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Tabela de Conteúdos

UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
EPÍLOGO
WALT
UM
Eu me destacava como ninguém. Até mesmo na cidade de Nova
York, as pessoas tendem a optar pelo creme ou branco quando se
trata de vestidos de noiva. Eu não escolhi nenhuma delas. Pior
ainda, meu vestido está mais curto do que eu me lembrava quando
saí do quarto de hotel. A bainha perdeu centímetros na minha
caminhada até o tribunal. Gosto de pensar que a estampa de
oncinha é sutil, mas meus Doc Martens pretos não são. Eu os tenho
há anos. Eles são minha versão dos sapatinhos da Dorothy.
Outra rajada de vento sopra meu vestido e eu estremeço em
minhas botas, olhando para cima e para baixo da rua, esperando
que ele apareça. Estou surpresa com o número de casais corados que
passam correndo por mim, ansiosos para sair do frio e começar sua
felicidade conjugal com uma cerimônia dentro do tribunal.
Logo serei um deles, suponho. Eu olho para o meu dedo anular
nu e imagino como ficará com um diamante gordo pesando sobre
ele, então eu penso no telefonema que recebi ontem à noite.
Minha mãe raramente me liga. Na verdade, fiquei surpresa
quando vi o nome dela aparecer na tela.
— Mãe? — Eu perguntei depois de atender, ainda desconfiada
da estranha reviravolta dos acontecimentos. Parte de mim presumiu
que a ligação foi um erro – o comum celular-estava-no-bolso – até
que ela falou. Seu tom afiado enviou um arrepio pela minha
espinha.
— Elizabeth Brighton, onde você está? Todo esse ruído de fundo
é terrível.
A música ficou mais alta à medida que os artistas continuaram
sua apresentação no centro do foyer do museu.
— Estou no Museu de Arte Moderna.
Ela fez tsc como se não gostasse da resposta e, antes mesmo que
ela tivesse que pedir, me afastei da multidão de curiosos que se
reuniu até encontrar um canto tranquilo.
— Você pode me ouvir melhor agora? — Eu perguntei, testando
o sinal.
— Sim. Obrigada Senhor. Agora, antes de começar, você deve
saber que não estou gostando de fazer esse telefonema.
Eu soltei uma risada, ligeiramente surpresa com sua franqueza.
— Obrigada, mãe. É bom ouvir sua voz também.
— Não fale nesse tom comigo.
Eu flexionei meu maxilar, desejando morder minha língua e
controlar meu sarcasmo, não querendo tornar a situação pior para
mim. Minha mãe e eu temos um relacionamento tenso, para dizer o
mínimo. Se fosse por ela, eu ficaria na linha com o resto dos meus
irmãos, mudaria para casa em Connecticut e seguiria seus passos.
Presumi que era sobre isso que a ligação seria, na verdade. Achei
que fosse seguir o padrão de todos os outros: “Você tem que ser tão
difícil? Você realmente acha que pode pagar suas contas com seus
rabiscos?” sempre leva a “Seu pai e eu não apoiamos isso e não
vamos continuar financiando esse estilo de vida boêmio que você
está tão decidida a alcançar” que eventualmente se dissolve em um
choroso “Elizabeth, eu não entendo como você poderia fazer isso
conosco”.
Quando eu estava crescendo, minha mãe adorava meu interesse
por arte, mas apenas porque ela presumia que isso acabaria em uma
carreira aceita por ela e seus amigos da alta sociedade. Uma coisa é
cultivar uma busca gentil na área de assessoria de arte ou
gerenciamento de coleções. Outra é ser artista, nas trincheiras com
as massas.
Eu me preparei para a mesma conversa que tivemos um milhão
de vezes antes, mas então minha mãe soltou um suspiro, profundo e
pesado. Uma longa pausa se seguiu, e meu coração afundou em
meu peito. Algo estava errado.
— Mãe? — Eu perguntei hesitante. — Está tudo bem?
— Não — ela respondeu com um tom cortante. — Na verdade,
não está. Sua irmã fugiu com o motorista.
Agora, não estou orgulhosa de ter rido nesse momento. Foi tão
inesperado! Minha irmã sempre se encaixou perfeitamente no
molde dos sonhos da minha mãe para ela. Popular na escola –
confirma. Classicamente bonita – confirma. Inteligente o suficiente
para entrar em uma faculdade Ivy League, mas não tão inteligente
que pudesse ser rotulada como uma intelectual enfadonha –
confirmado. Eu nunca a vi sem uma cara cheia de maquiagem. Eu
nunca a vi sem roupas de grife. Ela provavelmente estava prestes a
se casar com algum príncipe de sangue azul, e agora isso. ISSO.
Fugindo com seu motorista?! É bom demais.
Pelo menos me senti assim até minha mãe começar a chorar ao
telefone.
Minha risada secou na hora quando percebi que seus soluços
dramáticos não iriam parar tão cedo.
— Mãe? Ai, Deus. Me desculpe, ok? Vai ficar tudo bem. E daí se
Charlotte fugiu com seu motorista? Pelo menos ela está feliz!
— Não, Elizabeth. É horrível. Horrível.
Lutei contra a vontade de revirar os olhos, sabendo
instintivamente por que minha mãe estava sofrendo tanto com isso.
— Quem se importa com o que seus amigos vão pensar?
— Meus amigos?! — Seu tom estridente chamou minha atenção.
— Eu não me importo com meus amigos! Você não entende,
Elizabeth. Sua irmã estava prometida a outra pessoa.
Minha memória do telefonema é interrompida por uma buzina
alta quando dois carros quase colidem na rua em frente ao tribunal.
As janelas são baixadas. Palavrões são jogados de um motorista para
o outro.
— Bem, vá se ferrar, parceiro! — é o grito de despedida antes
que eles desapareçam e minha atenção é atraída para o grupo de
pedestres que cruza a rua em minha direção. Na parte de trás do
grupo, com as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo de lã e a
atenção voltada para o horizonte, está um homem que reconheço,
mas não conheço. Ele é quase um estranho e está prestes a se tornar
meu marido.
Borboletas se agitam em meu estômago enquanto a excitação se
transforma em pavor. Não posso acreditar que concordei em fazer
isso – tomar o lugar da minha irmã – e, na verdade, ainda não tenho
certeza se é uma decisão sábia, mas agora que ele está aqui na
minha frente, em carne e osso, alto e bonito, sinto que não posso
desistir do acordo.
Ele levanta os olhos da calçada e me vê. Eu congelo enquanto ele
se aproxima, me avaliando sem dar qualquer dica sobre o que ele
realmente pensa. Seus olhos escuros deslizam pelo meu vestido,
demorando-se nas minhas botas por um momento a mais, e então
finalmente se arrastam de volta para o meu rosto quando ele para
na minha frente.
Eu engulo e espero ele sorrir e se apresentar. Na verdade, minha
boca já está começando a se levantar, preparando-se para retribuir.
Em vez disso, ele simplesmente pergunta:
— Tem certeza de que deseja fazer isso?
Palavras sombrias para um caso sombrio.
— Está tendo dúvidas? — Eu pergunto, endireitando meus
ombros e projetando meu queixo, tentando exalar falsa confiança.
Ele vê através disso, estreitando os olhos para que seus cílios
pretos se agrupem, definindo ainda mais seu olhar perspicaz.
Eu não me movo nem um centímetro, nem mesmo um fio de
cabelo do meu corpo balança sob seu intenso escrutínio. Parece que
ele me encara por tanto tempo que eu deveria ter trepadeiras
crescendo em minhas pernas, me prendendo ao meu lugar, antes
que ele gesticule para que eu ande na frente em direção ao tribunal.
Hesito no início, percebendo instintivamente que não me sinto
confortável em virar as costas para ele.
Quem é esse homem?
Quer dizer, eu sei quem ele é superficialmente.
Walter Jennings II, também conhecido como Walt.
Quase um século atrás, nossos avós trabalharam juntos para
inventar o marca-passo movido a bateria, fundando assim a
Diomedica. Hoje, a empresa cresceu e se tornou a maior empresa de
dispositivos médicos do mundo, especializada no projeto e
distribuição de robótica craniana e da coluna, ferramentas cirúrgicas
e bombas de insulina. A Diomedica emprega mais de cem mil
pessoas em todo o mundo. É também a principal razão pela qual
estou aqui hoje, disposta a seguir em frente com esse casamento às
pressas.
Estive perto de Walt algumas vezes na vida, em jantares e festas
de fim de ano, embora já se passou quase uma década desde a
última vez que o vi. Ele é dez anos mais velho do que eu, o que
significa que, mesmo naquela época, não acho que tínhamos muito
a dizer um ao outro além dos cumprimentos obrigatórios. Além de
pensar que ele era muito gostoso para alguém muito mais velho, ele
não estava no meu radar e eu definitivamente não estava no dele.
Tento imaginar como eu estava na última vez que estivemos juntos.
Não há dúvida de que eu era magra e esguia, provavelmente
tentando e falhando em preencher meu vestido. Bem provável que
eu estivesse lendo em algum lugar sozinha, tentando desaparecer
em um canto. Sempre levava um livro comigo para as festas para as
quais meus pais me arrastavam.
Eu me pergunto o que ele fez naquela época. Estaria se
apresentando? Flertando com as mulheres? Com minha irmã?
Chegamos à porta do tribunal e ele estende a mão para abri-la e
me conduzir para dentro. Percebo uma pitada de sua colônia
quando passo por ele, um pouco envergonhada de pensar em como
devo cheirar em comparação. Não trouxe muitas roupas comigo
para a cidade. Esse é meu vestido mais chique, e eu estava usando
ontem à noite, o que significava que não havia tempo para lavá-lo a
seco antes desta manhã.
Walt está vestido muito mais apropriadamente do que eu, em
seu casaco de caramelo e terno preto. Um relógio de pulseira de
couro mal é visível em seu pulso esquerdo. Seus sapatos brilhantes
batem ameaçadoramente contra o chão de ladrilhos, muito mais
refinados do que minhas botas desajeitadas.
Não tenho certeza para onde ele está me levando. Na verdade,
não tenho certeza de como isso deve acontecer. Eu o observo com o
canto do olho para ver seu olhar focado a laser à frente, no final do
corredor. Continuamos andando, então ele para e chama um
elevador, e eu tenho que girar desajeitadamente meu impulso para
me carregar de lado em vez de para frente. Ele não parece notar
minha oscilação. Na verdade, acho que ele nem mesmo me nota.
Eu faria perguntas a ele – tenho um milhão delas – mas de
repente sinto que o gato comeu minha língua. Tento descobrir por
que ele parece ter roubado minha voz enquanto entramos no
elevador juntos, lado a lado. É a altura, digo a mim mesma. Ele é
uns bons 30 centímetros maior que eu. Talvez mais. A largura dele
também não ajuda. Ele é robusto, o que eu percebo não ser uma
maneira maravilhosa de descrever um ser humano, já que serve
tanto a sacos de lixo quanto à largura geral em qualquer direção,
mas ele é robusto. Forte e de ombros largos.
Em contraste, tenho o tipo de corpo que não sabe como segurar
os músculos. Com minhas pernas longas, eu poderia ter sido uma
bailarina se tivesse a graça, talento e dedicação a uma habilidade
fora de artes. Sou uma daquelas pessoas que promete começar a
cuidar de mim amanhã e – chocantemente – o amanhã nunca chega.
Academias simplesmente não têm muito apelo para mim. Eu
prefiro me curvar sobre minha mesa de trabalho ou cavalete,
manchando meus dedos com tons pastéis, deixando os dias se
confundirem.
O elevador nos leva para cima e me pergunto, mais uma vez,
para onde estamos indo. Sei que devemos ter uma certidão de
casamento antes de podermos prosseguir com a cerimônia em si.
Presumo que seja isso o que estamos fazendo hoje, talvez apenas
concluindo as etapas preliminares em direção a um casamento que
será em alguma data ambígua no futuro, mas essa esperança
começa a se esvair de mim quando saímos do elevador para
encontrar duas pessoas de pé perto de uma sala de tribunal fechada.
Uma mulher mais velha em vestes judiciais pretas ri ao lado de um
jovem com óculos redondos de acrílico e cabelo loiro curto. Ele está
carregando um caderninho de couro preto, uma agenda e um
telefone, todos colocados ordenadamente um em cima do outro.
Quando eles nos avistam, eles param a conversa.
— Juíza Mathers — diz Walt com a cabeça inclinada. —
Agradeço o favor.
Seu sorriso é amplo e genuíno quando ela encontra seu olhar.
— É claro. Eu me importava muito com seu avô, e me chame de
louca, mas mesmo na minha velhice, sou uma fanática por amor.
Ela encontra meus olhos quando termina a última metade de sua
frase, e eu pego uma alegria genuína nisso. Oh céus. É óbvio que ela
pensa que está casando dois pombinhos desesperados para ficarem
juntos. Forço um sorriso rápido, esperando já não ter arruinado a
fachada.
— Você deve ser Elizabeth Brighton — ela diz. — Preciso dizer
que adorei o vestido.
Eu olho para a estampa de oncinha e coro.
— Ah, obrigada. — E então eu sinto que Walt está me
observando também, quase com expectativa, então eu rapidamente
acrescento um agradecimento adicional a ela por nos ajudar hoje.
— Como eu disse, é um verdadeiro prazer — ela nos garante. —
Agora, eu não quero apressar vocês dois, mas eu só tenho uma
janela de dez minutos na minha agenda. Se vamos fazer isso... —
Ela acena com a cabeça na direção do tribunal, e todos entendem.
O homem loiro entra em ação, abrindo a porta para nós. A juíza
Mathers entra primeiro e então Walt acena para o homem ir em
frente para que ele possa segurar a porta aberta. Quando passo, a
mão livre de Walt atinge a parte inferior das minhas costas por um
momento para me ajudar a entrar, e o contato é o início de uma
reação em cadeia no meu corpo, um nervo disparando para o
próximo até que estou subitamente em chamas de ansiedade.
Eu me viro rapidamente, baixando minha voz para que apenas
ele possa me ouvir.
— Estou confusa. Não existe algum tipo de período de espera?
Alguns dias entre a obtenção da certidão de casamento e a data em
que podemos oficialmente nos casar?
— Não para pessoas como nós.
Seus olhos estão quase entediados quando ele olha para mim.
Meu pânico obviamente não é compartilhado.
— Ah... tudo bem. — Eu olho para a sala do tribunal, então para
o corredor como se estivesse avaliando minhas opções de fuga.
— Mas se você quiser dar para trás, tudo o que você precisa dizer
é...
Eu endireito minha coluna e lanço meu olhar de volta para a sala
do tribunal.
— Não. Claro que não. Só não tinha certeza dos procedimentos.
Vamos nos casar.
DOIS
Não sou alguém que imaginou como seria meu casamento
quando era mais nova. Nada de assistir O Vestido Ideal sem parar,
nada de ansiar por locais de sonho ou vestidos de Vera Wang.
Mesmo assim, posso admitir que não vi esse arranjo no meu futuro:
uma rápida caminhada pelo centro de um tribunal, uma assinatura
apressada em um acordo pré-nupcial, e agora estou diante de um
homem com quem troquei apenas um punhado de palavras.
Honestamente, conversei mais com meu motorista do Uber no
caminho para cá.
Eu capto algumas palavras clássicas de casamento. A Juíza
Mathers repete os votos e diz meu nome para me incitar a repeti-
los. Acho que digo a coisa certa, mas não posso ter certeza. Todo o
caso parece um sonho, como se a qualquer momento a cabeça de
Walt se dissolvesse em mil cobras e então eu acordasse suando,
tentando determinar o que tudo isso significa.
— Vocês gostariam de trocar as alianças agora? — A juíza
Mathers pergunta a Walt.
Ele balança a cabeça.
— Hoje não.
Isso não afeta a juíza, mas me afeta.
Eu aperto minhas mãos e passo o polegar sobre meu dedo anular
nu, tentando decifrar porque a ausência de um anel que
simbolizaria absolutamente nada fere meus sentimentos. Não é
sobre o anel em si. Eu não cobiço diamantes. Na verdade, eu não me
importaria de que pedra o anel fosse feito. Suponho que só queria
algo. Um sinal de que essa farsa de casamento foi construída em
algo mais do que apenas negócios. Agora percebo que isso foi bem
juvenil. Minha mãe expôs os termos com bastante clareza na noite
passada, e o puro desespero em sua voz é algo que nunca
esquecerei.
"Falidos" é uma palavra que nunca ouvi Julianne Brighton
proferir antes de ontem. Ao longo de um telefonema, descobri o
quanto meus pais esconderam de mim e de meus irmãos ao longo
dos anos. Meus pais chegaram ao fim da estrada. Endividados até as
orelhas e sem opções, eles enfrentavam consequências iminentes:
suas casas, carros, roupas – tudo seria tomado pelo banco. Eles
ficariam sem um centavo e sem como cuidar de si mesmos ou de
meus irmãos mais novos. Em seu círculo social fechado, não há
dúvida de que enfrentariam a humilhação pública; suas reputações
seriam manchadas para sempre. No início, enquanto eu a ouvia
descrever suas circunstâncias, uma vozinha dentro de mim disse
que isso seria uma coisa boa, uma dose muito necessária de
realidade, mas a amargura secou enquanto minha mãe continuava a
chorar e me contava seu desespero. Eu não tinha ideia de quanta
dívida eles acumularam. Eu não tinha ideia de que alguém poderia
ir tão longe além do ponto sem volta. Meu pai havia pegado
empréstimos de bancos e, quando isso não era mais uma opção
viável, ele pediu emprestado a seu amigo, Walter Jennings Pai.
No início, não fez sentido. Meu pai herdou montes de dinheiro
de meu avô, mais do que uma pessoa poderia gastar na vida e, ainda
assim, puf, agora acabou tudo.
— E as ações dele na Diomedica? — Eu perguntei a ela, supondo
que ainda houvesse uma última opção para eles.
— Que ações? — minha mãe cuspiu de volta com tanto veneno
que quase me assustou. — Tudo que seu pai tinha foi vendido quase
uma década atrás, em sua tentativa de salvar a porra da gráfica dele.
Milhões, Elizabeth. Ele drenou milhões para uma indústria em
extinção. Por quê? Porque ele acredita na mídia impressa. Ele não
suporta a ideia de que as pessoas não leiam mais jornais. Jesus Cristo.
— E sabe o que mais? Não é só isso. Ele canalizou dinheiro para
empresas moribundas a torto e a direito. Aventuras absolutamente
ridículas.
Queria salientar que ela também é a culpada, que ela gasta e
gasta e gasta como se o dinheiro crescesse nas árvores.
O telefone da juíza Mathers apitou no púlpito, distraindo-a da
cerimônia e a mim de meus pensamentos.
Ela verifica a notificação e franze o rosto.
— Nossa. Estou atrasada.
— Está tudo bem — diz Walt, acenando para o homem de
óculos. — Porque não assinamos apenas a certidão de casamento.
Mason?
O homem se dirige a frente da juíza com um pedaço de papel
amassado na mão.
— Obrigado — diz Walt a Mason, que agora presumo ser seu
assistente.
A juíza Mathers pega o certificado e assina seu nome
rapidamente na parte inferior.
— Eu me sinto mal por apressar isso, mas eu não acho que
nenhum de vocês se importe. Vocês podem fazer todas aquelas
coisas de “beijar a noiva” em particular — ela diz com uma
piscadela.
Walt limpa a garganta e eu viro um belo tom de rosa enquanto
meus olhos caem para o chão. Se ele está me observando corar, não
quero saber.
Acho que mesmo para os padrões da cerimônia civil, a nossa é
bem rápida.
A juíza Mathers sai conosco da sala do tribunal, nos apressando
para que ela possa voltar ao trabalho. Ninguém mais parece se
importar, então digo a mim mesma que também não.
Ela sai pelo corredor e Mason diz a Walt que esperará por ele do
lado de fora. Em seguida, ele sai na nossa frente, optando por descer
as escadas em vez de pegar o elevador. Eu me pergunto se Walt o
instruiu a fazer isso ou se ele instintivamente sabia que eu
apreciaria um momento a sós com meu novo marido.
Há um milhão de coisas que quero perguntar a ele, mas resolvo
a questão que está no topo da minha lista.
— Estou apenas curiosa... por que casar comigo? O que você
ganha com isso?
Eu provavelmente deveria ter perguntado isso a ele antes de
entrarmos no tribunal juntos, mas ainda gostaria de saber.
— Isso ajuda ambas as nossas famílias a reter o controle
majoritário da Diomedica — ele responde enquanto caminha de
volta para o elevador com um propósito. Ele parece incapaz de
desacelerar, mesmo quando é óbvio que estou tendo dificuldade em
acompanhar.
— Controle majoritário? Você quer dizer das ações? — Oof. Que
ruim para ele. Ele não sabe que estamos destituídos? — Espero que
haja mais motivos do que isso, porque você está errado – meu pai
vendeu todas as suas ações anos atrás. Eu não vou herdar nada.
Quando chegamos ao elevador, ele suspira como se estivesse
irritado por estar me colocando a par de tudo. Quando ele fala, é
com forte impaciência.
— Sim, ele vendeu suas ações pessoais. Ele tinha uma quantia
irrelevante, com a qual não me importo muito. A maioria das ações
de sua família foi mantida em um fundo fiduciário. Seus pais não
explicaram isso para você?
Minha mãe mencionou um fundo fiduciário em nosso
telefonema, brevemente. Com todo o resto que ela disse, não estou
surpresa em perceber que tudo ficou confuso em minha mente.
— Eu fui mantida no escuro sobre tudo isso até a noite passada
— eu respondo, tentando imitar seu tom áspero para que ele saiba
que isso não é um piquenique para mim também. — Era muita
informação para absorver. Especialmente para alguém com
absolutamente nenhuma visão de negócios.
Seu olhar pousa no meu vestido por um momento e então suas
sobrancelhas arquearam como se, para ele, a prova estivesse bem aí.
Eu sei que ele está fazendo suposições sobre quem eu sou. Eu sei
que ele não está nem um pouco surpreso em saber que não sou uma
conhecedora de negócios. Cruzo meus braços sobre meu peito e
estreito meus olhos para ele, bem na hora que ele leva seu olhar até
o meu.
O elevador apita com sua chegada, as portas se abrem e ficamos
parados por um momento, ainda olhando um para o outro antes de
Walt rir em desdém, balançar a cabeça e se virar para mostrar o
caminho. Entramos no elevador juntos, e estou pensando em
apertar o botão de parada de emergência para que possamos
continuar conversando. A descida é muito rápida e quero respostas.
Estamos lado a lado, olhando para frente. Tenho a impressão de
que ele realmente não se importa comigo, embora não tenha certeza
do porquê. Eu não fiz nada para ele.
— Então, como isso funciona? — Eu pergunto timidamente.
Seus olhos se voltam para mim.
— Como o quê funciona?
Tento não engolir em seco.
— O fundo fiduciário.
— Não tenho tempo para explicar o que é um fundo fiduciário...
— Não. Como isso funciona na nossa situação?
Deus, ele é sempre tão irritante?
— Resumindo, nossos avós criaram um logo depois que a
Diomedica se tornou pública. Eles viram o que aconteceu com as
dinastias familiares tradicionais da época: os pais trabalhavam
arduamente e enriqueciam, seus filhos tornavam-se mimados e
desleixados e suas legiões de netos discutiam e esbanjavam os
poucos centavos que sobreviveram ao sumidouro da riqueza
geracional. Eles queriam fazer algo diferente, isolando a maior parte
da riqueza de nossas famílias e ganhando potencial da geração
imediata abaixo, esperando que nossos pais se estabelecessem como
tochas duradouras em vez de infernos de vida curta. E bem... eles
foram inteligentes ao fazer isso.
— Por quê?
— Sem ofensas, mas seu pai é um idiota quando se trata de
dinheiro, e o meu é um alcoólatra com tendência para apostar em
jogos, então aqui estamos nós – o futuro de nossas famílias.
O elevador para. Já estamos no andar térreo do tribunal e Walt já
está saindo novamente, caminhando como se tivesse um milhão de
lugares para estar.
— Como neto mais velho, sou o mandatário encarregado de
supervisionar os ativos do fundo. Esse trabalho se tornou muito
mais difícil há cinco minutos.
— Por causa do nosso casamento — eu presumo.
— Sim. Nosso casamento foi o gatilho para a liberação dos bens
a todos os beneficiários. Bem... qualquer casamento entre um
Jennings e um Brighton seria o suficiente. Eu poderia ter me casado
com qualquer uma de suas irmãs e você poderia ter se casado com
meu irmão, mas bem... aqui estamos nós, casados.
Que coisa ridiculamente ultrapassada.
— Mas isso não faz sentido. O que teria acontecido com todo
aquele dinheiro se nenhum de nós tivesse se casado?
Ele suspira novamente e verifica o relógio. Há outra sacudida de
sua cabeça.
— Seus pais fizeram um desserviço a você ocultando essa
informação.
Eu não poderia concordar mais.
— Em uma semana, se não tivéssemos nos casado, Diomedica
teria se tornado um fundo institucional e a empresa passaria por
cima da administração do fundo. Em outras palavras, as regras
teriam mudado.
— E nossas famílias teriam perdido todo esse dinheiro —
respondo, ligando os pontos.
— Exatamente. As ações teriam sido reabsorvidas pela
Diomedica. Nossos avós podem ter desejado nos ajudar a nos
estabelecer, mas, no final das contas, a verdadeira lealdade deles
sempre foi com a empresa.
— Certo.
Ele oferece um breve aceno de cabeça antes de voltar para as
portas principais.
Eu me apresso para alcançá-lo.
— Mas você nunca respondeu minha pergunta. O que você
ganha com isso? Em um nível pessoal, quero dizer.
Ele sorri, mas não é nem um pouco sincero.
— Não existe um nível pessoal, Elizabeth. Isso é tudo negócio.
Acontece que também acredito no futuro da Diomedica. Eu sou o
CEO e gostaria de permanecer no poder para continuar o legado de
nossos avós.
Nada pessoal. Certo. Aí está aquela pontada de decepção
novamente. Eu sei de onde vem: a parte absolutamente ridícula da
minha psique moldada pela minha infância. Meu calcanhar de
Aquiles. Suspeito que, no fundo, seja essa a verdadeira razão de eu
estar aqui hoje.
Ele empurra a porta e, lá fora, o vento é um tapa na minha cara,
um chamado para acordar que agradeço.
Menos de meia hora se passou desde a última vez que estive
aqui, e agora sou uma mulher recém-casada. Uma risada explode de
mim como espumante de champanhe. Isso é uma loucura. De
verdade.
— E agora? — Eu pergunto em descrença.
— Diga a seus pais que eles receberão uma transferência
eletrônica no final do dia. Eles devem ser capazes de pagar a maior
parte de suas dívidas, conforme discutimos.
Jesus. Ele tem que ser tão franco sobre tudo isso? É como se a
estranheza de se casar com uma estranha nem sequer fosse
registrada nele.
Ele segue direto para um Escalade preto estacionado perto do
meio-fio. Mason está parado ao lado da porta. Quando ele avista
Walt, ele rapidamente abre a porta para ele e se move para trás para
permitir que ele entre. Antes que Walt entre, ele olha para mim.
— Meu assistente entrará em contato com você em breve.
Quero exigir detalhes, mas me ocorre que fui eu quem o
persegui por respostas a manhã toda e estou cansada de agir como
um cachorrinho perdido. Prefiro ficar no escuro a continuar e
parecer uma idiota na frente dele.
Eu concordo com a cabeça.
— Soa bem. Tenha um bom... — Eu vacilo na unidade de tempo
para encerrar o sentimento de despedida. Dia? Uma boa semana?
Um bom mês?
Walt reconhece minha confusão e inclina a cabeça em resposta,
respondendo por mim com:
— Tenha uma boa vida — antes de entrar no Escalade e fechar a
porta com força atrás de si.
Não percebo que estou carrancuda até que seu SUV vira a
esquina e me deixa sozinha na calçada.
TRÊS
Volto do tribunal para o meu hotel, esperando que as pessoas me
olhem de forma estranha pelo que acabei de fazer. Na minha
cabeça, todos eles sabem. Aposto que aquele homem de chapéu-
coco levando o cachorro para passear está apenas sendo gentil,
desviando os olhos. Aquela mulher de parka vermelha brilhante
está morrendo de vontade de me dizer que sou uma idiota por
continuar com este casamento. Mas nem um único pedestre me
para na minha caminhada. Nada de fogos de artifícios no céu. Não
há nem bolo de casamento esperando por mim no meu quarto de
hotel. Tudo está normal e, de alguma forma, está pior.
Eu deveria ligar para a recepção e perguntar se eles podem me
trocar para uma suíte de lua de mel só por diversão, mas eu não
acho que este Radisson econômico com seu papel de parede
marrom descascado atenda ao público de recém-casados.
Eu me jogo na cama em uma pilha de músculos e ossos inúteis.
Eu fico olhando para o teto por 0,2 segundo antes de ceder ao desejo
de verificar o saldo da minha conta bancária no meu telefone. Já fiz
uma vez esta manhã antes de sair para o tribunal, mas faço de novo,
só para confirmar que nada mudou. Estou aliviada ao ver que ainda
há dinheiro suficiente lá para me manter à tona por um mês ou
dois, se eu jogar minhas cartas da maneira certa. É um motivo de
orgulho para mim, considerando o quanto minha mãe adora
ameaçar cortar meus fundos. Ela acha que seria o fim do mundo,
mas mal sabe ela que, nos últimos anos, acumulei dinheiro como se
o Ministério da Fazenda dos EUA fosse parar de imprimi-lo. Meu
fundo de emergência não é muito, o que faz sentido, considerando
que estou terminando minha graduação na Faculdade de Design de
Rhode Island, mas provavelmente é mais dinheiro do que meus pais
têm atualmente. Eu sorrio com o pensamento e imediatamente me
sinto mal por isso.
Eu gostaria de poder parar de vacilar para frente e para trás,
oscilando de uma extremidade do espectro para a outra. Eu invejo
os sociopatas verdadeiramente maus do mundo. O tipo de animal
de coração frio que deixaria sua família na miséria sem pestanejar.
Os vilões do cinema que fogem de uma explosão sem olhar para
trás.
Sou muito fraca, muito suscetível ao sofrimento humano. Que
chatice.
Depois de fechar o meu aplicativo do banco, ligo para minha
irmã mais velha para checar. Não somos exatamente amigas por
correspondência, mas conversamos de vez em quando. Depois das
revelações da noite passada, estou morrendo de vontade de saber o
que ela está fazendo.
Charlotte atende após um zumbido interminável de chamada, e
ela parece sem fôlego.
— Lizzie?!
Ah, sim, o apelido que ela usou durante toda a minha vida,
embora me irrite.
— Ei, Charlotte. Você tem um segundo para conversar ou está
ocupada?
Eu me encolho com a forma como soo, como se eu nunca
quisesse colocá-la na linha de frente nem por um segundo, mesmo
que eu seja a pessoa que acabou de assumir a responsabilidade pela
nossa família. Eu sou a pessoa com um novo sobrenome.
— Ah, acho que tenho alguns minutos. Acabei de terminar uma
corrida de esqui e estou esperando que os outros me alcancem antes
de irmos para o café da manhã.
— Você está em Aspen?
— Deus, não. Vail. Aspen pode ser tão... vulgar nessa época do
ano. Todas as celebridades que valem dois centavos aparecem com
uma prancha de snowboard e esperam se encaixar.
Ofereço o que espero ser um gemido empático enquanto ela
continua me informando sobre as diferenças entre as duas cidades
nas montanhas.
— Sem mencionar que é tão fácil ter um voo particular aqui, ao
contrário de Aspen. O aeroporto fica tão lotado com esses
Instagrammers pousando na pista em frente aos aviões alugados. É
triste, de verdade.
Acho que ela vai continuar para sempre se eu não a interromper,
então eu interrompo, rapidamente e com uma voz estridente e
nervosa.
— E o seu motorista? Jack, certo? Ele está aí com você também?
— Quem?
— Jack — eu digo novamente, mais alto desta vez. — Seu
motorista. Vocês dois não estão...
Dou a ela a chance de preencher o resto para mim, mas ela não
responde imediatamente e, na verdade, acho que a ligação caiu por
completo. Afasto o telefone do ouvido, olho para baixo e o coloco
de volta no lugar bem a tempo de ouvir sua risada rouca que me
atravessa.
— Aí Deus, é essa a história que eu contei para a mamãe? Que
eu fugi com meu motorista ou algo assim? Hilário. Não, Jesus,
Lizzie, certamente você não acreditou nisso. Você não me conhece?
Sinto como se o chão do quarto do hotel estivesse caindo
debaixo de mim. Minha visão se estreita enquanto meu coração bate
em um ritmo tão rápido que é como se um beija-flor estivesse
prestes a voar para fora do meu peito.
— Charlotte, o que você quer dizer?
Minhas palavras são cuidadosas e comedidas, mas ela não
percebe.
Ela ainda está rindo, tão divertida que mal consegue se conter.
— Mamãe tem estado no meu pé por anos sobre meu suposto
noivado com Walt Jennings. Você sabia disso? Minha nossa. De
maneira nenhuma eu ia continuar com isso. Quer dizer, eu tenho
olhos para ver que ele é bonito e vem de uma boa família e tudo,
mas ele é um chato. Tudo o que ele faz é trabalhar. Veja agora, por
exemplo – todo mundo que é alguém está aqui em Vail – sem ofensa –
e onde ele está? Provavelmente em alguma sala de reuniões
abafada. Não, obrigada. Não é isso que quero para minha vida.
Existem muitos homens ricos e bonitos que sabem como se soltar.
— Então você não fugiu com seu motorista porque estava
perdidamente apaixonada? — Pergunto mais uma vez, só para
esclarecer.
— Não, Lizzie. Absolutamente não.
Eu deixo o telefone cair da minha mão, e ele bate suavemente
contra a cama.
Posso ouvi-la vagamente chamando meu nome, levemente
irritada, e então a ligação é cortada e há um silêncio naquele quarto
de hotel como nunca tinha ouvido antes. Eu me sinto
absolutamente vazia.
Não tenho certeza de como processar essa notícia, o último fio
capaz de quebrar as costas do camelo. Até este momento, eu estava
orgulhosa de mim mesmo pelo que fiz. Minha família estava entre
uma rocha e uma situação difícil, e eu era sua última esperança.
Achei que estava bancando a heroína, mas, na verdade, estava
bancando a idiota. Minha irmã nunca teria feito o que fiz hoje. Ela
nunca teria se sacrificado. Talvez isso a torne egoísta, ou talvez
apenas a torne inteligente. De qualquer maneira, me sinto mal.
Eu rolo para fora da cama e vou para o pequeno banheiro do
hotel para jogar água no meu rosto. Eu olho para mim mesma no
espelho, observando as olheiras. Não dormi muito na noite passada,
e isso transparece na minha aparência. Eu escovo meu cabelo
castanho escuro e então, ainda irritada com ele, eu o torço em
minha mão e o prendo em um coque de bailarina. Melhor, mas
apenas marginalmente. Dos meus olhos verdes às minhas maçãs do
rosto dolorosamente salientes, eu me pareço com a minha mãe, uma
pessoa em quem não suporto pensar agora.
Afasto-me do espelho e vejo minhas malas no chão. Aquela com
meu material de arte é a que procuro. Eu a ataco, puxando o zíper
até que eu possa abri-la e derramar o conteúdo ao meu redor.
Eu vasculho a bagunça, reunindo os suprimentos de que preciso
para preparar tudo na mesa do canto. O tempo todo, tento me
convencer de que o que fiz hoje não é grande coisa. Minha vida
cotidiana não mudará. Minhas esperanças e sonhos não precisam
desaparecer. Claro, legalmente estou casada, mas quem se importa?
Abro minha caixa de pastéis1, soprando um pouco da poeira
residual e examinando os potes curtos, tentando determinar quanto
mais uso posso tirar deles antes de precisar comprar um novo
conjunto. Gosto de encomendá-los diretamente de uma butique
chamada La Maison du Pastel, em Paris, e é incrivelmente caro
despachá-los para os Estados Unidos. Eu poderia encontrar mais
baratos em qualquer loja de materiais de arte em Nova York, mas
prefiro trabalhar com pastéis naturais feitos à mão de uma empresa
que existe desde 1700. Todos os grandes impressionistas, de Degas à
Renoir, usaram esses de La Maison du Pastel, então eu também vou
usar.
Pego o jornal que peguei no caminho do tribunal para casa e
jogo-o na cama. Eu pulo as seções que me aborrecem até que eu
chego na parte de negócios e sorrio, sabendo que a história sobre os
mercados de ações em alta será o cenário perfeito para os
dançarinos etéreos que pretendo sobrepor a ela. Meus pastéis são
extremamente pigmentados, então tomo cuidado ao pressioná-los
no jornal. Não quero o desenho completamente opaco. Quero ver o
jornal através da cor para que os dois mundos colidam. Minhas
mãos se movem rápido. Ao longo dos anos, eu treinei bem. Uma
mão desenha com os pastéis e a outra vira o papel, mancha os
pigmentos, remove a poeira.
Eu desenho em folhas de jornal pelo resto da manhã e no início
da tarde até que tenho que sair para um encontro com minha
corretora de imóveis. Contratei Lisa para me ajudar a encontrar um
apartamento na cidade. Sempre foi meu plano terminar meu
diploma combinado na FCRI um semestre antes e depois me mudar
para a cidade de Nova York para começar minha carreira, e cheguei
aqui uma semana depois de vender a maioria dos meus bens em
Rhode Island. Não foi muito. A maior parte da minha mobília era
de segunda mão e estava gasta, não valia o custo de despachá-la
entre os estados.
Ontem, Lisa me enviou um e-mail sobre um apartamento que
ela acha que poderia ser bom. Fica em Inwood, um bairro localizado
na ponta norte de Manhattan. Quando chego, depois de uma hora
de viagem de metrô, Lisa está esperando por mim do lado de fora.
Esta é a primeira vez que nos encontramos pessoalmente, e
imediatamente, posso dizer que ela é alguém que gasta muito
tempo com sua aparência: spray bronzeador, cabelo louro-claro,
unhas compridas com glitter e batom rosa grosso. Ela acena com
entusiasmo ao me ver subindo a rua, depois aponta para a estrutura
ao lado dela como se dissesse: Olha só! É um prédio antigo de tijolos
na esquina de um cruzamento com uma delicatessen e uma
mercearia no andar de baixo.
— Eu sei que não é muito do lado de fora, mas dê uma chance. O
apartamento está no sétimo andar — ela me diz enquanto me leva
para dentro e pelas escadas. Tenho vergonha de mostrar que já
estou sem fôlego no quarto andar, então faço a coisa em que você
bebe em respirações superficiais secretas em vez de grandes
bocados pesados. Eu não engano ninguém. Ela olha para mim com
um sorriso divertido.
— Não há elevador, mas você terá uma grande bunda ao subir e
descer todos esses andares todos os dias.
Certo, bem, tem isso.
Do lado de fora do apartamento 703, ela pega um molho de
chaves de sua bolsa e destranca a porta, abrindo-a como se
contivesse uma grande surpresa.
— Sua humilde morada.
Humilde está certo. Não sou tão metida quanto o resto da minha
família, mas este é um lugar triste para se viver para os padrões de
qualquer pessoa. Pintura lascada, ar parado, danos causados pela
água no teto. Ainda assim, procuro o lado bom: há uma grande
janela na sala de estar, o quarto é grande o suficiente para que eu
possa caber uma cama queen-size e o último inquilino deixou um
enorme armário na sala de estar que eu nunca conseguiria levantar
e remover por conta própria, mas seria o local perfeito para guardar
todos os meus suprimentos de arte.
Eu volto para Lisa, que ainda está pairando perto da porta e me
dando espaço para olhar o apartamento sozinha.
— Eu vou ficar com ele — digo, com naturalidade.
Suas sobrancelhas se erguem em choque. Aposto que ela
presumiu que eu sairia correndo daqui como se minhas calças
estivessem pegando fogo, mas não, ficarei feliz em assinar na linha
pontilhada e digo isso a ela.
— Excelente! — ela diz, caminhando em minha direção com um
salto em seus passos. — Aqui está o formulário. Se você preencher
agora, posso digitalizá-lo quando voltar ao escritório. Em seguida, o
locador precisará do primeiro e do último mês de aluguel
adiantado, assim como de um depósito de segurança. Não tenho
certeza do valor exato em dólares, mas vou pegar essas informações
e enviar um e-mail para você o mais rápido possível.
Eu aceno, tentando calcular o quanto poderia ser esse total na
minha cabeça. Felizmente, estou ok para isso.
— Depois, há a verificação de antecedentes — ela continua,
depois de me entregar o formulário. — E uma verificação de
crédito. Eles também vão querer ver suas declarações de
rendimentos dos últimos dois anos.
O que?
— Por que eles precisam disso?
Ela parece confusa com a pergunta, como se ela geralmente não
tivesse que explicar essa parte para seus clientes.
— Ah, só para confirmar que seu salário atende ao limite
mínimo. Existe um algoritmo que os proprietários gostam de usar.
Normalmente, eles só querem garantir que o aluguel proposto fique
bem abaixo de sua renda mensal. Você sabe como funciona.
Eu não sei, na verdade. Eu morava nos dormitórios da FCRI e
minha bolsa pagava por tudo. Antes da faculdade, eu estava em
casa, na enorme mansão dos meus pais em Connecticut – uma
mansão que eles não pagam a hipoteca há anos, aparentemente.
— E se eu não tiver um histórico de crédito ou declaração de
rendimento? — Eu pergunto gentilmente. — Eu provavelmente
poderia pagar alguns meses de aluguel adiantado, em vez disso?
Ela franze a testa.
— Receio que não seja uma opção. É surpreendentemente difícil
expulsar alguém de um apartamento depois que ela se muda.
Existem todos os tipos de proteções para os inquilinos, então os
proprietários querem garantir que a pessoa seja capaz de pagar o
aluguel pelo prazo total do aluguel, não apenas alguns meses. Não
posso dizer que os culpo.
Eu concordo com a cabeça, e ela deve ser capaz de ver minha
angústia, porque ela continua:
— Que tal conseguir um fiador? Inquilinos da sua idade
geralmente têm um dos pais ou tutor como fiador de um contrato
de aluguel. Assim, você e o proprietário ficarão felizes.
Certo. Claro. Se eu tivesse alguém que pudesse ser fiador, ficaria
feliz em escolher essa opção. Infelizmente, meus pais não prestam
para absolutamente nada, considerando o quanto estão
endividados, e meus irmãos também não podem ajudar. Apenas
dois deles têm mais de dezoito anos. Charlotte não tem emprego e
Jacob ainda está na faculdade. Eu tenho um tio em Minnesota,
irmão da minha mãe, mas eu só o vi algumas vezes, e nenhuma
desde que eu tinha 12 anos, então não posso simplesmente ligar
para ele e pedir ajuda com meu aluguel também.
— Existe alguma maneira de você perguntar ao proprietário se
ele abriria uma exceção apenas desta vez? — Eu pergunto com um
sorriso suplicante. — Como eu disse, provavelmente consigo pagar
três meses de aluguel adiantado e, se vender algumas de minhas
peças, posso continuar pagando antecipadamente o aluguel.
Suas sobrancelhas franzem.
— Peças?
— Minha arte.
Isso realmente a leva ao limite.
— Então você trabalha apenas por comissão, estou supondo? Isso
tornará as coisas ainda mais difíceis. Qualquer proprietário na
cidade vai querer que você tenha um fiador.
— Mas você poderia apenas perguntar? Por favor?
Ela assente como se fosse fazer isso, mas posso dizer que ela já
está me descartando.
Lá fora, na calçada, nos despedimos e, enquanto me afasto, me
sinto desesperada.
Simplesmente terei que ficar no hotel por um tempo, em vez de
encontrar um apartamento, o que é uma droga, considerando que,
embora seja um lugar econômico, ainda está drenando meus fundos
mais rápido do que eu gostaria e é absolutamente minúsculo.
Pela segunda vez hoje, me sinto uma completa idiota. Eu me
formei na FDRI com um plano incompleto de me mudar para Nova
York e tenho vergonha de admitir que pensei que seria um pouco
mais fácil do que isso. Uma parte de mim quer culpar meus pais por
não me prepararem para o mundo real. Eu vivi uma vida
incrivelmente protegida até que me mudei para a faculdade, e isso
está voltando para me morder na bunda. Que tipo de idiota não
sabe que você precisa de algum tipo de histórico de crédito e
declarações de renda anteriores se quisesse alugar um apartamento?
Aparentemente, essa idiota.
Meu telefone toca quando estou na plataforma do metrô
esperando o trem, ainda me debatendo. Minha primeira esperança
é que seja Lisa já me ligando com boas notícias, mas é um número
desconhecido. Normalmente, eu deixaria ir para a caixa postal, mas
em vez disso atendo, apenas no caso de Lisa estar me ligando de seu
escritório ou algo assim.
— Alô?
— Oi. Estou falando com Elizabeth? — uma voz feminina
pergunta.
— Hum, sim. — Um trem para atrás de mim, e pressiono meu
dedo no ouvido exposto para ouvir melhor a pessoa do outro lado
da linha. — Posso perguntar quem está ligando?
— Meu nome é April, assistente do Sr. Jennings — ela responde,
toda profissional com seu tom certinho.
— Assistente de Walt?
— Sim. Sr. Walter Jennings II.
Meu Deus, que nome enorme.
— Ah, tudo bem.
— Sim, desculpe se eu peguei você em um momento ruim, mas
tenho algumas coisas para revisar com você.
— Espere, estou confusa. Achei que Mason fosse o assistente de
Walt.
— Sim, está correto. Mason é o primeiro assistente do Sr.
Jennings. Sou eu quem lida com seu trabalho pesado.
Acho que ela queria que sua declaração fosse autodepreciativa,
mas há uma pausa pesada quando ambas percebemos que ela
acabou de se referir a mim como trabalho pesado. Eu não posso
evitar. Depois do dia que tive, eu realmente dou risada.
— Existe alguma maneira de fingir que não acabei de dizer isso?
— ela pergunta, parecendo completamente envergonhada e muito
menos profissional do que no início do telefonema. Acho que ambas
decidimos deixar de fingir.
— Claro, sim. Está bem. Sobre o que você disse que está ligando
de novo? Estou esperando meu trem, por isso estou preocupada
com a possibilidade de a ligação cair a qualquer segundo.
— Ah! Serei breve então. Tenho um pacote de informações para
enviar a você por e-mail do advogado do Sr. Jennings. Eles precisam
que você revise, assine e envie por e-mail assim que possível.
— O que está no pacote?
— Não tenho certeza. É protegido por senha com seu cpf, então
não posso visualizá-lo.
— Você está falando sério?
— Hum... sim.
— Você não acha que tudo isso é um pouco estranho?
— Deus, sim. — Ela ri. — Achei que fosse a única.
Uma risada sai de mim, e ela abaixa a voz antes de continuar:
— Você realmente se casou com Walt esta manhã no tribunal?
Esse é o boato que circula pelo escritório, mas não ousei acreditar.
— Sim, eu me casei.
— Puta merda.
— Vocês dois são amigos? — Eu pergunto impulsivamente,
faminta por informações sobre Walt.
— Amigos? Hum, nem um pouco. — Ela enfatiza as palavras
como se quisesse enfatizar esse fato. — Eu trabalho para ele há seis
meses e ele mal me disse cinco palavras fora do trabalho.
— Então ele é um babaca com seus funcionários?
Ela pondera minha pergunta por um segundo.
— Babaca não é a palavra certa. Ele é bem decente, apenas meio
austero. Ou talvez indiferente seja uma palavra melhor. Você sabe o
que quero dizer – você se casou com o cara.
Eu gostaria de poder admitir para ela toda a verdade, mas
duvido que ele gostaria que um de seus assistentes soubesse
detalhes íntimos de sua vida.
Vejo meu trem chegando à plataforma e sei que não posso
demorar no telefone por muito mais tempo. Eu despejo meu
endereço de e-mail rapidamente para April, que diz que já o tem.
Ela estava ligando apenas para me alertar que os documentos são
urgentes.
— Certo, certo.
— Bom, isso é tudo. Acho que devo dizer parabéns? — ela
brinca.
Sim. Parabéns para mim.
Não perco um único segundo no hotel. Eu passo meu cartão-
chave, abro a porta e pego meu laptop da cama. Com certeza, há um
e-mail esperando por mim de Rupert Hirsch, o advogado de Walt.
QUATRO
No e-mail, Rupert se apresenta brevemente e explica o motivo
pelo qual ele entrou em contato comigo. Ele reitera a crise de tempo
e imediatamente começa a trabalhar. Abaixo do parágrafo
introdutório, há instruções explícitas sobre quem contatar, quando e
por quais motivos, junto com os números de telefone e endereços de
e-mail. Eu leio rapidamente, meu aborrecimento crescendo a cada
segundo.
Para perguntas ou dúvidas sobre o Fundo Fiduciário Brighton-
Jennings, entre em contato com Rupert Hirsch em Hirsch & Dershowitz.
Para perguntas ou dúvidas sobre os detalhes da união civil entre você e
o Sr. Walter Jennings II, entre em contato com Rupert Hirsch em Hirsch
& Dershowitz.
Para perguntas ou dúvidas que possam ser direcionadas ao Sr. Walter
Jennings II, entre em contato com Mason Cunningham.
Se Mason Cunningham não estiver disponível, entre em contato com
April Grant.
Somente em caso de emergência, Walter Jennings II pode ser contatado
através das seguintes informações de contato.
SOMENTE EM CASO DE EMERGÊNCIAS posso entrar em
contato com meu marido. Que merda é essa? Quem ele pensa que
é? Sério! Não tenho permissão para entrar em contato com o cara?
O HOMEM COM QUEM ESTOU CASADA?!
Estou andando de um lado para o outro agora, puta da vida.
Pensei em todas as pessoas que ele pelo menos compreenderia.
Achei que ele entraria em contato em algum momento e diria: Ei,
isso é estranho, mas porque não tomamos um café e nos conhecemos
melhor, e não que ele enviaria um SOMENTE EM CASO DE
EMERGÊNCIAS.
Devido a uma educação em que as crianças eram melhores vistas
e não ouvidas, não faço nada impulsivo. Em vez disso, eu ando até
me livrar da minha raiva ao redor do quarteirão perto do hotel.
Então, eu paro e me esbanjo de um pretzel porque não como desde
o café da manhã. Eu como a maior parte, então alimento um esquilo
fofo com o último pedaço. Aquele esquilo não aceita não como
resposta quando eu fico sem comida e não para de me seguir em
minha caminhada de volta para o hotel. Acho que tenho um novo
animal de estimação. Eu olho para trás e juro que ele para também,
como se estivesse dizendo, para onde vamos, senhorita?
Acho que ele vai me seguir direto para o saguão, mas fica
nervoso ao contornar as portas automáticas e sai correndo na
direção oposta.
Agora, feliz por ter me livrado de um problema, decido resolver
outro.
Faço o possível para ler os documentos do e-mail com um pente
fino, mas é complicado. A informação está tão envolvida em
linguagem jurídica que duvido que tenha absorvido metade dela.
Grande parte descreve nosso acordo pré-nupcial, que assinei no
tribunal, mas não tive tempo de realmente ler. Agora, eu sei que
todos os bens de Walt permanecerão seus no caso de nosso divórcio.
Não tenho direito a nada, nem mesmo ao apoio conjugal, se
finalmente nos separarmos. Quão generoso da parte dele. Não é que
eu queira o dinheiro dele de qualquer maneira, é bom saber que
estamos entrando nesse acordo apenas cuidando de nós mesmos.
Agora eu sei que devo agir do mesmo modo.
A próxima seção dos documentos descreve como e quando os
beneficiários do fundo fiduciário serão compensados. Os nomes dos
meus pais estão lá, junto com o de Charlotte, Jacob e o meu. Meus
irmãos mais novos começarão a receber quando fizerem dezoito
anos, e somente se seguirem o mesmo conjunto de regras
delineadas para o resto da minha família. Existem alguns
parâmetros que devem ser atendidos, como testes de drogas
negativos uma vez por trimestre, um número mínimo de horas de
serviço comunitário, sem delitos ou crimes. Se for considerado
digno, em vez de receber uma única quantia, cada um de nós
receberá um desembolso mensal. Meus pais receberão 20.000
dólares cada um, enquanto meus irmãos e eu receberemos 10.000.
Na verdade, tenho que ler essa parte duas vezes porque não
acredito no início. Para alguns, esse número pode ser
surpreendente. Para meus pais, será um tapa na cara. Minha mãe
gasta mais em roupas durante uma única ida na Chanel. Mas... isso
não é problema meu.
10.000 é um bom dinheiro, dinheiro que não devo deixar passar
no momento, mas também é dinheiro que não quero. Eu preciso de
outra coisa. Preciso de um fiador no meu contrato e vou pedir a
Walt fazer isso. Logo depois de criar coragem para ligar para ele.
Dou o primeiro passo crucial salvando seu número no meu
celular. Na verdade, é mais assustador do que parece, porque fico
preocupada em apertar o botão de ligar acidentalmente com meus
polegares gordos e grandes, e depois o que acontece?!
Depois de fazer aquela pequena tarefa, que basicamente não
significa nada, mas parece uma grande coisa, tomo banho e verifico
meu e-mail. Então, eu mudo os canais de TV enquanto estou
deitada debaixo das cobertas, e é assim que adormeço – segurando o
controle da TV com uma mão e meu telefone com a outra. De
manhã, acordo assustada, surpresa ao descobrir que oito horas
colossais se passaram e ainda estou com muito medo de ligar para
Walt.
Isso está ficando ridículo. É apenas um telefonema, eu me
repreendo.
Não me permito inventar mais desculpas. Claro, minha
respiração está horrível e eu gostaria de um bom banho, mas Walt
não vai saber disso pelo telefone. Me sento na cama, encosto na
cabeceira e aperto para ligar.
Santo Deus. Minhas glândulas sudoríparas estão bem funcionais.
Minhas mãos mal conseguem segurar o telefone enquanto chama.
Jesus.
Quando a ligação é conectada, eu respiro profundamente.
Então há sua voz.
— Alô?
Eu me atrapalho com minhas palavras, tentando falar rápida e
articuladamente.
— Oi. Sr. Jennings, bom dia. Hum...
— É o Walt — ele diz, me cortando com um toque de
aborrecimento.
— Ah, certo. Desculpa. Continuo vendo Sr. Walter Jennings II
em todos esses documentos legais que estou lendo... fica confuso.
Há uma pausa em que ele deveria responder de uma maneira
calma e gentil que me deixaria à vontade, mas essa resposta nunca
vem. Em vez disso, silêncio.
Caramba, isso não está indo bem.
— Eu, hum, sei que só devo contatá-lo se for uma emergência...
Eu dou a ele a chance de rir e esclarecer esse equívoco.
Novamente, sem risos. Sem esclarecimento.
— É que tenho algo para discutir com você e pensei que seria
melhor se eu falasse diretamente com você em vez de falar com
Mason.
— Espere um momento — ele diz. Sua voz fica mais baixa, como
se ele tivesse tirado a boca do receptor. — André, terei que te ligar
de volta em um momento. Sim, eu sei. Me dê cinco minutos. —
Então ele está falando comigo novamente, alto e claro. — O que
você precisa, Elizabeth?
Ele não parece satisfeito.
— Com quem você estava falando?
— Um contato de trabalho.
— Ah... — Eu olho para o relógio perto da minha cama. São
apenas 7h23. — É cedo.
— André é o chefe de distribuição de Singapura da Diomedica.
Não é cedo para ele.
Eu fecho meus olhos com vergonha. Eu nem estava pensando no
fato de que provavelmente Walt já estaria trabalhando.
— Deixe-me ligar para você mais tarde, então! Eu não percebi...
merda. Desculpa. E desculpa por dizer merda também!
— Você já me interrompeu uma vez. Ligar novamente mais
tarde não ajudará em nada. Agora, o que você precisa discutir?
— Tem a ver com os pagamentos do fundo fiduciário.
Ele suspira pesadamente como se estivesse esperando por isso.
— Eu não vou ceder em...
— Não é a quantia! — Corro para esclarecer. — É... bem, eu
estava me perguntando se eu poderia negociar as coisas?
— O que você está propondo?
— Eu estaria disposta a abrir mão da minha parte do pagamento
se você se dispusesse a fiar um apartamento para mim.
Ele não responde imediatamente, e eu gostaria que estivéssemos
juntos agora, porque assim eu poderia tentar entender o que ele está
pensando. Ele está surpreso por eu estar disposta a desistir do
dinheiro? Irritado por eu o estar importunando enquanto ele está
no trabalho?
Não tenho como saber, mas espero pacientemente até que ele
responda.
— Envie um e-mail para Mason com o endereço do
apartamento, assim como as informações de contato do seu corretor
de imóveis.
Meu queixo cai.
— Você está falando sério!?
— Eu não disse sim ainda. Envie um e-mail para Mason e
partiremos daí.
— Ok, ótimo! Obrigada! Certo, vou deixar você ir agora.
Há outra breve pausa, como se não tivéssemos certeza de como
encerrar a ligação, então acrescento um alegre “Tchau!” e em
seguida, desligo imediatamente, sentindo-me como se estivesse nas
nuvens.
Não perco um único segundo antes de enviar um e-mail para
Mason com tudo o que Walt solicitou. Mason responde quase tão
rapidamente para confirmar que a informação foi recebida.
Então estou de pé e no chuveiro, me preparando para o dia, com
a intenção de torná-lo melhor do que o show de merda que foi
ontem. Eu poderia facilmente cair e me sentir envergonhada, usada
e totalmente furiosa com minha família por me colocar nesta
posição, mas vou tomar o caminho certo, não por eles, mas por mim
e minha própria saúde mental. No que me diz respeito, fiz o que
precisava fazer pela minha família e agora todos podem se defender
sozinhos. Não quero ouvir de nenhum deles por um bom tempo.
Eu tomo meu tempo no chuveiro, esfoliando, esfregando,
lavando, depilando. Então eu dou uma bela escovada no cabelo e
pego a blusa menos enrugada da minha mala. É uma das minhas
favoritas, uma túnica de linho verde oliva que enfio dentro da parte
da frente da calça jeans. Eu coloco as joias que colecionei ao longo
dos anos: alguns anéis delicados, o Patek Philippe vintage da minha
avó e um pequeno medalhão em forma de coração com um
diamante aninhado no centro. Dentro, em vez de um retrato de um
ente querido, há uma miniatura da minha pintura favorita: A Rue
Montorgueil em Paris, de Claude Monet. Estou procurando em
minha mala as sapatilhas de couro italiano que possuo desde que
fizemos uma viagem para a Costa Amalfitana no ensino médio
quando meu telefone toca.
É Lisa, ligando sobre o apartamento.
— Ok, então a má notícia é que o locador vai exigir que você
tenha um fiador, mas a boa notícia é que parece que você já tem
um?
Ela ainda explica que acabou de desligar o telefone com Mason,
que ligou para marcar uma visita ao apartamento para o final da
tarde.
— Sério? Isso é ótimo.
Mais ou menos. É ótimo que Walt já esteja tomando a iniciativa
de ser fiador para mim, mas não tenho certeza de como me sinto
sobre ele realmente vendo o lugar.
— Que horas você disse que é a visita?
— 14:30 em ponto. Aparentemente, ele não tem muito tempo.
— Sem problemas. Eu estarei aí na hora certa. Obrigada mais
uma vez, Lisa.
Eu falei a verdade. Estou no metrô em direção a Inwood ao
meio-dia, caso haja algum tipo de atraso imprevisto. Chego um
pouco antes das 13hrs, pego uma salada e um café e como em um
banco de parque de frente para o rio Harlem. Não está tão frio
como ontem, mas ainda saboreio meu café quente, embalando-o nas
mãos para não congelar enquanto espero.
Às 14:15, estou do lado de fora do prédio com as mãos enfiadas
no meu casaco preto, balançando para frente e para trás
ansiosamente. Um minuto depois, o Escalade preto de Walt diminui
até parar no meio-fio na minha frente.
Há um motorista na frente que mantém os olhos fixos à frente
quando a porta traseira se abre. Mason sai primeiro, e eu olho ao
redor para ver Walt sentado lá dentro ao telefone.
Mason fecha a porta e bloqueia minha visão de Walt. Então ele
começa a vir em minha direção, endireitando os óculos e me
oferecendo um breve aceno de cabeça.
— Boa tarde — ele diz, soando tão profissional quanto April no
telefone ontem. Então ele se vira e olha para a rua como se não
estivesse interessado em qualquer tipo de conversa fiada comigo. Eu
me pergunto se Walt dá o tom e todos os seus funcionários têm que
É
segui-lo. É meio estranho. Mason não é muito mais velho do que eu.
Provavelmente poderíamos ser amigos se ele quisesse.
Decido assumir a liderança ao quebrar o gelo.
— Oi, acho que não fomos oficialmente apresentados. Eu sou
Elizabeth — digo, estendendo minha mão.
Ele se vira para olhar para mim, em seguida, olha para minha
mão, aparentemente surpreso ao encontrá-la esticada no ar,
apontada em sua direção. Ou ele não está familiarizado com essa
saudação americana comum ou não esperava isso de mim
especificamente. Depois de um momento estranho, ele aceita meu
aperto de mão antes de acenar de volta para o SUV.
— Sr. Jennings está em uma ligação que deve terminar em
alguns minutos.
— Ah, tudo bem. Não se preocupe — eu respondo. — Ele é um
cara muito ocupado.
— Muito — confirma Mason.
— Você trabalha para ele há muito tempo? — Eu pergunto,
seguindo a mesma linha de questionamento que fiz com April.
Espero obter melhores resultados de Mason.
Ele inclina a cabeça, pensando por um momento.
— Quatro anos no próximo mês. Fui estagiário para a Diomedica
quando estava terminando a graduação em Columbia, então decidi
ficar depois de me formar.
— Impressionante. Então você gosta? De ajudar um viciado em
trabalho como ele?
Suas sobrancelhas franzem como se ele não tivesse certeza de
como responder.
Eu sorrio, tentando desarmá-lo.
— Entendo. Não é como se você pudesse me dizer a verdade.
Mal nos conhecemos. Bem... — Eu recuo. — Isso não é verdade.
Quero dizer, você estava no meu casamento.
Minha piada passa totalmente despercebida, e agora eu decido
que esse cara tem a personalidade de uma pedra.
— Para responder à sua pergunta, sim — diz Mason secamente.
— E mesmo que não gostasse do meu trabalho, continuaria na
Diomedica. Nunca vi ninguém que trabalhe mais duro do que o Sr.
Jennings. Ele é incrivelmente inspirador.
Eu concordo como se não acreditasse muito nele, e ele estreita os
olhos como se eu tivesse acabado de caluniar seu herói pessoal.
Caramba, talvez eu tenha feito isso.
— No momento, ele está em uma teleconferência para uma das
duas organizações sem fins lucrativos com quem trabalha — Mason
me diz com uma língua afiada. — Ele está no conselho de diretores
da Corações que curam há sete anos.
— Corações que curam?
É
— É uma instituição de caridade que ajuda a facilitar o
atendimento a pacientes pediátricos de cardiologia que, de outra
forma, cairiam nas fendas de nosso sistema de saúde.
Devo parecer envergonhada, porque ele se acalma enquanto
continua:
— Desculpe. Eu só... acho que pessoas como o Sr. Jennings
podem receber uma má reputação de pessoas que realmente não o
conhecem.
— Bem, considere-me perfeitamente educada. Claramente, eu
estava errada.
Mason limpa a garganta quando a porta traseira do SUV se abre
e Walt sai. Minhas bochechas coram, tanto por causa da conversa
que ele quase ouviu e por causa da maneira como ele está. Estou um
pouco envergonhada de achá-lo tão atraente, como se sua aparência
não devesse ser um fator em nosso arranjo profissional. Não é como
se eu pudesse evitar. Ele me lembra um velho ator de Hollywood
com uma leve ondulação no cabelo curto e as maçãs do rosto
afiadas. Seu maxilar é tão definido, e acho que ele teria um sorriso
expressivo se algum dia se importasse em mostrá-lo para mim.
Ele está vestindo o mesmo casaco de ontem sobre um terno
cinza escuro ajustado. Hoje, não há gravata, apenas uma camisa
branca imaculada.
Eu o observo enquanto ele empurra a manga do casaco para que
possa verificar as horas em seu relógio.
— Espero que sua corretora de imóveis esteja aqui a qualquer
minuto. Eu não tenho muito tempo.
Percebo o quanto ele se esforçou para estar aqui para essa visita.
Eu sei que o escritório de Diomedica está localizado em Lower
Manhattan, então foi uma jornada e tanto para ele fazer até
Inwood.
Olho para o relógio antigo da minha avó e descubro que Lisa
está oficialmente um minuto atrasada e contando.
— Ela chegou na hora ontem — eu digo com um sorriso tenso.
Nenhum deles responde, e então nós três continuamos
esperando em silêncio. Walt está parado a alguns metros de mim,
inclinado, então eu posso ver seu perfil enquanto ele olha para o
celular. Ele está enviando um e-mail ou mensagem de texto, e vejo
seus dedos voarem, me perguntando com quem ele está falando. É
estranho estar na presença dele assim. Percebo, pela primeira vez, o
quanto ele me intimida. Não é novo. A bola de ansiedade na boca
do estômago também estava lá ontem, mas presumi que fosse por
causa do casamento, não por causa dele.
Ele é definitivamente intenso. Eu posso dizer que ele é alguém
que joga todo o peso de sua atenção em algo quando ele se importa.
Aposto que a maior parte do tempo a atenção está voltada para o
trabalho, mas talvez ela divague de vez em quando. Certamente, ele
já teve uma namorada antes... alguém com quem ele se importava.
Seus dedos param de se mover, e levo um momento para
perceber que ele me pegou o estudando. Eu viro meu olhar para a
esquerda, estreitando meus olhos no quarteirão como se estivesse
procurando por Lisa. Minhas bochechas estão em chamas, e não há
dúvida de que ele percebeu.
Eu me sinto horrível por Lisa estar atrasada. Tento ligar para ela
para ver onde ela está, mas não atende. Eu me encolho e volto para
Walt e Mason.
— Eu sinto muito. Sei que isso é uma perda de tempo. Talvez
pudéssemos pedir a outro residente que libere nossa entrada no
prédio e você possa ver assim? — Eu pergunto, tentando ser uma
jogadora em equipe.
Ele enfia o telefone no bolso e balança a cabeça.
— Não assinarei o contrato de aluguel de um apartamento que
não vi.
Bem, então...
Eu balanço em meus calcanhares e olho para a rua novamente,
desejando que Lisa apareça do nada. Dez minutos se passam assim.
Dez minutos passados com Mason e Walt, enquanto eles continuam
trabalhando e eu continuo sendo amplamente ignorada. Em
seguida, um táxi para e Lisa abre a porta dos fundos antes mesmo
de parar completamente.
— Desculpa, desculpa. Vocês sabem como é. O trânsito ficou
paralisado na Broadway por quilômetros — diz ela, já pegando as
chaves do apartamento em sua bolsa. Ela mal parou para acenar
para os caras, mas quando faz isso, ela dá uma segunda olhada para
Walt, seus olhos se arregalando de interesse. Eu sorrio para mim
mesma – porque, bem, você tem que encontrar humor em algum
lugar – e então vou atrás dela.
Agradeço que Walt não a repreenda por estar atrasada. Na
verdade, ele nem menciona isso. Para fazer algo assim, ele teria que
falar, e agora estou percebendo que ele aparentemente sente
repulsa pela fala. Ele prefere ficar em silêncio como um grande
monstro.
É irritante porque significa que acabo falando mais para
compensar. Eu falo com ele no caminho para o apartamento.
— Lisa diz que este bairro está em alta. As taxas de
criminalidade eram ruins nos anos 90, mas diminuíram lentamente
desde então. E é um trajeto curto até o metrô, o que é bom, porque
com certeza vou precisar usá-lo. Ah, e o aluguel inclui algumas
contas. Não é ótimo? Não terei que me preocupar em cobrir essa
parte também.
Ele está subindo as escadas atrás de mim, então tenho que me
virar para vê-lo. Seu olhar está para baixo nos degraus, não em
mim, tão longe de exigir abertamente saber se ele está me ouvindo,
eu fico falando sozinha.
— Lisa, não há apartamentos disponíveis nos andares inferiores?
— ele pergunta enquanto subimos a escada até o quinto andar.
Talvez ele tenha notado minha respiração ofegante. Que bom.
— Receio que não. Acho que os inquilinos dos três primeiros
andares estão lá há décadas e duvido que eles tenham planos de se
mudar. Um apartamento foi inaugurado no quinto andar no mês
passado, mas foi alugado rapidamente.
Ele assente como se estivesse um pouco desapontado com a
resposta, e eu estremeço, percebendo que ele poderia facilmente
acabar com tudo isso se quisesse. Eu realmente preciso que ele seja o
fiador deste apartamento, o que significa que eu realmente preciso
que ele goste.
— Espere até ver a enorme janela da sala de estar! — Eu digo,
exalando entusiasmo em níveis nunca vistos fora de um show do
intervalo do Super Bowl. Eu poderia muito bem jogar confete no ar
quando entramos no apartamento com a forma como minhas mãos
balançam apontando para todos os lugares, apontando várias
comodidades. — Só olhe para o tamanho deste lugar!
Me ignorando, Walt se vira para Lisa.
— Tem aquecimento central e ar-condicionado?
— Não, mas olhe para esta grande janela — eu respondo,
vencendo Lisa por pouco.
Ele faz hum baixinho, em seguida, entra na cozinha, suas feições
inescrutáveis. Lá, ele ressalta que não há lava-louças, o que parece
nada, uma vez que ele aponta um problema de mofo anteriormente
não detectado perto da geladeira.
— Eu posso limpar esse mofo agora mesmo! — Eu prometo, o
tom da minha voz aumentando mais a cada minuto.
Mason, por sua vez, paira perto da porta como se estivesse com
medo de que o apartamento de alguma forma o contamine. Walt
vagueia de volta para a sala e começa a se dirigir para o quarto.
Meus olhos se arregalam em alarme quando eu imagino todas as
coisas que ele encontrará defeitos lá. Eu corro pelo apartamento e
deslizo na frente da porta quando sua mão se estende para girar a
maçaneta. Seus dedos roçam meu quadril enquanto eu dou a ele um
largo sorriso.
— Feche seus olhos.
Suas sobrancelhas se franzem em confusão.
— O que?
— Vamos, feche os olhos. Me agrade.
Ele dá um passo para trás e desvia o olhar, limpando a garganta.
Cara, como eu o irrito. Eu realmente acho que ele tem que se conter
em torno de mim de um jeito que não está acostumado. Eu me
pergunto quanto tempo mais ele conseguirá abafar sua opinião real
sobre mim por baixo dessa fachada de cavalheiro.
— Walt. Me agrade — eu digo novamente, tentando persuadi-lo a
cooperar.
Sua mandíbula flexiona quando ele a trava com força, e então
milagrosamente, ele faz o que eu digo, fechando os olhos para que
seus cílios grossos batam em suas maçãs do rosto. Por um momento,
eu esqueço o que eu deveria estar fazendo e apenas fico olhando
para ele assim, sabendo que ele não pode me ver, o observando por
completo. Suas maçãs do rosto são tão afiadas. Seu nariz é
perfeitamente reto. Desse ângulo, ele me lembra uma grande
estátua românica, e meus dedos coçam para desenhá-lo.
Então ele inala um suspiro afiado de impaciência e eu pulo para
prestar atenção, percebendo que o deixei esperando por muito
tempo.
— Certo. Sim. Então, agora, com os olhos fechados, imagine um
quarto maravilhosamente sereno, completo com cama queen-size e
travesseiros fofos, uma bela hera crescida no peitoril da janela,
muitas artes penduradas nas paredes e um tapete macio sob os pés.
Agora, abra os olhos.
Eu abro a porta do quarto e me afasto. Ele dá dois passos à
frente, na metade do caminho através da soleira, então com uma
sacudida brusca de sua cabeça, ele se vira.
— Não.
CINCO
— Não? Como assim “não”? — Eu pergunto a Walt quando ele
começa a andar de volta para a porta da frente do apartamento.
Ele inclina a cabeça para a minha corretora ao passar por ela.
— Lisa, obrigado por nos mostrar o apartamento.
— Ah, hum... — Ela empurra os óculos na ponta do nariz. —
Ok? Vocês já estão saindo?
— Sim. Tenho uma reunião e preciso voltar ao escritório.
Saio correndo atrás dele, irritada com a rapidez com que ele
consegue descer as escadas. Mason também mal consegue
acompanhá-lo.
— Por que você não pode ser o meu fiador? — Eu grito para ele.
Ele responde sem parar.
— Esse apartamento não serve para ninguém, muito menos para
você. Há mofo por toda parte, e tenho quase certeza de que há tinta
à base de chumbo na parede.
— E daí!? Seria problema meu, não seu.
Ele para e se vira, então eu tenho que parar abruptamente
também antes de bater direto nele e nos mandar escada abaixo.
— Você é problema meu, Elizabeth.
Estamos cara a cara agora que estou de pé um degrau acima
dele. Com uma carranca, eu balanço minha cabeça.
— Eu não tenho que ser. Me deixe morar aqui e vou te deixar em
paz. Não vou falar com você nunca mais – que tal isso?
Mason se move desajeitadamente atrás de mim, e o olhar de
Walt salta para ele, como se acabasse de lembrar que temos uma
audiência.
— Mason, quando voltarmos ao escritório, preciso que você
trabalhe com meu corretor de imóveis para encontrar apartamentos
disponíveis mais perto do centro da cidade.
— E a Lisa? — Eu interrompo, preocupada que ela perca sua
comissão.
— Vou me certificar de que ela seja recompensada por seu
tempo.
Certo. Ok. Isso não parece tão ruim. Ele não gostou desse
apartamento, mas talvez goste de outro. Não é como se eu fosse
casada com esse prédio. Eu sei trabalhar em equipe. Se ele acha que
haverá apartamentos na minha faixa de preço em uma parte melhor
de Manhattan, fico feliz em dar uma olhada neles.
Eu aceno para ele continuar descendo as escadas, e por um
momento seus olhos se enrugam nas laterais, como se ele não
gostasse que eu lhe dissesse o que fazer. Eu sorrio, saboreando essa
pequena vitória. Não podemos ficar aqui para sempre. Ele tem que
continuar caminhando, e ele sabe disso.
Há outra pequena bufada antes que ele se vire e voltemos a
descer, nós três com Lisa atrás, visto que ela teve que trancar o
apartamento.
Aprendi com o breve encontro de ontem com Walt a não esperar
uma grande despedida, ou nem mesmo uma minúscula, e como era
de se esperar, quando voltamos para a calçada, ele mal olha na
minha direção antes de desaparecer de volta para o Escalade.
— Tchau, Walt! — Eu grito com um grande aceno, apenas para
irritá-lo.
Restam tão poucos prazeres na vida, e simplesmente não consigo
evitar.
— Entrarei em contato em breve — Mason me promete antes de
seguir seu chefe.
Mason não é nada além de rápido. Na manhã seguinte, acordo
com um extenso e-mail descrevendo cinco apartamentos diferentes
disponíveis em Lower Manhattan. Ele não mediu esforços para
fornecer informações sobre cada um deles para mim. Tem fotos de
alta definição, longas listas de comodidades e, claro, o custo do
aluguel.
Obviamente, cada um é muito mais agradável do que o
apartamento que mostrei a Walt ontem. As cozinhas são atualizadas
e modernas. Os quartos são espaçosos. Um apartamento em
particular é banhado por luz natural, e eu não posso deixar de
sonhar acordada sobre a criação de um mini estúdio de arte na
suposta área de jantar que tem janelas de todos os lados.
Infelizmente, o aluguel de nenhum deles custa menos de 5.000
dólares por mês. Um custa quase 7.000 por mês! Eu teria que vender
muita arte para pagar o aluguel. Mesmo se eu conseguir alguns
pedidos de peças maiores ou de alguma forma convencer uma
galeria a mostrar uma de minhas coleções (não custa nada sonhar),
ainda ficaria apertado.
É claro que eles presumem que usarei meu pagamento mensal
para pagar o aluguel. É a única maneira de bancar qualquer um
desses lugares. Infelizmente, não será esse o caso.
Tenho certeza de que a maioria das pessoas em minha posição
aceitaria alegremente dez mil todos os meses, mas eu não. Esse
dinheiro tem amarras, cordas que podem apertar meu pescoço a
qualquer momento. Claro, no momento os parâmetros definidos no
fundo fiduciário não são necessariamente agressivos. Não use
drogas e não cometa crimes – simples. Acontece que já vendi um
pedaço meu naquele tribunal outro dia e não estou com vontade de
vender mais. Eu já estive nessa estrada antes. Passei minha vida
inteira sob o controle de meus pais. O passatempo favorito da
minha mãe é ameaçar cortar meu dinheiro se eu não andar na linha.
Passei minha adolescência escolhendo ser o que eles queriam que eu
fosse, e agora que estou tão perto da liberdade, não estou disposta a
retroceder.
Um apartamento mais modesto em um local menos desejável
funcionará muito bem.
Eu respondo ao e-mail de Mason imediatamente, garantindo
cuidadosamente que Walt seja copiado em minha resposta, já que
Mason o incluiu no primeiro e-mail.
DE: EBrighton@gmail.com
PARA: Mason@DiomedicaAssist.com
CC: Walt@Diomedica.com
HORA: 8h16
Assunto: Re: Procura de apartamento
Obrigada por enviar essa lista de apartamentos, Mason.
Infelizmente, nenhum deles está dentro da minha faixa de preço.
Você poderia lembrar seu chefe das minhas atuais restrições
orçamentárias?
O ideal é alugar um apartamento por no máximo $1.500/mês.
Contas inclusas.
Obrigada novamente,
Elizabeth

DE: Mason@DiomedicaAssist.com
PARA: EBrighton@gmail.com
CC: Walt@Diomedica.com
HORA: 8h18
Assunto: Re: Re: Procura de apartamento
Apresentei suas preocupações ao Sr. Jennings e ele confirmou que os
apartamentos da lista devem estar dentro de sua faixa de preço.
Também devo lembrá-la de que você é responsável por assinar e
devolver os documentos legais que foram enviados a você dois dias
atrás por Rupert Hirsch em Hirsch & Dershowitz.
Gen lmente,
Mason Cunningham
Assistente de Walter Jennings II
Diomedica
Ah, que se dane. Cansada de recorrer a terceiros, decido enviar
um e-mail diretamente para Walt e ser bem direta.
DE: EBrighton@gmail.com
PARA: Walt@Diomedica.com
HORA: 8:19 AM
Assunto: Vamos direto ao ponto
Não estou alugando um apartamento por esse preço. Eu não posso
pagar, então você poderia, por favor, simplesmente ser o fiador do
apartamento que vimos ontem? Suas preocupações sobre isso eram
infundadas e francamente eli stas. Vou limpá-lo profissionalmente
antes de me mudar. Certamente, isso deve ser o suficiente para você.
Obrigada,
Elizabeth
DE: Walt@Diomedica.com
PARA: EBrighton@gmail.com
CC: Mason@DiomedicaAssist.com
HORA: 8h22
Assunto: Re: Vamos direto ao assunto
O pagamento mensal do seu fundo fiduciário mais do que cobriria o
aluguel de qualquer um dos apartamentos que Mason enviou. Por favor,
informe Mason de suas três escolhas principais e ele pode organizar
visitas para cada um.
Além disso, consulte o estudo revisado por pessoas da revista
acadêmica Science anexado, que descreve como as condições de vida
prejudiciais podem levar a problemas de saúde em todos os níveis
socioeconômicos.
DE: EBrighton@gmail.com
PARA: Walt@Diomedica.com
HORA: 8h25
Assunto: Você está sendo ridículo
Tentei ligar para você e você não atendeu. Então tentei Mason e ele
disse que você não pode falar no momento.
Por favor, ligue para mim para discu r esse assunto quando ver um
minuto livre em seu dia. Eu entendo que você está ocupado e não estou
tentando ser irracional... é que você não me deu escolha.
Um minuto depois de enviar aquele e-mail, meu telefone toca.
O nome de Walt pisca na tela, e meu coração realmente pula
uma batida, o que eu percebo ser um pouco embaraçoso, mas não
posso evitar o quão ansiosa ele me deixa.
Depois de respirar fundo e balançar a cabeça, pego meu telefone,
deslizo o dedo na tela e digo alô.
Eu imediatamente ouço o barulho da estrada ao fundo.
— Elizabeth, você vai se mudar para o meu apartamento esta
tarde. Mason pode coordenar a equipe de mudança dependendo da
quantidade de coisas que você precisa...
— O que?! Calma aí. Do que você está falando?
Ele limpa a garganta em aborrecimento por ter sido
interrompido.

É
— É a única solução que posso propor que nos apazigua. Você
está decidida a encontrar um lugar para morar que se encaixe em
um conjunto imaginário de parâmetros e estou cansado de lidar
com esse problema. Não vou mudar de ideia sobre o apartamento
de ontem também.
— Eu não vou morar com você — digo com uma risada absurda.
— Meu apartamento é grande o suficiente para nós dois. Na
verdade, duvido que nos veríamos.
— Ainda assim... isso é...
— O que? — ele pressiona.
— Insano.
— Mais insano do que já fizemos essa semana?
— Essa é uma lógica pobre.
Ele solta um de seus suspiros de marca registrada, então diz meu
nome como um apelo.
— Elizabeth.
Eu pressiono meus lábios para me impedir de sorrir.
— Eu não quero seguir suas regras. Na verdade, não quero
seguir as regras de ninguém. Eu quero morar sozinha. Financiar
minha própria vida. Andar com meus próprios pés.
— Certo. Bem, embora isso seja admirável, você terá que ceder
em alguma coisa. Ou você se muda para o meu apartamento por
alguns dias ou aceita o pagamento e se muda para um dos
apartamentos que Mason encontrou para você.
— Há uma terceira opção. Eu poderia ficar no meu hotel.
— Sim, e continue drenando sua conta bancária sem motivo.
Achei que você fosse mais inteligente do que isso.
Eu luto contra a vontade de discutir com ele.
— Por que não damos uma pausa nisso por enquanto? — Ele
continua, parecendo estar perdendo a paciência. — Estou indo para
Washington DC para trabalhar por alguns dias. Você terá o
apartamento só para você. Podemos continuar essa discussão
quando eu voltar. Certamente, você não pode apresentar um
argumento para isso.
— Tá. Mas você tem que saber, não estou tentando ser insistente
de propósito. Não é como se eu tivesse algum prazer doentio em
irritar você.
— Acho que nós dois sabemos que é mentira.
Eu tenho que reprimir um sorriso.
— Mason entrará em contato com você em breve — ele me diz.
— Não torne o trabalho dele mais difícil do que já é.
Em seguida, a linha fica muda e fico olhando para o meu
telefone, me perguntando como diabos eu me meti nessa bagunça.
É claro que eu poderia ir contra as exigências de Walt. Eu
poderia ficar nesse quarto de hotel miserável com sua iluminação
ruim, cama dura e banheiro apertado. Eu também poderia
economizar dinheiro e me mudar para o apartamento de Walt
apenas por alguns dias, apenas até que possamos retomar nossas
negociações. Hmm... o que fazer, o que fazer.
Obviamente, eu tenho minhas malas prontas dentro de uma
hora e estou sentada no banco de trás de um táxi, indo em direção
ao endereço que Mason me enviou em um e-mail logo depois que
eu desliguei o telefone com Walt.
Assim que piso na calçada em frente ao moderno prédio da
Tribeca, um porteiro sai correndo para me cumprimentar. Ele é um
cara jovem com vitalidade em seus passos e um sorriso enorme e
descontraído.
— Sra. Jennings, bem-vinda, bem-vinda. Deixe-me pegar suas
malas.
Não presto atenção a nada que ele diz depois de “Sra. Jennings”.
Mason disse a esse homem que sou a esposa de Walt?! Ele
deveria ter feito isso?! Quero dizer, sim, tecnicamente, é verdade no
papel, mas estou surpresa por alguém realmente se referir a mim
dessa maneira.
O porteiro pisca enquanto pega minhas duas malas. Talvez ele
perceba que estou em choque.
— Todos no prédio já ouviram a boa notícia. A notícia corre
rápido por aqui.
Eu aceno com um sorriso fraco, tentando chegar a uma resposta
que não me faça colocar meu pé na boca.
O porteiro confunde meu constrangimento com timidez,
balançando a cabeça em tom de desculpa.
— Foi mal. Eu nem mesmo me apresentei. Eu sou Terrell. Estou
de serviço na maioria dos dias. Você provavelmente vai conhecer
Josh também. Ele trabalha no turno da noite.
— Prazer em conhecê-lo, Terrell.
Eu estendo minha mão apenas para perceber que ele está
carregando minhas duas malas. Nós rimos do erro e então ele dobra
o braço, sugerindo que façamos uma batida boba com o cotovelo.
Gosto dele imediatamente e fico feliz em ter pelo menos um rosto
sorridente para me cumprimentar na porta enquanto eu ficar aqui,
não importa por quanto tempo isso seja.
Ele me leva pelo saguão e eu fico olhando para o teto, tentando
adivinhar sua altura. Cinco metros? Dez?
— Três andares de altura — Terrell confirma para mim quando
chegamos aos elevadores.
Eu imediatamente fecho minha boca, ciente de que ele está
olhando para minha reação de queixo caído enquanto caminhamos
pelo saguão.
— É lindo.
Ele concorda.
— Sim. Já trabalhei em algumas residências de alto padrão, e
essa definitivamente ganha. — Então ele se inclina. — Eu não
deveria dizer nada, mas Harry Styles é o dono do apartamento
abaixo do seu.
Agora meu queixo realmente está no chão.
— Lamento dizer, porém, eu só o vi aqui uma vez.
Pfft. Como se isso fosse me impedir de usar uma colher para
criar um daqueles buracos de Um Sonho de Liberdade no chão do
apartamento de Walt para que eu pudesse espiar.
As portas do elevador se abrem e entramos. Três das quatro
paredes são feitas de vidro e, à medida que subimos e subimos cada
vez mais, o saguão fica cada vez menor abaixo de nós.
— Você vai ficar na cobertura em cima do 35º andar.
Um leve choque de animação atinge meu sangue. Mal posso
esperar para ver a vista de dentro do apartamento.
Quando chegamos ao andar de Walt, Terrell acena para eu
segui-lo, direto do elevador para a galeria de entrada formal do
apartamento. Há uma mulher parada ali, esperando por nós,
vestindo uma blusa de seda enfiada em uma calça de perna larga da
moda. Seu cabelo loiro curto e batom rosa claro acentuam seus
traços bonitos.
Meu estômago embrulha quando percebo no que acabei de me
meter.
Ai, Deus. Eu nem havia considerado esse cenário.
SEIS
— Eu sinto muito! — Murmuro rapidamente, voltando para o
elevador e correndo direto para Terrell. Ele solta um ugh audível
enquanto tenta ficar de pé e, felizmente, consegue impedir que nós
dois nos espalhemos no piso de mármore xadrez preto e branco.
Sou eternamente grata a ele, considerando que odiaria me
envergonhar ainda mais na frente desta mulher.
— Oh, Sra. Jennings, sinto muito por tê-la surpreendido! — a
mulher diz, correndo para me ajudar a me firmar.
Eu franzo a testa enquanto dou um passo para trás para me
orientar novamente, confusa com o motivo pelo qual a namorada
ou amante de Walt, ou quem quer que seja, está se desculpando
comigo.
— Eu sou Rebecca, a concierge aqui na Penthouse 35 — diz ela
com um sorriso premiado.
— Eu deveria ter avisado que ela estaria aqui — Terrell diz com
uma risada leve.
— Porteira? — Eu pergunto, olhando entre eles.
Rebecca dá um passo à frente.
— Sim. Eu trabalho aqui no prédio para ajudar a servir todos os
residentes de alto nível. Você e o Sr. Jennings estão entre eles.
Normalmente, não estarei esperando por você aqui quando você
chegar em casa, mas o Sr. Jennings solicitou que eu a guiasse e a
ajudasse a se instalar. — Ela olha para além de mim e acena com a
cabeça para Terrell. — Você poderia levar as malas da Sra. Jennings
para a suíte principal no final do corredor enquanto eu a levo para
um breve tour?
Breve.
Sei.
Claro, poderia ser breve - se não fosse pela planta palaciana de
Walt. É como se eu estivesse visitando um museu.
Caminhamos pelo corredor central, passando por alguns dos
quartos, todos com banheiros privativos. Ao espiar ligeiramente por
alguns deles, posso dizer que cada um seria como viver em uma
suíte de hotel luxuosa.
O corredor termina diretamente no que Rebecca se refere como
uma grande sala de tirar o fôlego com dois terraços e vistas das
pontes de Brooklyn, Manhattan e Williamsburg. Eu ouço
atentamente enquanto ela me conta como o apartamento foi
reformado pela Reber Design Architecture em coordenação com
Emma Donnersberg Interiors.
Na suíte principal - onde Walt dorme e Terrell deixa minhas
malas - há uma lareira, uma sala de estar fora de um terraço externo
e um banheiro principal com piso aquecido radiante, banho de
vapor e banheira de imersão.
Eu mal tenho um momento para apreciá-lo antes de Rebecca me
varrer para o corredor nos levando a cozinha aberta do chef, onde
há duas ilhas, duas geladeiras Sub-Zero e um forno duplo Miele.
Fora da cozinha, há um armário de vinhos com 550 garrafas de
granito e latão, e um bar de mármore, ambos escondidos atrás de
portas de carvalho lavadas. Do outro lado está a biblioteca com
carpintaria do chão ao teto.
Eu mal consigo levantar meu queixo do chão. Se eu estivesse
sozinha, estaria correndo de um cômodo para o outro com olhos
enlouquecidos, minha mão cobrindo minha boca para tentar conter
os gritos de alegria. Eu cresci em torno da riqueza. Eu sei como os
verdadeiramente ricos vivem, mas isso é diferente. Este não é o 1%,
é o 0,0001%. Só a arte de Walt já faria chorar qualquer crítico
perspicaz.
Há uma paisagem de David Hockney pendurada na sala grande.
Um nu em grande escala de Jenny Saville na sala de jantar. Um dos
esboços das mãos de Albrecht Dürer está pendurado na galeria de
entrada, e mais notavelmente, A Banquet Still Life, de Jan
Davidszoon De Heem, está sentado acima da lareira na biblioteca.
Eu fico olhando para ele depois que Rebecca sai, ligeiramente
atordoada. Eu sabia que estava programado para ser leiloado na
Christie's recentemente, mas foi vendido a um colecionador
particular antes que o leilão pudesse acontecer. Foi um escândalo
discreto em todo o mundo da arte. Todos os blogs que sigo
especulam sobre quem poderia ter comprado a obra-prima. O
melhor palpite era que ele havia sido adquirido pela Menil
Collection, o que faz sentido, considerando que poderia facilmente
ser o ápice do museu de Houston e, ainda assim, está no
apartamento de Walt.
É uma sensação estranhamente íntima ficar sozinha com a
pintura, como se eu tivesse recebido permissão para uma exibição
privada. A peça em grande escala é feita no verdadeiro estilo
holandês, com uma paleta de cores temperamental e atenção
meticulosa aos detalhes. Ele retrata os restos de uma mesa de
banquete pesadamente carregada, após um jantar extravagante. Em
cima dos lençóis drapeados estão uma torta comida pela metade,
um pêssego fatiado, uma xícara de estanho inclinada de lado e uma
cesta de vime transbordando de frutas. Eu sei que De Heem adorava
embutir metáforas em seu trabalho. Por exemplo, as maçãs na cesta
sem dúvida se referem ao fruto proibido no Jardim do Éden. As
taças de vinho provavelmente fazem alusão à natureza redentora da
Última Ceia.
Eu poderia ficar olhando para ele a noite toda, mas meus dedos
estão coçando para começar a trabalhar. Não me preocupo em
desempacotar minhas roupas ou explorar o apartamento. Corro de
volta para o quarto de Walt, abro o zíper da minha mala e jogo os
suprimentos até encontrar um novo caderno de desenho e um lápis
de desenho afiado. Então levo os dois de volta para a biblioteca -
quase correndo - quando viro a esquina, como se estivesse com
medo de que a pintura tivesse desaparecido durante o tempo que
estive fora.
Com um suspiro de alívio, encontro-a exatamente onde a deixei,
e a mesma onda de excitação me percorre enquanto penso na
melhor forma de organizar minha configuração para o desenho.
Ligo o lustre pendurado no centro da sala, pois o sol está
começando a se pôr e, em seguida, olho ao redor, inspecionando os
móveis. Há dois sofás de couro confortáveis que ficam de frente um
para o outro perto da lareira. Entre eles tem uma mesa de centro
pesada adornada com decoração e livros. Por um momento,
considero mover tudo de lado e me sentar na mesa para desenhar,
mas minhas costas estariam me matando depois de cinco minutos.
Em vez disso, pego uma cadeira da mesa de xadrez sofisticada no
canto e - depois de saber que não consigo realmente levantar essa
maldita coisa - empurro-a pelo chão de assoalho até que fique em
frente à lareira. Ainda não está certo. Posicionado onde está, é como
se eu estivesse na primeira fila de um cinema, esticando o pescoço
para ver a pintura.
Eu realmente preciso estar bem onde fica a mesa de centro, mas
a coisa pesa 136 quilos e não se move, não importa o quanto eu a
empurre. Pensando rápido, uso meu celular para ligar para Terrell,
grata que ele e Rebecca me deram suas informações de contato
antes de partirem.
Menos de cinco minutos depois, ele está de pé ao meu lado na
biblioteca do apartamento, franzindo a testa para a mesa de centro.
— Parece caro — observa ele. — Tem certeza de que podemos
movê-lo?
Eu coloco minhas mãos em meus quadris.
— Qual é a pior coisa que poderia acontecer?
A pior coisa que pode acontecer é rasgarmos o tapete que está
embaixo da mesa de centro no segundo em que começarmos a
empurrar.
Oh droga.
Nem pensei em como o tapete era delicado.
Eu olho para cima para ver a cor sumir do rosto de Terrell
enquanto ele avalia o dano.
— Será que ele comprou na IKEA? — Eu brinco, tentando aliviar
o clima.
Terrell parece ainda mais horrorizado.
— Ok, certo. Ouça, você nunca esteve aqui, — eu digo, já o
empurrando em direção à porta da biblioteca. — Eu mudei isso
sozinha. Você entendeu?
— Não. Isso não está certo.
— Sim, está! Sou a esposa de Walt e este é meu apartamento
agora também, e você estava apenas seguindo minha liderança.
Você não está com problemas. Você estava me ajudando. Então,
obrigado e tenha um ótimo resto de noite.
— Eu não posso deixar você levar a culpa-
— A culpa? Não seja bobo. Walt tem dinheiro suficiente para
comprar mais mil desses tapetes idiotas e, além disso, está
perdidamente apaixonado por mim e não vai se importar com nada
disso quando chegar em casa. Eu te asseguro.
Ele balança a cabeça então, finalmente começando a acreditar
em minhas mentiras. Elas fazem sentido. Por que Walt se importaria
muito com um tapete de qualquer maneira?
Eu o convenci a não levar a situação muito a sério quando o
acompanhei para fora do apartamento e, ao fazê-lo, quase me
convenci também. Quer dizer, é um tapete. Não é nada comparado
com a pintura pendurada na sala, a pintura que me atrai de volta
para suas garras quando eu volto para a biblioteca.
Decido deixar o problema do tapete em segundo plano por
enquanto, então coloco minha cadeira na posição perfeita em frente
à lareira, pego meu lápis e o bloco de desenho e começo a trabalhar.
Passei minha noite inteira naquele local, apenas me movendo
para usar o banheiro e pegar uma maçã na cozinha antes de voltar
ao trabalho. Quando minha mão dói e meus olhos ficam embaçados,
eu me movo para um dos sofás de couro e me envolvo na manta de
cashmere pendurada no braço lateral.
É onde durmo até que o sol nasce pelas janelas e me acorde. Eu
nem estou brava considerando que a pintura é a primeira coisa que
vejo quando eu pisco meus olhos abertos.
Meu estômago ronca de impaciência enquanto caminho pelo
apartamento, tentando decidir qual quarto usar para me refrescar.
Terrell colocou minhas malas no quarto de Walt ontem, mas não há
como invadir seu espaço assim. Em vez disso, escolho o menor dos
quartos de hóspedes, que ainda é palaciano para os padrões de
qualquer pessoa. Depois de me enxaguar no banho de vapor, pego
uma calça jeans preta e uma camisa de botão de cambraia macia de
grandes dimensões.
Precisando de cafeína e comida, vou para a cozinha e preparo
uma tigela de cereal. Em seguida, tento descobrir a máquina de café
expresso embutida. Consigo vaporizar e espumar o leite antes
mesmo de qualquer café ser servido. Eu chamo a máquina de alguns
palavrões bem escolhidos enquanto aperto meus punhos e,
finalmente, só depois de pressionar uma série aleatória de botões em
um acesso de raiva, é que a maldita coisa esguicha café expresso na
minha caneca.
Agradeço ao senhor, pego a caneca antes que o café evapore e,
em seguida, lanço o rabo de volta para a biblioteca.
Não pretendo sair do quarto o dia todo. Estou elaborando um
plano e a sala está me ajudando a pensar. Até agora, meu trabalho
de pós-graduação tem sido completamente sem objetivo. Por
algumas semanas, tenho esboçado e desligado sem nenhum objetivo
real em mente e tem sido um pouco enlouquecedor, mas me sinto
tão inspirada pela obra-prima de De Heem. Eu sei que quero basear
minha próxima série na pintura.
Meu plano vago é desconstruir a natureza-morta clássica usando
uma combinação de técnicas cubistas e modernistas. Quero
desenvolver as cores suaves de De Heem e saturar a tela com
camadas de pastéis e tinta acrílica.
Eu esboço composições o dia todo, pré-planejando algumas
peças enquanto penso em quais galerias da cidade de Nova York eu
poderia apresentar a série. Um grande jogador como a Hauser &
Wirth seria um sonho, mas pelo que ouvi, eles não estavam
adquirindo novos artistas. Existem galerias menores que estariam
mais dispostas a assumir uma voz incipiente no mundo da arte, mas
mesmo elas são raras. Na era das mídias sociais, não preciso
necessariamente de representação. Muitos jovens artistas nem se
importam com galerias de tijolo e argamassa, mas não consigo
desistir do sonho de entrar em meu próprio show e ver minha arte
em exibição. Sempre foi meu objetivo.
Eu me empolgo enquanto trabalho, esquecendo de comer até
ficar um pouco tonta. Preparo para mim um sanduíche enorme na
cozinha, acumulando o máximo de sustento que consigo, antes de
levar minha comida de volta para a biblioteca e inspecionar os
esboços que coloquei na mesa de centro. É fácil para mim criticar
meu trabalho neste estágio. Prefiro jogar fora as más ideias agora do
que mais tarde, depois de tê-las feito ganhar vida na tela.
Estou na metade do meu sanduíche, mastigando uma grande
mordida, quando ouço um homem falar atrás de mim.
— Obviamente, precisamos estabelecer algumas regras nesta
casa.
SETE
Eu pulo da minha pele e meu prato escorrega dos meus dedos
antes de cair no chão. Ele se estilhaça, espalhando pedaços de
porcelana e comida aos meus pés quando me viro para olhar por
cima do ombro.
Walt está parado na soleira da sala com as mãos enfiadas nos
bolsos da frente da calça. Sua boca está franzida. Suas sobrancelhas
escuras estão franzidas em óbvio desdém. Já o vi irritado em várias
ocasiões, mas agora é diferente. Eu cruzei uma linha. É óbvio pela
maneira como sua mandíbula bate: ele está puto.
— Oh Deus — murmuro baixinho enquanto olho para o dano
que causei. Minha comida não apenas derramou, ela criou uma
obra-prima de Jackson Pollock em seu tapete, sofá e mesa de centro.
A sala já estava uma bagunça antes. Meus esboços estão
espalhados por toda parte. Minha xícara de café matinal e lápis sem
brilho estão espalhados pela mesa. Meu suéter está jogado ao acaso
nas costas de um dos sofás de couro, junto com seu cobertor de
cashmere. Encontrei uma seção de história da arte em sua biblioteca
ontem e tirei meia dúzia de livros, examinando as páginas sobre
Picasso e outros cubistas, tentando obter mais inspiração para
minha série.
Nem me ocorreu que Walt estaria em casa tão cedo. Eu me sinto
uma idiota absoluta. Eu tinha planos de cuidar de mim mesma
antes que ele chegasse. Eu queria ir ao supermercado e repor toda a
comida que tinha comido. Eu estava pensando em substituir ou pelo
menos consertar seu tapete. Meu objetivo era fazer parecer que eu
nem tinha estado aqui, mas agora isso é absolutamente impossível.
Eu poderia muito bem ter marcado o lugar com letras de batom
vermelho que soletram ELIZABETH ESTEVE AQUI.
Uma série de palavrões rola como um noticiário em meu
cérebro. Murmuro baixinho enquanto começo a juntar o máximo do
meu jantar que posso o mais rápido possível.
Eu me encolho quando pego um pedaço mole de alface e me
movo para colocá-lo de volta no prato, apenas para ser lembrada de
que o prato é feito em um milhão de pedaços. Eu começo a
trabalhar nisso em seguida, indo rápido, ciente de que Walt ainda
está pairando perto da porta, provavelmente tentando controlar sua
raiva.
Ele abriu sua casa para mim e eu absolutamente tirei vantagem
dele. Isso é embaraçoso. Ele vai pensar que fui criada por lobos.
— Você vai se cortar. — Ele diz em um tom duro.
— Sim, bem, quem se importa? — Eu digo sem pausar meus
esforços de limpeza. — Eu já danifiquei este tapete ontem, e agora
olha só. Há mostarda em todos os lugares.
— Eu tenho isso há anos.
Eu aperto meus olhos fechados.
— Oh Deus, não me diga isso.
— Eu só quero dizer... talvez seja a hora de um novo. Você
poderia parar de pegar os cacos de porcelana com as mãos
desprotegidas? Olha, você já se cortou duas vezes.
Eu olho para os pequenos cortes na minha mão esquerda. Eles
são apenas um pouco piores do que um corte de papel, e eu não
posso nem senti-los. Estou muito focada no erro enquanto ele
desaparece, então retorna um momento depois com alguns itens
nas mãos. Ele me passa duas bandagens e eu as pego com cuidado
para não o tocar com meus dedos cortados.
— Obrigada. — Eu digo, incapaz de olhar nos olhos dele.
Vou lavar e limpar os cortes mais tarde, mas, por enquanto,
aplico o curativo e estendo a mão para pegar os outros suprimentos
que ele trouxe: um pequeno saco de lixo, uma vassoura portátil e
uma pá de lixo.
Em vez de entregar tudo, ele se abaixa na minha frente, de terno
elegante e tudo, e começa a limpar.
— Segure o saco aberto. — Ele instrui bruscamente.
Eu faço o que ele manda para que ele possa facilmente jogar
tudo o que está varrendo do chão e do tapete. Ele é eficiente com
isso, trabalhando em quadrantes cuidadosos, tentando obter até a
última peça de porcelana.
— Eu gostaria de me desculpar... — Eu começo timidamente.
Ele não faz nenhum som ou confirmação de que me ouviu, mas
continuo.
— Eu me empolguei um pouco aqui enquanto você estava fora.
Nada ainda.
— E eu pretendia limpar tudo antes de você chegar em casa.
— Você reorganizou minha mobília. — Ele aponta, soando como
se não acreditasse.
Ah sim. Eu tinha me esquecido desse fato.
— Certo. Sim. Bem, isso era para que eu pudesse ter uma visão
melhor da pintura, e como eu disse, eu ia colocar tudo de volta.
— Como você conseguiu mover aquela mesa de centro? Não
havia como você ter feito isso sozinha. É extremamente pesada.
— Ah, eu simplesmente forcei bastante.
— Acho isso difícil de acreditar.
Penso no pobre Terrell e minha voz transmite ainda mais
convicção quando respondo de novo.
— Eu sou mais forte do que pareço.
Ele cantarola baixinho como se ainda não acreditasse em mim,
mas não insiste no assunto.
— Vou pagar por um tapete novo. Não tenho certeza se é
recuperável agora. Mesmo antes, duvido que pudéssemos ter
consertado o rasgo.
— O rasgo?
Por Deus. Muito bem, Elizabeth. Ele não tinha notado isso ainda.
— Sim... bem... quando mudei a mesa de centro...
Eu aponto para o dano e ele se vira para seguir meu dedo,
pausando seu trabalho.
Cada terminação nervosa do meu corpo está em alerta máximo.
Estou além de preocupada com a forma como ele vai reagir. Na
verdade, estou um pouco assustada. Eu observo sua nuca,
observando o cabelo escuro e liso, a linha precisa de contraste entre
sua pele e a parte de trás de sua camisa. Eu gostaria de poder ver
seu rosto quando ele diz:
— Foi um acidente.
Estou atordoada em silêncio.
Ele está me dando o benefício da dúvida? Devo ter ouvido ele
errado.
— Sim, mas eu ainda estraguei tudo. Eu gostaria de retribuir por
isso.
— Um acidente é um acidente e, além disso, o seguro vai cobri-
lo.
— Mesmo assim, gostaria que você me dissesse quanto custou e
pagarei um cheque. Isso é justo na minha opinião.
Sem pausa, ele diz o número, e eu pisquei, pisquei, pisquei,
tentando determinar como alguém poderia gastar tanto dinheiro
em algo para colocar os pés. Lentamente, eu olho para baixo, minha
boca aberta.
Então, eu salto para fora dos meus pensamentos, horrorizada
com o que fiz.
— Você está falando sério?!
— É por isso que tem seguro. — Diz ele, empurrando para ficar
de pé e me lembrando de nossas diferenças, não apenas em
tamanho, mas em idade, refinamento e personalidade. — De
qualquer forma, o prato e a comida estão limpos agora. Reúna o
resto de suas coisas e lave os cortes logo ou eles podem infeccionar.
Então ele sai com o material de limpeza, e eu não o vejo
novamente pelo resto da noite. Eu faço minha parte arrumando o
resto da sala, mas não posso reposicionar a mobília sozinha. Não, a
menos que eu queira causar ainda mais danos.
Quando acordo no dia seguinte e saio na ponta dos pés do meu
quarto de hóspedes, o apartamento está vazio. Walt já se foi. Enfio a
cabeça na biblioteca, chocada ao ver que ele já removeu o tapete
arruinado e reposicionou a mobília para que ficasse bonita e
arrumada, mas não no mesmo arranjo de antes. Na verdade, os
sofás e a mesa de centro foram afastados da lareira para dar lugar a
uma pequena mesa quadrada e despretensiosa e uma cadeira. Por
baixo de ambos, ele colocou um grande tapete de plástico
transparente, como aqueles que as pessoas deslizam por baixo das
cadeiras em escritórios. Aqui, ele funcionará para proteger o piso de
assoalho de maiores danos.
Não há nota de acompanhamento ou lista de diretivas, mas está
claro para mim que ele ainda está me permitindo o uso de sua
biblioteca, mesmo depois de ontem.
Eu fico lá novamente o dia todo, tentando me manter
cuidadosamente relegada à mesa que ele providenciou. No começo,
eu consigo. Por cinco minutos. Mas as pessoas trabalham em
estúdios de arte por um motivo. Preciso de espaço para trabalhar,
espaço para espalhar meus esboços, lápis e tons pastéis. Tenho que
ser capaz de ver todo o meu trabalho de uma vez, porque estou
tentando restringir meus conceitos favoritos para poder traduzi-los
em pequenas telas. Isso é o que vou levar comigo para vender em
galerias de arte.
Mais tarde naquela noite, bem quando estou pegando fogo com
um dos meus esboços - tendo caminhado pelo vale "Estou sem
talento" e subindo do outro lado para o pico "Isso é realmente bom"
- sinto a presença de Walt na porta.
Os cabelos da minha nuca se arrepiam e eu continuo
trabalhando, ou pelo menos tento, meus dedos vacilam um pouco,
menos hábil em segurar um pastel do que eram há poucos
segundos.
Desta vez, não me desculpo pelo estado da sala. Vou continuar
nela depois de mim mesma, como fiz ontem à noite. E olha só, eu
não danifiquei permanentemente nenhuma de suas propriedades
hoje, então isso é uma vitória para mim.
Não tenho certeza de quanto tempo ele fica lá, me observando
desenhar. Em algum momento, esqueço de ser autoconsciente e
volto meu foco para minha arte. Eu perco a noção do tempo de
novo, tanto que quando finalmente me lembro de olhar para trás
em direção à porta, ele já se foi.
Na manhã seguinte, eu saio da cama ainda mais cedo do que de
costume para que possa caçar Walt. É sábado de manhã e a maioria
dos humanos normais está aninhada na cama, mas Walt não é
normal. Não, ele provavelmente está planejando ir para o trabalho a
qualquer minuto agora, e eu preciso pegá-lo antes que ele o faça.
Temos muito que discutir.
Preciso avisá-lo que terminei de ler os documentos legais ontem
à noite. Eles descreveram cada pequeno detalhe de nosso
casamento, desde como vamos declarar impostos até como
receberei seguro saúde sob sua cobertura, mas não me deram
nenhuma ideia do que ele espera de mim como sua esposa.
Obviamente, esse casamento não será mantido em segredo se as
pessoas do prédio já me conhecem como Sra. Jennings. Além disso,
também precisamos retomar de onde paramos sobre alugar meu
próprio apartamento em vez de ficar aqui.
Eu pulo no chuveiro, recostando-me sob o fluxo quente
enquanto trabalho com os abridores de conversa na minha cabeça.
— Walt... Walter... Sr. Jennings...
ECA.
Pensando bem, vou falar do fundo do coração e espero que
esteja tudo bem.
Depois do meu banho rápido, eu me apresso para me preparar
para o dia com uma leve camada de maquiagem. Depois, vou para o
meu armário, feliz por ter tido tempo para lavar uma carga de
roupa ontem. Pego minha blusa de gola alta creme favorita e a
coloco dentro de um par de jeans escuros. Coloco meu medalhão e
Patek Philippe, e então pego o cheque que fiz ontem à noite antes
de sair do meu quarto em silêncio.
Eu ouço com atenção, tentando determinar se Walt está em casa.
Eu faço todo o caminho até a cozinha sem ouvi-lo e, estranhamente,
meu coração afunda.
Eu realmente queria que ele estivesse aqui, e não acho que seja
apenas por causa da conversa que precisamos ter.
Depois de colocar o cheque na mesa, abro a geladeira e olho para
a comida dentro, um pouco sem inspiração, pouco antes de ouvir
uma voz.
— Não estou na minha mesa agora, então não tenho as
modificações do dispositivo para o ensaio clínico na minha frente.
Eu me viro a tempo de ver Walt sair da despensa com uma
braçada de ingredientes que ele deixa cair na ilha mais próxima a
ele. Ele olha para cima e me nota, e eu sorrio com força, um pouco
envergonhada. Ele não apenas está em uma ligação de negócios que
provavelmente interrompi, como também está totalmente
malvestido, apenas com as calças do pijama.
Ver Walt sem camisa é a mesma coisa que quando eu
acidentalmente tropecei em um dos romances quentes da minha
mãe quando eu tinha doze anos. Minhas bochechas ficam
vermelhas como se eu nunca tivesse visto um torso nu antes. É
absolutamente ridículo. Já participei de aulas de desenho ao vivo
em que estudamos a forma humana nua, tanto de homens quanto
de mulheres, sem falar que já tive namorados. Vários. E eu também
os vi nus!
Então, por que o peito nu de Walt é tão chocante?
Não posso dizer no momento. Estou muito focada em tentar
engolir o nó na minha garganta.
Ele se move primeiro, concentrando sua atenção nos
ingredientes que tirou da despensa: uma banana, um abacate e um
pote de manteiga de amendoim, bem como sacos de sementes de
linho e chia.
— O FDA suspendeu a aprovação para as derivações do líquido
cefalorraquidiano no ano passado por causa desse mesmo problema.
Você precisa entrar em contato com Michael.
Não tenho ideia do que ele está falando, mas vejo quando ele
começa a descascar a banana e jogá-la no Vitamix. Em seguida, ele
corta o abacate, tira cada metade e joga os dois no liquidificador
também. Então, ele faz uma pausa e dá a volta na ilha em direção à
geladeira - na minha direção - e eu não penso rápido o suficiente
para me mover antes que ele esteja bem na minha frente.
Acho que a pessoa do outro lado da linha está divagando nos
AirPods de Walt porque não está dizendo uma palavra. Ele está
olhando para mim com expectativa.
— Mova-se. — Ele finalmente murmura.
Eu grito um pedido de desculpas humilde e me afasto para que
ele possa abrir a geladeira e puxar ainda mais ingredientes. Leite de
amêndoa e espinafre são adicionados à pilha ao lado do Vitamix
antes de Walt balançar a cabeça e começar a discutir com a pessoa
do outro lado da linha.
— É por isso que temos representantes de dispositivos no centro
cirúrgico, exatamente por esse motivo. Não. Espere-
Então ele desaparece no corredor, abandonando sua comida.
Ouço uma porta abrir e acho que ele está em seu escritório - a
sala ao lado da biblioteca que não ousei dar uma olhada - então
espero alguns minutos, querendo ver se ele vai voltar em breve. Um
minuto se passa e não há sinal dele. Decido que, enquanto espero,
posso também mexer alguns ovos para meu próprio café da manhã
e, quando termino de comer, desço o corredor na ponta dos pés e
ouço do lado de fora da porta. Ele ainda está ao telefone e agora me
sinto mal. Ele provavelmente está ficando com fome.
De volta à cozinha, eu inspeciono seus ingredientes de smoothie
com olhos estreitos. Posso guardar todos para que não estraguem ou
posso terminar de fazer seu smoothie para ele. Estou sujeita a errar,
não importa o cenário que eu escolher. Ele pode ficar com raiva de
mim por fazê-lo perder tempo tirando tudo de novo, ou pode ficar
irritado por eu ter estragado seu smoothie. Acho que é melhor
tentar ajudá-lo do que não fazer nada. Coloco um punhado de
espinafre em cima da banana e do abacate, depois adiciono
cuidadosamente duas colheres de cada tipo de semente. Pego um
bocado de manteiga de amendoim e adiciono também antes de
colocar um pouco de leite de amêndoa. Depois de colocar um pouco
de gelo por cima, ligo o Vitamix, observando enquanto a mistura
fica com um verde vibrante. Eu provo um pouco, agradavelmente
surpresa. Tenho certeza de que ele pelo menos não vai odiar.
Eu limpo depois de terminar, ouvindo no corredor para
descobrir que ele ainda está ao telefone.
Não tenho certeza se ele come mais alguma coisa junto com seu
smoothie matinal, então decido fazer alguns ovos mexidos para ele
também, e depois faço um café com leite chique para ele com a
máquina de café expresso que agora sou uma profissional em usar.
Nos armários, entre as prateleiras de travessas, encontro uma
bandeja de prata, coloco toda a comida em cima, assim como meu
cheque, e carrego tudo pelo corredor.
Está quieto agora quando viro a esquina e vejo que Walt está
sentado atrás de sua mesa, focado em seu computador. Seus
AirPods ficam ao lado de seu teclado, então pelo menos não estou
interrompendo sua ligação.
— Toc Toc.
Walt ergue os olhos e para de digitar.
Eu estendo a bandeja com um sorriso hesitante, mas Walt não
me convida imediatamente para seu escritório, o que por algum
motivo ridículo fere meus sentimentos. Posso sentir minhas
bochechas ficando vermelhas de novo, então meio que giro sobre os
calcanhares para poder voltar correndo pelo corredor.
— Eu só... vou colocar isso de volta na cozinha para quando você
estiver com fome.
Eu quero derreter em nada. Na verdade, não há palavras. O que
eu estava pensando ao fazer o café da manhã para ele?! Eu não sou
amiga dele! Sou uma estranha com quem ele foi forçado a morar e,
se eu fosse ele, gostaria de ter o mínimo de interação possível
comigo.
Dou dois passos no corredor antes que ele fale.
— Você pode simplesmente trazê-lo aqui.
OITO

Com as mãos tremendo mais do que eu gostaria, carrego a


bandeja de Walt para dentro do escritório.
Pare. PARE, digo a elas, tentando controlar os espasmos
indisciplinados.
Ele vai ver e saber que tem algum tipo de controle sobre minha
compostura. Eu odiaria dar a ele essa satisfação.
Quando passo pela soleira, encontro Walt ainda sentado atrás de
sua mesa, sem se incomodar com minha reentrada. Na verdade, ele
não levanta os olhos, mesmo quando paro e espero por suas
instruções.
Ele simplesmente continua digitando em seu teclado.
Minhas mãos finalmente param de tremer quando o
aborrecimento bate nos nervos residuais.
— Você queria café da manhã, certo? Eu não imaginei você
dizendo isso?
— Você pode colocá-lo lá. - diz ele, ainda sem olhar para cima.
A AUDÁCIA. Honestamente.
Limpo a garganta em vez de falar o que penso, então deixo cair a
bandeja de prata - um pouco menos delicada do que poderia ter
feito antes - bem em cima do trabalho em sua mesa. Um pouquinho
de seu café com leite derramado pela lateral da caneca na bandeja.
— Eu gostaria de ter uma palavra com você. — Eu digo,
mantendo minha posição e levantando meu queixo com confiança.
Sua sobrancelha se curva quando ele pega seu smoothie. Depois
de um longo gole, ele responde:
— Uma palavra?
— Sim. Acho que você me deve uma conversa, no mínimo.
Ele pega seu prato de ovos sem me dar uma indicação se tenho
ou não permissão para continuar. Eu o observo comer por um
momento, perturbada por sentir a necessidade de olhar para seu
peito e braços nus. Quando ele leva o garfo à boca, os músculos de
seus braços ganham toda a minha atenção.
No momento em que recupero os meios para desviar o olhar, ele
me pegou.
Eu cerro os dentes de raiva.
— Eu posso tentar te pegar em um momento melhor. — Eu digo,
olhando para o teto.
— Trabalho aos sábados. Este é um momento tão bom quanto
qualquer outro, se você quiser falar sem interrupções. Estarei ao
telefone o resto da manhã.
Muito bem. Sou capaz de impedir que minha língua saia do
canto da boca. Ele não é tão bonito!
— Tenho alguns itens que gostaria de discutir. — Digo, tentando
manter meu tom todo profissional para que ele não tenha uma ideia
errada sobre porque estou incomodando-o.
— Vá em frente então.
Seu celular vibra em sua mesa com uma chamada recebida e ele
faz questão de enviá-la para o correio de voz. Eu considero isso um
bom sinal.
— Eu queria dizer que agradeço por você ter aberto sua casa
para mim e, embora no começo eu achasse que ficaria apenas alguns
dias, eu estava me perguntando se você concordaria comigo
estendendo meu tempo aqui.
Dou a ele a oportunidade de perguntar minhas razões, mas ele
não pergunta, então eu as dou de qualquer maneira.
— Sou uma artista, como você já deve ter adivinhado, e você
tem uma pintura...
— A Banquet Still Life. — ele fornece.
— Sim. — Eu digo, repentinamente cheia de entusiasmo com a
chance de discutir isso com ele. Eu me inclino para frente. — Eu vi
no site da Christie no início deste ano. Como você a adquiriu?
Ele percebe a ênfase que coloquei em “você” e seus olhos se
estreitam.
— Eu comprei. — Ele diz simplesmente.
Eu imediatamente volto atrás, ciente de que posso ter pisado em
seu ego.
— Certo. Bem... chamou minha atenção, por motivos óbvios, e
pretendo fazer uma coleção baseada na pintura, o que significa,
idealmente, teria acesso a ela regularmente.
— Eu já disse que você é bem-vinda para ficar aqui. — diz ele,
como se estivesse irritado comigo por estar falando
monotonamente.
— E embora aprecie isso, acho importante não tirar vantagem da
situação. Você encontrará um cheque lá na bandeja — aponto para
onde está dobrado no canto — que deve cobrir algumas semanas de
aluguel, bem como uma parte do tapete que eu danifiquei.
Ele usa uma das mãos para pegar o cheque e desdobrá-lo. Então
ele o deixa cair com desinteresse em sua mesa antes de retornar ao
seu café da manhã.
— Isso é tudo?
Cara, ele é um osso duro de roer.
Talvez antes, eu teria sido muito tímida para tocar no próximo
tópico, mas parece que não posso cair mais em suas boas graças,
então eu poderia muito bem continuar.
— Não, há mais uma coisa. Eu li as últimas páginas dos
documentos legais que seu advogado enviou, e quase tudo está
bem-
— Bom.
— Mas, não havia detalhes sobre como eu deveria agir como sua
esposa.
Eu o observo engolir sua mordida, em seguida, cuidadosamente
soltar o garfo na bandeja de prata. Seus olhos castanhos pegam os
meus e é como uma descarga de adrenalina.
— Só não tenho certeza do que você espera de mim. — continuo.
— Em que aspecto?
Mordo meu lábio inferior por um momento, tentando encontrar
uma maneira delicada de dizer o que estou prestes a dizer.
— Eu sei que este casamento é apenas um negócio, como você
disse antes. — Ele abre a boca, e eu me apresso para interrompê-lo
antes que ele possa falar e efetivamente me apunhalar no coração
com alguma resposta cruelmente indiferente. —Não tenho a ilusão
de que você tem sentimentos por mim ou algo assim. — Sinto
minhas bochechas ficarem vermelhas e me apresso, quase
tropeçando em minhas palavras na pressa de dizê-las todas
rapidamente. — É que quando cheguei aqui no seu prédio, Rebecca
e Terrell me chamaram de Sra. Jennings, e bem, eu não disse a eles
que esse era o meu nome, então pensei que talvez você tivesse? Eu
meio que presumi que não contaríamos a ninguém sobre nosso
relacionamento, e não quero que você pense que eu derramei o
feijão.
— Pedi a Mason que os informasse de que você se mudaria. Ele
deve ter tomado a liberdade de lhes contar sua identidade. Agora
que o gato saiu do saco, acho que é o melhor. Tenho pensado nisso
nos últimos dias e ter uma esposa serve para alguns propósitos para
mim.
— Como assim?
— Bem, para começar, tenho uma reputação em Nova York de
ser um pouco... — Ele olha para baixo e limpa a garganta. — Frio. —
Seus olhos castanhos pegam os meus novamente, seu momento de
vulnerabilidade já se foi. — Acho que uma esposa suavizaria essa
imagem.
Eu sorrio apesar de mim mesma, feliz por descobrir que Walt
tem emoções humanas reais enterradas sob seu exterior de robô. Ele
não gosta da reputação que tem. Ele não gosta de ser chamado de
frio. Interessante.
— Além disso, nunca fui uma pessoa particularmente
interessada em casamento, e isso causou alguns mal-entendidos em
relacionamentos anteriores. Pelo menos agora, não pode haver
confusão no futuro, já que estarei legalmente fora do mercado.
— Então você ainda planeja namorar?
Eu soo como se a ideia me chocasse.
Suas sobrancelhas franzem.
— Por que eu não desejaria?
Sim, Elizabeth - por que não?!
Forço uma risada e balanço a cabeça.
— Não, é só... eu não tinha certeza. Agora que pensei nisso, é
claro que você continuaria namorando. Eu não estava insinuando
que você não faria. Só... eu... — Estou me atrapalhando aqui,
afogando-me enquanto ele observa com atenção. — Eu
simplesmente presumi que você não tinha tempo com o quanto
você trabalha.
Ele ri baixinho.
— Não tenho problemas para encontrar tempo, te garanto isso.
Uau.
Olá, borboletas no estômago. Acalmem-se, por favor. Ele estava
falando sobre encontrar tempo para namorar outras mulheres, não
eu. Por que ele encontraria tempo para mim?!
— Então, tudo bem se eu namorar também?
Superficialmente, é uma pergunta apropriada, mas, no fundo,
estou apenas pedindo para provar que também tenho romance em
minha vida. Muito disso. Toneladas.
— Claro, embora eu espere que você pratique a discrição. Nosso
relacionamento se tornará público agora que você concordou e,
como mencionei, tenho uma reputação. Esta cidade é menor do que
você pensa, e as notícias se espalham rapidamente.
— Entendido.
Ele volta para o computador.
— Vou pedir a Mason para publicar um anúncio de casamento
no The Times na próxima semana.
Quero fazer mais um milhão de perguntas - sobre o anúncio do
casamento, sobre suas expectativas para mim, sobre o acordo que
fizemos para que eu continuasse morando em seu apartamento -
mas sinto que fui dispensada, então começo a me dirigir para a
porta de seu escritório.
— Elizabeth. — diz ele, me pegando no caminho para fora.
Eu me viro para olhar para ele por cima do ombro.
— Obrigado pelo café da manhã.
Eu sorrio antes de voltar para o corredor, agradavelmente
surpresa com como nossa conversa foi. Embora eu não diria que
Walt era excessivamente afetuoso, ele pelo menos respondeu às
minhas perguntas, e agora sinto que não estou na ponta dos pés em
um campo minado daqui para frente. Bem... não tanto.
Depois de terminar de limpar a cozinha, volto para a biblioteca,
mais do que um pouco animada para passar meu dia lá. Viro no
corredor e entro na sala, surpresa, mais uma vez, ao descobrir que
Walt a reorganizou durante a noite.
Estou pasma. O que ele fez não é uma mudança pequena. Seria
preciso uma equipe de pessoas para fazer isso. Os sofás e a mesa de
centro agora estão ausentes. As pesadas cortinas que estavam
penduradas sobre as janelas antes foram removidas também para
que a luz natural inunde a sala. Minha pequena mesa e cadeira
ainda estão lá, mas o revestimento de plástico do piso agora se
transformou em cinco vezes o tamanho, então tenho muito mais
espaço para trabalhar.
O mais notável, entretanto, é o novo cavalete, e não qualquer
cavalete. Reconheço o Abiquiu Deluxe imediatamente porque está
na minha lista de desejos há, bom, não sei... uma década. Alguns dos
meus professores na RISD os mantinham em seus estúdios, e eu
babava por eles sempre que podia. Em vez de forçar minhas costas
curvando-me sobre uma mesa, o cavalete me permitirá prender
minhas telas nas alturas exatas de que preciso. Além disso,
afrouxando os botões nas costas, posso ajustar a pintura para o grau
de inclinação que preciso a qualquer momento. Ao manter minhas
telas em pé, a poeira dos meus tons pastéis cairá e se acumulará na
bandeja do cavalete, em vez de manchar meus desenhos.
É o Range Rover dos cavaletes de arte, e eu poderia chorar,
honestamente.
Eu nem penso antes de correr de volta ao corredor e ir até o
escritório de Walt. A porta ainda está aberta. Ele está ao telefone, já
ocupado, mas não me importo. Eu pressiono minhas mãos e boca.
— Obrigada! Obrigada! Obrigada! — enquanto pulava de
alegria.
Ele acena com a cabeça - e eu juro que há uma sombra de um
sorriso lá também - antes que eu desapareça de volta para a
biblioteca.
Trabalho o dia todo e ouço Walt falando e digitando baixinho do
outro lado da parede. Embora não consiga entender suas palavras
com clareza, gosto do lembrete de que ele está aqui no apartamento
comigo. Eu não tinha percebido o quão solitária tenho estado nos
últimos dias - inferno, anos, realmente.
Eu não tinha muitos amigos na RISD. Logo no início, alguém
descobriu onde e como eu cresci, e o conhecimento me afastou do
resto dos meus colegas. Eles presumiram que eu era uma esnobe
arrogante nascida com uma colher de prata na boca, e não havia
sentido em tentar esclarecer que embora eu tenha crescido naquele
mundo, eu não pertenço a ele. Todos eles presumiram que seus
lugares na prestigiosa escola de arte foram conquistados, enquanto
o meu foi um presente. Isso significava que minha arte nunca existia
por si mesma, que eu estava continuamente tendo que me provar,
trabalhar mais duro, ficar no meu canto.
Eu estava muito bem em ser deixada sozinha para me concentrar
na minha arte. Significou que nos cinco anos e meio em que estive
lá concluindo meu programa combinado de bacharelado e
mestrado, fiz muito progresso em termos de cultivar uma técnica
única e um estilo exclusivo. Encontrei uma identidade em minhas
telas em tons pastéis e agora que me formei - um semestre antes da
maioria dos meus colegas - posso começar a aprimorar esse estilo e
ver se posso ganhar uma posição na arte excessivamente saturada
no mundo da cidade de Nova York.
Walt e eu não nos cruzamos novamente naquele fim de semana,
o que é estranho, dada a nossa proximidade um do outro. Almoço
cedo na cozinha, nervosa, esperando para ver se ele vai aparecer,
mas ele nunca sai do escritório. Mais tarde naquela noite, quando
estou no banheiro, lavando o rosto, ouço o elevador chegar e depois
partir. Não o ouço voltar até o final da manhã de domingo, quando
estou na sala assistindo à TV.
Eu me esforço para ouvir, tentando determinar se ele está vindo
na minha direção ou não, mas depois de dez minutos, me sinto uma
tola e tento redirecionar minha atenção para The Crown.
Uma hora depois, a porta do apartamento se abre e ele sai
novamente, deixando claro que, na maioria das vezes, ele e eu
operaremos como dois navios passando à noite. Estou começando a
me perguntar por que ele mora em um apartamento tão grande, já
que raramente usa a maior parte dele. Ele provavelmente ficaria
bem com uma eficiência, contanto que tivesse espaço para sua mesa
e seus ternos.
Essa ideia se torna mais aparente na semana seguinte. Nada
muda. Na verdade, fica pior. Eu só sei que ele esteve no
apartamento porque um dia, ele deixou um bilhete para mim na
cozinha, pedindo que Rebecca levasse alguns de seus ternos para
serem lavados. Eu não me incomodo. Ele incluiu o nome da
lavanderia de última hora na nota, então eu mesma pego as roupas,
feliz por ter uma atividade para fazer fora do apartamento.
A campainha toca na porta, anunciando minha chegada, e uma
mulher pequena abre um sorriso pré-programado antes de seus
olhos se arregalarem em choque.
Eu olho para trás, me perguntando o que ou quem ela viu.
— Sra. Jennings! — ela diz, chamando minha atenção
novamente enquanto ela corre ao redor do balcão para pegar os
ternos de mim.
Eu franzo minha sobrancelha, tentando determinar se a
reconheço ou não.
— Hum...oi. A gente se conhece? — Eu pergunto, inclinando
minha cabeça enquanto continuo a vasculhar meu cérebro.
Ela ri e balança a cabeça enquanto se move rapidamente para
trás do balcão, passando os ternos para um assistente.
— Não, não. Eu vi você e o Sr. Jennings no jornal!
Devo dar a ela um olhar vazio, ainda sem ligar os pontos, porque
ela pega um par de óculos de leitura rosa claro e os posiciona na
ponta do nariz antes de mexer nos papéis no balcão, reorganizando
as coisas até encontrar o que ela está procurando.
— Primeira página.
Ela me passa sua edição de domingo do The New York Times e
sorri, batendo o dedo sobre nossa foto.
Com certeza, aí estou eu, explodida e espalhada na primeira
página do The Times.
Duas Grandes Dinastias Americanas Unidas em Matrimônio Secreto
é o título em negrito no topo da página. Abaixo disso, há uma foto
de Walt e eu parados um ao lado do outro no tribunal. Na imagem
em preto e branco, estou olhando para minhas mãos, torcendo-as,
na verdade. Walt está olhando para mim, apenas seu perfil à vista.
Para mim, parecemos exatamente o que somos: estranhos, casando-
se para negócios. Mas a mulher da lavanderia se inclina e bate no
papel.
— Olha como isso é doce, ele olhando para você desse jeito.
De que jeito? Eu quero perguntar.
Sua expressão é tão inescrutável como sempre. Mandíbula
rígida, maçãs do rosto acentuadas, sobrancelha franzida. Eu não
pude adivinhar seus pensamentos, mas ela insiste que formamos
um casal impressionante.
— Olhe para você aí. — Ela diz, batendo meu rosto no jornal. —
Absolutamente linda. Não estou surpresa que ele propôs.
Eu fico olhando para a minha foto com o vestido estampado de
chita e Doc Martens. Meu cabelo cai sobre um ombro, roçando
minha bochecha. Meu rosto ainda está vermelho por causa do vento
frio do inverno. Tento olhar para nós dois com objetividade, para
determinar se realmente formamos um belo casal, mas não consigo.
Tudo o que vejo é uma garota completamente fora de si.
Na época, eu não sabia que a foto estava sendo tirada. Mason
deve ter feito isso em algum momento durante a cerimônia,
provavelmente sob as ordens de Walt para que pudesse ser usado
em um anúncio de casamento como este. Estou feliz que ele fez.
Mesmo que o nosso casamento seja uma farsa, estou feliz por ter
uma foto minha no dia do meu casamento.
Há outras fotos no artigo também: uma foto profissional de Walt
ao lado de uma foto minha sorridente. Eu o reconheço da foto do
cartão de Natal da minha família no ano passado.
Incapaz de resistir, eu folheio o início do artigo.
Walter Jennings II e Elizabeth Brighton se casaram em uma união civil
em 18 de fevereiro. Embora os dois sejam amigos há anos devido aos laços
familiares próximos, eles se reuniram pouco antes de a Sra. Jennings se
formar na Rhode Island School of Design e se mudar para a cidade de Nova
York.
Eu me pergunto quem os alimentou com essa informação.
Mason, sem dúvida. Suponho que soe melhor do que O casal foi
forçado a se casar devido à gestão e desembolso de fundos fiduciários
estratégicos. Ah, o amor.
— É a primeira vez que o vê? — A mulher pergunta.
Eu aceno timidamente. Eu nem tinha percebido que foi
publicado no jornal ontem.
— Então aqui, pegue o meu.
— Obrigada. Eu realmente gostei disso.
Ela sorri e me diz que terá o terno de Walt pronto para ser pego
amanhã à tarde. Aceito o recibo que ela passa para mim,
ligeiramente chocada com o custo e extremamente grata por Walt
ter uma conta na lavanderia.
Estou prestes a me virar e sair, com o jornal na mão, quando ela
franze a testa.
— Sem anel?
Não sei imediatamente a que ela está se referindo. Eu olho para
o recibo como se ela pudesse estar se referindo a isso.
— O que?
— Sem aliança de casamento? — ela esclarece.
— Oh. — Eu rio sem jeito antes de contar a primeira mentira que
vem à mente. — Está sendo redimensionada.
Ela revira os olhos de brincadeira em compreensão.
— Por que eles nunca nos perguntam o tamanho? Acho que eles
não querem estragar a surpresa.
Eu rio junto com ela, mostro o recibo em agradecimento e então
saio correndo.
Começo a me dirigir para casa, com cuidado para evitar que o
vento amasse o jornal. Eu me pergunto se Walt viu, então eu rio de
mim mesma. Claro que ele viu. Aposto que ele até aprovou um
rascunho do artigo antes de ir para a impressão.
Estou prestes a virar uma esquina e voltar para o apartamento
quando um antiquário chama minha atenção à frente. Sem pensar
duas vezes, entro e caminho direto para o atendente atrás do balcão.
— Você poderia me apontar na direção de seus anéis antigos?
NOVE
— O que é isso?
Levanto os olhos da tábua de corte para encontrar Walt parado
do outro lado da bancada da cozinha, olhando para minha mão
esquerda.
— É uma aliança de casamento.
— De quem?
A pergunta realmente me faz rir.
— Bem, tecnicamente, acho que foi de mim para mim, mas se
alguém perguntar, direi que é de você.
— Dificilmente é um anel.
Não me ofendi com sua crítica. O anel é uma faixa fina de ouro
manchado. Dentro, o nome Ellen está gravado. Quando perguntei à
atendente do antiquário sobre isso, ela deu de ombros e disse:
— Não sei a história, mas Ellen é um nome tão bom quanto
qualquer outro. Se você comprar em dinheiro, dou a você um
desconto da metade.
Era um negócio que eu não poderia deixar passar.
Aparentemente, Walt não ama o anel que escolhi para mim,
porque na manhã seguinte, há uma caixa preta na ilha da cozinha e
um bilhete ao lado dela.
Para Elizabeth
Eu rio baixinho enquanto abro a tampa. Com um grito chocado,
eu largo a coisa e recuo como se ela fosse pular e me morder.
Vaca sagrada.
Isso é um anel.
Ele deve ter invadido o Smithsonian e arrebatado o Hope
Diamond.
Só para ter certeza de que meus olhos não me enganaram, chego
na ponta dos pés novamente e espio dentro da caixa preta. Com
certeza, ele ainda está lá, talvez até maior do que da última vez que
olhei para ele: um grande diamante azul claro com um corte antigo,
pesando um número horrível de quilates.
Com muito medo de realmente movê-lo, deixo o anel em sua
caixa preta e volto para a biblioteca, onde trabalho o dia todo na
minha série. Mais tarde, enquanto me sento sozinha na ilha,
comendo macarrão no jantar e olhando para a caixa preta, chego a
uma conclusão: não posso aceitar o anel dele.
Assim que termino minha comida, pego o bilhete e o anel e
coloco os dois na mesa de Walt em seu escritório. Com sua caneta,
escrevo uma nova mensagem abaixo da original.
Obrigada, o anel é muito bonito, mas não posso aceitar.
Sentindo-me bem com a minha decisão, vou para o meu quarto
e tomo um banho antes de colocar o pijama. Estou sentada na cama
lendo, meio debaixo das cobertas, quando alguém bate na porta.
— Elizabeth?
Ugh. Walt e eu mal nos vemos há uma semana e meia, e agora de
repente ele quer falar comigo quando eu fico assim? Eu olho para o
meu estado atual e decido que não tenho tempo para colocar um
sutiã, mas as chances são de que ele não será capaz de dizer que não
estou usando um. Afinal, ele é parte robô. Por precaução, cruzo os
braços sobre o peito antes de dizer a ele para entrar.
A porta se abre e Walt cruza a soleira, iluminado pela luz quente
do corredor. Em contraste comigo, ele parece mais afiado do que
nunca. Ele ainda está usando o terno do trabalho, todos os fios de
cabelo ainda no lugar, nenhum sinal de fadiga em seus traços
esculpidos. Tentei adivinhar a quantidade de sono que ele dorme
durante a noite. Não pode ser muito, mas não parece afetá-lo.
— Você interpretou mal isso. — diz ele, entrando no meu quarto
e caminhando decididamente em direção à minha cama.
Ele deixa cair a caixa preta do anel na minha mesa de cabeceira.
— Não foi um presente.
Eu franzo a testa enquanto ele fica de volta à sua altura máxima.
Mesmo em circunstâncias normais, não parece que estamos em um
campo de jogo uniforme, mas comigo sentada na cama e ele
elevando-se sobre mim como uma ameaça, esse fato é ainda mais
enfatizado.
— Então o que é?
— Parte do acordo e não está em debate.
— Eu acho que meu anel está bom. — Eu digo, levantando
minha mão para provar meu ponto. Ele olha para baixo com puro
desdém, e não posso deixar de rir. — Ah, vamos lá. Não é tão ruim.
E só me custou 15 dólares.
— Lamento dizer, mas você foi roubada.
Ele estende a mão para mim, com a palma para cima, e fica claro
o que ele quer. Estendo minha mão esquerda para ele e, sem perder
o ritmo, ele a pega e desliza para fora da aliança de ouro. Eu não
posso evitar o formigamento que se espalha pelo meu braço de
onde ele está me tocando. Sua mão é forte e firme, tão confiante e
segura quanto qualquer outra parte dele, tenho certeza. Sem me
soltar, ele pega a caixa de joia com a mão livre e puxa meu novo
anel, deslizando-o no meu dedo rapidamente, como se ele estivesse
com medo de que eu continuasse a discutir sobre isso.
O anel gigante se encaixa perfeitamente.
Eu olho para ele com especulação depois que ele solta minha
mão.
— Por que se encaixa tão bem? Você não me perguntou meu
tamanho e, embora pareça competente o suficiente, não acredito
que você possa simplesmente olhar para a mão de alguém e saber
imediatamente o tamanho do anel.
— Por mais conveniente que seja, não, eu não posso. Pedi a uma
de minhas governantas que pegasse um anel da sua coleção. Você
não precisa ficar tão chocada - ela o devolveu logo depois que meu
joalheiro terminou de usá-lo.
— Certo, bem, você poderia apenas ter me perguntado o
tamanho do meu anel e, por falar nisso, a minha opinião. Este não é
meu estilo de forma alguma.
Ele inclina a cabeça, me estudando.
— Você é sempre tão graciosa quando recebe presentes?
— Eu pensei que você disse que não era um presente.
Ele esfrega o lado da têmpora como se eu estivesse lhe dando
dor de cabeça.
— Use o anel, Elizabeth. — Ele diz, girando sobre os calcanhares.
— Vou dar um jantar neste fim de semana, aqui no apartamento.
— Eu posso comparecer?
— Sim, acho que seria estranho se você não estivesse lá,
considerando que está sendo feito em nossa homenagem. E espero
ver você usando o anel.
Ele já está saindo, provavelmente ansioso como sempre para
ficar longe de mim. Eu não posso deixar de gritar por ele, porém,
antes que ele desapareça novamente.
— Como foi o trabalho hoje?
Ele se vira, obviamente confuso com a minha pergunta.
Eu encolho os ombros para mostrar a ele que não quero fazer
mal.
— Só estou tentando fazer as coisas o mais civilizadas possível.
Maridos e esposas normais provavelmente perguntam um ao outro
sobre seu dia.
— Foi bom.
É claro que ele não tem planos de continuar a conversa me
fazendo a mesma pergunta, então eu sorrio suavemente e pego meu
livro.
— Bem, boa noite.
Ele faz uma pausa por mais um momento, olhando para mim na
cama antes de balançar a cabeça bruscamente.
— Boa noite.

Desde o artigo no The Times, presentes de casamento começaram


a chover no apartamento. Sempre que vou embora, volto para casa
e encontro outra dúzia empilhada na galeria de entrada perto do
elevador. Eu os deixo lá, não tenho certeza do que fazer com eles
por dois motivos. Um, parece errado abri-los sem a permissão de
Walt. Dois, eles foram enviados sob falsos pretextos. Não
deveríamos receber presentes de casamento porque não somos
recém-casados.
Então, na manhã de quinta-feira, recebo um telefonema de
Mason enquanto estou dando um passeio pelo Parque da Prefeitura,
tentando me convencer de que a primavera está começando a
aparecer, embora ainda esteja um frio de vinte graus lá fora.
— Oi, Mason. Como você está? — Eu pergunto, tentando
transformar o que certamente será um telefonema estritamente
sobre negócios em algo um pouco mais pessoal.
Por mais triste que possa parecer, Mason é praticamente a coisa
mais próxima que tenho de um amigo em Nova York, fora de Walt.
Quão patético é isso?
— Eu estou bem. Obrigado. Como você está?
— Oh, ótima, na verdade. Pegando um pouco de ar fresco.
— Fico feliz em ouvir isso. Estou ligando porque Walt gostaria
que você começasse a abrir e organizar os presentes que foram
entregues no apartamento. Os artigos de papelaria serão enviados
mais tarde esta manhã, então, quando você tiver um momento, por
favor, comece também a escrever notas de agradecimento. Mandei
modelos por e-mail que você pode usar para tornar mais fácil.
Por mais bobo que possa parecer, estou mais do que um pouco
emocionada por ter permissão para abrir os presentes - não que
algum deles seja meu. Eles vão ficar no apartamento de Walt depois
que eu me mudar, mas ainda assim, é divertido fingir...
Infelizmente, estou um pouco decepcionada com a falta de
engenhosidade de todos.
Mais da metade dos presentes são feitos de cristal ou porcelana.
Existem jogos de chá, anéis de guardanapo e jogos americanos
elegantes que começam a se misturar. Existem tigelas de servir e
travessas de coordenação, e querido Deus, como Walt vai armazenar
tudo isso? Ele já tem um de cada um desses itens guardados em sua
cozinha.
A mesmice dos presentes torna minha tarefa de escrever notas
de agradecimento bastante cansativa. Acabo usando os modelos de
Mason em vez de inventar qualquer coisa por conta própria, por
que de quantas maneiras diferentes você pode dizer obrigado pelo
vaso de cristal genérico?
No entanto, existem alguns presentes que se destacam dos
outros. Alguém se deu ao trabalho de fazer o anúncio do nosso
casamento em um papel envolto em uma moldura dourada
ornamentada, e eu imediatamente o roubei para o meu quarto. Há
também um par de robes de cashmere combinando para ele e ela
completos com nossas monogramas. O mesmo casal também incluiu
uma elegante caixa cheia de macarons Ladurée. Eu ataco os doces
imediatamente enquanto coloco meu novo robe. Fique tranquilo,
aquele casal recebe uma nota de agradecimento extralonga escrita
com o coração e completa com uma pequena mancha de recheio de
framboesa que não consigo tirar. Opa.
Na verdade, estou aproveitando minha manhã de
desempacotamento de presentes até minha mãe ligar.
Eu deixei que sua primeira ligação não fosse atendida porque
não quero ser incomodada, mas então ela liga novamente e eu me
preocupo que seja algo realmente importante.
— Ei, mãe.
— Oi, Elizabeth. Como você está?
— Estou bem. Como você está?
Não se preocupando em responder a essa pergunta, ela segue
em frente.
— Você ainda está naquele hotel em Nova York? Por favor, diga
que você se mudou para um lugar mais decente.
Eu considero por um breve momento contar a ela a verdade
sobre onde estou morando, mas penso melhor. Não sei o que ela
fará com essa informação e, muito provavelmente, presumirá que
há mais nesta história do que realmente existe.
Então, eu dou a ela os detalhes mais básicos.
— Na verdade, encontrei um apartamento.
— Oh? Onde? Por favor, me diga que você tem pelo menos um
porteiro. Eu me preocupo com você estar naquela cidade por conta
própria.
— Hum, sim, há um porteiro.
— Bom. Onde está localizado? Não a norte da 96, espero.
— É em Tribeca, na verdade.
— Tribeca? Como você pode pagar um apartamento com
porteiro em Tribeca?
— É... hum... pequeno.
— É claro. Teria que ser. — Eu posso praticamente ver sua careta
do outro lado da linha. — Não vejo por que você escolheu morar lá
quando poderia se mudar para casa e fazer sua arte aqui. Ou melhor
ainda, encontre uma profissão que seja um pouco mais adequada
para você.
Apenas a frase “fazer sua arte” faz meu sangue ferver. É
depreciativo e ela sabe disso.
— Nós realmente vamos fazer isso de novo? Toda vez, mãe? Vou
começar a ignorar suas ligações.
— Tudo bem, vou deixar esse assunto de lado por enquanto. Na
verdade, tenho um motivo importante para ligar para você hoje, e
não para dar uma palestra. Eu preciso de sua ajuda.
— Minha ajuda? E agora? Já falou com a Charlotte, aliás? Você
sabe que ela nunca planejou fugir com o motorista, certo? Isso tudo
era mentira. Você a deixou fora do gancho com muita facilidade.
— Não se atreva a usar esse tom comigo. Charlotte não é da sua
conta e pretendo lidar com ela de acordo, mas o que você fez por
seu pai e por mim... bem, dificilmente acho que foi um grande
sacrifício. Não depois de tudo o que fizemos por você.
Imediatamente, minha raiva sobe.
— Tudo o que vocês fizeram?
— Sim. Fornecemos todos os recursos de que você sempre
precisou enquanto crescia. Tudo o que você sempre sonhou - aulas
de equitação, aulas de dança, professores particulares. Você foi
matriculada nas escolas de maior prestígio e conectada a todas as
famílias certas.
Mordo minha língua em vez de discutir com ela sobre o que
uma criança realmente precisa. Ela nunca vai ver isso da minha
perspectiva. Prefiro economizar meu fôlego.
Quando eu não discuto, seu tom suaviza.
— Dito isso, gostaria que você falasse com Walt em nosso nome
a respeito de nosso desembolso mensal do fundo. Quase não cobre
as contas de cartão de crédito, muito menos hipotecas, seguros e
despesas de manutenção.
É claro. Eu sabia que isso ia acontecer. Eu sabia que aquela
quantia original nunca seria suficiente para a maneira como eles
gostam de viver.
— Você não pode falar com ele você mesma? Eu não concordei
em ser o elo da família.
— Eu defenderia nosso caso se ele atendesse nossas ligações.
Estamos tentando entrar em contato com ele desde que recebemos
nossa segunda transferência eletrônica. É uma miséria, Elizabeth. —
Ela sibila com raiva.
— Não sei por que você acha que vou conseguir fazer com que
ele aumente seu pagamento mensal. Eu não tenho qualquer tipo de
influência sobre ele. Não somos nem amigos.
— Bem, então tornem-se amigos, Elizabeth. Espero uma
atualização sua em alguns dias. Por favor, faça isso por nós.
Não quero falar com o Walt. Na verdade, estou tentando me
distanciar da minha família aos olhos dele. É claro que ele não nutre
nenhum amor por eles, e não quero que esses sentimentos passem
para mim, embora provavelmente já o tenham feito. Além disso, já
estou pedindo muito a ele. Viver com ele é bastante constrangedor;
acho que não consigo reunir coragem para ir até ele e pedir ainda
mais.
Decido que vou esperar alguns dias, só para ver se talvez ele
retorne as ligações dos meus pais ele mesmo e resolva o assunto sem
É
meu envolvimento. É um bom plano, considerando que tenho
assuntos mais urgentes em minha agenda, nomeadamente ligar
para a Hauser & Wirth incessantemente para tentar entrar em
contato com seu diretor de aquisições para confirmar se eles estão
ou não contratando novos artistas. Até agora, só consegui falar com
a recepcionista do escritório deles em Nova York, e ela está
começando a ficar irritada comigo.
— Como eu disse ontem, passei sua mensagem para a equipe.
Tenho a sensação de que “a equipe” é a lata de lixo debaixo da
mesa, de modo que sexta de manhã, eu decido marchar até sua
galeria na 22nd Street e tentar falar com alguém diretamente. Tenho
alguns dos meus esboços comigo, bem como pequenas telas e uma
visão geral digitada do que pretendo fazer para a série. Presumo
que seja um bom lugar para começar.
Eu estou errada.
Para meu crédito, eu consigo passar pela galeria e entrar em seus
escritórios no segundo andar do edifício. Pronto, fui mandada me
sentar. Eu não tenho um horário, algo que acho muito chato e eu
tento explicar que eu tentei obter um horário, mas a minha queixa
cai em ouvidos surdos.
Fico sentada ali por duas horas e quarenta e três minutos
enquanto as pessoas passam na minha frente sem pensar duas
vezes. Então, finalmente, uma jovem sai de um escritório, olha de
um lado para outro no corredor e revira os olhos.
— Tudo bem, vou lidar com ela. — diz ela, caminhando
diretamente em minha direção, sem nenhum constrangimento
sobre o que ela acabou de dizer em voz alta para que eu ouvisse.
Quando ela para na minha frente, fico de pé e me apresento.
Ela balança a cabeça bruscamente, respondendo à minha
saudação apenas com seu nome:
— Beth. — Em seguida, ela acena para eu dar a ela meu grande
portfólio preto. — Deixe-me ver.
Eu o entrego apressadamente e ela o joga na mesa de centro,
bem no meio da área da recepção, e começa a folhear meus esboços.
Ela faz sons suaves sob sua respiração, zumbidos de interesse,
grunhidos de decepção. Não sei como ela poderia estar examinando
tudo tão rápido. Certamente, ela precisa de algum tempo para
realmente considerar o que estou apresentando a ela.
— Meu objetivo para a série é pegar técnicas populares e
modernas e...
— Certo. Ok. — Ela diz, me interrompendo. — Eu vejo o que
você está procurando, mas não é o tipo de coisa que estamos
procurando no momento. — Ela folheia os esboços e inclina a
cabeça enquanto os avalia novamente. — Este está bom. — Ela diz
isso devagar, como se doesse em dizer isso. — Eu realmente acho
que seria melhor em uma escala maior.
— Eu poderia fazer isso, e-
— Não. Como eu disse, esse trabalho não é o que estamos
tentando adquirir no momento. Nossa formação atual está repleta
de artistas confinados à tela. Seguindo em frente, estamos
procurando uma multiplicidade de formas e materiais, esculturas,
instalações modernas - esse tipo de coisa.
— Ah.
— Isso, isso. — Ela diz, batendo o dedo indicador no meu
desenho. — É arte de cafeteria.
Arte de Cafeteria.
Três palavras que por si só são muito boas - quem não ama café -
mas quando combinadas significam algo semelhante a uma rejeição
esmagadora. A arte da cafeteria é equivalente a rabiscos em um
guardanapo manchado. Pode muito bem jogá-lo no lixo ao sair.
Obrigado.
Não tenho vontade de discutir com ela sobre os méritos da arte
na tela. Nem todo mundo consegue colocar uma escultura enorme no meio
da sala de estar, Beth!
Não vale a pena. Pego meu portfólio volumoso - que agora
parece pesar três vezes mais do que quando cheguei - agradeço a
ajuda dela e saio da galeria.
Que grande perda de tempo.
Já é fim de tarde, está escuro e frio lá fora. O jantar no
apartamento de Walt é hoje à noite e eu deveria encontrar algo para
vestir enquanto estivesse fora de casa, mas agora não estou com
vontade de fazer compras.
Passo por uma boutique que tem vestidos pendurados na janela
e, com um suspiro resignado, empurro a porta.
Eu nem me importo em olhar para as prateleiras de roupas
enquanto uma vendedora barulhenta esvoaça em minha direção,
toda sorrisos e mãos felizes.
— Olá, linda. O que posso ajudá-la a encontrar hoje?
Significado na vida?
Um caminho a seguir?
Eu escolho a resposta mais fácil.
— Um vestido para um jantar.
Ela bate a mão como se dissesse: Fácil.
— Coquetel casual, ou isso é algo um pouco mais formal?
— Eu não faço ideia.
Ela pisca e balança os ombros, nem um pouco assustada com a
tarefa que tem pela frente.
— Deixe-me pegar alguns looks e te encontro de volta perto dos
provadores.
Quando saio do quarto, vestida e pronta para o jantar, o
apartamento já está movimentado. Na cozinha, os fornecedores
trabalham em uma linha de montagem ao redor das duas ilhas,
preparando aperitivos e o que parece ser um jantar de vários pratos.
Os servidores trabalham no perímetro, derramando vinho em
decantadores, polindo prata e garantindo que cada taça de vinho
tenha espumante.
Já testemunhei cenas como essa na casa dos meus pais enquanto
crescia, mas nunca estive deste lado. Não tenho certeza de quem
coordenou tudo - provavelmente Mason ou April, mas a equipe
olha para mim com expectativa quando entro na cozinha.
Eu sorrio e aceno com a cabeça.
— Cheira tão bem aqui. Tenho certeza de que o jantar será
delicioso.
Uma mulher entra na cozinha carregando um iPad e pergunta
ao chefe do bufê se o jantar ainda está dentro do horário.
— Bem na hora. — Ele confirma.
Então a mulher - uma planejadora de festas, pelo que parece - se
vira para mim.
— Sra. Jennings! Maravilhoso. Achei que poderíamos revisar a
disposição dos assentos rapidamente, apenas no caso de você ter
alguma alteração que gostaria de fazer.
Estou um pouco lenta para entender, congelada em confusão
por um microssegundo, muito tempo antes de rir e lembrar que sou
a Sra. Jennings. Ela quer que eu examine a disposição dos assentos.
— É claro. — Eu concordo. — Lidere o caminho.
— Portanto, coloquei você e Walter no centro, e não nas
cabeceiras da mesa, para que vocês possam se misturar entre seus
convidados. Sei que isso não é exatamente adequado, mas é
bastante comum hoje em dia. Se você quiser que eu faça um arranjo
diferente-
— Não, está bem.
Eu olho entre o cartão de assento de Walt e o meu. Walter e
Elizabeth Jennings. Que casal fictício perfeito.
O pensamento me faz sorrir para mim mesma.
— Então, seguindo em frente. — Ela diz, descendo a fila de
assentos ao redor da mesa retangular. — Temos Jake, Christina,
Sara. Depois Martha, Sylvia, Matthew, Ying e Doreen...
— Onde você colocou Camila? — Walt pergunta, entrando na
sala de jantar e cortando abruptamente a planejadora da festa.
Ele ainda não terminou de se arrumar, ainda ajustando a lapela
de sua jaqueta azul-marinho escura e depois ajustando o relógio
para que fique perfeitamente em seu pulso.
— Ela está lá embaixo. — diz a planejadora, apontando para um
ponto próximo ao lado esquerdo da mesa.
Walt enfia a mão no bolso da jaqueta e tira um conjunto de
abotoaduras. Eu vejo quando ele começa a colocar o primeiro, mas
ele está focado em onde a organizadora colocou sua convidada,
então ele está tendo problemas.
Dou um passo à frente e tiro a abotoadura de sua mão sem
perguntar.
Sua atenção se volta para mim e eu estreito meus olhos
provocativamente, como se dissesse, eu te desafio a me repreender por
tentar ajudar.
— Permita-me. — eu brinco com um sorriso privado, deslizando
a primeira abotoadura facilmente e, em seguida, estendendo minha
mão para a segunda.
Ele a coloca na palma da minha mão, embora eu não receba
nenhum tipo de agradecimento.
— Eu gostaria que ela ficasse à minha esquerda. — diz Walt,
referindo-se à colocação de Camila.
— É claro. Isso não é um problema. — diz a planejadora da festa,
correndo para trocar os cartões.
— São bonitos. — Digo, observando o peso das abotoaduras
redondas. No centro, eles carregam uma pedra que parece granito
azul.
— Onde você conseguiu?
— Eles foram um presente.
— De quem?
Ele olha para a planejadora da festa antes de responder:
— Um amigo.
Claramente, ele está ciente da presença dela na sala mais do que
eu.
Um fato que ele leva para casa quando me diz que estou linda,
provavelmente para o benefício da planejadora mais do que o meu.
Ainda assim, estou feliz por estar focada em sua segunda
abotoadura, então ele não pode ver o quanto seu elogio me pegou
desprevenida.
Ele nunca fez qualquer referência à minha aparência. Eu odeio
saber disso, mas bem... fatos são fatos. Esse elogio, por menor que
seja, ainda parece um milhão de dólares.
— Obrigada. Comprei este vestido hoje.
Eu não tive muito a dizer sobre a escolha. Como prometido, a
vendedora pegou meia dúzia de vestidos para eu experimentar e
esperou do lado de fora para confirmar qual eu deveria escolher.
"Muito curto."
"Muito aberto em torno de sua cintura."
"Não é a cor certa em você."
O quinto - um vestido midi preto de um ombro só - ela
absolutamente amou o momento em que eu saí do provador. A
malha justa de jersey atinge meu peito com um decote de um
ombro em um corpete apertado. O ajuste apertado continua logo
após meus joelhos.
Gostei tanto quanto ela, mas o preço estava um pouco acima do
meu orçamento.
Ela balançou a cabeça.
— Não! Eu não me importo. Vou compartilhar meu desconto de
funcionário com você. Considere isso uma emergência de moda.
Esse vestido foi feito para você!
Até este momento, eu presumi que ela era realmente boa em seu
trabalho, convencendo as pessoas a comprar roupas, mas Walt está
olhando para mim com o que eu só posso supor ser uma aprovação
antes que o elevador apite e seus convidados comecem a chegar.
Eu gostaria que tivéssemos tido mais tempo para conversar antes
deste momento, mais tempo para repassar nosso plano de jogo.
Gostaria que ele não fosse levado imediatamente por amigos
ansiosos para conversar com ele. Eu não tenho ideia do que eles
sabem sobre mim. Não tenho certeza de quem pode saber a verdade
sobre nós ou quem assume que estamos realmente apaixonados, o
que torna a conversa complicada.
Sou arrebatada por um pequeno grupo de mulheres, esposas
cujos maridos trabalham na Diomedica.
— Estou morrendo de vontade de saber todos os detalhes sobre
o casamento. Conte-nos tudo! Quem você estava vestindo? Eu vi
seu vestido no The Times e adorei. Bom para você contrariar a
tradição.
Eu sorrio.
— Oh, obrigada. Na verdade, não me lembro onde o comprei.
Sim, eu lembro - Zara, mas vou morder minha língua antes de
revelar isso para este grupo de mulheres que estão cheias de marcas
de estilistas.
— E se casar no tribunal de todos os lugares! — outra mulher
entra na conversa com uma risada chocada. — Quero dizer, deixe
Walt se casar em alguma fuga de conto de fadas. Tão inesperado.
É claro que nenhuma delas sabe que falsificamos nosso
casamento. Elas acham que somos jovens e apaixonados, e eu tenho
que ficar ali parada, sorrir e rir enquanto elas falam sobre a linda
noiva que dou.
Fico extremamente grata quando o grupo se dispersa para uma
pausa no banheiro e eu consigo recuperar o fôlego delas. É nesse
momento, ao aceitar uma taça de champanhe de um garçom que
passa, que me vejo à mercê de olhares do outro lado da sala.
Eu olho para cima para encontrar um grupo reunido perto, três
mulheres e um homem, todos olhando para mim com escárnio e
piedade descarados. Ao contrário dos outros convidados, esse
aglomerado de amigos obviamente sabe a verdade. Eu vejo uma
mulher alta com um cabelo curto e loiro olhando para o anel no
meu dedo, seus olhos se arregalando antes de ela se voltar para suas
amigas, sussurrando rapidamente. Todos eles olham para cima, nem
um pouco preocupados com a sutileza, e meu estômago embrulha.
Desvio o olhar rapidamente, tentando manter minha compostura.
Eu me pergunto quem eles são. Amigos pessoais de Walt? Ele
disse a eles a verdade sobre nós? Eu gostaria de poder perguntar a
ele. Eu gostaria de poder descobrir o que exatamente ele disse a eles
sobre mim. Preocupo-me que as reações deles a mim possam
derivar dele e, se for esse o caso, gostaria de saber, mas ele não está
em lugar nenhum.
De repente, sentar em um jantar de vários pratos com essas
pessoas parece assustador, para dizer o mínimo. Essa mistura de
colegas de trabalho e amigos, de pessoas que não conhecem nosso
relacionamento e que sabem a verdade, tornará impossível para
mim navegar uma refeição sem colocar o pé na boca pelo menos
uma ou duas vezes.
Cansada de ser objeto de atenção, decido me esconder na
biblioteca por alguns minutos, apenas para recuperar um pouco de
coragem antes de ter que entrar novamente no ninho de víboras.
Viro pelo corredor, sorrio para um garçom que passa e viro a
esquina para a biblioteca. O corredor deserto é um colírio para os
olhos e eu sigo meu passo, meus saltos quietos no chão de mármore,
então eu não alerto ninguém para onde eu fui. Eu não registro
imediatamente as vozes vindas do escritório de Walt. Demoro um
momento enquanto fico pairando no precipício da biblioteca, minha
mão no batente da porta. Eu olho para trás em direção à sala
grande, tentando determinar se o barulho está se propagando pelo
corredor, e então eu viro minha cabeça para a direita quando ouço a
voz de Walt novamente.
— Já repassamos isso mil vezes. — diz ele, parecendo exausto.
— Isso foi antes de eu saber que você comprou um anel para ela!
DEZ
Eu fico perfeitamente imóvel, muito atordoada para me mover,
muito assustada para chamar a atenção para o fato de que estou
apenas a alguns metros de Walt e de uma mulher misteriosa.
— Não tenho certeza de porquê um anel muda alguma coisa.
— É só mais uma coisa, Walt. Tenho que tentar conciliar mais
uma coisa sobre nosso já complicado acordo. Você não pode ver
como isso é difícil?
— O anel é apenas um anel, Camila. Ela precisava de um anel,
então agora ela tem um. Podemos, por favor, discutir isso em outra
hora?
— Não. Francamente, gostaria de discutir isso agora. Você é
impossível. Eu mal consigo arrancar duas palavras de você, muito
menos um grama de emoção sobre toda essa situação.
Não consigo ouvir a resposta de Walt a isso, mas leva apenas
alguns segundos antes que haja um movimento perto da porta do
escritório. Eu salto para a biblioteca, virando-me para pressionar
meu corpo contra a parede ao lado da porta, meio escondida nas
sombras.
Prendo minha respiração enquanto Camila passa, meus olhos
cerrados até que ouço seus passos ficarem quietos no corredor.
Eu fico lá, tremendo de adrenalina, tentando acalmar meu
coração acelerado.
Walt não a segue. Eu o ouço do outro lado da parede. Ouve-se o
leve tilintar de um copo, um leve derramamento de líquido. Eu o
imagino esfregando as têmporas - como faz comigo - e tomando um
longo gole de sua bebida preferida.
Até este momento, eu não sabia que Walt tinha alguém como
Camila em sua vida. Claro, ele me disse que tinha planos de
continuar namorando, mas talvez devesse ter mencionado que
tinha uma namorada séria. Parece algo que uma esposa deve saber!
Ha.
Nossa, essa situação está ficando mais complicada a cada
minuto. Eu me sinto mal por Camila. Que posição difícil de se estar.
Se eu estivesse apaixonada por Walt, também o desejaria só para
mim. Ele tem tão pouco tempo fora do trabalho, e agora ela tem que
lidar com isso acima de tudo. Eu arrancaria o anel do meu dedo e
daria a ela se pudesse, mas bem... Eu olho para o diamante azul,
lindamente moldado em minha mão, se encaixando perfeitamente
para mim.
Meu estômago se contrai de ansiedade.
Eu não acho que isso seja verdade.
Não tenho certeza se gostaria de dar este anel para ela. Pelo
menos, não a menos que eu tinha para, e que parece ser a última
coisa que eu preciso perceber neste momento.
Agora sou eu que estou esfregando minhas têmporas.
Meu dia foi de mal a pior ao longo de uma noite. Mal tenho
energia para me arrastar para fora da biblioteca e me juntar aos
convidados de Walt alguns minutos depois. Felizmente, estou na
minha segunda taça de champanhe e o álcool está fazendo
maravilhas para entorpecer minhas preocupações.
Ainda melhor do que o álcool é o fato de que essas pessoas em
grande parte não querem nada comigo. De vez em quando, sou
puxada para uma conversa, mas principalmente todo mundo fica
feliz em me deixar em paz.
Depois do fascínio inicial, o grupo de esposas e os colegas de
trabalho de Walt voltaram sua atenção para dentro, formando um
grupo coeso, conversando entre si para serem ouvidas. Acho que
esqueceram que estou aqui.
Os amigos pessoais de Walt também não querem nada comigo, o
que faz sentido, porque Camila agora está entre eles. De vez em
quando, um deles olha para mim com um olhar que diz: Ah... você
ainda está aqui?
Walt fica no meio de tudo isso, perto da lareira. Ele está lá há
algum tempo, incapaz de se libertar de seu lugar porque há um
fluxo contínuo de pessoas esperando para falar com ele. É quase
como uma cena da primeira noite de The Bachelor.
Para quem Walt vai dar sua rosa? Eu me pergunto, escondendo
meu sorriso privado na minha taça de champanhe.
A dinâmica é intrigante de assistir - todos eles competindo por
sua atenção - e eu presto muita atenção em Camila. Mesmo ela não
consegue aguentar por muito tempo. Ela se junta a seu grupo, junto
com seus amigos, e eu bebo meu champanhe como uma mosca na
parede.
Eu não posso deixar de estudar Camila. Minha atenção parece
voltar para ela como um elástico toda vez que tento me distrair com
outra pessoa.
Ela é maravilhosamente bonita, com cabelo preto cacheado que
cai em cascata pelas costas. Seu macacão cor de vinho é justo no
corpete e nos quadris, com um ajuste descontraído ao redor das
pernas. O decote profundo em V é combinado com uma gravata na
cintura, e tudo parece tão sexy sem esforço.
Ela é mais velha do que eu e sua idade parece ser mais uma
fonte de refinamento. Eu me sinto desesperadamente infantil em
comparação, totalmente fora do meu elemento em uma sala cheia
de colegas de Walt.
Mais aperitivos são passados e um garçom passa bem na minha
frente, interrompendo meu olhar. Eu balanço minha cabeça,
recusando a pequena torta, e então eu caminho até as janelas que
envolvem a sala, olhando para a ponte de Manhattan. Minha tarde
volta à mente como se a frase “arte de café” estivesse aguardando
ansiosamente sua vez de bombardear meus pensamentos
novamente.
Oh sim. Oi, eu de novo, seu medo mais profundo de que você nunca vai
realmente fazer isso no mundo da arte e terá que desistir e ir ensinar
crianças a pintar no YMCA local.
— O que está errado? — Walt pergunta, tirando-me dos meus
pensamentos.
Eu imediatamente aliviei minha carranca raivosa - aquela que eu
não sabia que estava usando até este momento.
— Nada. — Eu digo com uma sacudida inflexível de minha
cabeça enquanto me viro para a multidão do jantar.
— Acho isso difícil de acreditar. — Insiste Walt. — Você sempre
tem um sorriso no rosto, mesmo no dia em que foi coagida a se
casar comigo.
A piada gera uma pequena risada, e os ombros de Walt parecem
ceder de alívio.
— Eu acabei de ter um dia péssimo. — Eu digo com um encolher
de ombros. — Nada para se preocupar.
Ele cantarola em compreensão e se vira para que estejamos lado
a lado, examinando a sala cheia de seus amigos e convidados.
— Você não precisa ficar se não quiser. — diz ele, apontando
com o queixo para o corredor lateral. — Não, se você preferir fugir.
— Não seria estranho? Eu ir embora antes mesmo de o jantar
começar?
— Oh, eu não sei. Isso tudo é território desconhecido para mim,
para ser honesto.
Eu aprecio sua honestidade.
Eu inclino minha cabeça para olhar para ele e mordo meu lábio
por um momento antes de admitir:
— Eu ouvi você em seu escritório com Camila.
Ele balança a cabeça, mas não parece chateado ou surpreso com
a confissão. Estou mais do que um pouco aliviada. Eu não tinha
certeza de como ele iria me levar a espioná-lo, mesmo que fosse
apenas um acidente.
— Ela é sua namorada? — Eu pressiono.
Ele olha para sua bebida.
— A coisa mais próxima disso, eu suponho.
Ele parece um pouco cansado com o assunto, e não estou
surpresa com o argumento que ouvi.
— Ela está com raiva de eu estar aqui?
— Sim. — Ele admite com um suspiro. — Toda essa situação tem
sido difícil para ela. Ela não entende isso.
— Então somos duas.
Ele sorri e olha para mim, capturando meu olhar.
— Ela sabe que estou morando aqui?
Ele desvia o olhar novamente.
— Sim. Isso foi ... o que você disse um segundo atrás? Um dia
péssimo.
— Eu poderia falar com ela. Deixar claro para ela que eu não
sou... — Eu me esforço para terminar a frase em voz alta porque a
ideia é tão absurda. Ainda assim, eu continuo bravamente. —
Concorrência. — Quando ele não responde imediatamente,
acrescento um exagerado — Obviamente.
Eu fico vermelha como uma beterraba da cabeça aos pés.
Ai meu Deus. Diga algo!
— Agradeço por querer ajudar — diz ele — mas não é tão
simples assim.
— Certo. Bem... Estou feliz em ir embora se isso tornasse mais
fácil para você e sua situação com Camila.
Por favor, não me peça para sair.
— Não. — Ele responde secamente. — Eu insisto que você fique.
Vai ser um ótimo jantar. Vamos, parece que é hora de nos
sentarmos.
Ele faz um gesto para que eu mostre o caminho e, quando dou
um passo à frente, sua mão pressiona levemente a parte inferior das
minhas costas. Eu pulo de surpresa e olho para baixo para vê-lo tirar
sua mão e enrolá-la em um punho.
Nenhum de nós menciona isso enquanto seguimos os outros
para a sala de jantar para nos sentarmos. Camila toma seu lugar do
outro lado de Walt e olha para mim com um sorriso tenso.
— Elizabeth? Acho que não fomos apresentadas. Eu sou Camila,
amiga de Walt.
— Ah, sim. Oi. Prazer em conhecê-la.
De perto, ela é ainda mais bonita do que eu imaginava.
— Eu realmente gosto da sua roupa. — Eu digo, tentando
mostrar a ela que eu não sou a inimiga - ou pelo menos não estou
tentando ser.
Ela ri baixinho, e o desdém é evidente para qualquer um que
esteja ouvindo com atenção. Ai.
Decidi que a única maneira de sobreviver ao jantar é jogando um
joguinho de bebida. Cada vez que me sinto estranha, tomo um gole
de champanhe e, cara, há muitas ocasiões para beber durante um
jantar que foi planejado em homenagem a um casamento simulado,
com a presença de meia mesa de convidados que esperam ver um
casal recém-casado feliz e meia mesa que sabe que não somos um.
Quando Camila pede para ver meu anel e sou forçada a estender
minha mão na frente de Walt, eu bebo.
Quando a pego colocando a mão em sua coxa sob a mesa e, em
seguida, vejo como ele a remove suavemente, eu bebo.
Quando um dos colegas de Walt insiste em se levantar e fazer
um brinde em nosso nome, eu bebo.
Quando outro convidado pergunta a Walt o que o atraiu em
mim, eu bebo e ouço com atenção a mentira que ele vai contar.
Afinal, as mentiras costumam ser baseadas em verdades.
O olhar de Walt desliza para mim e ele parece pensar por um
segundo enquanto me avalia. Deus, está demorando uma
eternidade.
— Ah, qual é. — um cara provoca. — Não pode demorar muito
para você pensar em algo bom para dizer sobre ela.
Eu pisco para afastar as lágrimas que de repente surgem no
canto dos meus olhos. Que vergonha. Eu gostaria de poder pular e
deixar a mesa.
— Os olhos dela. — diz Walt enfaticamente antes de se voltar
para seus convidados.
As mulheres na mesa - menos Camila e suas amigas - todas
suspiram docemente.
Os homens brincam e cutucam os ombros como se soubessem
que essa não poderia ser a verdadeira resposta.
— E você, Elizabeth?
— Oh. — Eu forço uma risada. — O que me atraiu em Walt? —
Peço um esclarecimento.
— Sim! Vamos, precisamos saber o que você viu nesse
desgraçado frio. — diz o homem à minha frente com uma risada.
— Sua... hum...
Sinto o olhar de Walt na lateral do meu rosto e fico inquieta na
cadeira.
— Bunda.
A mesa explode em risadas, e olho para Walt por baixo dos meus
cílios para descobrir que até ele está sorrindo levemente.
— Minha bunda? — ele provoca.
Eu encolho os ombros de brincadeira.
— É legal. O que posso dizer?
Camila se afastou da mesa de repente, ficando de pé.
— Com licença por um momento.
Seu guardanapo cai em sua cadeira, e Walt e eu ficamos parados
ao mesmo tempo, como se nós dois fossemos segui-la.
É engraçado, considerando que nós dois provavelmente somos
as últimas pessoas que ela quer ver agora.
Sento-me novamente depois que Walt balança a cabeça, apenas
uma vez, antes de pedir licença para sair da sala de jantar.
Dizer que a tensão em torno da mesa atinge o ponto mais alto
depois disso é um eufemismo. Está claro para todos agora que algo
estranho está acontecendo, e sem Walt aqui, eu sou deixada para
suportar os sussurros e conversas paralelas sozinha.
Aceito uma terceira taça de champanhe, porque, sinceramente,
por que não? É delicioso e perturbador. Na verdade, a única coisa
que torna toda essa provação suportável.
— Caramba, é assim que são os jantares quando não estou aqui?
Todos nós olhamos para cima em uníssono para ver um recém-
chegado parado na soleira da sala de jantar, um homem que
imediatamente reconheci como o irmão mais novo de Walt.
Assim como aconteceu com Walt, estive perto de Matthew
Jennings em reuniões de família algumas vezes ao longo dos anos.
Os dois são tão parecidos que duvido que alguém aqui possa dizer
se um é mais bonito do que o outro, embora haja diferenças claras: o
cabelo de Matthew é um tom mais claro de castanho e ele o estiliza
de uma maneira mais descontraída do que Walt. Ele também usa
óculos, um par marrom que só parece adicionar ao seu charme. Ele
tem covinhas profundas, uma característica que não tenho certeza
se Walt compartilha porque... bem, nunca vi Walt sorrir grande o
suficiente para mostrá-las.
Matthew caminha mais para dentro da sala, cumprimentando as
pessoas ao passar por elas, batendo no ombro de alguns dos
homens. É claro que ele está bastante familiarizado com todos,
exceto eu.
Ele para perto da cadeira em que estou sentada, inclina a cabeça
um pouco para o lado e sorri.
— Elizabeth Brighton. Noiva do meu irmão.
ONZE
Sem se preocupar com a disposição pré-planejada dos assentos,
Matthew agarra as costas da cadeira vazia de Walt e a puxa para
longe o suficiente para roubá-la. Ele se senta com um ar de
confiança que eu gostaria de poder imitar e, em seguida, puxa sua
cadeira para mais perto da minha.
— Onde está Walt? — ele diz, olhando ao redor da mesa.
— Com Camila. — Eu respondo antes que alguém possa. Parece
que estou roubando parte do poder que perdi ao longo da noite. Ao
dizer o nome dela em voz alta, levantando meu queixo enquanto
anúncio para a sala que meu marido está falando em particular com
a namorada, é como se eu dissesse, não me importo nem um pouco.
— Ah. — Ele acena com a cabeça em compreensão, logo um
garçom aparece da cozinha com um prato e uma taça cheia de
vinho para Matthew.
Ele agradece e desdobra o novo conjunto de talheres.
— Desculpe pelo atraso. — Ele diz para a mesa antes de se virar
para mim. — Eu fiquei preso depois da aula.
— Aula?
— Sou professor associado de fotografia na NYU.
Meu queixo cai. Como eu não sabia disso?
— Você é mesmo? Acabei de me formar com meu MFA da RISD.
Ele sorri e acena com a cabeça.
— Eu soube. Parabéns. — Ele deve ler a confusão em meu rosto
porque ele continua: — Walt me disse.
A planejadora da festa chega à porta da sala de jantar e declara
que as sobremesas e bebidas serão servidas na grande sala. Então
seu olhar cai sobre Matthew e ela empalidece.
— Oh, desculpe, não fui informada de que um convidado ainda
estava comendo. — diz ela, claramente envergonhada por seu erro.
Matthew acena com a mão.
— Não. Não se preocupe por minha causa. Vocês todos vão em
frente. Eu como rápido.
— Eu vou ficar com você. — Eu digo, querendo ter certeza de
que ele não terá que comer sozinho.
Isso parece convencer os outros de que não há problema em se
levantar e sair da mesa. Eles se filtram enquanto Matthew e eu
permanecemos sentados. Ele come e eu bebo meu champanhe até
sermos os únicos dois restantes na sala de jantar.
— Acho que Camila teve um momento difícil esta noite? — ele
pergunta gentilmente, como se estivesse testando as águas.
Eu sorrio, feliz por ele parecer estar interessado em deixar de
lado o fingimento entre nós.
— Sim. Algo sobre ter que ser confrontada pela falsa esposa de
seu namorado realmente não caiu bem para ela.
Matthew ri muito, obviamente surpreso com minha franqueza.
Eu encolho os ombros para que ele saiba que não há
ressentimentos.
— É um arranjo tão estranho. — Eu continuo.
— Eu tentei convencer Walt a desistir. — Ele admite com um
sorriso triste. — Mas ele é impossível de mudar de ideia uma vez
que ele se decidiu.
— Você sabe que não foi puramente por causa dele. O
casamento, quero dizer, ajudou minha família também.
Matthew acena em compreensão.
— Não sei a história completa, mas entendo que seus pais
estavam em apuros.
— Essa é uma maneira educada de dizer isso, mas sim, eles
passaram anos de forma imprudente e finalmente isso os alcançou.
— Você sabia?
— Nem um sinal até a noite antes de me casar com Walt.
Os olhos de Matthew se arregalam.
— E você concordou com isso assim tão rápido?
— Que escolha eu tive?
Ele me olha quase como se estivesse frustrado com a minha
resposta.
— É minha família. — Eu digo, me defendendo.
Matthew pega sua taça de vinho e bebe profundamente.
— Você é extremamente próxima deles, então?
— Não muito. Não.
Ele me lança um olhar de pura frustração.
— Mas também me ajuda. — Acrescento, para fazê-lo entender.
— Eu não sabia na época, mas aparentemente é difícil alugar um
apartamento sozinha quando você está tecnicamente
desempregada. Acho que Walt vai conseguir um lugar para mim
em breve. Então vê? Não sou completamente altruísta.
Ele parece apreciar meu tom autodepreciativo porque seus
traços suavizam.
— Como é morar aqui com meu irmão?
— É como viver aqui absolutamente sozinha, na verdade.
— Ele sai com tanta frequência?
— Eu não acho que o vi mais do que alguns minutos desde que
me mudei. Antes, eu pensava que era só por causa do trabalho, mas
imagino que ele está passando tempo com Camila também.
Ele acena em concordância.
— Você a conhece bem? — Eu pergunto, meu estômago aperta
com ansiedade.
— Ela é professora da NYU comigo.
Eu recuo.
— Ela é realmente? Então é assim que todos vocês se conhecem?
— Sim. Ela é professora há mais tempo do que eu, no
departamento de estudos latino-americanos.
— Mas você não está em Tisch?
Ele acena com a cabeça, terminando outra mordida em sua
comida. Em seguida, ele limpa a boca com o guardanapo antes de
responder:
— A NYU convidou Francisco Rodríguez, o economista
venezuelano, para uma série de palestras de professores. Walt e eu
estávamos interessados em participar, então o convidei como meu
convidado. Acabamos sentando ao lado de Camila, e eles
começaram a conversar antes da palestra começar. Depois, todos
nós fomos beber.
— Há quanto tempo foi isso?
Ele pensa sobre isso com um estrabismo.
— Seis meses, eu acho, mais ou menos? A palestra foi no outono
passado.
Estou me inclinando para ele agora, ansiosa por menores
pedaços de informação - informações que Walt nunca iria divulgar
por si mesmo.
— Então, eles estão realmente apaixonados?
Ele ri.
— Vamos colocar desta forma... Eu não acho que você se case
com outra pessoa, nem mesmo finja, se você estiver realmente
apaixonado por outra pessoa. — Então ele olha para mim com
curiosidade. — Você não conversou com Walt sobre tudo isso?
Eu me inclino para trás na minha cadeira.
— Como eu disse, mal nos vemos.
— Claro. OK.
Ele volta a comer e eu bebo meu champanhe, um silêncio raso
caindo sobre nós antes que ele retoma a conversa, voltando-a para a
minha arte.
— Quais são seus planos agora que você se formou? Você está
fazendo uma pausa?
— De jeito nenhum. Estou trabalhando mais do que nunca. Na
verdade, passei a maior parte do meu dia hoje acampada na Hauser
& Wirth, tentando me encontrar com um de seus diretores.
— Sério? — Ele parece encantado com a ideia. — Isso é tão...
— Insano? Eu sei. Não se preocupe, eles concordaram com você.
Eles me rejeitaram muito rápido.
Ele franze a testa com simpatia.
— Lamento ouvir isso, embora pareça surpreendente. Se você se
formou no RISD, precisa ser muito boa no que faz. Que desculpa
eles deram a você?
— Ah, é complicado.
Não consigo pronunciar as palavras “arte de café”, então dou a
ele uma versão diluída da verdade.
— O mundo da arte é uma fera astuta. É como a moda no
sentido de que sempre há tendências em constante mudança. Quero
dizer, claro, seus clássicos Picassos e Monets sempre estarão em alta,
assim como Louis Vuitton e Chanel, mas os artistas modernos têm
mais dificuldades. Tudo depende muito do que os galeristas
desejam exibir. Muitos deles estão entediados com tinta na tela.
— Quem poderia ficar entediado com isso?
— Obrigada! — Eu digo, empurrando seu ombro de brincadeira.
Ele ri.
— Bem, eu gostaria de ver o que você faz. Conheço algumas
pessoas que podem indicar a você a direção certa.
— Você está falando sério? Você faria isso?
— Claro. Você é minha cunhada agora, não é?
Uma grande risada de alívio escorre de mim. Finalmente,
alguém disposto a zombar desse estranho conjunto de
circunstâncias.
— Estou brincando, aliás. — diz ele, com um sorriso tímido. —
Eu não posso olhar para você assim. Tenho certeza de que você não
deve achar sua cunhada atraente.
— Oh. — O som passa por meus lábios, formando um O
surpreso.
— Isso não foi bom? Droga. Desculpe. Acabei de sair de um
relacionamento antes das férias, então não tenho estado no cenário
de encontros por um tempo. Aqui, deixe-me tentar novamente. —
Ele sacode os ombros como se estivesse tentando relaxar, então olha
para mim com total sinceridade e diz simplesmente: — Elizabeth,
você é gostosa.
Eu não posso deixar de rir enquanto ele encolhe os ombros em
resignação.
— Agora é esse o ponto, eu acho, quando você deveria me dizer
que eu também sou gostoso.
Estou rindo mais agora, como se ele tivesse tocado em algum
poço profundo de felicidade que não sinto desde que me lembro.
Não vejo imediatamente Walt parado na soleira da sala de
jantar, nos observando. Observando-me, sim. Eu olho para cima e
minha risada congela, sorrio no lugar, ao descobrir que ele está
usando uma das suas. Um pequeno. Apenas o lado direito de sua
boca está levantado. Suas covinhas estão lá, as que combinam com
as de seu irmão.
— Como está Camila? — Eu pergunto, verificando se ela está
atrás dele.
Eu imediatamente me arrependo da minha pergunta quando ela
rouba seu pequeno sorriso.
Ele entra na sala de jantar e se senta do outro lado de seu irmão,
o assento onde Camila estava sentada há pouco tempo.
— Ela foi para casa.
— Lamento ouvir isso.
Seus olhos escuros pegam os meus, e há um brilho de algo lá.
— Não se desculpe. Você não teve nada a ver com isso.
Em seguida, ele pega uma garrafa de vinho que foi deixada no
meio da mesa e derrama o merlot direto na boca.
Matthew ri.
— Noite difícil?
— Você poderia dizer isso.
— Vocês dois terminaram? — Eu pergunto, entrando na
conversa deles.
Walt dá de ombros.
— Senti que sim.
— Honestamente, nunca os vi juntos por muito tempo. — diz
Matthew.
Walt lança um olhar para ele com o canto do olho.
— Parece algo que você deveria ter mencionado antes. Talvez
me puxar de lado e me dado alguns conselhos fraternos.
Matthew encolhe os ombros.
— Bom, eu teria se achasse que seu relacionamento estava
realmente indo para algum lugar.
Gosto de ver Walt assim. Ele fica mais tranquilo com o irmão
aqui, e é claro que eles têm uma relação amigável um com o outro.
— Matthew me disse que ela é professora? — Eu pergunto,
desejando ainda mais informações.
Walt acena com a cabeça.
— Então esse é o seu tipo?
Suas sobrancelhas franzem enquanto ele inclina a cabeça, me
estudando.
Merda, aquele champanhe atacou de verdade.
— Quero dizer, você normalmente prefere as espertinhas? — Eu
pergunto depois de limpar minha garganta.
Seu sorriso é gentil quando ele balança a cabeça.
— Eu realmente não tenho um tipo.
— Não é verdade! — Matthew interrompe rapidamente. — Não
é verdade e você sabe disso, cara.
Ele empurra o ombro do irmão e Walt olha para baixo, pegando
o lado do lábio inferior entre os dentes em um sorriso tímido.
Meu estômago aperta enquanto eu o observo. A visão dele
parecendo tão bonito como um menino é algo que eu nunca pensei
que veria. Eu gostaria de poder congelar o tempo. Pegar uma
câmera. Um pincel. Qualquer coisa.
— Morena. — Matthew começa a listar, marcando qualidades
em seus dedos. — Pernas longas. Muito gostosa.
Estou sorrindo até que ele se vira e aponta para mim.
— Veja Elizabeth, por exemplo.
Se eu tivesse champanhe na boca, cuspia.
— Com licença?
— Desculpe, só... é verdade. — Matthew ri.
Walt olha para mim e estreita os olhos. Eu faço o mesmo de
volta, cheia de coragem líquida.
Nós nos encaramos por um longo momento até que eu
finalmente desisto e reviro os olhos, tentando aliviar o clima. É
óbvio que Matthew está apenas brincando.
— Bom, isso não é justo. Agora você conhece o tipo dele. Qual é
o seu? — Matthew pergunta provocativamente.
Walt.
Isso é o que meu cérebro pensa inicialmente. Só uma palavra.
Um nome. Walt.
Eu sacudo o pensamento da minha cabeça e, em vez disso,
desvio com uma piada.
— Pequeno. Músculos robustos. Muitas tatuagens. Afinidade por
motocicletas.
— Que tal um cara um pouco idiota com óculos e um raciocínio
rápido? — Matthew pergunta, chamando minha atenção de volta
para ele.
— Você está dando em cima da minha esposa?
A piada de Walt é apenas isso - uma piada - e ainda assim meu
corpo reage como se ele estivesse falando sério. Minha respiração
fica presa temporariamente no meu peito até que Matthew ri.
— Eu acho que os óculos são fofos. — Brinco, tentando levar a
conversa adiante.
Os dois irmãos olham para cima e é como o calor de dois sóis
apontando diretamente para mim.
Caramba, deixe uma garota recuperar o fôlego por um segundo,
está bem?
— Não deveríamos nos juntar aos outros em breve? — Eu
pergunto, tentando mudar de assunto enquanto aceno com a cabeça
em direção à sala grande.
Walt suspira e então se empurra para se levantar.
— Que alegria. — brinca Matthew, pegando sua taça de vinho.
Eu faço o mesmo com minha taça de champanhe.
Felizmente para nós, os convidados de Walt não ficam muito
mais tempo. Graças a Deus. Depois de mais meia hora de conversas
forçadas, Walt acompanha seu último convidado até a porta e, em
seguida, ele volta para a grande sala para me encontrar com os
calcanhares no chão, deitada no sofá. O champanhe está fazendo
efeito.
Matthew está tomando sua bebida - tendo mudado para vinho -
e olhando para o horizonte de Manhattan. Eu sugiro que joguemos
o jogo da janela.
— O que é isso? — Walt pergunta enquanto caminha para se
juntar a Matthew na janela, obscurecendo ligeiramente minha visão
com sua bunda. Obviamente, não me importo.
— É parte Eu Vejo, parte voyeurismo. — Digo a ele. — Olhe
para fora e tente localizar alguém fazendo algo em uma janela. Em
seguida, descreva-os para nós e tentaremos encontrá-los também.
Você vai primeiro, Walt.
Ele cantarola e enfia as mãos nos bolsos enquanto examina a
vista. Depois de um minuto de busca, ele ainda fica sem saber o que
fazer.
— Obviamente, é mais fácil de jogar quando você não está aqui
nas nuvens. — Eu aponto. — Mas ainda há prédios suficientes nas
proximidades para que possamos encontrar alguém.
— Pronto. — Ele diz de repente. — Eu tenho um. É uma mulher
regando sua planta na janela. Eu acho que é uma orquídea.
— Sim, eu também a vejo. — Confirma Matthew.
Eu me forço a levantar do sofá, dando-me um momento para
deixar a tontura diminuir antes de entrar na fila ao lado deles na
janela. Eu começo a olhar em volta, procurando pela mulher.
— Ela está deste lado? — Eu pergunto, apontando para a direita.
— Não. Ali. — Walt diz, batendo no vidro.
— Eu ainda não a vejo.
— Isso é porque você está bêbada. — Matthew ri.
— Sim, sim. Bem, me ajude então.
Walt pega minha mão e a leva para a esquerda, pressionando
meu dedo contra a janela.
— Lá. Você a vê?
Eu sigo a linha do meu dedo e com certeza, ali está a mulher
regando suas orquídeas.
Eu rio de alegria.
— Minha vez. — Declaro, me livrando do aperto de Walt e
imediatamente me arrependendo.
Tarde demais. Não posso pedir a ele que pegue minha mão
novamente. Qual seria a minha desculpa? Uh... eu gosto de como
sinto quando você me toca?
Prefiro morrer a admitir isso, então, em vez disso, volto meu
foco para minha busca.
Começo com o prédio à nossa direita, um arranha-céu reluzente
tão luxuoso quanto aquele em que estamos. A maioria dos
apartamentos brilha com a luz, mas a maioria deles está oculta por
cortinas. Eu examino os poucos que não são. Vazio. Vazio. Vazio.
Então...
— Lá! — Eu digo, batendo meu dedo no vidro. — Ai meu Deus.
Talvez se eu tivesse bebido menos, teria pulado o casal no
apartamento em frente ao nosso claramente fazendo sexo, mas
agora é tarde demais. Tanto Walt quanto Matthew estão olhando
para onde estou apontando.
— O que a pessoa está fazendo? — Matthew pergunta.
— São duas pessoas. — Esclareço, minha voz quase um sussurro.
Estamos muito longe para eu distinguir partes específicas do
corpo, mas uau, eles estão realmente indo para lá.
Oh, Deus.
Rápido - encontre alguém para apontar.
Mas quando isso se prova infrutífero, minto.
— Ah, não importa. Eles foram embora. Sim. Ok.
— O que eles estavam fazendo? — Walt pergunta, seguindo-me
com seu olhar enquanto eu me afasto da janela.
Finjo que estou ocupada ajustando um travesseiro no sofá.
— Apenas lavando pratos, eu acho. — Eu torço meu nariz. — Eu
realmente não poderia dizer.
— Então por que você está corando tanto? — Matthew incita.
— Eu estou? — Eu pressiono as costas das minhas mãos contra
minhas bochechas, tentando esfriá-las.
Mais curiosos do que nunca, os dois imediatamente olharam
para fora, examinando a área para onde eu apontei.
Walt os encontra primeiro. Eu sei, porque ele lentamente se vira
para olhar por cima do ombro, um sorriso tortuoso no lugar. Ele não
diz uma palavra.
— O que? — Eu digo, cutucando-o com meu tom.
— Elizabeth.
— Não diga meu nome assim!
— Como o quê?
— Como se você estivesse me repreendendo.
— Eu não estou te repreendendo. Se eu estivesse, você saberia.
— diz ele, e há esse reconhecimento imediato entre nós, como uma
linha esticada. Tremores enchem minha barriga e eu olho
rapidamente para Matthew, esperando que ele me salve.
— Ainda não vejo nada. — diz ele, examinando a janela. Então,
finalmente — Hum. Ah. Sim, essas duas pessoas estão totalmente
fazendo sexo naquela janela. — Ele me lança um sorriso cômico e
um polegar para cima. — Acho que você ganhou o jogo.
— Por falar nisso, vamos encerrar a noite. — diz Walt.
— Boa ideia. Vamos, Matthew, vou acompanhá-lo até a saída —
digo, acenando em direção ao corredor da frente.
— Você não precisa estar tão ansiosa para eu ir embora. Não há
nada para se envergonhar. Então você gosta de assistir - e daí? É um
fetiche perfeitamente normal.
Estou atrás dele agora, cutucando-o, empurrando com as mãos
em suas omoplatas.
— Oh, por favor, saia, ok?
— Tá, tá. Vou pegar seu número com Walt e podemos nos
encontrar em breve para encerrar a conversa que iniciamos antes.
Sobre sua arte.
— Bom. Sim. Arte - vamos nos concentrar nisso.
Walt dá um tapinha no ombro do irmão e praticamente o
empurra para dentro do elevador.
— Boa noite, Matthew. Vá para casa em segurança.
Matthew saúda-nos com um sorriso atrevido antes que as portas
do elevador se fechem.
Então, Walt se vira para mim e coloca as mãos nos quadris com
um olhar de autoridade feroz.
— Vamos te levar para a cama.
Eu rio e reviro meus olhos.
— Parece que você vai me ajudar a chegar lá.
— Eu vou. Você bebeu muito champanhe.
— Pfft. Eu não estou bêbada.
— Ande em linha reta. — Ele exige com um tom que é um
pouco provocador, mas principalmente arrogante.
— Claro. Eu irei. Todo o caminho para o meu quarto. — Eu digo
indignada quando começo a pisar no corredor, acidentalmente
colidindo com um porta-guarda-chuva que tomba e se espatifa no
chão. — Certo, bem... aquela coisa veio do nada, eu garanto a você.
Você colocou lá agora mesmo, não é?
DOZE
— Talvez eu devesse colocá-lo na cama — brinco com as mãos
nos quadris.
Ele fica quieto enquanto me avalia.
— Você não me ouviu?
Ele deixa sua cabeça cair enquanto balança para frente e para
trás antes de olhar para mim.
— Eu só estava tentando imaginar isso.
— Oh, você quer detalhes? Ok, bem, primeiro eu pegaria seu
pijama de futebol favorito e fecharia seu zíper. Então eu colocaria
você bem na cama, pegaria um copo de leite morno, leria um livro
para você e então as luzes se apagariam, senhor.
Bato palmas como se estivesse tentando ativar uma lâmpada de
aplauso e desligamento.
— Parece ótimo, além do leite quente. — diz ele, caminhando
até mim para que possa tocar meu ombro e me empurrar
suavemente na direção do meu quarto.
— Eu gostaria de especificar agora, enquanto você pensa o pior
de mim, que eu geralmente não bebo tanto. Foi uma noite tão
estranha. Quer dizer, eu falei sobre sua bunda na frente de um
grupo de estranhos, então se coloque no meu lugar.
— Para ser justo, você não precisava falar sobre a minha bunda.
— diz ele enquanto entramos no meu quarto e ele acende a luz.
Paramos na soleira juntos por um momento, deixando nossos
olhos se ajustarem ao brilho. Eu sigo sua linha de visão para ver que
ele está olhando para o recorte de jornal emoldurado que
recebemos como presente de casamento. Eu ainda o tenho apoiado
na minha mesa de cabeceira atrás da minha lâmpada.
— Achei que era uma memória fofa — explico. — Não tenha
nenhuma outra ideia.
— Ideia?
— Sim, como eu colocar você ao lado da minha cama para poder
dormir olhando para você.
Ele concorda.
— Não se preocupe - eu sei a pontuação. Na verdade, você me
colocou lá porque minha imagem a entedia até dormir. As melhores
oito horas que você já teve.
Eu sorrio para ele.
— Bem, agora que você me viu no meu quarto, pode ir.
Eu me viro para caminhar em direção ao meu armário e, assim
que chego lá, esqueci completamente o que deveria estar fazendo.
Eu viro em um círculo lento, estudando as roupas por trinta
segundos antes de estalar os dedos.
— Pijama — digo em voz alta antes de abrir uma gaveta e tirar
um dos dois pares que possuo.
É um conjunto de seda branca: bermuda e regata. Eu me dispo
rapidamente, tentando sem sucesso pendurar meu vestido de
coquetel antes de desistir totalmente e torná-lo um problema para a
Elizabeth De Amanhã. Então eu abro meu sutiã com um arrepio de
prazer. Sutiãs realmente são obra do diabo.
Assim que coloco meu pijama, volto para o meu quarto, parando
rapidamente quando vejo que Walt ainda está parado na porta.
— Oh. — Eu grito. — Você viu tudo isso?
— Apenas sombras. Você poderia ter ligado a luz, sabe. Teria
sido mais fácil para você, tenho certeza.
Eu olho para trás para confirmar que meu armário está escuro
como breu. Então, com um dedo indicador zombeteiro e olhos
semicerrados, digo a Walt que ele é um garotinho esperto.
— Bem, você também pode entrar. — Acrescento. — Você é
como um vampiro? Não tem permissão para entrar até que eu o
convide explicitamente?
Ele dá um passo para dentro, seus sapatos são o único som na
sala quando batem contra o piso de madeira. A atmosfera é muito
diferente do que era há apenas um segundo. Ele já esteve aqui
antes, mas apenas uma vez, e não assim. Eu engulo a sensação de
antecipação enquanto ele arrasta a mão pelo cabelo e olha ao redor,
olhando todas as minhas coisas.
— Se eu não soubesse melhor, presumiria que você viveu aqui
por meses, não apenas semanas.
Tento olhar para o espaço através de seus olhos, e é verdade. É
bastante desordenado.
— Sim, bem, eu sei como me sentir em casa. — Eu aceno em
direção aos desenhos que coloquei em uma das paredes. — Não se
preocupe, só tem fita adesiva na parte de trás, segurando-os. Não
vai deixar marcas quando eu tirar.
— Está bem. Eu realmente não me importo. — diz ele,
caminhando em direção a eles.
O pânico atinge meu sangue. Ele vai olhar para eles. Que alegria.
É como se a cada passo que ele dá, ele retirasse outra camada da
minha pele, me expondo.
Nunca é tão fácil ter uma nova visão da minha arte. Poderia ser
dito que sou a maior artista do mundo cem vezes e ainda estaria
receosa - sempre - esperando a aprovação.
— Estes são realmente bons. — Diz ele após um longo
momento, apontando para um em particular.
É um esboço rápido de um homem que encontrei no
Washington Market Park. Ele estava alimentando pombos com um
saco de pão velho. Gostei da forma como seus ombros caíram e sua
cabeça se curvou, seguindo o arco de sua coluna como a letra C. No
desenho, usei uma linha contínua para que a perspectiva linear
fosse desnudada e sua forma assumisse uma forma mais geométrica.
— Cézanne ficaria orgulhoso. — Acrescenta, antes de passar a
estudar outro esboço.
Eu rio como se ele fosse ridículo.
— Sim, certo. — Então eu percebo o que ele acabou de dizer. —
Como você sabe tanto sobre arte, afinal?
— Eu não sei. — Ele insiste.
— Isso é uma mentira. Um leigo nunca saberia que era um
desenho cubista. Ou, se o fizessem, o teriam atribuído a Picasso, não
a Cézanne. Mas Cézanne foi a verdadeira inspiração por trás do
cubismo. O movimento foi realmente nomeado após uma de suas
pinturas, então... — Eu estreito meus olhos. — Como você sabe
disso?
Ele se aproxima de outro dos meus esboços, estudando-o
atentamente.
— Eu gosto de arte.
— Só de olhar para ela? Ou você também gosta de criar?
— Fiz para meus pais um cinzeiro de barro quando tinha cinco
anos. Isso conta?
Ele me dá um sorriso provocador por cima do ombro, e não
posso deixar de rir.
— Para ser honesta, não é o meu forte. Mas eu aprecio o talento
de outras pessoas.
— Bem, isso é justo. Você não pode ser bom em tudo.
Ele cantarola e finalmente se vira lentamente para olhar para
mim em vez de para a minha arte. Por um breve momento, seu
olhar cai sobre meu pijama de seda e meu corpo se inunda de calor.
Terminações nervosas se agitam e formigam, e talvez eu esteja
apenas bêbada ou talvez ambos estejamos sentindo a mesma coisa.
Estou tão ciente do meu próprio batimento cardíaco que posso
ouvi-lo tamborilar em meus ouvidos enquanto seus olhos se erguem
para os meus.
— Você tem algum esboço de seu trabalho com A Banquet Still
Life?
Olho para o portfólio preto no canto e o zumbido do desejo
morre como se tivesse sido cortado com uma lâmina de machado
quando me lembro da minha tarde na Hauser & Wirth.
Desvio o olhar, ocupando-me com minha cama, jogando os
travesseiros de lado para poder puxar os cobertores.
— Sim, eles estão por aqui em algum lugar.
— Posso vê-los?
— Estou bêbada demais para encontrá-los agora.
Além disso, é tudo arte de cafeteria.
Meus olhos formigam com lágrimas não derramadas.
Deus, eu bebi muito champanhe.
Eu preciso apenas dormir.
Eu me viro rapidamente e desapareço no banheiro, pego minha
escova de dente e aplico pasta de dente em excesso. Eu não me
importo. Eu escovo meus dentes com redemoinhos raivosos.
Walt não me segue até o banheiro, e isso é o melhor.
Eu me olho no espelho depois que termino e lavo meu rosto.
Meus cílios escuros mal escondem o fato de que meus olhos estão
vermelhos.
Pela primeira vez em semanas, sinto-me despojada de todas as
minhas defesas. A realidade em que me meti volta para mim como
uma grande rajada de vento, quase me derrubando.
Sou casada com o homem no outro cômodo.
Um homem que era, na época, um grande mistério envolto em
ternos e expressões severas e conversas curtas, mas agora a distância
entre o homem que presumi que Walt era e o homem que ele está se
tornando está começando a aumentar a cada momento que
passamos juntos.
Pior, estou começando a achar que posso realmente gostar do
meu marido.
Que... desconcertante.
Acho que esse acordo teria funcionado melhor se tivéssemos
mantido o fingimento e apenas interagido um com o outro quando
se tratasse do acordo de negócios que fechamos naquele tribunal.
Mas então ele concordou em me deixar morar, e agora somos (leia-
se: sou) propensos a captar sentimentos. Os sentimentos são
confusos. Meus sentimentos estão confusos. Walt parece
perfeitamente capaz de controlar seus sentimentos, então a
qualquer momento eles não passam de uma mosca incômoda que
ele pode acenar para longe com um aceno de mão.
Depois de espalhar um pouco de loção nas palmas das mãos, eu
a esfrego enquanto caminho de volta para o meu quarto. Walt ainda
está lá, sentado na beira da minha cama, olhando meus desenhos.
— Você ainda está preocupado que eu não vá para a cama em
segurança? — Eu pergunto, ligeiramente divertida.
Certamente, provei a ele que pelo menos sou capaz disso.
Mesmo que seja um pouco desajeitada.
— Não. Acho que estou muito cansado para me mover. É bom
sentar-se aqui.
Eu aceno em compreensão enquanto me movo ao redor da
minha cama e me sento ao lado dele. O colchão afunda ligeiramente
com o meu peso e eu olho para baixo. Meus olhos captam
imediatamente os contrastes entre nós. Meus shorts de seda estão
levantados, revelando um pouco demais das minhas coxas. Minha
pele parece pálida e macia. Feminina. Suas pernas ainda estão
vestidas com as calças do terno escuro. Macio versus duro. Suave
contra severo. Eu poderia pintar um retrato de nossas pernas em
cima do edredom branco e apresentá-lo como um estudo entre as
formas feminina e masculina.
Walt está olhando para nós também, e eu sinto isso de novo:
emoções sem nome que parecem próximas demais do desejo. Muito
perto de algo que não senti em...
Walt se levanta abruptamente.
— Boa noite, Elizabeth. — Ele diz, soando quase rigoroso.
— Ah. — Eu balanço minha cabeça, tentando acompanhar a
mudança repentina de energia. — Boa noite.
Ele não olha para trás quando saí pela porta. Eu ouço seus pés o
levarem embora, tentando compartimentar minha tristeza.

Na manhã seguinte, me sento na cama, tiro meus cobertores e


ouço Walt. É sábado. Ele deve estar trabalhando aqui, em seu
escritório. Aposto que se eu sair para o corredor, vou ouvi-lo ao
telefone. Ou talvez ele esteja na cozinha, pegando ingredientes para
seu smoothie novamente.
Estou morrendo de fome desde que dormi um pouco demais. Eu
quero ovos, torradas e bacon. Eu poderia pegar o suficiente para nós
dois e convidá-lo a sair de seu escritório para sentar e comer
comigo. Certamente, ele seria capaz de fazer uma pausa de quinze
minutos. Cinco minutos, até.
Estou muito animada para me preocupar com a minha
aparência. Ele me viu de todas as maneiras, incluindo ontem à
noite, quando eu estava mais do que um pouco tonta. Não posso
parecer pior esta manhã.
Eu vou primeiro para a cozinha, para pegar um copo d'água, e
quando estou dando meu primeiro gole, ouço o elevador apitar com
a chegada. Walt deve ter saído do apartamento esta manhã.
Provavelmente para correr ou algo assim, ou idealmente, ele poderia
ter saído para buscar rosquinhas para nós.
Estou sorrindo com o pensamento absurdo enquanto viro a
esquina rapidamente, apenas para encontrar - para minha surpresa
- Camila parada na galeria de entrada, uma caixa de doces em sua
mão.
Ela me vê e há um olhar fugaz de aborrecimento antes de retrair
suas feições em um sorriso suave.
— Bom dia, Elizabeth.
Nossa, isso é estranho. Ainda estou de pijama, provavelmente
com uma mancha de baba no queixo e uma boa cara amassada.
Enquanto isso, ela já está vestida para o dia com um vestido justo
creme sob uma jaqueta de coordenação que é amarrada com uma
faixa em volta de sua cintura fina. Suas botas de couro marrom na
altura do joelho são polidas e adicionam alguns centímetros a sua
altura já intimidante.
Seu cabelo é liso e ligeiramente enrolado.
Sua maquiagem é leve e perfeita.
Estou pasma. Verdadeiramente.
Tanto que esqueci que devo cumprimentá-la de volta. Eu forço
um manso "Olá" antes de ouvir Walt entrar pela porta de entrada
atrás de mim. Eu me viro para ver que ele está vestindo uma calça
de moletom preta e uma camiseta cinza. Seu cabelo castanho está
ligeiramente despenteado e há uma leve barba por fazer em sua
mandíbula pontiaguda. Ele é, em suma, digno de babar.
Ele olha entre Camila e eu, e então eu olho entre ele e Camila.
Parece que estamos todos confusos.
Camila franze a testa.
— Vocês dois acabaram de acordar? — ela pergunta. — Você
costuma acordar cedo, Walt.
— Estou no meu escritório trabalhando desde às 6:00. — Ele diz,
corrigindo-a. — Você deveria ter ligado primeiro. Eu poderia ter ido
ao seu apartamento ou encontrado você no café da manhã se você
quisesse conversar.
Ela sorri timidamente e levanta a caixa de pastéis como se fosse
uma oferta de paz.
— Eu aprecio isso, mas eu percebi que devia a vocês dois um
pedido de desculpas depois de como me comportei na noite
passada. Não foi o meu momento de maior orgulho, para dizer o
mínimo.
Ela está brincando?
— Você lidou com isso melhor do que eu. — Digo antes que
possa pensar melhor. Tento um pequeno sorriso amigável, apenas
para que ela saiba que estou sendo sincera.
Deus, se Walt fosse meu namorado e a situação fosse revertida...
meu estômago se contrai de ciúme só de pensar nisso. E pior, esse
ciúme não cessa quando Walt passa por mim para ir até ela e tirar a
caixa de sua mão.
Não consigo ver o rosto dele, mas a vejo lançar os olhos para ele
como se ele fosse a segunda vinda de Cristo e, de repente, sou a
terceira roda aqui, uma substituta estranha que deveria estar saindo
pela esquerda do palco.
— Aqui, deixe-me levar para que vocês dois possam conversar.
— Eu digo para Walt, caminhando para pegar os doces dele antes
de sair correndo da sala.
Eu os levo para a cozinha e olho dentro da caixa, embora eu
realmente não tenha apetite. Ela nos trouxe delicados croissants de
amêndoa, chouquet e pain au chocolat. Ela deve ter ido a uma
confeitaria francesa chique no caminho para cá. Nada de Dunkin
Donuts para essa garota.
Fecho a caixa e sento-me em um banquinho perto da bancada da
cozinha, girando meu anel na mão esquerda enquanto espero para
ver quanto tempo Walt planeja falar com Camila. Eu uso o anel
desde que Walt e eu conversamos sobre isso. Estou começando a me
acostumar com seu peso e tamanho, como se fosse uma extensão do
meu corpo.
As vozes de Walt e Camila não chegam à cozinha, então não
tenho como saber o que eles estão discutindo. Bato os dedos no
balcão, abro a caixa, pego um pedaço de um croissant e preparo
uma xícara de café para mim. A essa altura, minha paciência se
esgotou. Saio furtivamente da banqueta e vou na ponta dos pés em
direção à porta. Eu não vou escutar, por si só. E se escutar, é só por
um momento! Só para ter uma noção de como está indo a conversa
deles!
Eu pressiono minhas costas contra a parede, em seguida, tento
conjurar alguma fonte anteriormente inexplorada de habilidades de
espionagem enquanto xereto ao redor do batente da porta. Eu os
vejo se abraçando na entrada, o rosto de Camila enterrado em seu
peito. O braço de Walt está amorosamente em volta dos ombros
dela, e agora parece que há um nó dolorido na minha garganta
quando me viro rapidamente e corro para o meu quarto.
Eu não deveria ter feito isso. Vergonha e aborrecimento me
inundam enquanto fecho a porta atrás de mim, olho para baixo e
tiro o anel.
TREZE
Eu saí do apartamento mais tarde naquela manhã, quando eu
tive certeza de que a barra estava limpa. Optei pelo conforto com
meus tênis, calças de ioga e moletom grande. Estou pensando em
ficar fora o maior tempo possível. O dia todo, provavelmente. Eu
tenho meus cadernos de desenho na minha bolsa. Quero me
esconder no parque e desenhar enquanto minhas mãos puderem
suportar o frio sem luvas. Com alguma sorte, vou encontrar alguns
assuntos interessantes para ajudar a me distrair desse pânico do
qual não consigo escapar.
Digo a mim mesma que estou apenas cansada e tive um dia
difícil ontem. Tento justificar o que sinto lembrando-me da merda
da tarde que passei na galeria.
Encontro um banco no parque e me sento, olhando para o nada
por tanto tempo que um esquilo me confunde com uma estátua.
Quando me movo, ele chia e foge rapidamente.
Eu acabo desenhando, mas começo e paro centenas de vezes,
perdendo o interesse facilmente enquanto minha mente vagueia de
volta para o apartamento. Eu me pergunto o que Walt e Camila
estão fazendo agora. Eu me pergunto se eles terminaram de falar.
Se ela estará lá quando eu voltar.
O momento em que percebo que estou torcendo para que eles
não resolvam seus problemas é o momento em que começo a dizer a
mim mesmo exatamente o oposto. Eles são uma boa combinação.
Ela claramente se preocupa profundamente com ele e,
provavelmente, ele sente o mesmo.
Eu fecho meu caderno de desenho e ando pela cidade com meus
AirPods, ouvindo música até o sol começar a descer abaixo do
horizonte.
O ar fica mais frio e, sem um casaco, sou forçada a voltar para o
calor do apartamento de Walt. Eu subo no elevador, treinando meu
rosto em um sorriso gentil, me preparando para ver os dois juntos.
As portas se abrem e eu saio, tirando meus tênis e depois os
pego para levá-los de volta para o meu quarto. O apartamento está
silencioso e escuro. Walt não está em casa.
Meu telefone vibra na minha bolsa e encontro uma mensagem
da minha mãe esperando por mim.
É um lembrete para perguntar a Walt sobre o pedido de um
desembolso mensal mais alto do que o fundo.
Quando conversamos pela última vez, eu não tinha planos de
realmente atender ao pedido dela. Essa decisão teve muito a ver
com o fato de que eu não queria manchar a amizade que Walt e eu
estávamos construindo. Eu não queria me alinhar com meus pais
aos olhos dele, mas agora não vejo razão para me conter. Ele e eu
não somos amigos. Mal somos companheiros de quarto.
Em seu escritório, encontro um papel timbrado e uma caneta.
Eu rabisco o pedido o mais rápido possível, coloco em seu
teclado para que ele tenha certeza de ver, e então vou para o meu
quarto, ansiosa para terminar o dia.
Eu tiro meu moletom e as calças de ioga no caminho para o
chuveiro, girando a válvula para que fique perto da configuração
mais quente possível.
Uma vez que o vapor começa a embaçar a porta de vidro, eu
entro e suspiro profundamente.
Não há nada que um banho quente não possa curar.
Verdadeiramente.
Em seguida, um punho bate na porta do banheiro e eu grito em
estado de choque.
— Elizabeth. — diz Walt, parecendo impaciente.
— Estou no banho! — Eu grito, como se ele já não soubesse
disso. Tenho certeza de que ele pode ouvir a água correndo.
— Diga a seus pais que o pedido foi negado.
— O que?
Não posso ter certeza de que ouvi bem por cima do barulho do
chuveiro.
— Diga a eles para venderem todos os ativos que puderem,
reduzir o tamanho e consolidar qualquer dívida que eu não tenha
eliminado há algumas semanas-
— Podemos falar sobre isso em um minuto?! Estou um pouco
ocupada no momento.
Ele não responde de imediato.
— Walt? — Eu grito, tentando garantir que ele possa me ouvir.
Nada.
Droga!
Eu enxáguo o condicionador do meu cabelo o mais rápido
possível, desligo o chuveiro e vou atrás dele.
Eu coloco meu pijama rapidamente, sem me preocupar em secar
meu cabelo ensopado. Eu vou lidar com isso em um minuto. No
momento, a questão mais urgente é falar com Walt enquanto posso.
Quando o pego, ele está de volta ao escritório, amassando o bilhete
que deixei para ele.
Ele olha para mim, joga o pedaço de papel amassado no lixo e,
em seguida, começa a voltar ao trabalho como se eu não estivesse
parada na porta, uma bagunça molhada.
— Eu ouvi direito? Você não vai ajudá-los?
— Correto.
— Você está falando sério? O pedido deles parece razoável o
suficiente para mim.
— Não é. Dê a seus pais uma polegada, e eles tomarão uma
milha. Particularmente seu pai. — diz ele, mexendo em papéis
como se estivesse procurando por algo.
— Walt, não é dinheiro suficiente aos olhos deles e você sabe
disso. Com base no pouco que você compartilhou comigo sobre a
confiança, parece que definitivamente há o suficiente para
acomodar um desembolso mensal um pouco maior que estaria mais
de acordo com o estilo de vida atual dos meus pais.
— Seu estilo de vida atual é imprudente e insustentável. — diz
ele com um tom mordaz. — Eles mostraram que não conseguem
administrar o dinheiro de maneira adequada, então continuar
dando a eles montes de dinheiro seria a definição de loucura.
Certo, bem, não há como convencê-lo nesse quesito, então
decido tentar uma tática diferente.
— Ok, então, eu gostaria de dar a eles meu desembolso mensal.
Não vou usá-lo, então com certeza seria possível enviá-lo para eles.
— Muito tarde. Esse dinheiro será direcionado para um fundo
de aposentadoria para você todos os meses.
— Então faça disso seu fundo de aposentadoria.
— Não, Elizabeth. Isso é tudo? Você está perdendo meu tempo.
Eu dou um passo adiante em seu escritório.
— Não, isso não é tudo. Eu também gostaria de dizer que você
pode ser muito teimoso e irritante às vezes.
— Obrigado. — Ele diz, totalmente indiferente à minha explosão
infantil.
Isso só me faz querer cutucá-lo mais, mas tenho a sensação de
que ele vai gostar, então me viro e saio de seu escritório, fazendo
um ótimo trabalho ao pisar o mais alto possível no caminho para o
meu quarto.
— Não vou mudar de ideia! — ele chama.
Eu bato minha porta em vez de responder.
Domingo de manhã, estou sentada na cozinha, bebendo café e
lendo, quando Walt entra correndo. Suando e respirando com
dificuldade, ele tira os AirPods das orelhas e os joga no balcão da
cozinha.
— Bom dia.
Faço questão de não responder.
— Você dormiu bem? — ele pergunta.
Eu murmuro em resposta.
— Eu dormi muito bem. Sete horas inteiras.
— Eu não perguntei. — Eu digo, virando minha página.
— Então, esta manhã, acordei às 5:00, fiz um trabalho, fui correr.
— Eu posso ver isso. Você não precisa me dizer. — Posso sentir o
cheiro do seu suor daqui. Ele pretende tomar banho em algum
momento?
Eu juro que ele sorri, mas ele se vira muito cedo para eu dizer.
Observo enquanto ele pega uma caneca, faz uma dose de café
expresso e, em seguida, adiciona um pouco de leite. Então,
lentamente - intencionalmente lento - ele mexe tudo junto, ting-
ting-ting faz sua colher na lateral da caneca antes de colocá-la em
um guardanapo. Ele leva a caneca à boca, me olha nos olhos e toma
um gole.
Tendo tido o suficiente, fecho meu livro com força e o empurro
de lado.
— Eu gostaria de continuar nossa discussão da noite passada.
— Sem marcador? — Ele pergunta, as sobrancelhas arqueando
com horror fingido. — Que mulher selvagem. Como você vai se
lembrar de onde parou?
— Eu memorizei. — Minto. — Não tente me distrair.
— Como eu disse ontem à noite, não vou mudar de ideia. Você
quer alguns ovos?
Ele se vira para ir até a geladeira, abrindo-a e examinando as
prateleiras.
— Não. Eu já comi. Acho que você está sendo intencionalmente
obstinado sobre o assunto. É como se você obtivesse um prazer
doentio em se recusar a mudar de ideia depois que se decide sobre
algo.
— Eu mudo de ideia o tempo todo. Veja agora, por exemplo:
pensei que queria ovos, mas descobri que prefiro mingau de aveia.
Ele deixa a porta da geladeira fechar com um estrondo e se
dirige para a despensa.
Eu deslizo para fora da minha banqueta e o sigo para dentro,
apenas reconhecendo o quão pequeno o espaço é uma vez que
estamos ambos abarrotados com nossos temperamentos quentes.
— Ei, você poderia apenas me ouvir? — Eu digo, cutucando-o
nas costas até que ele se vire para me encarar. Sua mão dispara para
pegar a minha antes que eu possa soltá-la. Então, em vez de soltar,
ele olha para baixo, estreitando os olhos.
— Não podemos dar uma chance a eles? — Eu pergunto. — Só
mais um pouco de dinheiro?
— Onde está o seu anel?
— Oh meu Deus. Você está me ouvindo?
Tento puxar minha mão para longe dele, mas ele não me deixa.
Seu aperto não é doloroso, mas é forte e assertivo. Sua mão parece
duas vezes maior que a minha.
— Achei que tivéssemos combinado que você usaria.
Eu rolo meus olhos.
— É um pouco ridículo. Tudo isso.
— Eu escolhi para você.
Meu coração salta no meu peito.
— Por causa do arranjo — ele acrescenta uma batida depois.
Eu puxo minha mão para longe, e desta vez, ele me deixa pegá-
la.
— Certo. Vou usá-lo se você insiste tanto, mas, do contrário, não
faço questão.
Ele pega uma caixa de mingau de aveia fechada na prateleira ao
lado da minha cabeça e depois volta para a cozinha, me deixando na
despensa.
— Que bom que está resolvido.
Não, não está.
— Você não tem um — indico, tentando adotar uma abordagem
justa.
— Você nunca me comprou um — ele diz claramente.
Espero que ele ria ou me lance um olhar provocador por cima do
ombro, mas nada acontece.
Eu franzo a testa. Confusa. Por que estou realmente triste por ele
agora?
Eu não deveria, lembro a mim mesma. Ele tem uma namorada!
Esse casamento é falso! Por que estou começando a esquecer isso?
— Meu irmão me pediu seu número ontem à noite — ele diz,
mudando de assunto.
— Sim, ele disse que estaria disposto a me conectar com algumas
pessoas que ele conhece no mundo da arte depois do que aconteceu
na sexta-feira.
— O que aconteceu na sexta-feira?
Eu franzo a testa. Certo. Nunca contei a Walt sobre a galeria de
arte, apenas a Matthew.
E talvez seja o melhor.
Essa trajetória que fiz com Walt não é necessariamente boa para
nenhum de nós. Não deveríamos manter distância? Desenhar linhas
na areia?
— Nada importante. De qualquer forma, foi legal da parte dele
estender a mão. Eu não tinha certeza se ele realmente faria. Está
tudo bem? Quer dizer... se eu me tornar amiga dele?
— Por que não estaria?
— Não sei. Esta situação está começando a parecer complicada.
Ele apoia as mãos nos quadris.
— Então vamos descomplicar. Use seu anel, aja
apropriadamente em público e você pode fazer o que quiser em
particular.
— E as coisas com meus pais?
— Elizabeth-
— Walt.
Ele olha para o teto, respira fundo e então cede.
— Vou aumentar a mesada. Um pouco. Mas se eu pegar uma
lufada de...
Sua frase é cortada quando eu o abraço, apertando minhas mãos
em volta da sua cintura como se estivesse tentando espremer o
recheio dele.
— Obrigada.
Ele fica imóvel, as mãos ligeiramente levantadas no ar como se
estivesse com medo do que vou fazer a seguir.
Eu rio e recuo.
— Você não tem que parecer tão horrorizado. Eu que deveria
estar enojada em te abraçar. Você ainda está suado, afinal.
QUATORZE
Matthew me manda uma mensagem no domingo à noite,
perguntando se eu gostaria de me juntar a ele para um café da tarde
no dia seguinte. Como ele tem uma agenda mais ocupada do que a
minha, ofereço-me para encontrá-lo perto do campus da NYU e
então chego cedo para ver uma mesa. Sento-me em um canto da
cafeteria, tomando uma dose de expresso com um pouco de leite,
tentando descobrir por que Walt gosta tanto disso. Para mim, o café
deve ser principalmente leite. Eu tento outro gole minúsculo e luto
contra a vontade de contorcer meu rosto.
Quando Matthew chega, algumas pessoas na cafeteria o
reconhecem, saindo de seu caminho para cumprimentá-lo enquanto
ele serpenteia pelas mesas em minha direção.
— Você está esperando há muito tempo? — Ele pergunta,
enquanto puxa sua bolsa de couro sobre a cabeça e a pendura nas
costas da cadeira. — Desculpe. Minha aula das 3:00 acabou.
— Não. Na verdade. Acabei de chegar, estou apreciando a vista.
— Eu digo, segurando meu caderno de desenho.
Ele ri e se vira, examinando a multidão até ver uma mulher na
fila e acenar.
— Essa é Nadiya, a mulher que eu queria que você conhecesse.
Eu volto já.
Ele deixa suas coisas na mesa e se dirige ao balcão para
cumprimentar Nadiya. Ele se inclina para abraçá-la, uma saudação
familiar compartilhada entre os dois. Eu sou imediatamente atraída
pelas cores que ela está vestindo. Em um dia frio e monótono em
Nova York, quase todo mundo está vestindo preto e cinza. Seu
suéter azul brilhante e calças azul marinho se destacam facilmente
ao lado de um lenço magenta vibrante que permite que seu cabelo
escuro ressalte ainda mais. As coordenadas do batom - um ou dois
tons mais escuros do que o lenço. Seus olhos brilham quando ela ri
de algo que Matthew diz antes de eles se aproximarem para pedir o
café.
Estou nervosa quando eles vêm em minha direção com suas
bebidas, nervosa para mostrar a ela meus esboços e falar sobre o
conceito da minha série atual depois do que aconteceu na sexta-
feira, mas o sorriso dela é contagiante, um sorriso enorme que eu
retorno imediatamente assim que eles chegam à mesa.
— Você deve ser Elizabeth. Oi! É um prazer conhecê-la.
— Oi! Sim. Estou tão grata que você pôde se encontrar comigo
hoje — eu digo, levantando-me para que eu possa estender a mão e
apertar a dela.
— O que eu posso dizer? Sou impossível de recusar — provoca
Matthew.
Nadiya ri e revira os olhos para mim de brincadeira.
— Aqui, sente-se — eu digo, empurrando minhas coisas para
fora do caminho para que eles tenham espaço para pousar suas
bebidas.
O café está apertado, especialmente com o pico da tarde.
Acabamos amontoados, e eu escuto enquanto eles conversam, suas
brincadeiras tão fáceis e despreocupadas que não posso deixar de
sorrir.
— Eles ainda têm você ensinando esses cursos de calouro? —
Nadiya pergunta.
Matthew pisca.
— Alguém tem que fazer isso. Não é tão ruim. Eles ainda estão
com os olhos brilhantes e excitados.
Ela ri e acena com a cabeça.
— Onde Stein tem você agora? — ele pergunta. — Ainda está no
Upper West Side?
— Eu estava, mas na verdade estou indo para a França em
algumas semanas para me tornar a segunda no comando na galeria
de Paris.
— Você está falando sério? — Eu pergunto, com meu queixo
caído. — Eu ouvi direito? Você trabalha na Stein?
A galeria - assim chamada em homenagem à escritora americana
Gertrude Stein - tem sido um elemento fixo na comunidade artística
desde o início de 1900. A maioria das pessoas não percebe, mas
Gertrude Stein foi uma entusiasta colecionadora de arte em Paris
durante grande parte de sua vida. Ela ajudou a lançar as carreiras de
Matisse e Picasso e foi uma das primeiras defensoras do cubismo -
na época em que a maioria dos críticos odiava absolutamente a arte
de vanguarda.
Eu declarei tudo isso em voz alta, é claro, praticamente
tropeçando em mim mesma de tanta empolgação.
Nadiya, para seu crédito, nem mesmo parece um pouco
desconcertada com minha estranheza desajeitada.
— Eu ainda me belisco também. É uma ótima galeria. — diz ela,
fazendo o possível para garantir que eu não me sinta uma idiota.
— Como você conseguiu? Quando conseguiu? Quem? — Eu
balanço minha cabeça enquanto minhas perguntas se acumulam
uma em cima da outra.
Matthew ri e dá um tapinha na minha mão.
— A Elizabeth aqui, é uma artista em busca de representação.
— Oh sério? Com quais meios você trabalha principalmente?
— Pastéis, carvão e tinta acrílica. Eu também gosto de criar
camadas de mídias e construir a tela. Os tons pastéis são minha
assinatura.
Se ela está entediada, ela não deixa transparecer, o que é um
alívio.
— Você tem algum trabalho com...
— Sim. — Eu digo, entrando em ação com absolutamente
nenhuma astúcia.
Pego alguns esboços que trouxe comigo, alguns que iria mostrar
a Matthew, e ela os estuda atentamente, sem pressa.
— Eu vejo o que você está procurando. — Ela me diz enquanto
folheia os livros. — Suas opções de cores são quase uma
reminiscência de Matisse, o que é bastante chocante no início
porque ainda existem resquícios da composição clássica.
— Sim! — Eu aceno com entusiasmo. — Exatamente! Pós-
impressionistas como Matisse foram afastando arte popular cultural
de seu tempo, e eu estou meio que girando em sua cabeça com esta
série, puxando marcas do cubismo e fauvismo e levando-os de volta
para o século 17, com um estudo de Pinturas barrocas holandesas
como A Banquet Still Life.
— O seu irmão não é o dono dela agora? — ela pergunta a
Matthew.
Ele acena com a cabeça, tomando seu café.
Ela cantarola de alegria, balançando a cabeça.
— Eu gosto disso, Elizabeth. Eu acho que eles são um começo de
conversa. Suas peças finais serão muito maiores do que isso?
— Espero que não. Quero que permaneçam acessíveis, se não
com seus preços, pelo menos com seu tamanho. Quero que os
colecionadores possam exibi-los facilmente em uma sala, seja em
uma estante ou console, sem ter que limpar uma parede inteira.
— Boa. Acho que você está no caminho, sabe o que quer.
Matthew encontra meus olhos e casualmente toca meu joelho
com a mão por baixo da mesa. Eu não tinha percebido que estava
empurrando minhas pernas tanto, e paro imediatamente. Ele afasta
a mão e volta a focar sua atenção em Nadiya.
— Você vai ajudar a pobre garota ou não? — ele pergunta com
um sorriso vencedor.
Nadiya ri e se inclina para trás, colocando minhas peças na
mesa.
— Não estou surpresa que ainda não tenham sido apanhados.
Não, não fique tão carrancuda. Você já deve saber que a arte não
vende porque é boa, mas porque o mercado a considera boa. Eu
realmente acho que existem algumas galerias no Brooklyn que
estariam interessadas nesta coleção, mas eu não vou apontar você
nessa direção porque eu mesma estou intrigada o suficiente com
elas.
Eu pisco em confusão, tentando determinar onde, exatamente,
ela quer chegar.
— Só vou para Paris no mês que vem, mas quando for, gostaria
de apresentar uma série completa ao galerista-chefe de lá. —
Quando eu não respondo imediatamente - devido à falta de células
cerebrais, aparentemente - ela ri e continua: — Então, basicamente,
estou perguntando se você poderia me dar uma pequena série nas
próximas semanas?
— Sim!
Eu concordo, é claro, sem perceber o que isso vai significar. A
série, ela me diz, deve consistir em pelo menos quinze peças -
quinze obras de arte tão maravilhosas que vão arrasar com os
parisienses.
Terminamos no café e saímos. Troco informações de contato
com Nadiya e planejamos quando entrarei em contato com ela da
próxima vez, então ela segue para o sul na calçada, me deixando ao
lado de Matthew.
Eu me viro para ele e ele sorri. Eu sorrio de volta, totalmente
sem palavras.
— Para ser honesto, não achei que funcionaria muito bem. — diz
ele com uma risada. — Você me deve uma.
— Sim! Qualquer coisa! O que você quer?
Ele balança a cabeça.
— Não, eu estou brincando. Você não me deve nada. O que
devemos fazer agora? Comemorar?
— Você está louco? Absolutamente não. Não há tempo. Preciso
ir a uma loja de materiais de arte.
— Tudo bem, vamos então. Há uma a alguns quarteirões e,
melhor ainda, há uma loja de câmeras ao lado.
Vamos para lá juntos em um ritmo alucinante, ombros batendo
enquanto caminhamos e conversamos. Ele presta atenção para onde
estamos indo melhor do que eu. De vez em quando, ele estende a
mão para me direcionar para o lado, para que não interrompamos o
fluxo do tráfego enquanto eu falo.
— Paris, Matthew. PARIS!
— Eu sei. Parece muito legal.
— Melhor do que legal. Legal não chega perto de descrever
como me sinto agora. Quero ligar para todos que conheço e contar a
eles as boas notícias. Eu quero ligar-
— Para quem? — ele pergunta.
Uma risada triste explode de mim quando eu percebo a verdade.
— Ninguém. Honestamente, não há ninguém para quem eu
possa ligar.
O sorriso de Matthew desaparece quando ele olha para mim.
— Não, não faça isso. Não se sinta mal. Eu não me sinto mal.
Estou tão animada que poderia flutuar para longe. Eu vou te ligar.
Que tal? Pegue seu telefone.
Ele o faz, jogando junto, eu atendo.
— Olá? Matthew Jennings? — Eu pergunto assim que a
chamada é conectada.
— Sim. E quem eu tenho aqui?
— Elizabeth Brighton — eu digo com um sorriso provocador
enquanto continuamos andando lado a lado.
Ele contorce o rosto como se estivesse completamente confuso.
— Quem?
— E-liz-a-beth Brighton — eu digo novamente, enunciando as
sílabas.
— Oh sim, eu me lembro. Você é aquela garota com quem meu
irmão é casado?
Estendo a mão para socá-lo de leve no ombro.
— Pare de provocar. Tenho grandes novidades. GRANDES
notícias.
— Vá em frente, diga então.
— Eu posso... possivelmente... estar vendendo minha arte em
uma galeria parisiense.
— Não brinca?
Eu rio e aperto o botão para terminar a ligação enquanto
viramos a esquina e fico cara a cara com a loja de materiais de arte -
em suma, minha meca.
Horas depois, estamos pegando o elevador juntos de volta ao
apartamento de Walt, com os braços carregados de sacolas de papel.
— Obrigada. Você não tinha que me ajudar a trazer essas coisas
de volta. — Eu digo a Matthew enquanto saímos para a sala de
entrada.
— De que outra forma você iria fazer isso? Alugar um cavalo e
uma carroça?
— Elizabeth? — Walt grita.
Nós dois giramos em sincronia enquanto ele sai da cozinha,
enxugando as mãos com um pano de prato. Ele está vestindo um
suéter verde floresta e jeans. Casual, mas ainda dolorosamente
atraente.
Algo cheira absolutamente delicioso, e Matthew também
percebe.
— Você preparou o jantar? — Ele pergunta, praticamente
lambendo os lábios.
— Preparei. — diz Walt, jogando a toalha sobre um ombro antes
de caminhar em minha direção para tirar as sacolas das minhas
mãos.
— Para um? — Matthew pergunta.
— Para dois — responde Walt, pegando meu olhar.
— Ah? Camila está vindo? Vocês dois se resolveram? —
Matthew pergunta, deixando cair minhas sacolas ao acaso perto da
porta.
— Não.
Minha cabeça vira em sua direção, minha boca se abrindo com
uma pergunta que sou muito tímida para fazer.
Não, ela não está vindo? Ou não, vocês não se acertaram?
Walt espia dentro das sacolas para ver meu material de arte.
Então, sem ser perguntado, ele se vira na direção da biblioteca para
levá-los até lá.
— Matthew, traga essas sacolas para Elizabeth — diz Walt.
O irmão mais novo revira os olhos para o irmão mais velho, mas,
mesmo assim, ele faz o que ele pediu. Eu sorrio e grito um obrigado
para os dois antes de entrar na cozinha.
Frank Sinatra está tocando baixinho em alto-falantes ocultos.
Uma garrafa de vinho tinto está aberta ao lado de duas taças. Uma
salada de couve temperada com passas e amêndoas fatiadas é
preparada nas proximidades. Os pratos já foram retirados, junto
com os talheres.
— Quem você está tentando impressionar? — Matthew brinca
enquanto os dois me seguem para a cozinha um momento depois.
Minhas bochechas queimam quando considero o fato de que
Walt provavelmente estava preparando o jantar para mim. A menos
que ele convide outra pessoa?
Eu olho a tempo de vê-lo encolher os ombros.
— Eu queria cozinhar, e é tão fácil cozinhar para dois quanto
para um.
— Isso é cordeiro? — Matthew pergunta.
— Costeletas de cordeiro refogadas com chutney de cranberry-
harissa.
— Cheira muito bem. — Digo a ele com um pequeno sorriso.
Ele acena com a cabeça, mas não olha para mim.
— Parece que há muito para todos nós se você quiser ficar,
Matthew. — Eu digo, tentando ser legal.
— Considerando que eu estava planejando comer cereal quando
chegasse em casa, acho que vou aceitar a oferta.
Dividimos o jantar de Walt facilmente entre nós três,
compartilhando a garrafa de vinho enquanto nos sentamos no canto
da longa mesa de jantar. Matthew e eu nos sentamos um em frente
ao outro, e Walt na ponta. Ele fica quieto enquanto comemos,
embora isso não seja novidade. Ele se retira facilmente para o
segundo plano, absorvendo a conversa em vez de participar,
especialmente perto de Matthew, que parece sugar a atenção como
uma esponja.
Matthew fala o suficiente por todos, contando a Walt sobre
nossa tarde, contando a ele sobre meu encontro com Nadiya e, em
seguida, contando sobre nosso tempo na loja de materiais de arte.
— Eu praticamente tive que arrastar Elizabeth para fora do
corredor de tintas. Eu juro que ela teria ficado lá o dia todo se eu
deixasse. E pelo amor de Deus, não a deixe olhar para os cavaletes
ou você nunca vai escapar.
— Não é verdade! Fui breve em comparação com a maneira
como você foi na loja de câmeras. É como se você nunca tivesse
visto uma lente antes. Acho que você estava babando certo
momento.
— Parece que vocês dois se divertiram. — Responde Walt,
pegando seu vinho e tomando um longo gole. — Terminou com
isso?
Ele de repente se levanta e pega o prato de Matthew, deixando
seu irmão rapidamente terminar de agarrar sua última mordida
com o garfo antes que ele perca a chance.
— Ei! Eu ainda estava-
— Estou feliz que você tenha ficado para o jantar, mas tenho que
acordar cedo.
Seu tom diz claramente: Você foi muito bem-vindo.
Então ele se vira para a cozinha, carregando o prato de Matthew.
Matthew olha para mim em busca de reforços, mas de jeito
nenhum vou entrar no ringue por ele.
— Eu entendi em alto e bom som. — Grita Matthew com uma
risada e um aceno de cabeça.
Em seguida, ele esvazia o resto do vinho e se levanta.
— Elizabeth, me acompanha até a saída?
Eu faço o que ele pede, embora eu queira dar um adeus rápido
para que eu possa voltar correndo para a cozinha e ajudar na
limpeza.
— Muito obrigada por me apresentar a Nadiya. É tudo tão
emocionante, mesmo que não saia nada disso.
Ele encolhe os ombros em sua jaqueta.
— Vai. — Ele diz, cheio de confiança antes de se inclinar e beijar
minha bochecha. — Vou mandar uma mensagem mais tarde esta
semana. Talvez possamos jantar ou algo assim.
Ouço pratos tilintando na cozinha, então concordo rapidamente
enquanto começo a andar para trás.
— Sim, vamos fazer isso.
Walt já está na pia de costas para mim, esfregando os pratos com
uma esponja quando corro para a cozinha.
— Aqui, deixe comigo. — Eu digo, tocando seu antebraço para
chamar sua atenção.
Seus músculos flexionam sob minha mão e eu me afasto
rapidamente, imediatamente arrependida de tê-lo tocado.
— Está bem. Eu faço isso.
— Mas você fez o jantar e deve ter demorado uma eternidade.
Estava muito bom. Eu queria te dizer isso enquanto comíamos, mas
Matthew não parava de falar por meio segundo. — Eu ri.
Ele não responde e não abre mão da esponja, então tento tirá-la
dele.
— Eu disse, eu faço isso.
Eu fico tensa ao som de irritação em sua voz, recuando e
deixando cair minhas mãos.
Há um silêncio ensurdecedor, e então ele pega outro prato e me
dispensa com um simples:
— Boa noite, Elizabeth.
Sem saber o que dizer, volto para o meu quarto, feliz por estar
atrás da minha porta fechada, então não tenho medo de que ele veja
o quão chateada seu humor me deixou.
Deus, ele é irritante.
A antítese de seu irmão.
Com Matthew, é sol e dias felizes. Com Walt, é o oposto. Achei
que estávamos aos poucos construindo uma amizade e, se não, pelo
menos um respeito mútuo.
Esta noite, é como se os últimos dias nunca tivessem acontecido.
Como se estivéssemos de volta à estaca zero, e esse pensamento é
comprovado ainda mais em casa nos próximos dias.
Terça, quarta e quinta, ele trabalha tão tarde que nem o vejo
antes de dormir. Sua ausência faz nossa interação na segunda-feira
parecer ainda mais ameaçadora, como se, sozinhas, minhas ervas
daninhas de insegurança estivessem crescendo completamente fora
de controle. Eu começo a me perguntar se ele está irritado comigo
por tudo e qualquer coisa. Talvez eu esteja deixando muita bagunça
na cozinha depois de fazer o café da manhã, então faço questão de
deixá-la impecável antes de me retirar para a biblioteca para
trabalhar. Talvez ele queira que eu preencha outro cheque para o
tapete, então deixo um em sua mesa, embora me doa tirar dinheiro
de minhas economias. Talvez ele esteja irritado por eu não estar
contribuindo com as compras, então me certifico de pegar alguns
itens essenciais na loja na quinta à noite. Eu faço biscoitos de
chocolate quentes e os deixo de fora com um bilhete para ele comer
o quanto quiser. Pego flores em uma loja na esquina do
apartamento para enfeitar a mesa na galeria de entrada. Na manhã
seguinte, descubro que ele mudou o vaso para a biblioteca.
Sexta-feira, eu o vejo por um breve momento quando chego em
casa de uma aula de ioga. Meu corpo estava começando a
manifestar as consequências de todas as horas que passei na frente
do meu cavalete. As dores cresciam por conta própria, então decidi
experimentar um lugar com ótimas críticas.
O estúdio estava aquecido, então quando a aula acabou, eu
estava suando da cabeça aos pés. Acrescente a isso minha
caminhada rápida de volta para o apartamento, e estou desesperada
para tirar minha jaqueta e cachecol quando saio do elevador. Eu
nem sequer consigo passar pela porta de entrada antes de tirar meu
sutiã e legging esportivos, e quando minhas camadas externas estão
empilhadas aos meus pés, eu olho para cima para ver Walt olhando
para mim do outro lado do corredor.
Ai, Jesus.
— Vou pegar tudo — digo timidamente, supondo que seja por
isso que ele está olhando para mim com uma expressão tão dura.
Ele provavelmente presume que eu deixo minhas coisas onde
quiser e deixo o pessoal da limpeza pegá-las mais tarde, mas eu não
faço. Nunca.
Como se para provar meu ponto, eu me curvo e começo a juntar
meus pertences. Quando eu termino e olho para cima, Walt não está
mais lá.
— Foi bom ver você também. — Eu sussurro, mais do que um
pouco irritada.
É um ponto de inflexão para mim, esse jogo estranho que ele
parece querer jogar. Se ele tem um problema comigo, ele pode
muito bem dizer isso.
Eu deixo minhas roupas no meu quarto e continuo pelo
corredor, verificando em seu escritório para descobrir que ele não
está lá. Não querendo desistir ainda, vou para o quarto dele.
Como regra geral, não tenho o hábito de me aproximar de seu
quarto, por motivos óbvios. Agora, porém, meu temperamento
apagou qualquer senso de propriedade.
— Walt? — Eu pergunto, batendo meu punho em sua porta. —
Posso ter uma palavra?
A porta se abre imediatamente e ele surge do outro lado, de
alguma forma maior do que eu me lembrava. Seus tênis de corrida
estão em suas mãos, junto com seus AirPods. Ele está claramente
saindo, mas estou bloqueando seu caminho.
— O que você precisar, podemos discutir quando eu voltar.
Ele tenta passar por mim, mas eu o bloqueio. Bem, ligeiramente.
Ele é muito mais alto do que eu e poderia facilmente passar. Na
verdade, ele se esquiva como se estivesse prestes a fazer exatamente
isso, até que eu jogo minhas mãos e agarro o batente da porta como
uma criança jogando um jogo, bloqueando-o para sempre.
Acho que ele vai rir. Inferno, estou prestes a fazer isso. Mas ele
apenas olha para mim como se eu fosse um inseto que ele gostaria
de afastar.
QUINZE
Walt não ri. Nem mesmo um sinal de um sorriso.
— Ah, vamos lá, isso não é um pouco ridículo? — Eu aponto,
ainda sem mover minhas mãos do batente da porta.
— Realmente é.
Ele embaralha seu peso para a esquerda como se quisesse passar
por ali, então, como um armador da NBA, sou forçada a igualá-lo.
— A questão é... você esteve quieto esta semana.
— Estou sempre quieto.
— Claro. Sim. Mas esta semana você levou isso a um nível
totalmente novo. Tenho a sensação de que é por minha causa.
— Isso é muito arrogante, você não acha? Você não é a única
fonte de estresse em minha vida.
Eu sorrio, um sorriso confiante e teimoso que ele percebe
imediatamente.
— Então, eu sou uma fonte de estresse?
— Por muito pouco. Você poderia, por favor, se mover?
Ele estende a mão para agarrar meu braço para que possa me
mover à força para fora de seu caminho, mas eu empurro meu braço
antes que ele possa.
— Não tão rápido.
— Elizabeth.
— Sim, veja - você ouve como diz meu nome? Como eu te
esgotei?
— Você me esgota, sim.
— Boa. Não foi tão difícil admitir a verdade, foi? Agora
explique. O que há em mim que o deixa tão irritado? Se você me
avisar, posso mudar e tornar a vida mais fácil para você.
Ele esfrega a cabeça. Sinceramente, acho que ele está com a
mesma dor de cabeça desde o dia em que me mudei.
Solto o batente da porta e cruzo os braços, mostrando a ele com
minha linguagem corporal que não tenho planos de me mover até
que ele comece a falar.
Seu olhar se fixa no meu, borboletas enchem meu estômago e,
mesmo assim, sua expressão diz, posso ficar aqui a noite toda se
precisar. Eu não vou me mexer.
Eu estremeço.
— Não vai me dizer? Tudo bem, então terei que adivinhar. Estou
fazendo muito barulho quando você está em casa? Eu poderia ficar
quieta como um rato de igreja se você me dissesse para ficar.
Nada dele, nenhuma confirmação ou negação.
Tudo bem...
— Eu poderia pegar a folga por aqui. Ajudar a fazer o jantar ou
algo assim? Ou espere. — Meus olhos se iluminam com uma ideia.
— Você está mais mal-humorado do que o normal por que eu acabei
com a última maçã outro dia? Porque eu juro que nem pensei que
você se importaria. Achei que você preferisse laranjas. Pelo menos
eu suponho que sim, porque você está sempre comendo todas as
laranjas antes mesmo que eu possa pegá-las...
Minha frase é cortada quando - em um movimento rápido - Walt
dá um passo à frente, se abaixa e pressiona seus lábios nos meus.
Ele literalmente me beija até me calar.
É uma ação dura e agressiva que me faz cambalear para trás em
estado de choque. Meus olhos estão arregalados de admiração.
Minha mão - tão confusa quanto o resto de mim - voa para cobrir
meus lábios como se para encontrar evidências próprias. Isso
realmente acabou de acontecer?
Eu faço a pergunta em voz alta, e para meu horror absoluto,
Walt parece tão chocado e horrorizado com o beijo quanto eu.
— Você me beijou! — Eu exclamo.
— Você não iria calar a boca! — ele diz, jogando as mãos para o
ar.
— VOCÊ ME BEIJOU! — Repito, como se gritar as palavras fosse
tornar mais fácil de acreditar.
Walt gira e passa as mãos pelos cabelos. Ele se afasta dois passos,
suspira e olha para mim com algo semelhante a remorso. Embora
com ele, eu duvido muito.
— Eu pediria desculpas, mas não acho que você aceitaria.
— Não. Absolutamente não. Você acabou de roubar um beijo de
mim, e eu o quero de volta. — Eu digo, gesticulando com minha
mão.
Isso, de todas as coisas, o faz rir - uma risada boa e rica que dura
tanto tempo que é como se ele estivesse segurando-a por semanas.
Suas covinhas profundas zombam de mim.
— Desculpe, Elizabeth. Não é assim que funciona.
De repente, estou inexplicavelmente zangada. Zangada com ele
por me dar o tratamento do silêncio durante a maior parte da
semana. Zangada com ele por ser um eremita tão hostil que não
posso dizer o que ele está pensando de um momento para o outro.
Zangada com ele por fazer algo assim COMIGO.
Quero bater o pé, gritar de raiva, sair tempestuosamente, entrar
e sair de novo. Eu quero abri-lo e ver seu coração bater apenas para
garantir que ele seja humano.
— Eu acho que te odeio. — Eu digo, falando a verdade. — Por
que você não pode simplesmente se comportar como um humano
normal? Por que você não pode simplesmente me cumprimentar de
manhã com um alegre 'Bom dia!' e me perguntar sobre meu dia e
sorrir quando eu digo algo bom?
— Eu não trabalho assim.
Esta proclamação é acompanhada por um encolher de ombros
tão confiante, tão enraizado na arrogância que me leva ao limite.
Solto um grito enlouquecido e me viro para sair, mas não antes
de lançar mais uma provocação.
— Nunca mais me beije!
— Você é minha esposa - eu posso beijar você a qualquer hora
que eu quiser. — Ele responde, quase preguiçosamente.
— Não, você não pode! Absolutamente não. Não diga essa
besteira dos velhos tempos para mim. Você é meu marido apenas
no nome. Se você me beijar de novo, eu vou... — Eu olho em volta
como se estivesse tentando me inspirar. — Eu vou...
— Você o quê?
— Vou pedir o divórcio.
Eu percebo mais tarde, enquanto estou fervendo em meu quarto
em uma cuba de arrependimento, que eu não me comportei
exatamente como gostaria em relação a Walt. Onde estava a classe?
A suavidade? A atitude de garota legal que não dá a mínima? Eu
poderia simplesmente ter rido e rejeitado quando ele me beijou. Eu
poderia ter sido uma pessoa melhor. Eu poderia tê-lo beijado de
volta... só para ver se o que senti era real ou imaginário.
Eu o ouço sair do apartamento alguns minutos depois,
provavelmente para ir naquela corrida, ou talvez para ir ver
Camila... para confessar a ela que ele me beijou, mas não significava
nada. Quase não foi um selinho, menos que um selinho. Ela vai ficar
chateada, mas ele vai acalmar suas preocupações, dizer que ele só
tem olhos para ela e então eles se apaixonarão ainda mais. Estou
torcendo meu travesseiro agressivamente, então peço desculpas e
jogo-o de volta na cama.
Mais tarde, quando recebo uma mensagem de Matthew, fico
nervosa para abri-la, preocupada com a possibilidade de Walt ter
contado tudo para o irmão.
Em vez disso, encontro uma mensagem amigável perguntando
se quero almoçar amanhã.
Nos encontramos em uma delicatessen perto do campus da
NYU porque ele só tem uma hora entre as aulas. Matthew está tão
educado como sempre, bem-vestido e de bom humor. A antítese de
seu irmão... o irmão que não consigo parar de pensar. Matthew fala
alto enquanto esperamos na fila para fazer o pedido e eu fico cada
vez mais ansiosa. Então, quando estamos sentados frente a frente
em uma pequena cabine, nossos sanduíches desembrulhados em
seu papel encerado, Matthew está prestes a enfiar sua primeira
mordida na boca e eu confesso em uma explosão repentina:
— Seu irmão me beijou ontem.
Matthew ergue os olhos da comida antes de endireitar os óculos.
Ele está mais do que um pouco surpreso.
— Isso é...
— Estranho, certo?
— Sim. Quero dizer... — Ele balança a cabeça de um lado para o
outro, pensando sobre isso. — Como eu disse no jantar, você é o tipo
dele e tudo mais..., mas presumi que ele não estava interessado.
— Ele não está interessado — digo apressada, querendo
esclarecer o óbvio.
— Mas ele beijou você.
Eu balanço minha cabeça, inflexível em minha postura.
— Não foi um beijo como você está pensando. — Ele parece
completamente confuso agora, então sou forçada a explicar melhor.
— Foi um beijo eu-te-odeio. Você nunca teve um desses?
— Não tenho ideia do que seja.
— É um beijo que não nasceu do amor, mas do ódio.
— Sim, obrigado. Isso é evidente no nome. Só estou confuso
porque não saio por aí beijando pessoas que odeio.
— Bem, você provavelmente não odeia muitas pessoas. Você é
muito mais legal do que seu irmão, sabe?
— Sim, isso é óbvio.
Eu rolo meus olhos e ele ri, dando uma mordida em seu
sanduíche. Ele me estuda enquanto mastiga, seus olhos se
estreitando em pensamento.
— Você gostou do beijo? — ele finalmente pergunta depois de
terminar sua mordida.
Eu me engasgo exageradamente. Por dentro, porém, meu
coração dá um salto, tentando ser ouvido.
Sim! Ela gostou do beijo! Ela gostou! Ela é uma mentirosa!
— Ok, anotado. — diz ele com um aceno de cabeça. — Você acha
que ele gostou do beijo?
Eu olho para baixo
— Como eu poderia saber? Nós não conversamos exatamente
sobre isso depois. Eu meio que gritei com ele e ele gritou de volta.
— Vocês dois parecem ter realmente desenvolvido um
relacionamento saudável.
Meu olhar voa até ele.
— Não me olhe assim. Eu tentei. Eu fui legal com ele desde o
início. Ele tem estado todo eriçado e frio, um Sr. Darcy normal.
— Sr. Darcy? — ele pergunta, franzindo o rosto.
— Vou fingir que você não acabou de perguntar isso.
Sinto muito, Jane.
— Você acha que ele vai beijar você de novo?
— De jeito nenhum. Ele definitivamente aprendeu sua lição.
Além disso, ele ainda não está com Camila? Ele não deveria estar
beijando ninguém além dela.
— Eu pensei que eles tivessem acabado.
— Sim, bem, ela veio na outra manhã e se desculpou por como
ela agiu no jantar. Eu os vi se abraçando.
— Você estava espionando eles? — Ele pergunta, como se tivesse
acabado de descobrir alguma fofoca excitante.
— Você pensaria menos de mim se eu dissesse que sim?
— Não.
— Então sim, eu estava espionando.
— Elizabeth — ele diz, fingindo horror.
Eu rio e encolho os ombros.
— Qualquer que seja. Acho que eles estão juntos novamente. Ele
esteve muito longe do apartamento esta semana.
— Pode estar apenas evitando você — ele aponta.
— Claro, ou talvez ele esteja fazendo sexo com sua namorada
supergata.
— Por que parece que isso te incomoda?
Eu levanto minha mão para detê-lo ali mesmo.
— Não pedi psicanálise, obrigada.
— Vou morder minha língua então.
— Bom.
Cada um de nós dá uma mordida em nosso sanduíche, mastiga,
engole, então ele pergunta.
— Você quer que eu envie uma mensagem para ele sobre
Camila?
Sem um momento de hesitação, coloco minha comida de lado e
me inclino para frente com os olhos arregalados.
— Sim.
Ele acena com a cabeça e puxa seu telefone.
— Você precisa ser sutil sobre isso, no entanto. — Eu digo
rapidamente. — Não o faça pensar que estamos falando sobre ele ou
algo assim.
Ele desliza o telefone sobre a mesa para que eu possa ler o texto
que ele já enviou.
Ma hew: Ei, você e Camila ainda estão juntos?
— MATTHEW.
— O que? Não dançamos em volta das coisas. Ele pensaria que
seria estranho se eu contasse boatos sobre sentimentos.
Estou corando da cabeça aos pés. É como se eu tivesse acabado
de mandar uma mensagem para o Walt.
— Ele respondeu?
— Acabei de enviar.
— Ok, bem, e agora?
— Relaxe, psicopata. Coma seu sanduíche e veremos se ele nos
responde antes de terminarmos o almoço.
Eu faço o meu melhor para participar de uma conversa decente.
Matthew tenta falar comigo sobre um dos alunos de sua classe, e eu
faço uma impressão maravilhosa de Amiga Ouvindo até que ele me
pede para repetir o que ele acabou de dizer e eu fico aquém.
— Foi o que pensei. — diz ele, todo poderoso.
— Posso ver o seu telefone, por favor, para ver se ele respondeu?
— Ele não respondeu. Eu teria sentido a vibração. — diz ele,
puxando-o do bolso para verificar.
Ele me mostra a tela inicial em branco. Nenhum texto.
— O que ele está fazendo, afinal? — Eu pergunto, irritada.
— Administrando uma empresa Fortune 500.
Ok, claro, grande motivo. Portanto, ele não tem tempo para
enviar mensagens de texto conosco à uma da tarde, mas isso apenas
deixa a questão queimando no fundo da minha mente. Terminamos
o almoço e nos despedimos. Matthew promete me avisar se Walt
responder, e então eu volto para casa ansiosa, verificando meu
telefone toda vez que sinto uma vibração fantasma.
Tento trabalhar na biblioteca do apartamento, mas é impossível
focar na minha tela.
Eu coloco meu telefone perto de mim, então, irritada por ele
estar ocupando tanto da minha atenção, eu coloco-o claramente do
outro lado da sala como se ele fosse ficar fora de vista, longe da
mente. Mas isso não funciona, porque fico continuamente
preocupada se perdi uma chamada ou mensagem de texto. Eu corro
para frente e para trás pela sala, correndo para verificar se alguma
mensagem nova apareceu nos últimos segundos desde a última vez
que verifiquei.
Por volta das 8:45, eu desisto e mando uma mensagem para
Matthew.
Elizabeth: Alguma coisa?
Mas antes que ele pudesse responder, o elevador apita.
Eu ouço o som sinistro dos sapatos de Walt no chão de mármore,
e os cabelos da minha nuca se arrepiam.
Eu deixo cair meu telefone em uma cadeira e vou na ponta dos
pés em direção à porta da biblioteca para que eu possa espiar. Para
meu horror, Walt está descendo o corredor, na minha direção,
devastadoramente bonito em um terno azul-marinho.
Volto correndo para o cavalete, pego um lápis pastel e coço
vigorosamente a tela.
Seus passos se aproximam e o pânico toma conta da minha
espinha. É como se eu estivesse em algum tipo de filme de terror e o
monstro estivesse se aproximando.
Quando ele para na porta da biblioteca, olho para ele por cima
do ombro. Ele termina de afrouxar a gravata e começa a tirar o
paletó.
— Se você está curiosa sobre mim ou minha vida, prefiro que me
pergunte sobre isso diretamente, em vez de falar com meu irmão.
Ele nem está olhando para mim!
— Não tenho ideia do que você está falando.
Ótimo, Elizabeth. Isso quase parece verdade!
Ele ri baixinho - em total descrença - se vira e vai embora.
Não o vejo nem o ouço o resto da noite.
Matthew me responde um pouco antes de dormir.
Ma hew: Ainda nenhuma palavra. Desculpe.
Elizabeth: Duvido que você receba uma resposta. Ele sabe que
estamos nisso.
Ma hew: Droga. Ele sempre foi o mais inteligente.
Na manhã seguinte, encontro Walt na cozinha, lendo em um
iPad enquanto toma seu café. É domingo de manhã e ele já está
vestido assim. Um dia diferente, um terno diferente. Como ele
consegue todos eles perfeitamente ajustados?
— Bom dia, Elizabeth. — diz ele enquanto vou direto para a
máquina de café expresso.
— Oh, hoje recebo uma saudação?
— Sim, porque hoje eu preciso que você faça algo por mim.
— O que é isso?
Ele acena em direção a um convite no balcão, perto de mim. Eu
o puxo para mais perto e leio as palavras impressas em uma fonte
de folha de ouro de rolagem. É para uma arrecadação de fundos
beneficiando a Conservação Global da Vida Selvagem que acontece
na próxima sexta-feira.
— Então? Vá. Divirta-se. Salve os animais — digo, empurrando o
convite para ele.
— Leia o envelope.
Eu reviro os meus olhos, mas mesmo assim faço o que ele diz.
É dirigido ao Sr. e Sra. Walter Jennings II.
Eles convidaram a nós dois.
— Eu envio minhas desculpas — eu digo simplesmente.
Seu olhar implora que, por uma vez, seja fácil.
— O que? Por que eu deveria ir?
Ele não discute. Em vez disso, ele balança a cabeça suavemente e
olha de volta para seu iPad como se não esperasse nada menos.
Oh Deus. É como quando um pai não diz que está bravo, apenas
desapontado. Droga.
Eu devo ao Walt. No último mês, ele me deu uma cama para
dormir, comida para comer, ele se desdobrou para montar um
estúdio para mim em sua biblioteca e... embora eu odeie admitir, ele
aguenta meu absurdo geral.
— Tá bom.
Sem quebrar o contato visual com a tela, ele responde:
— Esteja pronta às 19h30.
Que gesto romântico e exagerado! Eu adoraria acompanhar você, Walt!
Puxa, que sorte a minha!
Assim que ele sai para o trabalho, volto furtivamente para a
cozinha para ler o código de vestimenta do convite: black tie. Oh,
bom, eu não tenho exatamente nenhum vestido de baile no meu
armário e não tenho tempo para comprar um. Além disso, a última
coisa em que quero gastar meu dinheiro é um vestido que usarei
por quatro horas, no máximo.
Eu decido parar de pensar na arrecadação de fundos por
enquanto e me concentrar na minha arte. Isso funciona durante a
maior parte da semana, especialmente porque Walt e eu não nos
cruzamos de jeito nenhum. Ele parece decidido a trabalhar até a
morte, e eu faço o mesmo. Quinta-feira à tarde, tenho um
pensamento fugaz de que deveria ir a um brechó para procurar um
vestido, mas depois me empolgo demais com uma peça em que
estou trabalhando.
Sexta de manhã, Mason involuntariamente age como minha
fada madrinha.
Ele me liga quando estou na biblioteca, examinando as obras que
já concluí para minha coleção.
— Oh, olá, Mason. A que devo o prazer? — Eu pergunto, apenas
tentando obter algum tipo de resposta dele que não seja
animatrônica.
— Oi, Elizabeth. Estou ligando para avisar que um personal
shopper da Bloomingdale's chegará ao apartamento às 4h30 desta
tarde com vestidos para o evento desta noite.
— Obrigada.
— Tenha um bom dia.
Ligação finalizada.
Rapaz, aposto que o escritório deles é uma bagunça total. Aposto
que os dois apenas riem, riem e riem o dia todo.
Eu olho para a hora no meu telefone, irritada por já ser nove e
meia. Tenho muito o que fazer antes das 16:30. Eu poderia trabalhar
o dia todo e ainda não acompanhar onde deveria estar para a série
que supostamente terei pronta para Nadiya em breve.
Eu trabalho incansavelmente, pulando o almoço, ignorando o
fato de que minha mão está com cãibras. Eu largo meu lápis pastel e
aperto minha mão, dando um passo para trás do meu trabalho e
estudando-o. A distância ajuda a colocar as coisas em perspectiva.
Meus olhos voam pela tela, encontrando áreas que ainda preciso
aperfeiçoar.
— Sra. Jennings?
Eu salto para fora da minha pele e me viro, surpresa ao
encontrar Rebecca, a porteira do apartamento, na porta da
biblioteca. Jesus. Eu pressiono a mão no meu coração acelerado,
tentando acalmá-lo.
Ela sorri com pesar.
— Eu sinto muito. Chamei seu nome quando saímos do
elevador, mas você não respondeu. Disseram que você estava nos
esperando.
— Já são 16:30?
Seu sorriso se alarga.
— 16:32.
Certo. Vamos lá.
Eu olho para as minhas mãos manchadas, poeira pastel colorida
cobrindo cada dedo. Então eu olho para cima e vejo que atrás dela
há uma equipe de pessoas que chegou para me preparar para a
arrecadação de fundos, quatro delas no total. No comando está uma
mulher com um corte de cabelo à la Natalie Portman em V de
Vingança segurando um enorme estojo de maquiagem preto. Uma
mulher ao lado dela está vestindo um longo blazer sem mangas com
estampa floral sobre uma blusa de gola alta branca e carregando
uma sacola transbordando de produtos para o cabelo. Atrás dela,
dois caras estão pendurados em cada lado de um cabide de roupas
com rodinhas carregado com sacolas de roupas da Bloomingdale's.
Eu estremeço.
— Estaria tudo bem se eu tomasse um banho muito rápido? —
Eu pergunto, me sentindo culpada por desperdiçar seu tempo.
Eu realmente preciso me enxaguar, no entanto. Tenho pó pastel
no cabelo e endurecido sob as unhas.
— Isso é bom. Precisamos nos preparar de qualquer maneira. —
diz a mulher com o corte curto.
— Onde você gostaria que eles esperassem por você? — Rebecca
pergunta.
— Hum... a sala grande? Dessa forma, temos espaço para todos.
Ela acena em concordância, então se vira e estende a mão para
eles.
— Por aqui.
Quando me juntei a eles vinte minutos depois, Rebecca foi
embora, e a mulher do corte curto, que me disse que se chamava
Gina, me informou que começaríamos escolhendo o vestido, assim
não estragamos meu cabelo e maquiagem.
Quem quer que os tenha contratado - provavelmente Mason -
deve ter dado instruções explícitas sobre a noite, porque eles se
lançam imediatamente sem realmente pedir minha opinião. Eu
experimentei dez vestidos no total, todos em estilos e cores
diferentes.
— Aquele. — O grupo decide por unanimidade.
Eu olho para o vestido vermelho com seu corpete feito sob
medida e cintura fixa, apreciando a maneira como ele abraça minha
figura através dos meus quadris. As mangas drapeadas e o decote
em forma de coração entalhado significam que meu decote está nu.
Eles consertam isso rapidamente adicionando um colar de
diamantes - emprestado - que se aninha na base do meu pescoço.
Graças a Deus, o vestido tem copas embutidas e desossa no corpete.
Eu me movo suavemente de um lado para o outro, tentando
determinar se a fenda frontal deslocada é muito arriscada.
— Você não acha que isso é demais? — Eu pergunto, olhando
para o grupo.
Eu me deparei com um monte de olhares essa pobre garota, e
então, finalmente, alguém fala.
— Querida, se eu tivesse a sua silhueta, estaria com esse vestido
todos os dias. — diz Noel, um dos caras da Bloomingdale.
— Sim — seu amigo Steven acrescenta com palmas. — Eu usaria
no Starbucks. Para brunch. Para a Academia. Eu estaria balançando
essa fenda na elíptica. Imagine só.
Eu rio e aceno, acreditando na palavra deles. Isso é um pouco
mais ousado do que o que eu normalmente usaria, mas eles são
especialistas.
Depois de concordarmos com o vestido, eu escorrego de volta
em um robe e me posiciono em uma cadeira para cabelo e
maquiagem. Não tenho permissão para deixá-la pelo que parecem
três dias. Meu cabelo é puxado em todas as direções enquanto eles o
secam e o varrem do meu pescoço em um penteado cuidadoso.
Enquanto isso acontece, meu rosto é cutucado e cutucado.
— Querida, essas sobrancelhas estão me matando. — diz a
maquiadora.
— Achei que sobrancelhas grandes estivessem na moda.
Ela ri.
— Não tão grandes.
Anotado. Não é como se eu tivesse prestado muita atenção na
minha aparência ultimamente. Minha arte não se importa com a
minha aparência, então qual é o ponto?
— Você ao menos percebe a sorte que tem por ter essa estrutura
óssea? — ela pergunta, parecendo irritada comigo.
— Humm... sim? — Eu respondo, sem saber ao certo que
resposta ela quer ouvir.
— Oh Deus. — Steven geme em agonia. — Não me diga que
você é uma daquelas garotas que não percebe que é bonita. Estou
vivendo em uma música da Taylor Swift?! Por favor, Deus, me
ajude.
— Ela não é como as outras garotas. — brinca Noel.
— Eu sei que tenho uma aparência decente, seus idiotas.
— Aparência decente! — Steven se desespera. — Meu Deus, ela
pensa que é um ogro.
Noel move as mãos como um maestro de orquestra.
— Diga conosco: 'Eu sou gostosa'.
— Eu sou gostosa. — Repito em um volume mais semelhante a
um sussurro.
Quando terminam comigo, eu realmente acredito. Eu fico na
frente do espelho de corpo inteiro no meu quarto depois que o
apartamento se esvazia, e me encaro como um idiota narcisista. Eu
só... não consigo evitar. Na maioria dos dias, eu coloco um
hidratante com FPS e dou o dia por encerrado. Minhas roupas são
lindas e caem bem em mim, mas são práticas para o dia a dia.
Esta é de longe a minha melhor aparência. Eu quero traçar uma
maneira de esbarrar em cada um dos meus ex-namorados e
valentões do ensino médio (sim, eu ainda me lembro de você,
Laura) no meu caminho para a arrecadação de fundos e ver suas
línguas rolar para fora de suas bocas.
Meu telefone vibra na minha cama e vejo que é uma mensagem
de Mason.
Mason: O Sr. Jennings está a caminho para buscá-la e gostaria que
você o esperasse lá embaixo, já que ele está um pouco atrasado.
DEZESSEIS
No momento em que desço para o saguão, uma limusine preta já
está parada no meio-fio em frente. Eu xinguei baixinho, me
perguntando quanto tempo Walt está esperando. Assim que
terminei de ler o texto de Mason, corri para usar o banheiro uma
última vez, retoquei meu batom e enfiei todas as minhas
necessidades em minha bolsa delicada, mas meus saltos altíssimos
não eram tão fáceis de usar como eu pensei que eles seriam. A
pequena alça em volta do meu tornozelo me deu problemas.
Eu odeio que Walt tenha me atingido aqui. Tenho certeza de que
ele ficará irritado com isso.
Terrell está na porta do prédio e, quando me vê correndo em sua
direção, assobia baixinho.
— Você é uma bela visão, Sra. Jennings!
Eu sorrio enquanto minhas bochechas ficam vermelhas.
— Obrigada! — Eu digo, passando correndo por ele.
Ele é rápido com a porta, segurando-a aberta para mim.
— Desculpe, não posso conversar! Atrasada!
— Não se preocupe. Ele não está aqui há muito tempo!
Lá fora, o ar gelado me cumprimenta, e eu me enterro no casaco
que Noel e Steven trouxeram para acompanhar meu vestido. É
vermelho profundo com uma gola larga que levanto para ajudar a
bloquear o vento. O motorista abre a porta da frente da limusine
para sair, mas então a porta de trás se abre e Walt chega antes de
mim.
— Não há necessidade, Alexander. — diz Walt.
— Certo, senhor.
Walt sai para a calçada, fica de pé e endireita a lapela do paletó
do smoking enquanto eu assisto maravilhada.
Ele é tão imponente que eu congelo, sem vontade de me
aproximar dele. Chame de instinto de sobrevivência ou talvez
masoquismo, mas quero dar uma boa olhada - só para saber o que
estou enfrentando esta noite.
Seu smoking preto como a noite cai sobre seus ombros largos e,
em seguida, afunila em sua cintura. As bordas suaves de sua gravata
borboleta parecem apenas forçar meu olhar de volta para sua
mandíbula afiada, um contraste impossível de ignorar. Meu peito se
aperta de desejo. Quero desenhá-lo, esculpi-lo, traçar as linhas de
seu rosto e tentar recriá-lo na tela para poder voltar e fazer
referência a esse momento a qualquer momento que eu quiser.
Então ele tem que abrir a boca e estragar tudo.
— Saia do frio — diz ele, apontando para a porta da limusine
com um toque de impaciência.
Reviro os olhos e me movo rapidamente, esquivando-me dele e
deslizando no banco de trás, o mais longe dele que posso ficar sem
me mover para o outro banco completamente.
Walt o segue, ficando ao seu lado, não que isso importe. No
momento em que a porta se fecha atrás dele, ele parece estar em
toda parte no carro, roubando todo o oxigênio.
Alexander olha para nós pelo espelho retrovisor.
— Tudo pronto?
Walt acena com a cabeça, em seguida, olha para mim com o
canto do olho.
— Desculpe pelo atraso. — Digo, apressando as palavras antes
que ele possa falar, caso ele estivesse prestes a me castigar.
— Eu tinha acabado de estacionar.
Meus ombros caem de alívio e olho para fora da janela, dando-
me um tempo. Desviar do olhar dele faz parecer que estou
recuperando o fôlego. É um pequeno alívio para um homem
opressor que não consigo entender.
Ele tira o telefone do bolso e começa a digitar.
A princípio, não me importo, mas quando dirigimos por outro
quarteirão da cidade e continuamos no trânsito, parando e
arrancando, fico irritada com isso.
— É assim que seria? — Eu provoco. — Você é o tipo de homem
que está sempre ao telefone, mesmo quando está em um encontro?
— Não sabia que era um encontro.
— Não é. — eu digo rapidamente, envergonhada.
Ele coloca o telefone na coxa e pendura o braço no banco de trás
da limusine em um ato de domínio absoluto.
— Só para deixar claro, trabalho sempre que posso porque
preciso, mas se eu estivesse com alguém que quisesse ficar comigo,
desligaria meu telefone.
Seus olhos me imploram para desafiá-lo sobre isso, mas de
repente estou muito nervosa. Deus, eu odeio que ele faça isso - tira
meu poder com um olhar arrogante.
— Bom saber.
Eu reorganizo minha bolsa no meu colo e olho de volta para o
tráfego.
— Obrigado por participar dessa arrecadação de fundos comigo.
— diz ele após um longo silêncio.
É a sinceridade em sua voz que me convence a olhar para ele.
Para minha surpresa, o encontro me estudando.
Eu respondo com um pequeno sorriso.
— Estou feliz em fazer isso. Não posso reclamar de ficar toda
arrumada. Foi uma tarde divertida.
— Estou feliz.
Mordo meu lábio inferior antes de continuar.
— E você não precisa se preocupar. Eu não esqueci o arranjo. Eu
sei que só estou aqui porque meu nome estava naquele envelope.
Isso não é como... algum...
Ele me deixa esperando, tentando encontrar uma maneira de
articular o que estou insinuando.
Finalmente, gemo de agonia, correndo para continuar.
— Isso é só para dizer, eu sei que você gostaria de convidar
Camila esta noite, e sinto muito que você não possa passar a noite
com ela.
— Suas desculpas não são necessárias. Camila e eu não estamos
mais juntos.
— Ah.
A esperança floresce em meu peito até que a realidade entra em
foco. Olá! O que importa se ele está namorando Camila ou não? Por
que eu ainda me importo?! Nosso relacionamento não mudará. Ele
simplesmente vai começar a namorar outra pessoa.
Então, um pensamento horrível me ocorre.
— Vocês dois não terminaram por causa do nosso beijo, não é?
Oh Deus, vou me sentir horrível.
Na verdade, ele ri da minha pergunta como se fosse totalmente
um absurdo, e imediatamente, minha raiva aumenta.
— Não. Nós terminamos na noite do jantar.
— Mesmo? — Estou confusa. — Mas então ela veio ao
apartamento depois disso e vocês se abraçaram.
— Nós nos abraçamos?
— Sim. Eu vi.
Percebendo o que acabei de revelar, volto atrás.
— Acontece que eu estava passando. Enfim, sim, vocês
definitivamente se abraçaram.
— Certo. Bem, não estamos juntos. Naquele dia, estávamos
amarrando pontas soltas. Eu não a vi desde então.
— Oh.
Ele volta a olhar para o telefone e, um momento depois,
acrescento:
— Você realmente não parece tão triste com isso.
— Acho que não.
— Vocês dois não ficaram juntos por um tempo?
— Eu suponho.
— E você não está triste?
— Eu não tenho certeza de onde você está tentando chegar,
Elizabeth.
— Você a amou?
— Não.
Eu faço uma careta.
— Uau, você respondeu isso rápido.
— Eu deveria ter mentido? Você fez uma pergunta e eu lhe dei
uma resposta honesta.
Eu levanto minhas mãos em inocência, decidindo deixar esse
assunto cessar.
Então viramos outra esquina e nos acomodamos em um silêncio
bastante desconfortável, pelo menos do meu lado. Walt
provavelmente esqueceu que estou na limusine com ele. Na
verdade, acho que ele já mudou de toda a nossa conversa, até que
acrescenta:
— A propósito, o que compartilhamos não foi realmente um
beijo.
Eu me viro de volta para encará-lo.
— Você está de brincadeira? Sim, foi!
Ele encolhe os ombros.
— Concordo em discordar.
Eu me inclino para mais perto dele, tentando roubar sua atenção
de volta de seu telefone.
— Seus lábios tocaram os meus, Walt. O que foi isso senão um
beijo?
Ele olha de volta para mim como se realmente estivesse
pensando sobre isso.
— Não tenho certeza. — Então ele encolhe os ombros. — Eu
mostraria a você a diferença, mas você me ameaçou de divórcio.
Eu odeio que ele esteja me provocando agora com suas covinhas
e seu meio sorriso.
Eu estreito meus olhos e me inclino em direção a ele.
— Isso mesmo, e não se esqueça disso.
Seu olhar cai para os meus lábios no momento exato em que
Alexander pisa no freio.
Eu salto para frente e Walt estende a mão instintivamente,
segurando meu braço para me impedir de cair do assento.
— Desculpe! — Alexander grita da frente. — Um idiota entrou
na minha pista.
— Você está bem? — Walt pergunta.
— Sim. Eu mal me movi. Você pode tirar a mão do meu braço
agora.
— Eu vou quando você me soltar.
Eu olho para baixo para ver que meus dedos estão enrolados em
seu antebraço com um aperto de ferro. Certo.
Envergonhada, eu largo minha mão, e então ele me solta.
Eu esfrego a manga da minha jaqueta como se dissesse nada para
ver aqui.
— O museu está logo à frente. — Alexander responde.
Pego minhas coisas e arrumo minhas roupas para me preparar
para sair da limusine. O veículo para suavemente e Walt agradece
ao motorista antes de abrir a porta. Há alguns flashes de câmera
quando eu saio ao lado de Walt, o suficiente para me fazer tentar
piscar para afastar a cegueira passageira.
Walt envolve seu braço em volta da minha cintura para me
guiar, e eu fico tensa de surpresa.
Ele me conduz para a frente, subindo os degraus do Museu de
História Natural, ao longo de um pequeno degrau, e outro. Um
organizador de eventos implora que paremos para tirar uma foto, e
Walt obedece colocando-me ao lado dele e me dizendo baixinho
para sorrir.
Eu faço exatamente o que ele pede, fixando o sorriso mais
brilhante que posso reunir antes de sermos levados pela entrada do
museu.
— Boa noite. Pode me dizer seu nome? — outro organizador do
evento pergunta na porta.
— Sr. e Sra. Walter Jennings II.
O organizador rola para baixo seu iPad até que ele faz uma
pausa e seus olhos se arregalam em sua tela.
— Sim. Maravilhoso. Estamos muito felizes por vocês dois
estarem conosco esta noite. Você encontrará seus cartões de lugar
na mesa de doadores ilustres. — Então ele acena para um atendente.
— Kenneth, você poderia acompanhar o Sr. e a Sra. Walter Jennings
II até seus assentos?
Walt interrompe com um aceno de cabeça.
— Isso não será necessário. Nós os encontraremos com bastante
facilidade.
O organizador sorri em confirmação.
— Bom. É claro. Nesse caso, você poderá colocar seu casaco ali e
os aperitivos estão logo dentro. O jantar começará em meia hora.
Uma vez que estamos fora do alcance da voz, Walt se inclina
para sussurrar em meu ouvido.
— Não torne o seu ódio por mim tão óbvio toda vez que eu toco
em você.
— O que? Eu não! — Eu digo com uma carranca insistente.
— Você praticamente pula fora de sua pele todas as vezes.
— Porque é surpreendente!
— Não deveria ser. Aqui, vire-se e deixe-me pegar seu casaco.
— Eu posso fazer isso sozinha.
— Elizabeth, eu juro-
Sua frase é cortada quando me viro abruptamente e começo a
desabotoar meu casaco sem sua ajuda. Quando termino, tiro os
ombros e deixo que ele faça o resto. Ele puxa um pouco com força
demais para tirá-lo de mim, e eu atiro nele um olhar furioso por
cima do ombro.
Em seguida, ele tira nossa roupa exterior e aceita um pequeno
ticket de verificação de casaco do atendente. Eu me viro para
encará-lo, e ele olha para mim e congela, me fazendo pensar que
algo está errado. Eu olho para o meu vestido, mas uma vez que não
encontro nada fora do comum, olho por cima do ombro,
procurando na multidão por alguém digno de nota atrás de mim.
— É o vestido. — Ele me diz, dando um passo à frente. — Agora,
me dê sua mão e tente não parecer muito irritada com isso.
Pego sua mão primeiro, tentando provar a ele que posso ser uma
jogadora nata. Meus dedos apertam os dele, mas ele não aceita esse
arranjo. Ele rapidamente nos recoloca para que minha mão fique
suavemente dentro da dele, e então ele me puxa para frente.
— E o vestido? — Eu pergunto enquanto passamos pelo foyer
lotado.
Walt vê alguém que conhece e acena com a cabeça em uma
saudação, mas não paramos para falar com eles.
— Você já sabe. — diz ele secamente.
Eu sorrio para o chão antes de limpá-lo e aplicar uma máscara
perfeita de inocência. Olhando de volta para ele, eu pressiono o
assunto.
— Não tenho ideia do que você está falando.
Ele me encara com uma sobrancelha levantada.
— Eu não vou te dar o que você quer.
— E o que é isso?
— Uma reação.
Eu finjo um suspiro excessivamente dramático.
— Eu gostaria que você fizesse. Deus, adoraria ver. Você já ficou
realmente bravo? Triste? Feliz?
— Estou feliz agora - você não percebe?
Uma risada explode de mim antes que eu possa impedi-la.
— Você não pode estar falando sério.
— É realmente tão absurdo?
— Que você poderia ser feliz agora comigo? Deus, sim. Estamos
completamente em desacordo. A própria definição de incompatível.
Ele fareja e desvia o olhar.
— Eu não vejo dessa forma.
— Oh, pare. Em breve, vou pensar que você realmente gosta de
mim.
— E se eu gostar?
— Eu... — Balancei minha cabeça, chegando perto de uma
resposta. — Não tenho certeza. É como se meu cérebro não
conseguisse nem calcular a noção.
Ele balança a cabeça, claramente tendo o suficiente de mim pelo
resto deste século. Boa coisa para ele, estamos em nossa mesa agora,
saudados por uma multidão de pessoas. Walt conhece alguns deles -
os caras dão tapinhas nos ombros uns dos outros - mas ele não é
familiarizado com todos, então ele nos apresenta ao grupo.
— Oh, acho que vi vocês dois no The Times! — uma mulher diz.
— Você não casou há apenas algumas semanas?
— Sim. — Confirma Walt, mantendo um aperto forte na minha
mão.
A mulher bate palmas de alegria.
— Que doce. A foto no jornal não fazia justiça a vocês dois.
Vocês formam um lindo casal.
Walt olha para mim como qualquer marido adorável faria e eu
jogo junto, torcendo meu nariz para ele provocativamente. Para a
mulher, parecemos absolutamente apaixonados, mas sabemos
melhor.
O olhar de Walt diz: Não estrague isso.
O meu grita de volta, eu não vou!
— Fofo demais. Você esteve em lua de mel em algum lugar? —
ela pergunta.
— Não tivemos a chance. — diz Walt, parecendo arrependido.
— É um momento agitado para minha empresa.
— Walt é, na verdade, Walter Jennings II da Diomedica. —
Explica o marido.
As sobrancelhas da mulher se erguem, claramente
impressionadas.
— Eu não tinha conectado os pontos. Não vemos você em
muitas dessas coisas.
Ele ajeita a gravata borboleta, ligeiramente incomodado com a
atenção.
— Eu gosto de mantê-lo só para mim. — Eu digo, envolvendo
minha mão em torno de seu braço e me movendo ao lado dele.
A mulher ri e me dá uma piscadela.
— Não posso dizer que não faria o mesmo. — Seu marido limpa
a garganta ruidosamente e ela bate em seu ombro. — Ah, vamos lá.
Éramos assim na idade deles! Você nunca me deixava sair de sua
vista por muito tempo.
O casal finalmente passa para outro grupo de amigos e Walt
olha para mim.
— Você não pode dizer que eu não fiz minha parte. — Eu
pressiono.
Ele faz um barulho como se estivesse semi-impressionado.
— Encostar-se em mim foi um bom toque.
— Não foi? — Eu digo, exultante. — E não foi nem meio ruim.
Você cheira bem.
Seus olhos fixam-se nos meus por muito tempo e meu sorriso se
alarga, mas nosso momento privado é interrompido quando um
homem se aproxima de nós, sua voz estrondosa quebrando o decoro
silencioso enquanto ele pergunta:
— Esta mesa é para os grandes doadores?
A boca de Walt se afina, mas ele ainda é educado ao se dirigir ao
homem.
— Não se preocupe em se apresentar. — diz o homem com um
aceno de cabeça. — Eu sei quem você é. Eu observo o estoque da
Diomedica como um falcão. — Seu olhar desce para mim e seu
sorriso se torna ligeiramente lascivo. — Quem é o passarinho
bonito?
O braço de Walt desliza em volta da minha cintura para que ele
segure meu quadril.
— Esta é minha esposa, Elizabeth.
— Esposa? — ele assobia baixo. — Cachorro sortudo. — Ele
estende sua mão carnuda para mim. — Meu nome é Fred Barron.
Fred leva trinta segundos para nos dizer que acumulou sua
fortuna investindo em empresas de tecnologia japonesas no início
dos anos 90. Mesmo agora, ele divide seu tempo entre Nova York e
Tóquio.
— Você já esteve no Japão? — Ele pergunta, chegando mais
perto de mim e não fazendo nenhum esforço para disfarçar seu
olhar enquanto ele permanece no meu corpo.
Eu forço um sorriso tenso.
— Não, embora eu adoraria visitar um dia. Existem alguns
artistas japoneses que admiro.
Suas sobrancelhas se erguem.
— Bom, eu vou te levar. Tenho uma frota de aviões particulares.
Podemos partir amanhã cedo.
Ele diz tudo isso com um ar provocante, o que torna tudo ainda
pior, porque sou forçada a continuar quando o que eu realmente
quero fazer é dizer a ele para nos deixar em paz.
Felizmente, Walt ainda está ao meu lado, observando Fred, e
quando sua mão aperta minha cintura, acho que ele está me
deixando saber que não gosta de Fred mais do que eu.
— Acho que o jantar está prestes a ser servido. — diz Walt,
tentando encerrar a conversa enquanto mantém a paz. — Você já
encontrou seu assento?
— Ah, claro, sim. Deixe-me ver onde eles me enfiaram. É melhor
eu ter um lugar muito bom com a quantia que doei para essa coisa.
Em uma reviravolta maravilhosa nos acontecimentos, Fred foi
colocado longe de mim, do outro lado da mesa, então não estou
mais sujeita a sua atenção durante o jantar.
Em vez disso, nos sentamos entre alguns conhecidos de negócios
de Walt que não têm nenhum interesse real em mim. É legal.
Significa que posso comer minha comida em paz enquanto todos
falam sobre coisas que me aborrecem. Depois da sobremesa, digo a
Walt que vou me refrescar, mas na verdade é uma desculpa para
passear pelo museu e respirar fundo com toda a encenação. A linha
demora um pouco e eu verifico meu telefone, sem muita pressa.
Depois, no meu caminho de volta para encontrar Walt, coloco
minha cabeça na sala de leilões silenciosa e me distraio.
Há muita arte, e eu levo meu tempo examinando cada item,
lendo sobre os artistas e estudando seus trabalhos. Uma escultura
em particular, uma dançarina fundida em bronze, é uma
reminiscência de Degas. O lance inicial era de $25.000 e já chegou a
mais de $60.000. Ao lado dela, pendurada na parede, a fundação
coloca uma pequena pintura original de René Magritte com um
segurança posicionado ao lado. Assim que vejo o lance inicial,
entendo por que ele está lá.
— Eles vão prendê-la se você ficar aqui por muito tempo. — diz
um homem atrás de mim.
DEZESSETE
Meus olhos se arregalam em pânico e eu recuo imediatamente.
Viro-me para ver o homem que me avisou e fico surpresa ao
descobrir que ele é jovem e atraente, elegante em um smoking de
cetim marinho um pouco não tradicional. Seu cabelo preto -
mantido um pouco mais longo - está penteado para trás e roçando a
nuca. A pequena curva de seu nariz é a única coisa que não é
perfeita nele.
— Eu estava apenas olhando. — Eu digo, indo tão longe a ponto
de levantar minhas mãos como se fosse uma prova.
Ele ri e balança a cabeça.
— Eu só estou brincando.
Eu sorrio, percebendo que ele não queria machucar, e agora que
vejo suas bochechas ficarem rosadas, acho que ele pode estar
envergonhado com sua piada de mau gosto.
— Você acha que vai dar um lance nele? — ele pergunta.
— A pintura? Não. Quer dizer, eu já tenho uma dúzia de
Magrittes. Quem precisa de mais um? — Eu provoco, não querendo
admitir abertamente que eu nunca poderia dar um lance em uma
pintura como aquela.
Ele sorri e se levanta para pegar uma caneta da mesa.
— Então eu acho que terei que dar um lance por nós dois.
Vaca sagrada.
Rapidamente, dou um passo à frente e toco seu braço.
— Não faça isso. Você não pode simplesmente colocar seu nome
assim. E se você ganhar?
Ele se vira para olhar para mim, seus olhos azuis claros pegando
os meus.
— Pretendo vencer.
Meu queixo cai quando ele termina de escrever seu nome,
Olivier Rappeneau, ao lado de uma soma tão impressionante que
coro e olho para longe.
— Eu ia dar um lance antes de você entrar. — Ele admite
quando sente que estou um pouco desconfortável. — Embora tenha
sido muito legal fazer isso com você assistindo.
— Eu espero que você ganhe. — Eu digo com um sorriso
amigável.
Ele acena em concordância antes de estender a mão esquerda
para mim, já que sua mão direita ainda está segurando a caneta.
— Qual o seu nome?
— Elizabeth Brighton.
Percebo tarde demais que deveria dizer Elizabeth Jennings. Não
é algo com o qual estou acostumada ainda, e agora parece muito
estranho voltar e me corrigir.
Sua mão envolve a minha e, depois de sacudi-la para cima e para
baixo por um momento, ele a vira para estudar meu anel sem soltar.
— Por favor, diga-me que você comprou este anel para si mesma
e só está usando neste dedo para dissuadir os homens.
Eu sorrio.
— Não.
— Então você é casada?
— Oh... hum, sim. — Eu olho para o anel como se só agora me
lembrasse. — Eu sou.
Quando eu olho para cima, Olivier está franzindo a testa para
mim.
— Por que você parece tão desapontada com isso?
— Eu não estou. — Esclareço. — Nem um pouco. É recente. É
por isso que demorei um pouco para responder.
Ele cantarola pensando antes de soltar minha mão.
— Venha, vamos tomar uma bebida.
Eu olho para trás.
— Eu provavelmente deveria estar voltando-
— Seu marido não vai se importar. Ele já a deixou fora de sua
vista por tanto tempo. O que são mais cinco minutos?
Quando eu não discuto imediatamente, ele sorri e todo o seu
rosto se transforma. Ele é realmente bonito, embora um pouco
intimidador. É a forma felina de seus olhos e sua presença
dominadora. Ele fica perto de mim quando saímos da sala de leilões
e voltamos para a arrecadação de fundos. Agora que o jantar
acabou, uma pequena orquestra está tocando no palco
acompanhada por casais na pista de dança.
Um garçom passa na nossa frente com champanhe e Olivier
pega duas taças da bandeja de prata.
— Um brinde. — diz ele, segurando uma taça para mim.
Eu aceito de bom grado e aceno para ele continuar.
— À arte. — Ele diz, segurando meu olhar e deixando
perfeitamente claro que está cheio de insinuações.
— À arte. — Repito antes de tilintar meu copo com o dele.
Depois do meu gole, faço uma pergunta que estou morrendo de
vontade de saber a resposta.
— O que você vai fazer com a pintura se ganhar?
Ele encolhe os ombros com indiferença.
— Não tenho certeza. Acabei de comprar um novo apartamento
em Montreal para o qual pretendo começar a colecionar. Ou talvez
eu o empreste para um museu.
Oh, você sabe, não é grande coisa!
Eu quase rio.
— Você tem o hábito de licitar regularmente em obras de arte
caras?
Ele sorri.
— Tenho o hábito de tentar impressionar mulheres bonitas. Hoje
à noite, descobri que tenho que fazer as duas coisas.
— Quem disse que fiquei impressionada?
— Você está corando, Sra. Brighton.
— Srta. — digo, corrigindo-o.
Ele faz uma cara azeda.
— Ah, certo, esse pequeno título irritante. Isso realmente
significa alguma coisa?
Que pergunta carregada.
Eu olho para o meu anel e o ajusto no meu dedo. Uma parte de
mim gostaria de poder flertar com Olivier e ver onde isso acabaria.
Já faz muito tempo... muito tempo desde que estive em um
encontro. Eu não percebi o quão faminta eu estava por atenção até
este momento porque mesmo que eu deva sair e encontrar Walt, eu
não quero. Quero absorver esse foco de um homem bonito que está
deixando perfeitamente claro que também me acha atraente. Como
é revigorante e simples.
— Você dança? — Olivier me pergunta.
Eu rio e balanço minha cabeça com firmeza.
— Não. Querido Deus, evito a todo custo.
— E no seu casamento? Certamente você dançou então?
Uma pontada aguda de tristeza me surpreende. Eu balanço
minha cabeça e olho para longe.
— Bem, então vamos consertar isso. — diz ele, pegando minha
mão e de repente me puxando para a pista de dança.
— Não! Eu não posso! — Eu digo entre gargalhadas. — Eu
realmente não posso. Não estou tentando ser recatada. Vou acabar
pisando em seus pés.
— Então pise no meu pé. — diz ele, encolhendo os ombros. —
Eu aguento.
Depois de um último gole, ele rouba minha taça de champanhe
da minha mão e a deposita em uma mesa próxima junto com a dele.
Então, com a mesma suavidade, ele captura minhas duas mãos e me
gira para a pista de dança. Eu não posso evitar, mas continuo a rir.
São todos os meus nervos borbulhando para a superfície.
— Oh, Deus. Isso vai ser um desastre.
— Siga meus passos. — diz ele com um sorriso, nem um pouco
desencorajado pela minha falta de experiência. — Uma mão no meu
ombro, a outra na palma da minha mão. Bem desse jeito. Você é
leve - posso puxá-la com bastante facilidade.
Ele se move pela pista de dança tão rapidamente que mal
consigo acompanhar, mas é tão divertido, como uma versão adulta
do passeio da xícara de chá na Disney. Giramos e giramos, e Olivier
me pergunta se eu conheço essa música.
É vagamente familiar, mas não tenho ouvido para a música.
Depois que eu balanço minha cabeça, ele sorri.
— É uma versão animada de 'The Second Waltz' de Dmitri
Shostakovich. Um dos meus favoritos.
— É linda.
— Sim, e você está indo bem. Eu só quebrei um dedo do pé.
— Oh, pare. — Eu gemo, diminuindo a velocidade como se fosse
parar.
Ele não me deixa.
— Estou brincando. Você é natural.
A música começa a morrer, e há uma calmaria momentânea na
pista de dança enquanto os parceiros se separam e se afastam e
outros tomam seus lugares.
Eu me afasto de Olivier e solto sua mão, mas ele continua
segurando minha cintura enquanto eu olho para a minha esquerda
e vejo Walt cortando a multidão, caminhando em minha direção
com uma graça confiante. Seu rosto é impossível de ler, sua boca em
uma linha reta, seus olhos ligeiramente estreitados nos cantos. Os
detalhes sobre ele que me fascinam voltam com clareza
impressionante: suas maçãs do rosto acentuadas, queixo quadrado,
estatura alta, ombros largos. Em seu smoking preto, ele é como uma
nuvem escura cobrindo o sol enquanto ele desce sobre nós.
Olivier não o nota imediatamente. Ele está me dizendo algo
quando Walt o interrompe.
— Você se importa se eu roubar minha esposa?
Meu coração dispara no peito e, novamente, tento me afastar de
Olivier sem sucesso.
Muito devagar, Olivier me solta, olha para trás e inclina a cabeça
para encontrar o olhar de Walt. A diferença de altura entre eles
parece que poderia ser medida em quilômetros no momento, e tem
tudo a ver com a expressão carrancuda de Walt.
— Ah, é claro. — diz Olivier com facilidade e confiança. — Eu
estava começando a imaginar que você não existia.
Walt franze a testa e uma fissura de constrangimento passa por
mim. Eu coro como se tivesse feito algo errado, e talvez tenha.
Talvez eu não devesse ter cedido à atenção de Olivier por tanto
tempo. Talvez eu devesse ter me afastado dele no início. É tarde
demais para voltar agora.
— Olivier Rappeneau. — diz ele, estendendo a mão. — E você
não precisa se apresentar, embora eu esteja um pouco surpreso. —
Ele se vira para olhar para mim. — Você disse que seu sobrenome
era Brighton, não Jennings.
O olhar de Walt me corta e quase me encolho.
— Sim. Desculpe, eu deveria ter esclarecido. — Eu digo com
uma careta. — Meu nome de solteira é Brighton, e ainda estou me
acostumando com a mudança.
Olivier sorri. Walt não.
A orquestra começa novamente, e desta vez, eu conheço
imediatamente a música: “Valsa das Flores” de Tchaikovsky.
Walt dá um passo à frente e estende a mão para mim, com
intenção clara de me arrastar para fora da pista de dança.
Olivier dá um passo para trás e acena para mim.
— Eu vou te encontrar mais tarde.
— Não, temo que você não vá. — diz Walt. — Eu acho que você
já passou bastante tempo com minha esposa, Sr. Rappeneau. Boa
noite.
E então, para meu choque total, em vez de me arrastar para
longe, Walt me puxa em direção a ele e captura minhas mãos com o
mesmo aperto que Olivier fez apenas alguns momentos atrás.
Então, habilmente, ele começa a me conduzir na valsa.
A facilidade que senti nos braços de Olivier desapareceu em um
instante. Estou tremendo como uma folha enquanto Walt continua
a me guiar, seu aperto firme capturando minha mão, então não há
chance de eu escorregar, mesmo se eu quisesse. Infelizmente, não.
Eu amo isso, mesmo que Walt pareça odiar. Estamos quase peito a
peito enquanto ele está quente demais, sem tentar conversar. Na
verdade, ele olha por cima do meu ombro esquerdo como se
quisesse me evitar a todo custo.
— Me desculpe, eu não sou uma boa dançarina. — Eu digo,
tentando atraí-lo para uma conversa.
Ele não me encontra no meio do caminho como eu esperava que
ele fizesse.
— Você está com raiva de mim?
— Furioso. — Ele morde.
— Por quê? Eu só estava dançando com ele.
Ele inala profundamente, mas não responde.
— É por causa de como as outras pessoas vão perceber isso? Que
estava flertando com outro homem na frente do meu marido?
Certamente você não se preocupa muito com as opiniões dos
outros.
— Não.
— Então, o que é?
— Elizabeth — ele avisa, como se me implorasse para desistir.
— Não. Diga-me. Eu não entendo você, Walt. Verdadeiramente.
Você é o homem mais enigmático que já conheci. Você me ignora
com mais frequência do que não. Em um minuto você me beija, no
próximo você age como se mal pudesse suportar minha presença.
Seu olhar corta para mim, e eu novamente luto contra a vontade
de me encolher. Conforme a música acelera, os instrumentos de
cordas se constroem um sobre o outro em um crescendo frenético,
eu levanto meu queixo e imploro que ele me diga. Minha mão
aperta a dele. Meu olhar se mantém firme.
— Por favor — eu sussurro.
Então, tão rápido quanto da última vez, ele se abaixa e pressiona
seus lábios nos meus - só que esse beijo não é um beijinho. É um
feitiço que nos tira daquele museu, para longe da música e da
multidão brilhante. Estamos sozinhos, ele e eu, seus lábios
inclinados sobre os meus, suas mãos se movendo para embalar meu
rosto.
Dou um passo em direção a ele e fico na ponta dos pés, tentando
encontrá-lo, para mostrar como estou ansiosa para que ele continue.
Embora seus lábios sejam suaves, seu beijo não é gentil. É
propriedade e poder personificados, uma marca.
— Elizabeth — ele sussurra contra a minha boca enquanto se
afasta, como se estivesse com dor.
Meu nome é uma confissão, aperto meus olhos fechados e deixo
minha cabeça cair na curva de seu pescoço.
Então ele se afasta, olhando para mim.
— Você vê agora? — ele pergunta.
Eu aceno, começando a entender.
Ele desvia o olhar, e me lembro do fato de que estamos parados
na lateral da pista de dança, parados enquanto os dançarinos
continuam a se mover ao nosso redor.
Duvido muito que Walt seja alguém que adore PDA. Ele é tão
reservado como qualquer pessoa que já conheci, então, um
momento depois, quando ele limpa a garganta e diz que é hora de
ir, eu não discuto.
— Eu só preciso voltar para a nossa mesa e pegar minha bolsa. —
Eu digo enquanto dou um passo para trás, esperando que ele largue
minha mão e me solte. Em vez de me deixar, ele segura minha mão
enquanto me direciona naquela direção. — Eu teria voltado
imediatamente. — Digo a ele com sinceridade.
Ele franze a testa como se não acreditasse.
— Sim, assim como você fez quando foi ao banheiro mais cedo.
— Bem, sim, eu planejei isso, mas depois me distraí.
— Por Olivier.
— Pelo leilão silencioso. — Eu enfatizo. — Eles têm um Magritte
lá.
— Sim, eu sei. Meu consultor de arte mencionou que estaria
aqui, e eu já planejava fazer uma licitação.
— Você fez?
— Não. Faremos no nosso caminho de saída.
Como prometido, ele me leva à sala de leilões depois que eu
pego minha bolsa, e juro que ele se delicia com a oferta de Olivier.
Estou surpresa que ele não risque o nome de Olivier com a caneta.
Desvio o olhar depois de pegar os primeiros zeros que ele anota,
impressionada com a quantidade de dinheiro que essas pessoas
jogam como se não fosse nada.
— Quanto tempo mais o leilão ficará aberto? — Walt pergunta a
um dos coordenadores estacionados na sala.
Ela olha para o relógio antes de responder:
— Cinco minutos.
— Ótimo. — Ele diz, jogando a caneta no chão. — Se alguém me
ultrapassar no Magritte, ligue. Não vou desistir sem lutar.
— Claro. — Ela diz com um aceno reverente.
Seu olhar captura o meu e eu franzo a testa, me perguntando...
Então, antes que eu possa pressioná-lo sobre se isso era ou não
um duplo sentido, partimos novamente, caminhando pelo corredor
principal em direção à entrada principal do museu e recuperando
nossas coisas da seleção de casacos. As portas se aproximam e tenho
certeza de que a limusine está parada no meio-fio, esperando por
nós do lado de fora. Já posso sentir a mudança entre nós, a magia se
dissipando. Minha carruagem da Cinderela logo voltará a ser uma
abóbora, e não terei nada para mostrar.
Tento ir mais devagar, mas Walt não deixa. Na verdade, ele
apressa nosso ritmo.
— Espera. Walt, tudo voltará a ser como era assim que
partirmos?
— O que você quer dizer?
— Você vai fingir que nada aconteceu entre nós?
— Nada aconteceu. — Ele argumenta.
— Nós nos beijamos, Walt.
Ele engole lentamente, pensando em algo.
— Sim, e embora eu não chame isso de um erro absoluto, preciso
que você perceba que não pode acontecer novamente. Esse arranjo
que temos... funciona porque é tudo negócio. Eu não posso - não vou
seguir esse caminho com você.
Em seguida, as portas do museu são abertas para nós e ele nos
conduz escada abaixo. Não tenho ideia de porque ele está andando
tão rápido. É como se estivéssemos fugindo de alguém e eu
estivesse prestes a tropeçar nos meus calcanhares se ele não
diminuísse a velocidade.
— Por favor, pare. — Eu digo antes que ele abra a porta da
limusine.
Eu cruzo os braços, dando uma última parada na calçada, mas
dura apenas alguns segundos antes que seu olhar me force a entrar.
Ele segue atrás de mim e bate à porta atrás de si.
A limusine parece ainda mais apertada do que antes, como se
nossas emoções pudessem ser demais para o espaço confinado. O
telhado pode explodir com toda a pressão.
Felizmente, o tráfego diminuiu e a viagem de volta é muito mais
rápida do que nossa viagem até lá. Estamos na frente do prédio,
agradecendo a Alexander antes mesmo que eu possa recuperar o
fôlego ou acalmar minha raiva. No saguão e no elevador, tenho a
sensação de que Walt quer que eu abandone o assunto
completamente. É como se ele não pudesse fugir de mim rápido o
suficiente quando as portas se abrem e saímos para a galeria de
entrada do apartamento. As luzes estão apagadas, mas o brilho do
horizonte da cidade penetra pelas janelas da grande sala no final do
corredor, iluminando-nos o suficiente para que eu perceba a
expressão dura de Walt.
— Eu não entendo o que está acontecendo, Walt. Você vai ter
que soletrar para mim porque eu não entendo.
— Somos casados. — diz ele, começando a desfazer a gravata
borboleta.
— Sim?
— Não por escolha própria. — Acrescenta ele, tentando me
fazer entender.
— Sim, e daí?
— E daí? Este arranjo nasceu da necessidade, Elizabeth. — Sua
voz explode no corredor silencioso. — Você não quer aquele anel
em seu dedo. Você está aqui por obrigação, e não vou me forçar a
fazer nada sobre você.
— Walt-
— Não é de forma alguma o que venho tentando fazer. —
Continua ele. — Eu mantive minha distância. Eu mal existo neste
apartamento com medo de invadir seu espaço.
De repente, eu não aguento mais. Não consigo evitar os
sentimentos crescentes que tenho por Walt, os sentimentos que,
apesar do pouco que cuido deles, não parecem querer murchar.
Como uma erva daninha, resistente e temerária, aqui estou,
olhando para um homem que quase amo, embora pareça
absolutamente fútil.
Estendo a mão para dar um beijo em seus lábios, para fazê-lo ver
a razão e encerrar essa discussão cansativa sobre bobagens, e no
último momento ele se vira e me apresenta sua bochecha. Meus
lábios perdem sua boca, e parece que mil cacos de vidro cortam meu
coração.
Ele dá um passo para trás, se vira e me deixa lá na entrada.
DEZOITO
Eu não consigo parar de cavar no ferimento que Walt causou na
noite passada. Afastar-se do meu beijo, rejeitar meus avanços...
tristeza e vergonha em uma mistura feia que quer tanto se
transformar em raiva. Como um valentão do pátio da escola, quero
pegar minhas emoções avassaladoras e jogá-las de volta em Walt.
Eu quero gritar com ele, infantilmente dizer a ele que eu não queria
beijá-lo de qualquer maneira! Eu quero que ele sofra como eu, e é
essa noção fútil que me mantém trancada no meu quarto no dia
seguinte.
Eu ignoro meu estômago roncando e o chamado dos meus tons
pastéis. Eu me deito sob meus cobertores com meu livro aberto
sobre meu peito e ouço sinais de Walt. Tornei-me adepta de
combinar o som com a fonte. Conheço o zumbido da máquina de
café expresso, o cling e o clang das panelas e frigideiras enquanto
ele prepara o café da manhã.
Eu percebo seus passos quando eles se aproximam da minha
porta, faz uma pausa e, em seguida, continua pelo corredor.
Lágrimas queimam os cantos dos meus olhos e eu pisco para
longe, me sentindo tão tola como sempre enquanto olho pela janela.
Tento dizer a mim mesma que não posso ficar chateada com
Walt por fazer o que ele considera ser a coisa certa. A besteira que
ele disse ontem à noite era nobre em certo sentido. Nobre, mas
errado.
Agora aqui estou eu, nesta cama, em seu apartamento.
Indesejada.
Não tenho certeza para onde ir a partir daqui. Walt me deixou
com tão poucas opções. Não vou repetir o que fiz ontem à noite.
Absolutamente não. Não consigo suportar a ideia de implorar a ele
que acredite em minha palavra, que acredite que eu possa estar
interessada nele fora de quem ele é e o que ele representa, e depois
de tudo isso, ainda não quero que ele se afaste novamente. A
carapaça de Walt é mais espessa do que a maioria, e temo que seja
completamente impenetrável.
Eu penso em Camila e todas as mulheres que vieram antes dela.
Eu deveria tê-la puxado de lado quando tive a chance e pedido sua
opinião sobre Walt. Ele é tão fechado quanto parece? Sou boba por
acreditar que posso ser a única - por mais clichê que pareça - a
mudá-lo?
Claro, há outro pensamento mais profundo na parte de trás da
minha cabeça, uma vozinha triste me lembrando que tudo o que ele
disse ontem à noite pode ter sido apenas uma boa maneira de me
decepcionar facilmente. Oh, sim, veja, Elizabeth, não podemos ficar
juntos por causa de nosso difícil acordo. Anime-se, camarada. Sem
problemas.
Afinal, não é como se Walt parecesse muito interessado em mim
antes da noite passada. Muito pelo contrário, na verdade.
Se ele realmente me quisesse, se sentisse o que sinto - pressiono a
mão no meu queixo trêmulo - ele não daria a mínima para o quão
difíceis são as circunstâncias.
Eu finalmente saio de baixo das minhas cobertas, uma vez que a
tentação do café se torna muito forte para ignorar. Eu olho para
baixo e considero mudar meu pijama antes de sair furtivamente do
meu quarto, mas estou adotando uma abordagem laissez-faire para
viver no momento. Aquele vestido de baile vermelho estiloso -
aquele que zomba de mim pendurado na porta do meu armário -
não conseguiu tentá-lo ontem à noite, então de que adianta me
vestir bem hoje?
Na minha porta, agarro a maçaneta e paro, odiando o quão
nervosa fiquei, o quão boba estou sendo. Moro neste apartamento
com ele há semanas e sobrevivi muito bem. Hoje não deve ser
diferente.
Com a confiança recém-descoberta, abro a porta e não faço
nenhuma tentativa de silenciar meus passos enquanto me dirijo
para a cozinha.
Lá, encontro um prato coberto com uma nota que não diz nada
além do meu nome. Meu nome com a letra de Walt. Pego com
cuidado, como se estivesse segurando uma velha fotografia que não
quero manchar.
Então, levantando a tampa do prato, vejo que ele deixou o café
da manhã para mim: ovos mexidos, linguiça, frutas fatiadas.
É uma gentileza para a qual ainda não estou pronta. Eu pego sua
nota, retiro o lixo e a coloco dentro. Eu como rapidamente e
encontro um alívio fugaz em destruir sua comida bem-organizada
com meu garfo.
Estou quase terminando quando ele entra na cozinha vestindo
calças de moletom pretas de cintura baixa e uma camiseta cinza
suave. Seu cabelo está adoravelmente bagunçado. Seu queixo
precisava de uma barba. Eu juro que há uma sugestão de sombras
sob seus olhos que normalmente não estão lá, mas eu não olho para
ele por tempo suficiente para confirmar.
Tenho um instante para decidir que caminho seguir no que diz
respeito à forma como o trato, e fico desapontada comigo mesma
quando pego o caminho inferior, optando por fingir que ele nem
existe.
Eu raspo os restos do meu café da manhã na lata de lixo, em
seguida, viro para enxaguar meu prato enquanto ele anda ao meu
redor para pegar um pouco de água.
— Bom dia — diz Walt em uma voz rouca.
— Bom dia.
A conversa inicial murcha a partir daí. O silêncio reina e me
sinto impacientemente ansiosa.
Eu fugiria, mas ainda não fiz meu café, e a promessa de uma
xícara robusta foi a única coisa que me tirou da cama em primeiro
lugar.
Aproximo-me para pegar uma caneca e coloco-a sob a máquina
de café expresso. Então eu fico de frente para ele enquanto ela
ganha vida. Sempre leva um momento para moer os grãos de café e
aquecer a água, então eu estico as dobras nas minhas costas em
preparação para um dia na frente do meu cavalete. Eu me viro de
um lado para o outro e congelo quando encontro Walt me
observando do outro lado da ilha.
Eu deixo cair meus braços imediatamente de volta ao meu lado.
A blusa do meu pijama volta ao lugar. Estou corando enquanto me
afasto.
— Você gostaria de continuar nossa conversa da noite passada?
— ele pergunta de repente.
Minha coluna se endireita.
Oh, agora ele quer conversar? Agora, depois do que ele fez na
noite passada?
— Não. Acho que já dissemos tudo o que precisa ser dito, não
acha?
— Certo. — Eu olho para trás para vê-lo se afastar da ilha e dar
um passo para trás. — Então estarei no meu escritório.
Eu o vejo sair, uma mão enfiada no bolso do moletom, a outra
esfregando a nuca como se estivesse frustrado.
Bem-vindo ao clube, amigo!
Todos nós estamos!
Trabalho incansavelmente na biblioteca o dia todo, grata por ter
tanto trabalho para me distrair. Música chega do escritório de Walt,
mas não me importo. Na verdade, há algumas das canções sem letra
que eu realmente gosto. Eu quase esqueci que ele é um homem por
trás da música se não fosse por uma tosse recém-desenvolvida que
ele parece ter. A princípio, quase acho que ele está fazendo de
propósito, um pouco de guerra psicológica, mas na manhã de
domingo, sua tosse ganhou vida própria.
— Você está doente — digo a ele da porta de seu escritório.
Ele está de pé atrás de sua mesa em um conjunto diferente de
moletom do dia anterior. Estes são cinza e sua camisa é branca. As
sombras sob seus olhos estão mais escuras do que ontem. Aposto
que ele não dormiu nem um pouco.
— É alergia— diz ele, concentrando-se em alguns papéis.
— Alergia. Certo.
— Eu não fico doente — ele me diz com insistência.
Eu quase rio. Em vez disso, eu simplesmente me afasto.
Algumas horas depois, passo pela porta do escritório novamente
para encontrá-lo recostado na cadeira, esfregando os olhos
fechados. Ele parece ter a pior dor de cabeça do mundo.
— Alergia, hein?
Seus olhos se abrem e ele olha para onde eu estou, braços
cruzados, ombro encostado no batente da porta.
Ele se inclina para a frente na cadeira e tenta voltar ao trabalho.
— Sim. Provavelmente há algo soprando para dentro enquanto
falamos. Bétula. Cedro. — Ele acena com as mãos como se dissesse
etc. etc etc.
— Sim, ou talvez seja o resfriado comum.
— Você vai ficar aí o dia todo e zombar de mim?
Eu murmuro como se estivesse considerando isso, então eu o
deixo com isso.
A tosse só piora e logo é acompanhada por um caso
deliciosamente irritante de resfriados.
Por volta das 15:00, largo meus pastéis, lavo as mãos e saio do
apartamento para o mercado. Eu colho muitos vegetais frescos, bem
como todos os outros ingredientes para sopa de macarrão de
galinha caseira. No momento em que eu volto, Walt está de cabeça
baixa em sua mesa.
Eu não aguento mais.
Eu entro e cutuco ele nas costas.
— Vamos. Vamos.
— Deixe-me. — diz ele, sentando-se. — Estou bem.
Aponto para a montanha de lenços de papel no lixo.
— Não. Você não está.
Então eu giro sua cadeira e pressiono minha palma em sua testa.
Como esperado, está muito quente.
— Você está queimando.
Seus olhos castanhos me encaram e, pela primeira vez na vida,
ele não me intimida. Na verdade, ele parece mais um cachorrinho
triste no momento do que um homem cruel de negócios.
— Eu fico quente. — diz ele, na tentativa de afastar minhas
suspeitas sobre sua febre.
— Uh-huh. Que maravilha médica você deve ser. Agora vamos.
— Aceno para ele se levantar da cadeira e, quando ele não o faz,
bato em sua canela com o dedo do pé. — Não me faça tentar
levantá-lo. Vou jogar minhas costas para fora e então nós dois
iremos gemer e gemer.
— Eu não tenho gemido.
— Oh, por favor! Você deveria se ouvir. É como se você estivesse
em seu leito de morte.
Homens. Sério.
Com um suspiro, ele se levanta e eu o empurro em direção à sala
grande. Já tenho uma boa configuração com um cobertor e um
travesseiro.
Ele se deita, parece um pouco confuso, então se vira para cheirar
o travesseiro sob sua cabeça.
Ele olha para mim, quase maravilhado.
— Este é o seu travesseiro.
Eu franzo a testa.
— Sim. Eu não queria entrar no seu quarto, mas posso ir buscar o
seu se você...
— Não — ele diz, me cortando com um tom que é quase áspero.
— Ah... certo. Então, fique aí deitado e assista TV enquanto eu
preparo uma sopa para você.
— Que tipo?
— Macarrão de frango — eu grito de volta enquanto me afasto.
Não demora muito. Eu corto tudo, jogo na panela e deixo ferver
enquanto corto uma baguete crocante. Enquanto a sopa continua
cozinhando, vou em busca de remédios para Walt. Ele está
cochilando no sofá, então eu não o acordo. Eu acho que ele não se
importará com a pequena invasão de privacidade se for para o seu
próprio bem. No limiar de seu quarto, eu vacilo como se estivesse
prestes a violar algum tipo de lei. Isso é bobo. Eu entro e olho para
sua cama desarrumada. Os lençóis parecem decadentemente
macios. Seu travesseiro ainda tem a marca de sua cabeça. Eu inalo, e
meu peito se enche com o cheiro de Walt. Eu amo isso. É como se a
sala estivesse saturada dele.
Uma tosse vem da grande sala, me estimulando a entrar em
ação. Eu me curvo em torno de sua cama e entro em seu banheiro -
apenas momentaneamente surpreendida pelo tamanho da maldita
coisa. Já estive aqui antes, durante a visita ao apartamento com
Rebecca, mas tinha esquecido como é bom. É dessa banheira de
imersão que são feitos os sonhos.
Lembrando-me de minha missão, vou até o armário de remédios
perto da sua pia.
A primeira coisa que vejo quando abro é uma caixa de
preservativos. Eles estão bem no nível dos olhos e são impossíveis
de perder.
Eu coro como uma colegial e os movo de lado.
Claro que Walt teria preservativos, digo a mim mesma. Qual é o
problema?
O grande negócio. Grande negócio. Grande.
Ok, continuando.
Abano meu rosto enquanto procuro algum remédio para aliviar
sua febre. Assim que encontro uma cartela de Tylenol, fecho o
armário e saio correndo.
Ele está exatamente onde eu o deixei no sofá, só que agora
acordado.
— Por que está tão vermelha? — Ele pergunta enquanto eu
retiro dois comprimidos e os passo para ele junto com sua água.
— Eu não estou.
Ele engole os comprimidos e me olha com olhos perspicazes.
— Suas bochechas estão vermelhas. Você também não está se
sentindo bem?
— Estou bem. Juro. A sopa deve estar pronta em um minuto —
eu prometo no meu caminho de volta para a cozinha.
Depois de ventilar meu rosto com a porta do freezer, encho uma
tigela de sopa e a coloco em uma bandeja junto com algumas fatias
de baguete. Walt se senta enquanto eu levo sua comida para a sala
grande. Coloco tudo na mesa de centro e ele olha com atenção, mas
não faz nenhum movimento para pegar a colher.
O vapor sobe da sopa. Talvez ele esteja preocupado que esteja
muito quente.
— Espere um segundo e ela esfriará.
Ainda assim, ele não diz nada.
— Você não está com fome? Você deve se obrigar a comer pelo
menos algumas mordidas. Você vai começar a se sentir pior se não
comer.
— Obrigado. — diz ele, parecendo tão profundamente sincero
que me deixa desconfortável.
— Oh. — Eu afasto sua gratidão, tentando diminuir o que fiz. —
Não é nada. Literalmente apenas joguei algumas coisas em uma
panela e deixei ferver.
Eu dou um passo para trás para deixá-lo fazer isso, mas ele
franze a testa.
— Fique. Você não quer?
— Por quê?
Ele encolhe os ombros.
— Há algo sobre estar sozinho quando você está doente.
Eu aceno, sabendo o que ele quis dizer.
— Tudo bem. Deixe-me pegar um pouco de sopa para mim e já
volto.
Comemos sentados lado a lado no sofá, mudando os canais de
TV.
— O que você gosta de assistir? — Pergunto-lhe.
— Eu não assisto muita TV. Eu gosto de documentários policiais.
— Ah, eu também. Há um novo no Netflix que pretendo assistir.
Vamos começar.
Não saímos daquele sofá o resto da noite. Devoramos episódio
após episódio da série, seguindo o mistério como detetives astutos,
afirmando ter resolvido o caso apenas para sermos chocados por
alguma reviravolta inesperada.
— Só mais um. — Walt diz depois que outro episódio termina.
— Vou fazer pipoca. Quer um pouco?
Ele balança a cabeça e se move para se deitar. Quando eu volto,
ele está ocupando a maior parte do sofá.
— Você está falando sério?
— Estou doente. — Ele aponta, parecendo bobo e infantil.
— Pelo menos troque de lugar para que eu pegue sua cabeça e
não seus pés. Por Deus.
Ele faz o que eu peço, mudando o travesseiro para que fique
bem perto do meu quadril. Ele se deita e eu me acomodo de volta
no meu lugar com minhas pernas cruzadas e minha pipoca
descansando no meu colo.
— Pronto? — Eu pergunto a ele, pegando o controle remoto.
— Pronto.
Aperto o play e começo a comer meu lanche. Trinta minutos de
episódio, eu olho para encontrar Walt deitado de lado com os olhos
fechados. Não tenho certeza de quando ele cochilou. Francamente,
estou surpresa que ele tenha durado tanto. Eu faço uma pausa no
show e coloco minha pipoca de lado. Estou prestes a me levantar
quando sua mão se estende para tocar minha coxa. Seu aperto é
suave, sua maneira de me pedir para ficar, eu acho. Eu congelo
exatamente onde estou e sua mão não se move de onde está, logo
acima do meu joelho. Ele se agarra a mim enquanto sua respiração
se acalma. Ele está dormindo de novo agora, seus lábios
ligeiramente entreabertos, seu rosto tão tranquilo como eu nunca vi.
Eu sigo sua sobrancelha cheia com o meu olhar, descendo ao longo
de sua bochecha e lábios. Eu o bebo com acesso irrestrito, surpresa
com o quão indulgente é estudá-lo sem seu conhecimento.
Depois de um tempo, considero me levantar, mas então me
lembro de como ele parecia miserável antes, de como ele devia estar
cansado, e fico exatamente onde estou, deixando-o me usar como
uma criança usaria um peluchinho. Eu deixo minha cabeça
descansar no encosto do sofá e fecho meus olhos. É a última coisa
que me lembro de fazer até que a sensação de ser levantada me
desperte.
Walt me tem em seus braços enquanto descemos o corredor.
— Você está doente. — Eu o repreendo.
— Não tão doente.
— Poderia ter me enganado com todos aqueles gemidos
anteriores. — Tento me libertar. — Agora me coloque no chão.
— Está tarde. Pare de argumentar.
Eu paro de me contorcer, mas continuo discutindo, no entanto.
— Você descobrirá que posso ser difícil a qualquer hora do dia.
— Sim. Estou aprendendo isso.
— Isso é algum tipo de coisa machista? Me carregar?
— Achei um gesto simpático.
Na porta do meu quarto, ele hesita, olha para o corredor e
depois volta a olhar para o meu quarto.
— O que? — Eu pergunto.
— Nada — diz ele com um aceno de cabeça.
Ele entra e me deposita levemente na minha cama. Eu fico
olhando para ele enquanto ele paira sobre mim, iluminado apenas
com a luz da lua. Seus olhos escuros parecem precisar perguntar
algo, e eu sou paciente, em silêncio. Esperar prova ser infrutífero
quando ele finalmente suspira.
— Obrigado pela sopa. — Ele diz, olhando brevemente para os
meus lábios antes de desviar o olhar.
— Obrigada pela carona.
Ele sorri e se afasta.
Eu o vejo sair do meu quarto e gostaria que ainda estivéssemos
de volta ao sofá.
DEZENOVE
No dia seguinte, estou na biblioteca, passando verniz
delicadamente em uma de minhas telas, quando recebo um
telefonema. Minha mãe e minha irmã estão vindo para a cidade. É
uma coisa de última hora. Elas já estão no carro, vindo de
Connecticut.
— A Saks está tendo sua liquidação semestral. — é o motivo
oficial que minha mãe me deu assim que me colocaram no viva-voz.
Não há menção do fato de que não nos vemos há quase um ano.
— Você vai fazer compras com a gente. — diz minha mãe.
— Gostaria de poder, mas tenho muito trabalho a fazer. —
Argumento, provando isso (até para mim mesma) colocando o
telefone entre meu ombro e orelha para que eu possa continuar
espalhando verniz sobre as camadas de pastel, carvão e tinta.
— Lizzie ainda está fazendo sua arte? — Charlotte pergunta a
minha mãe como uma pessoa claramente ouvida à parte.
— Sim. Eu ainda estou fazendo minha arte. — Eu respondo, antes
de tentar e falhar em não cerrar os dentes em aborrecimento.
— Bem, você não pode fazer isso tipo... para sempre? —
Charlotte ri. — Não é como se você tivesse um chefe.
— Eu ainda tenho prazos. Na verdade, estou tentando montar
uma série para...
— Mãe, olha! Marissa já está lá e está postando em seu Instastory.
Ela está experimentando as calças da Gucci que eu quero. Eu
literalmente contei a ela sobre isso e agora ela está comprando.
— Eu não posso olhar enquanto estou dirigindo, Charlotte.
— Sim, aqui. Vou segurar o telefone sobre o volante.
— Oh, esses são fofos. — Um carro buzina ao fundo e me
pergunto se minha mãe por pouco não sofreu um acidente de carro.
— Não me surpreende se eles já estiverem esgotados quando
chegarmos lá.
— Eu sei. — Charlotte parece sem esperança. — Nós realmente
deveríamos estar na estrada há uma hora.
— Elizabeth, querida — minha mãe diz — você vai ter que nos
encontrar na Saks. Não teremos tempo de passar por aqui e buscá-la
com antecedência.
Vou ranger os dentes até o fim quando este telefonema
terminar.
— Como eu disse, eu realmente não posso fazer isso hoje.
— Deixe de ser tola. Eu gostaria de te ver. Charlotte gostaria de
ver você.
Charlotte não confirma isso.
— Tire algumas horas de folga do que quer que esteja
acontecendo e nos encontre na Saks. — Minha mãe insiste.
Não sei por que não posso manter minhas armas onde elas estão
envolvidas. Uma parte de mim quer se dobrar e declarar
sucintamente que gostaria de poder me juntar, mas não posso.
Infelizmente, não consigo fazer minha boca formar essas
palavras. Em vez disso, tomo banho e me arrumo, vestindo uma
calça jeans escura e uma blusa branca camponesa. Adiciono meus
Doc Martens porque adoro o contraste entre o top feminino e a bota
robusta. Como esperado, minha mãe absolutamente odeia a
combinação.
— Uma sapatilha delicada teria servido bem. — é a primeira
coisa que sai de sua boca quando me vê na Saks.
Aceito seu abraço e ignoro sua saudação, percebendo, de
repente, que realmente há um bom motivo para eu estar aqui hoje.
Minha irmã e minha mãe parecem ter esquecido a situação em
que se encontram. Caixas de sapatos estão espalhadas pelo chão ao
redor delas. Minha irmã está experimentando um par de saltos
Valentino em vez de vasculhar a lata de pechinchas.
— Tem certeza de que é uma boa ideia comprar a liquidação este
ano? — Eu pergunto à minha mãe, com cuidado para manter minha
voz baixa. Uma boa parte de seu círculo de amigos provavelmente
veio aqui para fazer compras também, e não é minha intenção
envergonhá-la.
— Querida, relaxe. — Minha mãe diz com um tapinha no meu
braço.
— Você não vai vir e me dar um abraço? — Charlotte diz, sem se
preocupar em se levantar.
— Não consigo realmente chegar até você. — Digo, apontando
para a montanha de caixas.
É uma boa desculpa, considerando que não quero dar um abraço
nela. Ainda não superei completamente o fato de que ela mentiu
sobre fugir com o motorista. Obviamente, sou a única que acha que
ela merece experimentar algum tipo de consequência em sua vida.
É óbvio que ela e minha mãe estão de volta em bons termos, como
se nada tivesse acontecido. Elas sempre foram companheiras assim,
muito parecidas para o seu próprio bem.
Minha irmã se levanta para que ela possa se ver no espelho de
corpo inteiro montado ali perto.
— Essas sandálias são de morrer, Charlotte. — Minha mãe diz
com um pequeno suspiro.
— Não são? Veja quão grandes elas fazem minhas pernas.
— Eu acho que eles são obrigatórios. — Minha mãe diz com um
aceno de cabeça afiado.
Eu me curvo para pegar a caixa e viro para verificar o preço. Eu
quase engulo minha língua.
— Como você vai pagar por isso, Charlotte? — Eu pergunto,
mostrando a ela a etiqueta apenas no caso de ela não ter visto ela
mesma. Mesmo com saldos, eles são extremamente caros.
Ela se estica e arranca a caixa das minhas mãos com um rolar de
olhos.
— Se eu soubesse que você seria tão deprimente, não teria
deixado a mamãe convidá-la.
Minha mãe me lança um olhar severo.
— Elizabeth. Fique tranquila, não esqueci nossa situação. É tudo
o que penso, então, por favor, me perdoe se eu quero ter um dia em
que finjo que tudo está normal.
Não tenho uma resposta para isso porque me sinto mal por ela
em algum nível. Tenho certeza de que o dia a dia dela não é nada
comparado ao que era, e talvez não haja mal nenhum em
experimentar roupas e sapatos e fingir que não há nada de errado.
Só por um dia.
Tiro algumas caixas de sapatos de uma das cadeiras e me sento.
É óbvio que agora não é a hora de discutir com Charlotte sobre sua
mentira, então tento fazer, se não exatamente uma cara feliz, pelo
menos uma expressão moderadamente agradável.
Depois de uma hora, passamos do departamento de calçados
para as roupas de grife. Como eu realmente não tenho nenhum
interesse em comprar a liquidação, sou designada como a pessoa
“Aqui, segure esta”. Meus braços estão carregados de camisas, jeans
e vestidos enquanto as duas abrem caminho pelas prateleiras de
roupas em tempo recorde.
De vez em quando, dou uma olhada em uma etiqueta de preço e
tento não ofegar audivelmente com o quão escandalosamente caro
tudo é. Três mil dólares por uma jaqueta. Outros mil para calças de
moletom glorificadas. Fico dizendo a mim mesma que elas estão
apenas experimentando coisas, pensando nessa ilusão porque não
quero continuar chovendo em seu desfile.
— Senhorita, gostaria que eu pegasse isso de você? Desculpe,
estamos completamente lotados hoje. — Uma vendedora me disse
enquanto se estica para pegar tudo em meus braços.
— Ah, com certeza. Sim. Obrigado.
— Qual o seu nome? Posso abrir um camarim para você.
— Nossos itens estão todos misturados lá. — Minha mãe diz a
ela.
A vendedora sorri.
— Isso é bom. Por que não coloco vocês em um grande camarim
e vocês podem entrar juntas?
— Perfeito. — Charlotte diz com alegria.
Esta é realmente sua ideia do melhor dia de todos.
O buraco no meu estômago cresce mais quanto mais tempo eu
fico na loja. Minha ilusão cuidadosamente elaborada começa a
rachar e rachar cada vez que minha mãe ou Charlotte concordam
que algo é uma “compra obrigatória”.
Tento, em vão, mais uma vez lembrá-las da realidade.
— Mãe, você tem roupas suficientes. Sério, você realmente
precisa de outra jaqueta?
Com isso, algo se encaixa nela.
— Chega, Elizabeth!
Eu pulo de surpresa quando o calor inunda minhas bochechas.
Minha mãe geralmente não levanta a voz. Ela está acostumada a
conseguir o que quer com a culpa, então ela gritar abertamente
comigo... bem, isso me choca o suficiente para fechar meus lábios
daquele ponto em diante.
Eu sigo atrás delas enquanto elas verificam tudo, desviando o
olhar do caixa, sem me importar mais com o que elas decidem
gastar em suas compras.
— Agora, vamos ver seu apartamento. — Minha mãe me diz
quando estamos na calçada novamente, carregadas de sacolas
pesadas de compras.
Ela se vira para mim, toda sorrisos agora que está no auge do
consumismo.
Eu paro no meio do caminho, usando uma expressão de cervo
nos faróis.
— O que?
— Sim. — Ela acena com a cabeça. — Vamos ver sua casa. Estou
exausta de ficar em pé o dia todo. Podemos pedir o jantar e relaxar
um pouco antes de voltar para casa.
— Oh, isso não... você não quer vencer o trânsito?
— Eu não me importo. Não te vejo há séculos e prefiro não
correr para casa.
Oh, agora ela de repente quer passar um tempo de qualidade
comigo.
O manobrista para no meio-fio com seu Range Rover antes de
nos ajudar a colocar suas sacolas de compras no porta-malas.
Charlotte ocupa o banco da frente, então eu deslizo para trás
depois de hesitar no meio-fio. Então minha mãe se vira e me olha
com expectativa.
— Você não disse que sua casa é em Tribeca? Charlotte, puxe o
endereço no Google Maps para que possamos encontrar a rota mais
rápida.
— Mãe, eu só... eu realmente preciso voltar ao trabalho. — Eu
digo, ainda tentando evitar o inevitável.
— Não vamos demorar muito! Só um minuto.
Além de dizer não abertamente, fico sem escolha.
A única graça salvadora é que Walt não estará em casa. Mesmo
doente, ele já havia saído do apartamento quando acordei esta
manhã. Eu não esperava nada menos dele, considerando que é um
dia de trabalho. Tenho certeza de que ele tomou banho, tomou um
pouco de Tylenol e continuou com sua vida como se estivesse bem.
— Elizabeth? — minha mãe pergunta, me cutucando.
Posso dizer que a paciência dela se esgotou, então, com um
suspiro resignado, digo que ela não precisa mapear.
— Posso apenas dizer como chegar lá.
No caminho, tento encontrar pelo menos um motivo plausível
para ter dinheiro para morar no apartamento de Walt sozinha. Não
há maneira possível. É obscenamente bom, um edifício destinado
apenas ao alto escalão dos nova-iorquinos ricos. Além de ser um
bilionário enrustido, não consigo nada.
Quando chegamos ao endereço e eu os direciono para o lado do
estacionamento, Charlotte olha para trás com uma carranca
confusa.
— Por que você nos trouxe aqui?
— É aqui que estou morando.
Seu queixo cai.
— O que você quer dizer? Você vive aqui? Neste edifício?
Eu concordo.
Pela primeira vez no dia, minha mãe e minha irmã estão sem
palavras. Nós pegamos o elevador até o 35 ° andar e, em seguida,
saímos para o apartamento de Walt.
Ambas somaram dois e dois com rapidez suficiente. Mesmo que
Walt não seja o tipo que tem um punhado de fotos pessoais
penduradas nas paredes, está claro em qual apartamento estamos.
Ele é a única pessoa na minha vida que poderia viver em um lugar
como este.
— Você está morando com Walt? — minha mãe diz, mais um
fato do que uma pergunta.
Ainda assim, eu aceno em confirmação.
Minha irmã ri para si mesma enquanto continua pelo corredor,
indo na direção da sala grande.
— Você está brincando? Este é o maldito apartamento dele? Se
eu soubesse...
Sua frase diminui e meu estômago se aperta com desconforto.
Se ela soubesse, ela teria concordado em se casar com ele?
Eu me sinto mal com o pensamento.
— Sim, então agora você pode ver por que eu estava hesitante
em trazer vocês duas de volta aqui. Não tenho certeza se tenho ou
não permissão para receber convidados. Não é meu apartamento.
— Nós não somos convidados, Elizabeth. Somos da família.
Além disso, eu conheço Walt. — Charlotte segue em um aceno
despreocupado. — Ele não vai se importar que eu esteja aqui.
O que diabos isso significa?
Minha mãe não se sente em casa tão rápido quanto Charlotte.
Ela junta as mãos e caminha suavemente pelo corredor, parando
para admirar a obra de arte ao longo do caminho. Eu a alcanço
enquanto ela está na frente de um busto de mármore de Apolo que
repousa sobre um pedestal. Não tenho dúvidas de que é original.
— Ele é um colecionador ávido. — Digo a ela com orgulho.
— Parece que sim. — Minha mãe diz com um tom de apreciação.
— Você pode ver toda Nova York daqui de cima. — diz minha
irmã de seu poleiro perto das janelas da sala grande.
Em vez de me juntar a ela, pergunto se gostariam de comer ou
beber alguma coisa. As duas concordam que precisam de um
lanche, então vou para a cozinha e começo a remexer na geladeira.
As governantas devem ter vindo hoje e abastecido com comida. Há
mais do que suficiente para escolher. Pego algumas frutas frescas
que já foram cortadas, vegetais, queijo e um pouco de húmus para
que eu possa fazer um prato para todos nós compartilharmos. Estou
na metade de cortar o queijo quando ouço o elevador chegar.
Eu congelo e viro minha cabeça para a esquerda, me
perguntando se talvez minha irmã ou mãe deixaram o apartamento
sem que eu percebesse e agora elas estão voltando. Eu olho para o
relógio e presumo que seja muito cedo para Walt estar em casa. São
apenas 16:30, mas então ouço a voz da minha irmã quando ela
chama.
— Walt!
Eu a imagino dando a ele um sorriso brilhante enquanto ela
corre para cumprimentá-lo.
— Charlotte. Julianne. Eu não esperava ver vocês duas aqui.
— Desculpe pela intrusão. — Minha mãe diz — Viemos para a
cidade para ver Elizabeth.
Há um indício de verdade em algum lugar, suponho.
— Eu não me importo. — Ele diz, soando como se ele realmente
quisesse dizer isso. — Desculpe, estou superando um resfriado,
então não vou abraçá-las.
Charlotte ri.
— Não seja bobo. Eu não me importo.
Meus olhos querem tanto rolar.
— Onde está Elizabeth? — ele pergunta.
— Na cozinha, fazendo algum lanchinho, eu acho. — Charlotte
diz.
— Certo. Deixe-me ver se ela precisa de ajuda.
Rapidamente, coloco minha faca na bancada e arrumo meu
cabelo. Prendo um sorriso hesitante quando ele vira a esquina. Sua
presença é tão fascinante quanto um soco no estômago. Se eu não
tivesse visto o quão doente ele estava ontem, eu nunca suspeitaria
que ele estivesse doente. Ele está vestindo um terno preto e gravata.
Seu queixo está bem barbeado, seu cabelo penteado com um toque
de pomada. Ele caminha em minha direção e meu corpo vibra com
antecipação.
Estou esperando algo - me sentindo animada, até - conforme ele
se aproxima. Ele parece sentir exatamente o mesmo até que de
repente para a alguns metros de mim e sorri com força. Sua mão
fecha os punhos suavemente e então ele a balança sobre o balcão.
— Olá.
— Oi. — Eu digo timidamente. — Se sentindo melhor?
Ele faz uma careta e esfrega a nuca.
— Como caminhar sobre a morte, na verdade.
— Mas você foi trabalhar?
Ele encolhe os ombros como se estivesse parcialmente
envergonhado.
— Eu realmente não fico doente.
— Posso pegar alguma coisa para você? Eu poderia esquentar
aquela sopa da noite passada? Há algumas sobras.
— Está tudo bem.
Dou um passo em direção a ele e estendo minha mão,
percebendo um momento tarde demais que minha intenção era dar
conforto. Já que isso não é algo que fazemos, eu coloco minha mão
em volta do meu estômago.
— Sinto muito. — Eu digo, baixando minha voz com cuidado. —
Eu não sabia que elas estavam vindo para a cidade hoje. Se eu
soubesse, teria bolado um plano melhor. Não era minha intenção
que elas invadissem seu espaço.
— Eu não me importo.
— Elas não vão ficar muito tempo.
Ele balança a cabeça.
— Honestamente, eu não me importo.
— Elizabeth? — minha irmã pergunta. — Você precisa de ajuda?
— Não! — Eu digo de volta. — Vai demorar apenas um minuto.
— Tudo bem então. — Ela mergulha a cabeça na cozinha e sorri
docemente. — Walt, eu amaria uma turnê pelo seu apartamento.
VINTE
Poucas horas depois, encontro-me na mesa de jantar de Walt
sentada durante o jantar mais estranho do mundo. Há uma camada
de tensão em torno de nós que todos parecem ansiosos demais para
ignorar. Em minha defesa, não foi minha ideia que minha mãe e
minha irmã ficassem tanto tempo. Walt insistiu em pedir o jantar de
um restaurante italiano na mesma rua, então aqui estou eu, com um
prato cheio de salada, risoto de cogumelos e pão focaccia fresco -
tudo intocado.
Minha mãe se senta ao meu lado, torcendo o guardanapo no
colo. Eu sei que isso deve ser incrivelmente difícil para ela. Duvido
que ela esteja feliz por estar sentada no apartamento de Walt,
comendo uma refeição com ele. O fato de Walt ser o conservador da
confiança conjunta de nossas famílias significa que ele efetivamente
segura os cordões da bolsa dela, e apenas algumas semanas atrás ela
estava me implorando para que ele aumentasse seu desembolso
mensal. Agora, aqui está ela com um sorriso tenso, ouvindo
qualquer história que Charlotte está contando.
Essa é a outra fonte de estranheza sobre toda esta noite.
Charlotte se agarrou a Walt da mesma forma que se agarrou àquelas
calças Gucci na Saks. Ela não parou de falar com ele desde que ele
chegou em casa. Mais cedo, pulei o tour pelo apartamento para
terminar com os lanches na cozinha. Não adiantou muito. Mesmo lá
eu estava a par da minha irmã fazendo ooh e aah de vários quartos,
jorrando sobre a casa de Walt.
Eu queria engasgar com seu entusiasmo. Agora é ainda pior.
Quando o jantar chegou e nós carregamos nossos pratos, ela se
agarrou a Walt, insistindo que ele se sentasse ao lado dela para que
ela pudesse continuar a escolher seus restaurantes favoritos em
Nova York.
— Esta comida é incrível. Como você descobriu este lugar? — ela
pergunta.
— É só virar a esquina. Eu passo por ele o tempo todo.
Ela engole cada mordida como se nunca tivesse comido um
maldito pão na vida.
— Esta lasanha é de morrer. — diz ela, praticamente tendo um
orgasmo na hora.
Para ser justa, provavelmente é exatamente isso o que está
acontecendo, já que ela renuncia aos carboidratos na maioria das
vezes.
Ela dá outra mordida, em seguida, estende a mão para tocar o
antebraço de Walt, ressaltando seu entusiasmo. Meus olhos travam
em sua mão como se eu estivesse tentando aproveitar uma visão de
laser anteriormente inexplorada. Quando percebo o quão dura é a
minha expressão, pisco e olho para longe, tentando ignorá-la.
Fica cada vez mais difícil à medida que o jantar avança.
Eu nunca vi Charlotte assim, tão sem vergonha de deixar suas
intenções claras. Normalmente, ela está tão ansiosa para que os
homens a persigam que gosta de se sentar e fazê-los suar. Agora,
porém, ela está em cima de Walt, dominando a conversa, inclinando
seu corpo em direção a ele como se minha mãe e eu nem
estivéssemos presentes.
Walt está sentado à minha frente, quieto, mas atencioso.
De alguma forma, sua polidez só me enfurece mais. Eu quero
que ele rejeite seus avanços. Afaste a mão dela. Deixe claro que ele
não está interessado.
Finalmente, há uma pausa na conversa porque Charlotte está
mastigando a comida e Walt olha para minha mãe.
— O que trouxe vocês duas para a cidade hoje? Você disse?
Charlotte corre para terminar de mastigar.
— Não podíamos recusar a venda-
— A oportunidade de ver Elizabeth. — Minha mãe interrompe,
com um sorriso doce como mel.
Eu quase bufo, mas reprimo o desejo no último momento. Walt
me lança um olhar curioso, mas eu olho para minha comida,
preocupada que se ele der uma boa olhada em mim, ele saberá que
algo está errado.
— E você conseguiu explorar a cidade? — ele pergunta.
Sim, nós exploramos todos os três níveis da Saks Fifth Avenue.
Claro, eu não digo isso. Não é minha função delatar minha mãe
e Charlotte. Posso não concordar com as escolhas delas, mas
também não acho que seja necessário correr até Walt e tagarelar
sobre elas.
Minha mãe olha para sua comida.
— Oh, não tanto quanto eu gostaria. Talvez da próxima vez que
visitarmos possamos ir a uma peça da Broadway ou algo divertido
assim.
Charlotte está tonta com a perspectiva.
— Sim! Por favor. Walt, você iria conosco, não é?
— Ele está ocupado, Charlotte. — Digo, percebendo que é a
primeira vez que falo durante todo o jantar.
Três pares de olhos olham para mim como se agora percebessem
que estou presente. Eu coro e pego minha taça de vinho.
— Ai. Meu. Deus. — Charlotte explode de repente, olhando para
a minha mão. — Como eu não reparei no seu anel mais cedo? Isso é
real? Não pode ser!
Eu paro com meu copo a meio caminho da minha boca e olho
para a pedra preciosa enquanto ela cintila sob a luz do lustre. Está
tão bonita como sempre.
— É apenas um empréstimo de Walt. — Eu digo timidamente.
— Sabe... para as pessoas acreditarem em toda essa coisa de
casamento.
Ele franze a testa, mas não me contradiz na frente deles.
— Dê aqui. Nossa, deixe-me ver isso.
Estendo minha mão para ela e, em vez de olhar para o anel em
meu dedo, ela o puxa e o segura contra a luz.
O diamante cintila em seu olhar, fazendo-a parecer uma ladra
de desenho animado.
Então, para meu horror, ela desliza em seu dedo anelar e levanta
para nós vermos, indo ao ponto de lançar uma piscadela na direção
de Walt.
— Eai? Muito bom, né? Isso poderia ter sido nós, Walt.
Parece que o chão está caindo debaixo de mim.
Não tenho certeza de como caímos nessa circunstância, esse
flerte ridículo entre minha irmã e meu marido fingido, mas uma
coisa é muito clara para mim: quero que pare. A noite toda, senti-
me territorial em relação a Walt. Meu corpo tem reagido como se
meu casamento com ele fosse real, como se minha irmã estivesse
flertando com o homem que eu realmente amo. Minha mão dói
com o desejo de estender a mão e pegar meu anel de volta dela,
para dizer que ela teve sua chance e ela a desperdiçou.
— Posso dar uma olhada? — minha mãe pergunta.
— Em um minuto. — Charlotte diz, ainda admirando meu anel
em seu dedo.
Tento continuar comendo, mas meu risoto se transforma em
uma bolha pegajosa na minha boca. Eu forço minha mordida, e em
seguida, coloco meu garfo na borda do meu prato.
— Não tenho certeza se entendi o que está acontecendo aqui. —
diz minha mãe, olhando entre mim e Walt. — Por que era
necessário que Elizabeth tivesse um anel? Por que ela está morando
aqui? Achei que o casamento era simplesmente por motivos legais
relativos ao trust.
— Sim, e então percebi que seria quase impossível manter nosso
casamento em segredo. — Responde Walt, parecendo objetivo. —
Portanto, concordamos em fazer um anúncio no The Times e torná-
lo oficial.
— Oh! Portanto, o anel é apenas para exibição! — Charlotte diz
com um ataque de risos. — Eu amo isso! Tão secreto. Tão engraçado.
Eu teria adorado jogar junto se soubesse que não seria apenas um
contrato chato.
— Sim, bem, você não fez. Você mentiu.
Minha resposta silenciou a mesa. Mais uma vez, os olhares voam
para mim e, desta vez, não recuo.
As belas feições de Charlotte se contorcem em confusão.
— O que?
Eu a encaro diretamente nos olhos.
— Eu não posso sentar aqui e ouvir você fazer pouco caso de
tudo o que você fez, Charlotte. Quando sua família precisou de
você, você mentiu e alegou que estava apaixonada, e eu acreditei.
Eu queria que você fosse feliz, mas você não deu a mínima para a
minha felicidade. Para você, tudo isso é um grande jogo. Em vez de
ajudar, você fugiu e fez o que queria, sem se preocupar com sua
família. Eu tive que me esforçar e fazer a coisa certa. Eu tive que me
casar com um quase estranho, e nenhum de vocês deu a mínima. —
Eu me viro para minha mãe agora, tentando lutar contra as lágrimas
de raiva. — Você me forçou a fazer isso.
— Eu não fiz isso. — Argumenta minha mãe com altivez.
Jogo o guardanapo no prato.
— Você está de brincadeira? A culpa que você jogou em mim? O
fato de você e papai terem se colocado nessa posição em primeiro
lugar? Você ia perder tudo se não fosse por mim. Eu não tive
escolha. Vocês garantiram isso.
— Sim, bem. Dificilmente é um sacrifício. — Charlotte ri,
interpretando mal meu tom.
— Eu me casei com um homem que mal conhecia, Charlotte!
— Sim, e daí? Agora você está morando em uma cobertura
palaciana e usando anéis de diamante. Dá um tempo. — Ela retruca,
jogando meu anel de volta para mim. Ele tilinta no meu prato de
jantar, rola e depois se acomoda com um squish dentro do meu
risoto.
Walt põe-se de pé, raspando a cadeira no chão.
— Acho que devemos terminar a noite.
— Eu não poderia concordar mais. — Charlotte diz, se
levantando ao lado dele como se eles fossem uma equipe. —
Desculpe, minha irmã é uma pirralha.
— Charlotte. — Minha mãe sibila.
— O que? Você está brincando comigo? Você vai apenas deixá-la
falar assim conosco? — ela pergunta, apontando para mim. — O dia
todo na Saks ela era uma Debbie Downer, apontando cada etiqueta
de preço exagerada. Deus, eu não posso mais ouvir isso.
O sentimento é mútuo. Não posso ficar na presença dela por
mais um segundo, nem mesmo o tempo suficiente para vê-los sair.
Eu me levanto, puxo minha cadeira para trás e os deixo lá na sala de
jantar.
Meu quarto acena. A escuridão silenciosa é exatamente o que eu
quero depois de um dia como hoje. Eu fecho a porta atrás de mim,
aperto meus olhos fechados e deixo todas as lágrimas coletadas
caírem.
De uma forma estranha, chorar só me faz sentir pior. Eu não
posso nem mesmo saborear a sensação de deixar ir porque há tantas
emoções entrelaçadas. Parte disso tem a ver com o que Charlotte
disse no jantar. Ela não está errada. De certa forma, meu casamento
com Walt não foi um grande sacrifício. Na verdade. Na verdade,
tenho aproveitado minha vida desde que me casei com ele,
especialmente aqui recentemente. Gosto de estar neste apartamento
com ele. Eu gosto dele. Muito.
Mas isso é quase irrelevante. Meus sentimentos por Walt não
diminuem a raiva que sinto de minha família por me colocar nesta
posição. Minha mãe nunca me perguntou como estou desde o
casamento. Ela não me agradeceu pelo que fiz por ela e por meu
pai. Deus, para não mencionar - acima de tudo - ela nem mudou de
atitude! É como se tudo o que fiz tivesse sido em vão. Ela não liga.
Não enquanto ela continuar recebendo esses cheques todo mês.
Essa verdade parece surgir do nada, como se a pressão dela não
pudesse ser contida por mais um momento. Meus sentimentos em
relação à minha família já se agitaram dentro de mim por muito
tempo, mas tenho tido o cuidado de evitá-los.
Mesmo agora, odeio admitir a verdade.
Eu me afasto da porta e rastejo para cima da minha cama. Eu me
deito e fico de frente para a janela com as mãos debaixo do
travesseiro. Sinto-me pior em vez de melhor depois do meu
comportamento à mesa. Tenho certeza de que todos eles ainda estão
por aí agora, falando sobre mim. Minha mãe provavelmente está se
desculpando em meu nome, envergonhada com minha flagrante
honestidade. Ou, mais provavelmente, ela está se desculpando para
garantir que esses cheques não parem de chegar.
Alguns minutos se passam, e então um punho bate suavemente
na minha porta.
— Você pode entrar. — Eu digo, sem me preocupar em voltar e
ver quem é.
Não é necessário; eu sei que é Walt.
Ele entra em silêncio e se senta atrás de mim na minha cama. O
colchão afunda sob seu peso, e então ele estende o braço sobre meu
quadril e estende algo para mim.
Minha aliança de casamento brilha com a luz que entra pela
janela.
— Eu lavei. — Ele promete.
Porque isso me faz chorar mais é um mistério completo. Eu rolo
para frente e coloco meu rosto no travesseiro, tentando esconder
minhas lágrimas.
Sua mão desliza pela minha espinha e vem embalar meu
pescoço para que ele possa escovar o polegar para frente e para trás,
me confortando. Eventualmente, ele move a mão para o meu
ombro, me rolando suavemente de costas. Não consigo olhar para
ele, mesmo quando ele se inclina sobre mim. Minha atenção está
voltada para o teto.
— Por favor, não chore. — Ele diz, soando como se fosse ele
quem estivesse sofrendo.
— Eu não estou. — Eu minto com uma fungada mal disfarçada.
— Elas se foram agora. — diz ele, pegando minha mão esquerda
para que ele possa deslizar o anel de volta no meu dedo. Eu me
sinto muito melhor com ele de volta no lugar.
Agradeço a ele e espero que ele se levante e vá embora. Ele
cumpriu seu dever e me checou. Não espero que ele demore muito.
Em vez disso, ele fica exatamente onde está, esperando que eu
crie coragem para encontrar seu olhar. Quando eu faço isso, ele
sorri tristemente, suas covinhas quase invisíveis.
— Se ajudar, também não gosto da minha família.
Eu rio e balanço minha cabeça.
— Hum, sério? Então você pode me dizer o que devo fazer
agora?
— Tenho certeza de que tudo vai passar em alguns dias.
Meu estômago aperta com uma raiva passageira.
— E se eu não quiser? E se eu estiver cansada de suas besteiras?
— Então você segue em frente.
Eu pisco para afastar as lágrimas.
— Por que isso te deixa tão triste? — ele pergunta com uma
sobrancelha franzida. — É óbvio o quanto elas machucam você.
Eu aperto minha mandíbula, tentando encontrar uma explicação
melhor do que a verdade.
Walt segura minha bochecha e enxuga minhas lágrimas com a
ponta do polegar. Depois de respirar fundo, eu o encaro bem nos
olhos e explico que, sem minha família, não tenho ninguém.
Ele cantarola em pensamento.
— Bem, então teremos que arranjar um amigo para você.
Não posso deixar de rir do absurdo de sua resposta.
— Vamos colocar um anúncio no jornal. — Continua ele.
— Walt. — Eu gemo, tentando me desvencilhar de seu aperto.
— Tudo bem então, vamos conseguir um cachorrinho para você.
— Estou falando sério.
Estendo a mão para tentar afastá-lo, mas em vez disso, ele agarra
minha mão contra seu peito e a empurra com mais força contra seu
coração para que eu possa sentir sua batida.
— Eu também estou.
Seu olhar me implora para ver a razão.
O clima na sala muda como um click naquele momento, com seu
aperto em minha mão firme e carinhoso.
Eu entendo agora o que ele está tentando me forçar a ver. O que
ele tem muito medo de me dizer.
VINTE E UM
Meus lábios se abrem e a esperança me enche como hélio
enchendo um balão. O ar entre nós está carregado de palavras não
ditas. Meu olhar cai em seus lábios e eu me inclino para frente, fora
do meu travesseiro, meu queixo inclinado ligeiramente. De repente,
tudo parece tão simples. Nós dois juntos.
Se ele não se inclinar, eu vou.
Ou eu iria...
Se eu não me lembrasse de repente da noite em que o beijei na
galeria de entrada, a noite que parecia muito com esta. Ele se
afastou de mim então e sua rejeição ainda dói para pensar, mesmo
agora.
Eu pressiono meus lábios e olho para longe.
Walt percebe minha retirada e me solta, empurrando para ficar
de pé. Ele me diz boa noite em seu caminho para fora da porta e eu
fico olhando para ele no meu quarto escuro, desejando que as coisas
entre nós fossem diferentes.
Desejando.
De manhã, ele é a primeira coisa em que penso. Jogo meus
cobertores de lado e corro para a cozinha, ansiosa para vê-lo. Eu
gostaria de agradecer a ele pela noite passada. Ele foi uma fonte
inesperada de bondade em um dia difícil.
Eu faço meu café da manhã e me sento na ilha, comendo
devagar, os olhos disparando para a porta a cada cinco segundos,
apenas para perceber enquanto eu coloco meus pratos na máquina
de lavar louça que ele já saiu para o dia. Sua xícara de café vazia,
virada de cabeça para baixo na prateleira superior, é a prova.
Também não o vejo naquela noite.
Eu ignoro isso como uma anomalia, mas então outro dia se passa
e ele ainda é uma sombra no apartamento. Só sei que ele está em
casa porque há uma xícara de café diferente na máquina de lavar
quando acordo de manhã. Desta vez, seu iPad também está na ilha
da cozinha. Ele deve estar acordando e saindo para trabalhar ao
amanhecer e ficar lá até tarde da noite. Lembro-me de algo que ele
disse na noite da arrecadação de fundos sobre manter distância e
tentar não invadir meu espaço.
Acho que ele está fazendo isso de novo, e não gosto disso.
Por mais absurdo que pareça, estou começando a sentir falta
dele.
Saudades dele!
Um homem como Walt!
Eu mesma mal acredito.
Eu me forço a trabalhar, é claro. Não tenho outra opção. Eu só
tenho mais três semanas para terminar minha coleção para Nadiya.
Ela me contactou por e-mail para confirmar que eu estava no
caminho certo, e enviei-lhe fotos de algumas peças acabadas.
Felizmente, ela parecia realmente gostar delas, então pelo menos eu
tenho isso a meu favor.
Agora, se ao menos Walt voltasse para casa.
Quanto mais ficamos separados, mais eu percebo que o acordo
entre nós, do jeito que está, não funcionará para sempre. Estamos
jogando um jogo, e é como tentar perdê-lo. Em vez de nos
aproximarmos um do outro a velocidades vertiginosas, estamos
correndo exatamente nas direções opostas. O objetivo é simples:
quem pode evitar admitir seus sentimentos por mais tempo? Quem
pode ficar mais longe?
É o jogo mais enfadonho do mundo. Tão chato na verdade que
estou começando a pensar que posso concordar em terminar,
mesmo se eu perder, mesmo se eu for a única com o coração
partido.
É que a alternativa - esse estado constante de me perguntar o
que poderia acontecer entre nós - está me deixando louca.
Infelizmente, Walt tornou impossível encerrar o jogo porque ele
nunca está em casa.
Sexta-feira de manhã, estou tomando meu café na biblioteca,
examinando uma paleta de cores para uma nova peça quando tenho
a ideia estúpida de levar o almoço para Walt em seu escritório.
O conceito é como um raio, me trazendo à vida. Estou tão
ansiosa que pulo da cadeira e pego minha espátula, apenas para
perceber que ainda são 9:00. Não exatamente na hora do almoço.
Tá bom.
Eu volto ao trabalho - um pouco mais mal-humorada do que
antes - e me forço a ser produtiva até por volta das 11:00, então
corro para o meu armário e folheio as roupas, descartando uma
roupa após a outra sem motivo aparente. Eu nem mesmo preciso
me trocar. As roupas que estou usando são boas, mas ainda assim,
parece que se eu for aparecer no trabalho de Walt, eu deveria estar
usando algo diferente de jeans. Sem mencionar que a primavera
finalmente decidiu mostrar sua cabeça para fora, então eu a abracei
pegando uma camiseta branca justa e macia, combinando com uma
saia curta que é amarrada com um pequeno laço no lado esquerdo.
Como sempre, pego meus Doc Martens e minhas joias.
Aproveito para adicionar cachos suaves ao meu cabelo e aplicar
a maquiagem. Eu gosto da vibração geral que criei. Estou tentando,
sem me esforçar muito. Minha roupa diz: Oh, você existe? Eu tinha
esquecido. Minhas entranhas dizem: Uhhh, você tem certeza que
surpreender Walt é uma boa ideia?
À
Às 12:30, estou fora da porta e indo em direção a um café na rua.
Acho que não consigo comer muito mais do que um simples
sanduíche, então peço isso para nós dois, junto com alguns
acompanhamentos que o dono me fala.
Diomedica fica perto o suficiente do apartamento de Walt para
que eu possa caminhar até lá depois de sair do café. Estou do lado
de fora das portas de vidro cintilantes apenas alguns minutos
depois com nosso almoço na mão.
As portas se abrem e eu entro, então congelo momentaneamente
com a visão na minha frente: segurança.
É como o Fort Knox aqui.
Funcionários se movimentam e se movimentam, entrando e
saindo do almoço. Existem dois pontos de verificação onde os
funcionários que estão entrando podem digitalizar seus crachás e,
em seguida, passar por uma catraca e um segurança.
Eu estou no meio do saguão, bloqueando o tráfego.
Devo me destacar como um polegar ferido, porque uma mulher
que passa tem pena de mim.
— Você está entregando o almoço de alguém? — Ela aponta
para a esquerda. — Você pode ir até a central de ajuda e eles
enviarão para a pessoa certa.
Claro, ok. Eu pareço ser um entregador de comida. Quer dizer,
não estou exatamente vestida para os negócios com minha saia
sedutora. Apesar de tudo, o conselho dela é realmente útil. Depois
de agradecê-la, vou direto para a mesa para explicar minha
situação. Eu sei que poderia simplesmente ligar para Walt e dizer a
ele que estou aqui, mas há uma infinidade de razões pelas quais eu
não quero fazer isso. Na superfície, quero manter minha chegada
uma surpresa. No fundo, estou preocupada que ele não fique
exatamente feliz em me ver. Não nos afastamos tanto do tempo em
que eu só deveria contatá-lo em caso de emergência. Caro senhor,
isso pode ter sido uma má ideia.
— Senhorita? Posso ajudar?
A atendente da central de atendimento chama a minha atenção
depois que eu hesito entre ficar ou ir embora. Eu girei para frente e
para trás em meus pés cerca de meia dúzia de vezes. Tenho certeza
de que pareço estar louca.
— Err... sim. — Pego o saco de papel pardo do café. — Estou
tentando passar isso para o Sr. Jennings.
Desanimada, ela diz:
— Tudo bem, me dê e eu lhe entregarei.
Eu lanço uma espécie de sorriso suplicante, meio torto.
— Existe alguma maneira de eu fazer isso?
Ela ri baixinho como se não pudesse acreditar que eu sequer fiz a
pergunta.
— Desculpe. Ninguém pode entrar, a menos que tenha sido
autorizado.
— É algo com que você poderia me ajudar?
Sua expressão diz que acabei de tornar seu trabalho cem vezes
mais difícil.
— Ele está esperando por você?
Eu me encolho.
— Não exatamente, mas eu o conheço. Eu sou sua esposa, na
verdade.
Uau, dizer isso em voz alta ainda parece estranho. É como se eu
nem mesmo acreditasse, e provavelmente é por isso que ela
também não acredita.
— Posso ver algum documento de identidade? — ela pergunta
com uma sobrancelha levantada.
Ah, merda.
Eu não mudei meu sobrenome. De acordo com minha licença,
ainda sou Elizabeth Brighton.
Eu digo isso a ela, e ela franze a testa.
— Sem uma forma de verificar sua identidade, não posso
simplesmente deixá-la ir. Eu poderia ligar para ele?
Ela começa a levantar o telefone e eu corro para frente,
estendendo minha mão como se fosse bloqueá-la.
— Não, não. Não faça isso. Isso vai estragar a surpresa. Aqui,
deixe-me... — Eu olho ao meu redor, tentando encontrar algo que
possa ajudar. Meus olhos se fixam em um jornal esquecido em uma
área de estar perto das janelas. Eu estalo meus dedos.
— Você pode nos procurar online!
— O que?
— Sim, procure nosso casamento. Existem fotos nossas e tudo
mais.
— Este não é exatamente o protocolo padrão. — diz ela,
apertando os lábios enquanto ativa o computador ao mexer no
mouse.
Eu me encolho.
— Eu sei. Eu odeio pedir que você faça isso. Eu apenas pensei
que seria divertido se eu o surpreendesse.
Ela digita algo no teclado e se inclina para estudar a tela,
olhando dela para mim e de volta para ela.
— Qual é o seu nome?
— Elizabeth Brighton. — Eu digo, antes de soletrar para ela
também.
— Vocês dois se casaram no tribunal?
Eu sorrio.
— Sim. Eu deveria estar usando um vestido com estampa de
chita na foto?
— Bem, definitivamente é você. — diz ela com uma risada e um
aceno de cabeça. — Tudo bem. Entregue sua identidade para que eu
possa digitalizá-la e então pedirei para alguém acompanhá-la.
Poucos minutos depois, estou no elevador, ombro a ombro com
um segurança corpulento. Bem, não exatamente ombro a ombro.
Mais como ombro a quadril. O cara é enorme. Ele tem facilmente
quatro vezes o meu tamanho e só está interessado em fazer o seu
trabalho. Seus olhos estão focados em frente. Seus polegares passam
pelo cinto. Sua boca não está sorrindo. Ele parece não querer falar,
então não o pressiono.
O elevador chega no vigésimo andar e então saímos juntos.
— Por aqui. — diz ele com um aceno de cabeça.
Viramos à esquerda, descendo um pequeno corredor que se abre
para uma grande antecâmara.
Sigo o segurança, um pouco surpresa com a beleza de tudo aqui.
Não há nada da dureza do saguão. Aqui, as paredes são apaineladas
e pintadas de um azul acinzentado brilhante. Cadeiras de couro
macias ficam ao redor de mesas de centro baixas, com lustres de
latão sem acabamento pendurados no alto. Há arte também:
esculturas e pinturas em grande escala. Uma em particular retrata
um navio em águas agitadas. Adoraria dar uma olhada mais de
perto se tivesse tempo.
O segurança acena para mim com impaciência, em direção a
uma mesa posicionada no centro da sala onde uma mulher loira
bonita está sentada, sorrindo para mim. Ela está usando óculos de
água-marinha legais e um fone de ouvido preto. Quando ela o tira,
pega um pequeno aparelho auditivo e o coloca discretamente atrás
de sua orelha. Seus dedos estão cobertos de anéis e seu suéter tem
uma pequena suculenta bordada sobre o coração. É claro que ela
adora plantas. Sua mesa está cheia delas. Uma hera em particular
está começando a cair na perna de sua mesa.
— Obrigada, Ted. — Ela diz, acenando para o segurança.
Ele acena para nós duas antes de voltar para os elevadores.
— Então você é Elizabeth. — A loira diz quando eu me viro para
encará-la, sem fazer nenhuma tentativa de esconder seu olhar
curioso.
Forço um sorriso, embora me sinta um pouco pega de surpresa.
— Ah, hum, desculpe. Eu sou April. — Ela acrescenta com um
sorriso enorme. — Nós conversamos no telefone um tempo atrás?
Sou uma das assistentes de Walt. Eu cuido da mesa.
— April! — Eu digo enquanto as peças se encaixam.
Ela ri.
— Sim.
— Legal. É bom dar uma cara ao nome.
— Idem. Quer dizer, eu vi as fotos de você e Walt, mas quero
dizer, sim, posso ver totalmente agora que você está aqui
pessoalmente.
Eu franzo a testa como se estivesse faltando alguma coisa.
— Ver o que?
Ela encolhe os ombros.
— Apenas... a coisa toda. — Ela acena com a mão para cima e
para baixo em meu comprimento. — Eu posso ver por que ele
enfiou aquela pedra enorme no seu dedo. Quero dizer, olhe para
aquela coisa. É pesado?
Eu passo meu polegar sobre meu anel, sem graça.
— Não. Eu me acostumei.
— Eu não tenho certeza se ele te contou, mas ele mesmo
escolheu. Me pediu para marcar um encontro com o joalheiro, mas
é isso. — Ela encolhe os ombros. — Acho que ele fez um trabalho
muito bom.
Eu aceno, sem saber o que devo dizer a esse pedaço de
informação.
— Certo, bem, eu não vou mantê-la. Parece que você está em
uma missão. — Ela acena com a cabeça em direção ao par de portas
de mogno à esquerda. — Vá em frente.
Eu engulo em seco como se estivesse prestes a enfrentar a última
partida no final de um videogame. Eu olho pelas portas de volta
para April como se esperasse que ela pudesse me ajudar de alguma
forma, mas ela já voltou para seu computador.
Excelente.
Eu forço meus pés para frente um passo de cada vez até chegar
ao escritório de Walt.
Estou prestes a virar a maçaneta quando penso melhor e bato em
vez disso.
— Entre. — diz Walt, sua voz quase inaudível através das portas
grossas.
Giro a maçaneta e abro a porta para encontrar meu marido
sentado atrás de sua mesa, sua atenção em seu computador.
— Elizabeth. — Ele diz, sem nem mesmo olhar para mim.
Ele não está nem um pouco surpreso em me encontrar aqui, o
que significa que alguém ligou para alertá-lo da minha chegada.
Aposto que foi o segurança lá embaixo. Claramente, sua lealdade
está com o homem que assina seus cheques. Não posso dizer que o
culpo.
— Você está ocupado?
— Estou sempre ocupado. — diz ele, digitando algo.
Sua resposta me irrita em ação. Eu entro totalmente em seu
escritório, fecho a porta atrás de mim e replico:
— Bem, que pena.
— Esse almoço é para mim?
— Pode ser - se você for legal.
Seu olhar finalmente voa para mim, e ele revela um sorriso
torto.
— Eu sou sempre legal.
Eu bufo para provar o quão errado é esse comentário.
Ele se recosta na cadeira, me avaliando agora. Eu odeio o quão
confiante ele parece atrás daquela velha escrivaninha chique, o
quão pouco minha presença o perturbou. Eu queria ter a vantagem
por um momento, mas parece que não será o caso.
— Por que você veio ao meu escritório? Só para me trazer o
almoço?
— Bem, isso, e eu não vi você a semana toda. Você parece ter a
intenção de ficar aqui o dia todo, todos os dias, então pensei em ir
até você.
— Eu durmo no apartamento. — Ele aponta, como se quisesse
que eu soubesse.
— Isso é um convite? — Eu pergunto, não reconhecendo bem
essa versão de mim mesma. Seus olhos brilham com algo, e eu
sorrio inocentemente. — Estou brincando.
Deus, isso é difícil. Meus instintos de sobrevivência querem que
eu aborte minha missão e corra de volta para o apartamento. Eu
poderia me esconder na biblioteca, trabalhar em minha arte e nunca
mais ter que me preocupar em colocar meu coração em risco.
Aparecendo aqui assim, flertando abertamente com ele... bem,
há apenas dois resultados possíveis, e estou preocupada em estar
indo para um mundo de dor.
Eu ando para frente e coloco o saco de papel em sua mesa com
um baque, então olho ao meu redor em busca de uma cadeira
confortável. Há uma atrás de mim, mas insatisfeita com a
localização, começo a empurrá-la ao redor da mesa de Walt.
— O que você está fazendo?
Eu faço uma pausa.
— Vindo sentar ao seu lado. Não vou me sentar ali como se fosse
um de seus funcionários. Isso é estranho.
— Aqui, deixe-me. — diz ele, levantando-se para roubar a
cadeira de mim.
Então, como se fosse feito de marshmallow, ele a levanta
facilmente e a carrega para colocá-la ao lado de sua cadeira. Voilà.
Sento-me e cruzo as pernas, endireitando a saia. Ele está me
olhando como um falcão, me fazendo corar.
— O que?
Ele balança a cabeça e desvia o olhar.
— Nada.
— Eu conheci sua assistente agora mesmo. Eu gosto dela. — Ele
não responde, então eu continuo: — Sabe, eu poderia fazer o papel
da esposa ciumenta e apontar o fato de que ela é muito bonita.
— April? — Ele pergunta, indiferente à minha observação. —
Ela é jovem.
Eu mordo meu sorriso.
— Eu sou jovem.
Seu olhar voa de volta para mim, saltando das minhas pernas
para a minha saia. Então seus olhos encontram os meus por apenas
um momento antes de ele parecer chegar a alguma conclusão.
— Você é um tipo diferente de jovem.
Eu coro e me inclino para arrastar o saco de papel em nossa
direção.
— Agradeço você me trazer o almoço, mas tenho uma reunião
com o departamento de controle de qualidade em meia hora. — diz
ele, soando brusco.
— Então, vamos comer rápido.
Eu me levanto e dou um passo à frente, então estou presa entre
ele e sua mesa. Começo a abrir nosso almoço, deixando claro que
não vou ser desencorajada por seu encontro ou mesmo pelo fato de
que não há muito espaço em sua mesa para a nossa comida. Ele é
forçado a retirar os papéis rapidamente antes que eu os cubra com
nossos sanduíches e acompanhamentos.
— Não, por favor, sinta-se em casa. — Ele zomba enquanto
empurro seu teclado de lado.
— Bem, o que eu devo fazer? Não há nenhum quarto. Você
geralmente é muito mais limpo do que isso.
— Sim, bem, tenho estado distraído ultimamente. Não, não
mova isso. Gosto que meu mouse fique bem ali.
Eu rio baixinho.
— Isso deve irritá-lo muito.
— O que?
— Eu. É tão óbvio o quanto eu te irrito. Eu posso sentir o quanto
você quer que eu saia da sua frente.
Eu olho para trás, e meu sorriso congela imediatamente quando
vejo Walt recostado em sua cadeira, seu olhar atentamente focado
na parte de trás das minhas pernas, bem onde minha saia corta.
Ele não faz qualquer tentativa de desviar o olhar ou esconder o
fato de que está me examinando abertamente. Ele apenas desliza
seu olhar até o meu, arrogantemente lento.
— Você não me irrita tanto quanto pensa.
Meus olhos se estreitam e me viro para voltar a focar minha
atenção em nosso almoço.
— Você quer que eu prove isso? — Ele pergunta enquanto
estende a mão e a pousa na minha perna, logo acima do meu joelho
para que seus dedos enviem arrepios pela minha espinha.
Eu congelo, de repente achando difícil engolir o nó na minha
garganta. Sua mão brinca com a barra da minha saia, mal
mergulhando sob o tecido.
— Estou surpresa que você esteja se oferecendo. Presumi que
você queria ser deixado em paz. Você deixou claro que não quer ter
nada comigo.
— Porque isso é do seu interesse. — diz ele, deslizando a mão
um pouco mais alto. — Você está tecnicamente em um contrato
comigo. Nosso casamento foi intermediado pelo meu advogado. Ou
você se esqueceu disso?
— Como eu poderia? — Eu pergunto, meu peito subindo e
descendo freneticamente.
— Bem. Portanto, devemos manter as coisas platônicas e fáceis.
— Platônico e fácil. — Repito, esperando que ele retire a mão.
Quando ele não o faz, eu mordo um sorriso sinistro.
VINTE E DOIS
— Qual é o verdadeiro motivo pelo qual você veio ao meu
escritório hoje, Elizabeth?
— Para trazer o almoço.
— Tudo bem, então vamos comer. — Ele diz, como se estivesse
me testando. Ele quer que eu interrompa a conexão primeiro, para
tornar mais fácil para ele.
— Não.
O silêncio se segue, segundos se estendendo por anos enquanto
espero.
Sua mão deixa minha perna. Atrás de mim, ele lentamente se
levanta. Em sua altura total, estou derrotada. Ele dá um passo à
frente e seu peito roça minhas costas. Mais um passo e estou presa
entre ele e a borda da mesa.
Agora, de repente, isso parece perigoso.
Estamos em um ponto sem volta.
Com um aperto de propriedade, ele retorna a mão para a frente
da minha coxa em um aperto possessivo, então lentamente ele a
desliza mais para cima.
— Eu te avisei. — Ele sussurra, quase como se ele estivesse com
raiva.
É difícil respirar enquanto ele arrasta a mão por dentro da
minha coxa como uma provocação.
— Você não vai correr para a porta? — ele pergunta.
Eu levanto meu queixo e deixo minha cabeça cair para trás
contra seu peito.
Ele se inclina para dar um beijo na lateral do meu pescoço. É
suave e fugaz. Eu mal sinto isso e meu coração já dispara
descontroladamente. Estou esperando, esperando. Deus, estou com
medo do que vai acontecer, mas mais do que isso, estou com medo
de que nada vá acontecer. Estou com medo de que ainda haja um
“mas não podemos” esperando por mim. Com isso de uma vez, ele
apagará o fósforo que acabamos de acender.
Eu viro minha cabeça para o lado para que eu possa olhar para
ele.
Seus olhos castanhos me avaliam com um brilho sensual e seu
aperto aumenta ainda mais. Eu juro que ele está pesando suas
opções, como se mesmo agora, ele ainda pudesse ir embora.
Meus olhos se estreitam como se dissessem: Faça isso já, e
lentamente, um sorriso tortuoso se espalha em seus lábios assim que
sua mão mergulha entre minhas coxas. Ele está tão perto de me
tocar onde estou desesperada por isso. Tão perto.
— Agora... qual é o verdadeiro motivo de você ter vindo ao meu
escritório hoje, Elizabeth?
Sua arrogância torna impossível para mim dar a ele uma
resposta real e vulnerável.
— Para dizer oi.
Ele ri novamente.
— Então é essa a história que você está aderindo? Porque esta
saia diz algo diferente.
Eu tremo quando um rubor se espalha pelo meu corpo. Eu odeio
ser tão fácil de descobrir. Odeio que ele tenha falado as palavras em
voz alta e, pior, odeio não poder refutá-las.
— Eu tenho essa saia há anos. — Eu atiro de volta, tentando
desviar.
— E ainda assim... acho que você a usou no meu escritório hoje
porque queria que isso acontecesse.
Eu não discuto, e ele me recompensa com sua própria
honestidade.
— Vou para a cama esta noite sonhando com você com essa saia.
— Ele diz, quase um sussurro.
Então sua mão finalmente desliza para cima entre minhas
pernas, bem no meio da minha calcinha. Minhas costas arqueiam
para longe de seu peito enquanto desejo que ele continue.
Apenas um toque básico é quase demais. Já faz muito tempo,
meu corpo está faminto demais, impaciente demais.
Ele mantém minha calcinha no lugar, me cobrindo enquanto seu
dedo desliza sobre mim. A barreira me deixa ainda mais carente,
como se estivesse a segundos de começar a suar. Ofegante. Nervosa.
Suplicando. Apenas... me toque! Eu quero gritar. Em vez disso, fecho
meus olhos, tentando não me sentir oprimida.
Seu comprimento duro roça contra mim e minha respiração fica
presa no meu peito. Ele não para de me tocar por cima da minha
calcinha, mesmo enquanto eu me movo contra ele
impacientemente.
Ele pega minha mão esquerda e a deixa cair na borda da mesa
para que eu possa me apoiar enquanto ele começa a me inclinar
para frente em um ângulo. Abro os olhos e coloco minha outra mão
para baixo também, enquanto ele dá um passo para trás.
Jesus.
Isso é totalmente inapropriado. Eu não deveria estar aqui,
posada desta forma para ele. Posso sentir o ar frio roçando a parte
de trás das minhas coxas enquanto ele empurra a barra da minha
saia para cima, sobre meus quadris. Eu sei como estou exposta a ele
assim. Posso imaginar a maneira como minha calcinha corta minha
bunda, revelando mais do que escondendo. Esta posição dá a ele
muito poder e ainda assim o calor se acumula e cresce enquanto ele
fica onde está, me absorvendo. Eu me sinto tão vulnerável e imóvel,
meu corpo mais do que preparado quando ele estende a mão,
enganchando um dedo em cada lado da minha calcinha, e começa a
puxá-la pelas minhas pernas.
— Não se mova. — Ele instrui asperamente, sua voz rouca de
necessidade.
Minha calcinha cai nos joelhos e depois cai para os tornozelos,
tão delicada e doce em comparação com minhas botas pretas.
Ele dá um passo para trás, quebrando nossa conexão, e eu aperto
meus olhos fechados, percebendo então o quanto estou tremendo.
Esta pose está muito longe de ser humilhante, especialmente
quando ele mantém distância, quase preguiçosamente olhando para
mim como se eu fosse uma possessão escorada em uma prateleira
dele para olhar.
— Elizabeth.
Eu não movo um músculo. Exatamente como ele disse.
Com um gemido que ele quase sufoca sob sua respiração, ele
vem em minha direção e me puxa para fora da mesa, me puxa
contra ele e envolve a mão em volta do meu estômago para me
manter no lugar. Então ele se abaixa e desliza sua mão direita entre
minhas coxas para me cobrir com reverência, finalmente pele com
pele. Sua mão brinca entre minhas pernas enquanto tento impedi-
las de dobrar debaixo de mim.
Estou escorregadia de necessidade e ele só piora as coisas. Não
há como aliviar ou apagar o desejo crescendo dentro de mim. Um
toque me faz queimar por outro. Eu sou um rato com um biscoito,
querendo mais.
Seu comprimento duro é impossível de ignorar, mas não há
espaço suficiente para eu colocar minha mão entre nós e fazer
qualquer coisa sobre isso. Ele nos pressionou corpo a corpo. Além
disso, não acho que ele queira isso. Ele parece decidido a comandar
o show, me tocando, me agradando.
Eu deixo minha cabeça cair para trás, contra seu peito
novamente e seus lábios encontram meu pescoço no momento
preciso em que seu dedo médio pressiona dentro de mim. Eu aperto
meus olhos fechados e vejo estrelas negras atrás das minhas
pálpebras fechadas.
É terrível quando ele desliza o dedo para fora e para trás uma
segunda vez, depois uma terceira. Deus, é bom tê-lo me tocando
assim, para finalmente saber como é. Já estou muito perto. Tenho
certeza de que estou prestes a quebrar em pedaços.
Ele quer que eu vá. Ele encoraja enquanto sua boca sobe pelo
meu pescoço para cobrir meu ponto de pulso. Ele me puxa de volta
com mais força contra ele, sua respiração quente e pesada. Ele está
tão impaciente quanto eu. Ele adiciona um segundo dedo, em
seguida, bombeia para dentro e para fora de novo e de novo,
esfregando círculos, pegando o ritmo enquanto minha respiração
engata e derrama para fora de mim em gemidos. Minha mão aperta
em seu antebraço enquanto ele se estende pelo meu estômago.
Minha outra mão envolve sua nuca, segurando-o contra mim com
meus dedos segurando seu cabelo.
Não há necessidade de dizer a ele que estou perto. Ele sabe.
Eu gozo com uma onda de sensações tão avassaladora que me
deixa fraca. Arrepios se espalham dos meus dedos do pé até as
minhas pernas. Estou perdida enquanto isso se arrasta, um fogo de
artifício de sensações me inundando tão totalmente que não
percebo que estou chorando até que a mão de Walt cubra minha
boca. Ele ri suavemente, se divertindo.
— Você vai nos fazer ser pegos.
Meus olhos se abrem e eu congelo, a realidade correndo para
alcançar o momento atual como um elástico voltando ao lugar.
— Sinto muito. — Digo, cobrindo minha boca com a mão
quando ele se afasta. Eu me viro para olhar para ele, esperando que
ele perceba o que eu quero dizer. Não vim aqui para causar
problemas. Não quero tornar isso embaraçoso para ele com seus
funcionários.
— Está tudo bem. — Ele me assegura, afastando o cabelo do meu
rosto. — Minha assistente não consegue ouvir nada. As portas são
grossas e as paredes bem isoladas. Eu valorizo minha privacidade.
— Em seguida, sua mão se curva em volta da minha bochecha para
levantar meu queixo. Seus olhos encontram minha boca. — Mesmo
assim... melhor prevenir do que remediar.
Ele solta minha cintura e eu recupero o equilíbrio enquanto olho
para baixo. Minha saia está torta e o material ainda está levantado,
de modo que minhas coxas ficam expostas. Rapidamente, eu a
empurro de volta enquanto Walt se inclina para pegar minha
calcinha. Ele a entrega para mim discretamente, mas mesmo assim,
meu rosto está em chamas.
— Elizabeth?
— Hmm?
— Por que você não olha para mim?
Não tenho resposta para isso.
— Você se arrepende do que acabamos de fazer?
— Não!
— Então você está envergonhada? — ele me pergunta,
curvando-se um pouco para tentar pegar meu olhar.
Eu não o deixo.
— Absolutamente.
— Por quê?
— Porque sim.
Eu me viro e puxo minha calcinha de volta com pressa, quase
rasgando-a no meio quando ela fica presa em uma das minhas
botas. Fico imediatamente grata quando ela está me cobrindo
novamente. Eu endireito minha saia, arrumo o laço e ajusto minha
camisa de volta no lugar.
Depois, começo imediatamente a juntar minhas coisas.
— O que você está fazendo?
— Saindo. Obviamente.
— Temos tempo para comer. Minha reunião é daqui a quinze
minutos.
Não demoramos nem meia hora?! Oh Deus. É bom saber que fui
tão fácil.
Estou me movendo rapidamente agora, tentando empurrar
minha cadeira de volta para onde a encontrei, mas Walt estende a
mão e a segura, mantendo-a exatamente onde está.
— Sente-se. Você está sendo boba.
Meu queixo cai e, finalmente, olho para ele. O homem não
parece nem um pouco perturbado com o que acabou de acontecer.
Eu sei que não posso dizer o mesmo de mim mesma. Eu me encolho
pensando em como devo estar no momento.
— Não estou sendo boba. Eu estou apenas...
— Apressando-se.
— Sim.
— Bem, pare. Sente-se e coma. Você estava tremendo um
segundo atrás. Você deve estar faminta.
Eu resisto à vontade de bufar. Eu não estava tremendo porque
estava com fome e nós dois sabemos disso.
— Volto em um minuto. — diz ele antes de entrar no banheiro
privativo de seu escritório.
Meus olhos vão imediatamente para a porta e considero a
possibilidade de fugir, mas não me decidi sobre isso antes que ele
saia, secando as mãos com toalhas de papel.
— Eu realmente preciso ir.
Ele está quase sorrindo agora. Posso dizer que ele está
reprimindo por minha causa.
— Por causa do que acabamos de fazer?
— Sim.
Meus olhos olham para qualquer lugar, menos para ele.
— Você age como se nunca tivesse feito isso antes.
— Eu fiz! — Eu digo apressada, não querendo que ele pense que
passei minha vida dentro de um convento. — Já faz... um tempo.
Além disso, não acho que você possa comparar o sexo
desajeitado em um dormitório da faculdade com o que acabou de
acontecer neste escritório com Walt. Acabei de me lançar para as
grandes ligas e não tenho certeza de como vou sobreviver agora.
Ele caminha em minha direção, e meu corpo fica em alerta total
por meio segundo antes de ele passar na minha frente e começar a
vasculhar a comida em sua mesa.
— Qual sanduíche é seu? — ele pergunta casualmente.
— Eles são iguais.
— Bem. Aqui. — Ele diz, desembrulhando um para mim.
Eu não saio do meu lugar.
Ele me encara com uma sobrancelha arqueada.
— Devo fazer você se sentar? — ele diz, virando-se como se fosse
caminhar em minha direção.
Meus olhos se arregalam em alarme e eu estendo minhas mãos
para mantê-lo afastado.
— Não. Eu posso fazer isso.
Eu corro para o meu lugar e me sento mais uma vez, fazendo um
show ao pegar meu sanduíche como se eu realmente fosse comê-lo.
Meu estômago está dando nós, mas ele está esperando que eu coma,
então eu mordo um pouquinho e mastigo.
Enquanto isso, Walt fica olhando, me observando.
— Quer parar? — Eu gemo.
— Eu não posso evitar.
— Você tem que olhar para mim?
— Eu tenho que ter certeza de que você não vai fugir, sim. Você
pode sair correndo daqui a qualquer momento.
Eu rolo meus olhos e dou uma mordida maior, acenando para
ele fazer o mesmo. Ele abre um saco de batatas fritas e o inclina para
que possamos compartilhá-lo.
Por um ou dois minutos, comemos em silêncio.
Então, eu estrago com uma observação.
— Sabe, você nem me beijou. Pelo menos... quero dizer, não na
boca.
Seus olhos castanhos estão muito divertidos quando ele olha
para mim.
— Eu vou te beijar agora se você quiser.
— Não! Eu tenho hálito de sanduíche.
Antes que ele possa responder, seu telefone toca em sua mesa, e
ele atende pressionando um botão para desviar para o viva-voz.
— Sim?
— Lori e os caras estão aqui para a reunião de qualidade. — diz
April.
— Oh. — Eu sussurro, pulando para que eu possa sair.
A mão de Walt se estende para pegar a minha, então eu não
posso ir.
— Sente-se. — Ele me diz.
— O que? — April pergunta, confusa.
— Vou terminar em dez minutos. — Ele diz a ela enquanto faz
um gesto para que eu me sente. — Eles estão adiantados e ainda
estou almoçando.
— Sem problemas. Vou avisá-los. — Ela confirma antes de
encerrar a ligação.
Ainda estou de pé.
Walt ainda está segurando minha mão, seu aperto firme e
quente.
— Como você disse, não nos vimos a semana toda. — Ressalta.
— Sente-se e coma comigo.
Lentamente, retomo meu assento, sabendo que discutir com ele
é inútil. Ele quer que eu fique e está acostumado a fazer o que quer,
então vou me sentar, comer e agir como se tudo estivesse normal,
embora definitivamente não seja.
Com minha perna balançando para cima e para baixo
nervosamente, eu consigo comer um pequeno quarto do meu
sanduíche antes de embrulhá-lo.
Enquanto isso, a comida de Walt acabou em um piscar de olhos.
Ele limpa as migalhas e me ajuda a embrulhar tudo.
— Vou levar as sobras para casa. — Prometo, me levantando
para pegar tudo.
— Eu vou me atrasar. Eu tenho um jantar.
— Ah.
— Por que isso te incomoda?
Parece que ele adora a ideia.
Em vez de acariciar seu ego, faço um favor ao mundo e dou de
ombros com indiferença a caminho da porta de seu escritório.
— Não faz. Eu tenho trabalho a fazer de qualquer maneira.
Ele acena com a cabeça, embora eu ache que ele pode ver através
da minha fachada.
Estou prestes a girar a maçaneta e sair quando olho para trás e o
encontro me observando, um sorriso conhecedor em seu rosto
bonito.
Antes que ele possa me ver levada por ele novamente, eu saio
correndo.
VINTE E TRÊS
No apartamento, fico na biblioteca, focada no meu trabalho
enquanto aliso camadas de tons pastéis. De vez em quando, acho
que ouço alguma coisa - passos no corredor, as portas do elevador se
abrindo - e vou olhar por cima do ombro ansiosamente,
desapontada ao perceber que é apenas minha mente pregando
peças em mim. O enorme relógio que aparece no canto da biblioteca
é terrivelmente preciso, marcando os minutos e me lembrando que
Walt ainda não voltou para casa. Deus, quem inventou o tempo,
afinal?
Faz apenas algumas horas e parece que há um abismo entre
agora e tudo o que aconteceu no escritório de Walt na hora do
almoço. Como se ele tivesse feito isso comigo anos atrás. Eu me
pergunto se, depois que eu saí, ele se arrependeu de quão longe
fomos.
Não foi pouca coisa.
Minha calcinha estava no chão de seu escritório.
Aí, meu Deus.
Jogo meu pastel de volta em sua caixa e me afasto do cavalete.
Isso é o suficiente por uma noite.
Eu limpo e preparo tudo para que eu possa voltar ao trabalho
amanhã. Depois, tomo banho e coloco meu pijama de seda,
demorando enquanto escovo os dentes, enrolando.
Até que horas vão às reuniões de trabalho?
Você ainda está discutindo negócios se sair às 22h?
Essas são as coisas que eu pondero enquanto me deito na cama,
tentando dormir no meu lado direito, depois no meu lado esquerdo,
depois de costas, embora eu não tenha adormecido de costas... hum,
nunca. Meu corpo está tipo, Boa tentativa, mas não. Então eu me viro,
e fico olhando pela janela até que finalmente o sono tem pena de
mim.
Eu acordo quando sinto o colchão afundar atrás de mim.
O pânico toma conta de mim por um milissegundo antes de
perceber que é Walt.
Eu olho por cima do ombro para ver que ele está sentado na
beira da cama em sua calça de moletom e nada mais. Ele é quase a
visão mais maravilhosa que já vi.
— É isso que você usou para jantar? — é a pergunta que meu
cérebro pensa em fazer.
Ele ri e balança a cabeça.
— Cheguei em casa há uma hora e troquei de roupa.
— Hum.
— Eu vim ver como você estava e você já estava dormindo,
então eu não te incomodei. — Ele encolhe os ombros. — Mas,
aparentemente, eu não pude resistir. Chega pra lá.
— O que? Por quê?
— Para que eu possa me deitar.
— Na minha cama? — Parece absolutamente ilógico.
— Tecnicamente, é minha cama — ele diz, me empurrando
suavemente para o lado quando eu não me movo imediatamente.
— Esse é o travesseiro que eu gosto de abraçar à noite — eu
argumento enquanto ele começa a reorganizar tudo para que ele
possa se posicionar ao meu lado.
— Ok, bem, eu não vou apenas deitar no colchão. — Ele diz,
batendo no meio do travesseiro antes de jogar a cabeça em cima
dele.
— Eu não posso acreditar que você está aqui.
— Por quê?
— Só... eu não sei. Achei que você gostava do seu espaço. Eu leio
muitos livros. Às vezes, os homens mal-humorados dizem às
heroínas, tipo, não, desculpe. Não consigo dormir na cama com você
devido aos meus profundos problemas emocionais. E então se torna tudo
isso.
— Isso é... muito específico. Que tipo de livro você lê?
Eu coro no escuro.
— Ah... apenas... os clássicos.
Ele cantarola e se vira para me encarar. Eu mal consigo
distingui-lo ao luar.
— Você pode voltar a dormir agora. — Ele me diz.
— Até parece.
Ele sorri, e suas covinhas me matam. Puf - eu sou pó.
— Você vai ficar aí, tão longe? — Eu pergunto.
— Estou bem aqui.
— Por muito pouco.
Com aborrecimento fingido, ele estende a mão e me agarra,
depois me arrasta em sua direção até que estejamos com todos os
membros emaranhados.
— Deus, você é como uma fornalha. Você é sempre assim tão
quente? — Eu pergunto, parecendo que eu não amo isso.
— Você sempre fala tanto assim na cama? Estou começando a
me arrepender da minha decisão.
Eu o aperto como um polvo com cada membro que tenho.
— Não saia.
— Eu não vou.
Eu me forço a me acomodar ao lado dele e relaxar, embora todos
os nervos pareçam estar em alerta máximo. Eu percebo, lentamente,
que o estou tocando em todos os lugares. Uma das minhas mãos
está apoiada em seu bíceps nu, que é bonito e volumoso. A outra
está pressionada contra seu peito firme. Minha perna está
imprensada entre as dele.
— Isso não parece estranho?
Ele geme e pisca abrindo os olhos.
— Eu estava começando a adormecer.
— Ah, desculpe. Eu vou ficar quieta. — Eu me viro e olho para o
teto.
Ele estende a mão e cutuca minha bochecha, fazendo-me olhar
para ele novamente.
— Fale.
— Certo. Bem, é tão estranho estarmos dormindo juntos.
— É simples, realmente. Queria estar com você quando chegasse
em casa. Está tarde. Precisamos dormir, então aqui estamos. Não há
mais nada a fazer.
— Nada mais?
— Elizabeth.
— Eu sinto muito. Eu não poderia ficar quieta agora se minha
vida dependesse disso, de verdade. Estou zunindo. Isso é totalmente
selvagem para mim. Esta manhã, eu nunca teria, em meus sonhos
mais selvagens, imaginado que você dormiria comigo esta noite.
— Mas nós estamos? Dormindo, isso é?
— Entendi. — Eu imito meus dedos travando meus lábios e, em
seguida, jogo a chave fora.
Seus olhos se fecham novamente, e eu o estudo enquanto meu
coração incha no meu peito. Eu sorrio, percebendo que estou mais
feliz do que estive em muito tempo. Acho que poderia ficar
acordada a noite toda vendo-o dormir e ainda rolar para fora da
cama amanhã me sentindo revigorada como uma margarida.
Acho que estou sendo dissimulada sobre observá-lo, mal
movendo um músculo, até que Walt geme em resignação, rola para
cima de mim e me joga na cama.
Eu grito em estado de choque.
Ele parece um leão faminto que acaba de capturar sua presa.
— Eu podia sentir você me observando.
— Eu estava quase fechando meus olhos. Juro. Por favor, não
saia. Olha, vou dormir agora.
Eu fecho meus olhos para mostrar meu esforço de boa-fé.
No momento em que eu faço, seus lábios descem nos meus.
Meus olhos se abrem novamente e ele interrompe o beijo.
Seu olhar está estreito, suas sobrancelhas franzidas no que
parece ser frustração.
Eu não dou um pio. É como se o beijo dele fosse um dardo
envenenado e agora estou paralisada embaixo dele.
Então, chegando a alguma conclusão por conta própria, ele se
abaixa e me beija de novo, mais forte e por mais tempo dessa vez.
Eu separo meus lábios e nossas línguas se tocam e o sono está
oficialmente fora de questão.
As mãos de Walt seguram as minhas, mantendo-as pressionadas
em ambos os lados da minha cabeça enquanto ele conduz o beijo,
virando a cabeça, aprofundando-a até que eu gemo baixinho em sua
boca. Meus quadris se erguem para encontrar os dele, e ele me
recompensa empurrando-os para baixo, prendendo-me no colchão.
Meu pijama de seda é o complemento perfeito para sua calça de
moletom. O material fino dificilmente é páreo para ele quando
minhas coxas se separam e ele se acomoda entre elas, moendo e
rolando seus quadris em um ritmo que ascende todos os meus
desejos reprimidos.
Sua boca viaja da minha boca, desce pelo meu corpo, parando na
lateral do meu pescoço, então desce até a ponta do meu pijama. Ele
usa uma mão para puxar o material para baixo, expondo a pele mais
sensível aos lábios. Não tenho orgulho de como me sinto fraca sob
ele, de como me tornei flexível. Eu sou dele de uma forma
assustadora.
Ele expõe um dos meus seios ao ar frio e depois lábios quentes,
um rolar de sua língua, e então eu me levanto para fora da cama,
sentindo tanto ao mesmo tempo que grito.
Ele gosta disso. Ele gosta de ouvir o que ele faz comigo, porque
ele continua, indo para o outro lado, me despindo de cima para
baixo. Minhas roupas se amontoam na minha cintura enquanto ele
o empurra para fora do caminho, raspando os dentes delicadamente
ao longo do lado do meu estômago. Então, como se ele não pudesse
evitar, ele morde suavemente e meus olhos se fecham com força. Eu
terei uma marca leve ali pela manhã por causa disso. Deus, por que
isso é tão sexy?
Ele fala comigo enquanto desce pelo meu corpo. As palavras
saem dele quase como se ele tivesse esquecido que eu posso ouvi-
las. Não frases completas, apenas pensamentos que ficarão
marcados em minha memória.
Linda.
Porra.
Sua pele... É veludo.
Suas coxas.
Isso.
Seus dedos mergulham em meu short, roçando bem no centro
de mim. Ele encontra a minha boceta e é como uma válvula de
escape; isso o deixa desequilibrado. Ele afunda dois dedos em mim e
sua boca encontra a minha novamente. Seu beijo é quente e
impaciente enquanto ele bombeia os dedos para dentro e para fora,
acelerando o ritmo, garantindo que estou pronta para ele. Eu
poderia deixá-lo continuar assim, e seria uma repetição do que
fizemos em seu escritório antes. Já sinto meus dedos do pé
começando a se curvar, meu corpo tão ansioso por outro orgasmo,
mas quero mais desta vez. Eu quero que ele experimente tudo
comigo.
Minha mão se move sobre seu corpo, arrastando-se por sua
espinha e ao redor de sua cintura até que eu possa passar pela
bainha de sua calça de moletom e cueca boxer e tocar meus dedos
em seu comprimento duro. Ele estremece em resposta e alimenta
um gemido baixo em minha boca.
Eu ganho a coragem de envolver minha mão em torno dele e
começo a deslizar para cima e para baixo. Seus dedos ainda estão
dentro de mim por um momento enquanto ele me deixa fazer todo
o trabalho. Seu beijo é interrompido e seus olhos se fecham, como se
ele estivesse tentando se concentrar apenas no que minha mão está
fazendo com ele. Eu abro um sorriso vitorioso. Eu amo isto.
Ele me deixa trabalhar meu aperto para cima e para baixo mais
algumas vezes, bombeando seus quadris para acompanhar meu
ritmo, e então, rapidamente, ele agarra meu pulso e para meu
progresso. Seus olhos se abrem e seu olhar se fixa no meu. Meu
sorriso desaparece lentamente enquanto ele recupera o controle da
situação, tirando a mão do meu short e se levantando e saindo de
cima de mim. Ele se eleva acima de mim na cama enquanto desvia
sua atenção pelo meu corpo. Ele age como se me tivesse embaixo
dele pelo resto da eternidade, como se não houvesse absolutamente
nenhuma pressa enquanto ele me estuda com calma. Minha pele
fica vermelha quando ele lambe o lábio inferior e arrasta seu olhar
aquecido para onde ele está pressionado sobre os joelhos, bem sobre
meus quadris. Eu sigo seu exemplo, observando minha blusa frágil e
shorts levantados.
Ele começa a arrastar minhas roupas pelos ossos do quadril e
coxas, levando tudo o que estou vestindo. Estou nua na cama
quando ele joga minhas roupas no chão e dá um passo para trás
para olhar para mim.
Eu não me cubro. Eu nem quero. Não quando ele está me
olhando assim. Não quando tenho todo o poder.
— Eu já volto — ele me diz enquanto sai do quarto, apenas para
voltar um momento depois com uma camisinha na mão. Eu o vejo
se despir, rasgar o papel alumínio e segurar seu comprimento em
punhos, bombeando-o em sua mão.
Estou de queixo caído enquanto olho, completa e totalmente
ligada.
Ele nem percebe minha reação a ele, no entanto, muito ocupado
me admirando da mesma maneira. Seu olhar cruza meu corpo
como se ele fosse uma criança em uma loja de doces, oprimido
demais para decidir qual guloseima ele quer lamber primeiro.
Ele coloca a camisinha e depois se move para rastejar de volta
em cima de mim.
Eu engulo um súbito frenesi de nervos.
Seu olhar voa para o meu com uma questão de consentimento.
Eu me estico, envolvendo meus braços em volta do seu pescoço e o
trazendo para baixo em cima de mim. É um sim falado com meu
corpo, um apelo para que ele continue. Sua boca pressiona ao lado
do meu pescoço e então ele arrasta seus lábios ao longo da minha
mandíbula e até a minha boca enquanto se acomoda entre as
minhas pernas. Eu separo minhas coxas suavemente, permitindo
que ele entre.
Ele nos alinha e começa a pressionar seu comprimento dentro de
mim.
É mais do que eu esperava e meu corpo fica tenso por conta
própria. Ele congela e se inclina para trás para tentar olhar para
mim. Eu não o deixo. Eu aperto meus braços em volta do pescoço e
o beijo novamente, relaxando meu corpo, espalhando mais minhas
coxas, cedendo à sensação dele.
Ele afunda mais e mais, lentamente, maravilhosamente, todo o
caminho até o punho, e um gemido profundo ressoa dele como se
ele tivesse acabado de encontrar o nirvana.
Ele permanece perfeitamente imóvel dentro de mim por um
momento. Acho que ele está me dando tempo para me ajustar a ele
e, finalmente, ele começa a rolar lentamente os quadris, puxando
um pouco para fora e pressionando de volta em mim. Ele faz isso de
novo, e de novo, cada vez construindo o impulso mais e mais, até
que ele está empurrando em mim mais forte e mais rápido. Sua mão
se abaixa para agarrar minha coxa e ele move minha perna. Ele a
prende ao lado da minha barriga e olha para baixo. É como se ele
estivesse se partindo pelas costuras - totalmente dominado pela
visão de nós nos unindo.
Estou muito preparada por ele ter me tocado mais cedo para
durar muito. Eu gozo uma vez, muito rápido, apertando em torno
dele. Ele amaldiçoa e bombeia com mais força dentro de mim,
arrastando os dedos pela minha pele excessivamente sensível como
se uma vez não fosse bom o suficiente.
Uma vez foi um aquecimento.
Ele quer obter outro orgasmo de mim, e seu polegar está
fazendo magia entre minhas coxas, girando e esfregando em pontos
que me fazem estremecer com um ataque de formigamento. Então,
como se estivesse mostrando seu ponto de vista, sua boca se abaixa
para um dos meus seios para que ele possa me provocar com a
língua.
E é isso: a sensação mais gostosa da terra.
Não tenho defesa, nenhuma maneira de mantê-lo afastado. Um
grito silencioso escapa enquanto meu corpo fica tenso e depois
quebra. Gozo de novo com os olhos bem fechados e minhas unhas
cravando-se em seus bíceps. Eu o empurro de prazer e Walt está
bem ali, enterrado dentro de mim, bombeando com força e se
perdendo. Estamos enrolados um no outro, como se isso dependesse
de nossas vidas. Seu hálito quente está no meu pescoço, sua boca
mal tocando minha pele. As réplicas bem-aventuradas perduram
enquanto recuperamos o fôlego, tentando nos recompor o suficiente
para nos separarmos.
Ele se move primeiro, empurrando para cima e para fora de
mim, seu olhar imediatamente procurando o meu. Ele parece
preocupado comigo, mas não deveria. Isso foi... maravilhoso.
Eu sorrio, e ele responde com um sorriso preguiçoso.
— Ok — eu digo, com um tapinha amigável em seu peito. —
Agora estou cansada. Bom trabalho.
VINTE E QUATRO
Eu estou sorrindo para a minha xícara de café. Sorrindo como
uma idiota, na verdade.
— Você quer alguns desses ovos? — Walt pergunta, chamando
minha atenção para onde ele está sentado perto do fogão. Ele está
vestido com cuecas boxer e nada mais. Seu quadril está apoiado no
balcão. Seus abdominais são *chef kiss*. Isso é exatamente o que ele
deve usar diariamente. Nada de camisas para esse cara. Vamos
queimar todas as gravatas dele aqui, agora.
— Elizabeth?
Eu paro de olhar para seu abdômen e balanço minha cabeça.
— Não, obrigada.
— Torrada?
Eu luto contra uma risada.
— Você já me fez cereal.
— E você mal tocou.
— Eu comi a primeira tigela que você fez para mim e então você
acrescentou mais.
— Certo, bem, se você estiver com fome, me avise.
Ele se volta para o fogão para cuidar de seus ovos, e eu volto a
reprimir meu sorriso.
Um momento depois, ele o desliga, enche o prato e vem se
sentar ao meu lado. Estamos lado a lado nas banquetas. Eu o
observo com o canto do olho enquanto ele coloca alguns ovos em
sua torrada e dá uma mordida. Ele percebe que estou olhando para
ele e eu sorrio em vez de desviar o olhar.
— O que?
— Eu quero uma mordida agora.
Ele estende sua torrada para mim e eu mordo o canto.
Ontem à noite, ele e eu dormimos na minha cama. Acordei cerca
de mil vezes, verificando se ele ainda estava lá. Uma vez, acordei e
o encontrei esparramado de barriga para baixo, meio em cima de
mim. Então, novamente, horas depois, eu me encontrei aninhada
contra seu peito. A certa altura, eu estava babando em seu braço.
Assim que o sol apareceu no horizonte, achei que ele insistiria
em acordar e aproveitar o dia, mas ficamos na cama muito mais
tarde do que qualquer um de nós costuma fazer, esticando-nos e
recuando quando alguma parte do corpo acidentalmente
escorregava de debaixo dos cobertores.
— Está muito frio. — reclamei a certa altura.
Ele gemeu em concordância, nos enterrando ainda mais sob os
cobertores.
Por fim, quando seu estômago roncou de forma audível, ele saiu
primeiro, apenas para voltar rapidamente com um de seus velhos
moletons da faculdade.
— Isso significa que estamos firmes? — Eu brinquei, apenas para
me odiar imediatamente por brincar sobre algo assim. E se ele achar
que o estou pressionando por mais depois de ontem à noite? E se ele
achar que esta é a minha maneira de iniciar “a conversa”?
Felizmente, ele apenas revirou os olhos.
— Sim. Você vai ao baile comigo?
— Achei que você nunca iria perguntar.
Ainda estou usando o moletom, apreciando seu calor.
Sua perna roça a minha e eu não me afasto. Na verdade, eu me
viro para ele apenas o suficiente para garantir que manteremos essa
conexão.
Parece que estamos sentados aqui apenas brincando de
civilidade. De vez em quando, enquanto ele come, pego Walt
olhando para onde o moletom termina nas minhas coxas. Meu short
do pijama está enfiado embaixo dele, mas se você não sabe disso,
parece que estou nua por baixo. Eu ajusto minha postura, cruzando
as pernas, e ele limpa a garganta.
Por outro lado, acho difícil parar de observá-lo enquanto ele
come. Tudo é lindo com este homem. A maneira como ele corta a
comida com a ponta do garfo acentua os músculos do braço. Sua
mandíbula flexiona enquanto ele mastiga outra mordida. Oh, meu
DEUS, agora ele está bebendo seu café como se eu não devesse
achar isso incrivelmente atraente também?!
Estou quase ofegante quando ele termina e empurra o prato.
Eu empurro minha tigela de cereal para longe também.
Em seguida, ele pega a xícara de café.
Eu coloco a minha próxima.
Seus olhos se voltam para mim.
Eu me viro para ele.
— Deveríamos- — eu pergunto.
— Vamos-
E então ele está me arrastando para cima e para fora do meu
banquinho, e me jogando na beirada do balcão como, bem, eu
terminei com uma refeição - quero a próxima!
Nossas bocas se conectam em um beijo apaixonado e quem se
importa com o hálito do café. Não consigo nem me concentrar em
nada disso porque já estamos seguindo em frente. Nada de amassos
simples para nós. Estamos bem há horas. Dormimos como
deveríamos. Comemos nosso café da manhã e limpamos nossos
pratos e agora esta é nossa recompensa. Esta. Ele interrompe nosso
beijo e começa a puxar meu short do pijama para baixo. Ao mesmo
tempo, tiro o moletom e o jogo pela bancada.
Sua boca já está descendo pelo meu corpo, pela minha clavícula,
pelo meu peito e umbigo.
Então ele beija mais abaixo, no sulco do meu quadril enquanto
ele separa minhas coxas.
— Segure-se no balcão. — Ele exige com uma atitude calorosa.
— Estou tentando!
Ele está muito impaciente para ter certeza de que estou bem
apoiada. Estou quase caindo na beirada quando sua boca desce
entre minhas coxas separadas.
Minha respiração é roubada quando ele puxa minha calcinha de
lado e me prova com uma longa lambida.
Eu gemo quando uma das minhas mãos se move atrás de mim
para ajudar a sustentar meu peso no balcão. A outra mergulha em
seu cabelo.
Meu pé encontra um dos bancos da bancada e mal consigo me
equilibrar - não que ele se importe! - ele continua.
Súplicas saem de mim com gemidos suaves.
Estou totalmente despreparada para saber como responder ao
ter sua boca entre minhas pernas.
Ele é tão bom. De primeira, digo a ele, e ele ri antes de voltar a
falar. Ele é um homem com uma missão e estou à sua mercê.
Eu movo a mão que está atrás de mim e acidentalmente derrubo
minha xícara de café vazia. Walt nem mesmo recua quando sua mão
desliza pela minha coxa, se juntando a sua boca.
Estou em pedaços em questão de minutos, tremendo enquanto
Walt arranca até a última gota de prazer de mim. Então ele se
levanta e empurra para baixo sua cueca boxer, ansioso e quente
enquanto ele começa a bombear sua mão para cima e para baixo em
seu comprimento.
Ele me puxa em direção ao final do balcão, perfeitamente
encaixada para que ele possa pressionar dentro de mim. Ele quase o
faz antes de eu bater em seu ombro.
— Preservativo. Preservativo! — Eu digo a ele.
Ele pragueja e sai correndo da cozinha.
— Não se mexa, porra! — ele grita de volta para mim.
— Eu não vou! — Garanto a ele, rindo.
Ele corre pelo corredor e esbarra em algo, outra maldição saindo
dele, e então ele está de volta com a caixa inteira de preservativos,
jogando-os no balcão com impaciência.
— Vou colocá-los em todos os lugares. Uma caixa em cada
cômodo. — diz ele, abrindo uma caixa e me fazendo rir.
Fazemos sexo na beira do balcão da cozinha em um frenesi,
como se não tivéssemos o dia inteiro juntos, como se tivéssemos que
esperar meses depois disso.
Sua boca está na curva do meu pescoço. Ele tem meu corpo
puxado contra o dele enquanto ele rola seus quadris e empurra em
mim. Quando ele vem, sinto isso em cada parte de mim. Seus
dentes afundam em meu ombro. Suas mãos cavam em meus
quadris. Estou totalmente exausta. Exausta. Torcida até ficar seca.
Conseguimos nos separar por um tempo. Ele tem ligações de
trabalho por volta das 14:00, e preciso dedicar algum tempo à minha
coleção para não ficar para trás.
No final da noite, ainda estou escondida na biblioteca, um pouco
perdida em meu próprio mundo quando ele entra carregando seu
laptop. Não estou surpresa que ele tenha entrado. A sala é
aconchegante, com as luzes apagadas e o fogo aceso.
— Tenho que me concentrar um pouco mais, apenas para
misturar essa tinta antes que seque — digo a ele.
— Isso é bom. Eu não vou incomodar você.
Ele se senta em uma cadeira confortável no canto, cruza o
tornozelo sobre o joelho e coloca o laptop no colo.
— Eu também preciso trabalhar — ele me informa com uma
sobrancelha arqueada.
Certo. Eu me afasto dele e volto a me concentrar na minha arte.
Perco a noção do tempo novamente enquanto estou concentrada,
trabalhando cuidadosamente com a tinta, aliviada quando começo a
ver minha visão ganhar vida. Em algum ponto, meu corpo percebe
a atenção de Walt enquanto um arrepio desce pela minha espinha.
— Você está me distraindo — digo a ele, sem tirar os olhos da
tela.
— Eu não disse uma palavra.
— Você não precisa.
Mais alguns minutos se passam e não estou menos distraída por
ele. Eu suspiro e volto para encontrar seu laptop fechado e seus
braços cruzados. Ele parece tão perfeitamente satisfeito sentado ali
me olhando, e isso me dá uma ideia.
— Você já posou para alguém antes? — Eu pergunto, colocando
meu pincel de volta na minha paleta.
Ele faz uma cara do tipo: Você está brincando.
— Vamos, você está sentado aí de qualquer maneira. — Eu
incito.
— Eu não seria um bom modelo. — Ele argumenta.
— Pfft.
Que fofo da parte dele não perceber que basicamente foi feito
para a arte. Cada detalhe de seu rosto implora para ser celebrado
com lápis e papel, e estou feliz em provar isso a ele se precisar.
— Fique onde está. — Eu instruo, caminhando até ele. — Mas
tire o laptop.
Eu o alcanço antes que ele possa argumentar e o coloco na mesa
lateral perto de sua cadeira.
— Quanto tempo isto irá levar? — Ele pergunta, me observando
com cuidado enquanto eu me afasto dele.
No início, acho que ele está se perguntando por que está
impaciente e não quer ficar sentado lá por muito tempo, mas então
pego seu olhar para baixo em minhas pernas nuas e percebo que ele
pode realmente ter outros planos em mente.
— Não muito. — Eu prometo, caminhando de volta para pegar
meu caderno de desenho e lápis de carvão. — Prefiro fazer o que se
chama de linha contínua ou desenho de contorno. É feito muito
mais rápido.
Eu coloquei uma cadeira a alguns metros de distância dele e
então me sentei, abrindo meu caderno em uma página nova.
— Você não tira o lápis do papel enquanto desenha. — Eu
explico, olhando para ele enquanto começo a trabalhar. — Portanto,
o desenho é essencialmente feito com uma linha longa.
— Por que fazer assim?
Eu encolho os ombros.
— Gosto de como parece. Em vez de um desenho detalhado,
você pode esboçar uma silhueta rapidamente, concentrando-se nas
características mais marcantes do foco. — Meu lápis se arrasta no
papel. — Você deixa seu lápis viajar exatamente enquanto seus
olhos se movem pelo objeto, movendo-se lentamente e permitindo
que o lápis sinta todos os detalhes que seus olhos veem.
— Devo ficar perfeitamente imóvel? — ele pergunta.
Eu sorrio e olho para o meu caderno de desenho rapidamente
antes de olhar de volta para ele.
— Não importa muito. Contanto que você fique naquela cadeira.
Você pode olhar um pouco para a esquerda?
— Assim? — ele pergunta.
Eu aceno, tendo uma visão melhor de suas maçãs do rosto
pronunciadas.
— E levante um pouco o queixo.
Meu lápis desenha, enfatizando as linhas de seu rosto. Eu traço
seus cílios pretos fuliginosos e suas sobrancelhas definidas. Então
minha linha contínua se arrasta lentamente para baixo, imitando a
ponte de seu nariz e a curva suave de seu lábio superior.
Não demorou muito para capturar seus traços essenciais no
papel. Não há nenhum trabalho de sombreamento, nenhuma
sombra ou destaque, nenhum detalhe minucioso e, ainda assim,
acho que qualquer um olharia para o meu caderno de desenho e
imediatamente perceberia que desenhei Walt. Essa é a beleza desse
tipo de desenho.
Eu me levanto da cadeira e carrego meu caderno de desenho
para mostrar a ele.
Eu o seguro e ele ri com admiração.
— Parece comigo.
Eu sorrio e ele estende a mão para agarrar meus quadris, me
puxando para baixo em seu colo. Eu deixo, feliz por dobrar minhas
pernas contra meu peito e sentar com ele. Ele pega meu caderno de
desenho da minha mão e começa a folheá-lo. Eu gemo e tento
agarrá-lo de volta.
— Vamos, você não pode! É como ler o diário de alguém!
Ele não me devolve.
Ele o segura de lado para que eu não possa alcançá-lo e começa a
folhear as páginas.
— Não são meus maiores sucessos nem nada! São apenas coisas
que faço para me divertir! Olhe, tudo bem, eu estava estudando as
mãos naquele dia no parque e nenhum desses esboços são
particularmente bons.
— Elizabeth. — diz ele com um tom de repreensão.
Eu finalmente desisto, percebendo que minhas tentativas de
tirar meu caderno dele são inúteis.
— Tá. Veja o que quer. Há alguns de você aí, nas primeiras
páginas. — Cubro meus olhos com a mão, esfregando as têmporas
com o polegar e o dedo médio. — Você vai chegar a eles
eventualmente, então eu posso apenas dizer que eles estão lá.
— De mim?
— Não soe tão surpreso. — Eu gemo, deixando minha cabeça
cair em seu ombro.
— Mostre-me. — ele diz, me devolvendo o caderno de desenho.
Eu faço o que ele pede, folheando os dias diferentes até
encontrar alguns esboços dele no início. Não acho que eles sejam
muito impressionantes, considerando que foram feitos de memória.
Os detalhes sempre se perdem quando o foco não está diretamente
na minha frente. Explico isso a Walt, mas é quase como se ele nem
me ouvisse. Ele inclina a página e olha mais de perto.
Eventualmente, ele pergunta:
— Por que você me desenhou?
Eu encolho os ombros.
— Eu não sei... eu sempre achei você atraente, desde o dia em
que nos casamos.
— Atraente?
— Sim, mesmo quando você agiu como um idiota indiferente
com todo aquele negócio de 'me contate apenas se houver uma
emergência'.
Estou brincando, mas ele não ri. Ele continua examinando os
esboços, folheando as páginas, quase como se estivesse tentando ler
nas entrelinhas. Não tenho certeza do que ele espera encontrar lá.
Eu não encobri o papel de nenhum segredo.
Ele olha para mim enquanto fecha meu caderno de desenho e o
devolve.
— Admito que foi um arranjo estranho. — Ressalta. — Nos
casarmos do jeito que nos casamos.
Eu concordo.
— Certo.
— E para ser franco, ainda não tenho certeza do que fazer com
isso. Antes desta semana, bem... eu poderia nos definir claramente
em minha cabeça. As coisas faziam sentido. Nós nos casamos por
razões muito específicas.
— Sim. Não se preocupe, não esqueci o contrato pesado que
assinei.
Ele pega minha mão na sua, entrelaçando nossos dedos.
— Mas... as coisas obviamente mudaram.
Eu o vejo engolir, de repente preocupada com o que vai
acontecer conosco.
— Elizabeth! Walt! — Uma voz ressoa no corredor. — Algum de
vocês alguma vez atendeu seus malditos telefones!?
VINTE E CINCO
Eu quase pulei da minha pele quando Matthew entra na
biblioteca, agitando seu telefone no ar. Então ele olha para cima,
para no meio do caminho e bate com a mão livre nos olhos.
— Vocês estão fazendo sexo?! Por favor, querido Deus, não me
diga que acabei de entrar nisso.
— Relaxe. — Walt diz a ele.
Tento sair do colo de Walt, mas ele me segura com mais força.
Eu lanço um olhar furioso para ele, e ele cede, erguendo os
braços e me deixando ficar de pé.
Os dedos de Matthew se separaram sobre os olhos para que ele
pudesse espiar através deles. Assim que ele me vê de pé novamente,
ele solta a mão com um suspiro de alívio.
— Ufa. — Ele sorri. — Eu teria precisado de muita terapia depois
disso.
— O que você está fazendo aqui? — Walt pergunta, não
parecendo muito satisfeito em ver seu irmão.
Matthew dá de ombros, sem se incomodar com a saudação fria, e
entra para examinar a sala e as mudanças que Walt fez desde que eu
me mudei.
— Só estou checando vocês. Faz um tempo que não tenho
notícias de Elizabeth e queria ter certeza de que vocês dois ainda
estavam vivos. — Então ele aponta para Walt. — E você, aliás,
nunca responde as minhas mensagens.
— Porque você é intrometido.
— Ei, eu só estava fazendo perguntas em nome de Elizabeth.
Fique bravo com ela também.
O olhar de Walt muda para mim e eu sorrio inocentemente.
Então, com um encolher de ombros, ele rejeita a exigência do irmão.
— Oh, entendo. — diz Matthew, apontando entre nós. — Vocês
dois são um time agora e eu sou o único na minha ilha solitária?
— Não sei se nos chamaria de time. — Digo.
— Estávamos discutindo isso. — Acrescenta Walt, tentando me
fazer encontrar seus olhos novamente. Em vez disso, pego meu
caderno de desenho e me aproximo para colocá-lo de volta entre
todos os meus suprimentos.
Matthew ri e vai se sentar perto de Walt.
— Alguma chance de você me oferecer uma bebida? — Matthew
pergunta.
— Você tem pernas.
— Tanta hospitalidade. Como é que você faz isso?
Eu falo.
— Vou pegar algo para você. O que você quer?
Matthew sorri.
— Uísque. Puro, por favor.
— Walt? — Eu pergunto, no meu caminho para fora da sala.
Ele concorda.
— Claro. Obrigado.
Quando eu volto para a biblioteca com suas bebidas nas mãos,
eles parecem estar de volta ao normal.
— Então, qual é o problema? Vocês dois...? — Matthew
acrescenta um apito de dois tons como eufemismo para a pergunta
que deseja fazer.
Walt o ignora completamente, optando por tomar um gole
casual de sua bebida. Então Matthew olha para mim e tento ter a
mesma aparência serena, mas não adianta. Fico inquieta em meus
pés, desvio o olhar e coro como um tomate vermelho maduro.
Matthew ri.
— Certo, então. Acho que é bom, considerando que você é
casado e tudo. Espere. — Seu olhar voa entre nós. — Como isso
funciona? Namorar enquanto você já está casado deve ser super
estranho. Quanto tempo vocês têm para manter essa farsa de
qualquer maneira?
— Seis meses deve ser tempo suficiente para revogar o
casamento. — Responde Walt casualmente.
Eu recuo, completamente surpresa.
Seis meses? Do que ele está falando?
Nos documentos legais enviados por seus advogados, não havia
um cronograma definido para nosso casamento. Eu entendi que isso
significava que seríamos casados para o resto da vida, ou pelo
menos no papel. Ou seja, enquanto houvesse dinheiro para ser
distribuído aos beneficiários, Walt e eu estaríamos casados. Para o
bem ou para o mal, enquanto ambos vivêssemos.
— Revogar? — Eu pergunto, confusa.
— Sim. — diz Walt com um aceno de cabeça firme. — Tenho
trabalhado com meus advogados e consultores financeiros e
descobrimos uma solução que deve funcionar para todos. A união,
como está, tem parâmetros rígidos sobre quando os ativos podem
ser acessados - e é por isso que você e eu tivemos que nos casar, mas
há margem de manobra em termos de revogá-lo agora que fui
nomeado curador. Em circunstâncias normais, seria impossível
revogar um contrato de bens irrevogável, como o nome indica, mas
essas são circunstâncias extraordinárias e acredito que o contrato
não serve mais ao propósito para o qual foi destinado. Que é o que
discutiremos no tribunal.
Todas as palavras bonitas não parecem me deixar menos
preocupada.
— Não seria necessário o consentimento unânime dos
beneficiários para revogar o casamento? — Matthew pergunta.
Walt ri baixinho, olhando para sua bebida.
— Não quando os beneficiários provaram ser doentios.
— Meus pais?
Seu olhar duro encontra o meu, e luto contra a vontade de
recuar.
— Eles são viciados, Elizabeth, quer você decida ver isso ou não.
Eles têm o vício de gastar dinheiro que não têm.
— Então você está cortando-os?
— Não, eu nunca disse isso. Estou criando um contrato, em
essência. Um sobre o qual terei mais controle.
— Dessa forma, vocês dois podem se divorciar e voltar a viver
uma vida normal. — Acrescenta Matthew.
— Precisamente. — diz Walt.
É essa palavra - precisamente - que parece vibrar dentro de mim
como uma coisa viva que acabei de ingerir acidentalmente. Isso
enche meu estômago, causando cãibras de preocupação.
— Quando o contrato for revogado e dissolvido, também
gostaria de lhe dar uma quantia total, Elizabeth. Uma quantia
grande o suficiente para que você pudesse comprar um
apartamento na cidade imediatamente, em vez de ter que alugar.
Um divórcio e uma soma total - a resposta para todos os seus
problemas.
Não tenho ideia de porque estou piscando para conter as
lágrimas. Tudo que sei é que estou grata por estar longe o suficiente
dele na biblioteca mal iluminada, assim ele não pode dizer o quanto
essa notícia está abalando meu mundo.
Parece que essas são revelações para mim e nada além de
conversa fiada para Walt, como se ele só se importasse em dizer
agora por que Matthew perguntou sobre isso. Não há nenhum
senso de urgência em sua voz, nenhuma compreensão de quão
intensamente cada uma dessas declarações poderia mudar minha
vida.
Matthew ri e estende seu copo de uísque para tilintar com Walt.
— Eu deveria saber que você descobriria uma maneira de sair
dessa bagunça mais cedo ou mais tarde. Agora beba, porque tenho
outro motivo para ter vindo aqui. — Ele se vira para mim. — Tenho
tentado entrar em contato com vocês porque Nadiya queria que eu
os convidasse para a abertura de um show de um artista que ela
representa. É esta noite. Começou há cerca de trinta minutos.
Ele está olhando para mim, esperando uma resposta.
Estou em uma névoa densa, muito preocupada com tudo que
Walt acabou de dizer, e mal posso reunir um aceno de cabeça em

É
resposta. Claro que quero ir para a inauguração. É exatamente o
tipo de coisa que gosto de fazer normalmente.
Matthew bebe o resto de sua bebida.
— Bem. Então vamos.
Eu me encolho na minha roupa confortável.
— Dê-me dez minutos para vestir algumas roupas decentes.
— Acho que você está bem. — Acrescenta Walt com um sorriso
privado.
Não consigo devolvê-lo antes de correr para o meu quarto, já
mentalmente revirando meu armário de roupas, agarrando-me a
essa tarefa e esperando que isso me afaste da conversa que
acabamos de ter na biblioteca.

A Stein Gallery está localizada em Chelsea, ao lado da High


Line. Faz anos que não vou à galeria, desde meu primeiro ano na
RISD, quando vim para Nova York para ver uma coleção como uma
tarefa de classe.
O espaço é de dois andares com janelas de grade preta que vão
da calçada à linha do telhado. A porta industrial de grandes
dimensões se abre em um eixo para que em noites como esta,
quando o tempo em Nova York está jogando bem, ela possa
permanecer aberta, misturando o interior e o exterior. O local está
lotado, convidados e imprensa espalhando-se pela rua em frente ao
espaço moderno.
Walt, Matthew e eu caminhamos em direção à entrada para
encontrar Nadiya conversando em um grupo.
Assim como da primeira vez que a conheci, adoro seu estilo.
Hoje à noite, ela está usando um lenço na cabeça azul celeste e um
vestido-camisa leve combinando com um cinto império lisonjeiro.
Optei por um vestido de cashmere justo que cai no meio da coxa.
Normalmente, eu o visto com meia-calça, mas como está quente,
minhas pernas ficam nuas entre a bainha do meu vestido e minhas
botas.
Nadiya nos vê nos aproximando e se retira de seu grupo para
nos cumprimentar.
— Estou tão feliz que vocês puderam vir. — diz ela, inclinando-
se e dando um abraço e um beijo na bochecha de cada um de nós. —
Entre e dê uma olhada. Há bebidas e comida, se todos estiverem
com fome. — Ela estende a mão para apertar minha mão. — Eu
trarei Anya em alguns minutos para que eu possa apresentar vocês
duas. Acho que ela seria uma boa pessoa para você conhecer.
A perspectiva imediatamente me excita.
— Ah! Seria ótimo!
Anya é a artista em exibição esta noite, e ela foi atraída por uma
multidão com sua série de fotografias abstratas. Enormes fotos
emolduradas estão penduradas nas paredes brancas da galeria, cada
uma explosão de geometria e cor. Ao examinar as primeiras fotos da
série, posso ver imediatamente por que Nadiya achou que seria
uma boa ideia eu ir ao show. Anya se inspirou em pintores icônicos
da mesma forma que estou tentando em minha coleção atual. Sua
primeira fotografia é uma adaptação de Les Demoiselles d'Avignone,
de Picasso. Ele emprega as mesmas cores da pintura, mas Anya
reduziu as icônicas figuras femininas e as substituiu por formas
geométricas simplificadas. As pinceladas de Picasso se foram. Anya
fez uma colagem de fotos de cores vibrantes para que as formas
abstratas se sobreponham, forçando meu olhar a viajar
freneticamente pela fotografia. Se eu pudesse pagar, compraria a
peça na hora.
Walt parece gostar tanto quanto eu. Ele está parado ao meu lado,
intensamente focado nisso.
— Boa, certo? — Eu pergunto.
Ele concorda.
— Eu gosto muito.
— Vamos, vamos ver os outros.
Matthew desaparece para ir buscar uma bebida, mas Walt e eu
seguimos a fila de fotos pela parede, observando-as em silêncio.
Ocorreu-me que poderíamos usar esse tempo para voltar e
continuar aquela conversa que ele começou com Matthew na
biblioteca. O medo não saiu completamente do meu estômago e eu
tenho tanto que quero perguntar a ele, pressioná-lo, mas não parece
ser o momento ou o lugar certo. Estou aqui pelo meu trabalho,
inicialmente. Quero causar uma boa impressão em Nadiya.
Concentro-me na coleção que nos leva por pequenas salas
laterais ao redor da galeria. As peças crescem de tamanho, e a série
termina na sala principal com uma adaptação da cadeira de Van
Gogh. A fotografia tem um metro e oitenta por um metro e oitenta,
cheia de quadrados e retângulos brancos sobrepostos sobre um
fundo preto. Ainda estou estudando, tentando separar os detalhes
que Anya desenhou da pintura de Van Gogh, quando Nadiya nos
encontra novamente.
Ela aperta meu braço e eu me viro para vê-la parada com uma
mulher que reconheço ser Anya. A foto dela acompanhou as
pequenas descrições colocadas ao lado de cada uma de suas
fotografias na série, embora agora que a vejo na vida real, eu
perceba que não fez justiça a ela.
Provavelmente no final dos 30 ou 40 anos, seu cabelo ruivo
cacheado está puxado para cima em um coque bagunçado no topo
de sua cabeça, as mechas se espalhando em todas as direções ao
redor de seu rosto delicado. Quase sem um ponto de maquiagem,
sua pele pálida brilha na iluminação da galeria. Seus grandes olhos
verdes parecem ser grandes como um desenho animado e
incrivelmente impressionantes. Seus traços são de alguma forma
bonitos e estranhos ao mesmo tempo.
Ela está olhando para Walt, sorrindo com um leve estreitamento
nos cantos dos olhos, observando-o enquanto Nadiya nos apresenta.
— É um prazer conhecê-lo. — ela diz a ele, como se eu não
estivesse lá.
— Esta é Elizabeth, a artista de quem eu estava falando. — diz
Nadiya, apontando em minha direção.
Anya olha para mim, franze a testa e depois explode em uma
risada como se eu fosse intensamente divertida.
— O que você é - uma criança protegida?
Ninguém mais ri. Há um silêncio tenso e constrangedor até que
Nadiya pigarreia.
— Ela é jovem, sim.
— Eu acho que quando eu tinha a sua idade, estava namorando
meu caminho pelo Brasil. — Anya acrescenta com uma risada,
olhando para trás em direção a Walt.
— Eu nunca fui. — Eu respondo com um sorriso tenso.
Ela pode sentir que pode ter dado um passo em falso porque
acena com a mão como se dissesse: Seus sentimentos não são problema
meu.
— A sua arte está no mercado há muito tempo?
Eu balancei minha cabeça.
— Apenas recentemente. Eu me formei na RISD há alguns
meses.
Isso não a impressiona.
— Você vai desculpar minha surpresa. É que existe uma crença
comum entre os artistas, eu sei que leva tempo para se tornar
excelente em alguma coisa, que sua voz e propósito são cultivados
lentamente e um artista pode não ter nada digno a dizer até que
tenha vivido o suficiente.
A insegurança fere meus ossos, tentando forçar minha espinha a
se curvar, meus ombros a se curvarem.
Ela quer que eu me ajuste à sua idade e experiência.
Walt tenta colocar a mão nas minhas costas, provavelmente em
uma demonstração de solidariedade, mas eu me afasto. Se
pressionada, não seria capaz de identificar o motivo exato. Talvez
eu ainda esteja nutrindo raiva sobre a conversa da biblioteca. Talvez
eu queira ficar em meus próprios pés quando confrontar uma
pessoa como Anya. Independentemente disso, a tensão em nosso
pequeno círculo de repente se torna palpável.
Eu concordo.
É
— É uma noção interessante, e que já considerei muitas vezes,
embora, obviamente, opte por vê-la de um ângulo diferente. Acho
que foi Martha Graham quem disse: 'Nenhum artista está à frente
de seu tempo. Ele está no seu tempo. Os outros é que estão atrasados'.
Meu insulto cola.
O sorriso de Anya se alarga, mas não se torna mais agradável.
— Qual é a sua arte? O que você faz? — Ela pergunta, acenando
com a mão com impaciência.
— Mídia mista na tela, principalmente.
Ela olha para Nadiya confusa.
— As galerias ainda estão interessadas em telas?
Parece que minhas costelas se contraem com força quando a arte
da cafeteria volta rugindo à minha mente.
— Acho que a arte de Elizabeth vai se dar muito bem no
mercado de Paris. Seu trabalho é uma releitura dos clássicos. Assim
como você, ela é uma iconoclasta, destruindo noções populares do
que a grande arte é e pode ser, sem mencionar o fato de que seu
trabalho carrega muitos dos mesmos ideais cubistas que o seu.
Percebo, antes de Nadiya, que sua explicação da minha arte só
vai irritar ainda mais Anya. Nenhum artista quer ouvir que seu
trabalho é comparável ao de outra pessoa. Isso os empurra para fora
de seu pedestal, tira-os da ideia de ser um gênio criativo.
— Que encantador. — diz Anya, seu tom gotejando com
desdém.
Um homem dá um passo atrás dela e dá um tapinha em seu
ombro.
— Anya, você tem um minuto?
Fico aliviada quando ele a rouba, e no segundo que ela está fora
do alcance da voz, Nadiya se vira para mim com um sorriso cerrado.
— Ok, bem, isso não foi como eu pensei que seria.
— Está tudo bem. — Eu asseguro a ela.
— Eu sei que ela pode ser um pouco mal-humorada-
Eu encolho os ombros.
— Sem problemas. Não sou alguém que precisa necessariamente
gostar de um artista para apreciar sua arte. A coleção dela é
maravilhosa.
Ela pressiona a mão contra o estômago em alívio.
— Bem. Fico feliz que você não esteja saindo daqui ofendida,
porque quero mostrar alguns conceitos que acho que poderiam
funcionar para o seu show em Paris.
Eu aceno com entusiasmo e Walt dá um passo para trás,
deixando-me saber que ele vai encontrar Matthew.
Nadiya me leva de volta pelas fotos de Anya, apontando
detalhes da exposição que ela gostaria de imitar quando
apresentarmos minha coleção. A galeria de Stein em Paris é muito
menor, ela me diz, então meu trabalho precisará ser condensado em
menos paredes, o que significa que cada peça da série realmente
precisará se apresentar bem ao lado da que vem antes e depois. Ela
e eu conversamos sobre a melhor forma de conseguirmos isso -
discutindo os méritos de armações e iluminação personalizadas -
então avisto um homem que reconheço por cima do ombro dela.
VINTE E SEIS
Leva um momento para meu cérebro colocar Olivier como o
homem que conheci e com quem dancei no evento de arrecadação
de fundos para a Conservação da Vida Selvagem Global, e parece
que ele leva um momento para me reconhecer também. Eu observo
seus olhos azuis claros enquanto eles me olham e então enrugam
com o reconhecimento quando ele sorri.
Ele é tão bonito quanto eu me lembro, seu cabelo preto um
pouco menos domesticado do que na festa de arrecadação de
fundos, os fios mais longos roçando a gola de seu casaco. Sua barba
por fazer também está mais grossa, como se tivesse se passado um
ou dois dias desde que ele usou uma navalha.
— Nadiya, você sempre teve o melhor gosto para amigos. — diz
ele, interrompendo nossa conversa.
Sua frase é cortada quando ela olha para trás, para ver Olivier, e
ela ri de alegria.
— Olivier! Eu esperava que você chegasse esta noite!
Ele se inclina para beijar sua bochecha, seus olhos fixos nos
meus.
— Eu não perderia por nada no mundo. — Ele diz a ela. —
Embora agora eu perceba que deveria ter saído do trabalho ainda
mais cedo.
Nadiya segue seu olhar até mim, surpresa, tenho certeza, por
perceber que nos conhecemos. Seus lábios se abrem e ela está
prestes a falar, mas Olivier a antecipa.
— Elizabeth. — diz ele com um estalar de dedos silencioso,
como se meu nome tivesse acabado de voltar para ele.
— Sim. Oi. — Eu digo, balançando nos calcanhares. — É bom ver
você de novo.
Olivier percebe a intriga de Nadiya, respondendo à sua
pergunta antes mesmo que ela tenha que fazer.
— Eu conheci Elizabeth recentemente em um evento para
arrecadação de fundos. Ela me superou em um Magritte, e ainda
estou chateado com isso.
As sobrancelhas de Nadiya se erguem em choque.
— Ah, sério? Ouvi dizer que ia ser leiloado.
— Foi meu marido quem superou você. — Esclareço.
— Sim, certo. Aquele seu marido chato. — Ele diz, soando como
se tudo estivesse o divertindo. Ele olha por cima do meu ombro
brevemente antes de pegar meu olhar novamente. — Onde ele está,
afinal? Faça minha noite e me diga que ele deixou você vir aqui
sozinha.
— Ele está aqui em algum lugar. — Eu digo, perturbada por sua
habilidade de flertar tão descaradamente.
— Olivier, seja legal. — brinca Nadiya.
— Eu sou sempre legal. Olha, vou provar isso. Elizabeth, Nadiya,
alguma de vocês gostaria de uma bebida?
Nadiya dá um passo para trás.
— Vocês dois vão em frente. Eu preciso continuar fazendo
minhas rondas. — Ela aperta meu antebraço suavemente antes de
sair. — Continue pensando sobre o que estávamos falando e
podemos entrar em contato novamente em um ou dois dias.
Enquanto ela se afasta, Olivier parece adorar o fato de termos
sido deixados sozinhos.
— Eu estava falando sério sobre aquela bebida, você sabe. Eu
ainda não jantei. Venha, caminhe comigo.
— Eu deveria encontrar Walt.
Ele me vira suavemente, pressionando meu ombro, e nos
empurra, mais para dentro da multidão de convidados pairando ao
redor das mesas de comida e bebida.
— Por quê? Você não o vê o suficiente todos os dias? Além disso,
quero ouvir sobre o que você e Nadiya estavam discutindo quando
eu cheguei. Não sabia que você era uma artista.
— Eu sou. Quer dizer, não fique animado. Não sou
necessariamente um sucesso ainda.
Ele pensa por um momento enquanto pega dois pratos e começa
a caminhar ao longo do pequeno bufê de comida.
— Os artistas mais notáveis não são realmente apreciados
postumamente?
Eu ri.
— Oh, bom, então eu tenho que morrer antes de ser levada a
sério?
— Receio que sim. Aqui, quer um bolo de caranguejo? —
Quando não respondo, ele olha para mim. — O que?
— É só que... você é tão... — Eu balanço minha cabeça em
confusão. — Eu realmente não consigo decidir se gosto de você ou
não.
Ele sorri e adiciona mais comida ao prato que está fazendo para
mim.
— Deixe-me dar a você um segundo bolo de caranguejo e ver se
isso ajuda você a se decidir.
— Nem estou com fome.
— Não me faça comer sozinho.
Não sei como acabamos em uma das salas laterais, pratos e
bebidas nas mãos, olhando as fotos de Anya. Eu continuo tentando
escapar, dando desculpas, mas ele é charmoso demais para o seu
próprio bem.
— Apenas fique por um momento. Não quero parecer triste e
sozinho aqui com esses pratos de comida.
Eu suspiro e desisto de tentar escapar dele.
Eu movo meu queixo em direção a uma das fotos.
— Você a conhece? Anya? — Eu pergunto.
— Já nos conhecemos, em galerias e coisas assim. O mundo da
arte em Nova York é menor do que você pensa.
— E? O que você pensa sobre ela?
— Ah, ela é uma idiota total. Todo mundo sabe disso, mas olhe
para o trabalho dela. — Ele aponta para a parede. — Realmente não
importa o que eu penso sobre ela. Suas fotos falam por si.
— Sim, eu pensei o mesmo.
— Você não terá que se preocupar com isso. — diz ele.
Posso sentir seu olhar na lateral do meu rosto enquanto minha
atenção permanece nas fotos de Anya.
— O que você quer dizer? — Eu pergunto, criando coragem para
me virar para ele.
— Bem, nós gostamos da arte de Anya, apesar de quem ela é.
Com você... você será adorada. As pessoas vão querer sua arte em
suas casas porque vão querer possuir um pequeno pedaço de você
da maneira que puderem.
Ele diz essas palavras e seus olhos azuis são incrivelmente sérios,
o que não faz absolutamente nenhum sentido. É óbvio que ele é um
playboy, tão confiante quanto ele parece. Ele é exatamente o tipo de
homem que você deseja em algum momento.
— Você não pode simplesmente dizer coisas assim.
Ele ri.
— Você acha que estou mentindo, mas é a verdade. Eu
compraria seu trabalho sem vê-lo.
Eu bato minha mão contra minha testa.
— Você não vê como isso é ofensivo para um artista?
Ele sorri, nem um pouco desencorajado.
— É?
— Sim. — Eu respondo com um tom áspero, presumindo que ele
vai desistir.
— Ok. Deixe-me ver sua arte algum dia e talvez mude de ideia.
— Ele flerta. Em seguida, seus olhos disparam por cima do meu
ombro e seu sorriso escurece apenas ligeiramente. — Ah, que
vergonha.
— O que é?
— Seu marido finalmente nos encontrou. — diz ele depois de
tomar um gole de sua bebida. — Eu pensei que tinha nos colocado
longe o suficiente para ter você só para mim por um pouco mais de
tempo.
Eu me viro para olhar e, com certeza, Walt e Matthew estão
entrando na sala lateral da galeria principal. Espero que Walt pareça
chateado, ou pelo menos irritado por me encontrar aqui
conversando com Olivier. Mas seus olhos escuros encontram os
meus e ele sorri, aparentemente feliz por ter me encontrado. Então
seu olhar muda para Olivier, e aquele sorriso vacila por um
momento.
— Olivier, não é? — ele pergunta quando eles se aproximam.
Olivier acena com a cabeça.
— Bom te ver de novo. Como está o Magritte?
— Deve ser entregue na próxima semana.
Os olhos de Olivier caem sobre mim quando ele responde:
— Estou com ciúme.
Eu olho para o chão, me sentindo de alguma forma culpada.
— Eu tenho que acordar cedo amanhã. Você está pronta para ir,
Elizabeth? — Walt me pergunta, já se afastando do grupo e
inclinando a cabeça em direção à entrada da sala.
— Você trabalha aos domingos? — Olivier pergunta, parecendo
menos do que impressionado.
Walt o olha com leve impaciência.
— Eu faço quando preciso. Nosso vice-presidente sênior que
supervisiona a região da China voará de volta para Xangai amanhã
à tarde. Eu preciso me encontrar com ele antes disso. — Então ele
olha para mim, sua impaciência por Olivier passando para mim. —
Se você quiser ficar, vou pedir ao meu motorista voltar para buscá-
la.
Uma parte de mim está ao mesmo tempo aliviada por ele querer
me levar para casa e zangada por ele ter me oferecido para ficar.
Muito confusa com as emoções conflitantes, eu simplesmente
aceno.
— Foi bom ver você de novo. — Eu digo, educadamente
sorrindo para Olivier.
— O mesmo vale para você. E eu falei sério - adoraria ver sua
arte.
Eu aceno e viro para Walt, esperando para ver o que ele fará.
Metade de mim espera que ele agarre minha mão e me puxe para
fora da sala, mas ele apenas gesticula para que eu vá na frente dele
quando saímos da galeria. Aceno para Nadiya quando passamos por
ela conversando em grupo, imitando um telefone ao lado da minha
orelha para que ela saiba que entraremos em contato, e então, muito
em breve, estamos na calçada, indo em direção ao SUV de Walt.
Eu entro primeiro e Walt se senta perto da outra janela.
Matthew salta na frente.
— Vocês se importam de me deixarem no meu apartamento
primeiro? — ele pergunta, e nós dois concordamos que está tudo
bem.
Walt fica quieto no caminho, olhando para o telefone e lendo e-
mails. Parece que ele tem trabalho a fazer pela manhã, então tento
não o incomodar enquanto andamos pelas ruas de Nova York.
Estou feliz com o silêncio enquanto olho pela janela e trabalho
nas últimas horas. Quase assim que coloquei meu cinto de
segurança, a conversa da biblioteca voltou ao primeiro plano dos
meus pensamentos. Todas as inseguranças e confusões parecem ter
se multiplicado nas últimas horas, desde que Walt falou pela
primeira vez sobre a dissolução do contrato e de nosso casamento.
Já é tarde quando voltamos ao nosso apartamento. Agradecemos
ao motorista de Walt e nos dirigimos para o saguão silencioso de
nosso prédio. As portas do elevador se abrem para nós
imediatamente e entramos.
— Era uma coleção interessante. — diz Walt, passando seu
cartão-chave para o andar da cobertura. — Gostaria de entrar em
contato com meu consultor sobre como adquirir mais fotografias
para o apartamento.
Esta é a primeira coisa significativa que ele me diz desde que
saímos da galeria e, por algum motivo, é a última coisa que quero
ouvir.
Eu cantarolo e olho para os números iluminando acima das
portas do elevador enquanto continuamos subindo os andares.
— Elizabeth?
Eu cantarolei de novo. Parece ser a única comunicação de que
sou capaz no momento.
— Você está chateada?
Eu continuo observando aqueles números iluminando,
esperando, esperando, esperando até que cheguem a 35, e então as
portas do elevador se abrem, e eu respondo com um simples
— Sim. — Antes de sair para a galeria de entrada.
Walt sai atrás de mim em um ritmo preguiçoso, me seguindo
enquanto eu caminho em direção ao meu quarto. Eu não me
incomodo em acender minha luz. Há bastante derramamento do
corredor.
Eu entro e me sento na minha cama, me abaixando para começar
a desamarrar minhas botas. Eu as afasto, e quando olho para cima,
encontro Walt parado na porta, imóvel. Seus ombros largos
preenchem o espaço. Seus olhos astutos estão em mim. Ele não
parece nem um pouco chateado ou triste, apenas... paciente. Como
se ele tivesse todo o tempo do mundo para esperar que eu parasse
de ser petulante.
De alguma forma, isso só faz meu sangue correr mais quente.
— Você gostaria de me dizer por que está chateada? — ele
pergunta.
— Não, particularmente.
Ele franze a testa, obviamente frustrado com a minha
incapacidade de responder diretamente a sua pergunta.
Ele empurra o batente da porta e caminha em minha direção. Eu
me levanto e estico o pescoço para olhá-lo nos olhos.
— Foi um longo dia. — Digo, esperando que isso resolva o
problema. — Acho que só gostaria de dormir um pouco, se estiver
tudo bem para você.
Tento me mover ao redor dele e ele bloqueia meu caminho, sua
mão caindo no centro do meu peito. Ele não quer ser dominador. É
um toque suave, mas o tamanho de sua mão ainda é
impressionante. Eu olho para baixo enquanto ele fala.
— Você está triste por eu ter te afastado de Olivier? — Ele
pergunta, se abaixando para tentar pegar meus olhos.
Eu franzo minhas feições em confusão.
— O que?
A questão é totalmente absurda.
— Parece que você estava feliz o suficiente com ele, e agora que
você está em casa comigo, você está chateada. Eu disse que você
poderia ficar na galeria.
— Sim, você me deu essa opção e foi muito educado da sua
parte. — Eu digo calmamente, como se fosse depreciativo.
O lado esquerdo de sua boca se contorce, como se ele estivesse
lutando contra um sorriso.
— Você está com raiva de mim por ser educado?
— Eu acho que sim. — Eu digo, novamente tentando girar em
torno dele.
Suas mãos se estendem para travar minha cintura, mantendo-
me no lugar entre ele e minha cama. Ele me segura através do
vestido, amontoando o tecido enquanto seus polegares roçam meus
ossos do quadril.
— Eu pensei que você tinha que acordar cedo amanhã. — Eu
digo, minha respiração falhando um pouco. Estou aborrecida por
não parecer tão furiosa quanto me sinto. — Você não deveria estar
na cama agora?
— Eu estaria, se você cooperasse. — diz ele, apertando meus
quadris.
Meus olhos se estreitam.
— Não estou com vontade de cooperar.
— Eu posso ver isso.
Ele perde a batalha com seu sorriso, então. Suas covinhas
profundas me provocam.
— Então você está chateada sobre como eu agi lá na galeria?
Devo dizer que isso é um absurdo ou isso só iria irritá-la mais?
Minhas mãos alcançam seu peito para que eu possa afastá-lo,
mas em vez disso, agarro o tecido de sua camisa, usando-o para
puxá-lo em minha direção.
— Me deixe em paz.
— Elizabeth.
— O que? O que você quer que eu diga? A verdade é que estou
tão frustrada e não posso te dizer por quê. Então, saia.
— Por que você não pode me dizer?
— Porque tudo é uma bagunça confusa dentro da minha cabeça.
Uma de suas mãos deixa minha cintura para que ele possa tirar
meu cabelo do rosto. Sua mão desliza de volta sobre meu couro
cabeludo, fazendo minha cabeça naturalmente se inclinar em sua
direção. Quando ele agarra minha nuca, ele olha para mim, seus
olhos passando rapidamente entre os meus.
— Sobre o que estamos discutindo aqui, Elizabeth? Acha que
gostei de te encontrar naquela sala sozinha com Olivier? Você acha
que eu não vi vermelho quando ele flertou com você bem na minha
frente? Só porque não agi com ciúme, não significa que não senti
isso.
Meu coração agarra sua confissão como se fosse algum grande
gesto romântico de amor, batendo no meu peito enquanto eu olho
para ele. Eu gosto de você, quero dizer. Eu acho você totalmente
cativante. Enfurecedor. Lindo. A junção de tudo que eu quero em um
marido.
Meus lábios se abrem e essas palavras estão na ponta da minha
língua, mas nunca saem. Elas nunca ganham voz. O medo é uma
grande toxina. Uma vez que envenena o sangue, ele reivindica
todas as suas ações. O medo me impede de dizer a verdade a Walt.
O medo me fez empurrá-lo para fora do meu quarto, dizendo-lhe
boa noite e fechando a porta para mantê-lo fora.
O medo é um mecanismo de defesa do qual não consigo me
livrar. É uma relíquia da minha infância. Como a segunda filha mais
velha em uma família com nove filhos, nunca me senti
particularmente necessária ou valorizada. Minha mãe deu à luz a
meu irmão apenas onze meses depois que eu nasci. Com Charlotte
como a filha mais velha e Jacob como o filho primogênito, caí em
um abismo profundo entre eles. A partir daí, só piorou, irmão após
irmão se juntando às fileiras. Babá após babá foi adicionada ao
repertório de pessoas que entravam e saíam da minha vida. Eu me
sentia sozinha em minha casa cheia, da mesma forma que alguém se
sente sozinho em uma sala lotada. Era tão fácil ser negligenciada e
esquecida porque eu não carregava nenhum superlativo que
chamasse a atenção de meus pais. Nunca fui a mais barulhenta, a
mais cruel, a mais simpática ou a mais inteligente. Não saí do meu
caminho em busca de carinho e, em troca, eles me deram espaço.
Minha tendência a me distanciar do mundo ao meu redor
significava que, mesmo na escola, eu nunca fui a pessoa com mais
amigos. É relativamente fácil ser um fantasma. Na verdade, é muito
mais difícil fugir dessa tendência, uma vez que se torna uma
segunda natureza.
Mas pensei que tudo poderia mudar quando minha mãe me
ligou do nada, implorando por minha ajuda e me pedindo para
casar com Walt. A pequena criança dentro de mim, aquela tão
desesperada pelo amor de sua mãe, aproveitou a chance de ser vital.
Assim, pensei, é assim que ela e eu finalmente nos conectaremos. Nosso
vínculo vai se fortalecer agora. Infelizmente, essa esperança infantil foi
destruída quando ela e minha irmã vieram à cidade para fazer
compras. No jantar daquela noite, percebi que não era mais
importante para minha mãe do que jamais fui, mesmo com meu
novo sobrenome. Para ela, eu era um meio para um fim.
Porém, outra coisa aconteceu naquela noite. Inesperadamente,
Walt estava ao meu lado, me confortando. Quando eu chorei e
contei a ele sobre minha família, ele ficou e ouviu, e meu coração
estupidamente decidiu que ainda havia a possibilidade de que
talvez ele, dentre todos nesta terra, entendesse que eu precisava de
alguém que me quisesse incondicionalmente, me amasse sem causa.
Por um lado, eu nem percebi o quanto me apeguei a ele porque
tudo aconteceu de forma gradual. E, por outro lado, não estou nem
um pouco surpresa de me encontrar nesta posição: apaixonada por
um homem com quem tenho brincado de casinha. É claro que olhei
para ele como meu salvador porque ele foi, de muitas maneiras.
É a culminação de todas essas questões subjacentes, amor
misturado com esperança misturada com desespero, que tornou
significativamente mais difícil ouvi-lo falar sobre nosso divórcio
com Matthew na biblioteca de maneira tão leviana. A maneira
casual com que ele discutiu como lidar comigo - como se eu fosse
outro item em sua lista de verificação - me fez sentir como aquela
criança de novo, completamente sozinha.
A ilusão desse casamento acabou.
VINTE E SETE
O fato é que eu deveria estar no apartamento de Walt
temporariamente. Eu deveria estar aqui por alguns dias, e então me
distraí com A Banquet Still Life. Na realidade, esta não é minha casa.
Walt não me convidou para morar com ele permanentemente. Não
posso ficar aqui, fingindo que tudo isso é normal. Eu não posso ficar
aqui, me enganando e acreditando que sou realmente a esposa de
Walt. Deus, eu queria isso. Eu queria ser vital para ele de uma forma
insubstituível, e esse desejo confundiu os limites para mim.
Obviamente, é hora de eu sair.
Embora eu esteja tentada a fazê-lo, não saio do apartamento de
Walt naquela noite. Não criei coragem até o dia seguinte, quando
acordo e encontro o apartamento vazio e um bilhete deixado para
mim na cozinha. Walt teve que correr para o escritório e só voltará
depois do almoço, então começo a recolher minhas coisas. Acho que
foi inteligente me dar a noite para dormir por causa da minha
decisão e, à luz do novo dia, ainda sei que é melhor sair antes que
ele peça que eu vá embora. O mero pensamento de ter que suportar
uma conversa em que ele educadamente apresenta a ideia de eu
conseguir meu próprio apartamento é o suficiente para fazer meu
estômago se apertar de mal-estar. Eu imagino como seria, as
desculpas que ele usaria:
Acho que você ficaria mais confortável.
Eu quero o melhor para você.
Você terá mais espaço para sua arte.
Ele poderia enfeitá-lo de um milhão de maneiras diferentes, mas
o fato é que ele me quer fora de seu lugar - daí a menção daquela
quantia total - e a última coisa que quero fazer é ficar além das
minhas boas-vindas.
Felizmente, ainda tenho algum dinheiro em minhas economias.
Walt nunca descontou os cheques que escrevi para cobrir o aluguel
e o custo do tapete danificado, o que significa que ainda tenho o
suficiente para cobrir um hotel por um tempo até decidir meu
próximo movimento.
Não demoro muito para empacotar meus pertences. Deixo o
vestido extravagante da arrecadação de fundos e todos os outros
itens que comprei que eram necessários apenas para esta nova vida
com Walt. Minhas roupas velhas cabem perfeitamente na minha
mala velha. Infelizmente, é a minha arte que será mais difícil de
transportar. Posso empacotar meus suprimentos em caixas de
papelão com bastante facilidade, mas minhas telas para Nadiya
representam um problema único.
Eu ligo para ela e conto a situação. Não entro em detalhes sobre
porque estou tirando minha arte do apartamento de Walt, apenas
que estou. Foi ela quem teve a ideia de transferi-los para a sede da
Stein Gallery em Nova York. Na verdade, ela tem uma equipe de
três caras no apartamento por volta das 10h30 para ajudar a embalá-
los com cuidado para que não sejam danificados durante o
transporte.
Terrell está no saguão quando desço com eles para ajudar a
carregar minhas peças na parte de trás da van.
— O que é tudo isso? — Ele pergunta, olhando para as caixas de
madeira planas que protegem cada uma das minhas telas.
— Minha arte. — Eu sorrio.
Suas sobrancelhas se erguem.
— Não brinca? Que legal. Gostaria de ter visto um pouco antes
de você embalar.
Mais tarde, depois de terminar de coletar as últimas coisas do
apartamento de Walt, pego um pedaço de papel para impressora do
escritório de Walt e faço uma anotação para Terrell de memória,
acrescentando uma pequena nota de agradecimento por ele no final
da página.
Ele está na porta quando eu rolo minhas malas pelo saguão.
— Indo viajar? — ele pergunta com um sorriso gentil.
— Sim. — Minto, preocupada de que, se eu contar a ele o que
estou realmente fazendo, ele possa envolver Walt.
— Quando você estará de volta?
— Ah, não tenho certeza. — Eu estendo o pedaço de papel. —
Isso é para você, no entanto. Por ajudar a carregar essas caixas mais
cedo.
Ele olha para o desenho que estendo a ele e sorri de orelha a
orelha.
— O que?! Parece comigo! Mas como você fez isso? — Ele ri de
espanto. — Isso é insano.
Ele o dobra cuidadosamente e faz um grande show enfiando-o
no bolso da frente do paletó do uniforme. Em seguida, ele dá um
tapinha com a mão sobre a proteção.
— Vou mantê-lo aqui comigo. — diz ele, segurando a porta
aberta para mim. — Precisa que eu chame um táxi?
Eu olho para cima e para baixo na rua, percebendo que não
tenho absolutamente nenhuma ideia para onde estou indo.
— Não, tudo bem. Eu cuido daqui.
Ele acena com a cabeça e volta para o saguão com pressa para
ajudar outro residente.
Sem nenhuma ligação a um bairro específico da cidade, decido
me hospedar em um hotel econômico em Midtown East, assim
posso ir a pé até o MoMA quando quiser.
Meu quarto de hotel fica no décimo andar, silencioso e abafado.
A cama range quando me sento na beirada e, mesmo com as
cortinas abertas, quase não há luz natural, já que a janela dá para
um prédio de tijolos ao lado.
Eu me sinto sem objetivo por alguns minutos enquanto estou
sentada lá. A ansiedade faz meu estômago apertar com força.
Lembro a mim mesma que já estive aqui antes, sozinha em Nova
York, mas não ajuda. Já sinto falta do Walt.
Eu me ocupo concentrando-me na última peça que preciso
terminar para minha coleção. É difícil criar um estúdio funcional no
hotel, especialmente considerando que tive que deixar meu cavalete
na casa de Walt. Arrasto uma mesinha lateral até a janela e jogo
uma toalha do banheiro sobre ela para que não fique manchada.
Abro o zíper da minha mala cheia de materiais de arte e começo
a alinhar os itens de que preciso, ocupando meu cérebro com tarefas
servis na esperança de que ele pare de voltar a pensar em Walt.
Depois do almoço, ele liga.
Eu fico olhando para o seu nome na tela do meu telefone e meu
coração dispara com antecipação e pavor. Meus dedos estão
cobertos de poeira pastel. Eu não poderia responder, mesmo se
quisesse.
Eu assisto meu telefone até que ele pare de tocar, e então a tela
escurece. Sem correio de voz, sem mensagem de texto. Quase posso
me convencer de que ele nunca ligou.
Mais tarde, enquanto estou comendo uma salada do
supermercado da mesma rua e folheando filmes ruins na TV, recebo
um telefonema de Nadiya.
— Ei. Boas notícias: sua arte chegou sã e salva à galeria. Abri
algumas das caixas para olhar tudo e... Elizabeth, isso é bom. Melhor
do que pensei que seria, mas não deixe isso te ofender.
Meu coração bate forte no peito, ganhando vida.
— O que isso significa? Você realmente acha que vai mostrar na
galeria de Paris?
— Absolutamente. Viajo amanhã e, assim que me encontrar com
a equipe, informarei um cronograma concreto de quando acho que
hospedaremos a coleção. Há uma pequena chance de que seja mais
cedo do que o previsto. Pode parecer loucura, mas, dizem que o
artista que iríamos mostrar em duas semanas está passando por
uma crise existencial. Ela quer manter seu trabalho e renegociar sua
taxa de comissão com a galeria. Os advogados dela são... — Ela
geme, aparentemente exausta. — Certo, desculpe. Eu poderia falar
sobre isso para sempre, mas não quero ocupar seu tempo. Basta
manter sua programação flexível até que eu lhe diga o contrário.
— Absolutamente. Eu posso fazer isso.

Ó
— Ótimo. Fique com o telefone perto de você nos próximos dias
e entrarei em contato. Temos muito trabalho a fazer se você for se
apresentar em duas semanas. Além disso, fique atenta para um e-
mail com o contrato oficial da Stein. Peça a um advogado que
analise e envie de volta para mim quando puder, embora não
demore para sempre.
Isso tudo é uma loucura.
Eu desligo e olho para o meu telefone, tentando decidir se acabei
de inventar toda aquela conversa na minha cabeça. Eu precisava
desesperadamente ouvir boas notícias depois das últimas vinte e
quatro horas, tanto que uma parte de mim não acredita que seja
real. Eu verifico meu registro de chamadas e vejo o nome de
Nadiya, em seguida, reprimo um sorriso quando um e-mail toca no
meu telefone. É dela, e ela anexou o contrato que acabou de
mencionar. Ela também anexou um PDF da galeria que inclui
detalhes sobre como eles catalogarão e definirão o preço de minha
coleção.
Eu imediatamente pego meu laptop da minha mala e abro uma
loja na cama do hotel. Abro o Google e começo a procurar um
advogado especializado em vendas e aquisições de arte.
Tenho uma dúzia de guias da Internet abertas, cada um levando
a um site de uma empresa diferente. Já estive em comunicação com
o advogado de um deles, uma jovem negra que está disposta a
trabalhar com meu cronograma complicado. Ela prometeu que
poderá revisar meu contrato esta noite e devolvê-lo para mim com
quaisquer revisões sugeridas até amanhã de manhã.
Estou tão focada no e-mail enquanto estou escrevendo para ela,
que pulo da minha pele quando meu telefone toca.
É o Walt.
De novo.
Desta vez, eu sei que tenho que responder. Não posso continuar
a ignorar suas ligações. Mais do que isso, não quero ignorar suas
ligações.
Eu pego o telefone e passo meu dedo na tela rapidamente, antes
que eu possa voltar. A chamada se conecta e meu estômago aperta.
— Walt?
Posso ouvi-lo suspirar ao telefone como se estivesse aliviado por
finalmente ter me encontrado. Então, com a mesma rapidez, ele fala
em um tom cheio de indignação.
— Elizabeth. Jesus. Onde você está?
— Eu estou...
Onde? Onde estou? Não posso me forçar a dizer a palavra
“hotel”, e ainda bem porque Walt já está fazendo outra pergunta.
— Você saiu do apartamento hoje?
Eu respiro fundo antes de responder baixinho.
— Sim.
— Por quê? Eu não... estou apenas confuso. Você ainda está em
Nova York? Aconteceu alguma coisa? Seus pais estão bem?
Meu coração se parte
— Não - sim. Tudo está bem. Quer dizer, estou assumindo que
eles estão bem. Eu só-
— O que?
— Ainda estou na cidade.
— OK...
Nenhum de nós fala depois disso. Não tenho pressa em
preencher o silêncio, e ele leva um momento para processar a
notícia. Então, ele ri com tristeza e eu estremeço.
— Eu pensei que estava errado. — Ele continua. — Achei que
você não esperaria até que eu saísse para o trabalho, para arrumar
suas coisas e ir embora sem nem mesmo um adeus.
Eu engulo em seco, percebendo que não parece tão bom da
perspectiva dele. Ele torceu para ver o mal, mas eu o estava
ajudando, ajudando-nos a tornar tudo isso mais fácil.
— Parece insensível quando você fala assim, mas você tem que
entender, eu pensei que era a melhor opção depois de ontem à
noite.
— A melhor opção teria sido exatamente o oposto, Elizabeth. —
Ele repreende. — Um telefonema para o meu escritório e eu estaria
em casa imediatamente. Poderíamos ter conversado sobre o que
está acontecendo. Eu sei que você estava chateada ontem à noite, e
eu te dei espaço. Achei que discutiríamos tudo isso hoje.
Há aquele medo de novo, erguendo sua cabeça feia. Para ele, faz
muito sentido. Vamos conversar para que eu possa explicar a situação a
você e ver enquanto quebro seu coração em primeira mão. Qual poderia ser
o problema?
— Não quero falar sobre isso. — Respondo baixinho.
— E daí? Você está fugindo? Terrell disse que você saiu para
uma viagem? Ajude-me a entender isso.
— Eu não estou fugindo. Vou conseguir minha própria casa na
cidade, continuando com o plano que tinha quando cheguei em
Nova York, antes de me casar com você no tribunal.
— Certo. Eu adivinhei isso quando encontrei seu anel na minha
mesa.
Meu queixo treme enquanto esfrego a palma da mão no peito.
Eu o deixei lá esta manhã, e agora, eu o imagino torcendo os
dedos enquanto o estuda. Isso me enche de tanta angústia, pensar
que poderia tê-lo machucado inadvertidamente, tanto que eu
aperto meus olhos fechados, na esperança de fazer tudo isso
desaparecer.
— Não parecia certo levá-lo comigo.
Ele solta um suspiro pesado.
— Então, isso é... uma separação?
— Nós íamos nos divorciar de qualquer maneira. — Eu aponto.
— Divorciar? — Ele parece quase aliviado enquanto corre para
continuar. — É disso que se trata? A conversa na biblioteca ontem à
noite? Jesus, você poderia apenas ter dito algo-
— Pare de dizer isso! — Eu explodo. — Eu sei que você acha que
teria sido tão fácil para mim apenas me comunicar e dizer
exatamente a coisa certa no momento certo, mas não sou um robô
perfeito, Walt. Só posso existir da maneira que sei. Isso é
extremamente desconfortável para mim.
— Por favor, tente me explicar. — Ele implora com desespero.
— Eu não quero sentar aqui e falar sobre nosso divórcio. Você
não entende isso? Você não entende que pode ter realmente me
assustado perceber que me apaixonei por um homem que estava
apenas brincando de ser meu marido? Nos últimos dias, você e eu...
nós...
— Elizabeth.
Ele diz meu nome da mesma forma que um amante acariciaria
minha bochecha, e eu sei que se eu abrir minha boca, lágrimas irão
acompanhar minhas palavras, e eu não quero que isso aconteça. A
última coisa que quero é parecer ainda mais infantil aos olhos dele.
— Eu tenho que ir. — Eu digo rapidamente.
— Não desligue! — ele explode.
— O que você quer que eu diga?! — Eu lanço meu braço no ar
quando a verdade começa a explodir para fora de mim. — Nós
temos um casamento falso! Fizemos votos em um tribunal e eles
não significaram nada. Você acha que eu não sei disso? E agora olhe
para mim! Eu fui a idiota que acidentalmente se esqueceu de te
odiar. Minha guarda caiu e dia após dia você apenas... você tornou
impossível não se apaixonar por você. Na verdade, pensei comigo
mesmo: Bem, isso não é bom? Amar a pessoa com quem sou casada - isso
não vai funcionar a meu favor?!
Ele tenta me interromper, mas não há como me parar neste
momento. Ele abriu a válvula e agora tudo está saindo de mim em
uma grande corrida catastrófica.
— Quando assinei aqueles papéis idiotas que seus advogados
mandaram, pensei que nos casaríamos para sempre. — Eu rio
sarcasticamente enquanto as lágrimas escorrem pelo meu rosto. —
Como eu posso ser tão burra?!
— Você poderia, por favor, parar? Você não é burra-
— Ai, meu Deus. — Eu sinto que estou hiperventilando
enquanto o constrangimento se transforma em tristeza. — Não
acredito que realmente pensei isso. — Estou escorregando para fora
da cama rapidamente, começando a andar, pressionando a palma
da mão na minha testa enquanto pareço chegar a todas essas
constatações de uma vez. — Não posso acreditar que presumi que
um homem como você seria forçado a um casamento e não teria um
plano alternativo. Você provavelmente sabia que isso não duraria o
tempo todo. Como foram os últimos dias para você? Um pouco do
bom e velho entretenimento? Uma maneira de passar o tempo
enquanto seus advogados redigiam os papéis do divórcio?
De repente, me sinto mal. Meu estômago revira e eu desligo,
jogando meu telefone na cama enquanto corro para o banheiro. Eu
vomito, tentando desacelerar meu coração disparado. Se eu tivesse
um saco de papel marrom, bufaria dentro e fora dele para acalmar
minha ansiedade. Em vez disso, me forço a me concentrar em um
ponto na parte de trás do assento do vaso sanitário e respiro fundo
enquanto fico ali parada, tentando me acalmar.
O que está acontecendo?
O que diabos eu fiz?
Eu deslizo para o chão e envolvo meus braços em volta das
minhas pernas para que eu possa deixar minha testa cair sobre os
joelhos.
Isso foi ruim.
O que quer que tenha acontecido no telefone é o oposto do que
eu queria que acontecesse. Saí do apartamento de Walt hoje porque
não queria que ele me visse assim. Eu nem mesmo reconheço essa
versão de mim mesma.
Eu rio porque é tudo muito histérico. Estou histérica.
Estou histérica porque estou apaixonada.
Estou apaixonada por um homem com quem acabei de gritar
várias vezes antes de desligar na cara dele.
Isso é tão ruim. Pior do que ruim. Péssimo.
VINTE E OITO
Eu não adormeço facilmente naquela noite. Eu me enrosco em
meus lençóis, rolando para frente e para trás, de um lado para o
outro, olhando para o teto, implorando para que meu corpo
coopere. No final, caio no sono meio esparramada na cama, tão
profundamente fora dela que, a princípio, o som do meu telefone
tocando é incorporado ao meu sonho.
Então, com uma descarga de adrenalina, meu cérebro diz:
Acorde! Pegue seu telefone!
Meus olhos se abrem quando chego ao outro lado da cama para
pegá-lo e ler a tela, apenas para cair de alívio quando vejo que é
Nadiya e não Walt.
— O show está começando! — ela diz quando a chamada é
conectada.
— O que? — Eu pergunto, enxugando o sono dos meus olhos.
— Sim! Estamos reorganizando a programação, superando o
outro artista e fazendo com que suas telas sejam emolduradas
conforme falamos.
Eu pulo para a posição sentada, jogando minha mão sobre a
boca.
— Puta merda. — Eu me encolho. — Desculpa! Finja que eu não
disse isso.
Nadiya ri.
— Escute, eu preciso de algumas coisas de você. Primeiro, uma
pequena biografia. Você deve ter visto a de Anya na outra noite.
Caso contrário, verifique nosso site - ele lhe dará uma ideia do
formato de que precisamos. Também tenho alguns jornalistas
franceses que gostariam de fazer entrevistas com você para
acompanhar suas redações. Sei que pode não parecer divertido, mas
é a melhor maneira de divulgar seu nome, então você só precisa
sorrir e aguentar.
— Está bem. Eu me viro.
— Além disso, sei que você ainda está pedindo a sua advogada
que analise nosso contrato...
— Ela disse que poderia mandar de volta para mim mais cedo do
que o esperado. Espero que ele seja assinado por você hoje mais
tarde.
— Perfeito. Por último, vou enviar-lhe um email com a
confirmação do seu voo assim que o meu assistente o reservar. Eu
acho que você deveria estar em Paris pelo menos alguns dias antes
do show para que você possa se aclimatar e ajudar com os detalhes
finais.
— Então, isso está realmente acontecendo? — Eu pareço
perplexa.
— Sim. — Ela enfatiza. — Está acontecendo. Quando você pode
conseguir a peça final em que está trabalhando?
— Amanhã. Eu acho. Vou trabalhar como uma louca hoje.
— Boa. Ligue para a Stein Gallery quando terminar, pergunte
por Mark. Ele mandará um dos caras empacotar a arte para o envio.
Ligue se precisar de mim, mas posso não ser rápida em responder
porque estou prestes a embarcar no meu voo agora.
Desejo a ela uma boa viagem e depois desligamos. Por trinta
segundos, talvez um minuto no máximo, fico em êxtase com as
notícias, sonhando em ver minha arte pendurada na galeria Stein
em Paris. Então, eu olho por cima do meu telefone e meu quarto de
hotel vazio e gelado me encara de volta. Meus olhos vão do meu
estúdio improvisado perto da janela para a minha mala com roupas
caindo do lado.
A empolgação com meu telefonema para Nadiya não parece ter
o poder de permanência que eu esperava. Minha situação atual se
recusa a ser ignorada.
Paris! Eu me lembro.
Walt, meu cérebro responde.
Este quarto de hotel solitário me arrasta de volta para um mau
humor do qual não consigo escapar. Eu deslizo para fora da cama e
abro as cortinas, na esperança de ver um raio de sol. É uma manhã
nublada, tempo que combina com meu humor.
Tenho muito trabalho a fazer na minha última peça, mas preciso
comer algo primeiro. Eu coloco uma das minhas calças de ioga e um
moletom, e desço para o saguão do hotel para escolher suas ofertas
de café da manhã. Ovos aquosos e pastéis processados são
praticamente minhas únicas opções, então coloco alguns ovos em
meu prato e encho um copo de isopor com a quantidade de café que
pode conter.
Em uma mesa no canto, como e enquanto isso, folheio um New
York Times que alguém abandonou. Na seção de artes, não estou tão
surpresa em ver um pequeno artigo sobre o programa de Anya de
duas noites atrás. Há uma grade de fotos do evento que destaca seu
trabalho, bem como os notáveis nova-iorquinos que estiveram
presentes. Meu coração pula uma batida quando vejo Walt e eu. Eu
me inclino para estudar a imagem. Nele, estávamos olhando para a
peça final de Anya em seu show, a adaptação da cadeira de Van
Gogh. O fotógrafo nos pegou de lado. Eu pego a maior parte do
quadro, mas Walt é uma cabeça mais alto do que eu, sua mão
pressionada nas minhas costas. Eu estava encostada nele, algo que
não me lembro de ter feito na época. Parecemos relaxados juntos,
confortáveis nos braços um do outro.
A legenda simplesmente diz:
— Sr. e Sra. Walter Jennings II.
Eu empurro o papel de lado e dou uma mordida nos meus ovos.
Droga. De alguma forma, eles são piores do que parecem, se é
que isso é possível. Depois da minha primeira mordida, eu ignoro
meu prato e me concentro no meu café. Tento muito não olhar para
o jornal de novo. Quase sempre consigo, mas de vez em quando,
meus olhos me traem.
Eu puxo o papel em minha direção novamente e estreito meu
olhar sobre nós. Deus, parecemos adoráveis. Apaixonados.
Eu propositalmente coloco minha xícara de café em cima da
imagem, bloqueando minha visão. Isso funciona bem até que eu
queira tomar outro gole de café.
Meu telefone vibra ao lado do jornal com uma ligação de
Matthew.
Eu não atendo. Em vez disso, bato os dedos na mesa, esperando
ir para a caixa postal e, em seguida, ouço imediatamente a
mensagem que ele me deixou.
— Elizabeth, oi. É o Matthew. Eu sei que você pode não querer
falar comigo agora, mas escute, espero que você esteja bem. Walt
me ligou ontem à noite preocupado com você. Ele perguntou se eu
tinha visto você, o que não fazia sentido até que ele me disse que
você tinha se mudado. Perdi alguma coisa? Vocês pareciam muito
bem na outra noite... eu não sei. Provavelmente sou a última pessoa
com quem você deseja falar, mas se quiser, estou aqui. Juro que sou
seu amigo, não apenas um informante do meu irmão. — Ele ri. —
De qualquer forma, sim, sério, espero que você esteja bem. Certo.
Tchau.
Eu me sinto mal por ignorar sua ligação, então eu mando uma
mensagem de volta.
Elizabeth: Ei, obrigada por ligar. Estou bem.
Ma hew: Ei. Tem certeza?
Elizabeth: Sim, apenas descobrindo algumas coisas. Tudo bem.
Ma hew: Meu irmão está muito preocupado com você. Não enfia o
nariz onde não é chamado, nunca o vi assim.
Uma parte de mim quer pedir que ele explique. O que ele está
fazendo? Está chateado? Está com raiva? Triste? Quão triste? Mas eu
sei que não é uma boa ideia. Em vez disso, silencio meu telefone,
limpo minha mesa e volto para o meu quarto para trabalhar.
Eu não olho para o meu telefone de novo pelo resto do dia.
Tenho que me concentrar nesta peça final da minha exposição, e a
última coisa que quero fazer é me distrair e não cumprir minha
promessa a Nadiya de terminar a tempo. Esta é uma oportunidade
única na minha carreira, e por mais que eu queira fechar as cortinas
e me enrolar na minha cama, tenho apenas que ignorar essa
vontade. Trabalhe agora, caia no desespero depois do seu show em Paris.
Só quando estou deitada na cama às 23h32, prestes a dormir, é
que verifico meu telefone novamente e vejo uma chamada perdida
de Walt desta tarde.
Em seguida, ele enviou uma mensagem.
Walt: Acho que devo te dar espaço, mas não posso. Me encontre
para jantar? Precisamos conversar, eu parto para uma conferência sobre
disposi vos na Califórnia amanhã de manhã.
Em vez de enviar uma mensagem de volta para ele, vou até as
minhas chamadas perdidas recentemente e passo o polegar sobre
seu nome. Deus, eu quero falar com ele. Sinto tanto a falta dele que
dói ficar aqui sabendo que ele está a apenas dez minutos de carro.
Eu pressiono meu polegar em seu nome antes que eu possa me
questionar, e então meu coração dispara quando o telefone toca. A
antecipação faz meu pulso disparar. Em um momento, vou ouvir
sua voz. Vou fechar os olhos e ouvir ele falar e fingir que tudo vai
ficar bem. Ele e eu vamos descobrir isso.
Mas a chamada nunca é conectada. Walt já deve estar dormindo.
Eu coloco meu telefone na mesa de cabeceira, rolo para longe dele e
fecho meus olhos.
De manhã, eu verifico meu telefone para ver a primeira de uma
série de chamadas perdidas.
Walt: Ei, eu estava dormindo quando você ligou. Eu nha que estar
no aeroporto às 4:45 da manhã, então dormi cedo. Me ligue quando
acordar.
Eu ligo para ele, mas ele ainda deve estar no avião.
Mais tarde, quando estou no banho, ele liga de volta. Eu
amaldiçoo, absolutamente furiosa com o universo por fazer isso
conosco.
Quando eu ligo de volta, ele atende no primeiro toque.
— Elizabeth.
— Walt. Oi. Desculpe. Nós estamos-
— Desencontrados. Eu sei. Ouça, estou prestes a subir no palco
aqui em alguns minutos para uma palestra.
— Sr. Jennings. — diz um homem ao fundo. — Precisamos fazer
uma verificação do microfone.
Ele suspira, parecendo que está perdendo o juízo.
— Elizabeth, eu te ligo mais tarde quando eu voltar para o meu
quarto de hotel. Fique com o telefone perto de você.
— OK.
Eu faço exatamente o que ele diz. Eu coloco o volume do meu
telefone no máximo e o mantenho comigo o dia todo enquanto
pinto, enquanto envio um e-mail para Nadiya, enquanto coordeno
o horário de entrega da minha tela concluída com Mark da Stein
Gallery, enquanto ando para pegar um jantar barato em uma
lanchonete no final da rua, enquanto eu como no banco do parque,
vendo as crianças jogarem um jogo de futebol americano.
Ele não liga de volta até eu estar na cama, percorrendo o Reddit
no meu telefone.
Eu atendo imediatamente, o alívio me inundando.
— Walt, nós somos péssimos nisso.
Ele suspira quando uma porta bate no fundo.
— Acabei de entrar no meu quarto de hotel. Deus, foi um longo
dia.
Eu o imagino passando a mão pelo cabelo, exausto.
— Você já jantou? — Eu pergunto.
— Estou prestes a pedir o serviço de quarto.
— Ah. Eu poderia deixar você ir para que ...
— Elizabeth.
— Eu só estava-
— Sim, eu sei o que você estava fazendo, e eu não me importo.
Não vamos desligar este telefone até que você me ouça.
Sento-me na cama, recostando-me nos travesseiros.
— Mas me dê apenas dois segundos. Onde está o cardápio deles?
— Eu o ouço arrastando os pés enquanto agarra o telefone do hotel,
então há o som revelador dele discando para o serviço de quarto.
Alguém deve responder rapidamente porque Walt fala
imediatamente, pedindo um cheeseburger.
Eles devem perguntar sobre uma bebida porque Walt responde
com:
— Tudo bem, só água. Adicione uma salada ao lado, por favor.
Qualquer que seja o tempero da casa que você tem, é bom.
Há silêncio por um momento, então ele agradece à pessoa do
outro lado da linha e desliga.
— Elizabeth? Você está aí?
— Sim.
— Certo. Isso deve levar cerca de duas horas para eles trazerem.
Eu sorrio.
— Por que o serviço de quarto sempre leva uma eternidade?
— Não tenho ideia, mas é uma lei universal. Espere, deixe-me
tirar meu terno. Eu estive nisso o dia todo. Ugh, eu preciso de um
banho.
— Então, tome um banho.
— Certo, com a chance de perder você?
— Vou ficar ao telefone, juro.
— Tudo bem, mas estou levando você para o banheiro comigo.
— diz ele.
Eu escuto uma porta se abrir e, em seguida, o chuveiro liga. A
água espirra no azulejo e no vidro, o que significa que ele deve estar
em um hotel muito bom. Nenhuma cortina de chuveiro bege de
plástico para ele.
— Você pode me ouvir? — ele pergunta.
— Por muito pouco.
— Vou ser rápido.
É uma tortura aguda ficar ao telefone com Walt, ouvindo
enquanto ele tira a roupa. Meus ouvidos picam com cada pequeno
som: um zíper deslizando, roupas amontoadas, o tilintar de metal
batendo no ladrilho. O som do chuveiro fica mais alto quando ele
abre a porta e entra. Seu corpo bloqueia parcialmente o fluxo,
amortecendo o som. Eu fecho meus olhos e escuto, imaginando
como ele se parece, a água escorrendo sobre seus músculos
enquanto ele ensaboa seu corpo.
Mais alguns minutos se passam assim e eu me contorço com
impaciência na minha cama, tentando ignorar o fato de que minhas
bochechas estão começando a ficar quentes.
A água é cortada e a porta do banheiro se abre novamente. Uma
nova imagem mental substitui a última: Walt saindo do chuveiro,
brilhando, limpo e nu. Água pingando de seu cabelo escuro, gotas
rolando por seu pescoço e peito. Eu o ouço abrir uma toalha e
começar a secar.
— Elizabeth?
Eu puxo um pedaço de linha solto no lençol.
— Estou aqui.
— Ok. Deixe-me pegar algumas roupas.
— Isso tudo fazia parte da sua estratégia? — Eu pergunto,
apenas parcialmente provocando.
— O que?
— Me colocar no telefone e me fazer ouvir isso?
Ele ri.
— Foi tudo feito em inocência, eu lhe asseguro. Embora, para ser
justo, eu nunca teria sido capaz de ouvir se a situação fosse inversa.
Um arrepio percorre minha espinha e, em vez de me tentar
ainda mais em tópicos ilícitos, me forço a voltar à tarefa em questão.
— Você queria falar comigo sobre o outro dia? Esclarecer as
coisas? — Eu pergunto, meu tom mudando para algo um pouco
mais sério.
— Sim, embora eu não tenha certeza de como começar. É tão
estranho estar falando com você dessa maneira. Eu gostaria que
você pudesse vir para a Califórnia. Você pode? Vir? Estarei aqui até
domingo.
Uma risada sai de mim porque é tão absurdo.
— Não. Eu... não, Walt. Na verdade, estou voando para Paris no
sábado.
O assistente de Nadiya enviou meu número de confirmação e
detalhes do voo no início desta tarde.
— Paris? — ele pergunta, parecendo surpreso, e bem, faz
sentido.
— Sim. Para minha exposição na Stein Gallery.
— Que exposição?
Eu explico a ele a mudança no cronograma, como Nadiya me
colocou na vaga que estava anteriormente preenchida, incapaz de
manter o sorriso fora do meu rosto enquanto repasso os detalhes.
Mesmo depois de tudo, é bom compartilhar isso com ele. Percebo
agora que ele é a única pessoa para quem eu queria contar.
— Tem sido um pouco turbulento, na verdade. Eu só descobri
isso ontem, então estou tentando finalizar tudo o mais rápido
possível.
— Isso é... — Sua voz some como se ele não tivesse certeza do
que dizer. — Elizabeth, isso é... Parabéns. Você deveria estar muito
orgulhosa de si mesma.
— Eu estou. Sim. Obrigada.
— Por quanto tempo você estará lá?
— Uma semana, eu acho. Tempo suficiente para ajudar nas
decisões finais sobre a exposição, e então comparecer, é claro. Há
um pouco de entrevistas que tenho que fazer, nada importante, mas
sim...
— Uau.
— Sim, vai dar muito trabalho.
— Parece que sim.
Há uma longa pausa enquanto eu olho para o teto, sem saber
para onde ir a partir daqui.
— Walt, você acha que devemos apenas conversar quando eu
voltar de Paris? Discutir sobre os últimos dias? Assim teremos
algum tempo para pensar em tudo? Eu só... não estou orgulhosa do
meu comportamento da outra noite...
— Não há nada para se envergonhar.
Ainda assim, minhas bochechas ficam vermelhas.
— Eu sei, só...
Na verdade, não posso explicar a ele qual é o meu motivo para
atrasar esta conversa, porque não é algo de que estou
particularmente orgulhosa. É que, para mim, espaço significa
esperança... espero que ele e eu consigamos consertar toda essa
bagunça depois do meu show. Eu me preocupo se ele e eu
conversarmos agora, se seguirmos caminhos separados, posso passar
as próximas duas semanas em uma névoa de depressão, incapaz de
aproveitar este grande momento em minha carreira.
— Duas semanas não é muito. — Eu continuo. — Vamos
apenas... conversaremos quando eu voltar. OK?
Eu nem percebi que queria que ele discordasse e forçasse a
questão, declarasse seu amor aqui e agora, até que ele disse:
— Tudo bem.
Sinto como se meu coração estivesse se partindo em dois.
— Boa sorte em Paris.
— Obrigada. Vou... sim, vou falar com você depois.
— Depois. — Ele repete para mim antes que eu desligue.
VINTE E NOVE
A exposição ocupa a maior parte da minha capacidade de
atenção na próxima semana, mas não toda. Ainda encontro tempo
para pesquisar Walt no Google e ler artigos de tecnologia
enfadonhos sobre a conferência que ele participa. Os jornalistas dão
detalhes sobre o futuro da Diomedica. Aparentemente, eles
acabaram de concluir os testes clínicos para uma nova bomba de
insulina vestível, e os preços das ações estão disparando. Walt é
tendência no Twitter ao lado de Elon Musk e Jeff Bezos. Estou um
pouco surpresa por conhecê-lo, muito menos do que ser casada com
ele.
Acho um pouco irritante que Walt me dê o espaço que solicitei.
Não há um pio dele, nenhuma ligação ou texto enquanto me
preparo para minha viagem a Paris.
Arrumo minha mala e faço um acordo com um funcionário da
recepção do hotel. Ele vai me deixar guardar minha mala cheia de
materiais de arte em um dos armários na semana que estiver fora
em troca de 50 dólares. Espero que ele não perceba que os
suprimentos dentro da mala valem muito mais do que isso, embora
não tenha certeza de que haja um enorme mercado negro para os
lápis de cor pastel usados, principalmente.
Nadiya e eu estamos em contato constante enquanto me preparo
para partir. Stein está me hospedando em um hotel perto da galeria,
além de cuidar do meu voo. Estou em um assento da primeira classe
no caminho, o que é indulgente e maravilhoso. Na verdade, consigo
dormir um pouco, depois de dizer a mim mesma para parar de
navegar no Twitter, em busca de mais informações sobre o tempo
de Walt na Califórnia.
Digo a mim mesma que vou parar de pensar nele assim que
pousar em Paris. Eu faço disso minha missão pessoal, e quase
consigo. Quando Nadiya me pega no aeroporto, ela me leva para
um frenesi de atividades. Domingo e segunda, estamos na Stein
Gallery, focando na ordem das minhas peças e confirmando que
gostamos do fluxo geral da coleção. Terça-feira, encontro a
imprensa no hotel, passando de uma entrevista para a outra, de
modo que, no final do dia, minha voz fica rouca. Na quarta-feira de
manhã, Nadiya pediu a um fotógrafo profissional que me
encontrasse no meu quarto de hotel para que ela pudesse tirar
algumas fotos minhas. A equipe de relações públicas da Stein
enviará a melhor foto para a imprensa francesa e a usará no
programa.
— Você está cansada? — Nadiya me pergunta na quinta à noite,
enquanto nos sentamos em um restaurante, esperando nossa
comida.
Não estamos sozinhas. Nossa mesa para oito inclui algumas
outras pessoas da Stein que estão ajudando a coordenar meu show.
Eu deveria estar tentando causar boas impressões, mas,
sinceramente, posso adormecer na mesa a qualquer momento.
Eu me encolho.
— Parece que eu estou?
— Só um pouco.
Eu ri.
— Amanhã, você tem um dia leve. Precisamos nos encontrar na
galeria pela manhã para garantir que tudo esteja pronto, mas então
você tem a tarde de folga. Vá com calma. Explore a cidade. Ou,
inferno, tire uma soneca.
Aceito seu conselho, ignorando a atração de grandes museus
como o Louvre e o d'Orsay em favor de visitar a Fondation Cartier,
um museu fundado pela marca de relógios de luxo que abriga arte
moderna.
Possui um grande jardim contemporâneo repleto de vegetação.
Assim como em Nova York, a primavera chegou a Paris. Com uma
jaqueta leve, posso sentar-me nos degraus rasos em cascata,
apreciando a justaposição entre o jardim exuberante e a fachada
industrial do museu. É a primeira quantidade substancial de tempo
que realmente tenho sozinha desde que cheguei aqui, e não estou
surpresa de ser saudada pelo chamado da solidão. Eu tenho meu
caderno de desenho comigo, então eu o puxo para fora da minha
bolsa, percebendo ao virar para a última página que não desenhei
nada nele desde que desenhei Walt em seu apartamento. Eu fico
olhando para o desenho dele, e é como se meu desejo fosse físico,
manifestando-se como uma dor no meu peito que não consigo
aliviar, mesmo depois de fechar meu caderno.
Desisto de desenhar e, em vez disso, olho as pessoas no jardim. É
tranquilo no início da tarde. Uma família ocupa um lugar ao meu
lado, seus dois filhos correndo loucamente. Uma delas, uma menina
com cabelo loiro curto e vestido floral, foge de sua irmã, rindo
loucamente antes de correr direto para mim. Estendo a mão,
tomando cuidado para não a deixar cair nos degraus.
— Pardon! — Diz sua mãe, correndo para pegar seu filho.
— Não. Não, está tudo bem. — Eu digo, sorrindo para que ela
saiba que não estou nem um pouco incomodada.
Ela acredita na minha palavra e se senta novamente. Eu solto a
criança assim que sei que ela está firme em seus pés.
A menina aponta para o meu caderno de desenho e diz algo em
francês.
— Dessine une image.
Eu franzo a testa, sem entender.
Ela aponta com mais força, dizendo novamente:
— Image. Image.
Pegando a dica, abro o caderno de desenho para mostrar a ela
minhas artes, e seus grandes olhos castanhos se arregalam. Sem
perguntar, ela começa a folhear as páginas. Eu olho para cima para
ver sua mãe nos observando, lançando-me um sorriso agradecido.
— Você quer que eu desenhe você? — Eu pergunto.
A menina parece confusa, então eu viro para uma página em
branco e aceno meu lápis. Ela imediatamente entende a dica.
— Dessine! Dessine!
Tento desenhá-la, embora ela não facilite. Em vez de posar, ela
dança lindamente pelo jardim na minha frente. Eu esboço
rapidamente, meu lápis voando ao redor da página, capturando o
giro de seus movimentos, o puf de sua saia enquanto ela gira de
alegria.
Para o bem da posteridade, eu assino a parte inferior e rasgo a
página do caderno de desenho para entregar à garota. Ela corre para
mostrar à mãe e a mulher olha para mim, falando em um inglês
irregular.
— Talvez... vous serez... artista famosa um dia. — Ela diz com um
sorriso.
Eu retribuo o sorriso dela, esperando que ela esteja certa.
Eu mal consigo dormir na noite anterior ao meu show. Deito-me
na cama, repassando minha programação e tentando descobrir
qualquer detalhe de última hora que possa ter esquecido. Meu
vestido já está pendurado atrás da porta do banheiro. Decidi ir com
o mesmo vestido com estampa de chita que usei quando me casei
com Walt. Pensei em sair e comprar algo novo para o desfile, mas
não queria dar a ninguém a falsa impressão de quem eu realmente
sou, sem falar que prefiro não gastar o pouco dinheiro que tenho
em um blazer e calças bregas. Além disso, gosto desse vestido e
gosto especialmente dele combinado com meus Doc Martens.
Eu deslizo para ele no dia seguinte enquanto estou me
arrumando e começo a colocar minhas joias em cima dele. Tomo
cuidado com o relógio da minha avó e meu medalhão minúsculo.
Eu odeio notar como meu dedo anelar esquerdo parece descoberto
agora.
Eu mantive minhas armas em Paris, mantendo-me longe das
mídias sociais e do Google para não enlouquecer com atualizações
sobre Walt. Eu quase mandei mensagens para ele algumas vezes. É
difícil não pensar nele em uma cidade tão famosa por sua arte. Vejo
algo em cada esquina que ele adoraria, uma pintura ou escultura
que sei que ele gostaria de ver.
Eu gostaria que ele estivesse aqui comigo.
Eu gostaria que ele estivesse ao meu lado esta noite, mas estou
orgulhosa de mim mesma por fazer isso sozinha.
Eu me olho no espelho do hotel e aperto minhas mãos.
— É isso. — Digo para o meu reflexo.
Esta é uma chance única na vida de fazer meu nome como uma
jovem artista emergente. Não estrague tudo. Eu rio para mim mesma
e balanço minha cabeça, pegando minha bolsa e telefone antes de
descer para o saguão do hotel. Nadiya já está esperando por mim,
acompanhada por Agnès, a chefe de relações públicas da galeria de
Stein em Paris. Ambas aplaudem minha roupa.
— É perfeito. Muito americano. — Agnès diz com um sorriso.
Não tenho ideia do que ela quis dizer com isso, mas considero
isso um elogio.
Entramos em um carro fora do hotel e vamos direto para a
galeria. O sol poente banha as fachadas de pedra dos edifícios
Haussmann de Paris com uma luz dourada. Ao longo do Sena,
passamos por vendedores montados em suas barracas. Os turistas
circulam por eles, trocando euros por pequenas bugigangas e
lembranças. Uma motocicleta gira na nossa frente, desviando minha
atenção do rio enquanto diminuímos a velocidade até parar em
frente à galeria.
A localização de Stein em Paris está situada em um prédio
antigo de frente para o Sena. Possui portas duplas antigas pintadas
de verde escuro e janelas decoradas com grades de ferro forjado
ornamentadas. Já tem gente aqui para a exposição, alguns
jornalistas com câmeras penduradas no pescoço reunidos na frente.
Uma equipe de fornecedores termina de montar um bar ao ar livre.
Cada vez que cheguei à galeria esta semana para ajudar na
configuração e nas decisões finais de layout, parecia tão surreal
quanto da vez anterior. Mesmo agora, eu quero me beliscar. Por que
estou aqui? Como eu poderia ser digna de um show como esse?
Arte de Café.
Certo.
Acho que veremos o que vai acontecer.
— Vamos lá. Não se esqueça de sorrir. — Agnès me diz antes de
abrir a porta traseira do carro.
Sou a última a pisar na calçada e sinto todos os olhares em mim
enquanto me dirijo para a entrada da galeria. Não estou nem de
salto e, ainda assim, estou preocupada em tropeçar e cair.
— Elizabeth. Podemos dar uma palavrinha? — um jornalista
pergunta, me parando antes que eu possa entrar. Eu olho para
Agnès, e ela acena com a cabeça em confirmação.
Imediatamente, sou cercada por um pequeno grupo deles, me
fazendo perguntas, jogando bolas de softball para mim. Eles querem
saber como estou me sentindo esta noite, o que esta coleção
significa para mim. Não tenho ideia de como respondo. As palavras
simplesmente saem de mim e, quando me afasto alguns minutos
depois, tento me lembrar do que diabos eu poderia ter dito. Eu
mesma formei frases completas? Agnès me garante que me saí bem.
— Eu parecia nervosa?
— Só um pouco. — Ela diz com uma piscadela.
Certo.
Eu respiro fundo e entro na galeria, congelada em descrença
enquanto vejo minha coleção completa pela primeira vez. Minhas
telas estão penduradas em uma linha reta ao longo das paredes de
gesso branco, envoltas em molduras personalizadas ornamentadas.
As luzes da galeria de latão antigo iluminam cada um, destacando
os detalhes dos tons pastéis e da pintura. Meu trabalho ganhou
vida.
Lágrimas brotam dos cantos dos meus olhos. Nadiya agarra
minha mão e a aperta. Alguém tira uma foto e fico sabendo que
ainda estou sendo observada. Na verdade, vão ficar de olho em
mim a noite toda.
— As portas abrem oficialmente em dez minutos. — diz Agnès.
— Circule pela sala assim que as pessoas começarem a chegar. Não
se esconda em um canto.
Eu olho para Nadiya e ela sorri.
— Não se preocupe, estarei ao seu lado.
Fiel à sua palavra, ela não me deixa uma vez que as portas se
abrem ao público. Eu olho para a entrada, na expectativa, mas não
há exatamente um grupo louco de pessoas tentando entrar. A
maioria dos repórteres saiu agora que eles conseguiram o que
precisavam. Um casal entra, olha em volta com curiosidade, como
se não tivesse certeza do que exatamente está acontecendo, e sai
rapidamente. Nadiya me dá um olhar tranquilizador.
Lentamente, as pessoas vão chegando e, ao longo de meia hora,
meia dúzia de participantes se transforma em uma dúzia, e assim
por diante, até que haja multidão suficiente para que eu não fique
sozinha por muito tempo.
A barreira do idioma não é tão difícil. Nadiya fala francês, então
ela ajuda a traduzir. Um bom número de participantes fala inglês
irregular, o que torna muito mais fácil falar sobre minha arte.
A primeira vez que vejo uma placa preta discreta de “vendido”
colocada ao lado de uma das minhas telas, sinto como se meu corpo
estivesse vibrando. É uma descarga de adrenalina completa. A peça
estava à venda por $1.400. Depois que a galeria e Nadiya fizerem
sua parte, ainda vou ficar com uma boa quantia. Gostaria de poder
dizer que isso não importa, que crio arte para minha alma e nada
mais, mas a verdade é que, se quero que a arte seja meu trabalho e
não apenas meu hobby, preciso ganhar dinheiro.
Acho que Nadiya estava certa sobre os preços e o tamanho do
meu trabalho. Depois que a primeira peça é vendida, tem-se um
efeito dominó, como se agora que minha arte foi considerada
“digna”, as pessoas não hesitassem em recolher peças. Abaixo da
linha, os sinais de “vendido” são colocados ao lado das telas. Os
compradores me pedem para posar para fotos na frente do meu
trabalho. Eu sorrio, embora me sinta um pouco entorpecida. Duvido
que consiga realmente compreender tudo isso até que esteja de
volta ao meu quarto de hotel mais tarde, sozinha.
— Você poderia, por favor, assinar meu panfleto? — pergunta
uma mulher com sotaque americano, segurando o livrinho branco
que detalha cada peça da coleção.
Eu concordo.
— É claro. Sim.
Dou um tapinha no meu vestido, como se procurasse bolsos
fantasmas, e faço uma careta.
— Eu não tenho uma caneta.
— Ah, sim, espere um pouco, deixe-me ver. — ela diz,
começando a cavar em sua bolsa.
Viro-me para Nadiya para perguntar se ela tem uma e, quando o
faço, meu olhar se fixa na entrada da galeria, ou mais precisamente,
no homem parado ali.
É difícil compreender o que estou vendo naqueles primeiros
segundos quando Walt aparece, cercado pela porta, iluminado por
trás pela luz suave da rua. O Sena flui atrás dele e ele fica
absolutamente imóvel, me observando.
Em sua mão esquerda, ele está segurando um buquê de flores
embrulhado em papel pardo. Sua expressão é inescrutável. Suas
sobrancelhas escuras estão puxadas juntas, sua boca ligeiramente
curvada para baixo em uma carranca. Por um segundo, acho que ele
pode estar chateado. Então eu percebo, enquanto ele aperta o
punho em torno das flores... ele está nervoso.
Ele se parece tanto com aquele primeiro dia fora do tribunal. Ele
está vestindo um terno azul-marinho sem gravata. Seu relógio
aparece além do punho de sua jaqueta. Seu cabelo está
perfeitamente penteado, nem uma mecha fora do lugar. Ele levanta
a mão direita e acena, é a expressão de esperança mais séria que já
vi.
Esse gesto me atinge de vez.
Voando para Paris, vindo para a minha exposição, estando aqui
para mim apesar de tudo que passamos. Lágrimas brotam dos
cantos dos meus olhos no exato momento em que a mulher me dá
um tapinha no braço.
— Achei uma! — ela diz, acenando com a caneta na minha
frente quando eu me viro para encará-la.
Ela percebe minha expressão e franze a testa, provavelmente
interpretando mal meu humor.
Eu assino o panfleto dela rapidamente, poso para uma foto e, em
seguida, tento me livrar da interação, mas então ela faz uma
pergunta sobre a minha arte. Eu nem mesmo pego. Meus ouvidos
estão cheios com o som do meu coração batendo forte e rápido.
Nadiya percebe Walt, sorri e entra em ação.
— Eu adoraria mostrar algumas de suas peças. — Ela diz para a
mulher. — Eu sou Nadiya, a representante de Elizabeth na Stein.
Você já me disse seu nome?
Ela conduz a mulher para longe com uma graça suave, e eu me
viro para assistir Walt cortar a sala para chegar até mim. Eu também
vou na direção dele, encontrando-o no meio do caminho. Ele
domina meus sentidos de uma vez. Eu pego seu cheiro revelador e
meu peito se contrai de desejo. Nós não nos tocamos. Ficamos a
trinta centímetros de distância enquanto eu fixo meu olhar em seu
peito, especificamente em um botão de sua camisa branca
imaculada, e espero que ele fale.
Um segundo se passa e eu olho para ele.
Seus olhos castanhos me olham com um desejo tão descarado
que faz minhas bochechas queimarem.
— Parabéns. — Ele diz, segurando as flores para eu pegar.
Eu as aceito, embalando-as em meus braços com cuidado. Elas
são lindas, um borrão de cores vibrantes, mas eclipsam seu perfume,
então eu as deixo cair ao meu lado, fora do meu caminho.
— Você veio para Paris. — Eu digo, parecendo perplexa quando
olho de volta para ele.
Ele concorda.
— Cheguei há algumas horas.
— Ah, ok. Aposto que você está cansado.
Ele não quebra o contato visual comigo enquanto balança a
cabeça.
— Não.
— Você veio para Paris. — Repito.
O canto de sua boca se levanta em um sorriso hesitante.
— Para a sua exposição.
Eu aceno, de repente tão oprimida que não consigo formar
palavras. Eu olho de volta para as flores e uma lágrima escorre pela
minha bochecha. Ele estende a mão, embalando meu rosto para que
ele possa limpá-lo. Ele parece absolutamente arrasado quando
nossos olhos se encontram novamente.
— Por favor, não chore.
— Eu não posso evitar. — Eu sussurro.
Nunca vi alguém fazer algo tão altruísta por mim. Ele fazer isso,
largar tudo e voar até aqui... para me surpreender assim...
Eu dou um passo para frente em uma explosão de coragem e
envolvo meus braços em torno de sua cintura, apertando-o
enquanto deixo minha cabeça cair contra seu peito. Eu me enterro
em seu cheiro, e é tão reconfortante quanto cair na cama depois de
um dia difícil.
— Parabéns pela sua coleção. — diz ele, dando um beijo no meu
cabelo. — Estou tão orgulhoso de você. Veja isso. Não sobrou uma
única peça à venda.
Eu sorrio e recuo, acenando com a mão na parede.
— Venha, venha. Olhe tudo.
Eu deslizo minha mão na dele, e ele a aperta com força enquanto
o conduzo pela exposição do início ao fim, confirmando o que ele
acabou de me dizer. Há uma placa de “vendido” ao lado de cada
parte do meu trabalho. Ele absorve minha arte com atenção
cuidadosa, como se estivesse diante de obras tão impactantes
quanto a Mona Lisa. Ele me diz qual é a sua peça favorita, uma com
pesados pigmentos azuis e cinza, com camadas grossas e
texturizadas fora da tela.
— Eu teria comprado se alguém não tivesse se adiantado.
Eu escondo meu sorriso e o conduzo junto. Assim que
terminamos, não consigo reprimir o sentimento de orgulho que me
preenche de cima a baixo. Caminhar ao lado dele, mostrar-lhe o
meu trabalho é um sonho realizado. Todo artista quer estar onde
estou, e tento deixar isso realmente me penetrar, para gravar esse
momento na minha memória para sempre.
— Você é incrível. — Ele diz quando chegamos ao final.
Eu nem mesmo refuto isso. Não quero minimizar essa conquista.
— Você precisa voltar para Nadiya? Voltar para as fotos e tudo
mais?
Ao dizer o nome dela, é como se ele a tivesse conjurado do ar.
Ela voa ao nosso lado, sorrindo para Walt.
— Estou tão feliz por você ter conseguido. — diz ela, sem
nenhum indício de surpresa em seu rosto.
Eu olho para Walt, e ele confirma minhas suspeitas quando
inclina a cabeça na direção dela e diz:
— Nadiya me ajudou a fazer a surpresa. Eu a procurei assim que
soube que você estava dando um show.
Eu olho para ela, e ela está sorrindo com orgulho.
— Você não disse nada!
— Sim, bem, eu sou boa em guardar segredos. Agora, se quiser
ficar, tudo bem, mas todas as suas peças foram vendidas e o evento
está encerrando. Acontece que acho melhor você não ficar muito
mais tempo. Deixe as pessoas querendo mais. — Ela diz com uma
piscadela.
Eu aceno, e ela estende a mão para apertar meu braço.
— Parabéns. Eu sabia que você se sairia bem, mas isso é melhor
do que prevíamos. Você deveria estar muito orgulhosa.
Eu estou orgulhosa. Eu mal sinto que a noite é real enquanto
Walt caminha comigo para pegar minha bolsa. Saímos da galeria e
mergulhamos na noite parisiense. O Sena brilha com a luz refletida
dos edifícios vizinhos. A Torre Eiffel não fica muito longe,
brilhando dourada, seus holofotes girando sobre o horizonte. Um
carro passa zunindo pela rua quando saímos para a calçada, seguido
pelo tilintar do sino da bicicleta de um homem enquanto ele se
curva em torno de um grupo de garotas rindo, enquanto elas
caminham juntas. Eu olho para Walt para descobrir que ele está
focado em mim, não em Paris.
— Devemos voltar para o meu hotel? — ele pergunta com olhos
tentadores.
Eu engulo e mudo meu queixo na direção do rio.
— Ok, mas vamos caminhar. Ainda é cedo e nunca andei por
Paris à noite.
Ele balança a cabeça e estende a mão para mim. Deixei que ele
me conduzisse pela rua até a calçada que acompanha a margem do
rio. Não conversamos no começo, mas a noite está longe de ser
silenciosa. Uma ambulância soa ao longe, um lembrete marcante de
que não estamos nos Estados Unidos. Quando passamos pelos
grupos, ouvimos explosões de conversas e frases erradas em francês.
Os barcos cruzam caminhos no rio, levando passageiros para os
cruzeiros noturnos.
Estou absorvendo tudo, apreciando cada pequeno detalhe, o
tempo todo mantendo minha atenção em Walt. Sua grande mão
está firme e calma, segurando a minha com facilidade. Ele anda
mais devagar do que normalmente, acho, tentando garantir que não
me sinta apressada.
Acabei perguntando a ele sobre seu voo e sobre a conferência na
Califórnia. Ele me pergunta sobre minha semana em Paris e como
foi me preparar para meu show. A conversa está tão longe do que
eu quero discutir, que nem parece muito relevante. Quem se
importa com voos e semanas que passamos longe um do outro?
Meus nervos crescem dentro de mim enquanto caminhamos.
Pareço oscilar mais a cada passo. Walt me disse que seu hotel não
fica muito longe.
— Você ainda está bem para caminhar? — ele pergunta.
É uma sensação estranha: eu poderia andar para sempre, mas, ao
mesmo tempo, tenho a necessidade ridícula de correr os últimos
metros. É o conflito guerreiro dentro de mim, a preocupação
misturada com esperança.
Não estou surpresa ao descobrir que seu hotel é muito mais
agradável do que onde eu estava hospedada. Seu saguão é revestido
de mármore, os tetos em caixotões pontilhados de pesados lustres
de cristal. Walt sabe exatamente para onde me levar, direto para os
elevadores e até o quinto andar.
Seu quarto fica no final do corredor. Ele passa o cartão-chave e
um conjunto de portas duplas se abre para uma grande suíte com
uma área de jantar completa, cozinha, sala de estar e quarto lateral
escondido atrás de uma porta fechada.
Eu poderia passar uma hora olhando a sala, estudando a arte e o
design de interiores. É maravilhoso, tudo feito em tons neutros de
creme e preto, peças antigas mescladas com móveis modernos.
Então me viro para Walt para vê-lo passar a mão pelo cabelo, e sei
que adiamos o inevitável por tempo suficiente.
— Acho que nunca estarei totalmente preparada para essa
conversa, então podemos muito bem tê-la. Vou tratar como se
estivesse arrancando um band-aid.
Suas sobrancelhas franzem em confusão.
— Você acha que vai ser tão ruim?
Meu estômago dá um nó.
— A vida me condicionou a me preparar para o pior, então foi
exatamente isso que fiz esta semana. Eu esmaguei cada migalha de
esperança, tentando tanto manter meu juízo sobre mim.
Seus lábios se inclinam em um sorriso maravilhosamente bonito.
— Você não acha que é hora de colocar de lado o bom senso? Eu
voei para Paris, Elizabeth. Eu vim aqui para falar com você. Você
acha que eu teria feito isso se estivesse trazendo más notícias?
— Claro que não.
Ele dá um passo em minha direção e eu fico perfeitamente
imóvel.
— Então você não vai relaxar um pouco? Você está pairando
perto da porta como se estivesse prestes a fugir.
Eu não tinha percebido que era o caso. Dou um passo mais para
dentro da suíte, tentando desacelerar meu coração acelerado.
— Aqui. — diz ele, estendendo a mão para as flores. — Deixe-
me colocar isso na água.
Há um vaso já preparado em uma mesa lateral, e ele
desembrulha as flores do papel e as joga dentro.
Depois disso, ele se vira para mim, fixa seu olhar no meu e
pergunta simplesmente:
— Como alguém pode confessar seu amor? Eu deveria ter
pedido o jantar ou a sobremesa para nós? Você já comeu? Eu nem
pensei em perguntar.
O que?!
— Walt-
— Eu só não sou um homem que tem o hábito de dizer às
pessoas que as amo. Não consigo me lembrar da última vez que
disse isso nem para Matthew, então provavelmente estou
entendendo tudo errado.
Abro a boca para tentar falar de novo, mas ele me antecipa.
— Porém, eu... amo você, Elizabeth. Apesar de como
começamos. Apesar do nosso começo difícil - meu começo difícil.
Ele parece tão perturbado com sua confissão que não posso
deixar de rir.
Ele entendeu errado. Com um suspiro, ele se move em direção a
um telefone ao lado de um enorme vaso de peônias brancas.
— Deus, eu sabia que erraria. Aqui, deixe-me pedir um pouco de
champanhe e comida. Você gosta de bife?
Ele pega o telefone e começa a discar, e eu corro para impedi-lo,
tirando o telefone de sua mão e colocando-o de volta na mesa.
— Walt-
— Você não está com fome? — ele pergunta, parecendo
perplexo.
— Walt. — Digo novamente, tentando fazê-lo olhar para mim.
Quando ele finalmente o faz, vejo a preocupação gravada em
seus traços esculpidos.
— Você me ama?
Ele franze a testa.
— Eu disse que sim agora mesmo.
Outra risada explode de mim.
— Você não precisa parecer tão triste com isso.
— Não estou nem um pouco triste. — diz ele, apressando as
palavras. — Eu estou...
— Assustado.
Ele inala uma respiração profunda, fechando os olhos.
É uma inversão de papéis tão estranha, ficar na frente dele com
meu queixo erguido em confiança, ser a única a ficar na ponta dos
pés e envolver meus braços em torno de seu pescoço.
— Eu também te amo. — Eu sussurro contra ele.
— Fico feliz em ouvir isso. — diz ele, libertando-se do meu
aperto e dando um passo para trás novamente.
Minha declaração não acalma sua preocupação do jeito que
pensei que faria.
Agora sou eu quem está começando a ficar nervosa de novo. O
que está errado? O que poderia ser tão ruim?
— Receio que seja apenas parte disso. — diz ele, esfregando a
nuca. Agora ele está começando a andar, realmente como se
estivesse se preparando. — Nosso casamento... não preciso lembrar
que começou mais como um acordo. Um casamento de
conveniência.
Eu aceno para ele continuar.
— Desde o início, minha intenção era te tirar dessa situação, te
libertar como eu pudesse. Eu nunca quis mantê-la forçada a nada
por muito tempo, especialmente depois de ouvir você discutir
coisas com sua mãe e irmã. É por isso que estava trabalhando com
meus advogados. É por isso que disse o que disse na biblioteca outra
noite. Achei que você queria sair desse acordo.
Apesar de tudo, ainda dói ouvi-lo mencionar o fim do nosso
casamento, farsa ou não.
— Mas... ouvindo você no telefone outra noite, estando sem você
nas últimas semanas...
Ele deixa sua frase balançar enquanto continua andando, seus
passos aumentando enquanto ele esfrega o rosto.
— Por favor, diga!
Ele para bruscamente e se vira para mim.
— Eu não quero o divórcio. Quero que seja um casamento de
verdade, Elizabeth. Eu quero você como minha esposa. Agora e
sempre.
Um som sai de mim, meio riso e meio soluço. Eu coloco a mão
na minha boca enquanto Walt corre para mim.
— Diga-me que você quer a mesma coisa. — diz ele, embalando
meu pescoço, curvando-se para encontrar meus olhos. — Por favor.
Eu aceno rapidamente, muito emocionada para falar.
Eu movo minha mão e ele se inclina e pressiona um beijo na
minha boca, selando nosso destino. Eu o beijo de volta, entrando
nele, pressionando contra seu corpo. Suas mãos se movem do meu
pescoço, rolando pelo meu corpo, apertando minha cintura para
que ele possa me direcionar de volta para o quarto. Nós nos
beijamos enquanto caminhamos, apressados e enlouquecidos.
Depois de duas semanas de intervalo, nenhum de nós quer se
separar do outro. Ele se estica para trás e abre a porta do quarto da
suíte.
— Elizabeth? — ele pergunta, buscando consentimento.
Eu o beijo mais profundamente, sobre sua boca e suas bochechas.
Sinto o gosto de uma lágrima salgada e percebo que ele pode estar
chorando também. Digo a ele novamente que o amo quando ele
começa a me despir, fazendo um trabalho rápido com meu vestido e
minhas botas. Seu terno se mostra mais difícil. Eu puxo os botões e
apenas parcialmente consigo despi-lo antes de cairmos de volta na
cama.
Deus, eu o amo. Eu amo seu corpo. Eu amo o peso de suas mãos
enquanto elas roçam minha pele nua. Eu amo o jeito que ele beija
um caminho ao longo do meu umbigo e quadril, a sensação de sua
língua quando ele separa minhas coxas e se acomoda entre elas.
Ele fica lá até que eu estou tão excitada que estou formigando,
até que estou gritando e cobrindo minha boca. Eu puxo seu cabelo e
seus dedos cavam em minha pele, mantendo-me esticada para ele
enquanto ele se senta. A compreensão surge em seu rosto quando
ele me diz que se esqueceu de pegar preservativos.
Há um momento de hesitação, um olhar compartilhado entre
nós.
Eu não me importo nem um pouco. Nem um pouco.
Quando digo isso, ele rasteja para cima de mim, encosta sua boca
na minha e me beija com força. Quando ele interrompe o beijo, ele
começa a sussurrar reverentemente, e as palavras são difíceis de
decifrar no início. Então eu percebo que ele está fazendo votos,
prometendo ter e me manter, me cuidar, ficar ao meu lado na
doença e na saúde. Ele repete todas as palavras que não quis dizer
quando estávamos no tribunal enquanto ele coloca seu peso sobre
mim e se pressiona suavemente dentro de mim, selando-nos juntos.
Eu olho para ele, minha visão nublada com lágrimas.
— Enquanto nós dois vivermos — acrescento com um sorriso
delirantemente feliz.
— Enquanto nós dois vivermos — ele confirma antes de se
inclinar e capturar meus lábios.
EPÍLOGO
WALT

Tiro uma foto com meu telefone, enquanto Elizabeth se


aproxima de mim com nossas duas filhas. Elas estão sendo
brincalhonas, de mãos dadas e balançando os braços
exageradamente para frente e para trás. Elizabeth caminha no meio,
Lana e Isabelle, uma de cada lado. As gêmeas se parecem muito
com Elizabeth e também a seguem. Suas personalidades são
semelhantes - elas são todas falantes, então eu quase não consigo
dizer uma palavra em nossa casa.
Estamos em Paris, nas férias que esperamos há quase um ano.
Há uma exposição temporária de Cézanne no d'Orsay que eu sabia
que Elizabeth adoraria. Eu a surpreendi com ingressos para nosso
aniversário no ano passado.
As meninas provavelmente são muito novas para realmente
apreciarem a viagem que estão fazendo, mas Elizabeth está no
paraíso por estar aqui em sua cidade favorita com nossas filhas.
É um dia perfeito de primavera, e a cidade está repleta de
pessoas ansiosas para apreciá-la.
O museu está logo à frente, com uma fila formada na frente. Em
breve, vamos nos juntar a ele.
Isabelle olha para trás, acenando para eu alcançá-la.
— Você está andando devagar demais, pai!
Eu faço uma cara boba e ela ri.
Lana se vira e volta para me pegar, agarrando minha mão para
que ela possa me puxar junto.
— A mamãe disse que podemos comer uma guloseima depois
do museu. Nós podemos?
— Se a mamãe disse.
— Ela disse.
Então é lei.
Pelo menos é assim que funciona em nossa casa.
Lana e eu alcançamos Elizabeth e Isabelle no final da fila para
entrar no museu. Elizabeth se vira e sorri, e o sol destaca a cor verde
vibrante de seus olhos. Antes que eu possa me conter, inclino-me
para beijá-la e, como esperado, nossas filhas agem como se nunca
tivessem visto nada mais nojento em suas jovens vidas.
— Os adultos não devem beijar. — Isabelle diz com um tom de
fatos-são-fatos.
— É tão nojento! — Lana entra na conversa.
Elizabeth pisca para mim.
— Ouviu isso? Nós somos nojentos.
— Ah, como os tempos mudaram. — Eu digo, nos levando
adiante conforme a fila muda.
Eu envolvo meu braço em torno de sua cintura, e ela se inclina
para mim.
— Meus pés estão me matando. — Ela lamenta.
— Podemos pegar um táxi de volta para o hotel.
— Só depois de recebermos uma guloseima! — Lana me lembra.
— Crepes? — Elizabeth pergunta, inclinando a cabeça para olhar
para mim.
— Ainda não fomos a Bontemps. — Indico. — Fica a mais ou
menos três arrondissement.2
— É para lá que nós fomos-
— No dia seguinte a sua exposição — eu digo com um aceno de
cabeça.
Ela sorri com a memória.
— Eles tinham a melhor confeitaria.
Parece que foi ontem que estivemos em Paris pela primeira vez.
Passamos uma semana aqui juntos, depois que a surpreendi em sua
exposição. No início, ficamos enfurnados em nosso quarto de hotel,
mal saindo da cama. Eu teria ficado bem, se ficasse lá para sempre,
mas Elizabeth eventualmente me persuadiu a sair para conhecer a
cidade. Fomos aos museus, pegamos o trem para Versalhes e
jantamos preguiçosamente à beira do Sena. Caminhamos e
conversamos, vagando sem rumo pela cidade, perdendo-nos em
diferentes distritos e pedindo informações em lojas francesas. Certa
manhã, Elizabeth deixou um bilhete em meu travesseiro com
instruções de onde eu deveria encontrá-la para um café da manhã
tardio. O endereço não tocou em nenhuma sineta enquanto eu me
vestia e saía para a cidade. Eu caminhei lentamente,
inexplicavelmente solitário depois de apenas ficar longe de
Elizabeth por um curto período. Percebi então como ela se tornou
vital para minha vida.
Havia uma leve brisa naquela manhã de primavera, apenas o
suficiente para bagunçar meu cabelo quando virei a esquina e
confirmei que estava no local onde ela me disse para encontrá-la.
Olhei para o prédio atrás de mim, embora a loja ainda estivesse
fechada. Então me virei e olhei para a ponte de pedestres que
cruzavam o Sena e vi Elizabeth parada no meio dela, ao lado de um
poste de ferro forjado.
Ela sorriu quando me viu começar a andar em sua direção.
Já havia turistas do lado de fora, aglomerando-se na ponte para
tirar fotos.
Quando cheguei a Elizabeth, ela sorriu e me perguntou se eu
sabia onde estava.
Eu olhei ao meu redor, tentando determinar o que ela estava
insinuando. Havia o Louvre na outra extremidade da ponte e a Île
de la Cité com Notre-Dame elevando-se sobre o horizonte à nossa
direita.
— Esta é a Ponte dos Amantes. — disse ela, com pena de mim.
— Lembra? Costumava haver milhares de cadeados presos nas
grades laterais antes que a cidade tivesse que removê-los. Eles
estavam quebrando a ponte. Você pode imaginar? Todo aquele
amor foi muito pesado, eu acho.
Eu cantarolei em realização.
— Eu tinha esquecido disso.
— Não é tão icônico agora. — Ela encolheu os ombros. —
Apenas uma velha ponte normal. Eu tinha esquecido disso quando
elaborei meu plano esta manhã.
Minhas sobrancelhas franziram em confusão enquanto ela sorria
e desenrolava sua mão.
— Eu ficaria de joelhos, mas como já somos casados, não tenho
certeza de qual é o protocolo para esse tipo de coisa. — Ela disse
com um sorriso provocador enquanto segurava uma simples aliança
de ouro antiga.
Sua mão tremia de nervosismo.
Eu me levantei, olhando para ela, sem palavras.
— É uma aliança de casamento. — disse ela, segurando-a perto
de mim. — Para você.
Esse anel ainda está na minha mão esquerda. Alguns anos atrás,
eu tive que levá-lo para consertá-lo. Ficou tão fino em um ponto
que eu estava com medo de quebrar. O joalheiro substituiu essa
parte da pulseira por uma nova peça de ouro mais grossa. Na época,
Elizabeth sugeriu que eu apenas fizesse um upgrade. Eu não queria
um upgrade.
Nunca imaginei que estaria aqui hoje, uma década desde que me
casei com Elizabeth no tribunal. Nunca vou me esquecer de subir e
vê-la naquele dia, vestida com seu vestido curto e botas pesadas. Ela
deveria ter corrido para as colinas quando me aproximei, mas ela
olhou para mim, seus olhos verdes brilhando. Ela estava tão
descaradamente esperançosa, tão teimosa. Pensei nela
constantemente, mesmo nos primeiros dias, antes mesmo de ela se
mudar para o meu apartamento.
Eu já disse isso a ela, compartilhei com ela como rapidamente
desenvolvi sentimentos por ela. Ela ri toda vez que eu a lembro,
como se isso a chocasse novamente.
— Você com certeza não agiu assim! — ela adora me dizer.
Sim, bem, o que eu deveria fazer? Foi assustador até para mim.
Ela e eu deveríamos ter um acordo fácil. Eu iria mudar o
contrato, dissolver nosso casamento e voltar à vida que conhecia.
Ela deveria seguir as regras do contrato e entrar em contato comigo
apenas em caso de emergência, não se mudar para o meu quarto de
hóspedes e reclamar do meu mau humor.
Fico feliz a cada dia que ela não recuou quando deveria.
— Você se lembra do que comemos lá da última vez? — ela
pergunta agora, referindo-se a Bontemps. — Eu lembro que eles
tinham uma torta de chocolate pela qual nós brigamos, certo? Deus,
foi tão bom.
Eu aceno, sorrindo para ela.
— O que? — ela diz, cutucando minha barriga. — Por que você
está olhando assim para mim?
Eu balancei minha cabeça.
— Por nada. Vamos, a fila está andando.
— Ah, ok, isso foi estranho.
Eu me inclino e beijo seu cabelo, apertando meu braço em torno
dela.
— Eu te amo — ela me diz com um sorriso fácil.
— Eu também te amo.
As meninas gemem.
— GALERA! Por favor, paaaarreemmm!
Notas
[←1]
O Pastel é um material ar s co para pintura e/ou desenho existente em uma
barra, bastões cilíndricos ou até em um lápis. Ele é cons tuído por uma mistura
de carbonato de cálcio com pequenas quan dades de tragacanto ou alca ra, que
servem como aglu nantes.
[←2]
Do francês para o português, de modo geral, arrondissement significa bairros,
para melhor entendimento, todas as regiões de Paris. Temos 20 no total e a
divisão é feita por números. Ela começa no centro, precisamente no Musée du
Louvre, e segue em formato caracol até chegarmos no número 20.

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