você primeiro, sim?
A viro com cuidado e a deposito no colchão de barriga para baixo,
enquanto desfaço os nós lentamente. A liberto e a viro, desenrolando a
corda em volta do seu corpo, observando a marca que ficou ao redor dos
seus seios, a fazendo ficar ainda mais bela. Jogo as cordas no chão e seguro
seus dedos, a ajudando a se sentar na beirada da cama. Meus joelhos se
flexionam enquanto fico agachado entre suas pernas, massageando seus
pulsos, sentindo os calombos que as amarras causaram. Não são graves,
apenas lhe deixarão dolorida e marcada por alguns dias, tinha garantido em
cada ato que fiz que ela se sentiria confortável.
— Monsieur está sério... — ela diz, baixinho, me dando um olhar
tímido. — Fiz algo ruim?
— Não! — Nego com a cabeça e estico meu braço até ter meus
dedos tocando sua face e empurrando as mechas dos seus cabelos para trás.
— Eva, quando Freire a levou para o convento, ela não queria apenas criar
uma Messalina, ela desejava ter a obra-prima perfeita.
Mantenho meus olhos nos seus, não a deixando quebrar o contato de
visão, para que saiba que ela não fez nada de ruim.
— Freire queria alguém leal, obediente, por isso ela autorizou que a
irmã fizesse aquelas coisas com você, junto com a madre, para...
— Me castigar?
— Não, pécheur. Não era só para lhe castigar, mas para lhe ensinar
outra coisa, algo que foi inserido dentro de você. Freire não queria apenas
uma Messalina, ela desejava um animal obediente, por isso lhe criou e
educou para se comportar como um, igual se cria um cachorro. — Minhas
mãos se afastam do seu cabelo e toco a ponta da cinta em seu pescoço. —
Por isso se sente bem com a minha cinta em seu pescoço, isso faz parte da
autozoofilia que você desenvolveu.
Seus olhos negros ficam sem brilho enquanto ela se encolhe
lentamente e respira depressa, me olhando com dor.
— Ela me criou para ser uma aberração, é isso? — Prendo meus
dedos na sua garganta e mantenho a ligação entre nós dois, entre dominador
e submissa, para que ela não se morda. — Por isso monsieur fica triste
quando esfrego minha face em sua perna...
Nego com a cabeça e me inclino um pouco para frente, deixando
seus olhos presos aos meus.
— Olhe para mim, Eva. Não é uma aberração, pécheur — falo com
a voz calma, para que ela me entenda. — E muito menos eu fico triste, eu
lhe venero, minha doce pécheur. Cada traço seu, gesto, até sua mais pura
essência, porque é a única criatura que Deus já criou que me fez finalmente
encontrar a paz, Eva.
Seus grandes olhos negros brilhantes piscam e me olha de forma
doce. Inclino meu rosto até minha testa colar na sua.
— Je t'aime[48], Eva! — me declaro a esse pequeno ser que me
governa, com uma propriedade que nunca nenhuma outra pessoa teve. —
Amo tudo em você, minha pequena pécheur.
Encosto meus lábios nos seus e a beijo com lentidão, amando como
nunca amei nenhuma mulher e nunca pensei que amaria. Me afasto dela e
deixo um espaço entre nós dois, apenas o suficiente para meu rosto se
inclinar para frente, abaixando minha cabeça e depositando a lateral da
minha face em seus joelhos. Meus olhos se fecham enquanto inalo seu
perfume, esfregando lentamente minha face em sua pele, como ela faz
comigo, a deixando saber como estou feliz por tê-la ao meu lado. Quando
minha cabeça se ergue, vejo seu peito se movendo rápido, com ela tendo
seus olhos marejados, me olhando com emoção. Suas mãos estão paradas
no ar, enquanto ela olha para seu joelho e depois para mim.
— Sir...
— Eu sou feliz com você, pécheur! — Inclino meu corpo para
frente e retorno para ela, levando meu corpo sobre o seu.
— Eu sou muito feliz com você... — Ela sorri e fala com a voz
baixinha, erguendo sua mão e alisando meu ombro. — Muito feliz.
Eva circula suas coxas em volta do meu quadril, achatando minha
bunda com seus calcanhares quando deito suas costas sobre o colchão. Ela
ergue sua boca para a minha e me beija com pura entrega, a qual apenas ela
consegue me presentear.
— Monsieur não deseja que eu mude? — Ela separa seus lábios dos
meus, segurando minha face.
— Não, desejo que seja apenas você, minha Eva pecadora. Perfeita
aos meus olhos.
Ela fica em silêncio por alguns segundos, caindo seus olhos para
meus lábios, e ergue sua face, me beijando com ternura. A beijo com mais
posse, com meu peito arfando a cada gemido baixinho que ela me entrega.
Raspo meu pau por cima da sua boceta, tendo seus braços me abraçando,
me tomando dentro si quando empurro meu pau para sua boceta lentamente,
desejando a foder com a mesma fome que senti desde a primeira vez que a
beijei naquele jardim. Alavanco meu corpo para frente e a empurro junto
comigo, mantendo a cadência baixa e gostando da forma quente como seu
corpo vai acendendo. Ela choraminga quando prendo seus lábios com meus
dentes e mordo de mansinho. Minha mão vai para sua perna e seguro-a com
pressão, e a outra para acima da sua cabeça, sustentando as estocadas que
meu quadril impulsiona contra sua pélvis.
Não posso dizer que minha vida tem algum valor e que tenha feito
mais coisas boas do que ruins. Trilhei muitos caminhos e apreciei cada
segundo entre o caos e a escuridão, não me importando com nada. Mas
posso garantir que pela primeira vez na minha vida, eu tinha encontrado um
motivo verdadeiro para desejar ser tudo que ela precisasse, minha pécheur,
inocente e perversa, Messalina e leal.
Minha doce Eva.
 
Eva Fishie
 
Bato meu pé lentamente no chão, mantendo meu contato visual com
os olhos sérios que me encaram. Inalo o ar com força e esmago o canto da
minha boca, estufando meu peito para frente.
— Marrie espera que eu e você terminemos nossas pendências —
falo ríspida e ergo meu dedo, apontando em sua direção. — E não pense
que eu sou boazinha, pelo contrário, andei descobrindo muitas coisas a meu
respeito que podem lhe assustar!
Levo minhas mãos à cintura e falo o mais séria que posso, para que
ele saiba que eu estou levando isso muito a sério. Sua cabeça tomba para o
lado, enquanto me olha sem muita credibilidade, antes de se endireitar
novamente.
— Eva, não tem que conversar com ele, apenas termine o serviço de
forma rápida! — A voz de Marrie grita do lado de fora da cozinha e viro
meu pescoço, olhando para lá.
— Já vou! — a respondo e coço minha nuca, retornando meus olhos
para meu rival.
— Quá... quá... — O abençoado pato suicida grasna para mim, me
encarando.
— Por que tinha que voltar e me colocar nessa situação agora?! —
Ergo minha mão e esfrego meu rosto, bufando lentamente. — Podia ter
aproveitado a chance que lhe dei e ter ido embora!
— Quááá! — Seu longo pescoço se estica e ele gralha, enquanto se
arruma no meio da mesa.
— Droga! — Paro meus olhos na faca em cima da mesa, antes de
me virar para a porta novamente. — Eu devia deixá-la entrar aqui e lhe
assar!
Caminho para o pato e o pego em meus braços, repuxando meu
nariz e o deixando preso embaixo do meu braço, enquanto caminho para a
porta da cozinha e a abro.
— Finalment... — Marrie fala alto e se vira na direção da porta
quando eu abro, olhando de mim para o pato que está protegido embaixo do
meu braço.
— Eu não disse! — Edmundo sorri e olha o pato esnobe, que encara
Marrie, como se a provocasse.
— Acho que vai faltar um ingrediente na receita, Marrie... —
Encolho meus ombros e dou um sorriso amarelo para ela, dando um
passinho para o lado.
— Eva... — Ela me olha e nega com a cabeça. — Como vou fazer
meu pato assado, se esse animal ainda continua vivo?!
— Sir Hector pode gostar de comer outra carne assada — falo
rapidinho e dou outro passinho para o lado. — Não acha, Edmundo?
Recorro a ele e o olho com nervosismo, para que me ajude a salvar o
pobre pato do forno.
— Julgo que sim, mademoiselle. — Ele confirma com um balançar
de cabeça.
— Como julga que sim? — Marrie fala brava com ele e o fuzila com
seu olhar, lhe dando um beliscão no braço, e aproveito disso e dou outro
passinho para o lado, me afastando de Marrie. — Estou com o recheio
pronto, e agora sem o pato, o que vou fazer...
— O que fizer tenho certeza de que será divino, Marrie! — grito,
falando por cima do ombro, correndo em disparada com o pato para longe
da cozinha.
— EVA... EVA, VOLTE AQUI COM ESSE PATO...
Os berros de Marrie ficam altos, enquanto eu corro, rindo, tendo o
pato gralhando embaixo do meu braço, como se estivesse feliz por ter
sobrevivido novamente. Os olhos azuis do homem, sentado na cadeira atrás
da mesa, dentro da biblioteca, se erguem para mim assim que abro a porta, a
fechando atrás de mim. Sir Hector solta a caneta em cima dos documentos
que estava trabalhando, se reclinando na cadeira e olhando da minha face
para o animal em meus braços.
— Presumo que isso deva ser nosso almoço. — Ele ergue seus olhos
para mim e me dá um olhar cínico. — E os gritos que ouvi eram de Marrie,
ao notar que novamente ficará sem fazer seu famoso pato assado.
— Penso que podemos abdicar de pato em nossa alimentação, talvez
ela tenha um dom para assar peixe e não saiba! — Comprimo um riso,
andando apressadinha na direção da janela e a abrindo.
Abro e escancaro suas folhas, prendendo o pato em minha mão, me
apoiando na janela e inclinando meu corpo para frente, até o deixar perto do
gramado, do outro lado, o soltando.
— Se ela te pegar de novo, porque você insistiu em ficar passeando
no jardim, a provocando, vou fazer de conta que não ouvi seus gritos de
socorro e deixar ela te assar! — Enxoto ele, balançando meus dedos para
que ele fuja, enquanto rio.
Apoio meus dedos na janela e retorno meu corpo para trás, rindo.
Sinto o quadril se chocar contra o meu, me prensando na parede.
— Talvez peça para Marrie fazer pato todo dia. — A voz de Hector
soa rouca, com ele segurando minha cintura. Meu rosto gira e olho por cima
do meu ombro para ele. — Assim você me presenteia com essa visão do seu
rabo empinado, com seu corpo inclinado na janela.
Rio quando ele enlaça minha cintura, me ajudando a arrumar e me
virando para ficar de frente para ele. Meu corpo é erguido rapidamente e ele
deposita minha bunda na janela, ficando com seu quadril entre minhas
pernas. Sua mão se mantém firme em minha cintura, a segurando. Sorrio e
enlaço seu pescoço, inclinando meu rosto para o lado.
— Penso que não precisamos do pato para monsieur ter a visão da
minha bunda. Noite passada passou bastante tempo admirando-a...
— Encantadora, diga-se de passagem, tanto que... — Sua cabeça se
aproxima e seus dentes raspam meu queixo, me fazendo rir. — Estou
inclinado a admirá-la um pouco mais, pécheur.
Me encolho e rio quando ele morde meu ombro, abraçando minha
cintura e se aproximando um pouco mais. Minhas pernas enlaçam seu
quadril e suspiro de mansinho, sentindo seus dedos deslizarem sobre minha
face, com ele me acariciando.
— Quer me contar sobre os sonhos que anda tendo, pequena? — Os
olhos de Hector ficam fixos aos meus, estudando minha face. — Sonhos
que lhe deixaram agitada na cama.
— Sonho, eu nem me lembro se sonhei essa noite, sir. — Rio e nego
com a cabeça. — Acho que meu corpo estava tão esgotado, do tanto que foi
admirado por sua mão, sua boca e seu pau, que acabei simplesmente
apagando.
Hector não desvia seus olhos dos meus, enquanto me olha,
esperando sua resposta. Abaixo minha face e mordo o cantinho da minha
boca, olhando para os botões abertos da sua camisa, deixando meu sorriso
morrer.
— Foi com Freire? — Ele segura meu queixo e me faz olhar de
volta para ele.
— Não... — Nego com a cabeça, não entendendo esse sonho que
tive. Eles haviam começado depois que me despedi de Stella em Paris.
— Alguma memória nova? — Nego com a cabeça novamente para
ele.
— Eu não os entendo, penso que devem ser só sonhos mesmo, e não
memórias antigas, apenas sonhos. — Sorrio para ele, o olhando quando sua
mão me acaricia. — Não é dor, nem tem Sophia ou a madre, são apenas
sonhos, está tudo bem, sir Hector.
Sorrio quando ele beija meus lábios lentamente e o abraço,
escondendo meu rosto em seu peito, soltando um suspiro e fechando meus
olhos. Me sinto tão em paz como nunca me senti em toda minha vida, não
quero pensar nesses sonhos, não agora. Os deixaria vir me visitar à noite,
como eles fazem sempre quando fecho meus olhos.
— Alguma notícia de Sieta, se ela achou minha irmã? — indago,
baixo, e abro meus olhos, os deixando perdidos no chão.
— Ainda não. Conversei com ela na noite passada, disse que tinha
encontrado uma pista bem forte, me explicaria depois, apenas me pediu
para aguardar, que ela entraria em contato — Hector fala sério e afasta sua
face lentamente de mim.
— Acha que minha irmã está lá também?
— Tenho quase certeza de que sim. — Ele empurra meus cabelos
para trás e me dá um olhar carinhoso. — Não precisa se preocupar, Sieta vai
trazê-la em segurança. — Ele me olha com mais atenção. — Tem mais
alguma coisa lhe preocupando, pécheur.
Na verdade, eu não sei. Freire havia mexido tanto em minha mente,
que não sei o que é mais real ou mentira, então me calo e apenas nego com
a cabeça.
— É apenas ansiedade, não vejo a hora de conhecê-la... — Sorrio
para Hector e inclino minha face para frente, lhe dando um beijo. —
Apenas isso, monsieur.
Ele me abraça com carinho, da mesma forma que o faço, enquanto
meu rosto fica em seu ombro, tendo meu olhar preso no chão, no mesmo
momento em que a imagem que parece ser tão real brilha em minha mente.
Escuto o baixo som dos dentes batendo com frio, com alguém se
encolhendo deitado perto de mim. Me arrasto e me aproximo, abraçando
suas costas ao mesmo tempo em que lhe aqueço. Sinto seus dedos se
prenderem aos meus e um suspiro sai dos seus lábios.
— Eu te amo, Eva — murmura para mim.
— Eu também te amo, Adam!
Não sei se é real, ou se é apenas alguma mentira que Freire plantou
em minha cabeça, mas eu o via. Via ele em meus sonhos todas as noites
quando fechava meus olhos.
Adam.
 
Fim!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Ordem das Messalinas
 
 
 
 
 
MICAL – Livro 3
 
 
 
 
Caroline Andrade
 
CAPÍTULO 1
 
Purgatório de Mical
 
Seita Gregovivk
 
República de Malta – Sul da Europa
 
— Tem certeza mesmo? — Desvio meus olhos do prédio imundo à
minha frente, para encarar Persa, um dos homens de Hector Pellegrini que
está trabalhando comigo em Malta, desde o dia que cheguei a esse lugar.
— Absoluta! — O ruivo alto balança sua cabeça em positivo,
mantendo a mesma certeza em seu olhar de duas horas atrás, quando me
contou o que alguns informantes dele pela ilha tinham ouvido.
— Persa, juro por Deus, que se fizer eu perder tempo entrando nesse
lixo de lugar, apenas por causa de uma fofoca, Hector terá que procurar
outro representante para vender a droga dele em Malta!
— Não estou mentindo, juro para você, Sie — ele diz, rindo, e abre
seus braços. — Não confia na palavra de Persa?
— Nem um pouco — rosno, baixo, o olhando. Persa não é um
homem mal, ao contrário, é até útil, esperto e ligeiro, mas com um grande
desvio de caráter que me leva a acreditar que ele venderia sua própria mãe,
se isso lhe desse algum lucro. — Se passar pela minha cabeça, em um
segundo sequer, que você esteja me sacaneando e me levando para uma
armadilha, acho bom rezar para me matarem, porque, do contrário, vou
foder seu rabo com a minha arma, e quando ela estiver enterrada bem
fundo, irei apertar o gatilho!
— Não fale assim comigo, sabe que já estou apaixonado por você.
— Ele leva sua mão ao coração e faz cara de fingido. — Se continuar me
ameaçando desse jeito, vou cair de joelho e beijar seu pé, boneca!
Meus dedos se erguem enquanto giro, revirando meus olhos com a
cara de pau de Persa, dando sinal para os outros homens cercarem o
perímetro.
— Fique aqui, eu vou entrar! — falo ríspida para ele, não lhe dando
muita confiança.
Me afasto dele e ando devagar, abaixando minha camisa para
esconder minha automática, caminhando lenta na direção da porta. Meus
dedos a empurram, enquanto ainda estou em dúvida se devia ter perdido
mesmo meu tempo vindo aqui, ao invés de manter minha vigília na porta da
casa de Cornélio Lontra. Estou há dias monitorando o lugar e tinha
conseguido infiltrar escutas e câmeras dentro da casa dele, com a ajuda dos
homens que Hector deixou sob minhas ordens. A ruiva que estava
hospedada dentro da casa dele tinha desaparecido, nenhuma mulher entrou
ou saiu daquela casa sem ser o flácido europeu, que mais parece uma raposa
gigante com bigodão.
Mas Hector estava certo, Valéria estava aqui. Havia invadido o
sistema aéreo da França, vasculhando qual voo tomou a rota de Paris para
Malta no dia que os homens de Hector o perderam, e um único avião
particular foi fretado para cá. Repassei para Czar, que conseguiu acessar o
sistema das câmeras, que mostrava a loira de costas caminhando na direção
do avião. Tinha deixado um homem em cada ponto que seria possível ela
fugir de Malta. Valéria estava aqui, em algum buraco, escondida, e não
importa quanto tempo isso demore, eu vou achá-la.
Só que foi outra coisa que me fez vir para esse lixo de lugar, o qual
observo com desgosto, passando meus olhos por cada canto, notando alguns
clientes bêbados, sentados com garotas em seus colos, e um palco ao centro,
com uma barra de ferro tendo uma stripper se apresentando. O odor de
bebida e fumaça de cigarro se espalha pelo ar.
— Perda de tempo. — Ergo meus dedos e esfrego minhas têmporas.
Se não fosse a informação que deram a Persa, que nesse antro de miséria
uma pessoa atendia seus clientes pelo nome de Mical, eu nem teria vindo
aqui perder o meu tempo.
Mas eu me conheço, sei que não iria conseguir dormir se não viesse
pessoalmente averiguar isso. Afinal, sendo bem franca, quantas putas se
apresentam aos seus clientes com esse nome? Algo dentro de mim não está
encontrando a correlação disso com Valéria, esse lugar precário, as
vagabundas com olhos abatidos e faces anêmicas. Valéria não se encaixa
aqui, muito menos uma Messalina, já que a intenção de Valéria em criá-las,
era as transformar em presentes de Elite, algo inestimável. Uma Messalina
valiosa, como Valéria a fez se tornar, seria algo perdido dentro de toda a
depravação desse estabelecimento.
— Um copo de vodca, por favor. — Paro perto do bar e levo minha
mão ao bolso da calça, retirando uma nota e deixando-a no balcão, falando
com o barman que está de costas.
O homem de estatura mediana, com uma camisa havaiana, se vira
para mim, me fazendo olhar sua face séria que me encara.
— Que está procurando aqui, docinho?
Empurro o dinheiro um pouco mais para ele e estreito meu olhar.
— Um copo de vodca, e não me chama de docinho! — rosno, baixo,
semicerrando meu olhar.
 Dou as costas para ele e fico séria, vasculhando o perímetro. Três
janelas ao Sul possuem seus vidros pintados de preto, um corredor mal
iluminado com uma luz vermelha ao canto, e os banheiros ficam ao Norte.
— Então, o que posso servir para você, além de vodca? — Meu
rosto gira para o barman, que empurra o copo de bebida para mim e me
olha com curiosidade.
— Me disseram que alguém aqui podia me fazer feliz por algumas
horas. — Seguro meu copo e o entorno de uma única vez, repuxando meu
nariz ao sentir o gosto da bebida vagabunda que ele me serviu.
Ele olha para mim com mais interesse, de cima a baixo, me dando
um sorriso lento.
— Depende do que está procurando, aqui se encontra tudo, para
todos os gostos.
— Mical, estou procurando por Mical. — Ele demonstra surpresa e
arqueia sua sobrancelha.
— Jura? — Sua voz é carregada de deboche enquanto me observa.
— Por um momento pensei que não curtia essas coisas.
— Vai por mim, não vai querer saber o que eu curto! — Estreito
meu olhar, sabendo que minha paciência está por um triz. — Onde encontro
Mical?
— Por sorte, Mical está disponível. Segue o corredor, é a última
porta à esquerda. Apenas precisa bater três vezes antes de entrar. Pode
acertar no quarto, quando acabar o serviço.
Balanço minha cabeça em positivo para ele e dou um leve tapa no
balcão, me direcionando para lá. Observo o corredor estreito, sem janelas,
apenas portas. Ao me aproximar da porta que o barman indicou, bato três
vezes, como foi dito, antes de girar a maçaneta e abrir. Entro no quarto e
observo a cama arrumada ao centro, com uma luz vagabunda acesa, e um
odor de morango com baunilha dentro do cômodo, que faz meu nariz
apreciar muito mais esse cheiro do que o fedor de perfume de puta, bebida e
cigarro que tem do lado de fora.
— Olá, o rapaz do bar me mandou entrar... — digo séria e giro meu
corpo, estudando o quarto sem janelas, apenas paredes, e uma porta à
esquerda, com cortinas de bolinhas de madeira que a cobrem. — Eu devia
meter uma bala na cabeça do filho da puta do Persa! — Ergo meus dedos e
esfrego minhas têmporas, murmurando chateada, me sentindo cansada.
Nesses últimos dias ando no meu limite, caçando a cadela de Valéria.
— Pode se sentir à vontade, eu já entro.
Uma voz baixa fala mansamente, vindo da direção da porta com
cortinas de bolinhas, o que me faz erguer meu rosto e abaixar meus dedos
ao lado do corpo.
— É um homem! — falo, surpresa, ao ouvir sua voz.
— Desde o último segundo que me olhei, acho que sim! — ele me
responde, rindo, enquanto o som de uma gargalhada alegre se faz.
Viro meu rosto para a cama, ainda não compreendendo, piscando
rapidamente.
— Está de sacanagem! — rosno, baixo, sentindo ódio de Persa.
— Normalmente, é isso que as pessoas buscam quando entram nesse
quarto. — Ele ri novamente, uma risada tranquila, que me faz gostar do
som dela. Há dias não escuto uma risada, nem lembro quando foi a última
vez que eu ri. — Já está sentada na cama?
— Não! — Arqueio minha sobrancelha e olho novamente a cama
vagabunda, não desmerecendo o capricho e cuidado com a forma que ela
está arrumada, apenas não sentindo vontade de sentar em uma cama onde
outras pessoas fodem. — E nem pretendo.
— Prefere de pé...
— Olha! — Inalo o ar com força e rio com raiva. — Não quero te
desmerecer, mas estava esperando outra coisa quando entrei aqui.
— As pessoas sempre esperam algo quando entram aqui. — Nego
com a cabeça, sabendo que ele não tinha entendido.
— Não estou aqui atrás de sexo, ok?! — Eu perdi meu tempo. Podia
ter continuado vigiando a casa de Cornélio, mas, ao invés disso, estou
perdendo meu tempo aqui, por conta de uma palhaçada de Persa.
— Isso é algo que me deixa curioso. — Meu rosto se ergue na
direção da porta com cortina de bolinha e a olho, ouvindo a voz vindo de lá.
— Acho que é a primeira vez que alguém entra nesse quarto e me fala isso.
— Eu sinto muito por lhe atrapalhar — rosno com raiva, sabendo
que quando sair daqui, meu punho vai estourar a cara daquele ruivo. —
Droga!
Caminho na direção da porta, me sentindo uma burra por ter dado
ouvido aos meus instintos em querer verificar isso pessoalmente, mesmo
meu cérebro me alertando que seria perda de tempo.
— Espere, não precisa partir. — A voz fala com mais calma,
enquanto solta um suspiro. — Já está aqui dentro, Trevor não vai me
mandar outra cliente mesmo, a próxima ele vai encaminhar para outro
garoto, já que você me solicitou.
— Merda! — Abro minha jaqueta e retiro minha carteira, me
virando ao entender o que ele fala. — Escuta, me diga quanto é sua noite e
eu lhe pago, assim te recompenso por fazer perder sua vez comigo. Eu não
tinha ideia que era um homem, estava procurando outra coisa...
— Não disse isso para você me pagar, apenas falei a verdade, não
precisa sair agora. — Escuto o som dos passos dele, enquanto caminha no
outro lado do cômodo. — Por que não me diz o que está procurando?
Talvez eu possa te ajudar a encontrar.
— Acho muito difícil. — Solto um estalo com o canto da boca,
olhando a carteira. — Quanto lhe devo?
— Nada, não cobro pelo que não forneço. — Ergo meu rosto para a
porta novamente, não gostando de saber que de alguma forma o erro de
Persa tinha ferrado com o dinheiro no rapaz. Não tenho nada contra garotos
de programa e sei que é o trabalho dele.
— Diz o preço, para eu poder sair! — Retorno a pedir para ele dar o
valor que ele cobra pela hora.
— Se eu não cobrar, vai continuar aqui? — ele pergunta e dá um
risinho. — Realmente não é como as pessoas que entram aqui...
— Isso porque eu não entrei aqui atrás de uma foda! — Fecho a
carteira com força, deixando minha voz sair um pouco ríspida. — Se
quisesse um pau, eu arrumo, não pago por ele.
— Eu também não aprovo a forma como eu sobrevivo, mas é o
único jeito que eu conheço. — Abaixo meu rosto e noto uma pontada de
tristeza em sua voz, o que faz eu me sentir uma cadela por de alguma forma
ter o ofendido.
Estou com raiva, zangada com Persa, cansada por estar há dias sem
dormir, caçando a cadela da Valéria, mas não tenho o direito de descontar
minha frustação nele.
— Não quis dizer isso, lamento se fui grossa. — Esfrego meu rosto,
me sentindo ainda mais estressada. — Eu apenas ando...
— Nervosa. — A voz dele suaviza outra vez, enquanto ri baixinho.
— Está tudo bem, eu sei que não quis ser grosseira, e sei que também está
chateada. Pude notar pelas batidas fortes da porta e sua respiração pesada
quando entrou.
Viro meu rosto e encaro a porta fechada, nem sequer tinha percebido
que bati com muita força, apenas queria entrar logo aqui e acabar com isso.
— Por que não me diz o que está procurando? Pelo menos, se eu
não puder lhe ajudar, vai ter conversado comigo um pouco. Isso para mim é
uma coisa rara de acontecer, um pouco de conversa para mim é mais
valioso que o dinheiro que deseja me pagar.
Noto um traço grande de solidão ficando explícito em sua voz,
enquanto me pede para ficar um pouco mais e conversar com ele.
— Estou procurando uma mulher. — As palavras saem da minha
boca, enquanto ainda tento entender porque não saio daqui. — Disseram
que tinha alguém aqui com o nome de Mical, por um acaso conhece?
— Está procurando Mical? — Ouço a voz dele sair risonha,
enquanto fala de forma divertida, como se achasse graça.
— Você a conhece? Tem realmente alguém aqui que atende por esse
nome? — Me afasto da porta e dou um passo à frente, ficando séria e
encarando as cortinas.
— Sim, realmente tem, e sim, eu também conheço. — Posso ouvir
os passos dele enquanto caminha.
— Pode me dizer onde encontro Mical? — pergunto, ansiosa, tendo
meus instintos ficando agitados mais uma vez.
Dou um passo à frente novamente, mas congelo quando a cortina de
bolinhas de madeira se mexe. Encaro em silêncio o corpo esguio e de
estatura baixa, pele negra, que brilha por conta do óleo aromático, fazendo
o odor de morango com baunilha ficar mais doce ao entrar em minhas vias
respiratórias. O corpo é liso, sem pelos, magro, com desenhos perfeitos nos
gomos da sua barriga. Seu pau está murcho, mas ainda assim é possível ver
como é longo e grosso. É alguns centímetros menor do que eu e tem cabelos
compridos, com um liso encaracolado caindo até os ombros. Os olhos
negros me encaram por trás da máscara vermelha de couro de coelho.
— Julgo que não a encontrou porque não exista nenhuma Mical
aqui. — Pisco, confusa, não entendendo, já que ele acabou de dizer que a
conhecia. Seus braços se erguem e ele tira a máscara da face, a jogando em
cima da cama. — Agora se está procurando por Micael, sou eu.
Sinto como se um soco forte acabasse de me atingir, tendo uma
versão masculina de Eva diante de mim. Lábios grossos, com olhar
inocente. Seus cílios longos batem lentamente, enquanto me encara, me
olhando curioso.
— Porra!
 
Continua...
AGRADECIMENTOS
 

O que posso dizer de Hector e Eva, a não ser que amei escrever cada
palavra da história deles, que não imaginava quão bela seria?!
Agradeço de coração a todas as pessoas que fizeram parte desse
projeto. Às minhas colaboradoras, que sempre fazem sucesso na revisão,
enriquecendo ainda mais a história.
Agradeço sempre à minha doce Val, por estarmos juntas em mais
um projeto, por todo seu apoio e carinho.
Agradeço especialmente a você, meu leitor, por se permitir
desbravar esses mundos novos que eu lhe apresento. Aguardo por você no
último livro da série: A Ordem das Messalinas: Mical.

OUTRAS OBRAS
Outras obras:
Séries:
KATORZE - LIVRO 1
PAOLO A RENDIÇÃO DO MONSTRO - LIVRO 2
PAOLO O DESPERTAR DO MONSTRO - LIVRO 3
 
ATENÇÃO: contém cenas eróticas e gatilhos que podem gerar desconforto. não indicado para
menores de 18 anos.

 
 

Quando um pesadelo deixa marcas. Quando em um dos piores momentos,


nasce uma luz para guia-la. Quando ela se apaixona por seu algoz e finalmente
tudo está na mesa, o desejo carnal e selvagem se revelam. Mas a ferida agora,
está aberta.
Vocês irão odiá-lo, cobiçá-lo e até mesmo desejá-lo. Conheçam Daario Ávila e
embarquem em uma aventura na Espanha, regada de erotismo e reviravoltas
de tirar o fôlego. Será que o príncipe encantado, pode se tornar um pesadelo?
 

 
Criado como um animal de estimação desde criança, entre a sarjeta e os
abatedouros da fazenda Ávila, Paolo se tornou o cão de ataque perfeito de
Joaquim Ávila, um animal feroz, sem remorso, sem empatia. Moldado pela dor
e degradação, é uma alma condenada e vazia, que sente gosto de liberdade
quando sua coleira invisível é quebrada. O destino, contudo, o leva, entre a
vida e a morte, pelas as águas turbulentas do rio, até os cuidados da pequena
Yara.
Em um ímpeto de desespero pela morte que o chama em seu leito, Yara
faz de tudo para salvá-lo, até o que não deve. A pequena boneca solitária só
não sabia que quem ela salvava não era apenas um forasteiro com faces
tristes, mas sim um monstro que traz em seus olhos tanta morte quanto o cano
do seu .38.
Yara entende de monstros. Teve seu caminho cruzado por um, que a
deixou marcada para sempre. Mas ali, diante da face do mal encarnada entre
os olhos marrons daquele forasteiro, que traz uma dor tão antiga, não é medo
que sente, mas sim sua luz, que se liga à escuridão dele.
 
Tudo nessa vida tem um preço, e Yara sabia disso quando salvou a vida
do monstro que entrou em seu caminho. Tendo que escolher entre o homem
que amava e os frutos dessa paixão que cresciam em seu ventre, partiu,
deixando-o sem olhar para trás. O que ela não sabia é que sua magia deixou
rastros, e agora algo muito pior vêm atrás dela.
Seu mundo desaba quando suas filhas são levadas por um mal maior, e
o destino brinca com a pequena bruxa, colocando-a frente a frente com o
homem que tanto assombrou suas lembranças por longos anos.
O monstro se perde assim que seus olhos pousam na pequena mulher
solitária que vê em seus sonhos, e que agora está em carne e osso na sua
frente. Algo dentro de Paolo desperta, puxando-o para ela cada vez mais, sem
entender o que os liga.
O Cão e a Bruxa estão de volta em mais uma batalha.
Yara lutará com toda sua força para ter suas filhas de volta. No meio da
sua jornada, precisará mostrar ao monstro o poder e a força da magia do amor,
e encarar a ira de cinco anos longe dos olhos tão sombrios quanto o portão do
inferno.
Poderá o cão de caça perdoar a bruxa que o jogou no limbo por cinco
anos, sem despertar o monstro que habita nele?
 

 
Um inimigo antigo uniu os irmãos Ávilas em uma derradeira vingança. Daario e Paolo juntos, lado a
lado, abriram as comportas do inferno, trazendo carnificina e sangue para aqueles que machucaram
suas famílias.
A cada percurso da caçada, em uma busca cruel e implacável pelas suas mulheres, os monstros
estavam famintos por morte e justiça, fazendo aliados poderosos e alianças inquebráveis, deixando
um rastro de corpos por onde passavam.
A pequena bruxa Yara encontrou forças para lutar pela sua sobrevivência e do seu filho quando a
destemida pantera Katorze cruzou seu caminho de uma forma inesperada. As duas mulheres traziam
fé em seus corações de que seus monstros iriam libertá-las, afinal nem todo predador é fatal, mas
todos os monstros Ávilas criados pelo cruel Joaquim são assassinos.
 
Um amor além do tempo, do universo, do grande desconhecido. E se nada fosse o que realmente é? E
se entre seu mundo tivesse outro, onde magia e realidade se chocassem? Onde uma maldição foi
imposta, obrigando um príncipe do submundo a enxergar com outros olhos a raça que ele julgava a
mais inferior de todas. Onde fosse condenado a vagar por eras e eras em busca de uma estrela
solitária.
E se nada fosse o que é?
 

 
Uma maldição rogada por um erro cometido no passado faz Jesse correr contra o tempo, para
conseguir se libertar antes que a Lua de sangue se erga. Porém, o que para ele é maldição, para
Constância significa liberdade. Um segredo do passado entrelaça o futuro dos dois, mas Jesse não
imagina que a única pessoa que poderá libertá-lo é a mesma que poderá odiá-lo pelo erro que
cometeu.

 
Maria Eloiza estava acostumada com a batalha diária que a lavoura tinha e com o esforço sobre-
humano que seu trabalho lhe trazia. Seguia batalhando mais uma vez, atrás de outra usina, dando
graças a Deus quando essa apareceu, mas nunca imaginou que o canavial lhe traria mais do que já
estava acostumada a ter, até se perder nos olhos mais verdes que as plantações de cana.
Pedro Raia trazia o legado de sua família junto com ele. Mesmo renunciando aos sonhos que tinha,
aceitou voltar para casa quando foi convocado, cuidando de perto de cada um que entrava em suas
terras, pois nunca foi de ficar dentro de quatro paredes. Sua paixão pela terra era antiga, desde
menino trabalhava na lavoura. Gostava da terra em suas mãos, sabendo que era dali que vinha toda
sua essência. Mas sua vida mudou quando, entre mais uma remessa de boia-fria, a pequena cabocla,
com olhos assustados, lhe mostrou o mais puro brilho de sua alma. Dois mundos, que andavam entre
linhas finas, se chocaram. A realidade de um contra a vida do outro.
 
A vida sempre foi puxada para Maria Rita, fazendo-a se tornar o alicerce da sua casa e a moldando
para ser a presença materna e paterna para suas irmãs. Não é de riso fácil, e muito menos de ser
dobrada por homem, mas algo muda em sua vida quando seus olhos se cruzam com o peão chucro,
Zeca Morais. Ele fará de tudo para laçar a mulher endiabrada, que faz seu coração disparar. Um amor
nasce sem freios entre os dois em meio aos cafezais. E juntos terão que enfrentar um grande inimigo,
que fará de tudo para acabar com a vida de Zeca Morais.

João Paulo Guerra ama a vida que leva, sem ter que dar satisfação do seu destino para ninguém. No
entanto, ele tem apenas uma fraqueza, a qual nunca permitiu nem sequer se aproximar, pois é a sua
perdição. Uma criatura pequena, de boca atrevida, que sempre lhe provoca. A cada dia está mais
difícil ele esconder o sentimento que aumenta dentro do seu peito por Maria de Lurdes. Mas, entre
intrigas, mentiras e maldades que rondam Maria de Lurdes e João Paulo, eles se aproximam,
especialmente quando Maria é condenada por toda a cidade, com injúrias e calúnias sendo desferidas
contra ela. Porém, há um mal maior a espreitando, o que faz com que João jogue as cartas na mesa e
mostre o lado cruel da família Guerra para defender a pessoa que ama.

 
Para conseguir se livrar da maldade do pai e de todo sofrimento que Manoel Arena lhe empunhava,
para manter o poder da herança que sua mãe deixou sob os seus cuidados, Madalena aceitou a
proposta de se casar com o taciturno homem de olhar sombrio chamado Tião Raia. Um casamento de
conveniência, onde Madalena poderia partir para bem longe da cidade e Tião Raia poderia usufruir
de todo o poder que a afortunada herança de Madalena tinha. Caminhos se separaram, com cada um
seguindo sua vida, mas cinco anos depois, Madalena retorna, não mais como a menina sofrida que
tinha partido, levando apenas um beijo de despedida do seu sombrio marido. E Tião Raia, que
conseguiu se tornar o novo prefeito da cidade, tem uma surpresa quando a mulher vistosa e cheia de
vida, com uma beleza encantadora e olhos felinos, bate em sua porta, vindo atrás do divórcio, não lhe
lembrando em nada a desnutrida menina com quem seu irmão lhe obrigou a casar. A guerra entre
prefeito e primeira-dama é declarada no primeiro contato, arrancando farpas e faíscas de uma atração
fatal, que desperta amor e ódio na mesma medida.

Recomendando para maiores de 18 anos


Este livro pode conter gatilhos para sexo explícito, assassinato, palavrões e tortura.
 

 
AVISO DE ROMANCE DARK
NÃO RECOMENDADO PARA LEITORES SENSÍVEIS.
CONTÉM CENAS DE VIOLÊNCIA, SEXO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL, INCESTO,
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, RELACIONAMENTO PERVERSO E NARCISISTA,
TRANSTORNO MENTAL E LINGUAJAR INAPROPRIADO PARA MENORES DE 18
ANOS.
PODE ACIONAR GATILHOS EMOCIONAIS.

Ginger Fox embarca para a Austrália, com destino a uma ilha remota, cheia de mistérios e segredos
escondidos entre as paredes da mansão Roy. O que começou como uma aventura, se transforma em
perigo quando recebe a proposta de um jogo erótico e envolvente, tão pecaminoso quanto os
pensamentos devassos que ela nutre pelo seu anfitrião. O que Ginger não sabe, é que seu oponente,
Jonathan Roy, é um astuto tratante, que a prende cada vez mais entre suas teias de sedução. E em
meio à sua curiosidade descabida pelo jogo, mais fundo ela se perde no mundo sadomasoquista, e a
paixão avassaladora por seu mestre a leva às últimas consequências. Ginger lutará para conseguir
sobreviver no mar de piche e mentiras que soterram a grande mansão da família reclusa.
 

 
Mabel embarca para Moscou atrás de esquecer o passado, mas os demônios
nunca deixam seus condenados por muito tempo. Mabel descobrirá muito
mais do que apenas prazer quando adentrar em Sodoma, sendo envolvida
em um jogo perigoso por um sedutor e charmoso russo. Czar Gregovivk
despertará Mabel da vida monótona que ela vive por tantos anos,
reprimindo seus desejos. Um enlace do destino a leva direto para o mais
letal oponente que já cruzou sua vida. De volta ao jogo em Sodoma, em
uma trama repleta de sedução, luxúria, perversidade e prazer, com ameaça
de novos e velhos inimigos que os espreita. Até onde você aguentaria a
submissão, antes de dizer GOMORRA?
 

 
A busca de Sodoma pelas Messalinas se inicia, e a primeira delas é
Salomé. Uma tempestade em forma de mulher, que vai virar o mundo do
controlador egípcio, Ramsés, de ponta-cabeça, testando seus limites e seus
desejos, ao se ver enfeitiçado pela terrível criatura sexy que sempre o
desafiava e que lhe cativou com sua inocência. Uma história de amor
completamente recheada de aventura, romance e muita sedução, onde pela
primeira vez em Sodoma, um mestre se transformará no submisso de uma
Messalina.
AVISO DE ROMANCE DARK. NÃO RECOMENDADO PARA LEITORES SENSÍVEIS.
CONTÉM CENAS DE VIOLÊNCIA, SEXO, VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, TORTURA E
LINGUAJAR INAPROPRIADO PARA MENORES DE 18 ANOS. PODE ACIONAR GATILHOS
EMOCIONAIS.
 
 
Saila perdeu sua paz quando o novo acionista majoritário de onde trabalha chegou para tomar posse
do comando da empresa. O irresistível homem de olhar sexy estava levando-a à loucura a cada sonho
erótico que ela tinha, o tendo como seu personagem principal, a seduzindo, acabando com sua
lucidez e encharcando suas calcinhas. E por um grande descuido de um celular com a câmera ligada e
uma ajudinha do destino, a vida de Saila vira de pernas para o ar quando um vídeo dela desabafando
seus desejos mais lascivos e pecaminosos com seu charmoso chefe, viraliza nas redes sociais,
explodindo na internet.

ATENÇÃO: CONTÉM CENAS DE SEXO E LINGUAJAR INAPROPRIADO PARA MENORES


DE 18 ANOS
 
 
Únicos
 

 
ATENÇÃO: CONTÉM CENAS ERÓTICAS E GATILHOS que podem gerar desconforto. NÃO
INDICADO PARA MENORES DE 18 ANOS.
 
Se me perguntarem se já era amor desde o início, garanto-lhe
com as minhas palavras salgadas pelas lágrimas que sim. Eu já o
amava antes do princípio, assim como no meio e fim. Nosso amor
mórbido e louco nos unia em nossa agonia chamada vida.
Se existia um inferno, eu iria para lá por ele, pois onde mais
dois pecadores poderiam descansar suas almas negras manchadas
pelos pecados da carne? E então, eu fui. Joguei-me de cabeça em seu
mundo. Conforme trazia Ben para mais perto de mim a cada sonho, a
cada parte dele que eu salvava, uma parte minha ficava presa em
seu labirinto. Em meu peito, onde batia um coração de uma menina
apaixonada, não importava em quantos pedaços eu teria que destruir
minha alma para salvá-lo, pois a loucura que o habitava era a mesma
que tinha morada fixa em meu coração.
Lizandra, essa sou eu, ou a sombra de quem eu fui um dia.
 

 
 
ATENÇÃO: CONTÉM CENAS DE SEXO E LINGUAJAR INAPROPRIADO PARA MENORES
DE 18 ANOS
Zelda estava preparada para tudo em sua vida: uma híbrida latino Afro-Americana com sangue
quente que desejava apenas ter uma chance para mostrar que não veio ao mundo para brincar. Queria
um lugar ao sol entre as indústrias de construção civil. O que ela não imaginava, no entanto, ao
aceitar o estágio na Indústrias Ozbornes, era que, junto com a porta do seus sonhos ao mundo do
negócios, também se abriria a porta dos desejos e fantasias quente como o inferno: seus dois chefões
em ascensão.
 
 
Quatro mulheres desesperadas por apenas uma noite de folga e por um segundo de descanso ganham,
misteriosamente, um sorteio relâmpago de rádio, que tem como prêmio uma estadia nas suítes
luxuosas do novo hotel da pacata cidade.
Cada uma tem sua história e seus segredos, mas todas trazem uma coisa em comum: desejos
reprimidos.
O Dia das Bruxas nunca mais será o mesmo para elas.
Não deixem de perder essa deliciosa noite de Halloween, principalmente se for uma menina malvada.
 

Handrey, junto com seu irmão Jonny, participava ativamente de um grupo de neonazistas violentos,
pregando a supremacia branca. Seu destino mudou ao encontrar o corpo do seu irmão junto a um
homem negro dentro do seu apartamento, ambos sem vida. Ele nutriu apenas ódio e autodestruição
por catorze anos, jogado dentro da penitenciária federal, almejando apenas uma chance de descobrir
quem era o verdadeiro assassino do seu irmão. Sua chance veio acompanhada de um pro bono
misterioso, que lhe deu sua liberdade provisória.
O homem passou a ver as coisas de uma maneira diferente ao se deparar com Eme, uma stripper
negra que o levou a questionar uma doutrina de uma vida inteira. Ele já não se sentia mais à vontade
com o grupo neonazista.
Quando corpos mutilados de mulheres negras e imigrantes começaram a aparecer pelas ruelas do
porto, assombrando todas as garotas de programa ao descobrirem que tinha um assassino em série
que matava por esporte, Handrey percebeu que mais alguma coisa tinha escapado junto com ele do
esgoto imundo que era seu passado.

 
Dylan Ozborne sabia que a pior época da sua vida era dezembro. Ainda não acreditava que seu irmão
havia o obrigado a ser o Papai Noel para o evento beneficente.
Elly poderia ter sido a boa menina o ano inteiro, mas deixou para ser a menina má justamente três
dias antes do Natal, indignada com o nada bonzinho e muito menos velhinho Noel. Então resolveu se
vingar do tirano e por fim lhe dar uma lição que nenhum
 

 
Sedrico Lycaios, mais conhecido pelas noites quentes regadas às promiscuidades de Chicago, como
uma divindade do prazer, é proprietário do clube peculiar, nada ortodoxo e, sim, envolvente e
pecaminoso: a Odisseia, onde proporciona todas as experiências desejadas por seus clientes, para
aplacar seus prazeres mais obscuros. Mas, como todo semideus, Dom Lycaios tem sua fraqueza, e é
entre as paredes do seu templo da perdição que se vê sendo fisgado pela doce inocência de Luna, a
dançarina exótica, tão silenciosa e misteriosa, que o prende a cada movimento do corpo dela. Uma
perfeita sugar baby, que desperta o interesse do sugar daddy que ele traz aprisionado no canto mais
obscuro do seu ser. Luna não tem chances para escapar das manobras do implacável homem, que a
envolve em suas teias de aranha. Afinal, o prazer sempre fora o maior império de Sedrico.

Yane Rinna tem sua vida mudada da água para o vinho quando se torna testemunha principal de um
assassinato. Ela se vê obrigada a entrar em um disfarce para garantir sua segurança até o dia do
julgamento. E de uma stripper desastrada, inteiramente azarada, se torna uma freira monitora de
quatro adolescentes rebeldes. O que ela não imagina é que no último lugar que poderia sonhar, o
amor e o desejo puro estarão no ar. Dener Murati, o vizinho aristocrata do convento, tem seu
autocontrole testado por uma fajuta freira sexy, nada santa, que invade sua residência para se
refrescar na calada da noite, pelada, em sua piscina. A pequena feiticeira que o encanta vai virar sua
vida meticulosamente organizada de cabeça para baixo.
 
 
Cristina Self passou anos reclusa em seu mundo seguro, o qual criou para si mesma depois de uma
separação conturbada e violenta. Até que seu caminho se cruzou com o notório advogado
criminalista Ariel Miller, conhecido nos tribunais por seu cinismo e frieza calculista. Seduzida pelo
magnetismo que ele possui, a encantando com seu olhar intenso, Cristina se desprende do seu mundo
seguro, se permitindo se perder por uma única noite no calor dos braços do charmoso homem. Mas o
que Cristina não sabe é que o destino tem outros planos para eles, um que ligará as duas almas
quebradas para sempre. E de um engano nada angelical, mas sim completamente sexy e envolvente,
Cristina irá do céu ao inferno para viver sua história de amor.
AVISO DE GATILHO: o livro contém violência doméstica e relacionamento abusivo.
 
 
 
 

Doty só queria uma coisa: achar o miserável que engravidou Tifany e chutar o rabo dele até Dallas.
A única coisa que Joe queria era dobrar o demônio de olhos negros que o tirou do sério e fazê-la
pagar por sua língua afiada e boca suja.
Uma proposta!
Sete dias!
E tudo foi para os ares!
 

Um pacto incomum entre duas amigas, na adolescência, as precede na vida adulta. Miranda Lester,
uma jovem universitária gananciosa e cínica, prestes a ter seu sonhado diploma, não vê impedimento
algum em tirar da prostituição o dinheiro que paga por seus estudos, pelo conforto da sua família e
pela vida de luxo que ela aprecia. Focada em uma meta que deseja bater antes de largar de vez seu
trabalho, cria um esquema de prostituição usando sua loja, a BDL, como fachada, entregando aos
seus clientes as melhores babás de luxo para adultos que eles possam desejar. O caminho de Miranda
se cruza com um intenso e poderoso admirador, o qual despertará emoções e desejos antigos nela,
silenciados por sua vida adulta precoce, que a fez amadurecer rapidamente. A chegada de Mr. Red
em seu caminho a faz questionar até onde realmente ela será capaz de ir para manter sua lealdade,
sua ambição por dinheiro e, principalmente, até qual ponto o amor pode levá-la. Um romance
intenso, envolvente, sórdido, soberbo e pecaminoso, com duas almas nefastas marcadas por seus
passados corrompidos, que acarreta em um enlace que os liga além da moralidade da sociedade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[1]
No dicionário, o termo Mestre é um sinônimo de catedrático, professor e mentor. No SM, pelo
menos em grande parte dos círculos, existem diferenças. Enquanto o Mestre seria aquele que ensina
interagindo de forma física (sem relação de posse).
[2]
Que a paz esteja sobre vós.
[3]
Personagem principal de A Ordem das Messalinas: Salomé.
[4]
Personagem principal de A Ordem das Messalinas: Salomé.
[5]
Senhor.
[6]
Sim.
[7]
Merda.
[8]
Obrigado.
[9]
Senhora.
[10]
Senhor.
[11]
Donzela.
[12]
Jovem.
[13]
Minha querida. Existem variações do termo, dependendo da intimidade e da intenção com a outra
pessoa.
[14]
Um desperdício.
[15]
Está perfeita.
[16]
Céus.
[17]
Boa noite, meus queridos.
[18]
Sim.
[19]
Perdão.
[20]
Patético.
[21]
Personagem de Shakespeare.
[22]
Obrigada.
[23]
Coelhinho.
[24]
Drácula (em inglês: Dracula) é um romance de terror gótico lançado em 1897, escrito pelo autor
irlandês Bram Stoker, tendo como protagonista o vampiro Conde Drácula. Tornou-se a mais famosa
história de vampiro da literatura.
[25]
Tristão e Isolda é uma história lendária sobre o trágico amor entre o cavaleiro Tristão, originário da
Cornualha, e a princesa irlandesa Isolda. De origem medieval, a lenda foi contada e recontada em
muitas diferentes versões ao longo dos séculos.
[26]
Casal de um programa de televisão de 1964.
[27]
Pecadora.
[28]
Deus.
[29]
Personagem principal do livro Gomorra.
[30]
Personagem principal do livro Gomorra.
[31]
Personagem principal do livro Sodoma.
[32]
Personagem secundária de Gomorra.
[33]
Adeus, meu amor!
[34]
Parafilia é um padrão de comportamento sexual no qual, em geral, a fonte predominante de prazer
não se encontra na cópula, mas em alguma outra atividade. São considerados também parafilias os
padrões de comportamento em que o desvio se dá não no ato, mas no objeto do desejo sexual, ou
seja, no tipo de parceiro.
[35]
Por Deus!
[36]
Shibari, termo japonês que significa amarrar ou ligar, é o nome dado para a prática de amarrar
uma pessoa com cordas, utilizando técnicas que atingem diferentes objetivos. Apesar de,
recentemente, o método ser associado ao BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão,
Sadismo e Masoquismo), o shibari vai além do prazer sexual.
[37]
É um fetiche, em que existe o daddy/mommy e o baby. Baby é o passivo da relação, aquele que é
mimado e recebe ordens, as quais deve cumprir. Daddy é o dominador autoritário da relação, cuida,
protege e disciplina quando necessário.
[38]
Por favor.
[39]
Bebê.
[40]
O festival Woodstock, com certeza, é um dos maiores marcos da cultura hippie e também da
contracultura.
[41]
Imaginação de si próprio na forma de um animal.
[42]
Lobotomia ou Leucotomia é uma técnica de intervenção psicocirúrgica feita no cérebro, que
consiste na retirada total ou parcial dos lóbulos cerebrais. A técnica da lobotomia foi desenvolvida
pelo neurologista português Dr. António Egas Moniz e o cirurgião Dr. Almeida Lima, em 1935.
[43]
Manipular o ambiente para enfraquecer os indivíduos.
[44]
Liberte-os.
[45]
Julgamento.
[46]
Meu.
[47]
Vou decapitar sua cabeça.
[48]
Eu te amo.
Table of Contents
AVISO DA AUTORA
SINOPSE
PLAYLIST
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Ramsés de Naca
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 1
O jardim do Éden
Eva Fishie
Tempo atual
CAPÍTULO 2
A pecadora inocente
Eva Fishie
CAPÍTULO 3
A isca
Dama Emanuelle
CAPÍTULO 4
Esqueletos no armário
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 5
O paraíso escondido de falésias
Eva Fishie
CAPÍTULO 6
A panela de bronze
Eva Fishie
CAPÍTULO 7
Trovão e escuro
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 8
A fera
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 9
Trsitão e Isolda
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 10
Maçã do pecado
Eva Fishie
CAPÍTULO 11
A maldição da primeira pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 12
Demônios silenciosos
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 13
A pecadora e a serpente
Eva Fishie
CAPÍTULO 14
A maçã podre
Nolan
Camaleoa
CAPÍTULO 15
Pequena pecadora
Eva Fishie
CAPÍTULO 16
A intuição da serpente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 17
Meus olhos
Seita Gregovivk
CAPÍTULO 18
Pecadora inocente
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 19
Messalina
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 20
O pecado de Herodias
Eva Fishie
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 21
A desfiguração da alma
Eva Fishie
CAPÍTULO 22
A lei do mais forte
Hector Pellegrini
CAPÍTULO 23
Tempo de carnificina
Sieta Gregovivk
CAPÍTULO 24
Livre
Eva Fishie
CAPÍTULO 25
SODOMA
Oliver Pellegrini
Hector Pellegrini
EPÍLOGO
Hector Pellegrini
Eva Fishie
CAPÍTULO 1
Purgatório de Mical
Seita Gregovivk
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS
Outras obras:
Únicos

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