Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
EPÍLOGO
WALT
UM
Eu me destacava como ninguém. Até mesmo na cidade de Nova
York, as pessoas tendem a optar pelo creme ou branco quando se
trata de vestidos de noiva. Eu não escolhi nenhuma delas. Pior
ainda, meu vestido está mais curto do que eu me lembrava quando
saí do quarto de hotel. A bainha perdeu centímetros na minha
caminhada até o tribunal. Gosto de pensar que a estampa de
oncinha é sutil, mas meus Doc Martens pretos não são. Eu os tenho
há anos. Eles são minha versão dos sapatinhos da Dorothy.
Outra rajada de vento sopra meu vestido e eu estremeço em
minhas botas, olhando para cima e para baixo da rua, esperando
que ele apareça. Estou surpresa com o número de casais corados que
passam correndo por mim, ansiosos para sair do frio e começar sua
felicidade conjugal com uma cerimônia dentro do tribunal.
Logo serei um deles, suponho. Eu olho para o meu dedo anular
nu e imagino como ficará com um diamante gordo pesando sobre
ele, então eu penso no telefonema que recebi ontem à noite.
Minha mãe raramente me liga. Na verdade, fiquei surpresa
quando vi o nome dela aparecer na tela.
— Mãe? — Eu perguntei depois de atender, ainda desconfiada
da estranha reviravolta dos acontecimentos. Parte de mim presumiu
que a ligação foi um erro – o comum celular-estava-no-bolso – até
que ela falou. Seu tom afiado enviou um arrepio pela minha
espinha.
— Elizabeth Brighton, onde você está? Todo esse ruído de fundo
é terrível.
A música ficou mais alta à medida que os artistas continuaram
sua apresentação no centro do foyer do museu.
— Estou no Museu de Arte Moderna.
Ela fez tsc como se não gostasse da resposta e, antes mesmo que
ela tivesse que pedir, me afastei da multidão de curiosos que se
reuniu até encontrar um canto tranquilo.
— Você pode me ouvir melhor agora? — Eu perguntei, testando
o sinal.
— Sim. Obrigada Senhor. Agora, antes de começar, você deve
saber que não estou gostando de fazer esse telefonema.
Eu soltei uma risada, ligeiramente surpresa com sua franqueza.
— Obrigada, mãe. É bom ouvir sua voz também.
— Não fale nesse tom comigo.
Eu flexionei meu maxilar, desejando morder minha língua e
controlar meu sarcasmo, não querendo tornar a situação pior para
mim. Minha mãe e eu temos um relacionamento tenso, para dizer o
mínimo. Se fosse por ela, eu ficaria na linha com o resto dos meus
irmãos, mudaria para casa em Connecticut e seguiria seus passos.
Presumi que era sobre isso que a ligação seria, na verdade. Achei
que fosse seguir o padrão de todos os outros: “Você tem que ser tão
difícil? Você realmente acha que pode pagar suas contas com seus
rabiscos?” sempre leva a “Seu pai e eu não apoiamos isso e não
vamos continuar financiando esse estilo de vida boêmio que você
está tão decidida a alcançar” que eventualmente se dissolve em um
choroso “Elizabeth, eu não entendo como você poderia fazer isso
conosco”.
Quando eu estava crescendo, minha mãe adorava meu interesse
por arte, mas apenas porque ela presumia que isso acabaria em uma
carreira aceita por ela e seus amigos da alta sociedade. Uma coisa é
cultivar uma busca gentil na área de assessoria de arte ou
gerenciamento de coleções. Outra é ser artista, nas trincheiras com
as massas.
Eu me preparei para a mesma conversa que tivemos um milhão
de vezes antes, mas então minha mãe soltou um suspiro, profundo e
pesado. Uma longa pausa se seguiu, e meu coração afundou em
meu peito. Algo estava errado.
— Mãe? — Eu perguntei hesitante. — Está tudo bem?
— Não — ela respondeu com um tom cortante. — Na verdade,
não está. Sua irmã fugiu com o motorista.
Agora, não estou orgulhosa de ter rido nesse momento. Foi tão
inesperado! Minha irmã sempre se encaixou perfeitamente no
molde dos sonhos da minha mãe para ela. Popular na escola –
confirma. Classicamente bonita – confirma. Inteligente o suficiente
para entrar em uma faculdade Ivy League, mas não tão inteligente
que pudesse ser rotulada como uma intelectual enfadonha –
confirmado. Eu nunca a vi sem uma cara cheia de maquiagem. Eu
nunca a vi sem roupas de grife. Ela provavelmente estava prestes a
se casar com algum príncipe de sangue azul, e agora isso. ISSO.
Fugindo com seu motorista?! É bom demais.
Pelo menos me senti assim até minha mãe começar a chorar ao
telefone.
Minha risada secou na hora quando percebi que seus soluços
dramáticos não iriam parar tão cedo.
— Mãe? Ai, Deus. Me desculpe, ok? Vai ficar tudo bem. E daí se
Charlotte fugiu com seu motorista? Pelo menos ela está feliz!
— Não, Elizabeth. É horrível. Horrível.
Lutei contra a vontade de revirar os olhos, sabendo
instintivamente por que minha mãe estava sofrendo tanto com isso.
— Quem se importa com o que seus amigos vão pensar?
— Meus amigos?! — Seu tom estridente chamou minha atenção.
— Eu não me importo com meus amigos! Você não entende,
Elizabeth. Sua irmã estava prometida a outra pessoa.
Minha memória do telefonema é interrompida por uma buzina
alta quando dois carros quase colidem na rua em frente ao tribunal.
As janelas são baixadas. Palavrões são jogados de um motorista para
o outro.
— Bem, vá se ferrar, parceiro! — é o grito de despedida antes
que eles desapareçam e minha atenção é atraída para o grupo de
pedestres que cruza a rua em minha direção. Na parte de trás do
grupo, com as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo de lã e a
atenção voltada para o horizonte, está um homem que reconheço,
mas não conheço. Ele é quase um estranho e está prestes a se tornar
meu marido.
Borboletas se agitam em meu estômago enquanto a excitação se
transforma em pavor. Não posso acreditar que concordei em fazer
isso – tomar o lugar da minha irmã – e, na verdade, ainda não tenho
certeza se é uma decisão sábia, mas agora que ele está aqui na
minha frente, em carne e osso, alto e bonito, sinto que não posso
desistir do acordo.
Ele levanta os olhos da calçada e me vê. Eu congelo enquanto ele
se aproxima, me avaliando sem dar qualquer dica sobre o que ele
realmente pensa. Seus olhos escuros deslizam pelo meu vestido,
demorando-se nas minhas botas por um momento a mais, e então
finalmente se arrastam de volta para o meu rosto quando ele para
na minha frente.
Eu engulo e espero ele sorrir e se apresentar. Na verdade, minha
boca já está começando a se levantar, preparando-se para retribuir.
Em vez disso, ele simplesmente pergunta:
— Tem certeza de que deseja fazer isso?
Palavras sombrias para um caso sombrio.
— Está tendo dúvidas? — Eu pergunto, endireitando meus
ombros e projetando meu queixo, tentando exalar falsa confiança.
Ele vê através disso, estreitando os olhos para que seus cílios
pretos se agrupem, definindo ainda mais seu olhar perspicaz.
Eu não me movo nem um centímetro, nem mesmo um fio de
cabelo do meu corpo balança sob seu intenso escrutínio. Parece que
ele me encara por tanto tempo que eu deveria ter trepadeiras
crescendo em minhas pernas, me prendendo ao meu lugar, antes
que ele gesticule para que eu ande na frente em direção ao tribunal.
Hesito no início, percebendo instintivamente que não me sinto
confortável em virar as costas para ele.
Quem é esse homem?
Quer dizer, eu sei quem ele é superficialmente.
Walter Jennings II, também conhecido como Walt.
Quase um século atrás, nossos avós trabalharam juntos para
inventar o marca-passo movido a bateria, fundando assim a
Diomedica. Hoje, a empresa cresceu e se tornou a maior empresa de
dispositivos médicos do mundo, especializada no projeto e
distribuição de robótica craniana e da coluna, ferramentas cirúrgicas
e bombas de insulina. A Diomedica emprega mais de cem mil
pessoas em todo o mundo. É também a principal razão pela qual
estou aqui hoje, disposta a seguir em frente com esse casamento às
pressas.
Estive perto de Walt algumas vezes na vida, em jantares e festas
de fim de ano, embora já se passou quase uma década desde a
última vez que o vi. Ele é dez anos mais velho do que eu, o que
significa que, mesmo naquela época, não acho que tínhamos muito
a dizer um ao outro além dos cumprimentos obrigatórios. Além de
pensar que ele era muito gostoso para alguém muito mais velho, ele
não estava no meu radar e eu definitivamente não estava no dele.
Tento imaginar como eu estava na última vez que estivemos juntos.
Não há dúvida de que eu era magra e esguia, provavelmente
tentando e falhando em preencher meu vestido. Bem provável que
eu estivesse lendo em algum lugar sozinha, tentando desaparecer
em um canto. Sempre levava um livro comigo para as festas para as
quais meus pais me arrastavam.
Eu me pergunto o que ele fez naquela época. Estaria se
apresentando? Flertando com as mulheres? Com minha irmã?
Chegamos à porta do tribunal e ele estende a mão para abri-la e
me conduzir para dentro. Percebo uma pitada de sua colônia
quando passo por ele, um pouco envergonhada de pensar em como
devo cheirar em comparação. Não trouxe muitas roupas comigo
para a cidade. Esse é meu vestido mais chique, e eu estava usando
ontem à noite, o que significava que não havia tempo para lavá-lo a
seco antes desta manhã.
Walt está vestido muito mais apropriadamente do que eu, em
seu casaco de caramelo e terno preto. Um relógio de pulseira de
couro mal é visível em seu pulso esquerdo. Seus sapatos brilhantes
batem ameaçadoramente contra o chão de ladrilhos, muito mais
refinados do que minhas botas desajeitadas.
Não tenho certeza para onde ele está me levando. Na verdade,
não tenho certeza de como isso deve acontecer. Eu o observo com o
canto do olho para ver seu olhar focado a laser à frente, no final do
corredor. Continuamos andando, então ele para e chama um
elevador, e eu tenho que girar desajeitadamente meu impulso para
me carregar de lado em vez de para frente. Ele não parece notar
minha oscilação. Na verdade, acho que ele nem mesmo me nota.
Eu faria perguntas a ele – tenho um milhão delas – mas de
repente sinto que o gato comeu minha língua. Tento descobrir por
que ele parece ter roubado minha voz enquanto entramos no
elevador juntos, lado a lado. É a altura, digo a mim mesma. Ele é
uns bons 30 centímetros maior que eu. Talvez mais. A largura dele
também não ajuda. Ele é robusto, o que eu percebo não ser uma
maneira maravilhosa de descrever um ser humano, já que serve
tanto a sacos de lixo quanto à largura geral em qualquer direção,
mas ele é robusto. Forte e de ombros largos.
Em contraste, tenho o tipo de corpo que não sabe como segurar
os músculos. Com minhas pernas longas, eu poderia ter sido uma
bailarina se tivesse a graça, talento e dedicação a uma habilidade
fora de artes. Sou uma daquelas pessoas que promete começar a
cuidar de mim amanhã e – chocantemente – o amanhã nunca chega.
Academias simplesmente não têm muito apelo para mim. Eu
prefiro me curvar sobre minha mesa de trabalho ou cavalete,
manchando meus dedos com tons pastéis, deixando os dias se
confundirem.
O elevador nos leva para cima e me pergunto, mais uma vez,
para onde estamos indo. Sei que devemos ter uma certidão de
casamento antes de podermos prosseguir com a cerimônia em si.
Presumo que seja isso o que estamos fazendo hoje, talvez apenas
concluindo as etapas preliminares em direção a um casamento que
será em alguma data ambígua no futuro, mas essa esperança
começa a se esvair de mim quando saímos do elevador para
encontrar duas pessoas de pé perto de uma sala de tribunal fechada.
Uma mulher mais velha em vestes judiciais pretas ri ao lado de um
jovem com óculos redondos de acrílico e cabelo loiro curto. Ele está
carregando um caderninho de couro preto, uma agenda e um
telefone, todos colocados ordenadamente um em cima do outro.
Quando eles nos avistam, eles param a conversa.
— Juíza Mathers — diz Walt com a cabeça inclinada. —
Agradeço o favor.
Seu sorriso é amplo e genuíno quando ela encontra seu olhar.
— É claro. Eu me importava muito com seu avô, e me chame de
louca, mas mesmo na minha velhice, sou uma fanática por amor.
Ela encontra meus olhos quando termina a última metade de sua
frase, e eu pego uma alegria genuína nisso. Oh céus. É óbvio que ela
pensa que está casando dois pombinhos desesperados para ficarem
juntos. Forço um sorriso rápido, esperando já não ter arruinado a
fachada.
— Você deve ser Elizabeth Brighton — ela diz. — Preciso dizer
que adorei o vestido.
Eu olho para a estampa de oncinha e coro.
— Ah, obrigada. — E então eu sinto que Walt está me
observando também, quase com expectativa, então eu rapidamente
acrescento um agradecimento adicional a ela por nos ajudar hoje.
— Como eu disse, é um verdadeiro prazer — ela nos garante. —
Agora, eu não quero apressar vocês dois, mas eu só tenho uma
janela de dez minutos na minha agenda. Se vamos fazer isso... —
Ela acena com a cabeça na direção do tribunal, e todos entendem.
O homem loiro entra em ação, abrindo a porta para nós. A juíza
Mathers entra primeiro e então Walt acena para o homem ir em
frente para que ele possa segurar a porta aberta. Quando passo, a
mão livre de Walt atinge a parte inferior das minhas costas por um
momento para me ajudar a entrar, e o contato é o início de uma
reação em cadeia no meu corpo, um nervo disparando para o
próximo até que estou subitamente em chamas de ansiedade.
Eu me viro rapidamente, baixando minha voz para que apenas
ele possa me ouvir.
— Estou confusa. Não existe algum tipo de período de espera?
Alguns dias entre a obtenção da certidão de casamento e a data em
que podemos oficialmente nos casar?
— Não para pessoas como nós.
Seus olhos estão quase entediados quando ele olha para mim.
Meu pânico obviamente não é compartilhado.
— Ah... tudo bem. — Eu olho para a sala do tribunal, então para
o corredor como se estivesse avaliando minhas opções de fuga.
— Mas se você quiser dar para trás, tudo o que você precisa dizer
é...
Eu endireito minha coluna e lanço meu olhar de volta para a sala
do tribunal.
— Não. Claro que não. Só não tinha certeza dos procedimentos.
Vamos nos casar.
DOIS
Não sou alguém que imaginou como seria meu casamento
quando era mais nova. Nada de assistir O Vestido Ideal sem parar,
nada de ansiar por locais de sonho ou vestidos de Vera Wang.
Mesmo assim, posso admitir que não vi esse arranjo no meu futuro:
uma rápida caminhada pelo centro de um tribunal, uma assinatura
apressada em um acordo pré-nupcial, e agora estou diante de um
homem com quem troquei apenas um punhado de palavras.
Honestamente, conversei mais com meu motorista do Uber no
caminho para cá.
Eu capto algumas palavras clássicas de casamento. A Juíza
Mathers repete os votos e diz meu nome para me incitar a repeti-
los. Acho que digo a coisa certa, mas não posso ter certeza. Todo o
caso parece um sonho, como se a qualquer momento a cabeça de
Walt se dissolvesse em mil cobras e então eu acordasse suando,
tentando determinar o que tudo isso significa.
— Vocês gostariam de trocar as alianças agora? — A juíza
Mathers pergunta a Walt.
Ele balança a cabeça.
— Hoje não.
Isso não afeta a juíza, mas me afeta.
Eu aperto minhas mãos e passo o polegar sobre meu dedo anular
nu, tentando decifrar porque a ausência de um anel que
simbolizaria absolutamente nada fere meus sentimentos. Não é
sobre o anel em si. Eu não cobiço diamantes. Na verdade, eu não me
importaria de que pedra o anel fosse feito. Suponho que só queria
algo. Um sinal de que essa farsa de casamento foi construída em
algo mais do que apenas negócios. Agora percebo que isso foi bem
juvenil. Minha mãe expôs os termos com bastante clareza na noite
passada, e o puro desespero em sua voz é algo que nunca
esquecerei.
"Falidos" é uma palavra que nunca ouvi Julianne Brighton
proferir antes de ontem. Ao longo de um telefonema, descobri o
quanto meus pais esconderam de mim e de meus irmãos ao longo
dos anos. Meus pais chegaram ao fim da estrada. Endividados até as
orelhas e sem opções, eles enfrentavam consequências iminentes:
suas casas, carros, roupas – tudo seria tomado pelo banco. Eles
ficariam sem um centavo e sem como cuidar de si mesmos ou de
meus irmãos mais novos. Em seu círculo social fechado, não há
dúvida de que enfrentariam a humilhação pública; suas reputações
seriam manchadas para sempre. No início, enquanto eu a ouvia
descrever suas circunstâncias, uma vozinha dentro de mim disse
que isso seria uma coisa boa, uma dose muito necessária de
realidade, mas a amargura secou enquanto minha mãe continuava a
chorar e me contava seu desespero. Eu não tinha ideia de quanta
dívida eles acumularam. Eu não tinha ideia de que alguém poderia
ir tão longe além do ponto sem volta. Meu pai havia pegado
empréstimos de bancos e, quando isso não era mais uma opção
viável, ele pediu emprestado a seu amigo, Walter Jennings Pai.
No início, não fez sentido. Meu pai herdou montes de dinheiro
de meu avô, mais do que uma pessoa poderia gastar na vida e, ainda
assim, puf, agora acabou tudo.
— E as ações dele na Diomedica? — Eu perguntei a ela, supondo
que ainda houvesse uma última opção para eles.
— Que ações? — minha mãe cuspiu de volta com tanto veneno
que quase me assustou. — Tudo que seu pai tinha foi vendido quase
uma década atrás, em sua tentativa de salvar a porra da gráfica dele.
Milhões, Elizabeth. Ele drenou milhões para uma indústria em
extinção. Por quê? Porque ele acredita na mídia impressa. Ele não
suporta a ideia de que as pessoas não leiam mais jornais. Jesus Cristo.
— E sabe o que mais? Não é só isso. Ele canalizou dinheiro para
empresas moribundas a torto e a direito. Aventuras absolutamente
ridículas.
Queria salientar que ela também é a culpada, que ela gasta e
gasta e gasta como se o dinheiro crescesse nas árvores.
O telefone da juíza Mathers apitou no púlpito, distraindo-a da
cerimônia e a mim de meus pensamentos.
Ela verifica a notificação e franze o rosto.
— Nossa. Estou atrasada.
— Está tudo bem — diz Walt, acenando para o homem de
óculos. — Porque não assinamos apenas a certidão de casamento.
Mason?
O homem se dirige a frente da juíza com um pedaço de papel
amassado na mão.
— Obrigado — diz Walt a Mason, que agora presumo ser seu
assistente.
A juíza Mathers pega o certificado e assina seu nome
rapidamente na parte inferior.
— Eu me sinto mal por apressar isso, mas eu não acho que
nenhum de vocês se importe. Vocês podem fazer todas aquelas
coisas de “beijar a noiva” em particular — ela diz com uma
piscadela.
Walt limpa a garganta e eu viro um belo tom de rosa enquanto
meus olhos caem para o chão. Se ele está me observando corar, não
quero saber.
Acho que mesmo para os padrões da cerimônia civil, a nossa é
bem rápida.
A juíza Mathers sai conosco da sala do tribunal, nos apressando
para que ela possa voltar ao trabalho. Ninguém mais parece se
importar, então digo a mim mesma que também não.
Ela sai pelo corredor e Mason diz a Walt que esperará por ele do
lado de fora. Em seguida, ele sai na nossa frente, optando por descer
as escadas em vez de pegar o elevador. Eu me pergunto se Walt o
instruiu a fazer isso ou se ele instintivamente sabia que eu
apreciaria um momento a sós com meu novo marido.
Há um milhão de coisas que quero perguntar a ele, mas resolvo
a questão que está no topo da minha lista.
— Estou apenas curiosa... por que casar comigo? O que você
ganha com isso?
Eu provavelmente deveria ter perguntado isso a ele antes de
entrarmos no tribunal juntos, mas ainda gostaria de saber.
— Isso ajuda ambas as nossas famílias a reter o controle
majoritário da Diomedica — ele responde enquanto caminha de
volta para o elevador com um propósito. Ele parece incapaz de
desacelerar, mesmo quando é óbvio que estou tendo dificuldade em
acompanhar.
— Controle majoritário? Você quer dizer das ações? — Oof. Que
ruim para ele. Ele não sabe que estamos destituídos? — Espero que
haja mais motivos do que isso, porque você está errado – meu pai
vendeu todas as suas ações anos atrás. Eu não vou herdar nada.
Quando chegamos ao elevador, ele suspira como se estivesse
irritado por estar me colocando a par de tudo. Quando ele fala, é
com forte impaciência.
— Sim, ele vendeu suas ações pessoais. Ele tinha uma quantia
irrelevante, com a qual não me importo muito. A maioria das ações
de sua família foi mantida em um fundo fiduciário. Seus pais não
explicaram isso para você?
Minha mãe mencionou um fundo fiduciário em nosso
telefonema, brevemente. Com todo o resto que ela disse, não estou
surpresa em perceber que tudo ficou confuso em minha mente.
— Eu fui mantida no escuro sobre tudo isso até a noite passada
— eu respondo, tentando imitar seu tom áspero para que ele saiba
que isso não é um piquenique para mim também. — Era muita
informação para absorver. Especialmente para alguém com
absolutamente nenhuma visão de negócios.
Seu olhar pousa no meu vestido por um momento e então suas
sobrancelhas arquearam como se, para ele, a prova estivesse bem aí.
Eu sei que ele está fazendo suposições sobre quem eu sou. Eu sei
que ele não está nem um pouco surpreso em saber que não sou uma
conhecedora de negócios. Cruzo meus braços sobre meu peito e
estreito meus olhos para ele, bem na hora que ele leva seu olhar até
o meu.
O elevador apita com sua chegada, as portas se abrem e ficamos
parados por um momento, ainda olhando um para o outro antes de
Walt rir em desdém, balançar a cabeça e se virar para mostrar o
caminho. Entramos no elevador juntos, e estou pensando em
apertar o botão de parada de emergência para que possamos
continuar conversando. A descida é muito rápida e quero respostas.
Estamos lado a lado, olhando para frente. Tenho a impressão de
que ele realmente não se importa comigo, embora não tenha certeza
do porquê. Eu não fiz nada para ele.
— Então, como isso funciona? — Eu pergunto timidamente.
Seus olhos se voltam para mim.
— Como o quê funciona?
Tento não engolir em seco.
— O fundo fiduciário.
— Não tenho tempo para explicar o que é um fundo fiduciário...
— Não. Como isso funciona na nossa situação?
Deus, ele é sempre tão irritante?
— Resumindo, nossos avós criaram um logo depois que a
Diomedica se tornou pública. Eles viram o que aconteceu com as
dinastias familiares tradicionais da época: os pais trabalhavam
arduamente e enriqueciam, seus filhos tornavam-se mimados e
desleixados e suas legiões de netos discutiam e esbanjavam os
poucos centavos que sobreviveram ao sumidouro da riqueza
geracional. Eles queriam fazer algo diferente, isolando a maior parte
da riqueza de nossas famílias e ganhando potencial da geração
imediata abaixo, esperando que nossos pais se estabelecessem como
tochas duradouras em vez de infernos de vida curta. E bem... eles
foram inteligentes ao fazer isso.
— Por quê?
— Sem ofensas, mas seu pai é um idiota quando se trata de
dinheiro, e o meu é um alcoólatra com tendência para apostar em
jogos, então aqui estamos nós – o futuro de nossas famílias.
O elevador para. Já estamos no andar térreo do tribunal e Walt já
está saindo novamente, caminhando como se tivesse um milhão de
lugares para estar.
— Como neto mais velho, sou o mandatário encarregado de
supervisionar os ativos do fundo. Esse trabalho se tornou muito
mais difícil há cinco minutos.
— Por causa do nosso casamento — eu presumo.
— Sim. Nosso casamento foi o gatilho para a liberação dos bens
a todos os beneficiários. Bem... qualquer casamento entre um
Jennings e um Brighton seria o suficiente. Eu poderia ter me casado
com qualquer uma de suas irmãs e você poderia ter se casado com
meu irmão, mas bem... aqui estamos nós, casados.
Que coisa ridiculamente ultrapassada.
— Mas isso não faz sentido. O que teria acontecido com todo
aquele dinheiro se nenhum de nós tivesse se casado?
Ele suspira novamente e verifica o relógio. Há outra sacudida de
sua cabeça.
— Seus pais fizeram um desserviço a você ocultando essa
informação.
Eu não poderia concordar mais.
— Em uma semana, se não tivéssemos nos casado, Diomedica
teria se tornado um fundo institucional e a empresa passaria por
cima da administração do fundo. Em outras palavras, as regras
teriam mudado.
— E nossas famílias teriam perdido todo esse dinheiro —
respondo, ligando os pontos.
— Exatamente. As ações teriam sido reabsorvidas pela
Diomedica. Nossos avós podem ter desejado nos ajudar a nos
estabelecer, mas, no final das contas, a verdadeira lealdade deles
sempre foi com a empresa.
— Certo.
Ele oferece um breve aceno de cabeça antes de voltar para as
portas principais.
Eu me apresso para alcançá-lo.
— Mas você nunca respondeu minha pergunta. O que você
ganha com isso? Em um nível pessoal, quero dizer.
Ele sorri, mas não é nem um pouco sincero.
— Não existe um nível pessoal, Elizabeth. Isso é tudo negócio.
Acontece que também acredito no futuro da Diomedica. Eu sou o
CEO e gostaria de permanecer no poder para continuar o legado de
nossos avós.
Nada pessoal. Certo. Aí está aquela pontada de decepção
novamente. Eu sei de onde vem: a parte absolutamente ridícula da
minha psique moldada pela minha infância. Meu calcanhar de
Aquiles. Suspeito que, no fundo, seja essa a verdadeira razão de eu
estar aqui hoje.
Ele empurra a porta e, lá fora, o vento é um tapa na minha cara,
um chamado para acordar que agradeço.
Menos de meia hora se passou desde a última vez que estive
aqui, e agora sou uma mulher recém-casada. Uma risada explode de
mim como espumante de champanhe. Isso é uma loucura. De
verdade.
— E agora? — Eu pergunto em descrença.
— Diga a seus pais que eles receberão uma transferência
eletrônica no final do dia. Eles devem ser capazes de pagar a maior
parte de suas dívidas, conforme discutimos.
Jesus. Ele tem que ser tão franco sobre tudo isso? É como se a
estranheza de se casar com uma estranha nem sequer fosse
registrada nele.
Ele segue direto para um Escalade preto estacionado perto do
meio-fio. Mason está parado ao lado da porta. Quando ele avista
Walt, ele rapidamente abre a porta para ele e se move para trás para
permitir que ele entre. Antes que Walt entre, ele olha para mim.
— Meu assistente entrará em contato com você em breve.
Quero exigir detalhes, mas me ocorre que fui eu quem o
persegui por respostas a manhã toda e estou cansada de agir como
um cachorrinho perdido. Prefiro ficar no escuro a continuar e
parecer uma idiota na frente dele.
Eu concordo com a cabeça.
— Soa bem. Tenha um bom... — Eu vacilo na unidade de tempo
para encerrar o sentimento de despedida. Dia? Uma boa semana?
Um bom mês?
Walt reconhece minha confusão e inclina a cabeça em resposta,
respondendo por mim com:
— Tenha uma boa vida — antes de entrar no Escalade e fechar a
porta com força atrás de si.
Não percebo que estou carrancuda até que seu SUV vira a
esquina e me deixa sozinha na calçada.
TRÊS
Volto do tribunal para o meu hotel, esperando que as pessoas me
olhem de forma estranha pelo que acabei de fazer. Na minha
cabeça, todos eles sabem. Aposto que aquele homem de chapéu-
coco levando o cachorro para passear está apenas sendo gentil,
desviando os olhos. Aquela mulher de parka vermelha brilhante
está morrendo de vontade de me dizer que sou uma idiota por
continuar com este casamento. Mas nem um único pedestre me
para na minha caminhada. Nada de fogos de artifícios no céu. Não
há nem bolo de casamento esperando por mim no meu quarto de
hotel. Tudo está normal e, de alguma forma, está pior.
Eu deveria ligar para a recepção e perguntar se eles podem me
trocar para uma suíte de lua de mel só por diversão, mas eu não
acho que este Radisson econômico com seu papel de parede
marrom descascado atenda ao público de recém-casados.
Eu me jogo na cama em uma pilha de músculos e ossos inúteis.
Eu fico olhando para o teto por 0,2 segundo antes de ceder ao desejo
de verificar o saldo da minha conta bancária no meu telefone. Já fiz
uma vez esta manhã antes de sair para o tribunal, mas faço de novo,
só para confirmar que nada mudou. Estou aliviada ao ver que ainda
há dinheiro suficiente lá para me manter à tona por um mês ou
dois, se eu jogar minhas cartas da maneira certa. É um motivo de
orgulho para mim, considerando o quanto minha mãe adora
ameaçar cortar meus fundos. Ela acha que seria o fim do mundo,
mas mal sabe ela que, nos últimos anos, acumulei dinheiro como se
o Ministério da Fazenda dos EUA fosse parar de imprimi-lo. Meu
fundo de emergência não é muito, o que faz sentido, considerando
que estou terminando minha graduação na Faculdade de Design de
Rhode Island, mas provavelmente é mais dinheiro do que meus pais
têm atualmente. Eu sorrio com o pensamento e imediatamente me
sinto mal por isso.
Eu gostaria de poder parar de vacilar para frente e para trás,
oscilando de uma extremidade do espectro para a outra. Eu invejo
os sociopatas verdadeiramente maus do mundo. O tipo de animal
de coração frio que deixaria sua família na miséria sem pestanejar.
Os vilões do cinema que fogem de uma explosão sem olhar para
trás.
Sou muito fraca, muito suscetível ao sofrimento humano. Que
chatice.
Depois de fechar o meu aplicativo do banco, ligo para minha
irmã mais velha para checar. Não somos exatamente amigas por
correspondência, mas conversamos de vez em quando. Depois das
revelações da noite passada, estou morrendo de vontade de saber o
que ela está fazendo.
Charlotte atende após um zumbido interminável de chamada, e
ela parece sem fôlego.
— Lizzie?!
Ah, sim, o apelido que ela usou durante toda a minha vida,
embora me irrite.
— Ei, Charlotte. Você tem um segundo para conversar ou está
ocupada?
Eu me encolho com a forma como soo, como se eu nunca
quisesse colocá-la na linha de frente nem por um segundo, mesmo
que eu seja a pessoa que acabou de assumir a responsabilidade pela
nossa família. Eu sou a pessoa com um novo sobrenome.
— Ah, acho que tenho alguns minutos. Acabei de terminar uma
corrida de esqui e estou esperando que os outros me alcancem antes
de irmos para o café da manhã.
— Você está em Aspen?
— Deus, não. Vail. Aspen pode ser tão... vulgar nessa época do
ano. Todas as celebridades que valem dois centavos aparecem com
uma prancha de snowboard e esperam se encaixar.
Ofereço o que espero ser um gemido empático enquanto ela
continua me informando sobre as diferenças entre as duas cidades
nas montanhas.
— Sem mencionar que é tão fácil ter um voo particular aqui, ao
contrário de Aspen. O aeroporto fica tão lotado com esses
Instagrammers pousando na pista em frente aos aviões alugados. É
triste, de verdade.
Acho que ela vai continuar para sempre se eu não a interromper,
então eu interrompo, rapidamente e com uma voz estridente e
nervosa.
— E o seu motorista? Jack, certo? Ele está aí com você também?
— Quem?
— Jack — eu digo novamente, mais alto desta vez. — Seu
motorista. Vocês dois não estão...
Dou a ela a chance de preencher o resto para mim, mas ela não
responde imediatamente e, na verdade, acho que a ligação caiu por
completo. Afasto o telefone do ouvido, olho para baixo e o coloco
de volta no lugar bem a tempo de ouvir sua risada rouca que me
atravessa.
— Aí Deus, é essa a história que eu contei para a mamãe? Que
eu fugi com meu motorista ou algo assim? Hilário. Não, Jesus,
Lizzie, certamente você não acreditou nisso. Você não me conhece?
Sinto como se o chão do quarto do hotel estivesse caindo
debaixo de mim. Minha visão se estreita enquanto meu coração bate
em um ritmo tão rápido que é como se um beija-flor estivesse
prestes a voar para fora do meu peito.
— Charlotte, o que você quer dizer?
Minhas palavras são cuidadosas e comedidas, mas ela não
percebe.
Ela ainda está rindo, tão divertida que mal consegue se conter.
— Mamãe tem estado no meu pé por anos sobre meu suposto
noivado com Walt Jennings. Você sabia disso? Minha nossa. De
maneira nenhuma eu ia continuar com isso. Quer dizer, eu tenho
olhos para ver que ele é bonito e vem de uma boa família e tudo,
mas ele é um chato. Tudo o que ele faz é trabalhar. Veja agora, por
exemplo – todo mundo que é alguém está aqui em Vail – sem ofensa –
e onde ele está? Provavelmente em alguma sala de reuniões
abafada. Não, obrigada. Não é isso que quero para minha vida.
Existem muitos homens ricos e bonitos que sabem como se soltar.
— Então você não fugiu com seu motorista porque estava
perdidamente apaixonada? — Pergunto mais uma vez, só para
esclarecer.
— Não, Lizzie. Absolutamente não.
Eu deixo o telefone cair da minha mão, e ele bate suavemente
contra a cama.
Posso ouvi-la vagamente chamando meu nome, levemente
irritada, e então a ligação é cortada e há um silêncio naquele quarto
de hotel como nunca tinha ouvido antes. Eu me sinto
absolutamente vazia.
Não tenho certeza de como processar essa notícia, o último fio
capaz de quebrar as costas do camelo. Até este momento, eu estava
orgulhosa de mim mesmo pelo que fiz. Minha família estava entre
uma rocha e uma situação difícil, e eu era sua última esperança.
Achei que estava bancando a heroína, mas, na verdade, estava
bancando a idiota. Minha irmã nunca teria feito o que fiz hoje. Ela
nunca teria se sacrificado. Talvez isso a torne egoísta, ou talvez
apenas a torne inteligente. De qualquer maneira, me sinto mal.
Eu rolo para fora da cama e vou para o pequeno banheiro do
hotel para jogar água no meu rosto. Eu olho para mim mesma no
espelho, observando as olheiras. Não dormi muito na noite passada,
e isso transparece na minha aparência. Eu escovo meu cabelo
castanho escuro e então, ainda irritada com ele, eu o torço em
minha mão e o prendo em um coque de bailarina. Melhor, mas
apenas marginalmente. Dos meus olhos verdes às minhas maçãs do
rosto dolorosamente salientes, eu me pareço com a minha mãe, uma
pessoa em quem não suporto pensar agora.
Afasto-me do espelho e vejo minhas malas no chão. Aquela com
meu material de arte é a que procuro. Eu a ataco, puxando o zíper
até que eu possa abri-la e derramar o conteúdo ao meu redor.
Eu vasculho a bagunça, reunindo os suprimentos de que preciso
para preparar tudo na mesa do canto. O tempo todo, tento me
convencer de que o que fiz hoje não é grande coisa. Minha vida
cotidiana não mudará. Minhas esperanças e sonhos não precisam
desaparecer. Claro, legalmente estou casada, mas quem se importa?
Abro minha caixa de pastéis1, soprando um pouco da poeira
residual e examinando os potes curtos, tentando determinar quanto
mais uso posso tirar deles antes de precisar comprar um novo
conjunto. Gosto de encomendá-los diretamente de uma butique
chamada La Maison du Pastel, em Paris, e é incrivelmente caro
despachá-los para os Estados Unidos. Eu poderia encontrar mais
baratos em qualquer loja de materiais de arte em Nova York, mas
prefiro trabalhar com pastéis naturais feitos à mão de uma empresa
que existe desde 1700. Todos os grandes impressionistas, de Degas à
Renoir, usaram esses de La Maison du Pastel, então eu também vou
usar.
Pego o jornal que peguei no caminho do tribunal para casa e
jogo-o na cama. Eu pulo as seções que me aborrecem até que eu
chego na parte de negócios e sorrio, sabendo que a história sobre os
mercados de ações em alta será o cenário perfeito para os
dançarinos etéreos que pretendo sobrepor a ela. Meus pastéis são
extremamente pigmentados, então tomo cuidado ao pressioná-los
no jornal. Não quero o desenho completamente opaco. Quero ver o
jornal através da cor para que os dois mundos colidam. Minhas
mãos se movem rápido. Ao longo dos anos, eu treinei bem. Uma
mão desenha com os pastéis e a outra vira o papel, mancha os
pigmentos, remove a poeira.
Eu desenho em folhas de jornal pelo resto da manhã e no início
da tarde até que tenho que sair para um encontro com minha
corretora de imóveis. Contratei Lisa para me ajudar a encontrar um
apartamento na cidade. Sempre foi meu plano terminar meu
diploma combinado na FCRI um semestre antes e depois me mudar
para a cidade de Nova York para começar minha carreira, e cheguei
aqui uma semana depois de vender a maioria dos meus bens em
Rhode Island. Não foi muito. A maior parte da minha mobília era
de segunda mão e estava gasta, não valia o custo de despachá-la
entre os estados.
Ontem, Lisa me enviou um e-mail sobre um apartamento que
ela acha que poderia ser bom. Fica em Inwood, um bairro localizado
na ponta norte de Manhattan. Quando chego, depois de uma hora
de viagem de metrô, Lisa está esperando por mim do lado de fora.
Esta é a primeira vez que nos encontramos pessoalmente, e
imediatamente, posso dizer que ela é alguém que gasta muito
tempo com sua aparência: spray bronzeador, cabelo louro-claro,
unhas compridas com glitter e batom rosa grosso. Ela acena com
entusiasmo ao me ver subindo a rua, depois aponta para a estrutura
ao lado dela como se dissesse: Olha só! É um prédio antigo de tijolos
na esquina de um cruzamento com uma delicatessen e uma
mercearia no andar de baixo.
— Eu sei que não é muito do lado de fora, mas dê uma chance. O
apartamento está no sétimo andar — ela me diz enquanto me leva
para dentro e pelas escadas. Tenho vergonha de mostrar que já
estou sem fôlego no quarto andar, então faço a coisa em que você
bebe em respirações superficiais secretas em vez de grandes
bocados pesados. Eu não engano ninguém. Ela olha para mim com
um sorriso divertido.
— Não há elevador, mas você terá uma grande bunda ao subir e
descer todos esses andares todos os dias.
Certo, bem, tem isso.
Do lado de fora do apartamento 703, ela pega um molho de
chaves de sua bolsa e destranca a porta, abrindo-a como se
contivesse uma grande surpresa.
— Sua humilde morada.
Humilde está certo. Não sou tão metida quanto o resto da minha
família, mas este é um lugar triste para se viver para os padrões de
qualquer pessoa. Pintura lascada, ar parado, danos causados pela
água no teto. Ainda assim, procuro o lado bom: há uma grande
janela na sala de estar, o quarto é grande o suficiente para que eu
possa caber uma cama queen-size e o último inquilino deixou um
enorme armário na sala de estar que eu nunca conseguiria levantar
e remover por conta própria, mas seria o local perfeito para guardar
todos os meus suprimentos de arte.
Eu volto para Lisa, que ainda está pairando perto da porta e me
dando espaço para olhar o apartamento sozinha.
— Eu vou ficar com ele — digo, com naturalidade.
Suas sobrancelhas se erguem em choque. Aposto que ela
presumiu que eu sairia correndo daqui como se minhas calças
estivessem pegando fogo, mas não, ficarei feliz em assinar na linha
pontilhada e digo isso a ela.
— Excelente! — ela diz, caminhando em minha direção com um
salto em seus passos. — Aqui está o formulário. Se você preencher
agora, posso digitalizá-lo quando voltar ao escritório. Em seguida, o
locador precisará do primeiro e do último mês de aluguel
adiantado, assim como de um depósito de segurança. Não tenho
certeza do valor exato em dólares, mas vou pegar essas informações
e enviar um e-mail para você o mais rápido possível.
Eu aceno, tentando calcular o quanto poderia ser esse total na
minha cabeça. Felizmente, estou ok para isso.
— Depois, há a verificação de antecedentes — ela continua,
depois de me entregar o formulário. — E uma verificação de
crédito. Eles também vão querer ver suas declarações de
rendimentos dos últimos dois anos.
O que?
— Por que eles precisam disso?
Ela parece confusa com a pergunta, como se ela geralmente não
tivesse que explicar essa parte para seus clientes.
— Ah, só para confirmar que seu salário atende ao limite
mínimo. Existe um algoritmo que os proprietários gostam de usar.
Normalmente, eles só querem garantir que o aluguel proposto fique
bem abaixo de sua renda mensal. Você sabe como funciona.
Eu não sei, na verdade. Eu morava nos dormitórios da FCRI e
minha bolsa pagava por tudo. Antes da faculdade, eu estava em
casa, na enorme mansão dos meus pais em Connecticut – uma
mansão que eles não pagam a hipoteca há anos, aparentemente.
— E se eu não tiver um histórico de crédito ou declaração de
rendimento? — Eu pergunto gentilmente. — Eu provavelmente
poderia pagar alguns meses de aluguel adiantado, em vez disso?
Ela franze a testa.
— Receio que não seja uma opção. É surpreendentemente difícil
expulsar alguém de um apartamento depois que ela se muda.
Existem todos os tipos de proteções para os inquilinos, então os
proprietários querem garantir que a pessoa seja capaz de pagar o
aluguel pelo prazo total do aluguel, não apenas alguns meses. Não
posso dizer que os culpo.
Eu concordo com a cabeça, e ela deve ser capaz de ver minha
angústia, porque ela continua:
— Que tal conseguir um fiador? Inquilinos da sua idade
geralmente têm um dos pais ou tutor como fiador de um contrato
de aluguel. Assim, você e o proprietário ficarão felizes.
Certo. Claro. Se eu tivesse alguém que pudesse ser fiador, ficaria
feliz em escolher essa opção. Infelizmente, meus pais não prestam
para absolutamente nada, considerando o quanto estão
endividados, e meus irmãos também não podem ajudar. Apenas
dois deles têm mais de dezoito anos. Charlotte não tem emprego e
Jacob ainda está na faculdade. Eu tenho um tio em Minnesota,
irmão da minha mãe, mas eu só o vi algumas vezes, e nenhuma
desde que eu tinha 12 anos, então não posso simplesmente ligar
para ele e pedir ajuda com meu aluguel também.
— Existe alguma maneira de você perguntar ao proprietário se
ele abriria uma exceção apenas desta vez? — Eu pergunto com um
sorriso suplicante. — Como eu disse, provavelmente consigo pagar
três meses de aluguel adiantado e, se vender algumas de minhas
peças, posso continuar pagando antecipadamente o aluguel.
Suas sobrancelhas franzem.
— Peças?
— Minha arte.
Isso realmente a leva ao limite.
— Então você trabalha apenas por comissão, estou supondo? Isso
tornará as coisas ainda mais difíceis. Qualquer proprietário na
cidade vai querer que você tenha um fiador.
— Mas você poderia apenas perguntar? Por favor?
Ela assente como se fosse fazer isso, mas posso dizer que ela já
está me descartando.
Lá fora, na calçada, nos despedimos e, enquanto me afasto, me
sinto desesperada.
Simplesmente terei que ficar no hotel por um tempo, em vez de
encontrar um apartamento, o que é uma droga, considerando que,
embora seja um lugar econômico, ainda está drenando meus fundos
mais rápido do que eu gostaria e é absolutamente minúsculo.
Pela segunda vez hoje, me sinto uma completa idiota. Eu me
formei na FDRI com um plano incompleto de me mudar para Nova
York e tenho vergonha de admitir que pensei que seria um pouco
mais fácil do que isso. Uma parte de mim quer culpar meus pais por
não me prepararem para o mundo real. Eu vivi uma vida
incrivelmente protegida até que me mudei para a faculdade, e isso
está voltando para me morder na bunda. Que tipo de idiota não
sabe que você precisa de algum tipo de histórico de crédito e
declarações de renda anteriores se quisesse alugar um apartamento?
Aparentemente, essa idiota.
Meu telefone toca quando estou na plataforma do metrô
esperando o trem, ainda me debatendo. Minha primeira esperança
é que seja Lisa já me ligando com boas notícias, mas é um número
desconhecido. Normalmente, eu deixaria ir para a caixa postal, mas
em vez disso atendo, apenas no caso de Lisa estar me ligando de seu
escritório ou algo assim.
— Alô?
— Oi. Estou falando com Elizabeth? — uma voz feminina
pergunta.
— Hum, sim. — Um trem para atrás de mim, e pressiono meu
dedo no ouvido exposto para ouvir melhor a pessoa do outro lado
da linha. — Posso perguntar quem está ligando?
— Meu nome é April, assistente do Sr. Jennings — ela responde,
toda profissional com seu tom certinho.
— Assistente de Walt?
— Sim. Sr. Walter Jennings II.
Meu Deus, que nome enorme.
— Ah, tudo bem.
— Sim, desculpe se eu peguei você em um momento ruim, mas
tenho algumas coisas para revisar com você.
— Espere, estou confusa. Achei que Mason fosse o assistente de
Walt.
— Sim, está correto. Mason é o primeiro assistente do Sr.
Jennings. Sou eu quem lida com seu trabalho pesado.
Acho que ela queria que sua declaração fosse autodepreciativa,
mas há uma pausa pesada quando ambas percebemos que ela
acabou de se referir a mim como trabalho pesado. Eu não posso
evitar. Depois do dia que tive, eu realmente dou risada.
— Existe alguma maneira de fingir que não acabei de dizer isso?
— ela pergunta, parecendo completamente envergonhada e muito
menos profissional do que no início do telefonema. Acho que ambas
decidimos deixar de fingir.
— Claro, sim. Está bem. Sobre o que você disse que está ligando
de novo? Estou esperando meu trem, por isso estou preocupada
com a possibilidade de a ligação cair a qualquer segundo.
— Ah! Serei breve então. Tenho um pacote de informações para
enviar a você por e-mail do advogado do Sr. Jennings. Eles precisam
que você revise, assine e envie por e-mail assim que possível.
— O que está no pacote?
— Não tenho certeza. É protegido por senha com seu cpf, então
não posso visualizá-lo.
— Você está falando sério?
— Hum... sim.
— Você não acha que tudo isso é um pouco estranho?
— Deus, sim. — Ela ri. — Achei que fosse a única.
Uma risada sai de mim, e ela abaixa a voz antes de continuar:
— Você realmente se casou com Walt esta manhã no tribunal?
Esse é o boato que circula pelo escritório, mas não ousei acreditar.
— Sim, eu me casei.
— Puta merda.
— Vocês dois são amigos? — Eu pergunto impulsivamente,
faminta por informações sobre Walt.
— Amigos? Hum, nem um pouco. — Ela enfatiza as palavras
como se quisesse enfatizar esse fato. — Eu trabalho para ele há seis
meses e ele mal me disse cinco palavras fora do trabalho.
— Então ele é um babaca com seus funcionários?
Ela pondera minha pergunta por um segundo.
— Babaca não é a palavra certa. Ele é bem decente, apenas meio
austero. Ou talvez indiferente seja uma palavra melhor. Você sabe o
que quero dizer – você se casou com o cara.
Eu gostaria de poder admitir para ela toda a verdade, mas
duvido que ele gostaria que um de seus assistentes soubesse
detalhes íntimos de sua vida.
Vejo meu trem chegando à plataforma e sei que não posso
demorar no telefone por muito mais tempo. Eu despejo meu
endereço de e-mail rapidamente para April, que diz que já o tem.
Ela estava ligando apenas para me alertar que os documentos são
urgentes.
— Certo, certo.
— Bom, isso é tudo. Acho que devo dizer parabéns? — ela
brinca.
Sim. Parabéns para mim.
Não perco um único segundo no hotel. Eu passo meu cartão-
chave, abro a porta e pego meu laptop da cama. Com certeza, há um
e-mail esperando por mim de Rupert Hirsch, o advogado de Walt.
QUATRO
No e-mail, Rupert se apresenta brevemente e explica o motivo
pelo qual ele entrou em contato comigo. Ele reitera a crise de tempo
e imediatamente começa a trabalhar. Abaixo do parágrafo
introdutório, há instruções explícitas sobre quem contatar, quando e
por quais motivos, junto com os números de telefone e endereços de
e-mail. Eu leio rapidamente, meu aborrecimento crescendo a cada
segundo.
Para perguntas ou dúvidas sobre o Fundo Fiduciário Brighton-
Jennings, entre em contato com Rupert Hirsch em Hirsch & Dershowitz.
Para perguntas ou dúvidas sobre os detalhes da união civil entre você e
o Sr. Walter Jennings II, entre em contato com Rupert Hirsch em Hirsch
& Dershowitz.
Para perguntas ou dúvidas que possam ser direcionadas ao Sr. Walter
Jennings II, entre em contato com Mason Cunningham.
Se Mason Cunningham não estiver disponível, entre em contato com
April Grant.
Somente em caso de emergência, Walter Jennings II pode ser contatado
através das seguintes informações de contato.
SOMENTE EM CASO DE EMERGÊNCIAS posso entrar em
contato com meu marido. Que merda é essa? Quem ele pensa que
é? Sério! Não tenho permissão para entrar em contato com o cara?
O HOMEM COM QUEM ESTOU CASADA?!
Estou andando de um lado para o outro agora, puta da vida.
Pensei em todas as pessoas que ele pelo menos compreenderia.
Achei que ele entraria em contato em algum momento e diria: Ei,
isso é estranho, mas porque não tomamos um café e nos conhecemos
melhor, e não que ele enviaria um SOMENTE EM CASO DE
EMERGÊNCIAS.
Devido a uma educação em que as crianças eram melhores vistas
e não ouvidas, não faço nada impulsivo. Em vez disso, eu ando até
me livrar da minha raiva ao redor do quarteirão perto do hotel.
Então, eu paro e me esbanjo de um pretzel porque não como desde
o café da manhã. Eu como a maior parte, então alimento um esquilo
fofo com o último pedaço. Aquele esquilo não aceita não como
resposta quando eu fico sem comida e não para de me seguir em
minha caminhada de volta para o hotel. Acho que tenho um novo
animal de estimação. Eu olho para trás e juro que ele para também,
como se estivesse dizendo, para onde vamos, senhorita?
Acho que ele vai me seguir direto para o saguão, mas fica
nervoso ao contornar as portas automáticas e sai correndo na
direção oposta.
Agora, feliz por ter me livrado de um problema, decido resolver
outro.
Faço o possível para ler os documentos do e-mail com um pente
fino, mas é complicado. A informação está tão envolvida em
linguagem jurídica que duvido que tenha absorvido metade dela.
Grande parte descreve nosso acordo pré-nupcial, que assinei no
tribunal, mas não tive tempo de realmente ler. Agora, eu sei que
todos os bens de Walt permanecerão seus no caso de nosso divórcio.
Não tenho direito a nada, nem mesmo ao apoio conjugal, se
finalmente nos separarmos. Quão generoso da parte dele. Não é que
eu queira o dinheiro dele de qualquer maneira, é bom saber que
estamos entrando nesse acordo apenas cuidando de nós mesmos.
Agora eu sei que devo agir do mesmo modo.
A próxima seção dos documentos descreve como e quando os
beneficiários do fundo fiduciário serão compensados. Os nomes dos
meus pais estão lá, junto com o de Charlotte, Jacob e o meu. Meus
irmãos mais novos começarão a receber quando fizerem dezoito
anos, e somente se seguirem o mesmo conjunto de regras
delineadas para o resto da minha família. Existem alguns
parâmetros que devem ser atendidos, como testes de drogas
negativos uma vez por trimestre, um número mínimo de horas de
serviço comunitário, sem delitos ou crimes. Se for considerado
digno, em vez de receber uma única quantia, cada um de nós
receberá um desembolso mensal. Meus pais receberão 20.000
dólares cada um, enquanto meus irmãos e eu receberemos 10.000.
Na verdade, tenho que ler essa parte duas vezes porque não
acredito no início. Para alguns, esse número pode ser
surpreendente. Para meus pais, será um tapa na cara. Minha mãe
gasta mais em roupas durante uma única ida na Chanel. Mas... isso
não é problema meu.
10.000 é um bom dinheiro, dinheiro que não devo deixar passar
no momento, mas também é dinheiro que não quero. Eu preciso de
outra coisa. Preciso de um fiador no meu contrato e vou pedir a
Walt fazer isso. Logo depois de criar coragem para ligar para ele.
Dou o primeiro passo crucial salvando seu número no meu
celular. Na verdade, é mais assustador do que parece, porque fico
preocupada em apertar o botão de ligar acidentalmente com meus
polegares gordos e grandes, e depois o que acontece?!
Depois de fazer aquela pequena tarefa, que basicamente não
significa nada, mas parece uma grande coisa, tomo banho e verifico
meu e-mail. Então, eu mudo os canais de TV enquanto estou
deitada debaixo das cobertas, e é assim que adormeço – segurando o
controle da TV com uma mão e meu telefone com a outra. De
manhã, acordo assustada, surpresa ao descobrir que oito horas
colossais se passaram e ainda estou com muito medo de ligar para
Walt.
Isso está ficando ridículo. É apenas um telefonema, eu me
repreendo.
Não me permito inventar mais desculpas. Claro, minha
respiração está horrível e eu gostaria de um bom banho, mas Walt
não vai saber disso pelo telefone. Me sento na cama, encosto na
cabeceira e aperto para ligar.
Santo Deus. Minhas glândulas sudoríparas estão bem funcionais.
Minhas mãos mal conseguem segurar o telefone enquanto chama.
Jesus.
Quando a ligação é conectada, eu respiro profundamente.
Então há sua voz.
— Alô?
Eu me atrapalho com minhas palavras, tentando falar rápida e
articuladamente.
— Oi. Sr. Jennings, bom dia. Hum...
— É o Walt — ele diz, me cortando com um toque de
aborrecimento.
— Ah, certo. Desculpa. Continuo vendo Sr. Walter Jennings II
em todos esses documentos legais que estou lendo... fica confuso.
Há uma pausa em que ele deveria responder de uma maneira
calma e gentil que me deixaria à vontade, mas essa resposta nunca
vem. Em vez disso, silêncio.
Caramba, isso não está indo bem.
— Eu, hum, sei que só devo contatá-lo se for uma emergência...
Eu dou a ele a chance de rir e esclarecer esse equívoco.
Novamente, sem risos. Sem esclarecimento.
— É que tenho algo para discutir com você e pensei que seria
melhor se eu falasse diretamente com você em vez de falar com
Mason.
— Espere um momento — ele diz. Sua voz fica mais baixa, como
se ele tivesse tirado a boca do receptor. — André, terei que te ligar
de volta em um momento. Sim, eu sei. Me dê cinco minutos. —
Então ele está falando comigo novamente, alto e claro. — O que
você precisa, Elizabeth?
Ele não parece satisfeito.
— Com quem você estava falando?
— Um contato de trabalho.
— Ah... — Eu olho para o relógio perto da minha cama. São
apenas 7h23. — É cedo.
— André é o chefe de distribuição de Singapura da Diomedica.
Não é cedo para ele.
Eu fecho meus olhos com vergonha. Eu nem estava pensando no
fato de que provavelmente Walt já estaria trabalhando.
— Deixe-me ligar para você mais tarde, então! Eu não percebi...
merda. Desculpa. E desculpa por dizer merda também!
— Você já me interrompeu uma vez. Ligar novamente mais
tarde não ajudará em nada. Agora, o que você precisa discutir?
— Tem a ver com os pagamentos do fundo fiduciário.
Ele suspira pesadamente como se estivesse esperando por isso.
— Eu não vou ceder em...
— Não é a quantia! — Corro para esclarecer. — É... bem, eu
estava me perguntando se eu poderia negociar as coisas?
— O que você está propondo?
— Eu estaria disposta a abrir mão da minha parte do pagamento
se você se dispusesse a fiar um apartamento para mim.
Ele não responde imediatamente, e eu gostaria que estivéssemos
juntos agora, porque assim eu poderia tentar entender o que ele está
pensando. Ele está surpreso por eu estar disposta a desistir do
dinheiro? Irritado por eu o estar importunando enquanto ele está
no trabalho?
Não tenho como saber, mas espero pacientemente até que ele
responda.
— Envie um e-mail para Mason com o endereço do
apartamento, assim como as informações de contato do seu corretor
de imóveis.
Meu queixo cai.
— Você está falando sério!?
— Eu não disse sim ainda. Envie um e-mail para Mason e
partiremos daí.
— Ok, ótimo! Obrigada! Certo, vou deixar você ir agora.
Há outra breve pausa, como se não tivéssemos certeza de como
encerrar a ligação, então acrescento um alegre “Tchau!” e em
seguida, desligo imediatamente, sentindo-me como se estivesse nas
nuvens.
Não perco um único segundo antes de enviar um e-mail para
Mason com tudo o que Walt solicitou. Mason responde quase tão
rapidamente para confirmar que a informação foi recebida.
Então estou de pé e no chuveiro, me preparando para o dia, com
a intenção de torná-lo melhor do que o show de merda que foi
ontem. Eu poderia facilmente cair e me sentir envergonhada, usada
e totalmente furiosa com minha família por me colocar nesta
posição, mas vou tomar o caminho certo, não por eles, mas por mim
e minha própria saúde mental. No que me diz respeito, fiz o que
precisava fazer pela minha família e agora todos podem se defender
sozinhos. Não quero ouvir de nenhum deles por um bom tempo.
Eu tomo meu tempo no chuveiro, esfoliando, esfregando,
lavando, depilando. Então eu dou uma bela escovada no cabelo e
pego a blusa menos enrugada da minha mala. É uma das minhas
favoritas, uma túnica de linho verde oliva que enfio dentro da parte
da frente da calça jeans. Eu coloco as joias que colecionei ao longo
dos anos: alguns anéis delicados, o Patek Philippe vintage da minha
avó e um pequeno medalhão em forma de coração com um
diamante aninhado no centro. Dentro, em vez de um retrato de um
ente querido, há uma miniatura da minha pintura favorita: A Rue
Montorgueil em Paris, de Claude Monet. Estou procurando em
minha mala as sapatilhas de couro italiano que possuo desde que
fizemos uma viagem para a Costa Amalfitana no ensino médio
quando meu telefone toca.
É Lisa, ligando sobre o apartamento.
— Ok, então a má notícia é que o locador vai exigir que você
tenha um fiador, mas a boa notícia é que parece que você já tem
um?
Ela ainda explica que acabou de desligar o telefone com Mason,
que ligou para marcar uma visita ao apartamento para o final da
tarde.
— Sério? Isso é ótimo.
Mais ou menos. É ótimo que Walt já esteja tomando a iniciativa
de ser fiador para mim, mas não tenho certeza de como me sinto
sobre ele realmente vendo o lugar.
— Que horas você disse que é a visita?
— 14:30 em ponto. Aparentemente, ele não tem muito tempo.
— Sem problemas. Eu estarei aí na hora certa. Obrigada mais
uma vez, Lisa.
Eu falei a verdade. Estou no metrô em direção a Inwood ao
meio-dia, caso haja algum tipo de atraso imprevisto. Chego um
pouco antes das 13hrs, pego uma salada e um café e como em um
banco de parque de frente para o rio Harlem. Não está tão frio
como ontem, mas ainda saboreio meu café quente, embalando-o nas
mãos para não congelar enquanto espero.
Às 14:15, estou do lado de fora do prédio com as mãos enfiadas
no meu casaco preto, balançando para frente e para trás
ansiosamente. Um minuto depois, o Escalade preto de Walt diminui
até parar no meio-fio na minha frente.
Há um motorista na frente que mantém os olhos fixos à frente
quando a porta traseira se abre. Mason sai primeiro, e eu olho ao
redor para ver Walt sentado lá dentro ao telefone.
Mason fecha a porta e bloqueia minha visão de Walt. Então ele
começa a vir em minha direção, endireitando os óculos e me
oferecendo um breve aceno de cabeça.
— Boa tarde — ele diz, soando tão profissional quanto April no
telefone ontem. Então ele se vira e olha para a rua como se não
estivesse interessado em qualquer tipo de conversa fiada comigo. Eu
me pergunto se Walt dá o tom e todos os seus funcionários têm que
É
segui-lo. É meio estranho. Mason não é muito mais velho do que eu.
Provavelmente poderíamos ser amigos se ele quisesse.
Decido assumir a liderança ao quebrar o gelo.
— Oi, acho que não fomos oficialmente apresentados. Eu sou
Elizabeth — digo, estendendo minha mão.
Ele se vira para olhar para mim, em seguida, olha para minha
mão, aparentemente surpreso ao encontrá-la esticada no ar,
apontada em sua direção. Ou ele não está familiarizado com essa
saudação americana comum ou não esperava isso de mim
especificamente. Depois de um momento estranho, ele aceita meu
aperto de mão antes de acenar de volta para o SUV.
— Sr. Jennings está em uma ligação que deve terminar em
alguns minutos.
— Ah, tudo bem. Não se preocupe — eu respondo. — Ele é um
cara muito ocupado.
— Muito — confirma Mason.
— Você trabalha para ele há muito tempo? — Eu pergunto,
seguindo a mesma linha de questionamento que fiz com April.
Espero obter melhores resultados de Mason.
Ele inclina a cabeça, pensando por um momento.
— Quatro anos no próximo mês. Fui estagiário para a Diomedica
quando estava terminando a graduação em Columbia, então decidi
ficar depois de me formar.
— Impressionante. Então você gosta? De ajudar um viciado em
trabalho como ele?
Suas sobrancelhas franzem como se ele não tivesse certeza de
como responder.
Eu sorrio, tentando desarmá-lo.
— Entendo. Não é como se você pudesse me dizer a verdade.
Mal nos conhecemos. Bem... — Eu recuo. — Isso não é verdade.
Quero dizer, você estava no meu casamento.
Minha piada passa totalmente despercebida, e agora eu decido
que esse cara tem a personalidade de uma pedra.
— Para responder à sua pergunta, sim — diz Mason secamente.
— E mesmo que não gostasse do meu trabalho, continuaria na
Diomedica. Nunca vi ninguém que trabalhe mais duro do que o Sr.
Jennings. Ele é incrivelmente inspirador.
Eu concordo como se não acreditasse muito nele, e ele estreita os
olhos como se eu tivesse acabado de caluniar seu herói pessoal.
Caramba, talvez eu tenha feito isso.
— No momento, ele está em uma teleconferência para uma das
duas organizações sem fins lucrativos com quem trabalha — Mason
me diz com uma língua afiada. — Ele está no conselho de diretores
da Corações que curam há sete anos.
— Corações que curam?
É
— É uma instituição de caridade que ajuda a facilitar o
atendimento a pacientes pediátricos de cardiologia que, de outra
forma, cairiam nas fendas de nosso sistema de saúde.
Devo parecer envergonhada, porque ele se acalma enquanto
continua:
— Desculpe. Eu só... acho que pessoas como o Sr. Jennings
podem receber uma má reputação de pessoas que realmente não o
conhecem.
— Bem, considere-me perfeitamente educada. Claramente, eu
estava errada.
Mason limpa a garganta quando a porta traseira do SUV se abre
e Walt sai. Minhas bochechas coram, tanto por causa da conversa
que ele quase ouviu e por causa da maneira como ele está. Estou um
pouco envergonhada de achá-lo tão atraente, como se sua aparência
não devesse ser um fator em nosso arranjo profissional. Não é como
se eu pudesse evitar. Ele me lembra um velho ator de Hollywood
com uma leve ondulação no cabelo curto e as maçãs do rosto
afiadas. Seu maxilar é tão definido, e acho que ele teria um sorriso
expressivo se algum dia se importasse em mostrá-lo para mim.
Ele está vestindo o mesmo casaco de ontem sobre um terno
cinza escuro ajustado. Hoje, não há gravata, apenas uma camisa
branca imaculada.
Eu o observo enquanto ele empurra a manga do casaco para que
possa verificar as horas em seu relógio.
— Espero que sua corretora de imóveis esteja aqui a qualquer
minuto. Eu não tenho muito tempo.
Percebo o quanto ele se esforçou para estar aqui para essa visita.
Eu sei que o escritório de Diomedica está localizado em Lower
Manhattan, então foi uma jornada e tanto para ele fazer até
Inwood.
Olho para o relógio antigo da minha avó e descubro que Lisa
está oficialmente um minuto atrasada e contando.
— Ela chegou na hora ontem — eu digo com um sorriso tenso.
Nenhum deles responde, e então nós três continuamos
esperando em silêncio. Walt está parado a alguns metros de mim,
inclinado, então eu posso ver seu perfil enquanto ele olha para o
celular. Ele está enviando um e-mail ou mensagem de texto, e vejo
seus dedos voarem, me perguntando com quem ele está falando. É
estranho estar na presença dele assim. Percebo, pela primeira vez, o
quanto ele me intimida. Não é novo. A bola de ansiedade na boca
do estômago também estava lá ontem, mas presumi que fosse por
causa do casamento, não por causa dele.
Ele é definitivamente intenso. Eu posso dizer que ele é alguém
que joga todo o peso de sua atenção em algo quando ele se importa.
Aposto que a maior parte do tempo a atenção está voltada para o
trabalho, mas talvez ela divague de vez em quando. Certamente, ele
já teve uma namorada antes... alguém com quem ele se importava.
Seus dedos param de se mover, e levo um momento para
perceber que ele me pegou o estudando. Eu viro meu olhar para a
esquerda, estreitando meus olhos no quarteirão como se estivesse
procurando por Lisa. Minhas bochechas estão em chamas, e não há
dúvida de que ele percebeu.
Eu me sinto horrível por Lisa estar atrasada. Tento ligar para ela
para ver onde ela está, mas não atende. Eu me encolho e volto para
Walt e Mason.
— Eu sinto muito. Sei que isso é uma perda de tempo. Talvez
pudéssemos pedir a outro residente que libere nossa entrada no
prédio e você possa ver assim? — Eu pergunto, tentando ser uma
jogadora em equipe.
Ele enfia o telefone no bolso e balança a cabeça.
— Não assinarei o contrato de aluguel de um apartamento que
não vi.
Bem, então...
Eu balanço em meus calcanhares e olho para a rua novamente,
desejando que Lisa apareça do nada. Dez minutos se passam assim.
Dez minutos passados com Mason e Walt, enquanto eles continuam
trabalhando e eu continuo sendo amplamente ignorada. Em
seguida, um táxi para e Lisa abre a porta dos fundos antes mesmo
de parar completamente.
— Desculpa, desculpa. Vocês sabem como é. O trânsito ficou
paralisado na Broadway por quilômetros — diz ela, já pegando as
chaves do apartamento em sua bolsa. Ela mal parou para acenar
para os caras, mas quando faz isso, ela dá uma segunda olhada para
Walt, seus olhos se arregalando de interesse. Eu sorrio para mim
mesma – porque, bem, você tem que encontrar humor em algum
lugar – e então vou atrás dela.
Agradeço que Walt não a repreenda por estar atrasada. Na
verdade, ele nem menciona isso. Para fazer algo assim, ele teria que
falar, e agora estou percebendo que ele aparentemente sente
repulsa pela fala. Ele prefere ficar em silêncio como um grande
monstro.
É irritante porque significa que acabo falando mais para
compensar. Eu falo com ele no caminho para o apartamento.
— Lisa diz que este bairro está em alta. As taxas de
criminalidade eram ruins nos anos 90, mas diminuíram lentamente
desde então. E é um trajeto curto até o metrô, o que é bom, porque
com certeza vou precisar usá-lo. Ah, e o aluguel inclui algumas
contas. Não é ótimo? Não terei que me preocupar em cobrir essa
parte também.
Ele está subindo as escadas atrás de mim, então tenho que me
virar para vê-lo. Seu olhar está para baixo nos degraus, não em
mim, tão longe de exigir abertamente saber se ele está me ouvindo,
eu fico falando sozinha.
— Lisa, não há apartamentos disponíveis nos andares inferiores?
— ele pergunta enquanto subimos a escada até o quinto andar.
Talvez ele tenha notado minha respiração ofegante. Que bom.
— Receio que não. Acho que os inquilinos dos três primeiros
andares estão lá há décadas e duvido que eles tenham planos de se
mudar. Um apartamento foi inaugurado no quinto andar no mês
passado, mas foi alugado rapidamente.
Ele assente como se estivesse um pouco desapontado com a
resposta, e eu estremeço, percebendo que ele poderia facilmente
acabar com tudo isso se quisesse. Eu realmente preciso que ele seja o
fiador deste apartamento, o que significa que eu realmente preciso
que ele goste.
— Espere até ver a enorme janela da sala de estar! — Eu digo,
exalando entusiasmo em níveis nunca vistos fora de um show do
intervalo do Super Bowl. Eu poderia muito bem jogar confete no ar
quando entramos no apartamento com a forma como minhas mãos
balançam apontando para todos os lugares, apontando várias
comodidades. — Só olhe para o tamanho deste lugar!
Me ignorando, Walt se vira para Lisa.
— Tem aquecimento central e ar-condicionado?
— Não, mas olhe para esta grande janela — eu respondo,
vencendo Lisa por pouco.
Ele faz hum baixinho, em seguida, entra na cozinha, suas feições
inescrutáveis. Lá, ele ressalta que não há lava-louças, o que parece
nada, uma vez que ele aponta um problema de mofo anteriormente
não detectado perto da geladeira.
— Eu posso limpar esse mofo agora mesmo! — Eu prometo, o
tom da minha voz aumentando mais a cada minuto.
Mason, por sua vez, paira perto da porta como se estivesse com
medo de que o apartamento de alguma forma o contamine. Walt
vagueia de volta para a sala e começa a se dirigir para o quarto.
Meus olhos se arregalam em alarme quando eu imagino todas as
coisas que ele encontrará defeitos lá. Eu corro pelo apartamento e
deslizo na frente da porta quando sua mão se estende para girar a
maçaneta. Seus dedos roçam meu quadril enquanto eu dou a ele um
largo sorriso.
— Feche seus olhos.
Suas sobrancelhas se franzem em confusão.
— O que?
— Vamos, feche os olhos. Me agrade.
Ele dá um passo para trás e desvia o olhar, limpando a garganta.
Cara, como eu o irrito. Eu realmente acho que ele tem que se conter
em torno de mim de um jeito que não está acostumado. Eu me
pergunto quanto tempo mais ele conseguirá abafar sua opinião real
sobre mim por baixo dessa fachada de cavalheiro.
— Walt. Me agrade — eu digo novamente, tentando persuadi-lo a
cooperar.
Sua mandíbula flexiona quando ele a trava com força, e então
milagrosamente, ele faz o que eu digo, fechando os olhos para que
seus cílios grossos batam em suas maçãs do rosto. Por um momento,
eu esqueço o que eu deveria estar fazendo e apenas fico olhando
para ele assim, sabendo que ele não pode me ver, o observando por
completo. Suas maçãs do rosto são tão afiadas. Seu nariz é
perfeitamente reto. Desse ângulo, ele me lembra uma grande
estátua românica, e meus dedos coçam para desenhá-lo.
Então ele inala um suspiro afiado de impaciência e eu pulo para
prestar atenção, percebendo que o deixei esperando por muito
tempo.
— Certo. Sim. Então, agora, com os olhos fechados, imagine um
quarto maravilhosamente sereno, completo com cama queen-size e
travesseiros fofos, uma bela hera crescida no peitoril da janela,
muitas artes penduradas nas paredes e um tapete macio sob os pés.
Agora, abra os olhos.
Eu abro a porta do quarto e me afasto. Ele dá dois passos à
frente, na metade do caminho através da soleira, então com uma
sacudida brusca de sua cabeça, ele se vira.
— Não.
CINCO
— Não? Como assim “não”? — Eu pergunto a Walt quando ele
começa a andar de volta para a porta da frente do apartamento.
Ele inclina a cabeça para a minha corretora ao passar por ela.
— Lisa, obrigado por nos mostrar o apartamento.
— Ah, hum... — Ela empurra os óculos na ponta do nariz. —
Ok? Vocês já estão saindo?
— Sim. Tenho uma reunião e preciso voltar ao escritório.
Saio correndo atrás dele, irritada com a rapidez com que ele
consegue descer as escadas. Mason também mal consegue
acompanhá-lo.
— Por que você não pode ser o meu fiador? — Eu grito para ele.
Ele responde sem parar.
— Esse apartamento não serve para ninguém, muito menos para
você. Há mofo por toda parte, e tenho quase certeza de que há tinta
à base de chumbo na parede.
— E daí!? Seria problema meu, não seu.
Ele para e se vira, então eu tenho que parar abruptamente
também antes de bater direto nele e nos mandar escada abaixo.
— Você é problema meu, Elizabeth.
Estamos cara a cara agora que estou de pé um degrau acima
dele. Com uma carranca, eu balanço minha cabeça.
— Eu não tenho que ser. Me deixe morar aqui e vou te deixar em
paz. Não vou falar com você nunca mais – que tal isso?
Mason se move desajeitadamente atrás de mim, e o olhar de
Walt salta para ele, como se acabasse de lembrar que temos uma
audiência.
— Mason, quando voltarmos ao escritório, preciso que você
trabalhe com meu corretor de imóveis para encontrar apartamentos
disponíveis mais perto do centro da cidade.
— E a Lisa? — Eu interrompo, preocupada que ela perca sua
comissão.
— Vou me certificar de que ela seja recompensada por seu
tempo.
Certo. Ok. Isso não parece tão ruim. Ele não gostou desse
apartamento, mas talvez goste de outro. Não é como se eu fosse
casada com esse prédio. Eu sei trabalhar em equipe. Se ele acha que
haverá apartamentos na minha faixa de preço em uma parte melhor
de Manhattan, fico feliz em dar uma olhada neles.
Eu aceno para ele continuar descendo as escadas, e por um
momento seus olhos se enrugam nas laterais, como se ele não
gostasse que eu lhe dissesse o que fazer. Eu sorrio, saboreando essa
pequena vitória. Não podemos ficar aqui para sempre. Ele tem que
continuar caminhando, e ele sabe disso.
Há outra pequena bufada antes que ele se vire e voltemos a
descer, nós três com Lisa atrás, visto que ela teve que trancar o
apartamento.
Aprendi com o breve encontro de ontem com Walt a não esperar
uma grande despedida, ou nem mesmo uma minúscula, e como era
de se esperar, quando voltamos para a calçada, ele mal olha na
minha direção antes de desaparecer de volta para o Escalade.
— Tchau, Walt! — Eu grito com um grande aceno, apenas para
irritá-lo.
Restam tão poucos prazeres na vida, e simplesmente não consigo
evitar.
— Entrarei em contato em breve — Mason me promete antes de
seguir seu chefe.
Mason não é nada além de rápido. Na manhã seguinte, acordo
com um extenso e-mail descrevendo cinco apartamentos diferentes
disponíveis em Lower Manhattan. Ele não mediu esforços para
fornecer informações sobre cada um deles para mim. Tem fotos de
alta definição, longas listas de comodidades e, claro, o custo do
aluguel.
Obviamente, cada um é muito mais agradável do que o
apartamento que mostrei a Walt ontem. As cozinhas são atualizadas
e modernas. Os quartos são espaçosos. Um apartamento em
particular é banhado por luz natural, e eu não posso deixar de
sonhar acordada sobre a criação de um mini estúdio de arte na
suposta área de jantar que tem janelas de todos os lados.
Infelizmente, o aluguel de nenhum deles custa menos de 5.000
dólares por mês. Um custa quase 7.000 por mês! Eu teria que vender
muita arte para pagar o aluguel. Mesmo se eu conseguir alguns
pedidos de peças maiores ou de alguma forma convencer uma
galeria a mostrar uma de minhas coleções (não custa nada sonhar),
ainda ficaria apertado.
É claro que eles presumem que usarei meu pagamento mensal
para pagar o aluguel. É a única maneira de bancar qualquer um
desses lugares. Infelizmente, não será esse o caso.
Tenho certeza de que a maioria das pessoas em minha posição
aceitaria alegremente dez mil todos os meses, mas eu não. Esse
dinheiro tem amarras, cordas que podem apertar meu pescoço a
qualquer momento. Claro, no momento os parâmetros definidos no
fundo fiduciário não são necessariamente agressivos. Não use
drogas e não cometa crimes – simples. Acontece que já vendi um
pedaço meu naquele tribunal outro dia e não estou com vontade de
vender mais. Eu já estive nessa estrada antes. Passei minha vida
inteira sob o controle de meus pais. O passatempo favorito da
minha mãe é ameaçar cortar meu dinheiro se eu não andar na linha.
Passei minha adolescência escolhendo ser o que eles queriam que eu
fosse, e agora que estou tão perto da liberdade, não estou disposta a
retroceder.
Um apartamento mais modesto em um local menos desejável
funcionará muito bem.
Eu respondo ao e-mail de Mason imediatamente, garantindo
cuidadosamente que Walt seja copiado em minha resposta, já que
Mason o incluiu no primeiro e-mail.
DE: EBrighton@gmail.com
PARA: Mason@DiomedicaAssist.com
CC: Walt@Diomedica.com
HORA: 8h16
Assunto: Re: Procura de apartamento
Obrigada por enviar essa lista de apartamentos, Mason.
Infelizmente, nenhum deles está dentro da minha faixa de preço.
Você poderia lembrar seu chefe das minhas atuais restrições
orçamentárias?
O ideal é alugar um apartamento por no máximo $1.500/mês.
Contas inclusas.
Obrigada novamente,
Elizabeth
DE: Mason@DiomedicaAssist.com
PARA: EBrighton@gmail.com
CC: Walt@Diomedica.com
HORA: 8h18
Assunto: Re: Re: Procura de apartamento
Apresentei suas preocupações ao Sr. Jennings e ele confirmou que os
apartamentos da lista devem estar dentro de sua faixa de preço.
Também devo lembrá-la de que você é responsável por assinar e
devolver os documentos legais que foram enviados a você dois dias
atrás por Rupert Hirsch em Hirsch & Dershowitz.
Gen lmente,
Mason Cunningham
Assistente de Walter Jennings II
Diomedica
Ah, que se dane. Cansada de recorrer a terceiros, decido enviar
um e-mail diretamente para Walt e ser bem direta.
DE: EBrighton@gmail.com
PARA: Walt@Diomedica.com
HORA: 8:19 AM
Assunto: Vamos direto ao ponto
Não estou alugando um apartamento por esse preço. Eu não posso
pagar, então você poderia, por favor, simplesmente ser o fiador do
apartamento que vimos ontem? Suas preocupações sobre isso eram
infundadas e francamente eli stas. Vou limpá-lo profissionalmente
antes de me mudar. Certamente, isso deve ser o suficiente para você.
Obrigada,
Elizabeth
DE: Walt@Diomedica.com
PARA: EBrighton@gmail.com
CC: Mason@DiomedicaAssist.com
HORA: 8h22
Assunto: Re: Vamos direto ao assunto
O pagamento mensal do seu fundo fiduciário mais do que cobriria o
aluguel de qualquer um dos apartamentos que Mason enviou. Por favor,
informe Mason de suas três escolhas principais e ele pode organizar
visitas para cada um.
Além disso, consulte o estudo revisado por pessoas da revista
acadêmica Science anexado, que descreve como as condições de vida
prejudiciais podem levar a problemas de saúde em todos os níveis
socioeconômicos.
DE: EBrighton@gmail.com
PARA: Walt@Diomedica.com
HORA: 8h25
Assunto: Você está sendo ridículo
Tentei ligar para você e você não atendeu. Então tentei Mason e ele
disse que você não pode falar no momento.
Por favor, ligue para mim para discu r esse assunto quando ver um
minuto livre em seu dia. Eu entendo que você está ocupado e não estou
tentando ser irracional... é que você não me deu escolha.
Um minuto depois de enviar aquele e-mail, meu telefone toca.
O nome de Walt pisca na tela, e meu coração realmente pula
uma batida, o que eu percebo ser um pouco embaraçoso, mas não
posso evitar o quão ansiosa ele me deixa.
Depois de respirar fundo e balançar a cabeça, pego meu telefone,
deslizo o dedo na tela e digo alô.
Eu imediatamente ouço o barulho da estrada ao fundo.
— Elizabeth, você vai se mudar para o meu apartamento esta
tarde. Mason pode coordenar a equipe de mudança dependendo da
quantidade de coisas que você precisa...
— O que?! Calma aí. Do que você está falando?
Ele limpa a garganta em aborrecimento por ter sido
interrompido.
É
— É a única solução que posso propor que nos apazigua. Você
está decidida a encontrar um lugar para morar que se encaixe em
um conjunto imaginário de parâmetros e estou cansado de lidar
com esse problema. Não vou mudar de ideia sobre o apartamento
de ontem também.
— Eu não vou morar com você — digo com uma risada absurda.
— Meu apartamento é grande o suficiente para nós dois. Na
verdade, duvido que nos veríamos.
— Ainda assim... isso é...
— O que? — ele pressiona.
— Insano.
— Mais insano do que já fizemos essa semana?
— Essa é uma lógica pobre.
Ele solta um de seus suspiros de marca registrada, então diz meu
nome como um apelo.
— Elizabeth.
Eu pressiono meus lábios para me impedir de sorrir.
— Eu não quero seguir suas regras. Na verdade, não quero
seguir as regras de ninguém. Eu quero morar sozinha. Financiar
minha própria vida. Andar com meus próprios pés.
— Certo. Bem, embora isso seja admirável, você terá que ceder
em alguma coisa. Ou você se muda para o meu apartamento por
alguns dias ou aceita o pagamento e se muda para um dos
apartamentos que Mason encontrou para você.
— Há uma terceira opção. Eu poderia ficar no meu hotel.
— Sim, e continue drenando sua conta bancária sem motivo.
Achei que você fosse mais inteligente do que isso.
Eu luto contra a vontade de discutir com ele.
— Por que não damos uma pausa nisso por enquanto? — Ele
continua, parecendo estar perdendo a paciência. — Estou indo para
Washington DC para trabalhar por alguns dias. Você terá o
apartamento só para você. Podemos continuar essa discussão
quando eu voltar. Certamente, você não pode apresentar um
argumento para isso.
— Tá. Mas você tem que saber, não estou tentando ser insistente
de propósito. Não é como se eu tivesse algum prazer doentio em
irritar você.
— Acho que nós dois sabemos que é mentira.
Eu tenho que reprimir um sorriso.
— Mason entrará em contato com você em breve — ele me diz.
— Não torne o trabalho dele mais difícil do que já é.
Em seguida, a linha fica muda e fico olhando para o meu
telefone, me perguntando como diabos eu me meti nessa bagunça.
É claro que eu poderia ir contra as exigências de Walt. Eu
poderia ficar nesse quarto de hotel miserável com sua iluminação
ruim, cama dura e banheiro apertado. Eu também poderia
economizar dinheiro e me mudar para o apartamento de Walt
apenas por alguns dias, apenas até que possamos retomar nossas
negociações. Hmm... o que fazer, o que fazer.
Obviamente, eu tenho minhas malas prontas dentro de uma
hora e estou sentada no banco de trás de um táxi, indo em direção
ao endereço que Mason me enviou em um e-mail logo depois que
eu desliguei o telefone com Walt.
Assim que piso na calçada em frente ao moderno prédio da
Tribeca, um porteiro sai correndo para me cumprimentar. Ele é um
cara jovem com vitalidade em seus passos e um sorriso enorme e
descontraído.
— Sra. Jennings, bem-vinda, bem-vinda. Deixe-me pegar suas
malas.
Não presto atenção a nada que ele diz depois de “Sra. Jennings”.
Mason disse a esse homem que sou a esposa de Walt?! Ele
deveria ter feito isso?! Quero dizer, sim, tecnicamente, é verdade no
papel, mas estou surpresa por alguém realmente se referir a mim
dessa maneira.
O porteiro pisca enquanto pega minhas duas malas. Talvez ele
perceba que estou em choque.
— Todos no prédio já ouviram a boa notícia. A notícia corre
rápido por aqui.
Eu aceno com um sorriso fraco, tentando chegar a uma resposta
que não me faça colocar meu pé na boca.
O porteiro confunde meu constrangimento com timidez,
balançando a cabeça em tom de desculpa.
— Foi mal. Eu nem mesmo me apresentei. Eu sou Terrell. Estou
de serviço na maioria dos dias. Você provavelmente vai conhecer
Josh também. Ele trabalha no turno da noite.
— Prazer em conhecê-lo, Terrell.
Eu estendo minha mão apenas para perceber que ele está
carregando minhas duas malas. Nós rimos do erro e então ele dobra
o braço, sugerindo que façamos uma batida boba com o cotovelo.
Gosto dele imediatamente e fico feliz em ter pelo menos um rosto
sorridente para me cumprimentar na porta enquanto eu ficar aqui,
não importa por quanto tempo isso seja.
Ele me leva pelo saguão e eu fico olhando para o teto, tentando
adivinhar sua altura. Cinco metros? Dez?
— Três andares de altura — Terrell confirma para mim quando
chegamos aos elevadores.
Eu imediatamente fecho minha boca, ciente de que ele está
olhando para minha reação de queixo caído enquanto caminhamos
pelo saguão.
— É lindo.
Ele concorda.
— Sim. Já trabalhei em algumas residências de alto padrão, e
essa definitivamente ganha. — Então ele se inclina. — Eu não
deveria dizer nada, mas Harry Styles é o dono do apartamento
abaixo do seu.
Agora meu queixo realmente está no chão.
— Lamento dizer, porém, eu só o vi aqui uma vez.
Pfft. Como se isso fosse me impedir de usar uma colher para
criar um daqueles buracos de Um Sonho de Liberdade no chão do
apartamento de Walt para que eu pudesse espiar.
As portas do elevador se abrem e entramos. Três das quatro
paredes são feitas de vidro e, à medida que subimos e subimos cada
vez mais, o saguão fica cada vez menor abaixo de nós.
— Você vai ficar na cobertura em cima do 35º andar.
Um leve choque de animação atinge meu sangue. Mal posso
esperar para ver a vista de dentro do apartamento.
Quando chegamos ao andar de Walt, Terrell acena para eu
segui-lo, direto do elevador para a galeria de entrada formal do
apartamento. Há uma mulher parada ali, esperando por nós,
vestindo uma blusa de seda enfiada em uma calça de perna larga da
moda. Seu cabelo loiro curto e batom rosa claro acentuam seus
traços bonitos.
Meu estômago embrulha quando percebo no que acabei de me
meter.
Ai, Deus. Eu nem havia considerado esse cenário.
SEIS
— Eu sinto muito! — Murmuro rapidamente, voltando para o
elevador e correndo direto para Terrell. Ele solta um ugh audível
enquanto tenta ficar de pé e, felizmente, consegue impedir que nós
dois nos espalhemos no piso de mármore xadrez preto e branco.
Sou eternamente grata a ele, considerando que odiaria me
envergonhar ainda mais na frente desta mulher.
— Oh, Sra. Jennings, sinto muito por tê-la surpreendido! — a
mulher diz, correndo para me ajudar a me firmar.
Eu franzo a testa enquanto dou um passo para trás para me
orientar novamente, confusa com o motivo pelo qual a namorada
ou amante de Walt, ou quem quer que seja, está se desculpando
comigo.
— Eu sou Rebecca, a concierge aqui na Penthouse 35 — diz ela
com um sorriso premiado.
— Eu deveria ter avisado que ela estaria aqui — Terrell diz com
uma risada leve.
— Porteira? — Eu pergunto, olhando entre eles.
Rebecca dá um passo à frente.
— Sim. Eu trabalho aqui no prédio para ajudar a servir todos os
residentes de alto nível. Você e o Sr. Jennings estão entre eles.
Normalmente, não estarei esperando por você aqui quando você
chegar em casa, mas o Sr. Jennings solicitou que eu a guiasse e a
ajudasse a se instalar. — Ela olha para além de mim e acena com a
cabeça para Terrell. — Você poderia levar as malas da Sra. Jennings
para a suíte principal no final do corredor enquanto eu a levo para
um breve tour?
Breve.
Sei.
Claro, poderia ser breve - se não fosse pela planta palaciana de
Walt. É como se eu estivesse visitando um museu.
Caminhamos pelo corredor central, passando por alguns dos
quartos, todos com banheiros privativos. Ao espiar ligeiramente por
alguns deles, posso dizer que cada um seria como viver em uma
suíte de hotel luxuosa.
O corredor termina diretamente no que Rebecca se refere como
uma grande sala de tirar o fôlego com dois terraços e vistas das
pontes de Brooklyn, Manhattan e Williamsburg. Eu ouço
atentamente enquanto ela me conta como o apartamento foi
reformado pela Reber Design Architecture em coordenação com
Emma Donnersberg Interiors.
Na suíte principal - onde Walt dorme e Terrell deixa minhas
malas - há uma lareira, uma sala de estar fora de um terraço externo
e um banheiro principal com piso aquecido radiante, banho de
vapor e banheira de imersão.
Eu mal tenho um momento para apreciá-lo antes de Rebecca me
varrer para o corredor nos levando a cozinha aberta do chef, onde
há duas ilhas, duas geladeiras Sub-Zero e um forno duplo Miele.
Fora da cozinha, há um armário de vinhos com 550 garrafas de
granito e latão, e um bar de mármore, ambos escondidos atrás de
portas de carvalho lavadas. Do outro lado está a biblioteca com
carpintaria do chão ao teto.
Eu mal consigo levantar meu queixo do chão. Se eu estivesse
sozinha, estaria correndo de um cômodo para o outro com olhos
enlouquecidos, minha mão cobrindo minha boca para tentar conter
os gritos de alegria. Eu cresci em torno da riqueza. Eu sei como os
verdadeiramente ricos vivem, mas isso é diferente. Este não é o 1%,
é o 0,0001%. Só a arte de Walt já faria chorar qualquer crítico
perspicaz.
Há uma paisagem de David Hockney pendurada na sala grande.
Um nu em grande escala de Jenny Saville na sala de jantar. Um dos
esboços das mãos de Albrecht Dürer está pendurado na galeria de
entrada, e mais notavelmente, A Banquet Still Life, de Jan
Davidszoon De Heem, está sentado acima da lareira na biblioteca.
Eu fico olhando para ele depois que Rebecca sai, ligeiramente
atordoada. Eu sabia que estava programado para ser leiloado na
Christie's recentemente, mas foi vendido a um colecionador
particular antes que o leilão pudesse acontecer. Foi um escândalo
discreto em todo o mundo da arte. Todos os blogs que sigo
especulam sobre quem poderia ter comprado a obra-prima. O
melhor palpite era que ele havia sido adquirido pela Menil
Collection, o que faz sentido, considerando que poderia facilmente
ser o ápice do museu de Houston e, ainda assim, está no
apartamento de Walt.
É uma sensação estranhamente íntima ficar sozinha com a
pintura, como se eu tivesse recebido permissão para uma exibição
privada. A peça em grande escala é feita no verdadeiro estilo
holandês, com uma paleta de cores temperamental e atenção
meticulosa aos detalhes. Ele retrata os restos de uma mesa de
banquete pesadamente carregada, após um jantar extravagante. Em
cima dos lençóis drapeados estão uma torta comida pela metade,
um pêssego fatiado, uma xícara de estanho inclinada de lado e uma
cesta de vime transbordando de frutas. Eu sei que De Heem adorava
embutir metáforas em seu trabalho. Por exemplo, as maçãs na cesta
sem dúvida se referem ao fruto proibido no Jardim do Éden. As
taças de vinho provavelmente fazem alusão à natureza redentora da
Última Ceia.
Eu poderia ficar olhando para ele a noite toda, mas meus dedos
estão coçando para começar a trabalhar. Não me preocupo em
desempacotar minhas roupas ou explorar o apartamento. Corro de
volta para o quarto de Walt, abro o zíper da minha mala e jogo os
suprimentos até encontrar um novo caderno de desenho e um lápis
de desenho afiado. Então levo os dois de volta para a biblioteca -
quase correndo - quando viro a esquina, como se estivesse com
medo de que a pintura tivesse desaparecido durante o tempo que
estive fora.
Com um suspiro de alívio, encontro-a exatamente onde a deixei,
e a mesma onda de excitação me percorre enquanto penso na
melhor forma de organizar minha configuração para o desenho.
Ligo o lustre pendurado no centro da sala, pois o sol está
começando a se pôr e, em seguida, olho ao redor, inspecionando os
móveis. Há dois sofás de couro confortáveis que ficam de frente um
para o outro perto da lareira. Entre eles tem uma mesa de centro
pesada adornada com decoração e livros. Por um momento,
considero mover tudo de lado e me sentar na mesa para desenhar,
mas minhas costas estariam me matando depois de cinco minutos.
Em vez disso, pego uma cadeira da mesa de xadrez sofisticada no
canto e - depois de saber que não consigo realmente levantar essa
maldita coisa - empurro-a pelo chão de assoalho até que fique em
frente à lareira. Ainda não está certo. Posicionado onde está, é como
se eu estivesse na primeira fila de um cinema, esticando o pescoço
para ver a pintura.
Eu realmente preciso estar bem onde fica a mesa de centro, mas
a coisa pesa 136 quilos e não se move, não importa o quanto eu a
empurre. Pensando rápido, uso meu celular para ligar para Terrell,
grata que ele e Rebecca me deram suas informações de contato
antes de partirem.
Menos de cinco minutos depois, ele está de pé ao meu lado na
biblioteca do apartamento, franzindo a testa para a mesa de centro.
— Parece caro — observa ele. — Tem certeza de que podemos
movê-lo?
Eu coloco minhas mãos em meus quadris.
— Qual é a pior coisa que poderia acontecer?
A pior coisa que pode acontecer é rasgarmos o tapete que está
embaixo da mesa de centro no segundo em que começarmos a
empurrar.
Oh droga.
Nem pensei em como o tapete era delicado.
Eu olho para cima para ver a cor sumir do rosto de Terrell
enquanto ele avalia o dano.
— Será que ele comprou na IKEA? — Eu brinco, tentando aliviar
o clima.
Terrell parece ainda mais horrorizado.
— Ok, certo. Ouça, você nunca esteve aqui, — eu digo, já o
empurrando em direção à porta da biblioteca. — Eu mudei isso
sozinha. Você entendeu?
— Não. Isso não está certo.
— Sim, está! Sou a esposa de Walt e este é meu apartamento
agora também, e você estava apenas seguindo minha liderança.
Você não está com problemas. Você estava me ajudando. Então,
obrigado e tenha um ótimo resto de noite.
— Eu não posso deixar você levar a culpa-
— A culpa? Não seja bobo. Walt tem dinheiro suficiente para
comprar mais mil desses tapetes idiotas e, além disso, está
perdidamente apaixonado por mim e não vai se importar com nada
disso quando chegar em casa. Eu te asseguro.
Ele balança a cabeça então, finalmente começando a acreditar
em minhas mentiras. Elas fazem sentido. Por que Walt se importaria
muito com um tapete de qualquer maneira?
Eu o convenci a não levar a situação muito a sério quando o
acompanhei para fora do apartamento e, ao fazê-lo, quase me
convenci também. Quer dizer, é um tapete. Não é nada comparado
com a pintura pendurada na sala, a pintura que me atrai de volta
para suas garras quando eu volto para a biblioteca.
Decido deixar o problema do tapete em segundo plano por
enquanto, então coloco minha cadeira na posição perfeita em frente
à lareira, pego meu lápis e o bloco de desenho e começo a trabalhar.
Passei minha noite inteira naquele local, apenas me movendo
para usar o banheiro e pegar uma maçã na cozinha antes de voltar
ao trabalho. Quando minha mão dói e meus olhos ficam embaçados,
eu me movo para um dos sofás de couro e me envolvo na manta de
cashmere pendurada no braço lateral.
É onde durmo até que o sol nasce pelas janelas e me acorde. Eu
nem estou brava considerando que a pintura é a primeira coisa que
vejo quando eu pisco meus olhos abertos.
Meu estômago ronca de impaciência enquanto caminho pelo
apartamento, tentando decidir qual quarto usar para me refrescar.
Terrell colocou minhas malas no quarto de Walt ontem, mas não há
como invadir seu espaço assim. Em vez disso, escolho o menor dos
quartos de hóspedes, que ainda é palaciano para os padrões de
qualquer pessoa. Depois de me enxaguar no banho de vapor, pego
uma calça jeans preta e uma camisa de botão de cambraia macia de
grandes dimensões.
Precisando de cafeína e comida, vou para a cozinha e preparo
uma tigela de cereal. Em seguida, tento descobrir a máquina de café
expresso embutida. Consigo vaporizar e espumar o leite antes
mesmo de qualquer café ser servido. Eu chamo a máquina de alguns
palavrões bem escolhidos enquanto aperto meus punhos e,
finalmente, só depois de pressionar uma série aleatória de botões em
um acesso de raiva, é que a maldita coisa esguicha café expresso na
minha caneca.
Agradeço ao senhor, pego a caneca antes que o café evapore e,
em seguida, lanço o rabo de volta para a biblioteca.
Não pretendo sair do quarto o dia todo. Estou elaborando um
plano e a sala está me ajudando a pensar. Até agora, meu trabalho
de pós-graduação tem sido completamente sem objetivo. Por
algumas semanas, tenho esboçado e desligado sem nenhum objetivo
real em mente e tem sido um pouco enlouquecedor, mas me sinto
tão inspirada pela obra-prima de De Heem. Eu sei que quero basear
minha próxima série na pintura.
Meu plano vago é desconstruir a natureza-morta clássica usando
uma combinação de técnicas cubistas e modernistas. Quero
desenvolver as cores suaves de De Heem e saturar a tela com
camadas de pastéis e tinta acrílica.
Eu esboço composições o dia todo, pré-planejando algumas
peças enquanto penso em quais galerias da cidade de Nova York eu
poderia apresentar a série. Um grande jogador como a Hauser &
Wirth seria um sonho, mas pelo que ouvi, eles não estavam
adquirindo novos artistas. Existem galerias menores que estariam
mais dispostas a assumir uma voz incipiente no mundo da arte, mas
mesmo elas são raras. Na era das mídias sociais, não preciso
necessariamente de representação. Muitos jovens artistas nem se
importam com galerias de tijolo e argamassa, mas não consigo
desistir do sonho de entrar em meu próprio show e ver minha arte
em exibição. Sempre foi meu objetivo.
Eu me empolgo enquanto trabalho, esquecendo de comer até
ficar um pouco tonta. Preparo para mim um sanduíche enorme na
cozinha, acumulando o máximo de sustento que consigo, antes de
levar minha comida de volta para a biblioteca e inspecionar os
esboços que coloquei na mesa de centro. É fácil para mim criticar
meu trabalho neste estágio. Prefiro jogar fora as más ideias agora do
que mais tarde, depois de tê-las feito ganhar vida na tela.
Estou na metade do meu sanduíche, mastigando uma grande
mordida, quando ouço um homem falar atrás de mim.
— Obviamente, precisamos estabelecer algumas regras nesta
casa.
SETE
Eu pulo da minha pele e meu prato escorrega dos meus dedos
antes de cair no chão. Ele se estilhaça, espalhando pedaços de
porcelana e comida aos meus pés quando me viro para olhar por
cima do ombro.
Walt está parado na soleira da sala com as mãos enfiadas nos
bolsos da frente da calça. Sua boca está franzida. Suas sobrancelhas
escuras estão franzidas em óbvio desdém. Já o vi irritado em várias
ocasiões, mas agora é diferente. Eu cruzei uma linha. É óbvio pela
maneira como sua mandíbula bate: ele está puto.
— Oh Deus — murmuro baixinho enquanto olho para o dano
que causei. Minha comida não apenas derramou, ela criou uma
obra-prima de Jackson Pollock em seu tapete, sofá e mesa de centro.
A sala já estava uma bagunça antes. Meus esboços estão
espalhados por toda parte. Minha xícara de café matinal e lápis sem
brilho estão espalhados pela mesa. Meu suéter está jogado ao acaso
nas costas de um dos sofás de couro, junto com seu cobertor de
cashmere. Encontrei uma seção de história da arte em sua biblioteca
ontem e tirei meia dúzia de livros, examinando as páginas sobre
Picasso e outros cubistas, tentando obter mais inspiração para
minha série.
Nem me ocorreu que Walt estaria em casa tão cedo. Eu me sinto
uma idiota absoluta. Eu tinha planos de cuidar de mim mesma
antes que ele chegasse. Eu queria ir ao supermercado e repor toda a
comida que tinha comido. Eu estava pensando em substituir ou pelo
menos consertar seu tapete. Meu objetivo era fazer parecer que eu
nem tinha estado aqui, mas agora isso é absolutamente impossível.
Eu poderia muito bem ter marcado o lugar com letras de batom
vermelho que soletram ELIZABETH ESTEVE AQUI.
Uma série de palavrões rola como um noticiário em meu
cérebro. Murmuro baixinho enquanto começo a juntar o máximo do
meu jantar que posso o mais rápido possível.
Eu me encolho quando pego um pedaço mole de alface e me
movo para colocá-lo de volta no prato, apenas para ser lembrada de
que o prato é feito em um milhão de pedaços. Eu começo a
trabalhar nisso em seguida, indo rápido, ciente de que Walt ainda
está pairando perto da porta, provavelmente tentando controlar sua
raiva.
Ele abriu sua casa para mim e eu absolutamente tirei vantagem
dele. Isso é embaraçoso. Ele vai pensar que fui criada por lobos.
— Você vai se cortar. — Ele diz em um tom duro.
— Sim, bem, quem se importa? — Eu digo sem pausar meus
esforços de limpeza. — Eu já danifiquei este tapete ontem, e agora
olha só. Há mostarda em todos os lugares.
— Eu tenho isso há anos.
Eu aperto meus olhos fechados.
— Oh Deus, não me diga isso.
— Eu só quero dizer... talvez seja a hora de um novo. Você
poderia parar de pegar os cacos de porcelana com as mãos
desprotegidas? Olha, você já se cortou duas vezes.
Eu olho para os pequenos cortes na minha mão esquerda. Eles
são apenas um pouco piores do que um corte de papel, e eu não
posso nem senti-los. Estou muito focada no erro enquanto ele
desaparece, então retorna um momento depois com alguns itens
nas mãos. Ele me passa duas bandagens e eu as pego com cuidado
para não o tocar com meus dedos cortados.
— Obrigada. — Eu digo, incapaz de olhar nos olhos dele.
Vou lavar e limpar os cortes mais tarde, mas, por enquanto,
aplico o curativo e estendo a mão para pegar os outros suprimentos
que ele trouxe: um pequeno saco de lixo, uma vassoura portátil e
uma pá de lixo.
Em vez de entregar tudo, ele se abaixa na minha frente, de terno
elegante e tudo, e começa a limpar.
— Segure o saco aberto. — Ele instrui bruscamente.
Eu faço o que ele manda para que ele possa facilmente jogar
tudo o que está varrendo do chão e do tapete. Ele é eficiente com
isso, trabalhando em quadrantes cuidadosos, tentando obter até a
última peça de porcelana.
— Eu gostaria de me desculpar... — Eu começo timidamente.
Ele não faz nenhum som ou confirmação de que me ouviu, mas
continuo.
— Eu me empolguei um pouco aqui enquanto você estava fora.
Nada ainda.
— E eu pretendia limpar tudo antes de você chegar em casa.
— Você reorganizou minha mobília. — Ele aponta, soando como
se não acreditasse.
Ah sim. Eu tinha me esquecido desse fato.
— Certo. Sim. Bem, isso era para que eu pudesse ter uma visão
melhor da pintura, e como eu disse, eu ia colocar tudo de volta.
— Como você conseguiu mover aquela mesa de centro? Não
havia como você ter feito isso sozinha. É extremamente pesada.
— Ah, eu simplesmente forcei bastante.
— Acho isso difícil de acreditar.
Penso no pobre Terrell e minha voz transmite ainda mais
convicção quando respondo de novo.
— Eu sou mais forte do que pareço.
Ele cantarola baixinho como se ainda não acreditasse em mim,
mas não insiste no assunto.
— Vou pagar por um tapete novo. Não tenho certeza se é
recuperável agora. Mesmo antes, duvido que pudéssemos ter
consertado o rasgo.
— O rasgo?
Por Deus. Muito bem, Elizabeth. Ele não tinha notado isso ainda.
— Sim... bem... quando mudei a mesa de centro...
Eu aponto para o dano e ele se vira para seguir meu dedo,
pausando seu trabalho.
Cada terminação nervosa do meu corpo está em alerta máximo.
Estou além de preocupada com a forma como ele vai reagir. Na
verdade, estou um pouco assustada. Eu observo sua nuca,
observando o cabelo escuro e liso, a linha precisa de contraste entre
sua pele e a parte de trás de sua camisa. Eu gostaria de poder ver
seu rosto quando ele diz:
— Foi um acidente.
Estou atordoada em silêncio.
Ele está me dando o benefício da dúvida? Devo ter ouvido ele
errado.
— Sim, mas eu ainda estraguei tudo. Eu gostaria de retribuir por
isso.
— Um acidente é um acidente e, além disso, o seguro vai cobri-
lo.
— Mesmo assim, gostaria que você me dissesse quanto custou e
pagarei um cheque. Isso é justo na minha opinião.
Sem pausa, ele diz o número, e eu pisquei, pisquei, pisquei,
tentando determinar como alguém poderia gastar tanto dinheiro
em algo para colocar os pés. Lentamente, eu olho para baixo, minha
boca aberta.
Então, eu salto para fora dos meus pensamentos, horrorizada
com o que fiz.
— Você está falando sério?!
— É por isso que tem seguro. — Diz ele, empurrando para ficar
de pé e me lembrando de nossas diferenças, não apenas em
tamanho, mas em idade, refinamento e personalidade. — De
qualquer forma, o prato e a comida estão limpos agora. Reúna o
resto de suas coisas e lave os cortes logo ou eles podem infeccionar.
Então ele sai com o material de limpeza, e eu não o vejo
novamente pelo resto da noite. Eu faço minha parte arrumando o
resto da sala, mas não posso reposicionar a mobília sozinha. Não, a
menos que eu queira causar ainda mais danos.
Quando acordo no dia seguinte e saio na ponta dos pés do meu
quarto de hóspedes, o apartamento está vazio. Walt já se foi. Enfio a
cabeça na biblioteca, chocada ao ver que ele já removeu o tapete
arruinado e reposicionou a mobília para que ficasse bonita e
arrumada, mas não no mesmo arranjo de antes. Na verdade, os
sofás e a mesa de centro foram afastados da lareira para dar lugar a
uma pequena mesa quadrada e despretensiosa e uma cadeira. Por
baixo de ambos, ele colocou um grande tapete de plástico
transparente, como aqueles que as pessoas deslizam por baixo das
cadeiras em escritórios. Aqui, ele funcionará para proteger o piso de
assoalho de maiores danos.
Não há nota de acompanhamento ou lista de diretivas, mas está
claro para mim que ele ainda está me permitindo o uso de sua
biblioteca, mesmo depois de ontem.
Eu fico lá novamente o dia todo, tentando me manter
cuidadosamente relegada à mesa que ele providenciou. No começo,
eu consigo. Por cinco minutos. Mas as pessoas trabalham em
estúdios de arte por um motivo. Preciso de espaço para trabalhar,
espaço para espalhar meus esboços, lápis e tons pastéis. Tenho que
ser capaz de ver todo o meu trabalho de uma vez, porque estou
tentando restringir meus conceitos favoritos para poder traduzi-los
em pequenas telas. Isso é o que vou levar comigo para vender em
galerias de arte.
Mais tarde naquela noite, bem quando estou pegando fogo com
um dos meus esboços - tendo caminhado pelo vale "Estou sem
talento" e subindo do outro lado para o pico "Isso é realmente bom"
- sinto a presença de Walt na porta.
Os cabelos da minha nuca se arrepiam e eu continuo
trabalhando, ou pelo menos tento, meus dedos vacilam um pouco,
menos hábil em segurar um pastel do que eram há poucos
segundos.
Desta vez, não me desculpo pelo estado da sala. Vou continuar
nela depois de mim mesma, como fiz ontem à noite. E olha só, eu
não danifiquei permanentemente nenhuma de suas propriedades
hoje, então isso é uma vitória para mim.
Não tenho certeza de quanto tempo ele fica lá, me observando
desenhar. Em algum momento, esqueço de ser autoconsciente e
volto meu foco para minha arte. Eu perco a noção do tempo de
novo, tanto que quando finalmente me lembro de olhar para trás
em direção à porta, ele já se foi.
Na manhã seguinte, eu saio da cama ainda mais cedo do que de
costume para que possa caçar Walt. É sábado de manhã e a maioria
dos humanos normais está aninhada na cama, mas Walt não é
normal. Não, ele provavelmente está planejando ir para o trabalho a
qualquer minuto agora, e eu preciso pegá-lo antes que ele o faça.
Temos muito que discutir.
Preciso avisá-lo que terminei de ler os documentos legais ontem
à noite. Eles descreveram cada pequeno detalhe de nosso
casamento, desde como vamos declarar impostos até como
receberei seguro saúde sob sua cobertura, mas não me deram
nenhuma ideia do que ele espera de mim como sua esposa.
Obviamente, esse casamento não será mantido em segredo se as
pessoas do prédio já me conhecem como Sra. Jennings. Além disso,
também precisamos retomar de onde paramos sobre alugar meu
próprio apartamento em vez de ficar aqui.
Eu pulo no chuveiro, recostando-me sob o fluxo quente
enquanto trabalho com os abridores de conversa na minha cabeça.
— Walt... Walter... Sr. Jennings...
ECA.
Pensando bem, vou falar do fundo do coração e espero que
esteja tudo bem.
Depois do meu banho rápido, eu me apresso para me preparar
para o dia com uma leve camada de maquiagem. Depois, vou para o
meu armário, feliz por ter tido tempo para lavar uma carga de
roupa ontem. Pego minha blusa de gola alta creme favorita e a
coloco dentro de um par de jeans escuros. Coloco meu medalhão e
Patek Philippe, e então pego o cheque que fiz ontem à noite antes
de sair do meu quarto em silêncio.
Eu ouço com atenção, tentando determinar se Walt está em casa.
Eu faço todo o caminho até a cozinha sem ouvi-lo e, estranhamente,
meu coração afunda.
Eu realmente queria que ele estivesse aqui, e não acho que seja
apenas por causa da conversa que precisamos ter.
Depois de colocar o cheque na mesa, abro a geladeira e olho para
a comida dentro, um pouco sem inspiração, pouco antes de ouvir
uma voz.
— Não estou na minha mesa agora, então não tenho as
modificações do dispositivo para o ensaio clínico na minha frente.
Eu me viro a tempo de ver Walt sair da despensa com uma
braçada de ingredientes que ele deixa cair na ilha mais próxima a
ele. Ele olha para cima e me nota, e eu sorrio com força, um pouco
envergonhada. Ele não apenas está em uma ligação de negócios que
provavelmente interrompi, como também está totalmente
malvestido, apenas com as calças do pijama.
Ver Walt sem camisa é a mesma coisa que quando eu
acidentalmente tropecei em um dos romances quentes da minha
mãe quando eu tinha doze anos. Minhas bochechas ficam
vermelhas como se eu nunca tivesse visto um torso nu antes. É
absolutamente ridículo. Já participei de aulas de desenho ao vivo
em que estudamos a forma humana nua, tanto de homens quanto
de mulheres, sem falar que já tive namorados. Vários. E eu também
os vi nus!
Então, por que o peito nu de Walt é tão chocante?
Não posso dizer no momento. Estou muito focada em tentar
engolir o nó na minha garganta.
Ele se move primeiro, concentrando sua atenção nos
ingredientes que tirou da despensa: uma banana, um abacate e um
pote de manteiga de amendoim, bem como sacos de sementes de
linho e chia.
— O FDA suspendeu a aprovação para as derivações do líquido
cefalorraquidiano no ano passado por causa desse mesmo problema.
Você precisa entrar em contato com Michael.
Não tenho ideia do que ele está falando, mas vejo quando ele
começa a descascar a banana e jogá-la no Vitamix. Em seguida, ele
corta o abacate, tira cada metade e joga os dois no liquidificador
também. Então, ele faz uma pausa e dá a volta na ilha em direção à
geladeira - na minha direção - e eu não penso rápido o suficiente
para me mover antes que ele esteja bem na minha frente.
Acho que a pessoa do outro lado da linha está divagando nos
AirPods de Walt porque não está dizendo uma palavra. Ele está
olhando para mim com expectativa.
— Mova-se. — Ele finalmente murmura.
Eu grito um pedido de desculpas humilde e me afasto para que
ele possa abrir a geladeira e puxar ainda mais ingredientes. Leite de
amêndoa e espinafre são adicionados à pilha ao lado do Vitamix
antes de Walt balançar a cabeça e começar a discutir com a pessoa
do outro lado da linha.
— É por isso que temos representantes de dispositivos no centro
cirúrgico, exatamente por esse motivo. Não. Espere-
Então ele desaparece no corredor, abandonando sua comida.
Ouço uma porta abrir e acho que ele está em seu escritório - a
sala ao lado da biblioteca que não ousei dar uma olhada - então
espero alguns minutos, querendo ver se ele vai voltar em breve. Um
minuto se passa e não há sinal dele. Decido que, enquanto espero,
posso também mexer alguns ovos para meu próprio café da manhã
e, quando termino de comer, desço o corredor na ponta dos pés e
ouço do lado de fora da porta. Ele ainda está ao telefone e agora me
sinto mal. Ele provavelmente está ficando com fome.
De volta à cozinha, eu inspeciono seus ingredientes de smoothie
com olhos estreitos. Posso guardar todos para que não estraguem ou
posso terminar de fazer seu smoothie para ele. Estou sujeita a errar,
não importa o cenário que eu escolher. Ele pode ficar com raiva de
mim por fazê-lo perder tempo tirando tudo de novo, ou pode ficar
irritado por eu ter estragado seu smoothie. Acho que é melhor
tentar ajudá-lo do que não fazer nada. Coloco um punhado de
espinafre em cima da banana e do abacate, depois adiciono
cuidadosamente duas colheres de cada tipo de semente. Pego um
bocado de manteiga de amendoim e adiciono também antes de
colocar um pouco de leite de amêndoa. Depois de colocar um pouco
de gelo por cima, ligo o Vitamix, observando enquanto a mistura
fica com um verde vibrante. Eu provo um pouco, agradavelmente
surpresa. Tenho certeza de que ele pelo menos não vai odiar.
Eu limpo depois de terminar, ouvindo no corredor para
descobrir que ele ainda está ao telefone.
Não tenho certeza se ele come mais alguma coisa junto com seu
smoothie matinal, então decido fazer alguns ovos mexidos para ele
também, e depois faço um café com leite chique para ele com a
máquina de café expresso que agora sou uma profissional em usar.
Nos armários, entre as prateleiras de travessas, encontro uma
bandeja de prata, coloco toda a comida em cima, assim como meu
cheque, e carrego tudo pelo corredor.
Está quieto agora quando viro a esquina e vejo que Walt está
sentado atrás de sua mesa, focado em seu computador. Seus
AirPods ficam ao lado de seu teclado, então pelo menos não estou
interrompendo sua ligação.
— Toc Toc.
Walt ergue os olhos e para de digitar.
Eu estendo a bandeja com um sorriso hesitante, mas Walt não
me convida imediatamente para seu escritório, o que por algum
motivo ridículo fere meus sentimentos. Posso sentir minhas
bochechas ficando vermelhas de novo, então meio que giro sobre os
calcanhares para poder voltar correndo pelo corredor.
— Eu só... vou colocar isso de volta na cozinha para quando você
estiver com fome.
Eu quero derreter em nada. Na verdade, não há palavras. O que
eu estava pensando ao fazer o café da manhã para ele?! Eu não sou
amiga dele! Sou uma estranha com quem ele foi forçado a morar e,
se eu fosse ele, gostaria de ter o mínimo de interação possível
comigo.
Dou dois passos no corredor antes que ele fale.
— Você pode simplesmente trazê-lo aqui.
OITO
É
resposta. Claro que quero ir para a inauguração. É exatamente o
tipo de coisa que gosto de fazer normalmente.
Matthew bebe o resto de sua bebida.
— Bem. Então vamos.
Eu me encolho na minha roupa confortável.
— Dê-me dez minutos para vestir algumas roupas decentes.
— Acho que você está bem. — Acrescenta Walt com um sorriso
privado.
Não consigo devolvê-lo antes de correr para o meu quarto, já
mentalmente revirando meu armário de roupas, agarrando-me a
essa tarefa e esperando que isso me afaste da conversa que
acabamos de ter na biblioteca.
Ó
— Ótimo. Fique com o telefone perto de você nos próximos dias
e entrarei em contato. Temos muito trabalho a fazer se você for se
apresentar em duas semanas. Além disso, fique atenta para um e-
mail com o contrato oficial da Stein. Peça a um advogado que
analise e envie de volta para mim quando puder, embora não
demore para sempre.
Isso tudo é uma loucura.
Eu desligo e olho para o meu telefone, tentando decidir se acabei
de inventar toda aquela conversa na minha cabeça. Eu precisava
desesperadamente ouvir boas notícias depois das últimas vinte e
quatro horas, tanto que uma parte de mim não acredita que seja
real. Eu verifico meu registro de chamadas e vejo o nome de
Nadiya, em seguida, reprimo um sorriso quando um e-mail toca no
meu telefone. É dela, e ela anexou o contrato que acabou de
mencionar. Ela também anexou um PDF da galeria que inclui
detalhes sobre como eles catalogarão e definirão o preço de minha
coleção.
Eu imediatamente pego meu laptop da minha mala e abro uma
loja na cama do hotel. Abro o Google e começo a procurar um
advogado especializado em vendas e aquisições de arte.
Tenho uma dúzia de guias da Internet abertas, cada um levando
a um site de uma empresa diferente. Já estive em comunicação com
o advogado de um deles, uma jovem negra que está disposta a
trabalhar com meu cronograma complicado. Ela prometeu que
poderá revisar meu contrato esta noite e devolvê-lo para mim com
quaisquer revisões sugeridas até amanhã de manhã.
Estou tão focada no e-mail enquanto estou escrevendo para ela,
que pulo da minha pele quando meu telefone toca.
É o Walt.
De novo.
Desta vez, eu sei que tenho que responder. Não posso continuar
a ignorar suas ligações. Mais do que isso, não quero ignorar suas
ligações.
Eu pego o telefone e passo meu dedo na tela rapidamente, antes
que eu possa voltar. A chamada se conecta e meu estômago aperta.
— Walt?
Posso ouvi-lo suspirar ao telefone como se estivesse aliviado por
finalmente ter me encontrado. Então, com a mesma rapidez, ele fala
em um tom cheio de indignação.
— Elizabeth. Jesus. Onde você está?
— Eu estou...
Onde? Onde estou? Não posso me forçar a dizer a palavra
“hotel”, e ainda bem porque Walt já está fazendo outra pergunta.
— Você saiu do apartamento hoje?
Eu respiro fundo antes de responder baixinho.
— Sim.
— Por quê? Eu não... estou apenas confuso. Você ainda está em
Nova York? Aconteceu alguma coisa? Seus pais estão bem?
Meu coração se parte
— Não - sim. Tudo está bem. Quer dizer, estou assumindo que
eles estão bem. Eu só-
— O que?
— Ainda estou na cidade.
— OK...
Nenhum de nós fala depois disso. Não tenho pressa em
preencher o silêncio, e ele leva um momento para processar a
notícia. Então, ele ri com tristeza e eu estremeço.
— Eu pensei que estava errado. — Ele continua. — Achei que
você não esperaria até que eu saísse para o trabalho, para arrumar
suas coisas e ir embora sem nem mesmo um adeus.
Eu engulo em seco, percebendo que não parece tão bom da
perspectiva dele. Ele torceu para ver o mal, mas eu o estava
ajudando, ajudando-nos a tornar tudo isso mais fácil.
— Parece insensível quando você fala assim, mas você tem que
entender, eu pensei que era a melhor opção depois de ontem à
noite.
— A melhor opção teria sido exatamente o oposto, Elizabeth. —
Ele repreende. — Um telefonema para o meu escritório e eu estaria
em casa imediatamente. Poderíamos ter conversado sobre o que
está acontecendo. Eu sei que você estava chateada ontem à noite, e
eu te dei espaço. Achei que discutiríamos tudo isso hoje.
Há aquele medo de novo, erguendo sua cabeça feia. Para ele, faz
muito sentido. Vamos conversar para que eu possa explicar a situação a
você e ver enquanto quebro seu coração em primeira mão. Qual poderia ser
o problema?
— Não quero falar sobre isso. — Respondo baixinho.
— E daí? Você está fugindo? Terrell disse que você saiu para
uma viagem? Ajude-me a entender isso.
— Eu não estou fugindo. Vou conseguir minha própria casa na
cidade, continuando com o plano que tinha quando cheguei em
Nova York, antes de me casar com você no tribunal.
— Certo. Eu adivinhei isso quando encontrei seu anel na minha
mesa.
Meu queixo treme enquanto esfrego a palma da mão no peito.
Eu o deixei lá esta manhã, e agora, eu o imagino torcendo os
dedos enquanto o estuda. Isso me enche de tanta angústia, pensar
que poderia tê-lo machucado inadvertidamente, tanto que eu
aperto meus olhos fechados, na esperança de fazer tudo isso
desaparecer.
— Não parecia certo levá-lo comigo.
Ele solta um suspiro pesado.
— Então, isso é... uma separação?
— Nós íamos nos divorciar de qualquer maneira. — Eu aponto.
— Divorciar? — Ele parece quase aliviado enquanto corre para
continuar. — É disso que se trata? A conversa na biblioteca ontem à
noite? Jesus, você poderia apenas ter dito algo-
— Pare de dizer isso! — Eu explodo. — Eu sei que você acha que
teria sido tão fácil para mim apenas me comunicar e dizer
exatamente a coisa certa no momento certo, mas não sou um robô
perfeito, Walt. Só posso existir da maneira que sei. Isso é
extremamente desconfortável para mim.
— Por favor, tente me explicar. — Ele implora com desespero.
— Eu não quero sentar aqui e falar sobre nosso divórcio. Você
não entende isso? Você não entende que pode ter realmente me
assustado perceber que me apaixonei por um homem que estava
apenas brincando de ser meu marido? Nos últimos dias, você e eu...
nós...
— Elizabeth.
Ele diz meu nome da mesma forma que um amante acariciaria
minha bochecha, e eu sei que se eu abrir minha boca, lágrimas irão
acompanhar minhas palavras, e eu não quero que isso aconteça. A
última coisa que quero é parecer ainda mais infantil aos olhos dele.
— Eu tenho que ir. — Eu digo rapidamente.
— Não desligue! — ele explode.
— O que você quer que eu diga?! — Eu lanço meu braço no ar
quando a verdade começa a explodir para fora de mim. — Nós
temos um casamento falso! Fizemos votos em um tribunal e eles
não significaram nada. Você acha que eu não sei disso? E agora olhe
para mim! Eu fui a idiota que acidentalmente se esqueceu de te
odiar. Minha guarda caiu e dia após dia você apenas... você tornou
impossível não se apaixonar por você. Na verdade, pensei comigo
mesmo: Bem, isso não é bom? Amar a pessoa com quem sou casada - isso
não vai funcionar a meu favor?!
Ele tenta me interromper, mas não há como me parar neste
momento. Ele abriu a válvula e agora tudo está saindo de mim em
uma grande corrida catastrófica.
— Quando assinei aqueles papéis idiotas que seus advogados
mandaram, pensei que nos casaríamos para sempre. — Eu rio
sarcasticamente enquanto as lágrimas escorrem pelo meu rosto. —
Como eu posso ser tão burra?!
— Você poderia, por favor, parar? Você não é burra-
— Ai, meu Deus. — Eu sinto que estou hiperventilando
enquanto o constrangimento se transforma em tristeza. — Não
acredito que realmente pensei isso. — Estou escorregando para fora
da cama rapidamente, começando a andar, pressionando a palma
da mão na minha testa enquanto pareço chegar a todas essas
constatações de uma vez. — Não posso acreditar que presumi que
um homem como você seria forçado a um casamento e não teria um
plano alternativo. Você provavelmente sabia que isso não duraria o
tempo todo. Como foram os últimos dias para você? Um pouco do
bom e velho entretenimento? Uma maneira de passar o tempo
enquanto seus advogados redigiam os papéis do divórcio?
De repente, me sinto mal. Meu estômago revira e eu desligo,
jogando meu telefone na cama enquanto corro para o banheiro. Eu
vomito, tentando desacelerar meu coração disparado. Se eu tivesse
um saco de papel marrom, bufaria dentro e fora dele para acalmar
minha ansiedade. Em vez disso, me forço a me concentrar em um
ponto na parte de trás do assento do vaso sanitário e respiro fundo
enquanto fico ali parada, tentando me acalmar.
O que está acontecendo?
O que diabos eu fiz?
Eu deslizo para o chão e envolvo meus braços em volta das
minhas pernas para que eu possa deixar minha testa cair sobre os
joelhos.
Isso foi ruim.
O que quer que tenha acontecido no telefone é o oposto do que
eu queria que acontecesse. Saí do apartamento de Walt hoje porque
não queria que ele me visse assim. Eu nem mesmo reconheço essa
versão de mim mesma.
Eu rio porque é tudo muito histérico. Estou histérica.
Estou histérica porque estou apaixonada.
Estou apaixonada por um homem com quem acabei de gritar
várias vezes antes de desligar na cara dele.
Isso é tão ruim. Pior do que ruim. Péssimo.
VINTE E OITO
Eu não adormeço facilmente naquela noite. Eu me enrosco em
meus lençóis, rolando para frente e para trás, de um lado para o
outro, olhando para o teto, implorando para que meu corpo
coopere. No final, caio no sono meio esparramada na cama, tão
profundamente fora dela que, a princípio, o som do meu telefone
tocando é incorporado ao meu sonho.
Então, com uma descarga de adrenalina, meu cérebro diz:
Acorde! Pegue seu telefone!
Meus olhos se abrem quando chego ao outro lado da cama para
pegá-lo e ler a tela, apenas para cair de alívio quando vejo que é
Nadiya e não Walt.
— O show está começando! — ela diz quando a chamada é
conectada.
— O que? — Eu pergunto, enxugando o sono dos meus olhos.
— Sim! Estamos reorganizando a programação, superando o
outro artista e fazendo com que suas telas sejam emolduradas
conforme falamos.
Eu pulo para a posição sentada, jogando minha mão sobre a
boca.
— Puta merda. — Eu me encolho. — Desculpa! Finja que eu não
disse isso.
Nadiya ri.
— Escute, eu preciso de algumas coisas de você. Primeiro, uma
pequena biografia. Você deve ter visto a de Anya na outra noite.
Caso contrário, verifique nosso site - ele lhe dará uma ideia do
formato de que precisamos. Também tenho alguns jornalistas
franceses que gostariam de fazer entrevistas com você para
acompanhar suas redações. Sei que pode não parecer divertido, mas
é a melhor maneira de divulgar seu nome, então você só precisa
sorrir e aguentar.
— Está bem. Eu me viro.
— Além disso, sei que você ainda está pedindo a sua advogada
que analise nosso contrato...
— Ela disse que poderia mandar de volta para mim mais cedo do
que o esperado. Espero que ele seja assinado por você hoje mais
tarde.
— Perfeito. Por último, vou enviar-lhe um email com a
confirmação do seu voo assim que o meu assistente o reservar. Eu
acho que você deveria estar em Paris pelo menos alguns dias antes
do show para que você possa se aclimatar e ajudar com os detalhes
finais.
— Então, isso está realmente acontecendo? — Eu pareço
perplexa.
— Sim. — Ela enfatiza. — Está acontecendo. Quando você pode
conseguir a peça final em que está trabalhando?
— Amanhã. Eu acho. Vou trabalhar como uma louca hoje.
— Boa. Ligue para a Stein Gallery quando terminar, pergunte
por Mark. Ele mandará um dos caras empacotar a arte para o envio.
Ligue se precisar de mim, mas posso não ser rápida em responder
porque estou prestes a embarcar no meu voo agora.
Desejo a ela uma boa viagem e depois desligamos. Por trinta
segundos, talvez um minuto no máximo, fico em êxtase com as
notícias, sonhando em ver minha arte pendurada na galeria Stein
em Paris. Então, eu olho por cima do meu telefone e meu quarto de
hotel vazio e gelado me encara de volta. Meus olhos vão do meu
estúdio improvisado perto da janela para a minha mala com roupas
caindo do lado.
A empolgação com meu telefonema para Nadiya não parece ter
o poder de permanência que eu esperava. Minha situação atual se
recusa a ser ignorada.
Paris! Eu me lembro.
Walt, meu cérebro responde.
Este quarto de hotel solitário me arrasta de volta para um mau
humor do qual não consigo escapar. Eu deslizo para fora da cama e
abro as cortinas, na esperança de ver um raio de sol. É uma manhã
nublada, tempo que combina com meu humor.
Tenho muito trabalho a fazer na minha última peça, mas preciso
comer algo primeiro. Eu coloco uma das minhas calças de ioga e um
moletom, e desço para o saguão do hotel para escolher suas ofertas
de café da manhã. Ovos aquosos e pastéis processados são
praticamente minhas únicas opções, então coloco alguns ovos em
meu prato e encho um copo de isopor com a quantidade de café que
pode conter.
Em uma mesa no canto, como e enquanto isso, folheio um New
York Times que alguém abandonou. Na seção de artes, não estou tão
surpresa em ver um pequeno artigo sobre o programa de Anya de
duas noites atrás. Há uma grade de fotos do evento que destaca seu
trabalho, bem como os notáveis nova-iorquinos que estiveram
presentes. Meu coração pula uma batida quando vejo Walt e eu. Eu
me inclino para estudar a imagem. Nele, estávamos olhando para a
peça final de Anya em seu show, a adaptação da cadeira de Van
Gogh. O fotógrafo nos pegou de lado. Eu pego a maior parte do
quadro, mas Walt é uma cabeça mais alto do que eu, sua mão
pressionada nas minhas costas. Eu estava encostada nele, algo que
não me lembro de ter feito na época. Parecemos relaxados juntos,
confortáveis nos braços um do outro.
A legenda simplesmente diz:
— Sr. e Sra. Walter Jennings II.
Eu empurro o papel de lado e dou uma mordida nos meus ovos.
Droga. De alguma forma, eles são piores do que parecem, se é
que isso é possível. Depois da minha primeira mordida, eu ignoro
meu prato e me concentro no meu café. Tento muito não olhar para
o jornal de novo. Quase sempre consigo, mas de vez em quando,
meus olhos me traem.
Eu puxo o papel em minha direção novamente e estreito meu
olhar sobre nós. Deus, parecemos adoráveis. Apaixonados.
Eu propositalmente coloco minha xícara de café em cima da
imagem, bloqueando minha visão. Isso funciona bem até que eu
queira tomar outro gole de café.
Meu telefone vibra ao lado do jornal com uma ligação de
Matthew.
Eu não atendo. Em vez disso, bato os dedos na mesa, esperando
ir para a caixa postal e, em seguida, ouço imediatamente a
mensagem que ele me deixou.
— Elizabeth, oi. É o Matthew. Eu sei que você pode não querer
falar comigo agora, mas escute, espero que você esteja bem. Walt
me ligou ontem à noite preocupado com você. Ele perguntou se eu
tinha visto você, o que não fazia sentido até que ele me disse que
você tinha se mudado. Perdi alguma coisa? Vocês pareciam muito
bem na outra noite... eu não sei. Provavelmente sou a última pessoa
com quem você deseja falar, mas se quiser, estou aqui. Juro que sou
seu amigo, não apenas um informante do meu irmão. — Ele ri. —
De qualquer forma, sim, sério, espero que você esteja bem. Certo.
Tchau.
Eu me sinto mal por ignorar sua ligação, então eu mando uma
mensagem de volta.
Elizabeth: Ei, obrigada por ligar. Estou bem.
Ma hew: Ei. Tem certeza?
Elizabeth: Sim, apenas descobrindo algumas coisas. Tudo bem.
Ma hew: Meu irmão está muito preocupado com você. Não enfia o
nariz onde não é chamado, nunca o vi assim.
Uma parte de mim quer pedir que ele explique. O que ele está
fazendo? Está chateado? Está com raiva? Triste? Quão triste? Mas eu
sei que não é uma boa ideia. Em vez disso, silencio meu telefone,
limpo minha mesa e volto para o meu quarto para trabalhar.
Eu não olho para o meu telefone de novo pelo resto do dia.
Tenho que me concentrar nesta peça final da minha exposição, e a
última coisa que quero fazer é me distrair e não cumprir minha
promessa a Nadiya de terminar a tempo. Esta é uma oportunidade
única na minha carreira, e por mais que eu queira fechar as cortinas
e me enrolar na minha cama, tenho apenas que ignorar essa
vontade. Trabalhe agora, caia no desespero depois do seu show em Paris.
Só quando estou deitada na cama às 23h32, prestes a dormir, é
que verifico meu telefone novamente e vejo uma chamada perdida
de Walt desta tarde.
Em seguida, ele enviou uma mensagem.
Walt: Acho que devo te dar espaço, mas não posso. Me encontre
para jantar? Precisamos conversar, eu parto para uma conferência sobre
disposi vos na Califórnia amanhã de manhã.
Em vez de enviar uma mensagem de volta para ele, vou até as
minhas chamadas perdidas recentemente e passo o polegar sobre
seu nome. Deus, eu quero falar com ele. Sinto tanto a falta dele que
dói ficar aqui sabendo que ele está a apenas dez minutos de carro.
Eu pressiono meu polegar em seu nome antes que eu possa me
questionar, e então meu coração dispara quando o telefone toca. A
antecipação faz meu pulso disparar. Em um momento, vou ouvir
sua voz. Vou fechar os olhos e ouvir ele falar e fingir que tudo vai
ficar bem. Ele e eu vamos descobrir isso.
Mas a chamada nunca é conectada. Walt já deve estar dormindo.
Eu coloco meu telefone na mesa de cabeceira, rolo para longe dele e
fecho meus olhos.
De manhã, eu verifico meu telefone para ver a primeira de uma
série de chamadas perdidas.
Walt: Ei, eu estava dormindo quando você ligou. Eu nha que estar
no aeroporto às 4:45 da manhã, então dormi cedo. Me ligue quando
acordar.
Eu ligo para ele, mas ele ainda deve estar no avião.
Mais tarde, quando estou no banho, ele liga de volta. Eu
amaldiçoo, absolutamente furiosa com o universo por fazer isso
conosco.
Quando eu ligo de volta, ele atende no primeiro toque.
— Elizabeth.
— Walt. Oi. Desculpe. Nós estamos-
— Desencontrados. Eu sei. Ouça, estou prestes a subir no palco
aqui em alguns minutos para uma palestra.
— Sr. Jennings. — diz um homem ao fundo. — Precisamos fazer
uma verificação do microfone.
Ele suspira, parecendo que está perdendo o juízo.
— Elizabeth, eu te ligo mais tarde quando eu voltar para o meu
quarto de hotel. Fique com o telefone perto de você.
— OK.
Eu faço exatamente o que ele diz. Eu coloco o volume do meu
telefone no máximo e o mantenho comigo o dia todo enquanto
pinto, enquanto envio um e-mail para Nadiya, enquanto coordeno
o horário de entrega da minha tela concluída com Mark da Stein
Gallery, enquanto ando para pegar um jantar barato em uma
lanchonete no final da rua, enquanto eu como no banco do parque,
vendo as crianças jogarem um jogo de futebol americano.
Ele não liga de volta até eu estar na cama, percorrendo o Reddit
no meu telefone.
Eu atendo imediatamente, o alívio me inundando.
— Walt, nós somos péssimos nisso.
Ele suspira quando uma porta bate no fundo.
— Acabei de entrar no meu quarto de hotel. Deus, foi um longo
dia.
Eu o imagino passando a mão pelo cabelo, exausto.
— Você já jantou? — Eu pergunto.
— Estou prestes a pedir o serviço de quarto.
— Ah. Eu poderia deixar você ir para que ...
— Elizabeth.
— Eu só estava-
— Sim, eu sei o que você estava fazendo, e eu não me importo.
Não vamos desligar este telefone até que você me ouça.
Sento-me na cama, recostando-me nos travesseiros.
— Mas me dê apenas dois segundos. Onde está o cardápio deles?
— Eu o ouço arrastando os pés enquanto agarra o telefone do hotel,
então há o som revelador dele discando para o serviço de quarto.
Alguém deve responder rapidamente porque Walt fala
imediatamente, pedindo um cheeseburger.
Eles devem perguntar sobre uma bebida porque Walt responde
com:
— Tudo bem, só água. Adicione uma salada ao lado, por favor.
Qualquer que seja o tempero da casa que você tem, é bom.
Há silêncio por um momento, então ele agradece à pessoa do
outro lado da linha e desliga.
— Elizabeth? Você está aí?
— Sim.
— Certo. Isso deve levar cerca de duas horas para eles trazerem.
Eu sorrio.
— Por que o serviço de quarto sempre leva uma eternidade?
— Não tenho ideia, mas é uma lei universal. Espere, deixe-me
tirar meu terno. Eu estive nisso o dia todo. Ugh, eu preciso de um
banho.
— Então, tome um banho.
— Certo, com a chance de perder você?
— Vou ficar ao telefone, juro.
— Tudo bem, mas estou levando você para o banheiro comigo.
— diz ele.
Eu escuto uma porta se abrir e, em seguida, o chuveiro liga. A
água espirra no azulejo e no vidro, o que significa que ele deve estar
em um hotel muito bom. Nenhuma cortina de chuveiro bege de
plástico para ele.
— Você pode me ouvir? — ele pergunta.
— Por muito pouco.
— Vou ser rápido.
É uma tortura aguda ficar ao telefone com Walt, ouvindo
enquanto ele tira a roupa. Meus ouvidos picam com cada pequeno
som: um zíper deslizando, roupas amontoadas, o tilintar de metal
batendo no ladrilho. O som do chuveiro fica mais alto quando ele
abre a porta e entra. Seu corpo bloqueia parcialmente o fluxo,
amortecendo o som. Eu fecho meus olhos e escuto, imaginando
como ele se parece, a água escorrendo sobre seus músculos
enquanto ele ensaboa seu corpo.
Mais alguns minutos se passam assim e eu me contorço com
impaciência na minha cama, tentando ignorar o fato de que minhas
bochechas estão começando a ficar quentes.
A água é cortada e a porta do banheiro se abre novamente. Uma
nova imagem mental substitui a última: Walt saindo do chuveiro,
brilhando, limpo e nu. Água pingando de seu cabelo escuro, gotas
rolando por seu pescoço e peito. Eu o ouço abrir uma toalha e
começar a secar.
— Elizabeth?
Eu puxo um pedaço de linha solto no lençol.
— Estou aqui.
— Ok. Deixe-me pegar algumas roupas.
— Isso tudo fazia parte da sua estratégia? — Eu pergunto,
apenas parcialmente provocando.
— O que?
— Me colocar no telefone e me fazer ouvir isso?
Ele ri.
— Foi tudo feito em inocência, eu lhe asseguro. Embora, para ser
justo, eu nunca teria sido capaz de ouvir se a situação fosse inversa.
Um arrepio percorre minha espinha e, em vez de me tentar
ainda mais em tópicos ilícitos, me forço a voltar à tarefa em questão.
— Você queria falar comigo sobre o outro dia? Esclarecer as
coisas? — Eu pergunto, meu tom mudando para algo um pouco
mais sério.
— Sim, embora eu não tenha certeza de como começar. É tão
estranho estar falando com você dessa maneira. Eu gostaria que
você pudesse vir para a Califórnia. Você pode? Vir? Estarei aqui até
domingo.
Uma risada sai de mim porque é tão absurdo.
— Não. Eu... não, Walt. Na verdade, estou voando para Paris no
sábado.
O assistente de Nadiya enviou meu número de confirmação e
detalhes do voo no início desta tarde.
— Paris? — ele pergunta, parecendo surpreso, e bem, faz
sentido.
— Sim. Para minha exposição na Stein Gallery.
— Que exposição?
Eu explico a ele a mudança no cronograma, como Nadiya me
colocou na vaga que estava anteriormente preenchida, incapaz de
manter o sorriso fora do meu rosto enquanto repasso os detalhes.
Mesmo depois de tudo, é bom compartilhar isso com ele. Percebo
agora que ele é a única pessoa para quem eu queria contar.
— Tem sido um pouco turbulento, na verdade. Eu só descobri
isso ontem, então estou tentando finalizar tudo o mais rápido
possível.
— Isso é... — Sua voz some como se ele não tivesse certeza do
que dizer. — Elizabeth, isso é... Parabéns. Você deveria estar muito
orgulhosa de si mesma.
— Eu estou. Sim. Obrigada.
— Por quanto tempo você estará lá?
— Uma semana, eu acho. Tempo suficiente para ajudar nas
decisões finais sobre a exposição, e então comparecer, é claro. Há
um pouco de entrevistas que tenho que fazer, nada importante, mas
sim...
— Uau.
— Sim, vai dar muito trabalho.
— Parece que sim.
Há uma longa pausa enquanto eu olho para o teto, sem saber
para onde ir a partir daqui.
— Walt, você acha que devemos apenas conversar quando eu
voltar de Paris? Discutir sobre os últimos dias? Assim teremos
algum tempo para pensar em tudo? Eu só... não estou orgulhosa do
meu comportamento da outra noite...
— Não há nada para se envergonhar.
Ainda assim, minhas bochechas ficam vermelhas.
— Eu sei, só...
Na verdade, não posso explicar a ele qual é o meu motivo para
atrasar esta conversa, porque não é algo de que estou
particularmente orgulhosa. É que, para mim, espaço significa
esperança... espero que ele e eu consigamos consertar toda essa
bagunça depois do meu show. Eu me preocupo se ele e eu
conversarmos agora, se seguirmos caminhos separados, posso passar
as próximas duas semanas em uma névoa de depressão, incapaz de
aproveitar este grande momento em minha carreira.
— Duas semanas não é muito. — Eu continuo. — Vamos
apenas... conversaremos quando eu voltar. OK?
Eu nem percebi que queria que ele discordasse e forçasse a
questão, declarasse seu amor aqui e agora, até que ele disse:
— Tudo bem.
Sinto como se meu coração estivesse se partindo em dois.
— Boa sorte em Paris.
— Obrigada. Vou... sim, vou falar com você depois.
— Depois. — Ele repete para mim antes que eu desligue.
VINTE E NOVE
A exposição ocupa a maior parte da minha capacidade de
atenção na próxima semana, mas não toda. Ainda encontro tempo
para pesquisar Walt no Google e ler artigos de tecnologia
enfadonhos sobre a conferência que ele participa. Os jornalistas dão
detalhes sobre o futuro da Diomedica. Aparentemente, eles
acabaram de concluir os testes clínicos para uma nova bomba de
insulina vestível, e os preços das ações estão disparando. Walt é
tendência no Twitter ao lado de Elon Musk e Jeff Bezos. Estou um
pouco surpresa por conhecê-lo, muito menos do que ser casada com
ele.
Acho um pouco irritante que Walt me dê o espaço que solicitei.
Não há um pio dele, nenhuma ligação ou texto enquanto me
preparo para minha viagem a Paris.
Arrumo minha mala e faço um acordo com um funcionário da
recepção do hotel. Ele vai me deixar guardar minha mala cheia de
materiais de arte em um dos armários na semana que estiver fora
em troca de 50 dólares. Espero que ele não perceba que os
suprimentos dentro da mala valem muito mais do que isso, embora
não tenha certeza de que haja um enorme mercado negro para os
lápis de cor pastel usados, principalmente.
Nadiya e eu estamos em contato constante enquanto me preparo
para partir. Stein está me hospedando em um hotel perto da galeria,
além de cuidar do meu voo. Estou em um assento da primeira classe
no caminho, o que é indulgente e maravilhoso. Na verdade, consigo
dormir um pouco, depois de dizer a mim mesma para parar de
navegar no Twitter, em busca de mais informações sobre o tempo
de Walt na Califórnia.
Digo a mim mesma que vou parar de pensar nele assim que
pousar em Paris. Eu faço disso minha missão pessoal, e quase
consigo. Quando Nadiya me pega no aeroporto, ela me leva para
um frenesi de atividades. Domingo e segunda, estamos na Stein
Gallery, focando na ordem das minhas peças e confirmando que
gostamos do fluxo geral da coleção. Terça-feira, encontro a
imprensa no hotel, passando de uma entrevista para a outra, de
modo que, no final do dia, minha voz fica rouca. Na quarta-feira de
manhã, Nadiya pediu a um fotógrafo profissional que me
encontrasse no meu quarto de hotel para que ela pudesse tirar
algumas fotos minhas. A equipe de relações públicas da Stein
enviará a melhor foto para a imprensa francesa e a usará no
programa.
— Você está cansada? — Nadiya me pergunta na quinta à noite,
enquanto nos sentamos em um restaurante, esperando nossa
comida.
Não estamos sozinhas. Nossa mesa para oito inclui algumas
outras pessoas da Stein que estão ajudando a coordenar meu show.
Eu deveria estar tentando causar boas impressões, mas,
sinceramente, posso adormecer na mesa a qualquer momento.
Eu me encolho.
— Parece que eu estou?
— Só um pouco.
Eu ri.
— Amanhã, você tem um dia leve. Precisamos nos encontrar na
galeria pela manhã para garantir que tudo esteja pronto, mas então
você tem a tarde de folga. Vá com calma. Explore a cidade. Ou,
inferno, tire uma soneca.
Aceito seu conselho, ignorando a atração de grandes museus
como o Louvre e o d'Orsay em favor de visitar a Fondation Cartier,
um museu fundado pela marca de relógios de luxo que abriga arte
moderna.
Possui um grande jardim contemporâneo repleto de vegetação.
Assim como em Nova York, a primavera chegou a Paris. Com uma
jaqueta leve, posso sentar-me nos degraus rasos em cascata,
apreciando a justaposição entre o jardim exuberante e a fachada
industrial do museu. É a primeira quantidade substancial de tempo
que realmente tenho sozinha desde que cheguei aqui, e não estou
surpresa de ser saudada pelo chamado da solidão. Eu tenho meu
caderno de desenho comigo, então eu o puxo para fora da minha
bolsa, percebendo ao virar para a última página que não desenhei
nada nele desde que desenhei Walt em seu apartamento. Eu fico
olhando para o desenho dele, e é como se meu desejo fosse físico,
manifestando-se como uma dor no meu peito que não consigo
aliviar, mesmo depois de fechar meu caderno.
Desisto de desenhar e, em vez disso, olho as pessoas no jardim. É
tranquilo no início da tarde. Uma família ocupa um lugar ao meu
lado, seus dois filhos correndo loucamente. Uma delas, uma menina
com cabelo loiro curto e vestido floral, foge de sua irmã, rindo
loucamente antes de correr direto para mim. Estendo a mão,
tomando cuidado para não a deixar cair nos degraus.
— Pardon! — Diz sua mãe, correndo para pegar seu filho.
— Não. Não, está tudo bem. — Eu digo, sorrindo para que ela
saiba que não estou nem um pouco incomodada.
Ela acredita na minha palavra e se senta novamente. Eu solto a
criança assim que sei que ela está firme em seus pés.
A menina aponta para o meu caderno de desenho e diz algo em
francês.
— Dessine une image.
Eu franzo a testa, sem entender.
Ela aponta com mais força, dizendo novamente:
— Image. Image.
Pegando a dica, abro o caderno de desenho para mostrar a ela
minhas artes, e seus grandes olhos castanhos se arregalam. Sem
perguntar, ela começa a folhear as páginas. Eu olho para cima para
ver sua mãe nos observando, lançando-me um sorriso agradecido.
— Você quer que eu desenhe você? — Eu pergunto.
A menina parece confusa, então eu viro para uma página em
branco e aceno meu lápis. Ela imediatamente entende a dica.
— Dessine! Dessine!
Tento desenhá-la, embora ela não facilite. Em vez de posar, ela
dança lindamente pelo jardim na minha frente. Eu esboço
rapidamente, meu lápis voando ao redor da página, capturando o
giro de seus movimentos, o puf de sua saia enquanto ela gira de
alegria.
Para o bem da posteridade, eu assino a parte inferior e rasgo a
página do caderno de desenho para entregar à garota. Ela corre para
mostrar à mãe e a mulher olha para mim, falando em um inglês
irregular.
— Talvez... vous serez... artista famosa um dia. — Ela diz com um
sorriso.
Eu retribuo o sorriso dela, esperando que ela esteja certa.
Eu mal consigo dormir na noite anterior ao meu show. Deito-me
na cama, repassando minha programação e tentando descobrir
qualquer detalhe de última hora que possa ter esquecido. Meu
vestido já está pendurado atrás da porta do banheiro. Decidi ir com
o mesmo vestido com estampa de chita que usei quando me casei
com Walt. Pensei em sair e comprar algo novo para o desfile, mas
não queria dar a ninguém a falsa impressão de quem eu realmente
sou, sem falar que prefiro não gastar o pouco dinheiro que tenho
em um blazer e calças bregas. Além disso, gosto desse vestido e
gosto especialmente dele combinado com meus Doc Martens.
Eu deslizo para ele no dia seguinte enquanto estou me
arrumando e começo a colocar minhas joias em cima dele. Tomo
cuidado com o relógio da minha avó e meu medalhão minúsculo.
Eu odeio notar como meu dedo anelar esquerdo parece descoberto
agora.
Eu mantive minhas armas em Paris, mantendo-me longe das
mídias sociais e do Google para não enlouquecer com atualizações
sobre Walt. Eu quase mandei mensagens para ele algumas vezes. É
difícil não pensar nele em uma cidade tão famosa por sua arte. Vejo
algo em cada esquina que ele adoraria, uma pintura ou escultura
que sei que ele gostaria de ver.
Eu gostaria que ele estivesse aqui comigo.
Eu gostaria que ele estivesse ao meu lado esta noite, mas estou
orgulhosa de mim mesma por fazer isso sozinha.
Eu me olho no espelho do hotel e aperto minhas mãos.
— É isso. — Digo para o meu reflexo.
Esta é uma chance única na vida de fazer meu nome como uma
jovem artista emergente. Não estrague tudo. Eu rio para mim mesma
e balanço minha cabeça, pegando minha bolsa e telefone antes de
descer para o saguão do hotel. Nadiya já está esperando por mim,
acompanhada por Agnès, a chefe de relações públicas da galeria de
Stein em Paris. Ambas aplaudem minha roupa.
— É perfeito. Muito americano. — Agnès diz com um sorriso.
Não tenho ideia do que ela quis dizer com isso, mas considero
isso um elogio.
Entramos em um carro fora do hotel e vamos direto para a
galeria. O sol poente banha as fachadas de pedra dos edifícios
Haussmann de Paris com uma luz dourada. Ao longo do Sena,
passamos por vendedores montados em suas barracas. Os turistas
circulam por eles, trocando euros por pequenas bugigangas e
lembranças. Uma motocicleta gira na nossa frente, desviando minha
atenção do rio enquanto diminuímos a velocidade até parar em
frente à galeria.
A localização de Stein em Paris está situada em um prédio
antigo de frente para o Sena. Possui portas duplas antigas pintadas
de verde escuro e janelas decoradas com grades de ferro forjado
ornamentadas. Já tem gente aqui para a exposição, alguns
jornalistas com câmeras penduradas no pescoço reunidos na frente.
Uma equipe de fornecedores termina de montar um bar ao ar livre.
Cada vez que cheguei à galeria esta semana para ajudar na
configuração e nas decisões finais de layout, parecia tão surreal
quanto da vez anterior. Mesmo agora, eu quero me beliscar. Por que
estou aqui? Como eu poderia ser digna de um show como esse?
Arte de Café.
Certo.
Acho que veremos o que vai acontecer.
— Vamos lá. Não se esqueça de sorrir. — Agnès me diz antes de
abrir a porta traseira do carro.
Sou a última a pisar na calçada e sinto todos os olhares em mim
enquanto me dirijo para a entrada da galeria. Não estou nem de
salto e, ainda assim, estou preocupada em tropeçar e cair.
— Elizabeth. Podemos dar uma palavrinha? — um jornalista
pergunta, me parando antes que eu possa entrar. Eu olho para
Agnès, e ela acena com a cabeça em confirmação.
Imediatamente, sou cercada por um pequeno grupo deles, me
fazendo perguntas, jogando bolas de softball para mim. Eles querem
saber como estou me sentindo esta noite, o que esta coleção
significa para mim. Não tenho ideia de como respondo. As palavras
simplesmente saem de mim e, quando me afasto alguns minutos
depois, tento me lembrar do que diabos eu poderia ter dito. Eu
mesma formei frases completas? Agnès me garante que me saí bem.
— Eu parecia nervosa?
— Só um pouco. — Ela diz com uma piscadela.
Certo.
Eu respiro fundo e entro na galeria, congelada em descrença
enquanto vejo minha coleção completa pela primeira vez. Minhas
telas estão penduradas em uma linha reta ao longo das paredes de
gesso branco, envoltas em molduras personalizadas ornamentadas.
As luzes da galeria de latão antigo iluminam cada um, destacando
os detalhes dos tons pastéis e da pintura. Meu trabalho ganhou
vida.
Lágrimas brotam dos cantos dos meus olhos. Nadiya agarra
minha mão e a aperta. Alguém tira uma foto e fico sabendo que
ainda estou sendo observada. Na verdade, vão ficar de olho em
mim a noite toda.
— As portas abrem oficialmente em dez minutos. — diz Agnès.
— Circule pela sala assim que as pessoas começarem a chegar. Não
se esconda em um canto.
Eu olho para Nadiya e ela sorri.
— Não se preocupe, estarei ao seu lado.
Fiel à sua palavra, ela não me deixa uma vez que as portas se
abrem ao público. Eu olho para a entrada, na expectativa, mas não
há exatamente um grupo louco de pessoas tentando entrar. A
maioria dos repórteres saiu agora que eles conseguiram o que
precisavam. Um casal entra, olha em volta com curiosidade, como
se não tivesse certeza do que exatamente está acontecendo, e sai
rapidamente. Nadiya me dá um olhar tranquilizador.
Lentamente, as pessoas vão chegando e, ao longo de meia hora,
meia dúzia de participantes se transforma em uma dúzia, e assim
por diante, até que haja multidão suficiente para que eu não fique
sozinha por muito tempo.
A barreira do idioma não é tão difícil. Nadiya fala francês, então
ela ajuda a traduzir. Um bom número de participantes fala inglês
irregular, o que torna muito mais fácil falar sobre minha arte.
A primeira vez que vejo uma placa preta discreta de “vendido”
colocada ao lado de uma das minhas telas, sinto como se meu corpo
estivesse vibrando. É uma descarga de adrenalina completa. A peça
estava à venda por $1.400. Depois que a galeria e Nadiya fizerem
sua parte, ainda vou ficar com uma boa quantia. Gostaria de poder
dizer que isso não importa, que crio arte para minha alma e nada
mais, mas a verdade é que, se quero que a arte seja meu trabalho e
não apenas meu hobby, preciso ganhar dinheiro.
Acho que Nadiya estava certa sobre os preços e o tamanho do
meu trabalho. Depois que a primeira peça é vendida, tem-se um
efeito dominó, como se agora que minha arte foi considerada
“digna”, as pessoas não hesitassem em recolher peças. Abaixo da
linha, os sinais de “vendido” são colocados ao lado das telas. Os
compradores me pedem para posar para fotos na frente do meu
trabalho. Eu sorrio, embora me sinta um pouco entorpecida. Duvido
que consiga realmente compreender tudo isso até que esteja de
volta ao meu quarto de hotel mais tarde, sozinha.
— Você poderia, por favor, assinar meu panfleto? — pergunta
uma mulher com sotaque americano, segurando o livrinho branco
que detalha cada peça da coleção.
Eu concordo.
— É claro. Sim.
Dou um tapinha no meu vestido, como se procurasse bolsos
fantasmas, e faço uma careta.
— Eu não tenho uma caneta.
— Ah, sim, espere um pouco, deixe-me ver. — ela diz,
começando a cavar em sua bolsa.
Viro-me para Nadiya para perguntar se ela tem uma e, quando o
faço, meu olhar se fixa na entrada da galeria, ou mais precisamente,
no homem parado ali.
É difícil compreender o que estou vendo naqueles primeiros
segundos quando Walt aparece, cercado pela porta, iluminado por
trás pela luz suave da rua. O Sena flui atrás dele e ele fica
absolutamente imóvel, me observando.
Em sua mão esquerda, ele está segurando um buquê de flores
embrulhado em papel pardo. Sua expressão é inescrutável. Suas
sobrancelhas escuras estão puxadas juntas, sua boca ligeiramente
curvada para baixo em uma carranca. Por um segundo, acho que ele
pode estar chateado. Então eu percebo, enquanto ele aperta o
punho em torno das flores... ele está nervoso.
Ele se parece tanto com aquele primeiro dia fora do tribunal. Ele
está vestindo um terno azul-marinho sem gravata. Seu relógio
aparece além do punho de sua jaqueta. Seu cabelo está
perfeitamente penteado, nem uma mecha fora do lugar. Ele levanta
a mão direita e acena, é a expressão de esperança mais séria que já
vi.
Esse gesto me atinge de vez.
Voando para Paris, vindo para a minha exposição, estando aqui
para mim apesar de tudo que passamos. Lágrimas brotam dos
cantos dos meus olhos no exato momento em que a mulher me dá
um tapinha no braço.
— Achei uma! — ela diz, acenando com a caneta na minha
frente quando eu me viro para encará-la.
Ela percebe minha expressão e franze a testa, provavelmente
interpretando mal meu humor.
Eu assino o panfleto dela rapidamente, poso para uma foto e, em
seguida, tento me livrar da interação, mas então ela faz uma
pergunta sobre a minha arte. Eu nem mesmo pego. Meus ouvidos
estão cheios com o som do meu coração batendo forte e rápido.
Nadiya percebe Walt, sorri e entra em ação.
— Eu adoraria mostrar algumas de suas peças. — Ela diz para a
mulher. — Eu sou Nadiya, a representante de Elizabeth na Stein.
Você já me disse seu nome?
Ela conduz a mulher para longe com uma graça suave, e eu me
viro para assistir Walt cortar a sala para chegar até mim. Eu também
vou na direção dele, encontrando-o no meio do caminho. Ele
domina meus sentidos de uma vez. Eu pego seu cheiro revelador e
meu peito se contrai de desejo. Nós não nos tocamos. Ficamos a
trinta centímetros de distância enquanto eu fixo meu olhar em seu
peito, especificamente em um botão de sua camisa branca
imaculada, e espero que ele fale.
Um segundo se passa e eu olho para ele.
Seus olhos castanhos me olham com um desejo tão descarado
que faz minhas bochechas queimarem.
— Parabéns. — Ele diz, segurando as flores para eu pegar.
Eu as aceito, embalando-as em meus braços com cuidado. Elas
são lindas, um borrão de cores vibrantes, mas eclipsam seu perfume,
então eu as deixo cair ao meu lado, fora do meu caminho.
— Você veio para Paris. — Eu digo, parecendo perplexa quando
olho de volta para ele.
Ele concorda.
— Cheguei há algumas horas.
— Ah, ok. Aposto que você está cansado.
Ele não quebra o contato visual comigo enquanto balança a
cabeça.
— Não.
— Você veio para Paris. — Repito.
O canto de sua boca se levanta em um sorriso hesitante.
— Para a sua exposição.
Eu aceno, de repente tão oprimida que não consigo formar
palavras. Eu olho de volta para as flores e uma lágrima escorre pela
minha bochecha. Ele estende a mão, embalando meu rosto para que
ele possa limpá-lo. Ele parece absolutamente arrasado quando
nossos olhos se encontram novamente.
— Por favor, não chore.
— Eu não posso evitar. — Eu sussurro.
Nunca vi alguém fazer algo tão altruísta por mim. Ele fazer isso,
largar tudo e voar até aqui... para me surpreender assim...
Eu dou um passo para frente em uma explosão de coragem e
envolvo meus braços em torno de sua cintura, apertando-o
enquanto deixo minha cabeça cair contra seu peito. Eu me enterro
em seu cheiro, e é tão reconfortante quanto cair na cama depois de
um dia difícil.
— Parabéns pela sua coleção. — diz ele, dando um beijo no meu
cabelo. — Estou tão orgulhoso de você. Veja isso. Não sobrou uma
única peça à venda.
Eu sorrio e recuo, acenando com a mão na parede.
— Venha, venha. Olhe tudo.
Eu deslizo minha mão na dele, e ele a aperta com força enquanto
o conduzo pela exposição do início ao fim, confirmando o que ele
acabou de me dizer. Há uma placa de “vendido” ao lado de cada
parte do meu trabalho. Ele absorve minha arte com atenção
cuidadosa, como se estivesse diante de obras tão impactantes
quanto a Mona Lisa. Ele me diz qual é a sua peça favorita, uma com
pesados pigmentos azuis e cinza, com camadas grossas e
texturizadas fora da tela.
— Eu teria comprado se alguém não tivesse se adiantado.
Eu escondo meu sorriso e o conduzo junto. Assim que
terminamos, não consigo reprimir o sentimento de orgulho que me
preenche de cima a baixo. Caminhar ao lado dele, mostrar-lhe o
meu trabalho é um sonho realizado. Todo artista quer estar onde
estou, e tento deixar isso realmente me penetrar, para gravar esse
momento na minha memória para sempre.
— Você é incrível. — Ele diz quando chegamos ao final.
Eu nem mesmo refuto isso. Não quero minimizar essa conquista.
— Você precisa voltar para Nadiya? Voltar para as fotos e tudo
mais?
Ao dizer o nome dela, é como se ele a tivesse conjurado do ar.
Ela voa ao nosso lado, sorrindo para Walt.
— Estou tão feliz por você ter conseguido. — diz ela, sem
nenhum indício de surpresa em seu rosto.
Eu olho para Walt, e ele confirma minhas suspeitas quando
inclina a cabeça na direção dela e diz:
— Nadiya me ajudou a fazer a surpresa. Eu a procurei assim que
soube que você estava dando um show.
Eu olho para ela, e ela está sorrindo com orgulho.
— Você não disse nada!
— Sim, bem, eu sou boa em guardar segredos. Agora, se quiser
ficar, tudo bem, mas todas as suas peças foram vendidas e o evento
está encerrando. Acontece que acho melhor você não ficar muito
mais tempo. Deixe as pessoas querendo mais. — Ela diz com uma
piscadela.
Eu aceno, e ela estende a mão para apertar meu braço.
— Parabéns. Eu sabia que você se sairia bem, mas isso é melhor
do que prevíamos. Você deveria estar muito orgulhosa.
Eu estou orgulhosa. Eu mal sinto que a noite é real enquanto
Walt caminha comigo para pegar minha bolsa. Saímos da galeria e
mergulhamos na noite parisiense. O Sena brilha com a luz refletida
dos edifícios vizinhos. A Torre Eiffel não fica muito longe,
brilhando dourada, seus holofotes girando sobre o horizonte. Um
carro passa zunindo pela rua quando saímos para a calçada, seguido
pelo tilintar do sino da bicicleta de um homem enquanto ele se
curva em torno de um grupo de garotas rindo, enquanto elas
caminham juntas. Eu olho para Walt para descobrir que ele está
focado em mim, não em Paris.
— Devemos voltar para o meu hotel? — ele pergunta com olhos
tentadores.
Eu engulo e mudo meu queixo na direção do rio.
— Ok, mas vamos caminhar. Ainda é cedo e nunca andei por
Paris à noite.
Ele balança a cabeça e estende a mão para mim. Deixei que ele
me conduzisse pela rua até a calçada que acompanha a margem do
rio. Não conversamos no começo, mas a noite está longe de ser
silenciosa. Uma ambulância soa ao longe, um lembrete marcante de
que não estamos nos Estados Unidos. Quando passamos pelos
grupos, ouvimos explosões de conversas e frases erradas em francês.
Os barcos cruzam caminhos no rio, levando passageiros para os
cruzeiros noturnos.
Estou absorvendo tudo, apreciando cada pequeno detalhe, o
tempo todo mantendo minha atenção em Walt. Sua grande mão
está firme e calma, segurando a minha com facilidade. Ele anda
mais devagar do que normalmente, acho, tentando garantir que não
me sinta apressada.
Acabei perguntando a ele sobre seu voo e sobre a conferência na
Califórnia. Ele me pergunta sobre minha semana em Paris e como
foi me preparar para meu show. A conversa está tão longe do que
eu quero discutir, que nem parece muito relevante. Quem se
importa com voos e semanas que passamos longe um do outro?
Meus nervos crescem dentro de mim enquanto caminhamos.
Pareço oscilar mais a cada passo. Walt me disse que seu hotel não
fica muito longe.
— Você ainda está bem para caminhar? — ele pergunta.
É uma sensação estranha: eu poderia andar para sempre, mas, ao
mesmo tempo, tenho a necessidade ridícula de correr os últimos
metros. É o conflito guerreiro dentro de mim, a preocupação
misturada com esperança.
Não estou surpresa ao descobrir que seu hotel é muito mais
agradável do que onde eu estava hospedada. Seu saguão é revestido
de mármore, os tetos em caixotões pontilhados de pesados lustres
de cristal. Walt sabe exatamente para onde me levar, direto para os
elevadores e até o quinto andar.
Seu quarto fica no final do corredor. Ele passa o cartão-chave e
um conjunto de portas duplas se abre para uma grande suíte com
uma área de jantar completa, cozinha, sala de estar e quarto lateral
escondido atrás de uma porta fechada.
Eu poderia passar uma hora olhando a sala, estudando a arte e o
design de interiores. É maravilhoso, tudo feito em tons neutros de
creme e preto, peças antigas mescladas com móveis modernos.
Então me viro para Walt para vê-lo passar a mão pelo cabelo, e sei
que adiamos o inevitável por tempo suficiente.
— Acho que nunca estarei totalmente preparada para essa
conversa, então podemos muito bem tê-la. Vou tratar como se
estivesse arrancando um band-aid.
Suas sobrancelhas franzem em confusão.
— Você acha que vai ser tão ruim?
Meu estômago dá um nó.
— A vida me condicionou a me preparar para o pior, então foi
exatamente isso que fiz esta semana. Eu esmaguei cada migalha de
esperança, tentando tanto manter meu juízo sobre mim.
Seus lábios se inclinam em um sorriso maravilhosamente bonito.
— Você não acha que é hora de colocar de lado o bom senso? Eu
voei para Paris, Elizabeth. Eu vim aqui para falar com você. Você
acha que eu teria feito isso se estivesse trazendo más notícias?
— Claro que não.
Ele dá um passo em minha direção e eu fico perfeitamente
imóvel.
— Então você não vai relaxar um pouco? Você está pairando
perto da porta como se estivesse prestes a fugir.
Eu não tinha percebido que era o caso. Dou um passo mais para
dentro da suíte, tentando desacelerar meu coração acelerado.
— Aqui. — diz ele, estendendo a mão para as flores. — Deixe-
me colocar isso na água.
Há um vaso já preparado em uma mesa lateral, e ele
desembrulha as flores do papel e as joga dentro.
Depois disso, ele se vira para mim, fixa seu olhar no meu e
pergunta simplesmente:
— Como alguém pode confessar seu amor? Eu deveria ter
pedido o jantar ou a sobremesa para nós? Você já comeu? Eu nem
pensei em perguntar.
O que?!
— Walt-
— Eu só não sou um homem que tem o hábito de dizer às
pessoas que as amo. Não consigo me lembrar da última vez que
disse isso nem para Matthew, então provavelmente estou
entendendo tudo errado.
Abro a boca para tentar falar de novo, mas ele me antecipa.
— Porém, eu... amo você, Elizabeth. Apesar de como
começamos. Apesar do nosso começo difícil - meu começo difícil.
Ele parece tão perturbado com sua confissão que não posso
deixar de rir.
Ele entendeu errado. Com um suspiro, ele se move em direção a
um telefone ao lado de um enorme vaso de peônias brancas.
— Deus, eu sabia que erraria. Aqui, deixe-me pedir um pouco de
champanhe e comida. Você gosta de bife?
Ele pega o telefone e começa a discar, e eu corro para impedi-lo,
tirando o telefone de sua mão e colocando-o de volta na mesa.
— Walt-
— Você não está com fome? — ele pergunta, parecendo
perplexo.
— Walt. — Digo novamente, tentando fazê-lo olhar para mim.
Quando ele finalmente o faz, vejo a preocupação gravada em
seus traços esculpidos.
— Você me ama?
Ele franze a testa.
— Eu disse que sim agora mesmo.
Outra risada explode de mim.
— Você não precisa parecer tão triste com isso.
— Não estou nem um pouco triste. — diz ele, apressando as
palavras. — Eu estou...
— Assustado.
Ele inala uma respiração profunda, fechando os olhos.
É uma inversão de papéis tão estranha, ficar na frente dele com
meu queixo erguido em confiança, ser a única a ficar na ponta dos
pés e envolver meus braços em torno de seu pescoço.
— Eu também te amo. — Eu sussurro contra ele.
— Fico feliz em ouvir isso. — diz ele, libertando-se do meu
aperto e dando um passo para trás novamente.
Minha declaração não acalma sua preocupação do jeito que
pensei que faria.
Agora sou eu quem está começando a ficar nervosa de novo. O
que está errado? O que poderia ser tão ruim?
— Receio que seja apenas parte disso. — diz ele, esfregando a
nuca. Agora ele está começando a andar, realmente como se
estivesse se preparando. — Nosso casamento... não preciso lembrar
que começou mais como um acordo. Um casamento de
conveniência.
Eu aceno para ele continuar.
— Desde o início, minha intenção era te tirar dessa situação, te
libertar como eu pudesse. Eu nunca quis mantê-la forçada a nada
por muito tempo, especialmente depois de ouvir você discutir
coisas com sua mãe e irmã. É por isso que estava trabalhando com
meus advogados. É por isso que disse o que disse na biblioteca outra
noite. Achei que você queria sair desse acordo.
Apesar de tudo, ainda dói ouvi-lo mencionar o fim do nosso
casamento, farsa ou não.
— Mas... ouvindo você no telefone outra noite, estando sem você
nas últimas semanas...
Ele deixa sua frase balançar enquanto continua andando, seus
passos aumentando enquanto ele esfrega o rosto.
— Por favor, diga!
Ele para bruscamente e se vira para mim.
— Eu não quero o divórcio. Quero que seja um casamento de
verdade, Elizabeth. Eu quero você como minha esposa. Agora e
sempre.
Um som sai de mim, meio riso e meio soluço. Eu coloco a mão
na minha boca enquanto Walt corre para mim.
— Diga-me que você quer a mesma coisa. — diz ele, embalando
meu pescoço, curvando-se para encontrar meus olhos. — Por favor.
Eu aceno rapidamente, muito emocionada para falar.
Eu movo minha mão e ele se inclina e pressiona um beijo na
minha boca, selando nosso destino. Eu o beijo de volta, entrando
nele, pressionando contra seu corpo. Suas mãos se movem do meu
pescoço, rolando pelo meu corpo, apertando minha cintura para
que ele possa me direcionar de volta para o quarto. Nós nos
beijamos enquanto caminhamos, apressados e enlouquecidos.
Depois de duas semanas de intervalo, nenhum de nós quer se
separar do outro. Ele se estica para trás e abre a porta do quarto da
suíte.
— Elizabeth? — ele pergunta, buscando consentimento.
Eu o beijo mais profundamente, sobre sua boca e suas bochechas.
Sinto o gosto de uma lágrima salgada e percebo que ele pode estar
chorando também. Digo a ele novamente que o amo quando ele
começa a me despir, fazendo um trabalho rápido com meu vestido e
minhas botas. Seu terno se mostra mais difícil. Eu puxo os botões e
apenas parcialmente consigo despi-lo antes de cairmos de volta na
cama.
Deus, eu o amo. Eu amo seu corpo. Eu amo o peso de suas mãos
enquanto elas roçam minha pele nua. Eu amo o jeito que ele beija
um caminho ao longo do meu umbigo e quadril, a sensação de sua
língua quando ele separa minhas coxas e se acomoda entre elas.
Ele fica lá até que eu estou tão excitada que estou formigando,
até que estou gritando e cobrindo minha boca. Eu puxo seu cabelo e
seus dedos cavam em minha pele, mantendo-me esticada para ele
enquanto ele se senta. A compreensão surge em seu rosto quando
ele me diz que se esqueceu de pegar preservativos.
Há um momento de hesitação, um olhar compartilhado entre
nós.
Eu não me importo nem um pouco. Nem um pouco.
Quando digo isso, ele rasteja para cima de mim, encosta sua boca
na minha e me beija com força. Quando ele interrompe o beijo, ele
começa a sussurrar reverentemente, e as palavras são difíceis de
decifrar no início. Então eu percebo que ele está fazendo votos,
prometendo ter e me manter, me cuidar, ficar ao meu lado na
doença e na saúde. Ele repete todas as palavras que não quis dizer
quando estávamos no tribunal enquanto ele coloca seu peso sobre
mim e se pressiona suavemente dentro de mim, selando-nos juntos.
Eu olho para ele, minha visão nublada com lágrimas.
— Enquanto nós dois vivermos — acrescento com um sorriso
delirantemente feliz.
— Enquanto nós dois vivermos — ele confirma antes de se
inclinar e capturar meus lábios.
EPÍLOGO
WALT