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Copyright © 2022 Michelle Castelli

Capa: Jaqueline Summer


Revisão: Lília de Jesus Silva
Diagramação: Michelle Castelli
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
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ESCRAVA BRANCA
Pele Vermelha – Livro 3
Michelle Castelli
1ª Edição — 2022
______________________________________
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Índice

Dedicatória
Epígrafe
Introdução
Capítulo 1 – Ataque
Capítulo 2 – Encontro
Capítulo 3 – Tempo
Capítulo 4 – Turbilhão
Capítulo 5 – Uma Opção
Capítulo 6 – Farsa
Capítulo 7 – Fogo
Capítulo 8 – Contato Imediato
Capítulo 9 – Arrependimento
Capitulo 10 – Tormento
Capítulo 11 – Desafio
Capítulo 12 – Primeira e Única
Capítulo 13 – Incêndio
Capítulo 14 – Noiva?
Capítulo 15 – Noiva? (Versão Coiote)
Capítulo 16 – Alguém do Passado
Capítulo 17 – Grávida?
Capítulo 18 – Forte
Capítulo 19 – Criando Confusão
Capítulo 20 – Amor
Capítulo 21 – Enfim Esclarecimentos
Capítulo 22 – Vivendo com o Capitão
Capítulo 23 – Saudade...
Capítulo 24 – A Caminho
Capítulo 25 – Irmã
Capítulo 26 – Reencontro
Capítulo 27 – Reconciliação
Capítulo 28 – Abrigo
Capítulo 29 – Seguindo em Frente
Capítulo 30 – Volta
Capítulo 31 – União
Capítulo 32 – Acertando Contas
Capítulo 33 – Estrela da Manhã
Capítulo 34 – Uma Visão
Capítulo 35 – Batalha
Capítulo 36 - Final
Epílogo
Próximo Livro da Saga
Agradecimentos
Para minhas irmãs de alma: Simone e Fran.
Nós o compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos os
sonhos do homem branco, se soubéssemos quais as
esperanças que transmite aos seus filhos [...] Os sonhos do
homem branco são, para nós, ocultos.
CHEFE SEATTLE (1856)
Introdução
A história de Puma Pequena e Coiote Grande já aparece de
forma resumida no livro Pele Vermelha, mas aqui ela será contada
na íntegra, com os detalhes para todas aquelas que já se
apaixonaram por esse casal!
Se você não leu Pele Vermelha, não importa. Este é um livro
totalmente independente.
Essa história é destinada ao público adulto, pois contém
cenas detalhadas do ato sexual. Também contém gatilhos e
descrição de abuso sexual, se você é sensível a esse assunto, lhe
peço desculpas e sugiro que não continue com a leitura.
Como é um livro de época, alguns termos pejorativos como
“índio”, “selvagem”, “tribo” e coisas assim, são usados pelos
personagens. Deixo aqui expresso que apenas são usados esses
termos por causa da época em que se passa a história, e porque
quem usa os termos são personagens que têm o preconceito
enraizado. Não são reflexo de forma alguma do pensamento da
autora que abomina qualquer tipo de racismo ou preconceito, e se
você se sentir ofendido em algum momento, é só entrar em contato
comigo para as devidas ratificações.
Meu e-mail: millecastelli@gmail.com
A saga Pele Vermelha é baseada em fantasia e romance.
O xamanismo também é praticado na atualidade e resume-se
ao respeito pela natureza e seus elementos, bem como o emprego
destes em uso medicinal. E seus adeptos acreditam que o transe
tem como objetivo encontrar espíritos, seus animais protetores,
mentores, ter insights, oráculos e curas. Dizem que através destes,
conseguimos a percepção aos mistérios que estão dentro de nós,
guardados, e também que sentimos, vemos e ouvimos a energia.
Os nativos americanos sempre me fascinaram, desde
Pocahontas, Cavalo Doido, Geronimo, Hawkeye (O último moicano),
e até o Tonto. Mas entre todos os filmes que assisti, ou livros que li
sobre o assunto, sempre houve uma tribo que me chamou mais a
atenção: os Cheyennes. Qualquer busca simples revela o porquê da
minha admiração:
"Os Cheyennes eram o povo considerado o mais belo,
elegante e honrado."
Este é o terceiro livro da saga Pele Vermelha que é formada
por:
Pele Vermelha – Livro 1
Maldição Cheyenne – Livro 2
Escrava Branca – Livro 3
Sob as Estrelas – Livro 4
Filhos da Lua – Livro 5

Todas as histórias podem ser lidas separadamente, não


interferindo no seu entendimento.
Seja bem-vindo e boa leitura!
Capítulo 1 – Ataque
A carroça coberta sacode tanto que eu já tenho meu traseiro
doendo. John está mais uma vez me atazanando, me jogando
pequenos pedaços de maçã. Ele é 4 anos mais velho que eu, mas
parece que é 10 mais novo.
— Mãe, o John está me incomodando! – eu grito, pedindo
ajuda.
— Mãe, o John está me incomodado! – ele afina a voz, me
imitando.
— Pare de incomodar sua irmã, John – minha mãe diz, sem
emoção.
Já está acostumada com nossas constantes brigas, que
certamente pioraram depois que papai colocou todos nós dentro
desta maldita carroça, pois o primo dele disse que tem terras para
nos oferecer. Terras férteis, cheias de ouro e o melhor: de graça.
Meu pai não pensou duas vezes. Nem quando eu implorei,
chorei, gritei e ameacei acabar com minha própria vida, ele não
mudou de ideia. Tampouco deu atenção à minha dor por abandonar
meu primeiro e único amor para trás. Lincoln. O rapaz mais lindo e
perfeito do mundo. Ele é filho do ferreiro da nossa antiga cidade e
nós crescemos juntos. Todas as meninas eram apaixonadas por ele.
Também, pudera, os cabelos louros e olhos verdes com brilho
travesso eram a combinação perfeita. Isso e o físico de tirar o fôlego
de qualquer uma. Mas quando meu pai disse que iríamos embora,
ele apareceu e me chamou, fez um piquenique próximo ao lago, foi
uma tarde maravilhosa. Ele disse que me amava e eu achei que
morreria de felicidade. Eu disse que também o amava desde sempre,
então ele me pediu uma prova. Eu daria tudo que ele me pedisse,
qualquer coisa. Então ele me pediu a maior coisa que poderia: minha
honra.
Eu aceitei. Achei que isso o faria pedir minha mão, faria ele
falar com meu pai, me faria ficar.
Ele foi rápido e cru. Doeu e eu achei que seria diferente do
que vi os animais do meu pai fazerem, mas não foi. Depois que ele
acabou, vestiu as calças e começou a arrumar as coisas para irmos
embora.
Ao contrário do que achei, ele não foi conversar com meu pai,
tampouco se despedir e eu fico me perguntando o porquê. Não
entendo. Será que fiz algo errado? Eu não sei o que deveria ter feito,
se é que deveria ter feito algo. O fato é que estou muito triste, com
ele, comigo e com essa situação.
Eu penso em perguntar ao meu pai se Lincoln foi ter com ele,
mas tenho vergonha. Tenho para mim que ele foi e meu pai não
permitiu, mas é só uma teoria...
— Pai? – crio coragem pela primeira vez, depois de uma
semana na estrada.
— Sim, Elizabeth?
— Lincoln falou com o senhor antes de virmos?
Meu pai tira a atenção da estrada e olha para mim.
— O filho do ferreiro? Não. Por que, deveria?
Eu acho que já sabia a resposta, mas isso não impede meu
coração de morrer um pouco mais.
— Não, não deveria – eu digo, sentando para trás novamente.
— O que você fez, Lizie? – meu irmão me olha com cara feia.
— Nada da sua conta, seu metido! – digo, cruzando os braços
e olhando para o chão.
— Eu não lhe disse para ficar longe daquele safado?
— Não fale assim dele! – eu grito.
— Você é uma burra, Elizabeth Carter! – John grita e sei que
ele entendeu o que aconteceu. E está irado.
— Crianças, se acalmem por favor. – Apesar de ele ter 24
anos e eu já ter 20, minha mãe continua nos chamando assim.
— Sua filha é uma mula surda, mãe! – ele diz.
— Não sou nada! Você não sabe de nada! – eu fico em pé,
fuzilando-o com os olhos.
— Ah, você acha que não sei? Eu sei, sim! O que ele fez com
você? Foi o mesmo que fez com todas as outras? Eu lhe avisei!
Como pode ser idiota a esse ponto?
— Você tem inveja dele! Sempre teve!
— Inveja daquele miserável? Você não sabe o que ele fez
com Melly, a filha da lavadeira? Pois eu te digo, sua cabeçuda, ele a
deixou grávida!
— John! – minha mãe intervém.
— Mãe, acho melhor conversar com sua filha! – ele diz, se
sentando e olhando para longe, com os lábios torcidos.
Minha mãe então olha para mim e sinto o olhar de meu pai
também.
Droga! John idiota!
Minha mãe começa:
— Elizabeth, o que...
Mas não continua, pois do nada aparecem 3 cavaleiros, com
chapéus de abas largas e lenço no rosto. Eles galopam furiosamente
em nossa direção, atirando para cima.
Meu pai atiça mais o chicote, os nossos dois cavalos correm
ainda mais rápido e a carroça sacode ainda mais. John procura seu
revólver nas coisas.
Então, diante de meus olhos, vejo uma bala atingir minha
mãe, que estava ao lado de meu pai, na frente. Ela cai sem fazer
barulho, sem gritar.
Eu tapo minha boca, horrorizada. John atira, mas é baleado
também e cai. Eu corro para ele, que está sangrando, mas graças a
Deus está vivo.
Mas algo está errado. A carroça está inclinando de maneira
estranha. Então ela simplesmente tomba de lado.
Na confusão de coisas caindo, eu própria me choco contra
uma das caixas e desmaio.
Quanto tempo fiquei desacordada, eu não sei. Só sei que
quando volto a mim, sinto mãos desprezíveis apalpando meu corpo,
meus seios, minhas coxas...
Eu abro os olhos e dou de cara com um homem me olhando
com sorriso lascivo. Ele abaixou seu lenço e parece ser algum
irlandês de uns 30 e poucos anos.
— Por favor, senhor, não me machuque... – eu lhe suplico.
Mas ele apenas ri.
— Essa aqui está bem viva! – ele chama os outros.
Mais dois deles, que estavam revirando nossas coisas, vem
em minha direção.
— Ah, mas essa aí vai compensar o assalto ruim! Eu sou o
primeiro – um diz, enquanto abre as calças e tira seu membro de
dentro delas.
— Não! NÃO, por favor! – eu suplico ao que está perto de
mim, com os olhos cheios de pânico e lágrimas.
— Pode gritar, belezinha, nós gostamos! – ele diz, abrindo sua
calça também.
Eu tento ficar em pé, mas um deles me agarra e me joga no
chão empoeirado.
Eu grito, chamo John, chamo meu pai, chamo minha mãe.
Chamo por Deus.
Isso não os impede. Dois me seguram, enquanto outro usa
meu corpo, rasgando minha carne, machucando, me repugnando.
Dor, humilhação, desespero.
Eu tento me libertar, chuto, me debato, mas eles são fortes e
minhas forças estão se extinguindo. Um deles acaba e outro toma o
seu lugar.
Eu grito mais alto, as lágrimas caem grossas. Por que não me
matam? Por que isso?
Eu choro alto e continuo gritando, parece que não sou mais eu
que estou aqui. Me sufoco, sinto o vômito já subindo pela minha
garganta. Os soluços me sacodem o corpo. O desgraçado que está
se arremetendo contra mim cai sobre meu corpo.
— Ei, Thomas, sai logo daí! É minha vez! – um deles se
aproxima para tirar o comparsa, mas quando chega perto, cai
também.
O outro que me segura pelas mãos parece hesitar por um
minuto e então eu sinto as suas mãos pararem de fazer pressão em
meus braços. Depois, escuto o som oco do corpo dele caindo atrás
de mim.
Tudo em mim dói, eu não sei o que aconteceu, mas agradeço
a Deus.
Eu tento me erguer, me arrastar debaixo deste trate que
continua caído em cima de mim, mas ele é muito pesado e eu não
tenho mais nenhuma força.
É neste momento que eu ouço passos se aproximando.
Tem mais deles!
Num ato desesperado, eu chuto o corpo do homem que me
impede de sair do lugar e graças a Deus consigo me livrar dele.
Me colocando sentada, eu noto o que fez todos caírem:
Flechas. Tem uma atravessada em cada um dos corpos dos
miseráveis.
Então eu vejo a alguns passos de mim um homem enorme, de
cabelos negros compridos e vestindo roupa de couro com franjas.
Um indígena!
Ele está com arco e flecha na mão e está apontando-o para
mim.
Capítulo 2 – Encontro
Eu quero gritar, mas não consigo, a voz parece presa em minha
garganta, então só consigo olhar para ele de olhos arregalados,
esperando que ele solte a flecha que acabará com minha vida.
Ele se aproxima a passos determinados e tranquilos, e apesar
de tudo que aconteceu, eu não quero morrer.
Uma lágrima solitária escorre por meu rosto, sem eu fazer
nenhum esforço ou movimento. Na verdade, estou congelada,
encolhida e totalmente imóvel. Só consigo olhar para este homem
que acabou com aqueles infames e, de certa forma, me salvou.
Mesmo se ele largar essa flecha, minha alma lhe será eternamente
agradecida.
Só por favor, Deus, não permita que ele faça como os outros!
Ele está agora em minha frente e posso ver claramente suas
feições. Seus traços são diferentes, sua pele em tom bronzeado,
seus olhos muito negros. Eu olho dentro deles. Quero dizer-lhe que,
mesmo querendo viver, que está tudo bem se me matar, eu o
perdoo; que eu lhe agradeço pelo que fez com aqueles monstros,
mas a voz não sai.
Então o olhar dele me demonstra algo, eles se suavizam e
vejo pena. Ele abaixa o arco.
Eu não acredito! Mas, oh, não! Ele está tirando a camisa de
couro! Eu não vou aguentar aquilo de novo, Senhor! Por que me
abandonastes? O que fiz para merecer tal castigo?
Ele se aproxima e eu só consigo me encolher mais.
Viro o rosto para não olhar o que ele fará a seguir, certamente
tirará as calças... Eu soluço baixinho. Então eu o sinto tocando meus
ombros.
Dou um pulo, olhando para ele. E nossos olhares se cruzam
mais uma vez, mas ao contrário daqueles abomináveis, nos olhos
dele eu não vejo crueldade nem devassidão, os dele são gentis e
suaves.
Vejo meus ombros e noto que ele colocou sua camisa sobre
eles, me cobrindo, pois, meu vestido está aos pedaços.
Meu queixo cai e fico sem palavras diante da sensibilidade
deste nativo.
— Eu sou Coiote Grande. Não vou lhe fazer mal. Você
entende?
Eu arregalo mais ainda meus olhos e como ele fica ainda
parado ali me olhando, eu sacudo a cabeça devagar, afirmando.
— Bom. Você fica aqui. Vou ver se há mais alguém.
E dizendo isso, ele se levanta e me deixa. Eu apenas me
encolho como uma bola, apertando mais a camisa de couro ao redor
do meu corpo, como se esta vestimenta pudesse me proteger de
todo mal do mundo. Fecho meus olhos por um momento e acho que
desmaio ou simplesmente adormeço.

∞∞∞
A inconsciência não me dá a paz que achei que teria. Tenho
sonhos, visões, eu grito, me debato, tento afastar os monstros que
me aprisionam, que matam minha família.
Sinto braços ao redor de mim, eu luto contra eles, mas eles
não usam força, eles parecem querer me amparar.
— Shhhhh, está tudo bem. Tudo bem – uma voz é sussurrada,
com sotaque estranho.
Eu luto ainda mais, mas estou ficando sem forças. Escuto
uma canção baixa e em língua estranha, e meu coração parece se
acalmar, o ar começa a entrar nos meus pulmões novamente, então
abro meus olhos.
A semi claridade não me permite enxergar claramente, mas
vejo que estou dentro de algum lugar, parece uma barraca... a luz
bruxuleante amarelada me diz que há fogo por perto, mas o que
mais me apavora é que tem alguém muito próximo de mim, ao meu
lado, com os braços ao redor do meu corpo. Eu o afasto com um
empurrão e me encolho sentada no canto.
Vejo o mesmo nativo enorme que me salvou. Ele ergue as
duas mãos em sinal de rendição, quando diz:
— Sou amigo, não vou lhe fazer mal. – E vai se afastando.
Eu não me mexo. Ele estava perto demais para quem não
queria fazer nada! E tem o peito nu! Liso, sem pelo algum e com
mais músculos que Lincoln jamais sonharia.
Eu o encaro com os olhos estreitos. Ele pode ter me salvado
antes, mas o que estou fazendo aqui, sozinha com ele?
— Você teve um sonho ruim. Eu só estava tentando mandar o
sonho embora – ele se explica. E de uma bolsa de couro parecida
com um cantil tira um líquido e coloca em uma tigela de madeira, me
oferendo em seguida. — Água. Beba.
Eu penso um pouco, depois aceito. Eu cheiro, para ver se é
mesmo água e como não há cheiro algum, eu bebo. Nossa! Eu
estava morrendo de sede! Ofereço novamente o copo para ele
encher, o que faz e eu bebo mais.
— Não se acostume com isso. Não vou ficar lhe servindo,
branca. Você é quem me servirá.
Eu tomo o último gole, como se estivesse engolindo pedra,
arregalo os olhos e só penso em sair correndo. Procuro a porta e a
vejo atrás deste homem enorme e forte. Como poderei fugir?
— Não me olhe com esses enormes olhos azuis! Pelo Grande
Espírito! Só ele sabe que não atirei minha flecha em você por causa
deste seu olhar! E não precisa ficar acuada assim. Quando digo
servir, quero dizer trabalhar para mim. Arrumar minha tenda,
costurar, cozinhar. Só isso! Não quero mais nada de você!
Não quer mais nada de mim? Só como empregada? Ou
melhor, escrava? Virei escrava deste indígena gigante? Não sei se
choro pela parte do “escrava”, ou se rio feliz pela parte do "só isso"!
Eu penso um pouco. Posso ficar e fugir na primeira
oportunidade. Isso de John e papai não me acharem primeiro... Sim,
se ele não quer nada comigo, posso cozinhar para ele, para
compensá-lo por ter me salvado!
Eu sacudo a cabeça, confirmando. Minha garganta dói pelo
esforço em gritar tanto e também não quero falar. A dor de ter
perdido minha mãe e tudo que aconteceu ainda me apertam o
coração, me fazem fitar o chão de vergonha e sinto minhas faces
ficarem vermelhas.
O nativo se senta sobre algumas peles que estão do outro
lado disso, que agora sei que é sua tenda e que John falou uma vez
que eram as casas dos “selvagens”, mas John também me disse que
“selvagens” violentavam mulheres e tiravam os escalpos de todos...
Ele olha para mim, vejo em seu olhar algo que parece ser
tristeza ou pena.
— Você ficou desacordada toda a tarde e noite também.
Minha mãe cuidou de você – ele limpa a garganta e olha dentro dos
meus olhos. — A sua família... eu voltei lá e os enterrei. Quando
você estiver melhor, posso levá-la até lá...
Ele tenta continuar, mas eu já estou de pé, as lágrimas caindo,
a mão em punhos. Tento passar por ele, mas ele também se levanta
e me segura pelos ombros. Eu recuo ante seu toque.
— Você não pode ir lá agora! É noite!
Eu o encaro. Quero gritar, quero perguntar o que ele viu,
quem ele enterrou, mas só uma palavra sai dos meus lábios,
sussurrada com voz rouca e praticamente inaudível:
— Quantos?
— Uma mulher, com cabelos castanhos dourados como os
seus, porém mais velha – minha mãe. — E dois homens, um mais
velho e outro jovem, muito parecido com você. Tinha mais alguém?
Eu deixo meu corpo cair no chão de terra batida e sacudo a
cabeça. Não. Não tinha mais ninguém.
Sinto seus braços me envolvendo outra vez e ele parece
tentar dizer algo, mas eu não escuto, não tinha notado, mas estou
gritando novamente.
Capítulo 3 – Tempo
Se passaram três semanas.
Três semanas que estou aqui entre esses nativos.
Três semanas que minha família foi morta.
Três semanas que tudo ruiu em minha vida.
Eu trabalho desde que o sol nasce até o momento em que se
põe. Pego água no rio, faço a comida, trato a caça, apanho frutas e
raízes silvestres, costuro, faço cestas, bordo, lavo roupa, ajudo a
cuidar das crianças.
Tudo isso foi a mãe de Coiote Grande, Chuva Forte, quem me
ensinou. Ela tem mais dois filhos, um menino e uma menina menor.
Quando minhas regras vieram, tive que ir para a grande tenda das
mulheres. Lá aprendi várias coisas também, até como assar um pão.
Bom, nem sei se posso chamar aquilo de pão, mas enfim...
Apenas as mulheres mais velhas me tratam bem. Devem ter
pena de mim, pois Coiote contou que fui atacada. Eu não falo nada.
Não tenho muito o que conversar e nem quero conversar. Por isso
trabalho tanto, para não pensar, para não lembrar. Me mantenho
ocupada até adormecer de exaustão.
Coiote também pouco fala comigo. Uma semana atrás ele me
levou onde meus pais foram enterrados. Nossa carroça ainda estava
lá virada e eu, depois de chorar e orar nos túmulos deles, pude pegar
algumas de nossas coisas. Poucas, mas preciosas, como algumas
roupas, minha escova de cabelos, a caixa de costura de minha mãe,
o cachimbo de meu pai e o chapéu de John. Estão todos aqui
comigo.
Embora Coiote tenha dito que uma escrava não pode possuir
nada, ele não me impediu de trazê-los.
Coiote é frio comigo e eu agradeço todos os dias por isso. Ele
raras vezes me olha. Só se dirige a mim quando quer algo, jogando
um mocassim rasgado ao meu lado e dizendo:
– Costure!
Ou quando me estende uma caça, ou parte dela:
– Prepare!
Sempre seco.
As mulheres dizem que ele é assim por causa da antiga
esposa. Dizem que ele era louco por ela, mas ela o abandonou por
um branco. Dizem que depois disso, Coiote Grande não foi mais o
mesmo e que as nativas solteiras e viúvas competem por sua
atenção, mas ele não quer mais compromisso. Dizem que ele jurou
nunca mais se casar novamente.
Não que eu esteja interessada nesta história, quero distância
deste arrogante presunçoso, mas eu escuto tudo. Depois que elas
viram que não sou dada a falatórios, parece que sou invisível, não há
pudores na minha frente.
Hoje, depois de limpar a tenda e terminar um tapete, eu
resolvi sair para colher flores. Enquanto colho os lírios selvagens,
penso que quero deixar a tenda bem bonita. Esta noite vou preparar
o restante da carne de bisão que há. Pensando bem, vou tomar um
banho também, colocar aquela minha saia vermelha e a blusa
branca. Sim! Isso vai ser bom.
Quando entro na tenda, eu arrumo as flores, pego minhas
coisas e saio para o rio.
Esta manhã eu acordei melhor, a tristeza que me invadiu a
alma está se dissipando. Sinto muita saudade de minha família e
aquela dor ainda está ali, mas está mais tolerável.
Esta manhã quando acordei, vi Coiote de costas para mim
penteando os cabelos. Eu acho os cabelos dele lindos. São negros,
muito lisos e brilhantes. Desta vez eu não resisti ao impulso e peguei
minha escova e os escovei. Ele ficou atônito. Eu nunca encostei
nele, tirando os primeiros dias em que eu acordava aos gritos e ele
me amparava. Tampouco ele nunca mais me tocou. Mas desta vez
eu cedi à tentação, eu tinha que tocá-los, tinha que ver se eram
realmente tão macios quanto pareciam. E eram. Eu os escovei e ele
não ofereceu resistência. Depois os trancei, como ele sempre faz
todas as manhãs antes de sair.
Ele apenas me olhou com aqueles olhos muito negros e
aveludados, depois abaixou a cabeça de leve. Não sei se foi um
agradecimento, ou somente um consentimento, mas eu gostei.
Depois ele se levantou e saiu sem me dizer nenhuma palavra, como
sempre.
Finalmente chego ao rio. Neste local existe uma pequena
curva baixa, que as árvores encobrem e escondem, ideal para um
banho escondido. Eu subo na grande pedra chata e olho ao redor.
Não vendo ninguém, dispo as roupas e me enfio na água gelada.
Muiiiito gelada!
Tremendo o queixo, eu esfrego o sabão de gordura de bisão e
raiz de saboeiro no corpo, assim como erva de saboeiro nos cabelos.
Passo algumas gotas de extrato de bergamota silvestre no corpo e
estou limpa e cheirosa.
Quando saio da água e me enrolo no tecido para me secar,
dou de cara com Coiote Grande, que está chegando. Ele não parece
surpreso em me ver.
– O que faz aqui sozinha?! Quantas vezes já lhe disse que só
deve se banhar se vir com minha mãe ou outra mulher junto?!
Qual o problema dele? Por que está tão irado? Olho em volta,
não há ninguém, então qual o perigo?
Ele suspira alto.
– Você só me dá dor de cabeça, Puma Pequena!
Puma Pequena. É assim que ele me chama, que todos agora
me chamam. Não sei o porquê, mas eu não me importo. Elizabeth
Carter parece que morreu naquele dia e não existe mais.
Mas que história é essa de só lhe dar dor de cabeça? Esse
ingrato!
Eu não olho para ele, saio pisando duro. Aperto meus lábios
para não gritar o que ele merece ouvir e junto minhas coisas, para
me vestir e sair logo daqui.
Ele fica me olhando, ainda bravo. Eu o encaro e mostro
minhas vestes, fazendo sinal para ele sair. Tenho que me vestir.
– Oh, não! Eu não vou a lugar nenhum! Vou ficar aqui mesmo!
Pode se vestir na minha frente!
Eu arregalo os olhos diante de tal absurdo! Ele ficou louco?
Eu o fuzilo com os olhos.
– Pode arregalar esses olhos gigantes o quanto quiser! Eu
sou imune ao seu charme! Vou ficar de costas até contar 10, é este o
tempo que tem para se vestir – dizendo isso, ele se vira – Um...
Dois...
Meu Deus! O que deu nele?
– Três...
Eu tiro correndo a pano que me envolve, coloco a saia e enfio
a blusa pela cabeça, estou abotoando-a quando ele termina e se
vira.
– Dez! Ótimo, agora vamos.
Ele me pega pelo braço e vai me puxando. Eu retiro o braço,
me livrando do toque.
Ele se volta para mim:
– Por que quer ficar mais? Está esperando alguém aparecer?
O quê? Ele está doido?
Ele me olha com olhar estreito, parecendo querer me dizer
que sabe de algo...
Neste momento, eu escuto alguém assoviar e Coiote dá um
suspiro profundo.
Falcão Negro, um guerreiro que dizem que perdeu a mulher e
a filha em um ataque da tribo inimiga, está chegando com um pano a
tiracolo e erva de saboeiro na mão. Claramente, o próximo a tomar
banho.
Ele para quando vê a mim e Coiote.
– Boa tarde, Coiote! – ele o saúda e depois olha para mim e
um sorriso bonito desenha seus lábios. – Linda Puma, como está?
Eu sorrio e coro sob o elogio. Falcão é um homem bonito e eu
sempre o tive em consideração pela sua perda.
– Estamos de saída. Vamos logo, Puma!
Ele diz, tentando me puxar novamente.
Eu me solto e caminho atrás dele. Cumprimento Falcão com
um gesto de cabeça quando passamos por ele e em um gesto súbito
ele pega meu braço. Eu paraliso, encarando-o dentro dos olhos, mas
não há maldade ali. Ele parece até um pouco envergonhado. Seu
toque é gentil, foi apenas para me chamar a atenção, mas mesmo
assim eu me afasto um pouco.
– Linda Puma, eu já falei com Coiote, mas ele está irredutível.
Porém, se eu conseguir mudar a decisão dele e você aceitar minha
atenção, saiba que a quero como esposa, não como escrava...
O quê? Aceitar sua atenção? Esposa? O quê?
Meu queixo vai ao chão e eu não sei o que pensar...
– Já lhe disse que não aceito sua oferta! – Coiote pula na
frente dele e agarrando meu braço, me puxa com força para longe.
Eu estou atônita e não ofereço resistência.
– Então me diga o seu preço! – Falcão fala andando de
costas, seguindo–nos.
– Não tem preço. Agora nos deixe!
– Sabe que posso falar com sua mãe. Como matriarca da
família, ela é quem decide sobre a escrava. Isso se você me aceitar,
Puma...
Coiote para a caminhada.
– Já lhe disse que não! E ela não aceita! Eu não aceito!
Entendeu, Falcão Negro? Brancas são apenas escravas e não
esposas, seu tolo! Vá achar uma de nossas mulheres para si...
O discurso dele entra no meu coração e eu estaco no lugar, a
raiva queimando no meu sangue. Então eu explodo:
– O que você disse?! Branca só serve para ser escrava?!
Pois, sim! É só para isso que sirvo mesmo, seu arrogante! Trabalho
de sol a sol e você não é capaz de dizer um muito obrigado, seu mal-
educado!!! E agora sou menos que suas preciosas índias? Pois eu
não aprontaria nem metade do que escuto delas por aí! – Coiote está
catatônico, então me dirijo a Falcão. – Desculpe, Falcão, mas eu
nunca serei uma boa esposa. Temo que o que me aconteceu foi
além do corpo...
– Eu também tenho cicatrizes, minha linda. Posso ajudá-la,
sou paciente... – Falcão é só calma e parece estar implorando por
uma chance.
Mas o que dizer? Eu nunca vou permitir que um homem me
toque outra vez. Só de pensar nisso, me repugna a alma.
Coiote parece que reencontrou a língua, pois ele se coloca
entre mim e Falcão, e me encara com os olhos queimando de raiva:
– Quer dizer que com ele você fala?!
Eu apenas estreito meus olhos e lhe dou as costas. Sigo para
a tenda, pois tenho que começar a preparar o jantar.
Coiote vem atrás.
– O que você anda falando com ele que o incentivou tanto?
Por que ele está tão apaixonado a ponto de querer tê-la como
esposa, mesmo sendo uma branca? O que você fez?
O que ele está insinuando?!
Eu paro e lhe dou um violento tapa no rosto. Minha ira não me
deixa falar, mas estou com o pescoço erguido, pois ele é muito maior
que eu, fitando-o e esperando que ele faça algum movimento que me
fará correr para longe.
Mas ele apenas se afasta.
– Você não fala comigo, mas falou com ele. Ele quer me dar
10 cavalos por você, quase tudo que tem. O que quer que eu pense?
Eu só o encaro. Ele não merece que eu explique nada. Até
porque, não há nada a ser explicado.
– Só tenho seu silêncio novamente. Ótimo. Maravilhoso!
Ele grita e se vai.
Eu volto para a tenda e começo a preparar o assado. A noite
cai.
Coiote não retorna.
Eu acabo adormecendo, mas sou acordada quando escuto
algo cair aqui dentro.
Me sento em minha cama de peles de um pulo e vejo que
Coiote chegou e está cheirando a bebida.
– Acordei você, linda Puma? – ele debocha, se referindo a
como Falcão me chamou à tarde.
Ele retira os mocassins e desfaz as tranças dos cabelos.
– Eu não sabia que você bebia – eu digo com todo meu
desprezo por vê-lo assim.
– Pois eu bebo! Bebo quando quero esquecer todas as
mulheres do mundo! – ele diz se deitando. – Mas como vou esquecer
de você, se eu chego e você acorda? Volte a dormir!
– Não precisa ser grosseiro! Seu bêbado!
Ele se levanta, caminha em minha direção e eu me arrependo
de ter voltado a falar. Me afasto alguns passos e me sento
novamente na minha cama.
Me pegando de surpresa, ele se abaixa na minha frente.
– Me diga, você incentivou Falcão Negro alguma vez?
Sua voz é baixa e ele me encara.
– Nunca tinha falado ou sido alvo da atenção de Falcão até
esta tarde. Eu não tenho tempo para isso, ou você não notou?
Ele balança a cabeça, concordando.
– Você tem sido uma boa escrava.
Eu estreito meus olhos.
– Isso não é um elogio, você sabe, né?
Ele se senta na minha frente, de pernas cruzadas e a
proximidade me inquieta.
– Esta manhã você penteou meus cabelos. Sabe que só uma
esposa pode fazer isso, não sabe?
Eu me surpreendo com o assunto, mas ele está bêbado, não
duvido que comece a falar besteiras.
– Não, eu não sabia. Desculpe, não vou fazer de novo.
Então era por isso que ele estava tão bravo mais cedo? Será
que acha que o quero como marido?
– Se soubesse, não teria feito! – eu emendo.
Ele se chega mais para frente, me avaliando.
– O que Falcão viu em você? Além destes olhos enormes e
quase estranhos, o que você pode oferecer a um guerreiro
Cheyenne?
A ofensa me atinge a alma. E sem conseguir refrear minha
língua, eu coloco o dedo em seu peito nu e musculoso quando digo
entredentes:
– Para um grande e maravilhoso guerreiro como você, nada!
Seu metido! Ingrato! Faço tudo que posso e ainda tem a cara de pau
de me chamar de zoiuda estranha? Seu... seu selvagem! Seu
grosseirão! Está bêbado por causa da safada da sua esposa e vem
ofender a mim? Vá descontar sua traição em outra!
Só quando vi o olhar de puro ódio no rosto dele, foi que me
dei conta de que falei demais.
Droga! Eu deveria ter continuado calada! Para sempre!
Capítulo 4 – Turbilhão
Coiote está na minha frente, com o olhar faiscando de raiva pelas
minhas palavras impensadas.
Ele pega minha mão, prendendo-a na sua. Eu esqueci que
ainda estava cutucando-o com o indicador.
Eu arregalo meus olhos. Droga! John tinha razão. Eu sou uma
mula surda mesmo!
– O que você disse? Oh, não me olhe com esses olhos
enormes! Eu não vou cair neles outra vez! Inferno! Feche os olhos,
Puma! Não consigo falar com você assim!
Eu não sei o que fazer, ele está louco!
– Feche-os, Puma! – eu não o espero mandar outra vez. –
Ótimo, agora me diga o que acha que sabe.
Eu abro os olhos para falar, mas ele se aproxima mais,
falando entredentes:
– De olhos fechados.
Ele está terrivelmente perto. E eu comecei a tremer. Ainda
bem que me acha estranha e sem atrativos, senão eu estaria
apavorada. Mas pensando bem sobre isso, é por isso que ele nunca
tentou nada comigo em todo este tempo! Nem um olhar, nenhum
toque. Nada. Ele me acha feia. Ninguém nunca me disse isso. Não
que eu me ache linda, mas na minha antiga cidade, as pessoas
diziam que eu era bonita, que meus cabelos castanhos dourados
faziam o contraste perfeito com os olhos azuis e bem... eles são
grandes mesmo. Mas daí dizer que são estranhos e querer
conversar comigo de olhos fechados, já é um pouco demais!
Não gosto disso! Não gosto dele me chamar de esquisita! Não
gosto de sentir que meu coração ficou triste com o que ele me disse!
Eu lhe dou um olhar irado e torço a boca. Fecho meus olhos e
digo:
– Então, mestre supremo do universo, está de seu agrado
agora?
– Está. Agora me diga o que sabe sobre minha esposa.
– Pelo que eu sei, você deveria ter é vergonha de chamá-la de
sua esposa, já que ela fugiu com outro... – diabos! Mas ele mereceu
essa!
Eu queria estar de olhos abertos para ver a cara dele...
Pensando bem, é melhor não.
Ele fica em silêncio. E depois de um longo tempo, solta:
– Eu gostava mais de você quando era muda.
Abro meus olhos, querendo gritar um monte de coisas na cara
dele, mas quando ele os vê abertos, diz antes que eu possa falar
algo:
– Eu disse para deixá-los fechados!
Eu o encaro mais e coloco minha cabeça para frente, a um
centímetro dele, olhando-o bem no fundo dos olhos negros.
– Pois eu não quero! Vai fazer o quê?
Vejo a respiração dele se alterar e eu tenho vontade de socar
minha cabeça! Ele é um selvagem! Por Deus! Pode até arrancar
meus olhos, se quiser!
Eu os arregalo em pânico.
– Branca tola – eu o ouço dizer, antes de sentir os lábios dele
sobre os meus.
Eu prendo a respiração. A boca dele é suave sobre a minha,
parece querer provar meu gosto. Não como Lincoln, que
simplesmente me espremeu os lábios e os invadiu com a língua.
Este índio parece querer descobrir alguma coisa.
Meu coração acelera. Sei que devo sair daqui, mas tenho
medo. Se eu sair, ele pode ficar violento.
Ele beija com suavidade meu queixo, o canto de minha boca,
meu lábio superior e algo está acontecendo dentro de mim. Além de
minha respiração ficar ofegante como se tivesse corrido cem léguas,
o medo está dando lugar a outro sentimento, algo que não sei
explicar, mas que faz meu sangue correr mais rápido, como se
estivesse quente.
Eu quero que ele continue, que me mostre assim, com essa
delicadeza, mais coisas...
Ele então cobre minha boca totalmente com a sua e eu sinto
sua língua se infiltrar e tocar a minha.
Eu mexo a minha de encontro à dele e o simples toque me
causa um arrepio pelo corpo.
Parece que causa nele também, pois ele suspira e me agarra
pelos braços, me puxando para si.
Neste momento, o encanto se quebra. Eu lembro de Lincoln,
eu lembro daqueles bandidos. O pânico, a ira e o asco crescem
dentro de mim e eu o empurro com toda minha força.
Ele cai sentado para trás e eu me ergo de um pulo, tentando
fugir pela abertura da tenda.
Ele se levanta e se coloca na minha frente, impedindo minha
passagem. Ele tem as mãos para o alto, em sinal de rendição, como
já o vi fazendo antes. Eu me afasto.
– Eu... Desculpe, Puma Pequena. Eu... Isso não vai mais
acontecer. Não sei onde estava com a cabeça. Beijar você, quando
tem tantas índias pela tribo que disputam minha atenção!
– Arrogante! – eu lhe digo. – Então por que não vai procurar
elas e me deixa em paz?
Ele dá um meio sorriso presunçoso e meu coração falha uma
batida. Ele é realmente muito bonito.
– Tem razão – ele diz e se senta para calçar os mocassins e
depois se curva para mim com um sorriso nos lábios e sai.
– Idiota! – eu grito para o vazio.
Só de pensar que ele foi passar a noite com alguma nativa já
me dá tanto ódio, que eu não consigo dormir.
Não sei o que há comigo! Eu deixei ele me beijar, e pior, eu
gostei no início.
Indígena desgraçado! Me chama de esquisita e depois me
beija! Deve ter feito isso para descobrir o que Falcão tanto se
interessa por mim.
Eu não durmo, me viro a noite toda, quando o safado chega,
já é manhã.
Eu passo por ele e não o olho.
Ele pega a tigela de madeira e me estende:
– Água, Puma – como sempre, nem cumprimenta, apenas
ordena.
Mas hoje não, garanhão!
Eu cruzo meus braços e o olho de cima, já que ele está
sentado e eu em pé.
– Bom dia para você também, Coiote! Dormiu bem? Oh, não
me diga, não quero saber! E você quer água? Pois vá pegar, seu
inútil! Não vou servir mais você como se fosse um rei!
Ele me olha atordoado. Se eu tivesse jogado água na cara
dele, o resultado não teria sido melhor.
– Ficou louca? Você é minha escrava! Tem que fazer o que eu
mando!
– Não vou fazer mais nada! Eu servi você em agradecimento
pelo que fez por mim, mas agora basta! E se você acha que vou ficar
aqui, sofrendo essas suas afrontas, ou vendo você ir dormir com
uma nativa por noite, está muito enganado! Eu vou conversar com
Chuva Forte, vou falar que quero me casar com Falcão Negro!
Capítulo 5 – Uma Opção

O choque está gravado no rosto dele.


Eu rio internamente. Há-há!
Mas então ele se levanta e com duas passadas vence nossa
distância. Seu olhar é carregado de ira e seu enorme tamanho me
mostra o quão idiota eu fui em enfrentá-lo.
– Acho que está na hora de você aprender uma lição, escrava.
As palavras lhe saem entredentes e eu sinto o sangue fugir do
meu corpo.
Ele se abaixa e me pegando pelas pernas, me joga sobre seu
ombro, saindo da tenda e me levando consigo.
O pavor toma conta de mim.
– Coiote, me solte! Eu vou contar para sua mãe!
Eu esperneio, mas isso só serve para ele me segurar com
ainda mais força. E para aumentar minha vergonha, ele coloca uma
das mãos sobre meu traseiro, para evitar que com meus movimentos
eu caia. Eu paro de me mexer.
Ouço ele bufar:
– Ao contrário do que aquele metido lhe disse, minha mãe não
manda em você. Já saí da tenda dela há muitas luas. Se eu tivesse
uma esposa, ela mandaria em você, mas como você mesma disse,
ela fugiu com outro. Então... Só lhe resta a mim.
As pessoas param para nos olhar, ele não cumprimenta
ninguém e segue para longe da tribo.
– Coiote, eu falei demais, me desculpe.
Não posso deixá-lo continuar, só Deus sabe o que fará.
Escuto a risada dele.
– Se fosse sincero, até aceitaria, mas não é. Você está
merecendo uma lição.
– Ora, seu selvagem de uma figa! Seu... Falcão! – eu grito,
quando avisto o outro descendo uma colina.
Ele cumprimenta Coiote e me ignora, já que estou nessa
posição infame e virada para trás.
– Bom dia, Coiote! Aonde vão?
– Não lhe devo explicações, Falcão, mas vou lhe dizer. Esta
escrava está merecendo uma lição. Está falando demais e não tem
respeito.
– Falcão, me ajude! Este selvagem louco quer me punir! – eu
falo de onde estou.
Agora esse arrogante do Coiote vai ver uma coisa. Vai
aprender uma lição. Falcão me quer como esposa, não vai deixar...
– Só não marque o rosto dela, Coiote. Seria um desperdício.
Mas concordo que ela deva aprender uma lição. Pensei que fosse
mais calada e tranquila. Quando eu me unir a ela...
Eu não o deixo terminar:
– Eu nunca vou me unir a você, seu miserável! – grito na
minha raiva.
Coiote recomeça a andar e deixamos para trás um Falcão
atônito.
Escuto a risada de Coiote e ele caminha por mais alguns
tantos metros, até chegarmos em um lugar onde nunca estive, em
meio a uma planície, com algumas poucas árvores em volta. Ali ele
me coloca no chão. Estou pronta para correr, quando um barulho
chama minha atenção, um relinchar.
Me viro e vejo perto de mim, dentro de um cercado circular,
uma égua belíssima, com crinas brancas e corpo malhado.
Não há mais ninguém aqui e o local é afastado.
Me viro para Coiote. O que ele vai fazer comigo? Arrancar
minha língua? Me torturar de alguma forma usando aquela égua ali?
– Coiote, eu...
Vejo ele se sentar perto de mim, na relva e eu respiro aliviada.
Acho que desistiu do que quer que seja.
– Venha aqui – ele dá uns tapinhas no lugar ao lado dele.
Eu não me mexo.
– Puma! Aprenda a ser obediente.
Eu dou um passo em sua direção, então ele me puxa e me
derruba de barriga sobre seus joelhos.
– O quê...? – eu não acredito nisso!
– Vou lhe mostrar o que fazemos com crianças mal-educadas!
Ele ergue minha saia até a cintura. Estou de ceroulas que vão
até meus joelhos, mas isso não deixa a situação menos
constrangedora. Mas diabos, ele está abaixando-as e expondo meu
traseiro!
– Não, Coiote! Eu já sou crescida, não faça...
A palmada vem forte e eu grito: – seu miserável. – Mais uma
palmada.
Eu me debato.
– Cada ofensa levará uma. Podemos ficar aqui o dia todo –
ele diz tranquilamente.
– Ora, seu... – mais uma. – Mas eu não disse nada, seu
infeliz!
Outra.
– Certo! Certo! Eu não xingo mais!
Meu rosto está ardendo e isso com certeza não é a única
coisa do meu corpo que está assim. Coiote não bateu tão forte, mas
a vergonha me sufoca.
– Isso. Boa garota – ele faz um movimento com a mão sobre
meu traseiro nu. – Vermelho combina com você.
– Ora, seu... – eu começo.
– Pelo visto palmadas não lhe intimidam. Quem sabe se eu
usar outra técnica?
E dizendo isso, ele me beija justamente onde bateu antes.
Eu congelo, prendendo a respiração. Perdi a língua, perdi o
chão, a valentia. Perdi tudo agora.
– Agora vai ficar quietinha? Justo agora que eu comecei a
gostar disso?
Eu não respondo, sequer pisco. Meu coração está aos saltos.
Não imagino o que o levou a fazer isso. Ah, imagino, sim. Foi para
me punir, me humilhar! Infame! Conseguiu.
Sinto um novo beijo, agora na outra nádega.
– Mas eu não falei nada!
Ele ri, o infeliz:
– Eu sei. Este foi por mim mesmo! – e dizendo isso, ele me
solta.
Eu saio do colo dele e ajeito minhas vestes. Com o rosto
ardendo, fico em pé, mas não consigo olhar para ele, então me viro
para retornar meu caminho.
Ele me puxa para baixo, me obrigando a sentar na relva ao
lado dele.
– Eu não terminei ainda com você.
Eu tento me levantar e correr, depois que ouço isso, mas ele
me derruba novamente e desta vez me deita, me segurando com os
braços e o corpanzil por cima, me impedindo de me mover. Não
gosto desta posição. Me sinto acuada, intimidada. Me lembro de
coisas horríveis e me debato, grito, pareço sufocar.
Ele solta meus braços e eu o esmurro. Ele segura novamente
minhas mãos e então sinto os lábios dele contra meu ouvido,
enquanto fala com voz rouca e tranquila:
– Calma, Puma. Sabe que não vou lhe fazer mal. Só quero
que fique aqui, sem correr, sem gritar. Me ouça. Sou eu, Coiote.
Nunca a machucaria de verdade, sabe disso, não sabe?
Eu o escuto e sei que ele não irá me violentar, mas mesmo
assim, quero sair daqui. O pânico me invade.
Sinto a mão dele em meu queixo, puxando meu rosto para
encará-lo.
– Abra os olhos, Puma, olhe para mim – ele ordena e eu o
encaro.
Nem sabia que estava com eles fechados, mas de repente só
vejo ele na minha frente. Os olhos muito negros, que refletem a mim
mesma no rosto bonito e bem-feito dele. Minha respiração vai
normalizando. Sei que ele não é mau, eu vejo no seu olhar. Vejo
muitas outras coisas também: dor, solidão, compaixão, remorso.
Tudo que ele não me diz, ou contou, está revelado em seu olhar de
veludo.
Ele afrouxa o toque de minhas mãos e eu toco seu rosto, que
está a centímetros do meu. Eu tenho pena dele, mesmo depois de
tudo que ele me fez agora, das palmadas e tudo mais, pois eu vi em
seu olhar tanta dor, tanta vergonha.
Eu penso que não deveria ter falado da mulher dele, mas isso
não o redime em nada do que me fez!!!
– Desculpe. Fui um tolo. Nunca mais tocarei em você. Me
perdoe – seus olhos ficam úmidos e ele os desvia, tocando de leve
em meu cabelo.
E... hum... ok, isso o redimiu.
– Eu só queria lhe provar que estava errada quanto a Falcão.
Ele nunca a trataria como esposa, por mais que fale o contrário. E
quanto a mim, sei que não tenho sido o melhor companheiro, mas
mesmo assim nunca a tratei como escrava. Você não sabe como os
escravos são tratados por aqui...
– Mas você acabou de...
– Eu sei, eu sei. Eu queria te dar uma lição, sim. Não é fácil
ouvir o que dizem nas minhas costas ser gritado na minha cara.
Embora você esteja certa... em partes... O que estou tentando dizer
é que sinto muito. Depois do que você passou, eu não deveria... Mas
você me tira do sério! Ou está muda ou falando o que eu não quero
ouvir!
Eu não sei se ele está brigando comigo ou pedindo desculpas.
Ele ainda está em cima de mim e está tão perto, seu cheiro é
tão bom, sua boca tão perfeita e sei que é macia...
Não sei como, mas o estou beijando, minha boca na dele e
minhas mãos em seu rosto, cabelo e a língua dele se esfregando na
minha. Ele me beija com sofreguidão e eu me entrego a este
momento, a esta emoção nova e estimulante que desperta todos os
meus sentidos.
A égua atrás de nós relincha alto e bate os cascos, com
evidente incômodo. Coiote se afasta e olha ao redor. Depois o vejo
levantar o corpo, sentando-se. Eu me sento também.
Descendo a colina, eu vejo um nativo montado sem sela em
um cavalo malhado. Ele para a poucos metros de nós. É grande e
musculoso como Coiote.
– Coiote Grande – ele baixa a cabeça, cumprimentando.
– Cavalo Alado – Coiote se põe em pé.
Cavalo Alado. Sim, ouvi falar dele, futuro chefe da tribo. Está
noivo da linda e insuportável Lírio do Campo, que parece mais gostar
da posição dele do que dele próprio. Pelo menos foi isso que eu
entendi quando ela esteve na tenda das mulheres junto comigo.
Mas eu nunca o encontrei, até este momento.
– Puma Pequena – ele me cumprimenta e eu apenas faço um
movimento com a cabeça. Não tinha ideia que ele soubesse meu
nome. – Eu ouvi gritos. Está tudo bem?
Ele me olha no fundo dos olhos.
– Eu acho que... – Coiote começa.
– Eu perguntei à moça, Coiote – Cavalo lhe corta e eu vejo o
outro inchar sob a afronta. – Está tudo bem?
Ele repete.
E eu não sei o que dizer. Olho para Coiote, que parece estar
extremamente aborrecido.
– Certo, Puma. Você queria alguém para reclamar e dizer que
quer se unir a Falcão Negro. Pois bem, aí está. Fale agora – ele faz
um gesto com a mão e se volta, indo para perto do cercado e nos
deixando a sós.
Cavalo Alado desmonta e para bem à minha frente.
– Certo. Pode me contar o que a aflige. O que ele lhe fez?
E agora? O que dizer?
Capítulo 6 – Farsa
Coiote

Apoio-me na cerca de toras de madeira que formam o cercado de


Tormenta, a égua que capturei há algumas luas e que ainda não está
totalmente domesticada. Ela corre pelo espaço, pelo simples prazer
da corrida.
Eu sorrio. Ela me lembra Puma Pequena. A beleza selvagem,
a fogosidade do temperamento. Bela é praticamente inatingível.
Eu rio baixinho e a observo de longe com o canto dos olhos.
Ela está conversando calmamente com Cavalo Alado.
O que ela diria se soubesse desta minha comparação? No
mínimo me xingaria. Ela tem um temperamento forte, que as
semanas de completo silêncio não me deram a dimensão.
Foi um choque quando ela voltou a falar. A sua tristeza e
apatia faziam-me sentir mal. Eu não sabia o que fazer para diminuir
sua dor, para tirá-la do casulo em que se enfiou, por isso eu apenas
ficava de longe a observando, sem fazer movimentos bruscos, ou
elevar muito a voz, como faço com Tormenta, conquistando sua
confiança para demonstrar que não farei mal algum.
Eu acho agora que poderia ter sido mais "amigo" dela, mas
isso sequer passou pela minha cabeça.
Amigo de um branca. Pois, sim! Devo estar ficando louco.
Torço a boca, desviando o olhar dela e tornando a olhar minha
égua.
A agonia de Puma hoje, agora há pouco, seu pânico, sua
reação quando a deitei na relva...
Eu suspiro e passo as mãos pelo rosto.
Onde eu estava com a cabeça? Para ela, eu sou apenas um
homem, apenas mais um querendo me enterrar dentro dela,
querendo tomar à força o que deve ser dado de bom grado.
Como se eu fosse querer isso! Ora, com tantas nativas
disputando minha atenção, esperando um simples motivo para abrir
suas tendas e pernas para mim, assim como a escultural Água
Mansa. E Cavalo que me desculpe, mas até mesmo a linda Lírio do
Campo me dispensa olhares e sorrisos convidativos. Tenho certeza
que aceitaria minha atenção, se eu quisesse trair um irmão, coisa
que nunca vou fazer!
As mulheres são fáceis de se levarem depois que você
aprende como agir, ou o que lhes dizer, mas elas não são fiéis.
Nenhuma. Assim como os brancos. Eu aprendi isso da pior maneira,
confiando e sendo feito de tolo.
Mas então, como explicar eu ter dormido ao relento esta noite,
ao invés de nos braços carinhosos de uma nativa? Como explicar eu
ter cedido duas vezes aos lábios pálidos e vacilantes de Puma? Ou o
maldito pulsar acelerado do meu coração quando ela me tocou com
tanto carinho e temor? Não tive muitas brancas, as que tive, paguei
por alguns minutos de sua atenção e fiz o que esperavam de mim,
que consideram um selvagem, as possuí em fúria cega, sem gosto
pelas carnes claras ou cabelos tingidos.
Mas Puma é diferente.
Eu a observo novamente, disfarçadamente.
Ela desperta coisas diferentes em mim, apesar de sua raça
infame. Seus olhos parecem olhar para dentro de minha alma. Sua
presença me traz calma e me faz querer protegê-la. E em outras
ocasiões me faz querer jogá-la sobre as peles e possuí-la com força,
até ela gritar meu nome!
Pelo Grande Espírito! Que pensamento foi esse?!
Eu pulo para dentro do cercado de Tormenta.
Tenho que parar de pensar nesta mulher! Ela é branca. Só de
chegar perto de mim, ela já lembra do que aqueles miseráveis
fizeram com ela. Eu gosto de mulheres fogosas e carinhosas, não de
temerosas, que tem medo de um simples toque! Como a cavalgaria
até cansar, com força, com paixão?
Mas o que eu estou pensando? Claro que não quero fazer
nada disso com ela! Com aquela pele alva demais e o traseiro
redondo perfeito...
Lembro dele avermelhado pelas minhas palmadas. Eu não
deveria ter feito aquilo, mas certamente eu faria novamente, se
tivesse a oportunidade. Pensando bem, espero que ela continue me
desafiando...
Com as mãos espalmadas para frente, me aproximo de
Tormenta, que se afasta alguns metros, mas com passos
determinados e tranquilos, eu me aproximo.
— Calma, Tormenta. Coiote não vai lhe fazer mal – digo com
voz baixa, a mesma que usei antes com Puma.
A égua me encara, mas me deixa tocá-la.
— Isso, boa menina! – digo, enquanto afago seu focinho. —
Pelo menos sabe que pode confiar em mim. Ou vai querer me trocar
por Falcão Negro também?
Aquele invejoso, metido! Acha que me engana quando diz que
quer Puma como esposa! Eu sei bem o que ele quer com ela! E tão
certo quanto a noite no final de um dia, ele a trataria como escrava
de verdade, ainda tendo o direito de deitar-se com ela. Quanto tempo
demoraria para ela exibir as queimaduras e marcas dos
escravizados? Não marque o rosto dela, ele me disse. Me deu
vontade de largar Puma no chão aquele momento e marcar a cara
dele, mas ela mereceu ouvir aquilo. E gostei do que disse para ele
depois.
Mas agora... Agora ela fala com Cavalo Alado e vai pedir para
se unir com aquele enganador! E eu não posso fazer nada. Se ela
aceitar um dos nossos, eu sou obrigado a dar um preço... e
hummm... Posso dar um preço que aquele safado não conseguirá
pagar. Nem ele nem ninguém. Não vou me desfazer dela. Não a
deixarei à mercê de nenhum homem, ela querendo ou não.
— Branca tola! Nunca deixe uma entrar na sua vida,
Tormenta! Ou elas bagunçam tudo como um vendaval muito forte –
digo, enquanto ergo um perna, aproveitando o momento de
tranquilidade para montá-la.
— Está falando mal de mim para a égua, Coiote? Não tem
vergonha?
Eu me assusto, estava perdido em pensamentos e nem notei
quando ela se aproximou da cerca. A égua nota minha súbita
mudança e empina, me jogando no chão.
Caio de lado.
— Meu Deus! Coiote! – Puma grita e em segundos está ao
meu lado.
Ela não sabe, mas há muito aprendi a cair. Domo cavalos
desde que era pequeno e isso aqui não foi nada.
Tormenta correu para longe e observa tudo.
— Você está bem? Onde dói? Por favor, Coiote, me diga! Já vi
muitos caírem de cavalos e sei como pode ser perigoso.
Ela toca o meu rosto, corre a mão pelo meu ombro, minhas
costas... Parece querer verificar por si só que não há nada quebrado.
Depois me ajuda a levantar, me tirando do cercado e me sentando
na relva. Eu deixo. Amoleço um pouco o corpo e não falo nada.
Vejo Cavalo Alado subir em sua montaria e dar uma risada.
Ele sabe que estou me aproveitando da situação. E fazendo um
movimento com a cabeça para mim, ele vai embora.
Eu dou um gemido fingido.
Ah, o Grande Espírito vai me perdoar por isso, afinal tudo
indica que não terei mais nenhuma oportunidade como esta.
Ela tapa a boca com a mão.
— Onde está doendo, Coiote? Talvez seria melhor se você
não se mexesse!
— Não. Estou bem – digo em voz baixa e rouca. — Só dói um
pouco aqui.
Mostro o ombro e como previ, ela se ajoelha ao meu lado.
— Aqui? – ela toca e massageia meu ombro e eu fecho os
olhos, aproveitando as mãos gentis.
— Sim. Assim... Isso vai fazer a dor passar. Nas costas
também, Puma.
Ela se ajeita atrás de mim e sinto suas mãos em todos os
meus músculos das costas. Ela massageia na coluna, entre as
costelas, mas a pressão vai diminuindo aos poucos. Ela parece estar
explorando a minha pele, o meu corpo, e um arrepio de pura
satisfação me atravessa.
— Você falou com Cavalo? – pergunto como quem não quer
nada.
— Sim – ela responde simplesmente.
— Vai aceitar se unir a Falcão Negro?
A pergunta me escapa, mas eu preciso saber.
As mãos dela agora estão subindo pelas minhas costas,
tocando meu pescoço, minha nuca. Minha pulsação acelera e engulo
em seco.
— Não – ela responde, me fazendo sentir algo parecido com
alegria.
— Ahãmmm... dói aqui também. Pode fazer esta massagem
aqui? – aponto para meu peito.
Quero ela na minha frente.
Sem dizer nada, ela fica de frente para mim, mas ainda está
muito longe. Então, sem pensar, eu a puxo e a coloco sentada no
meu colo, afasto suas pernas, coloco uma de cada lado do meu
corpo e me inclino um pouco mais para trás.
— Coiote...
— Assim você pode me ajudar melhor... Eu caí por sua causa.
Vai me deixar com dor, só por não querer me tocar?
Ela pensa um pouco e morde o lábio. Eu prendo a respiração.
— Aqui? – ela toca meu peito com ambas as mãos. — Ou
aqui? – diz, quando passa as mãos pelos meus ombros.
Diabos! No que eu estava pensando quando fiz isso?
Ela me olha bem dentro dos olhos.
— Na verdade, é mais perto, Puma. Daí você não consegue
ver... acho que me cortei...
Ela ergue uma sobrancelha, desconfiada, mas se aproxima.
— Mais perto. Aqui perto do queixo...
Eu me seguro para não mexer minhas mãos, que estão
apoiadas no chão. Não quero assustá-la.
— Onde? Não vejo nada...
Quando ela se aproxima, eu a beijo.
Toco seus lábios com os meus. Ela está por cima de mim, eu
tenho as mãos abaixadas e só com um simples movimento de
cabeça, ela pode se afastar, pode interromper o beijo que tanto
arquitetei para acontecer de um jeito que não a faça se sentir
acuada.
Tento me convencer que é só meu espírito de conquistador
que a está testando assim, para provar a mim mesmo que posso,
não porque a quero, mas meu coração está batendo como louco e
meu sangue corre rápido. Me controlo para não apertar seu corpo e
fazê-la minha. E acima de tudo, estou rezando ao Grande Espírito
para que ela não se afaste.
Capítulo 7 – Fogo
Notei que ele estava me enganando quando me puxou para seu
colo. Ninguém que estivesse com dores conseguiria fazer aquele
movimento tão rápido, ou com tanta naturalidade.
Mas o que este safado está pensando?
Eu deveria ter me afastado naquele momento, mas não pude.
Passar as mãos por suas costas foi algo muito além da curiosidade.
Eu senti outra coisa: prazer. Eu quero explorar mais deste corpo forte
e cheio de músculos. Quero tocar mais essa pele morena e firme.
Estou sentada sobre seu colo, com as pernas abertas,
montando-o como um homem monta seu cavalo, uma perna de cada
lado. Isso faz roçar minhas coxas nas dele, assim como meu sexo.
Eu me contraio com o contato não intencional, mas vejo que ele se
inclina um pouco mais para trás, apoiando as mãos na relva e não
fazendo nenhum movimento que pareça ameaçador.
– Coiote... – eu começo.
Não sei se isso é uma boa ideia, meu coração está batendo
como louco. Quero sair correndo de pavor, mas também quero ficar.
O que está acontecendo comigo, meu Deus?
– Assim você pode me ajudar melhor... Eu caí por sua causa –
ele me diz com voz rouca e baixa. – Vai me deixar com dor? Só por
não querer me tocar?
É verdade! Sim, ele caiu por minha causa. Pelo visto a égua
não é totalmente mansa, pois foi só uma mudança de atitude dele e
ela o jogou ao chão... Estranho, mas a comparação lembrou a mim
mesma ontem à noite, quando ele me beijou. Embora a égua tenha
tido a sanidade de não falar nenhuma burrice, ao contrário de mim!
A simples lembrança me faz morder o lábio impulsivamente e
me lembro do que Cavalo Alado me disse: para eu não ser uma
refém da tragédia que me aconteceu; que eu já passei por tanta
coisa ruim, mas que de um jeito meio atravessado (típico dele, ele
me disse), Coiote me salvou e foi um bom homem para mim (mesmo
não sendo o mais companheiro ou simpático).
Cavalo me perguntou se ele alguma vez me tratou mal, se
tentou ou abusou de mim.
"Não, nunca", eu respondi. E era verdade. A não ser por esta
manhã, ele nem tinha tocado em mim de maneira mais forte, o que
nem chegou a ser violento, apenas embaraçoso.
Então me dei conta de que Coiote me deu abrigo e comida
(certo que eu trabalhei como uma louca para pagar por eles), mas
não posso ser de todo ingrata. O fato é que ele mudou muito de uns
dias para cá. Embora continue arrogante e mandão, ele parece que
agora está me vendo.
Eu o observo, sei que não está com fortes dores, muito menos
precisando de massagem, mas eu quero tocá-lo. Nunca toquei
homem nenhum. Lincoln me beijou, me tocou os seios, ergueu meu
vestido e me possuiu. Eu não fiz nada. Eu não senti nada, a não ser
dor. E com aqueles malditos também.
Mas eu ouvi o que as nativas diziam na tenda das mulheres
sobre os seus homens. Aqui ninguém dá valor à virgindade. Elas se
entregam por prazer, não precisam se casar, nem nada disso. E eu
ouvi algumas falando dos dotes de Coiote, diziam que ele era um
garanhão devasso. Diziam isso rindo e com olhares sonhadores.
Eu quero saber o que é isso, sentir prazer com um homem. E
talvez Coiote possa me ajudar, afinal ele é considerado bom nisso.
Eu não o temo, e sinceramente, só de olhar para ele, já fico
arrepiada. Só de olhar para ele, eu lembro de quando me salvou, um
anjo vingador indígena, com arco e flecha na mão; quando me cobriu
com sua própria roupa, tapando minha vergonha; quando me
abraçava à noite, afugentando meus demônios, para logo em
seguida voltar para sua própria cama de peles, sem tentar nada a
mais; quando eu o olho, lembro do que as mulheres falaram dele, do
calor dos seus lábios. E meu estômago dá uma cambalhota, meu
peito dispara, minhas pernas tremem e o suor em minha mãos se
torna constrangedor.
Que diabos é isso? Não chega nem perto do que eu sentia por
Lincoln, afinal eu o achava bonito, sim, e suspirava por ele pelos
cantos, mas não sentia essa admiração. E mesmo com esses tantos
de defeitos que sei que Coiote tem, eu acho que isso o completa e o
deixa irresistível.
Ah, que ótimo, estou achando esse arrogante metido perfeito!
Devo estar ficando louca!
Mas teve uma coisa que Cavalo Alado me falou que entrou no
meu coração. Ele me disse: "Coiote e eu sempre fomos amigos,
desde a infância, mas ultimamente ele mudou. Ele agora tem
algumas cicatrizes e não está sabendo lidar com elas, mas depois
que você chegou, vejo que ele está mudando. A dor em seus olhos,
a desconfiança ainda estão lá, mas parece que agora ele tem um
propósito para caçar, para voltar à noite, para fazer o certo. E isso foi
você quem deu a ele. Se quiser, eu posso falar com meu pai e lhe
arrumar outro lugar para viver. Se quiser se unir a Falcão Negro,
Coiote terá que aceitar, dar um preço; mas saiba que ficando com
ele, estará fazendo muito bem ao meu amigo, mesmo ele não
admitindo. Às vezes precisamos deixar o passado para trás e olhar
apenas para frente, Puma. Digo isso por ele e por você também. O
Grande Espírito escreve nossos destinos nas estrelas e tudo tem um
propósito. Coiote estar lá naquele momento não foi coincidência, foi
obra do Grande Espírito. Ele quem uniu vocês dois e isso vocês não
podem ignorar".
Cavalo Alado me pareceu ser um homem bom, honrado,
crente neste tal Grande Espírito e muito inteligente. Eu o admirei, e
se não estivesse apaixonada por Coiote, certamente estaria
suspirando agora por ele!
Ainda bem que...
O quê!?!?!
Não!
Não estou apaixonada nada!
Ah, que loucura a minha!
Eu só acho ele... bonito. Bonitinho. Não tão feio. Passável...
Ai, Jesus! Senhor, tenha piedade da minha alma! Eu não
posso, eu não quero, eu não devo, estar apaixonada por esse
arrogante, tratante, metido, mandão, safado, descarado, lindo e
irresistivelmente másculo, carinhoso e possivelmente gostoso...
Meu Deus! Eu estou pior que estas indígenas sem vergonhas!
Eu não deveria ter escutado nada quando estava naquela maldita
tenda cheia de mulheres fogosas e loucas pelo... pelo... pelo dote de
Coiote! Droga!
Eu respiro fundo e volto a mim. Este não é o melhor momento
para pensar sobre isso, afinal estou sentada muito próxima do que
Água Mansa disse ser o melhor pau da terra. Deve ter algo a ver
com árvore. E a visão de algo bem grande e grosso como uma
árvore me faz esquecer o que eu estava pensando e querer sair
correndo, gritando por ajuda.
Mas ainda assim, eu lembro do que Cavalo me disse: "Às
vezes precisamos deixar o passado para trás e olhar apenas para
frente."
E na minha frente está Coiote.
– Aqui? – eu pergunto e toco seu peito com ambas as mãos.
Minha respiração fica descompassada, enquanto eu exploro
seus enormes músculos do peito com vagar.
– Ou aqui? – digo, quando passo para os ombros,
umedecendo meus lábios com a língua, que ficaram subitamente
secos.
Contraio minhas coxas um pouco, sentindo um fogo crescer
dentro de mim. Parece correr pelas minhas veias e se fixar em um
ponto bastante perturbador, em um ponto que está roçando na perna
dele...
Sei que isso não é certo, mas eu quero esquecer as coisas
ruins, quero viver uma vida plena. E aqui não há regras, não tenho
mais minha virtude a oferecer e nem devo me casar novamente.
Provavelmente nunca mais sairei desta tribo... Então...
Eu o encaro bem dentro dos olhos. Será que ele nota isso que
está me consumindo? Paixão, desejo por ele? Que me faz esquecer
dos meus medos e estar aqui, agora, nesta posição?
– Na verdade, é mais perto, Puma. Daí você não consegue
ver... acho que me cortei... – ele diz, erguendo um pouco o rosto.
Se cortou? Como, se eu não vi? Deve ser outra mentira...
Eu me próximo para ver o tal corte.
– Mais perto, aqui perto do queixo... – ele instrui, totalmente
imóvel.
Eu avalio seu queixo másculo e maxilar definido, o toco com a
ponta dos dedos, mas não há nada aqui.
– Onde? Não vejo nada...
Então, interrompendo minha fala, ele cola seus lábios
carnudos nos meus.
O gesto me surpreende. Sabia que ele estava planejando
algo, mas não imaginava isso.
Tudo isso para apenas um beijo?
Eu sorrio contra seus lábios. Ele apenas toca os meus, me
dando a opção de sair daqui a qualquer momento.
Mas eu não quero.
Me ajeito sobre ele e enlaço minha mão na dele, que ainda
está parada no chão e com a outra toco seus cabelos longos, abro
meus lábios e atravesso a barreira de sua boca com minha língua.
Ele suspira e aperta minha mão, intensificando o beijo, nossas
línguas duelando, se conhecendo. Sinto tanta coisa nova dentro de
mim, que não sei explicar. Então eu nem tento, apenas aproveito o
momento.
Nos separamos e ambas as respirações estão
descompassadas. Ele me olha com agradável surpresa.
Eu sorrio. Gostei do beijo. Gostei da farsa dele. Diabos, eu
gosto de tudo nele! Inferno!
– Da próxima vez que quiser um beijo, é só pedir – eu lhe
digo, com uma ousadia que não sei de onde vem.
Sou recompensada por minha coragem com um lindo sorriso
e olhos brilhantes
Ele se ajeita, sentando-se um pouco, colocando uma das
mãos sobre minha cintura e outra nas minhas coxas.
Minha valentia vai embora e é substituída pelo meu maldito
medo infundado. Eu fico tensa e ele nota.
– E se eu lhe pedir outro? Prometo só usar um pouco as
mãos... A não ser que queira amarrá-las. Eu não me importo, acho
até que acabaria gostando...
O olhar dele é de pura ousadia e seus lábios se abrem em um
meio sorriso arrogante, que faz meu coração falhar uma batida.
– Faria isso?
– O que, beijá-la? Oh, se faria!
– Não. Deixar eu amarrá-lo ...
Ele parece se assombrar com o simples fato de eu ter
considerado a ideia.
E sim, eu considerei. E morro de vergonha por ter falado isso
em voz alta.
Ele estreita os olhos, cobre o lábio inferior com a língua e o
morde, enquanto um sorriso cafajeste se espalha por todo o rosto
bonito. Não tenho ideia do que ele pensou, mas estou começando a
desconfiar que é algo relacionado à sua fama de "garanhão
devasso".
– Se você quiser, eu deixo sim. Acho até que seria bem
interessante, eu poderia lhe ensinar algumas coisas...
Ele encara meus lábios e eu sinto minha pulsação acelerar.
– Que tipo de... coisas?
Ele solta suas tranças, deixando os cabelos negros e lisos
totalmente soltos e pega as tiras de couro, me dando e mostrando os
pulsos.
— Me amarre e eu lhe mostro.
Tenho as tiras na mão e olho para elas, depois para os
punhos grandes, e por fim, para ele.
Mordo o lábio. Tenho medo, mas eu quero. Mas tenho medo.
E quero...
Ai, vida!
E agora?
Capítulo 8 – Contato Imediato

Meu coração está aos saltos. Sem pensar muito, eu enrolo as tiras
nos pulsos largos e aperto com força, dando dois nós.
– Você tem tanto medo assim de mim? – ele me pergunta,
mas tem um sorriso nos lábios carnudos.
Estou ofegante, meus lábios estão repentinamente secos e eu
os umedeço com a ponta da língua. Esse gesto o faz me observar
atentamente, e quando me olha, vejo um desejo tão profundo, que
me traz um incômodo ainda maior a uma região que eu nem sabia
que poderia sentir isso.
– Não é de você, é das minhas lembranças.
Ele concorda com a cabeça.
– Certo. Mas acho que nenhuma das suas lembranças se
parece com isso, não é?
Ele abaixa a cabeça e pousa os lábios no meu ombro,
plantando ali um beijo molhado, me fazendo estremecer.
– Um índio amarrado embaixo de mim? Com certeza não.
Ele me beija mais uma vez no ombro, e desta vez também o
pescoço.
Solto um suspiro sem querer.
– Eu não posso fazer muita coisa assim, então vou pedir e
você faz se quiser, certo? – sussurra, enquanto beija atrás da minha
orelha.
Eu não consigo responder, então apenas concordo,
balançando a cabeça.
– Não se preocupe. Não importa o que aconteça, eu não vou
possuir você. Vou apenas lhe mostrar o que pode sentir. Não tenha
medo, Puma.
Eu concordo novamente com a cabeça.
– Me toque – ele diz, pegando minhas mãos e colocando no
seu peito. – Prometo não me mexer.
Eu mordo o lábio e exploro o físico bonito e firme. Seus
músculos são grandes e minhas mãos percorrem todos eles. Peito,
costas, braços e ombros. Lembro do que ele fez, me beijando a pele,
e eu quero fazer o mesmo, quero sentir seu gosto.
– Posso te tocar com a boca também?
Vejo ele estremecer embaixo de mim.
– Deve – diz simplesmente.
Eu me curvo e devagar, com as bochechas queimando de
vergonha, eu toco seu ombro com os lábios, beijando-os. Mas assim
eu não consigo sentir o gosto dele, apenas a textura maravilhosa.
Abro mais um pouco a boca e com a parte interna dos lábios, eu o
beijo novamente. Seu cheiro é amadeirado e cítrico ao mesmo
tempo. Minha respiração acelera e ele não se mexe. Bom. Eu passo
a língua pelo seu pescoço e sinto finalmente o gosto desta pele
âmbar.
Deus! É inebriante!
Beijo-o novamente no pescoço com a língua e sugo um
pouco. Remexo os quadris e aperto minhas coxas, pois o
desconforto no meio de minhas pernas é intenso. Ouço um gemido
vindo dele.
Me afasto.
– Desculpe – eu digo, totalmente sem fôlego.
Ele tem a respiração descompassada também e pega minhas
mãos, colocando-as sobre o enorme volume que está debaixo do
couro macio das calças dele, um pouco à frente da minha própria
feminilidade.
– Veja o que faz comigo, o quanto meu corpo está desejando
o seu – a mão dele aperta a minha, fazendo-me apertar o volume
cilíndrico extremamente grosso e muito duro. – Não tenha medo, só
quero saber se seu corpo também está inquieto. Você sente alguma
coisa?
Eu concordo com a cabeça.
– Onde? Me diga.
Eu faço o que ele fez comigo. Pego sua mão e mostro,
fazendo-o tocar no meio das minhas pernas, no lugar proibido, mas
que está praticamente gritando o nome dele agora.
– Aqui? – ele passa os dedos e eu congelo.
De repente, o pânico vem em ondas fortes, junto com o desejo
que está me queimando. A vontade de fugir é enorme e eu o encaro
com todo meu medo. Ele ergue as mãos amarradas imediatamente.
– Desculpe, achei que poderia... – ele tenta regular a
respiração.
Vejo suas mãos amarradas e me compadeço dele. Saber que
ele está fazendo tudo isso apenas para que eu não tenha medo, me
faz sentir o coração aos pulos.
– Tudo bem, já passou – digo em um sussurro.
Coloco meus braços sobre seus ombros e olho dentro dos
seus olhos negros flamejantes. Sinto ele tocar meu queixo e se
aproximar aos poucos, parando a centímetros de minha boca, me
deixando a opção de recuar ou beijá-lo. Eu não penso duas vezes e
o beijo com toda a paixão que esse homem tem despertado há
tantos dias. Meus dedos se misturam aos cabelos dele e a sensação
de tê-los entre eles me faz apoderar-me com ainda mais gana das
mechas longas e puxá-lo para mais perto de mim.
Sua língua acaricia a minha e eu me remexo outra vez sobre
ele, tentando aplacar minha volúpia.
O que é isso? Nunca em toda minha vida me senti assim.
Sinto uma necessidade quase selvagem de tê-lo cada vez
mais perto de mim. E isso me assusta sobremaneira.
Coiote interrompe o beijo e passa os braços pela minha
cabeça, me envolvendo com eles, parando-os na minha cintura,
enquanto me observa, avaliando minha reação. Eu enrijeço mas
deixo. Estamos muito próximos, mas estranhamente eu não estou
com medo. Pelo menos ainda não.
– Se eu pedir, você abaixa um pouco o tecido da sua blusa?
Quero ver essa pele tão branca, só um pouco... – a voz dele é rouca,
baixa e sensual.
Minha blusa não é decotada e revela apenas um pouco os
ombros, mas tem botões. Eu deixo meus dedos desabotoarem os
primeiros dois e abaixo um pouco o tecido. Ele me puxa para mais
perto, usando as mãos presas atrás do meu quadril.
Ele me puxa para cima de seu membro rijo. Ele está de calças
e eu ainda tenho a barreira do tecido fino de minhas ceroulas, mas
mesmo assim, eu sinto todo aquele volume firme e grande tocando
meu próprio sexo. E apesar do meu temor, a sensação de tormenta é
maior. Tormenta e prazer.
Eu gemo sem querer, com a respiração pesada.
– Baixe um pouco mais, Puma – ele encara meu colo.
Eu abro minha blusa até abaixo dos seios, mas não os
descubro. Coiote olha apenas para o vale entre eles.
– Pelo Grande Espírito! Você está me torturando! – ele me
beija nos lábios com fome e eu me sinto uma mulher muito
desejável. Pela primeira vez, não parece que estou sendo usada,
mas sim que estamos mutuamente aproveitando o momento.
Ele me puxa e me afasta pelos quadris, esfregando-me nele.
Sinto um prazer indescritível, uma onda de sensação tão gostosa,
que um gemido sai alto de minha garganta.
– Faça isso novamente, Coiote – eu peço, com a voz muito
baixa.
– O quê? Isso? – ele me puxa novamente para cima do seu
membro, roçando o lugar onde está meu tormento, sobre aquilo duro.
E a consciência de que aquilo são seus dotes que tanto ouvi falar,
me excita ainda mais.
Outra onda de prazer me envolve. Fecho os olhos e amoleço
o corpo, me deixando levar por ela.
– Isso, me mostre que está gostando. Geme, minha Puma –
ele faz mais uma vez e incentivada, eu gemo alto.
– Abra a blusa para mim, eu quero vê-la toda – ele tem a
respiração descompassada e eu já perdi o juízo, por isso eu retiro a
blusa toda e jogo ao nosso lado.
Coiote fica sem fala e molha os lábios enquanto diz:
– Você é perfeita, de todas as maneiras. E eu acho que estou
perdendo minha cabeça – ele beija a curva do meu pescoço, meu
colo, meus seios e quando dou por mim, ele os está sugando, um
depois o outro.
Eu dou um pequeno grito, de surpresa, de prazer e ele me
puxa outra vez para seu membro.
– Mexa você agora. Não pense, apenas sinta – ele diz, indo
de um seio para o outro.
Eu obedeço. Faço o movimento por mim mesma, abro mais as
pernas e pressiono ainda mais.
Ele geme e toma minha boca. Então quando dou por mim,
estamos nos esfregando enlouquecidamente. Coiote respira
pesadamente e eu gemo contra seu ouvido, agarrada a ele.
Mais rápido, mais forte, parece nunca ser demais. Eu o quero
dentro de mim, em uma urgência que me assusta, mas não sei como
pedir. Então eu apenas faço o que ele me diz.
– Remexe em cima dele. Estou tão duro por você, está
sentindo? Mexe mais, Puma. Me mostra que está gostando...
Ele continua incentivando e eu perco todo o sentido do
mundo. A emoção vem crescendo e eu só penso nele, no corpo, na
pele, no membro rijo abaixo de mim. Eu sinto uma onda me
invadindo, vem forte e me arrebata, me inundando de prazer e me
tirando do chão, fazendo com que eu perca a noção de tudo por
alguns segundos, exceto do êxtase que me atinge.
Eu gritei o nome dele, pedindo mais. Só lembro disso.
Quando volto para a terra devagar, sinto que ele não para com
o movimento. Ele me puxa, me pressionando com força algumas
vezes, ainda sobre seu dote grande. E então, diante de mim, Coiote
larga a cabeça para trás em expressão de agonia e prazer, enquanto
grunhe e geme em total abandono.
Eu o observo com o coração aos saltos.
Acabei de sentir tanto prazer com ele, mesmo estando
amarrado e não me possuindo, imagina o que fará se for de
verdade?
A ideia me satisfaz muito e eu me pego imaginando se ele vai
continuar me ensinado tais coisas...
Coiote retira os braços ao redor de mim e se deita na relva,
rindo.
– Qual a graça? – pergunto, ainda sentada sobre ele, meio
rindo também.
– A graça é que eu me transformei em um tolo, deixando uma
branca me converter a um jovem que goza nas próprias calças!
Ele ri mais um pouco e sua atitude não está me deixando à
vontade. Ele continua deitado e não me olhou nos olhos desde que
"gozou em suas próprias calças".
A vergonha me atinge.
O que eu fiz? Por que me entreguei assim a este arrogante,
que não me considera nada além de uma escrava?
Cubro meus seios com as mãos, saindo do colo dele,
procurando minha blusa e a vestindo, esperando que o chão se abra
e me engula por ter sido tão estúpida e ter me comportado como
uma perdida.
Oh, mas a quem eu quero enganar? Eu sou uma perdida,
desde que me entreguei a Lincoln, mas isso não foi nada comparado
àquilo. Isso foi... maravilhoso. Até esse brutamontes se jogar para
trás e praticamente me ignorar!
– Não, Coiote, a única tola aqui sou eu – digo, já vestida e me
levantando.
Neste momento, ele se senta também, finalmente me dando
atenção.
– Onde vai?
Dirijo-lhe um olhar zangado.
– Para a tenda, onde mais?
– O que houve? Por que está assim?
Ele ainda tem os pulsos atados e eu penso se o desamarro ou
não.
– Não houve nada, só deduzi por sua atitude que já poderia ir
embora – eu o olho de cima, aproveitando que estou em pé e ele
ainda sentado.
Ele ergue uma sobrancelha.
– O que tem minha atitude?
– Oh, nada! Se você acha normal, depois do que aconteceu,
se jogar para trás e não olhar para a outra pessoa!
– E o que você esperava? Que eu a abraçasse e dissesse que
a amava? – isso e a gargalhada dele são como um soco no meu
estômago.
Está decidido, ele vai ficar amarrado a vida toda, se depender
de mim!
Ele se levanta com extrema facilidade e com um sorriso fácil
se aproxima de mim.
– Eu dei o que você queria. E você, de certa forma, o que eu
queria no momento. Não precisamos fingir que temos sentimentos
um pelo outro...
Então, sem que eu consiga evitar, o esbofeteio com força.
Vejo a mandíbula dele ser pressionada e ele fecha os olhos
com força, para depois abri-los em fúria.
– É a segunda vez que bate em meu rosto... – ele começa
entredentes, mas eu não o deixo terminar.
– Você é igual a todos os outros! –eu grito. – Só está
preocupado com o que tem no meio das pernas!
– Pois você pareceu gostar muito do que eu tenho no meio
das pernas! – ele também está furioso.
A vergonha e o arrependimento me apertam o coração. As
lágrimas sobem aos meus olhos sem que eu possa evitar, e quando
escorrem por meu rosto, vejo a expressão de Coiote se suavizar.
– Como pode ser tão desprezível? Eu acreditei que era um
bom homem, que estava sendo gentil e cuidadoso porque me
entendia, porque se importava. Mas você não se importa com nada.
Só estava fazendo aquilo para poder me mostrar que é melhor que
eu, que faz o que quer comigo... Eu caí direitinho – as lágrimas vem
com mais força agora e eu não as impeço, tenho impressão que irei
explodir se o fizer. – Fiz tudo que me pediu porque confiei em você.
Você foi pior que os outros. Pelo menos eles não mentiram dizendo
que não me machucariam.
Eu vou me virando para ir embora, quando ele me segura pelo
braço, me impedindo.
– Puma... eu... a machuquei? – a voz dele é um sussurro.
– Machucou, Coiote. Aqui – digo, apontando para meu
coração.
Me viro e corro. Para longe dele, para longe destes
acontecimentos que quero esquecer. Para longe do meu coração
que ficou ali, totalmente despedaçado.
Capítulo 9 – Arrependimento
Coiote

Já era noite quando retornei à tenda. E adiei ao máximo a minha


volta. Não queria encarar Puma. Não depois do que ela me disse.
Não depois de tê-la feito chorar daquele jeito.
Só de lembrar, a maldita dor no meu peito volta.
Quando eu sugeri que me prendesse, jamais imaginei que ela
aceitaria. Eu estava provocando-a. Mas quando ela atou meus
pulsos, algo em mim despertou, a vontade de dar prazer àquela
mulher, de mostrar a ela como pode ser bom, e lógico, em como eu
posso fazer ficar ainda melhor.
Eu não esperava a reação tão passional dela, achei que
fugiria em dois minutos, mas me surpreendeu com seu desejo e
sensualidade. Assim como me surpreendi com minha própria reação.
Não consegui me controlar. Aquela pele, aquele cheiro, o corpo
suave e macio junto ao meu, fizeram com que eu parecesse um
jovem louco e descontrolado. Logo eu, o grande Coiote, a quem
todas imploram para terminar, depois de terem atingido o êxtase
seguidas vezes sobre meu membro. Eu nunca perdi o controle.
Nunca. Mas o perdi hoje. E eu nem estava dentro dela!
Quando dei por mim, estava me derramando em minhas
próprias calças! A vontade de abraçá-la e dizer que a amava veio
com tanta força, que tive que me afastar, para clarear meus
pensamentos. Claro que não a amo, mas foi uma reação idiota
movida pelo gozo espetacular que tive.
Mas eu não deveria ter feito isso. Ela não é como as outras a
quem trocamos favores. Ela precisava de um mínimo de carinho da
minha parte e eu não o dei. Estava assustado demais com o que
tinha acontecido comigo mesmo para notar o tormento dela.
Maldição!
Quando ela saiu correndo, me senti o pior homem da terra.
Queria correr atrás dela e pedir desculpas, mas não pude. Não
enquanto nem eu mesmo me entendia.
Me livrar das tiras de couro foi fácil, o pior foi tomar banho de
roupa e ainda lavar minha calça.
Quando saí do rio, me deitei ao sol, enquanto esperava minha
roupa secar. A lembrança do momento de antes veio com força em
minha mente. A pele muito alva e livre de qualquer mancha, muito
macia e perfumada, a visão dos seios perfeitos, firmes e arrebitados,
com os mamilos claros, que ficaram rijos com um simples toque...
As lembranças foram tão fortes que fiquei totalmente duro.
Tanto que chegou a doer. Não resisti e com força e não menos raiva,
acabei com o problema com minha própria mão, agindo como um
estúpido adolescente pela segunda vez naquele dia. Tudo graças
àquela branca de olhos enormes!
Maldizendo-a por ter me feito sujar as calças e depois minha
mão, eu tomei outro banho, me demorando mais desta vez na água
fria, para ver se, caso ela não me trouxesse o juízo novamente, ao
menos apagaria esse maldito tesão inconveniente!
Eu não queria voltar, mas sei que deveria e por isso estou
aqui.
Quando entro na tenda, Puma está de costas, arrumando as
tigelas de madeira. Já é tarde e imagino que já deva ter comido.
A tenda, como sempre, depois que ela chegou, está
impecável e muito bonita.
– Boa noite – eu a saúdo, como nunca fiz antes.
Tenho plena consciência de que a tratei muito mal todo este
tempo, o que só faz a droga da dor em meu peito ficar ainda maior.
Ela não me responde.
– Puma... – eu começo, mas ela não me deixa terminar.
– Não quero falar com você, tampouco voltar a ficar em
silêncio, mas se for preciso, voltarei – ela se vira e vejo em seu olhos
muito azuis toda a sua dor.
Eu me aproximo.
– Perdão – falo rápido, para ela não ter tempo de me
interromper. – Fui um idiota. Desculpe. Mereço o que me disse e até
o tapa que me deu. Eu estava confuso demais com aquela situação
e reagi mal...
– Confuso? – ela ergue uma sobrancelha fina e bem
desenhada.
Eu disse que estava confuso? Não devia ter dito isso! Droga!
Não posso dizer que ela me fez sentir algo especial. Me fez o
coração bater mais rápido. Me fez acreditar por um segundo que era
minha outra metade perdida.
Então, ao invés disto eu digo:
– Sim, confuso, porque eu não esperava que acontecesse
aquilo... Pensei que você fugiria... – eu não a olho quando digo isso.
– Tem razão, eu deveria ter fugido. Assim não teria do que me
arrepender agora.
– Se arrependeu? Não gostou do que aconteceu? – eu a
encaro.
Ela se vira, servindo uma porção de ensopado de bisão para
mim e me entregando a tigela.
– Me arrepender não é o mesmo que não ter gostado, mas
preferiria não ter feito.
Não consigo evitar o sorriso e tampouco de pegar na mão
dela quando apanho a comida.
– Obrigado. Já comeu? – ela parece surpresa com minha
súbita civilidade.
– Não tenho fome, mas obrigada por perguntar – ela responde
espantada.
– Coma comigo, então. Eu não gosto de comer sozinho – falo,
olhando para o caldo, que está parecendo muito apetitoso.
– Não pareceu se importar todo este tempo – ela diz,
arrumando suas peles.
Dou um suspiro profundo. Ela não está muito disposta a
aceitar minhas desculpas.
Como um pouco, mas o nó em minha garganta não me deixa
engolir, por isso coloco de lado.
– Eu tenho agido como um idiota com você. Você tem sido
uma boa... – ela não gosta da palavra escrava e por isso uso outra. –
... companheira todo esse tempo e eu não lhe dei a devida
importância. A tenda nunca esteve tão arrumada, ou minhas roupas
tão limpas, os mocassins que você fez ficaram perfeitos e sua
comida é melhor que a da minha mãe, só não conte isso a ela.
Eu sorrio e ela me olha com os olhos marejados, o que me faz
aproximar dela e como não se afasta, eu toco seu rosto.
– Obrigada – ela diz e meu coração se aperta.
Entendo, então, duas coisas:
1°: Ela queria e precisava da minha admiração, meu
reconhecimento.
2°: Eu sou o maior idiota.
– Desculpe não ter dito antes. Você é perfeita e trabalhadora.
Qualquer homem teria a maior sorte do mundo se a tivesse como
esposa. Menos Falcão Negro. Ele não, Puma, nem pense! Aliás,
nenhum. Eu não deveria ter dito isso.
Saio de perto dela, antes que continue a falar bobagens! Mais
uma vez disse que ela é perfeita. Droga!
– Você está sendo gentil e agradeço muito, mas sei que nunca
vou me casar.
Um sentimento de puro contentamento enche meu coração.
Ela vai ser sempre minha. Escrava! Eu quis dizer minha escrava.
Eu lhe dou um sorriso.
– Não posso dizer que não fico feliz, uma escrava como você
é difícil. Nem Ave Branca era assim...
Diabos! É só pensar em tê-la que já falo merda! Além de
chamá-la de escrava, ainda toquei no nome de minha esposa.
Espero que ela não tenha reparado...
– O que tem sua... er... esposa?
Eu ando até minha cama e afasto as peles, me sentando.
– Ave Branca era jovem, assim como você, mas ela era
preguiçosa, vivia fugindo dos serviços e não raro tínhamos que nos
alimentar na tenda de minha mãe. Era isso ou comer meu assado.
Acho que devo agradecer aquele mercador com quem ela fugiu, me
livrou de muitos tormentos.
– Eu não sabia o nome dela. Ave Branca. Estava mais para
Galinha – ela murmura, parecendo para si mesma.
Pela primeira vez, meu coração não se enche de raiva quando
escuto falarem dela. Ao invés disto, eu rio.
Puma me olha com o canto dos olhos e vejo um sorriso suave
desenhar seus lábios pequenos e perfeitos.
Droooga! Já estou pensando outra vez que ela é perfeita! Ela
NÃO é perfeita! É branca, briguenta, cheia de temores e... e tem um
corpo que se encaixa no meu, um beijo que me faz esquecer o que
tem à minha volta e uma sensualidade que eu adoraria desenvolver.
Me deito com as pernas dobradas, para esconder meu desejo
que já despertou meu membro traiçoeiro! Atiro meus mocassins
longe e me cubro, tentando pensar em outra coisa.
Vejo ela se ajoelhar e terminar de arrumar sua cama de
quatro. A simples visão daquele traseiro me faz ficar dolorido.
– Diabos! – exclamo, me virando de costas para a visão.
– Coiote?
– Hum? – meu bom humor desapareceu, dormir de membro
duro não é algo me faz rir à toa.
– Eu aceito suas desculpas, mas quero que saiba que me
arrependo mesmo assim e não vou repetir o mesmo erro.
O que ela está dizendo? Não vai mais tocar em mim? É isso?
Fiz tudo para ela se sentir bem e ela me diz isso? Certo que eu ferrei
com tudo no final, mas eu pedi desculpas! Eu deveria estar
agradecido pelo que ela disse, mas não estou. Estou duro, com raiva
e acima de tudo, estou querendo dar uma lição nela.
– Pelo menos serviu para que perdesse seu medo? – digo, me
virando e sorrindo antecipadamente.
Ela parece surpresa pela pergunta.
– Hummmm... acho que sim.
– Ótimo! – jogo minha manta longe e me levanto.
Abro as calças e a tiro, ficando inteiramente nu e rijo na frente
dela.
Capitulo 10 – Tormento
Coiote

Vejo aqueles enormes olhos se arregalarem e sua boca formar um


O perfeito, enquanto ela me avalia por inteiro. Sinto meu membro
endurecer ainda mais.
– O... o que... pretende fazer? – ela fala sem fôlego.
– Dormir, Puma. Enfim vou poder dormir tranquilo! Odeio
dormir de roupas, mas você tinha medo e tal... Mas agora não tem
mais, não é? Não sente nada, não é? Então vou dormir como quero.
Digo isso, me deito e coloco a manta apenas em cima do meu
membro, que parece pulsar agora. Definitivamente, dormir é a última
coisa que conseguirei fazer esta noite.
– Não pode dormir assim! – ela está chocada.
Eu rio baixinho.
– Não se preocupe, não gosto de brancas, estará segura –
espero que ela acredite nisso.
– Não gosta de brancas?!
Acreditou. Na verdade, estou gostando apenas de uma só,
mas ela não precisa saber disso.
Eu sorrio outra vez, colocando os braços cruzados atrás da
cabeça e encarando o alto da tenda.
– Pois bem, eu também não gosto de dormir com roupas. E já
que não gosta de brancas, não vejo porquê não tirá-las.
Eu não acredito que ouvi isso! Eu giro a cabeça, com os olhos
muito abertos e vejo que ela ainda está sentada e vestida. Respiro
aliviado. Não sei o que faria se ela ficasse nua.
– Deite-se logo, Puma, nós dois sabemos que você não tem
coragem para isso – eu sorrio sozinho.
Até parece que esta lebre assustada iria...
Vejo um movimento com o canto do olho: ela se levantou.
– Mas o que diabos... – eu começo mas não consigo terminar.
Puma está me olhando com os olhos faiscando de afronta e
está retirando a saia volumosa, ficando apenas com aquela peça de
roupa transparente, uma pequena calça que lhe cobre até os joelhos.
Eu prendo a respiração. Ela desabotoou a blusa e seus seios saltam
aos meus olhos, me deixando com a boca subitamente seca. Em
seguida, ela segura o cós daquela calça, ou sei lá o nome daquilo, e
a tira também, ficando inteiramente nua em minha frente.
Seu rosto está vermelho, não sei se por vergonha ou raiva. E
eu aproveito a visão que tenho diante de mim. Corro os olhos com
pressa por todo o corpo lindo e curvilíneo, as coxas grossas, o
triângulo de pelos no meio delas, o abdômen liso.
– Pelo Grande Espírito! – eu exclamo sem perceber.
– Que bom que não gosta de brancas, porque senão eu diria
que está gostando muito do que vê! – ela diz vitoriosa e deita deste
jeito debaixo da manta, deixando as coxas de propósito para fora.
Eu tenho vontade de soltar um brado indígena e me jogar
contra ela, a possuindo com fúria, até ouvi-la me pedir para parar,
depois que ela estiver com as pernas tremulas de tanto gozar!
Passo as mãos pelo rosto e cabelo, aperto meu membro
debaixo da manta, para aliviar a pressão que parece querer rachá-lo
ao meio.
Ela me pegou de jeito. Nem em um milhão de luas vou poder
dormir assim.
Me viro de um lado para outro. Suspiro, solto um grunhido.
Não consigo dormir. Meu membro tampouco se acalmou. Tento não
olhar para o lado de lá, onde ela se encontra, mas a visão não sai da
minha cabeça. Quero com todas as minhas forças me enterrar nela.
O que está acontecendo comigo? Inferno!
– Coiote? – ouço a voz dela invadir meus sentidos.
– Hum? – o que ela quer agora, me torturar ainda mais?
– Está dormindo? – sua voz é suave.
– Estou! – respondo entredentes.
Como se eu fosse capaz de dormir com esse tormento me
consumindo! Eu não me reconheço mais! Se fosse o Coiote de
antes, sairia agora e chamaria Corça Pálida e Água Mansa e as
possuiria uma após a outra com fúria, até o amanhecer. Talvez eu
devesse fazer isso e não ficar me virando a noite toda, totalmente
dolorido.
Noto que ela ficou em silêncio.
– O que quer, Puma?
– Eu só queria dizer que gostei muito do que aconteceu esta
tarde e que na verdade não me arrependo, queria aprender mais
coisas...
Eu me sento imediatamente.
– Está brincando comigo? Acaso me acha com cara de idiota?
Primeiro me diz que não quer nunca mais que toque em você, depois
me tortura me mostrando seu corpo e agora que vê meu tormento,
me diz isso?
Ela está fazendo de propósito, para me fazer pagar pelo que
fiz, ou deixei de fazer, mas não vou ficar aqui pensando em como
seria bom tomá-la nos braços e me afundar nela. Não. Eu vou tomar
é minha vida de volta, colocar algum juízo na minha mente.
Eu visto minha calça e estou calçando meus mocassins,
quando ela se senta com a manta cobrindo os seios e deixando os
ombros de fora.
– Onde vai? – ela pergunta surpresa.
– Não lhe devo explicação. Você é minha escrava e não o
contrário.
– Onde vai, Coiote? – ela pergunta outra vez, como se eu não
tivesse dito nada.
– Ah, quer mesmo saber? Pois bem, primeiro vou à tenda de
Corça Pálida, a tirarei da cama e a levarei até a tenda de Água
Mansa, para poder possuir as duas ao mesmo tempo, com fúria e
força, até o sol nascer, para depois dormir entre os seios delas.
Ela dá um pulo da cama e vem em minha direção com as
mãos em punhos. Eu parei de falar ou respirar, pois ela esqueceu a
manta e está pelada e linda na minha frente, a um palmo de
distância.
– Você é um pervertido! – ela dá um soco no meu peito.
Eu ainda estou sem ação.
– Onde já se viu me falar isso, depois que eu praticamente
pedi para você me possuir!
O quê? O que ela disse?
Eu a seguro pelos braços, fazendo-a parar de me bater.
– E quando disse isso, que eu não ouvi? – eu pisco várias
vezes, tentando me lembrar se ela disse algo parecido com isso.
– Eu disse que gostei e queria que me ensinasse mais
coisas... O que queria que eu dissesse? Espere, o que você
entendeu?
– Eu não sei. Pensei que estivesse debochando de mim.
Ela vence nossa pequena distância e toca meu peito com um
mão e a outra ela coloca sobre o meu maldito membro traidor, que
está parecendo um cachorrinho abanando o rabo para ela.
Como eu ensinei, ela o aperta, sentindo a extensão e eu deixo
escapar um gemido.
– Não sei porque procurar alguém fora para satisfazê-lo,
quando eu estou aqui... E o quero – ela tem as faces muito
vermelhas quando diz isso e eu nunca imaginei que ouviria algo
parecido com isto vindo dela.
Nunca.
Sem pensar, eu esmago seus lábios com os meus, invadindo
sua boca com minha língua e ela retribui o beijo, colando o corpo nu
ao meu. Eu o moldo, pressionando a carne macia e apertando seu
traseiro com ambas as mãos.
Me afasto um pouco.
– Tem certeza, Puma? Não vou voltar atrás e não serei
carinhoso ou manso. Não sei ser assim.
Deixo bem claro o que eu quero, para depois ela não fazer
outra cena, quando eu desapontar seus sonhos românticos. Vou
montá-la com força, me demorar até acabar essa vontade louca de
tê-la para mim. Até tirar essa mulher completamente da minha
mente. Até recuperar o poder sobre meu próprio corpo, membro, ou
meu coração.
Ela passa a mão pelo meu rosto, me fazendo um carinho e
revejo mentalmente a ideia de em apenas uma noite matar minha
necessidade dela. Talvez também seja preciso algumas horas
amanhã pela manhã e também na próxima noite...
– Sim, Coiote. Eu tenho certeza – ela diz, completamente
segura.
Então eu descubro, no mais íntimo do meu ser, que Coiote
Grande se deixou enfeitiçar por uma branca de olhos enormes.
Capítulo 11 – Desafio
Puma Pequena

– Sim, Coiote. Eu tenho certeza – eu digo, muito segura do que


quero.
Eu não sei de onde tirei coragem, não sei de onde tirei essa
ousadia, mas o fato é que desejo tanto esse homem, que me permito
passar por cima de tudo que aprendi a julgar ser errado.
Meu peito está acelerado, há tanto fogo queimando dentro de
mim, que se ele não me possuir, eu acho que vou ter um treco!
Jesus! Não era para eu sentir isso! Não eu. Não com ele!
Depois de tudo que passei com homens em geral, eu não
deveria nunca mais olhar para nenhum... Mas Coiote é diferente...
Sinto algo intenso ao lado dele... Mesmo estas semanas, depois que
tudo aconteceu, eu vivi em paz aqui com ele. Me senti protegida,
mesmo ele sendo este arrogante metido!
Coiote me olha dentro dos olhos e eu faço um carinho em seu
rosto másculo.
Vejo os olhos dele brilharem e seu rosto desce em minha
direção, seus lábios procurando os meus. Eu os recebo e então é
como se uma explosão acontecesse. Coiote me agarra com força,
segura minha nuca e espreme os lábios grossos nos meus, enfiando
sua língua dentro da minha boca e acariciando a minha, revirando
tudo, me deixando tonta, enquanto puxa meu corpo nu de encontro
ao seu. Eu gemo contra seus lábios. Ele me ergue e me puxa para
seu colo, eu o enlaço com as pernas, me grudando nele, sem
interromper o beijo.
Ele aperta minhas nádegas e caminha para as suas peles. Me
pousa sobre elas e se levanta, se livrando da roupa e ficando
totalmente pelado em minha frente outra vez.
Nunca achei que um homem pudesse ser tão lindo, viril e
desejável, tudo isso ao mesmo tempo. E essa cara de quem sabe
que é tudo isso? Esse sorriso que parece me dizer: " você não perde
por esperar... "? Jesus! Deveria ser pecado ter um homem assim na
Terra! Por isso as mulheres aqui dão um dedo para ficar com ele.
Ele vem para cima de mim, beijando meus pés, minhas
pernas, minha coxa, quando tenta beijar meu lugar secreto, eu me
esquivo. Ele para por um minuto, para em seguida beijar minha
barriga, meus seios...
Eu gemo e enfio meus dedos por seus cabelos.
Ah, que sensação maravilhosa!
Ele passa de um seio para outro e depois sobe para o
pescoço, para minha orelha, sugando o lóbulo e por fim, me beija a
boca, profundamente, intensamente.
Eu passo as mãos pelos seus músculos das costas, mas eu
pareço estar sem ar.
Mexo o pescoço, incomodada.
Coiote é muito grande, ombros, corpo... E está em cima de
mim.
Ele se afasta um pouco e me encara.
– Tudo bem? – ele tem uma sobrancelha erguida.
Eu apenas sacudo a cabeça. Sim. Eu minto.
Ele desce o rosto outra vez e beija meu pescoço, apertando
meus seios. Sinto o membro grande dele bater em minhas coxas...
As imagens vêm fortes e a ânsia também. A sensação horrível
me envolve. Eu dou-lhe um empurrão e me sento ofegante.
– Puma... o que foi? – ele passa a mão pelo cabelo e parece
perdido.
Eu desvio o olhar, mordo o lábio.
– Eu... eu não consigo, Coiote. – As palavras saem rápidas,
se atropelando. – Eu vou ter que continuar vendo você sair todas as
noites e saber que irá se deitar com aquelas nativas... Porque eu não
consigo ser uma mulher normal e nunca vou ser – eu me levanto.
Não o olho. Dou um passo em direção à minha cama, mas
Coiote me segura pelo braço.
Ele vai rir de mim, eu sei, por isso puxo o braço e me livro do
seu toque.
– Puma, olhe para mim – ele puxa meu rosto gentilmente,
quando não faço o que me pede. – Teimosa. Linda, doce, mas
teimosa. Tudo bem, talvez seja cedo ainda para você... Talvez
devêssemos esperar um pouco mais...
– Você diz EU esperar, não é? Vai esperar comigo? Vai deixar
de visitar suas índias?! – a frustração me dá raiva. O meu temor me
dá raiva. E o meu ciúme me dá muita raiva!!!
É. Confesso. Tenho ciúmes deste sem–vergonha, sim. Deus
tenha misericórdia da minha alma.
– E por que eu deveria fazer isso? Quem tem medo é você.
Eu não temo nada. Tampouco as "minhas índias" me temem.
Eu o fuzilo com o olhar.
– Você não presta, índio!!! – eu grito.
– Não presto, mas você me quer – ele ergue o queixo
orgulhoso.
– Pois agora não quero mais! – eu viro o rosto e cruzo os
braços.
– Entendo. Você queria, mas agora não quer mais. Tem medo
e tal...Não quer tentar outra coisa? – eu sacudo a cabeça em
negativa. – É, estou vendo que sua decisão é séria. Não me quer...
hummm... Lamento, branca, mas não acredito em você. Quero que
prove então.
Eu o encaro de olhos estreitos.
– Não preciso lhe provar nada! – digo entredentes.
– Eu sabia que era medrosa, só não sabia que era tanto...
– O que você quer? – eu ergo o meu queixo, aceitando o
desafio.
– Quero que você prove que não me quer mais. Afinal, eu sou
um índio metido, não é?
– Metido, arrogante e sem–vergonha! – eu completo.
– E que você não quer. Porque vou ser sempre assim.
– E que eu não quero! – confirmo.
– Ótimo – ele dá um sorriso safado. – Venha aqui, Pequena.
Ele pisca um olho para mim, me estendendo a mão.
– O que você quer? – pergunto outra vez, sem me mexer.
– Você tem medo de tocar em mim?
– Não. – eu digo muito segura.
Não temo tocar nele. Temo ser tocada por ele. Pronto. É isso.
Ele dá um sorriso enorme, vence nossa distância e pega
minha mão, me puxando para a cama dele.
– Então, eu te desafio, branca, a me tocar e não me querer.
– Ora, seu metido arrogante!
– E sem–vergonha. Não esqueça a melhor parte...
Capítulo 12 – Primeira e Única
Puma Pequena

Ele se deita de barriga para cima e me puxa para perto. – Talvez


você não saiba, Pequena, mas homens não podem ficar assim – ele
me mostra o membro rijo – Dói. Dói muito. Você me deixou assim e
quero que me ajude a me livrar disso.
Mordo o lábio, olhando aquilo tão grande e grosso. Aquilo
nunca entraria em mim, ainda bem que não continuei!
– Como? – eu estreito os olhos.
O sorriso dele se amplia. Ele pega minha mão e coloca sobre
seu membro e a fecha ao redor dele.
– Está vendo como está duro? Está sentindo?
Eu só balanço a cabeça, incapaz de falar nada. Ele faz com
que eu mexa minha mão, sempre o segurando, mexe para cima e
para baixo.
Ele solta um gemido e fecha os olhos.
Meu queixo cai.
"Isso" dá prazer a ele? Minha mão?
Faço o movimento outra vez e ouço mais um gemido.
Minha respiração fica pesada.
– Assim, Pequena, fique de frente – ele me puxa, me
colocando sentada sobre suas pernas, um pouco acima dos joelhos.
– Agora você faz o movimento sozinha, é só tocar. Afinal, você não
me quer...
– Não... – a negativa sai fraca.
Quero. Quero muitooooo. Mas eu não consigo.
Então eu mexo naquilo mais uma vez, e outra, e outra... A
textura é tão macia e é tão duro ao mesmo tempo...
Sem querer, eu me remexo sobre as pernas dele, o fogo me
queimando por dentro outra vez. Umedeço os lábios com a língua.
– Feche os olhos, minha branca – eu obedeço e ele cobre
com a mão grande a minha, colocando bem na ponta – Imagine isso
na entrada do seu corpo... – a voz dele é rouca e baixa.
Então ele puxa minha mão devagar pela extensão.
– Depois entrando em você, assim ... bem devagar... – eu
arquejo. – Até eu te preencher toda... – ele desce até a base. – Para
depois você mexer seu corpo sobre mim, assim ...
Ele mexe, subindo e descendo e eu gemo alto, balançando
meus quadris e roçando meu sexo em sua perna.
– Diga que me quer, Pequena... – ele murmura e eu abro os
olhos.
Ele está me encarando e parece em agonia.
– Coiote... – eu ofego, sem querer dar o braço a torcer.
– Eu a quero, Puma. A quero como nunca quis outra mulher.
Acho que vou ficar louco se não a possuir. A culpa será sua se eu
começar a comer mocassins e vestir as calças na cabeça! – ele
estreita os olhos e eu rio.
– Eu sinto o mesmo, Coiote... Mas... – ele não me deixa
terminar.
– Eu não vou tocar em você. Vai ser do mesmo jeito que
estávamos fazendo... – ele me puxa um pouco para frente. –
Levante-se um pouco, minha branca...
Eu ergo um pouco o corpo e ele posiciona o membro na
entrada do meu corpo, como disse que faria.
– Agora você senta, Puma, do jeito que quiser... Só não conte
nunca para ninguém que você montou Coiote Grande. Eu tenho uma
reputação para manter – ele pisca um olho para mim.
– Nenhuma mulher ficou assim com você? – eu consigo
perguntar, sem fôlego.
– Não, minha branca, eu não sou montado. Eu monto, com
força e sem trégua. Você é a primeira e será a única que fará isso.
Um sorriso se abriu nos meus lábios, de puro prazer e
orgulho. Olho para ele, mordendo de leve o lábio e desço o corpo
devagar pelo seu grande membro. A sensação de ser preenchida por
ele é tão sublime, que eu fecho os olhos e jogo a cabeça para trás,
gemendo alto.
– Olhe para mim, Pequena, enquanto eu entro em você.
Quando abro os olhos, fico surpresa em vê-lo me observando
muito sério, parecendo fascinado.
Eu o observo, enquanto largo meu corpo mais um pouco
sobre tudo aquilo dele e não permito às lembranças ruins chegarem.
Continuo olhando-o. Este é meu Coiote. O homem que eu amo, que
aprendi a confiar.
Minha respiração está acelerada, quando finalmente ele me
completa.
– Estou todo dentro de você. Mexe para mim agora, minha
branca. Me mostre como você é... Quero ver como você gosta...
– Eu... eu não sei... – eu começo.
Ele pega minhas mãos e apoia no seu peito musculoso,
depois com as suas ele aperta ambas as minhas nádegas e puxa
para baixo, e depois para cima, em um simples movimento que me
faz gemer muito alto.
– Sua vez – ele diz, mas não tira as mãos de mim.
Eu faço como ele fez, continuo com o movimento, ele geme
em resposta e eu me sinto muito sensual. Dou um sorriso e umedeço
os lábios e dou continuação ao movimento, mas eu quero mais.
Coiote é grande e grosso e a cada mexida eu sinto todo ele dentro
de mim. É uma sensação que beira a tortura. Faço com mais
rapidez, com mais pressão. Coiote aperta outra vez minhas ancas e
faz um movimento mais profundo, me colocando mais para cima e se
arremetendo para dentro de mim, depois toma meus seios em seus
lábios e os suga... Eu não resisto. Eu sou outra vez arrebatada pela
melhor sensação do planeta. Chega e parece me roubar a alma por
alguns segundos, para depois devolvê-la em glória.
– Isso, minha branca... Você me aperta tão gostoso quando...
Oh, não... Pare, Puma! Pare de se mexer... – Coiote parece
apavorado.
Mas eu não consigo parar, ainda estou em pleno gozo, eu me
esfrego mais algumas vezes nele... Então ele pega o ritmo para si,
me ergue com os braços e me penetra profundamente e com
rapidez, várias vezes. A força com que o faz, me faz senti-lo no
fundo do meu corpo, batendo... Eu fecho os olhos e aprecio a
sensação, até que, cravando os dedos na minha pele, ele grunhe e
geme longamente... Fala em Cheyenne palavras que ainda não
conheço, de olhos fechados. O rosto bonito em total abandono.
Então é como um soco no meu estômago. Algo que me
atordoa e tira o ar. Amo-o. Amo-o, não apenas como um homem
bonito que aprendi a confiar. Amo de todo meu coração. Amo-o,
querendo-o apenas para mim. Querendo que seja MEU Coiote e só
meu, para o resto dos meus dias.
Quando ele abre os olhos, eu lhe dou um sorriso.
Espero que desta vez ele não se afaste depois do que
aconteceu...
Eu não iria suportar.
Capítulo 13 – Incêndio
Coiote

Mais uma vez essa branca acaba com meu controle!


– Eu falei para não se mexer, minha branca! – eu me sento,
ainda dentro dela e a beijo profundamente.
Ela geme e me envolve com seus braços.
Meu membro ainda quer mais. Eu ainda quero mais dela. Eu
quero muito mais!
Nunca gostei de ser montado. Só a menção do ato já me
deixava mal. Ficar de costas, como uma fêmea e deixar que elas
tomem a situação para si? Nunca. Quer o Coiote? Ótimo! Aproveite
para ser montada até cansar, mas eu comando! Eu digo como e
quando quero. E eu faço.
Essa branca está acabando com tudo que achei que era!
Inferno!
Coloco as pernas dela à minha volta e me mexo dentro dela.
Ela arregala os olhos enormes e lindos para mim.
– Oh!
Eu rio dela.
– Oh! – eu a imito – Estamos só começando... – eu me
interrompo.
Merda! Quase a chamei de "meu amor"! Aí eu poderia me
jogar de uma montanha, pois só me matando para acabar com
minha vergonha! Além de ter perdido o controle duas vezes, ser
montado e ainda ficar babando ela como um idiota, seria demais
para qualquer guerreiro!
A beijo mais uma vez. Nunca senti esta paz, esta sensação de
estar completo depois de um gozo. Nunca. Por isso me demorava,
porque não queria sentir o vazio que vinha depois.
Mas agora é diferente. Com minha branca é diferente. MINHA
BRANCA. Minha. Só minha.
Eu me remexo mais uma vez dentro dela, que geme alto, se
deliciando com o movimento. Já notei que ela não gosta que eu lhe
prive dos movimentos, nem que lhe toque demais... Mas eu vou fazer
ela se entregar de vez para mim. Ai se vou...
– Fogo!!! Fogo!!! – Vozes gritam lá fora.
–Fogo? – Puma me olha preocupada.
–Droga! – eu me obrigo a sair de dentro dela e me levantar.
Visto a calça e os mocassins às pressas e quando me viro
para dizer que não saia, ela já está ao meu lado vestida e abotoando
a blusa.
– Onde pensa que vai?
– Vou com você!
– Não, fique, pode ser perigoso!
– Posso ser útil! Não vou ficar aqui de braços cruzados! – ela
me desafia, erguendo o queixo.
Eu não resisto e beijo sua boca deliciosa, pegando-a de
surpresa, e me afastando, antes que esqueça que preciso sair.
– Vamos então, sua teimosa! – a pego pela mão e saímos.
Três ou quarto tendas estão em chamas.
Pessoas se juntam para pegar água e jogar nas tendas,
outras mantém longe crianças e animais. Ninguém pergunta nada,
por enquanto. Estamos todos ocupados com o fogo.
Eu e Puma buscamos água, juntos com outros. Mais uma vez
eu me orgulho dela. Ela nem pensou, pegou um balde e seguiu para
o rio. Poucas mulheres fazem isso, a maioria só olha.
Se passou muito tempo até que o fogo tenha sido domado,
pois de uma tenda ele passava para a outra. No final, teremos que
construir duas tendas inteiras amanhã e consertar mais cinco.
Olho em volta e não vejo Puma.
Onde se meteu?
– Minha mãe, viu Puma Pequena? – eu pergunto, quando ela
passa por mim.
Ela me dá um sorriso cheio de sabedoria.
– Vai finalmente pedir para se unir à moça, Coiote? Tomou
juízo?
– O quê? Não! Claro que não! Só quero saber onde está. Só
isso.
Minha mãe torce a boca, contrariada.
– A última vez que a vi, tinha ido ao rio...
Eu não espero ela terminar. Não estou gostando disso, não
estou mesmo!
Corro até o rio. É isso mesmo. Corro.
Quando chego lá, não escuto nada.
– Puma! – eu chamo.
– Coiote, me ajude! – a voz de Puma é angustiada.
Meu coração quase para.
Corro para mais perto do rio e a vejo dentro da água, agarrada
a uma grande pedra.
– O balde caiu e eu tentei pegá-lo, mas a correnteza é muito
forte aqui!
– Espere, minha branca, não se mexa, eu vou te tirar daí.
Eu jogo meus mocassins longe e pulo na água fria. Eu sei das
correntezas deste rio, eu cresci aqui. Chego até ela com facilidade.
– Coloque os braços ao redor do meu pescoço, isso. Não
tenha medo.
– Com você eu não tenho – as palavras sussurradas me
atingem a alma. Engulo em seco e dando vigorosas braçadas, eu a
tiro de lá.
Quando chegamos à grande pedra do outro lado, ela se solta.
– Se não sabe nadar muito bem, por que entrou até o fundo?!
Queria se matar?! – eu quase grito, ou grito, não sei bem.
Só sei que ela quase me matou do coração.
Vejo-a abrir a boca para falar algo, mas eu nem deixo,
agarrando-a e dando um beijo, espremendo os lábios dela com os
meus, invadindo tudo com minha língua.
Puxo o corpo molhado para junto do meu, a blusa branca se
cola ao seus seios e eu os toco por cima dela, depois a abaixo e os
sugo com vontade.
– Nunca. Mais. Me. Dê. Um. Susto. Destes! – eu digo
enquanto beijo, sugo, mordo tudo que encontro desta carne macia.
– Coiote... eu o quero outra vez... – ela arqueja e eu fico louco
de vez.
A pressiono em uma árvore grande e ergo suas saias,
retirando meu membro. Eu o esfrego nela, que está pronta para mim.
Eu a ergo e ela me enlaça com as pernas.
– Tudo bem? – eu pergunto, pois sei que ela fica
desconfortável assim, comigo de frente a ela.
– Anda logo! – é a resposta que me faz rir.
Então eu me enterro com força, como quero há muito tempo.
Ela morde meu ombro, geme em meu ouvido. Eu tento não
me ligar muito nisso, não quero perder o controle outra vez. Não!
Três seria demais!
Sinto que ela está à beira do orgasmo e mantenho o ritmo. As
carnes dela vão se fechando em volta de mim, me puxando mais
para dentro dela, como que sugando meu membro, como fez antes.
Eu trinco meus dentes. Não vou perder o controle...
– Ahhhhh, Coiote! Assim!!! Ahhhhh!
– Drogaaaaaaa, Puma!!!! – me cravo com força, com fúria,
para dentro dela, que continua me puxando e me apertando com seu
sexo!
– Inferno de mulher gostosa!!! – eu gemo em Cheyenne, mais
uma vez.
Três vezes. Eu preciso de ajuda. Urgente. Devo estar doente.
Ela me observa com aquele sorriso lindo de vitória nos lábios
inchados dos meus beijos e eu a beijo mais uma vez.
– Gostosa, gostosa, gostosa! Minha branca. Minha branca
gostosa – eu digo, beijando-a várias vezes e fazendo-a rir.
– Coiote! Você está aqui?! – a voz de Cavalo Alado se faz
ouvir.
– Sim. Já vou! – eu grito, saindo de dentro de Puma,
ajudando-a a se arrumar e me ajeitando em seguida.
Pego sua mão e vamos até onde Cavalo possa nos ver.
Ele fica surpreso quando vê Puma comigo e observa
atentamente nossas mãos juntas. Eu a aperto mais. Quero que todos
saibam que ela é minha. Só minha.
– Foram os Crows. O incêndio foi só uma distração.
Roubaram vários cavalos e duas mulheres. Estamos indo atrás
deles. Vem conosco?
– Claro!
Ele abaixa a cabeça, se vira e sai.
Eu e Puma voltamos à tenda, onde troco de roupas e pego
minhas armas.
Ela ficou em total silêncio. Quando a olho para me despedir,
ela se atira em meus braços e me abraça apertado.
– Sei que é um bravo guerreiro, mas tome cuidado. Ok?
Eu ergo seu queixo e a beijo na ponta do nariz.
– Ei! Sem medo, minha branca. Eu não sou só um bravo
guerreiro. Eu sou o melhor! – beijo-lhe os lábios – Prepare algo bom
para nós, porque eu vou voltar cheio de fome... De comida e de
você.
Ela sacode a cabeça e eu saio para encontrar os outros
guerreiros.
Talvez seja melhor ficar um pouco longe desta mulher mesmo.
Voltar a ser eu outra vez. Porque, sinceramente, não me reconheço
mais.
Daqui a pouco vou começar a babar quando olhar para ela.
Vou ficar igual a Entre Nuvens, que todos dizem tomou a poção do
bisão negro. Uma poção que nenhum dos nossos xamãs faz, porque
mexe com coisa proibida, mas dizem que quem toma, fica louco,
cego e faz tudo que a outra pessoa quer. E Entre Nuvens é assim
com sua mulher. Talvez Puma deve ter pedido um pouco dessa
poção para aquela outra!
Sim! Por isso eu não sou mais eu!
– Hummmm... como não pensei nisso antes?
– Falando sozinho, Coiote? Ficou louco? – Lobo Solitário dá
uma risada em cima de seu cavalo.
– Fiquei. Mas vou deixar de ser. Ou não me chamo Coiote
Grande! – digo a mim mesmo.
Vejo o outro erguer uma sobrancelha.
Então partimos todos à procura dos malditos Crows!

∞∞∞

*Crows = tribo norte-americana inimiga dos Cheyennes e Lakotas.


Capítulo 14 – Noiva?
Puma Pequena

Faz três dias que Coiote partiu com os guerreiros. Apenas três dias
e eu estou morrendo de saudades.
Eu o espero até tarde, todas as noites. Achei que ele chegaria
logo.
Por que demoram tanto?
Esta noite tive outro sonho ruim. Sonhei com Coiote ferido.
Sonhei que eu estava sozinha, não momentaneamente, como agora.
Não. Sonhei que estava sozinha no mundo, na vida.
Então me dei conta de que só tenho ele. Só ele no mundo
inteiro. Isso me dá medo.
Medo de perdê-lo, mas mais ainda... Medo que ele me
machuque. Não sei se ele é um homem que seja capaz de me fazer
feliz, unicamente porque eu só poderei ser feliz se ele for fiel a mim,
o que sei que é impossível para ele...
Ah, eu não deveria estar pensando nisso!
Eu deveria...
Vários gritos ecoam lá fora e sei que eles chegaram.
Eu corro para fora, com um sorriso nos lábios, abrindo
caminho em meio à multidão.
Vejo os guerreiros, vejo mais cinco mulheres... Mas Cavalo
Alado não disse que eram apenas duas?
E onde está Coiote?
Eu olho atentamente e noto porquê não o reconheci antes. Ele
está montando seu corcel malhado, mas não está só na garupa do
animal. Há uma indígena na frente dele. E ele está com o braço ao
redor da cintura dela...
...
O. Braço. Ao. Redor. Da. Cintura. Dela. Como. Um. Amante.
...
Respire, Puma. Não grite. Não faça nada.
Eu aperto os lábios, cerro os pulsos, me viro e corro de volta à
tenda.
– Desgraçado!!! Índio maldito!!! – eu ando de um lado para o
outro.
Tenho vontade de quebrar tudo, mas por saber que depois
serei eu que terei que limpar, não o faço.
O que eu achei? Que ele ficaria com saudades? Que iria me
esperar? Chegar, desmontar e me tomar nos braços?!
Droga! Era exatamente isso que eu esperava!!!
– Foi só um ferimento superficial, não estou aleijado! – a voz
de Coiote ecoa na tenda.
Me viro e vejo Cavalo Alado amparando o outro, que tem a
perna sangrando e está amarrada com um pedaço de pano.
Ele se senta nas peles e não me olha quando diz:
– Vá buscar Olhos Brancos, Puma.
– Bom ver você também, Coiote! Como passou estes três
dias? – eu o fuzilo com o olhar.
– Não estou para brincadeiras, Puma – ele ainda não me olha.
– Tampouco eu! – me viro e vou até a tenda da xamã.
Tenho um pouco de medo dela. É cega, mas é como se não
fosse. Parece que ver tudo, que sabe de tudo. Às vezes
conhecimento demais pode ser uma maldição. Minha mãe dizia isso.
– Olhos Brancos? Com licença... – eu entro na tenda e ela
está colocando coisas em uma sacola de couro. Não se vira quando
diz:
– O que foi, Puma Pequena? Ainda é cedo para me procurar...
Então o que é?
Ainda é cedo? Como assim? Já passa e muito do meio dia!
Do que ela está falando?
Ela se vira para mim, seu rosto muito enrugado e longos
cabelos brancos, assim como seus olhos.
– Coiote, ele foi ferido em combate, na perna...
– Oh, é isso? Ah, isso não é nada. Um ferimento sem
importância... Espere um pouco que eu pego tudo, então poderemos
ir.
Eu espero. Ela me lembra a minha avó paterna. Nossa, eu
morria de medo dela, era muito brava!
Eu sorrio ante a lembrança.
Ela pega no meu braço.
– Vamos, Puma. Ouvi dizer que tem olhos lindos. Azuis como
o céu ao meio dia.
Eu me surpreendo com a revelação.
– Quem lhe disse isso? – eu pergunto, levando-a para a tenda
de Coiote.
– Coiote Grande. Quem mais?
Eu fico em silêncio. Não quero pensar naquele outro!
Quando chegamos, eu não entro. Deixo-a na porta e saio dali.
Quero saber quem são as mulheres que vieram com os guerreiros.
Então eu vou ao lugar onde falam sobre tudo, a tenda das mulheres.
Um tempo depois lá e eu descubro que além, das duas
Cheyennes que foram levadas, havia com os Crows mais duas
Lakotas. E uma delas era filha do grande chefe daquela tribo e era
esta que Coiote abraçava em cima de seu cavalo. As mulheres
disseram que Coiote foi ferido quando salvava aquelazinha! Bem
feito!
Eu me afasto da tenda das mulheres. "Aquelazinha" chegou lá
e eu me seguro para não voar no pescoço dela... Feiosa! Magra
demais! Pele lisa demais! Seios pequenos demais! Pernas finas
demais! Sorriso falso demais! Cabelo liso demais! Tudo horrível!!!
Cuspo quando passo por ela. Ergo meu queixo e volto
pisando duro para a tenda.
Quando chego, Olhos Brancos não está mais lá. E Coiote está
com a perna devidamente enfaixada e erguida.
– Onde estava?! – ele pergunta estupidamente.
– Não é da sua conta! – eu digo, enquanto mexo nos
utensílios.
– Claro que é! Pode ter mais Crows, eles...
– Pois então agora está interessado no que pode acontecer
comigo?! Agora?! Mas há meia hora não?!
– Ora, Puma...
– Com licença! Coiote... – uma voz feminina com sotaque
estranho soa na porta.
"Aquelazinha" está aqui.
– Relva Macia, entre.
Relva Macia?! Macia?! Isso aí não tem nada de macio!
Eu encaro a mulher, que entra me dando um olhar rápido e se
senta na frente de Coiote.
– Vejo que já cuidaram de sua perna. Eu fiquei tão
preocupada... – ela toca a perna dele.
Eu pego uma tigela com força. Vou quebrar a cabeça dela!
– Não foi nada. Amanhã já estarei correndo outra vez... – ele
sorri para ela.
Eu acho que vou vomitar.
– Meu pai vai ficar muito contente quando eu contá-lo como
me salvou... – ela me olha e depois para Coiote.
– Quem é ela, meu Coiote?
MEU COIOTE?!!!
Eu vou fazer com esta horrorosa o que John me ensinou,
quando éramos menores... Derrubar no chão, subir em cima e
encher de tapas.
– É minha escrava. Puma, vá buscar água. – Eu ouvi direito?!
– Agora, Puma.
Eu estou com tanto ódio que saio, em minutos encho o balde
e volto. Quando entro, eles estão de mãos dadas.
– ... Quando nos unirmos, eu vou vender esta escrava. Não
gostei do jeito que ela me olhou...
Ela diz quando eu entro.
– Puma é uma boa escrava. Não penso em me desfazer dela
– ele me olha de canto de olho.
– Vão se unir, então? – eu pergunto sem emoção.
– Depois que Coiote falar com meu pai, mas sei que ele dará
sua benção.
Coiote não fala nada, apenas me olha.
– Oh, que bom! – eu digo com um sorriso. – A escrava aqui
vai preparar algo para vocês comemorarem!
Eu me aproximo, ainda com o balde na mão.
– Que tal um banho?! – e atiro com força a água nos dois.
A mulher grita, Coiote ruge.
– Eu sou sua escrava porque quero, seu idiota! Se eu
quisesse, já teria ido embora daqui. E você, sua burra, vai se casar
com o homem mais sem–vergonha da tribo. Ele se deita com uma
mulher diferente ou duas todas as noites! Pergunte a qualquer uma!
E quanto a não querer se desfazer da escrava aqui, é só porque ele
tem montado esta branca gostosa nos últimos dias!!! E quer
continuar! Não é, Coiote Grande?!!!
Coiote está vermelho e se firma para ficar em pé. Está
encharcado.
A moça diz algo na língua dela e corre porta afora.
– Está louca, Puma?! – ele grita.
– Falei alguma mentira?
Ele me olha dos pés à cabeça.
– Não sei o que eu vi em você – isso é como levar um soco,
só que pior.
Eu ergo o meu queixo, para não demonstrar como isso me
magoou.
– Eu tenho nojo de mim mesma por ter deixado um selvagem
ignorante como você me tocar.
Eu me viro e saio dali, mas antes eu escuto.
– Não volte aqui! Você agora é de Olhos Brancos!!!
Eu corro e vou em direção ao grande rio. As lágrimas e os
soluços não me deixam ver e nem ouvir direito, mas eu tenho que
me afastar. O grande rio é local proibido, pois fica longe e é muito
perigoso, as águas são profundas e turbulentas, mas o local é muito
bonito e tranquilo.
Quando chego lá, eu ainda estou atordoada com os
acontecimentos...
Como em apenas três dias, Coiote me volta com uma noiva?
Ele, que disse que nunca mais iria se unir a ninguém... Será que é
por ser filha do chefe? Assim traria o respeito que acha que perdeu
de volta... Mas, não. Não pode ser apenas isso. Ele não pode ser tão
estúpido!
Gemidos se fazem ouvir e vejo que a alguns passos de mim
um casal está em pleno ato.
Eu dou um passo para trás.
– Lírio do Campo, como senti sua falta...
Ai, meu Deus! Lírio e Cavalo estão aqui! Ai, o futuro chefe vai
me expulsar se achar que eu estou espiando...
– Sentiu falta do meu corpo, não é, Lobo Solitário?! – ela
responde entre um gemido e outro.
O quê?! Esta safada está traindo Cavalo Alado?! Minha mãe
do céu!!
Eu dou mais um passo e mais um e piso em um graveto.
Lírio levanta a cabeça e me vê. Eu ergo as mão e balanço a
cabeça. Movo os lábios em um “não vi nada”.
E corro para longe.
O que faço agora? Coiote vai se casar com aquelazinha. E eu
terei que vê-lo todos os dias feliz com outra?
Eu tenho que dar um jeito de sair daqui.
Capítulo 15 – Noiva? (Versão Coiote)
Coiote

Três dias que deixei a aldeia. Enfim vamos chegar.


O trote do cavalo faz o ferimento da minha perna latejar.
Maldito Crow!
Não esperava que aquele desgraçado ainda estivesse vivo,
mas o louco ressuscitou do inferno para cravar a machadinha na
minha perna! Miserável!
Mas com isso eu consegui a atenção de Relva Macia, filha do
chefe Búfalo Pardo, da importante nação Lakota...
Não vou negar que o interesse que ela demonstrou me
pareceu muito bom. Ter uma esposa que é filha do chefe me traria
muito respeito. O maldito respeito que perdi quando Ave Branca
fugiu com aquele mercador.
Mas não esperava que ela me procurasse noite passada.
Mesmo machucado, ela deitou-se comigo e enquanto todos
dormiam, me tocou.
Eu não poderia afastá-la. Sou Coiote Grande! Por que
afastaria uma mulher? Só porque ela não tem enormes olhos azuis?
Por que não tem a pele branca e macia? Ou por que não sinto a
maldita dor no peito quando ela está perto?
E quem quer dor no peito, inferno?!
Quem quer se sentir sem controle, sem se entender, ou sentir
que está caindo de uma altura muito grande e não sabe o que vai
acontecer?
Eu não quero sentir isso! Não quero pensar em olhos azuis,
ou ter dores no peito! Não quero sentir essa apreensão, nem este
tumulto dentro de mim!
Ela mexeu, tocou, fez o que quis. Depois eu fui o Coiote que
sempre fui. A montei como fiz com tantas antes dela, mas após ela
atingir o orgasmo, eu simplesmente saí dali. A vontade de continuar
me abandonou. E meu orgulhoso membro esmoreceu
envergonhado.
Vergonha não sei do quê! Eu não tenho nada com Puma! Ela
é minha ESCRAVA. É branca!
Por mais que eu tente negar, foi por causa dela que fiz isso.
Foi por causa dela que não consegui continuar o ato, porque não era
ela.
Maldição! Branca bruxa!
Aleguei que estava com muita dor na perna, o que não
deixava de ser verdade... Relva Macia não se importou, já estava
saciada, mas quando ela se aconchegou a mim para dormir, eu me
levantei. Não consegui ficar ao seu lado.
Pela manhã, ela já falava em união. União. Há muito esta não
é mais uma opção para mim, mas acho que com a filha de um
importante chefe, a coisa poderia ser diferente...
E agora eu tenho Puma.
Um sorriso se abre nos meus lábios.
Posso ser casado e adquirir meu respeito novamente, e ter
Puma para me servir... Só de pensar nela, meu corpo reage e o
sangue corre louco outra vez. Ela cuida da tenda e de mim... Não
importa que Relva Macia não desperte tanto interesse em minha
cama, sempre terei Puma. E ainda posso achar uma segunda
esposa, assim como meu pai. Terei duas, três nativas e uma
branca... Serei casado, mas ainda serei eu. Senhor de minhas
emoções. Sem dor no peito. Sem saudade que não me deixa dormir.
Puma será apenas a escrava que é. Nada mais.
Sim. O futuro me parece muito bom.
Quando enfim avistamos a tribo, Relva puxa mais meu braço
em volta de si. Apesar de estar sentada na minha frente, eu tinha me
esquecido completamente de sua presença.
Inferno! Só consigo pensar naquela bruxa!
Eu a aperto mais, tentando afastar Puma dos meus
pensamentos. A multidão nos cerca feliz.
Olho ao redor. Nem sinal de Puma.
Como assim?!
Onde ela está? Por que não está aqui, pulando e sorrindo de
alegria em me ver?!
Inferno!!! Se Falcão Negro não estivesse conosco, eu acharia
que...
Tiram Relva do cavalo e eu desmonto cambaleante. Onde se
enfiou aquela branca?
– ... não é, Coiote? – Relva pisca os olhos para mim.
– Sim – eu respondo a não sei o quê.
Também nem me importo, quero saber onde aquela ingrata se
meteu!
Caminho em direção à minha tenda, mas a perna maldita não
quer acompanhar meu movimento e eu quase caio. Cavalo estava ao
meu lado e me ampara.
– Acho que o esforço da noite passada para esquecer certos
olhos azuis não fez muito bem à sua perna... – ele cochicha em
Cheyenne para mim.
– Vá para o inferno, Cavalo!
Cavalo sacode a cabeça e me ajuda a ir para a tenda, apesar
de meus protestos.
– Foi só um ferimento superficial! Não estou aleijado! – eu lhe
digo, já na entrada de minha tenda.
Então, aí está ela! Nem se deu ao trabalho de andar alguns
passos para me saudar, como o resto da tribo! Três dias longe e ela
nem ligou, enquanto eu nem consegui dormir!!!
Desvio o olhar, a maldita dor no meu peito está aqui outra vez!
O tumulto, a insegurança... Droga!
Me sento nas peles e sem olhar para ela, eu digo:
– Vá buscar Olhos Brancos, Puma.
Ela não se mexe. Vejo pelo canto do olho que ela está parada
me encarando. Quando ergo as vistas e a vejo, toda a ideia de
casamento, Relva e segunda esposa me parecem ridículas. E o que
fiz ontem me faz ter raiva de tudo, inclusive de mim mesmo, mas
mais ainda de Puma. Olho outra vez para o chão.
– Bom ver você também, Coiote! Como passou estes três
dias? – a voz dela é irritada, parece que não gostou da minha volta!
O que estava aprontando que não me quer por aqui?
Ah, sim! É isso!!! Ela não me quer por aqui porque tem outro!
Está com outro! Eu passo o maior sufoco da minha vida, me
controlando e me sentindo estranho, para fazê-la perder o medo de
ser tocada, e mal viro as costas, ela é tocada por OUTRO?!
Quem será? Eu vou matar o desgraçado! Vou arrebentar ele!
– Não estou para brincadeiras, Puma – digo entredentes,
ainda analisando mentalmente quem pode ser o desgraçado com
quem Puma está se encontrando...
– Tampouco eu! – ela diz e sai pisando duro.
– O que a moça lhe fez, Coiote? – Cavalo está de pé, me
olhando de braços cruzados.
– Ela é uma bruxa, Cavalo! Não a deixe chegar perto de você!
Para o bem da tribo, ela não deveria chegar perto de ninguém! – é,
isso seria bom.
Cavalo ergue uma das sobrancelhas e solta uma gargalhada.
– Uma bruxa? Ela jogou um feitiço em você? Por isso ficou
suspirando durante três dias?
Eu me surpreendo.
– Eu não suspirei coisa nenhuma!
Suspirei? Merda!
– Oh, sim. Eu estava do seu lado o caminho todo. Suspirou
tanto que os outros já estavam contando as vezes... E você nem
notou.
– Era isso que contavam o tempo inteiro? – eu estou
atordoado.
Lembro deles gritando o caminho todo... 7!... 19!...54!... mas
não entendi o que era! Pelo Grande Espírito! Que vergonha!
– Ora! Eu estava suspirando de dor, minha perna estava
doendo! – torço a boca.
– Desde que saímos daqui? Tudo bem, Coiote. Puma é uma
mulher bonita e decente, fará qualquer um que ela "enfeitice" feliz...
– Ela é branca! E minha ESCRAVA. Apenas isso! – digo
entredentes com raiva.
– Se realmente pensa assim, então é um tolo maior do que eu
pensava – dizendo isso, ele sai.
– Tolo?! Eu não sou tolo! Vou provar para todos aqui que
mulher nenhuma me faz de tolo, muito menos uma branca!!! – eu
grito, mas ele já foi.
Inferno!
Quando Olhos Brancos entra, eu já estou querendo socar
alguma coisa.
– Arranjou mais uma cicatriz, Coiote Grande? – a velha xamã
pergunta, já cortando o tecido da minha calça e limpando o
ferimento.
– Ah, é. Cicatriz é o que não falta em mim... – torço a boca,
revirando os olhos.
– Algumas são mais difíceis de curar que as outras, não é?
– Se está falan...
– Shhhhhh! Não me interrompa! Estou falando!
– Mas a senhora me pergun...
– Shhhhhh!
– Mas...
– Shhhhh! Coiote teimoso! Sempre foi teimoso como uma
mula surda, mas achei que não era tão burro quanto uma!
Eu abro a boca para retrucar e levo um safanão na cabeça.
– Ai!
– Quando vão se unir? – ela pergunta.
Como ela soube tão rápido que eu quero me unir a Relva
Macia? Olhos Brancos sabe realmente de tudo.
– Eu vou falar com o pai dela, quando...
Levo outro safanão.
– Eu me refiro à moça com olhos cor de céu! Coiote tolo!
– A moça... ? Puma? Não. Eu não vou me unir a Puma! De
onde vocês estão tirando essas ideias?! Todo mundo resolveu querer
que eu me una a Puma?! Não veem que ela é minha ESCRAVA?
Cabeça de Urso também tem escrava e ninguém fica dizendo para
ele se unir a ela!!! – eu digo indignado.
– Cabeça de Urso não fez com a escrava dele o que você fez
com a sua. E nem está apaixonado por ela como você – ela fala
calmamente.
– Mas eu... eu.. Eu não estou! Apaixonado! Imagina! Nunca!
Uma branca! – eu balanço a cabeça veemente.
– Infelizmente, tem pessoas que não reconhecem os
presentes que o Grande Espírito coloca em suas vidas, a não ser
que o percam. O que é uma pena, pois evitaria grande sofrimento.
Ela termina o curativo com um nó forte, se levanta e se vai,
me deixando com a boca aberta.
Imagine! Eu apaixonado! Hunf!
E onde foi parar essa escrava? Cadê Puma?
Muito, muito, muito tempo depois a safada chega. No mínimo
estava com o amante!!!
– Onde estava?! – eu pergunto assim que ela entra.
– Não é da sua conta! – ela diz, como se nada tivesse
acontecido, mexendo nas coisas.
– Claro que é! Pode ter mais Crows, eles... – jogo esta, para
ver se ela se entrega e diz que estava "protegida".
– Pois então, agora está interessado no que pode acontecer
comigo?! Agora?! Mas há meia hora não?! – outra vez está furiosa.
Eu estreito os olhos e começo o que quero dizer, desde que vi
que ela não estava com os outros me esperando, que sei que ela
tem outro!
– Ora, Puma...
– Com licença! Coiote... – a voz que falou até meus ouvidos
doerem na viagem de volta se faz ouvir e me interrompe, me
obrigando a soltar um:
– Relva Macia, entre.
Ela entra dando um olhar rápido para Puma e depois para
mim.
– Vejo que já cuidaram de sua perna, eu fiquei tão
preocupada... – ela diz tocando-a.
Sim, pelo menos alguém aqui ficou!
– Não foi nada. Amanhã já estarei correndo outra vez... – eu
digo sorrindo para ela, para Puma ver como se deve tratar Coiote
Grande!
– Meu pai vai ficar muito contente quando eu contar como me
salvou... – ela olha outra vez para Puma, parecendo incomodada
pela presença da outra.
– Quem é ela, meu Coiote?
MEU COIOTE?!!!
Quase engasgo com essa. Não gostei disso. Eu não sou de
ninguém! E se esta aí acha que vou ser dela, acho melhor
conversamos o quanto antes!
– É minha escrava – digo alto, para nenhuma das duas ter
dúvidas. – Puma, vá buscar água. Agora, Puma! – eu reforço
quando ela continua parada com olhar assassino.
Eu dou um sorriso, parece que ela não gostou de Relva...
Esta aproveita que a outra saiu para pegar a minha mão e
tenta me dar um beijo na boca. Eu fecho os lábios e faço um bico.
Beijar ela não me parece nada atraente. Queria poder estar assim
com aquela que acabou de sair... Isso não está certo.
Inferno! Oh, Grande Espírito, vou fazer merda outra vez.
Limpo a garganta e começo:
– Relva, eu preciso falar com você sobre esta união...
– Oh, Coiote! Eu tenho tantas coisas para lhe dizer, mas por
primeiro, quando nos unirmos, eu vou vender esta escrava. Não
gostei do jeito que ela me olha...
Então eu vejo Puma entrar, pelo canto do olho.
– Puma é uma boa escrava, não penso em me desfazer dela
– eu digo.
E não penso mesmo.
– Vão se unir, então? – ela pergunta sem nenhuma emoção,
parecendo até estar feliz!!!
– Depois que Coiote falar com meu pai, mas sei que ele dará
sua benção – Relva diz, antes que eu possa abrir a boca.
Eu ainda continuo olhando para Puma, avaliando a sua
reação.
– Oh, que bom! – ela diz isso com um sorriso! – A escrava
aqui vai preparar algo para vocês comemorarem!
Ela se aproxima.
– Que tal um banho?! – e atira com força o balde inteiro de
água em cima de Relva e de mim.
Encharcado, eu a escuto gritar:
– Eu sou sua escrava porque quero, seu idiota! Se eu
quisesse, já teria ido embora daqui. E você, sua burra, vai se casar
com o homem mais sem–vergonha da tribo. Ele se deita com uma
mulher diferente ou duas todas as noites! Pergunte a qualquer uma!
E quanto a não querer se desfazer da escrava aqui, é só porque ele
tem montado esta branca gostosa nos últimos dias, e quer continuar!
Não é, Coiote Grande?!!!
Eu me levanto com dificuldade, a água ainda caindo.
– Você é um ordinário! – Relva diz em Lakota e corre porta
afora.
– Está louca, Puma?! – eu grito, a raiva tomando conta de
tudo, mas não sem um certo alívio.
– Falei alguma mentira? – ela me fuzila com os lindos e
enormes olhos azuis, fazendo eu mais do que nunca odiar a maldita
dor no peito que sinto cada vez que olho para ela. Miro-a dos pés à
cabeça, com meu coração aos saltos.
– Não sei o que eu vi em você... – eu digo ainda a avaliando.
... e que me fez virar este idiota!
Eu completo em pensamento.
Ela ergue o queixo, me enfrentando.
– Eu tenho nojo de mim mesma por ter deixado um selvagem
ignorante como você me tocar – diz isso, se vira e sai.
Selvagem ignorante?
Eu estava prestes a terminar uma possível união com a FILHA
DO CHEFE LAKOTA por causa desta ESCRAVA BRANCA e ela diz
que tem nojo?! NOJO?!!
Sinto como se meu coração tivesse sido arrancado do peito, a
dor é quase física.
– Não volte aqui! Você agora é de Olhos Brancos!!! – eu grito
a plenos pulmões.
Se Olhos Brancos gosta tanto dela, que fique com ela para si!
Eu, selvagem ignorante?! Nojo de mim?!
Pois bem! Agora ela vai ver quem é o selvagem ignorante!
– Inferno!!! – eu grito para o nada.
Capítulo 16 – Alguém do Passado
Puma Pequena

Quantos dias se passaram desde que sai da tenda de Coiote?


Não sei.
Fiquei um tempo com Chuva Forte, a mãe de Coiote e agora
estou com Olhos Brancos.
Ao todo, talvez um mês. Não sei bem.
O fato é que estou me sentindo sobrando. Não sabem onde
me colocar. Não tenho um lugar certo. Olhos Brancos é cega, mas
não parece. Ela não precisa de mim, e o pior é que eu apenas a
atrapalho. Se ela coloca algo em um lugar e eu o tiro, ela não o
encontra mais.
Acaba que eu passo quase todo meu tempo na rua,
preenchendo-o com coisa alguma.
Não ando me sentindo muito bem, por isso não dou mais
minhas grandes caminhadas. Da última vez, tive uma forte tontura...
Claro, não tenho me alimentado direito... Não tenho fome e nem
vontade de comer.
Faz mais de dez dias que não vejo Coiote. Na verdade, eu
pouco o vi neste tempo todo, parece estar me evitando... Ele ficou
um tempo com os Lakotas, imaginei que voltasse casado, mas não.
Voltou só. Depois foi para outra batalha contra os Crows. E agora foi
ajudar os Arapaho, outra tribo aliada, parece que o exército andou
matando alguns destes.
Não sei o que pensar. Não sei o que sentir.
Tudo o que senti por ele ainda está aqui, com a única
diferença que agora está mergulhado na tristeza. Não tenho mais
vontade de falar. Me pego pensando nele e as lágrimas caem. Tenho
pensado muito na minha família também e em minha "sorte". Nunca
fui chorona, mas ultimamente parece que chorar é a única coisa que
faço.
Dez dias atrás eu encontrei Coiote, quando estava indo ao rio.
Ele voltava, com os cabelos pingando água e vi Água Mansa vir logo
atrás, também molhada.
Coiote não me olhou quando passou por mim, mas eu o
encarei dos pés à cabeça e cuspi bem na frente dele.
– Que nojo! – eu disse entredentes.
Isso fez ele parar e me encarar, depois puxou Água Mansa
para si.
– Eu a deixo enojada, Água Mansa?
Ela riu como uma rapariga.
Eu me afastei, de cabeça erguida.
– O que esperar de porcos, a não ser que rolem na lama? –
eu digo por sobre o ombro.
Vi a mulher ficar indecisa quanto a ter sido ofendida ou não.
Coiote a empurra suavemente.
– Vai indo, Água... Eu tenho que...
Eu não o escutei mais, caminhei até a grande pedra e quando
estava começando a tirar minhas roupas, eu ouvi:
– Puma! O que... – a voz de Coiote às minhas costas me fez
virar e ele se calou abruptamente.
Eu joguei a minha blusa na pedra e desci a saia e a ceroulas
juntas.
Ele arregalou os olhos e observou tudo de boca aberta, quase
babando.
Eu ergui o queixo.
– Puma... Por favor... – ele começou com a voz mansa e
baixa, bem diferente de antes.
Então eu escutei uma voz diferente, em alto e bom som:
– Pelo Grande Espírito! – Falcão Negro estava atrás de Coiote
e me olhava, chocado e admirado.
Eu sorri para ele e virei de costas, fui para dentro da água, me
lavando com pressa.
A vergonha me queimava tudo por dentro, mas eu não daria o
braço a torcer. Coiote estava com Água Mansa, eu poderia ter
atenção de Falcão Negro, nem que fosse só por um segundo!
– O que faz aqui?!! – Coiote urrou com o outro.
Eu continuei de costas, mas ouvindo tudo.
– Eu pensava em me banhar, mas agora a única coisa que
quero é ter uma conversa com Olhos Brancos! – ele soltou um
assovio.
– Você não vai falar com ninguém!!!
– Você não a quis!!! Eu quero! Agora mais do que tudo! Olhos
Brancos não vai negar a minha oferta... – o som de uma batida é
ouvido e Falcão se cala.
Me virei e vi Falcão caído no chão, um filete de sangue
escorrendo pelo canto da boca. Coiote avançava contra ele outra
vez, enquanto dizia:
– Ninguém vai tocar nela, muito menos você!!!
Eu saí da água e me enrolei no pano grande.
– Pare já com isso, Coiote! – eu fiquei entre ele e o outro. – Vá
bancar o ciumento com suas amantes, não comigo!!! Eu aceito a
atenção de Falcão se quiser! Isso é entre ele e eu!!!
Ergui bem o queixo, desafiando-o.
Achei por um momento que ele iria fazer alguma coisa, quase
esperei ele me jogar nos ombros e me levar, como daquela outra
vez... Mas ele apenas gritou:
– Ótimo!!! Aproveite a branca, Falcão! A monte até se cansar!
Eu não me importo!!! – ele se virou para sair, pisando duro.
– Sim, ele vai montar com vontade, pois eu vou deixar!
Sinceramente não acredito que disse isso, mas eu disse. A
raiva era tanta que eu teria dado um soco nele, se ele estivesse mais
perto.
Coiote parou, virou para mim e o vi ficar lívido. Achei que
agora ele faria uma loucura, mas Falcão se colocou na minha frente.
– Está na hora de ir, Coiote! Já fez e disse tolices demais!
Coiote olhou para mim e depois para Falcão.
– Ela vai acabar com sua sanidade! Vai te deixar louco! Vai te
enfeitiçar e depois que bagunçar toda a sua vida, irá embora!!! E
será bem-feito!!! – ele gritou e desta vez se foi.
Falcão se virou para mim e eu recuei um passo.
– Não precisa se preocupar, Puma. Não acreditei no que
disse. Só um tolo como Coiote levaria a sério o que uma mulher
apaixonada diz em um momento de ciúmes e raiva – eu arregalei os
olhos para ele. – É. Eu encontrei Água Mansa quando estava vindo...
Mas saiba que se mudar de ideia, eu ainda gostaria de tê-la como
esposa.
Ele deu um sorriso bonito e eu desviei o olhar.
– Eu... eu não...
– Tudo bem, eu entendo. Coiote é um burro de sorte. Pena
que não deixa de ser um burro. Vou dar uma volta para você poder
se vestir, tomo meu banho mais tarde.
Ele sorriu mais uma vez e se foi.
Depois deste episódio, não vi mais Coiote.
Às vezes eu encontro com Falcão, mas eu não o deixo se
aproximar. Eu não esqueço o que ele disse sobre Coiote poder me
dar uma lição, contanto que não marcasse meu rosto. E ele não é
uma pessoa boa.
Mas a verdade é que aqui eu nunca vou deixar de ser uma
escrava. Nunca me verão como uma igual.
As malditas lágrimas enchem meus olhos outra vez.
Gritos de Vitória e alegria são ouvidos e eu sei que os
guerreiros chegaram.
Eu não me mexo, continuo sentada no alto de uma colina, de
onde posso ver grande extensão da planície, onde os bisões
passeiam livremente.
Mas outro som se faz ouvir, não é apenas a alegria da volta,
há algo além, um lamento e gritos de raiva.
Eu me levanto de um pulo e corro.
Terá acontecido algo ruim? Coiote está bem?
Oh, Deus, não permita!!!
Empurro as pessoas do caminho e me coloco bem na frente
de todos.
Vejo os guerreiros, consigo distinguir Coiote alto e garboso em
cima do seu cavalo e meu coração bate de alívio.
Então o que...?
É neste momento que eu vejo. Atrás do cavalo de um deles
vem alguém amarrado pelas mãos e caminhando, meio caindo.
Um soldado vestido de uniforme azul e com cabelos louros.
Eu o avalio com atenção. Faz tempo que não vejo nenhum
branco como eu...
Ele é forte, tem o rosto e roupas sujas e está bastante
machucado.
– Ele matou o filho de Vento Uivante! – ouço um dizer.
– Vento merece sua vingança! – mais um diz.
Vão matar o moço! Que horror! O trouxeram para o velho
Vento Uivante matá-lo.
Então o soldado se ergue, levanta o queixo e seu olhar
encontra o meu.
Eu fico em choque! Dou alguns passos para frente.
Os cavaleiros param diante da minha reação e do homem,
que não volta a andar, por mais que puxem sua corda.
– Elizabeth?! Lizie?! – a voz dele falha de emoção – Perdão,
Lizie... – ele ainda não se move e agora ninguém mais da tribo
também.
– Lincoln?! – eu hesito.
E me jogo nos seus braços, o abraçando e chorando por toda
a minha desventura depois que saí de minha cidade natal. Mesmo
ele tendo agido mal. Mesmo tendo sido um safado... Mas aprendi
que existem homens muito mais cruéis e safados que o rapaz que
me pediu a minha inocência e não soube aproveitá-la. Um rapaz que
se criou comigo, de quem fui amiga e apaixonada quase a vida toda.
E que agora será morto, como minha família. E que assim como a
ela, não posso fazer nada para evitar.
Capítulo 17 – Grávida?
Lincoln me aperta em seus braços e eu me deixo ficar por alguns
segundos, até que alguém o arranca de mim.
– Está louca, Puma?! – Coiote urra, segurando Lincoln. E
olhando em volta, noto que todos estão nos observando em silêncio.
Eu o ignoro.
– Cavalo Alado, por favor. Eu conheço este homem... –
Cavalo ainda está em cima de sua montaria, e quando abre a boca
para falar alguma coisa, Coiote o interrompe:
– Oh! Claro! A tribo inteira já notou isso!!! Conhece de onde?!
– Coiote está aos berros e eu o encaro depois de dez dias.
– Ele era meu namorado, meu homem e iríamos nos casar!!! –
eu grito a mentira na cara dele. Vejo-o arregalar os olhos e engolir
em seco.
– Seu... HOMEM?!!! – Coiote dá um passo à frente, me
olhando como louco, depois volta-se para Lincoln e o pega pelo
pescoço, erguendo-o do chão.
Vejo o outro ficar vermelho e ninguém fazer nada para parar
Coiote.
– Solte-o! Vai matá-lo!!! – eu grito, socando as costas dele.
– Que diabo de homem é você?! – ele nem nota meus
esforços e grita para Lincoln, que sem fôlego balança as pernas no
ar. – Onde você estava quando todas as desgraças aconteceram a
ela?! Homem droga nenhuma!!! – ele joga Lincoln uns três metros
longe.
Eu não sei o que fazer, por isso só o encaro.
– Só não o mato porque é honra de Vento Uivante! – ele me
encara com os olhos faiscando de raiva, segura minha mão e tenta
me arrastar para longe.
– Não sou mais sua escrava! – eu grito, me livrando do seu
toque.
Ele me fuzila com o olhar, abre a boca para falar alguma
coisa, porém é a vez de Cavalo Alado interrompê-lo:
– Coiote Grande, está reivindicando Puma para si?
Coiote o olha como se este tivesse falado o maior absurdo do
mundo.
– Não diga besteiras, Cavalo!
– Então deixe-a – Cavalo Alado me observa. – Não posso
fazer nada, Puma. Nossa tradição diz que apenas Vento Uivante tem
o direito de decidir sobre a vida dele. Desculpe. – Ele me lança um
olhar de pesar.
Fico estática observando-os voltarem a levar Lincoln até o
centro da aldeia e o amarrarem próximo à grande tenda.
Ao que parece, Vento Uivante está em caçada e ainda não
voltou.
Todos passam e cospem em Lincoln, demonstrando seu
ultraje, sua dor pela perda do jovem guerreiro que dizem ele matou,
mas estranhamente ninguém toma conta do prisioneiro. O amarram
de um jeito atipíco, prendendo-o à própria terra, com mãos às costas,
assim como seus pés.
Lincoln me dá um olhar triste e deixa a cabeça cair,
desanimado, ou apenas aceitando seu destino.
Eu corro para longe, chorando.
Vou outra vez ao lago, o lugar onde gosto de ir para pensar.
Preciso ajudar Lincoln! Preciso fazer algo. Mas o que? Como?
Ando de um lado para o outro...
– Então, aquele branco bonito era seu homem? – a voz
feminina fala atrás de mim.
Me viro e dou de cara com Lírio do Campo se aproximado
com um sorriso no rosto.
– Sim... – eu respondo baixo, com uma sobrancelha
arqueada.
A súbita simpatia dela me parece sinistra.
– Oh, que pena! E agora ele vai morrer! – ela cobre a boca
com a mão, parecendo realmente chocada. – Mas talvez seja melhor
assim... Acho que ele não gostaria de saber que sua mulher está
grávida de outro.
Eu a olho, sem entender a que ela se refere.
– Mulher? Grávida? Que... – pisco várias vezes.
– Não sabia ainda? Como pode ser? Eu não a vejo na tenda
das mulheres há dois ciclos!
Meu coração quase sai pela boca. Dois ciclos? Eu... eu
estou...? Não! Não pode ser! Mas a verdade é que eu nem me dei
conta. Estava ocupada demais pensando em Coiote, ou tentando
NÃO pensar nele.
Coloco a mão instintivamente sobre a barriga.
– Estou grávida? – a surpresa está na minha voz.
– Graças ao Grande Espírito não contou ao Coiote! – ela
continua em tom de preocupação.
– Como... Como assim? – eu pergunto devagar.
– Ora, Puma. Não sou boba. Eu vejo como você olha para
ele... Vi como ele reagiu ao seu branco... Ele é o pai desta criança,
mas ele não irá aceitar... Coiote nunca aceitaria um filho mestiço! Ele
é talvez quem mais deteste brancos em nossa tribo, imagine um filho
mestiço! Ele nunca iria aceitar...
– Não me importo se ele aceita ou não! Ele não...
– Oh, Puma! Você é tão ingênua! Coiote pode fazer qualquer
coisa para este bebê não nascer! Ainda mais agora, que está
morando com Olhos Brancos... Basta um chá, uma poção e puft!
– Olhos Brancos não faria isso! Coiote não faria isso! – a
frieza com que diz estas coisas terríveis fazem meu sangue ferver.
Ela olha para mim com olhar de pena.
– Coiote não te ama, Puma. Se amasse não teria se desfeito
de você.
– Eu sei... – eu digo de olhos baixos. A verdade dita assim, na
minha cara, doeu mais do que quero demonstrar.
– E tem mais... Brancas não sabem ganhar bebês como
nativas. Vocês morrem. Desculpe falar assim, mas é verdade. Se por
um acaso você conseguisse proteger esse filho de Coiote e Olhos
Brancos... Como você iria ganhá-lo? Se toda branca que viveu entre
os do nosso povo morreu ao dar à luz? Com quem ficaria seu filho?
Isso se ele sobrevivesse, claro!
– Cale-se, Lírio! Não quero mais ouvir! – meu peito dói
terrivelmente e meus olhos ardem pelo esforço em não derrubar
nenhuma lágrima.
– Oh, sua ingrata! Venho lhe trazer a solução para seus
problemas e de seu branco e você me trata assim? Pois bem...
– Não! Espere! – Chamo quando ela tenta se afastar. – A qual
solução se refere?
Ela me dá um sorriso bonito.
– Fugir. Você deve fugir e levar seu branco. Pelo bem de
todos e principalmente pelo seu filho.
– Fugir? Como farei isso?
– Escute bem, Puma: O velho Vento Uivante não volta hoje.
Então quando anoitecer, solte seu homem e sigam montanha acima.
A noite terá lua plena e então poderão ver o caminho que dá para a
passagem do bico curvo. É um declive entre três pedras pontudas,
impossível não ver. Pelas primeiras horas da manhã, passa por ali
esta época uma diligência a caminho da cidade dos brancos. Vá e
não volte.
Eu pego as mãos dela, as lágrimas inundam meus olhos.
– Obrigada, Lírio do Campo. Muito obrigada! Por isso irá se
casar com Cavalo Alado, é boa e honrada como ele! – eu a abraço
em minha felicidade.
Agora tudo se resolveria. Salvaria Lincoln, salvaria meu filho e
me afastaria de Coiote. Oh, Lírio do Campo é realmente uma boa
pessoa!
Capítulo 18 – Forte
Não foi fácil. Achei que seria, mas não foi.
Estamos Lincoln e eu na diligência que vai até a cidade. Como
não temos dinheiro para pagar, o velho cocheiro aceitou levar Lincoln
até o Forte onde ele está recrutado e lá acertar o pagamento.
Quando a noite caiu, eu saí sorrateiramente da tenda e fui ver
Lincoln, consegui soltá-lo quando ninguém estava olhando. Graças a
Deus, ele estava bem e não precisou de ajuda para percorrer o duro
caminho até a estrada.
– Não sei ainda como agradecê-la, Elizabeth! – ele pega
minha mão e me olha com olhar carinhoso pela primeira vez desde
que entramos na grande carruagem. – Quando a vi naquele
momento, eu achei que era um aviso de Deus pelos meus pecados.
Eu deveria ter ido falar com seu pai... Eu deveria ter impedido... Mas
eu era tão covarde... Tão idiota! Eu... Eu sinto muito, Elizabeth.
– Eu também, Lincoln. Eu também. – digo com tristeza.
Se ele tivesse falado com meu pai, talvez eles não tivessem
saído da nossa cidade e ainda estivessem vivos.
– Eu sou só um pobre soldado, mas se me aceitar agora, eu
posso me redimir do que fiz...
O pedido me pega desprevenida. Contei a minha história para
ele enquanto estávamos fugindo. Contei do ataque que matou meus
pais. Contei sobre Coiote, sobre ter sido escrava, mas foi só. Há uma
coisa a mais que ele precisa saber.
– Estou grávida, Lincoln. Grávida de Coiote.
Vejo os olhos muito azuis dele se arregalarem e ele engolir em
seco.
– Grávida?! Humm... Ãhm... – ele gagueja. – Tudo bem. Eu
aceito. Eu devo isso a você, aos seus pais.
Eu sorrio ante a proposta dele, mas meu coração está
sangrando. Coiote. Meu Coiote, o homem ao qual aprendi a amar,
com tantos defeitos e qualidades que seria impossível não o fazer.
Nunca mais irei vê-lo. Nunca mais sentirei seu toque, ou seu cheiro...
Nunca mais sentirei o tumulto, a paixão queimar tudo por dentro de
mim, como uma grande fogueira.
– Não posso, Lincoln. Não seria certo, nem com você, nem
comigo.
– Mas, Lizie?! – o choque da minha recusa está em seu rosto.
– O que será de você?! ... do bebê?
Eu aperto os lábios...
– Talvez eu possa trabalhar e juntar algum dinheiro para voltar
à nossa cidade. Talvez eu possa mentir que sou viúva...
Torço as mãos. Não pensei nisso. Meu coração se aperta ante
a incerteza. O medo do destino me aflige a alma, e pela primeira vez,
penso que agi muito impulsivamente. Talvez eu devesse ter contado
para Chuva Forte sobre o bebê, ela com certeza iria me apoiar... mas
então Lincoln morreria...
– Eu posso lhe ajudar nisso. Não tenho um tostão agora, mas
em alguns meses terei o suficiente e você poderá voltar, se quiser.
– Oh, Lincoln! Obrigada! – eu o abraço. – Agora só preciso
achar um lugar para ficar...
– Fique comigo no forte – ele me olha sério. – Capitão Smith
está sempre procurando alguém para ajudá-lo na casa, mas
nenhuma mulher de boa reputação vai para lá, já aviso, Lizie.
– Eu não tenho reputação nenhuma, Lincoln. Ainda mais
depois de ter vivido com... – olho em volta, uma senhora está nos
observando de nariz torcido. – O pai do meu filho.
Lincoln concorda com a cabeça.
– Será apenas por alguns meses. Com o dinheiro que
conseguirá, mais o que eu vou receber, poderá recomeçar sua vida,
pode até conseguir o antigo rancho de seu pai de volta! Meu pai vai
ajudá-la! Minha mãe... – Lincoln começa a fazer planos sobre meu
futuro e do bebê e eu fico muito feliz por ele estar vivo.

∞∞∞
Quando chegamos ao grande forte feito de toras gigantes de
madeira, eu me encolho.
Um jovem soldado está de prontidão no portão e quando vê
Lincoln, tem uma grande surpresa.
– Está... está vivo?! – ele tem os olhos arregalados e dá um
abraço no outro. – Meu amigo! Pensei que tivesse virado comida de
selvagens a esta altura!
Lincoln também abraça o outro, visivelmente feliz pelo
reencontro.
– Eu teria, Robert, se esta linda amiga não tivesse me
salvado! Lizie, querida, venha aqui! – eu me aproximo. – Este é
Robert, meu melhor amigo neste lugar esquecido por Deus.
– Olá, Robert. – eu cumprimento de longe o ruivo muito
magro.
Ele me sorri como se eu fosse a mulher mais linda do mundo.
– Minha nossa! Que amiga é essa?! Vai ficar conosco,
belezinha?
Lincoln dá um soco no braço do outro.
– Está louco, Robert! Ela é minha amiga! Onde está o seu
respeito?
O ruivo fica vermelho.
– Poxa! Ela é bonita demais! Se não quer que a desrespeitem,
não a mostre ao Capitão...
Lincoln me dá um olhar triste, parece que nossos planos terão
que mudar.
Mas subitamente ele parece brilhar, aquele sorriso charmoso
se abre e sei que ele tem um plano em mente.
– Você poderia pagar a diligência, Robert? Depois eu acerto
com você. Eu tenho que falar com o Capitão, quero que ele dê
emprego a Lizie.
Vejo o ruivo arregalar os olhos e engolir em seco. E eu tremo
por dentro, de medo deste tal de Capitão Smith.
Quando entramos, eu me apavoro com a dimensão
gigantesca deste forte. Há muitas casas grandes, soldados, cavalos
e outros galpões, mas bem ao meio tem uma residência muito bonita
e bem feita. É para lá que Lincoln me leva.
Ele bate de leve na porta e a abre sem esperar resposta.
Entramos em uma sala luxuosamente decorada, com sofás de
pés torneados, forrados de cetim bordado e almofadas rendadas.
Contrasta tanto com o lugar árido e de terra batida lá de fora, que
parece que entrei em outra dimensão.
– Fique aqui, Lizie. Vou falar com ele. – se vira e se afasta.
– Não entregue aquele povo, Lincoln, por favor. Por mim! – eu
peço de um sopro, num sussurro que temo que ele não tenha ouvido.
Mas Lincoln para em sua caminhada, me olha por sobre o
ombro com olhar torturado. Parecendo indeciso e relutante em
atender. Vejo-o engolir em seco e concordar com a cabeça, meu
peito então sente um alívio imenso.
– Por você – ele afirma e entra em um corredor.
Não sei quanto tempo demora, mas eu não consigo me
acalmar. Não me sento, caminho de um lado para o outro, até que as
vozes graves se fazem ouvir.
– ... Como assim você estava desmaiado e não viu o local da
maldita tribo? E quem é essa que lhe salvou?! Como posso confiar
em colocar essa desconhecida na minha...
Eles aparecem na sala e o homem de bigodes e olhos azuis
me mede dos pés à cabeça, se calando subitamente.
– Esta é minha amiga de infância, Capitão. Elizabeth Carter.
Foi ela quem me salvou e é ela quem está precisando de um lugar
para ficar e emprego. – Lincoln sorri.
Eu sorrio de volta para ele e o tal Capitão, feliz por ele não ter
entregue a tribo, mas um arrepio ruim percorre o meu corpo e vejo o
Capitão, que é mais jovem e bonito do que imaginei, praticamente
salivar enquanto seu olhar parece arrancar minhas roupas.
Ele se aproxima e eu instintivamente dou um passo para trás.
Ele se curva em um mesura cordial e eu retribuo o gesto, mas
não gosto de seu olhar lascivo.
– É um prazer, Elizabeth. Sua coragem salvando meu soldado
é admirável, assim como sua beleza. – ele sorri e parece por um
minuto realmente bonito, mas não gosto da frieza de seu olhar.
– Então, Capitão, vai empregar minha amiga? – Lincoln sorri
de orelha a orelha.
O Capitão Smith parece a ponto de pular em cima de mim,
seu olhar para em meus seios e ele chega a limpar a boca, me
dando nojo e vontade de sair correndo.
– Claro. Ela será minha.
– Sua empregada. – Lincoln completa.
– Sim. – o Capitão dá mais um passo na minha direção, passa
a mão pelos meus braços e eu me encolho.
Por que Lincoln me trouxe aqui? Esse homem é um
depravado!
O pânico começa a me atingir em ondas fortes.
– Tenho a sua palavra então, Capitão, que a empregará e a
protegerá aqui em sua casa? – Lincoln ainda sorri e eu quero dar um
soco nele.
Não está vendo o que está acontecendo aqui?!
– Claro, soldado. Claro, tem a minha palavra. – ele sorri,
passando agora a outra mão em mim.
– Ótimo. Ela e a criança ficarão bem aqui com o senhor... –
Lincoln tem expressão de vitória no rosto.
– Que... Que criança? – o Capitão o fita, mas não tira as mãos
de mim.
– Ah, não lhe falei, senhor? Elizabeth foi forçada a casar com
um dos selvagens e espera um filho dele – o Capitão me olha com
olhos enormes e retira as mãos de mim, com súbito nojo, limpando-
as nas calças.
– O quê? Amante de índio?! – o Capitão vocifera.
– Esposa. Mas o senhor me deu sua palavra. Emprego e
proteção. Vai voltar atrás, Capitão? – Lincoln cruza os braços e
encara o superior.
O Capitão vai até ele e com os olhos cheios de ódio, lhe diz
entredentes:
– Sabe que minha palavra não tem volta! Leve a amante de
índio para Marie, tire-a da minha frente, ou sou capaz de vomitar nas
minhas botas! – ele aperta os olhos e Lincoln me puxa pelo corredor
afora.
Ele ri baixinho.
– O Capitão nunca mais irá tocar em você, desconfio que nem
olhar – ele ri ainda.
Eu o acompanho. Já tinha esquecido de como Lincoln é bom
em convencer as pessoas. Pelo menos eu e o bebê temos agora um
lugar para ficar. Não sei por quanto tempo, nem se o Capitão se
manterá longe, mas por agora, está muito bom.
Capítulo 19 – Criando Confusão
Coiote

Continuo olhando para as chamas da fogueira à minha frente,


alheio ao que meus amigos e colegas de caçada dizem. Alheio à
noite que cai, ou à aldeia à minha volta.
Bebo mais um gole de bebida direto da garrafa. Pretendo
acabar com ela, beber até não sentir mais nada, até não lembrar de
mais nada.
Mas por enquanto ainda lembro.
Ainda lembro da manhã em que acordei com os gritos de "o
prisioneiro fugiu". E depois a constatação de que foi Puma quem o
libertou e fugiu com ele.
Ainda lembro de como peguei minhas armas e os persegui. E
do ódio que correu por minhas veias, a fúria cega que me movia
quando ansiava pelo escalpo daquele branco! Eu só pensava nisso,
em matá-lo e arrastar Puma de volta. Iria prendê-la amarrada dentro
de minha tenda e ela nunca mais sairia! Daria uma boa surra
naquele traseiro branco, até ficar vermelho durante dias! Depois faria
amor com ela até me cansar... Não! Não faria amor coisa nenhuma!
De onde tirei isso?! Eu só bateria! Isso! Deixaria amarrada e a
trataria como escrava! Era isso que a ingrata merecia! Nada de...
Nada de... Nada de nada! Inferno! Eu não iria querer droga nenhuma
com aquela traidora!
Cuspo na fogueira, para dar ênfase aos meus pensamentos.
Tomo mais alguns goles. Ainda não esqueci, mas preciso
esquecer esta infeliz!
Ingrata! Traidora!
Passaram-se o quê? Um mês? Talvez dois... E mesmo assim
meu peito ainda dói terrivelmente, ainda sinto a solidão da minha
tenda me sufocar, por isso não volto para lá até que ela esteja
girando ao redor de mim, para depois desmaiar sobre as peles... A
cama dela ainda está lá, assim como suas roupas... Tenho que jogar
aquelas merdas fora! Amanhã mesmo vou fazer isso... Não, melhor,
vou queimar! Queimar tudo! Talvez queime a droga da tenda
também! Assim não penso mais em como era bom chegar lá e ter a
branca traidora me esperando!
Isso! Vou morar no relento! Vou dormir cada noite em um
lugar! Assim não penso em olhos azuis, nem em dores no peito e
MUITO MENOS na palavra (argh!) saudade.
Inferno!!! Feiticeira!
Bebo mais alguns goles.
Não consigo mais ser o que era. Grande Espírito, me ajude,
não sou mais eu!
Não consigo mais olhar para mulher alguma. No início,
gostava de irritar Puma, mostrando o que ela perdeu e como as
outras gostavam de mim, enquanto ela tinha "nojo", mas depois
perdeu a graça. As mulheres, o sexo... E agora que ela se foi, TUDO
perdeu a graça.
– ... se uniu! Estou dizendo! – Falcão Negro fala em voz alta,
me tirando dos pensamentos desgraçados, graças ao Grande
Espírito!
– Quem se uniu? – eu pergunto a ele. – Quem é idiota a ponto
de se unir?!
Vejo todos ficarem quietos.
– Cavalo Alado – Falcão diz finalmente.
Eu solto uma gargalhada. Olho para Lobo Solitário e digo:
– Perdeu a diversão, então?!
– Cale a boca, Coiote! – ele se irrita.
– Ah! Todos nós sabemos, só o Burro Alado quem não sabe!
Mas agora deu, não é?! Vai tomar vergonha? – eu digo, louco que
ele se defenda, voe para cima de mim e possamos nos arrebentar
um pouco.
Socar alguém seria muito bom, principalmente esse idiota sem
honra.
– Não foi com ela que ele se uniu! – Lobo fala entredentes,
mas não me ataca.
– Não? – ergo uma sobrancelha. – Você não parece feliz em
estar com o prêmio só para si.
– Ela não me quer mais.
Aí eu não aguento!
Rio. Rio. Rio. Rio.
– Não sou o único idiota aqui! – rio até ficar sem ar.
Lobo apenas me olha e continua a beber. Agora sei porque
está com esta cara de defunto!
Faço um gesto de escárnio e volto a atenção para minha
bebida.
– É uma branca – Lobo solta em voz alta.
Demoro para entender o que estas palavras significam. E
quando entendo, não acredito.
Estou ainda tentando absorver a mentira, porque só pode ser
isso, quando vejo Cavalo Alado caminhando e puxando uma mulher
pelo braço.
Uma branca.
Dou um pulo! Ele achou Puma!!!
Estreito os olhos para ver melhor, o coração batendo
acelerado. Um sorriso se abre sem eu permitir, mas à medida em
que se aproximam, eu noto que os cabelos da branca são diferentes,
são da cor do sol, claros como jamais vi. Eles passam por mim e eu
encaro a mulher dele.
Mulher dele.
Branca.
Ele estava querendo a minha branca?! Por isso pegou esta aí,
que se parece com a minha?! Minha! Minha, sim!!! Ela era minha! E
Cavalo estava com inveja!
– Cavalo?! Onde vai com esta branca?! – eu o chamo, mas
ele me ignora.
– Coiote está com inveja! – Lobo ri.
Eu o ignoro.
– Estava de olho na minha branca, que não aguentou e achou
uma para si?! – vou atrás dele dando risada, sem humor nenhum.
Mexer com Lobo não deu muito certo, mas com Cavalo eu sei
exatamente como tirá-lo do sério.
Sempre fomos amigos, desde a infância. Conheço ele.
Cavalo segue em frente sem olhar para trás, tentando me
ignorar. Pois, sim! Vou atrás deles.
– Você não sabe como lidar com elas, Cavalo!!! – eu grito,
mas ele nem um olhar me dirige.
Então é assim?
Estreito os olhos e grito em inglês, para a branca entender:
– Quando se cansar de Cavalo Alado, pode vir com Coiote
Grande. Eu sei montar mulher branca até ela implorar para parar.
Cavalo Alado não sabe nada sobre vocês! – digo rindo alto.
Agora ele vai querer briga! Diversão, finalmente!
Como eu sabia, os dois param ao mesmo tempo.
– Volte para sua bebida, Coiote! – Cavalo me diz.
Faço um gesto de escárnio com a mão. Cavalo parece prestes
a explodir. Ele tenta ser calmo e controlado, mas eu sei que é tudo
fachada. E agora vou acabar com a calma e tranquilidade dele. Não
tenho branca, não vou deixar ninguém ter!
Inferno!!!
Dou dois passos à frente e pego a branca pelo braço livre,
puxando-a para mim enquanto digo:
– Vem comigo, Cabelo de Sol, deixe Cavalo, que vou te
mostrar o que é um selvagem de verdade... – eu começo, mas
Cavalo não me deixa falar mais nada.
Ele voa para cima de mim, me pegando desprevenido, me
acertando em cheio no rosto com um soco. Droga! A bebida me
deixa tonto e caio no chão.
Irráá!!!! Emoção! Enfim!
Qualquer coisa é melhor que aquela morte–viva que eu
estava!
Me levanto. Ele não foi honesto, me pegou desprevenido! Não
me deu chance para me preparar! Agora ele vai ver!
O ataco de frente, como se deve ser, mas a droga da bebida
me deixa com os movimentos lentos e Cavalo consegue se desviar a
tempo, me pegando em uma maldita chave de braço pelo pescoço,
rápido demais.
Fui eu quem ensinou isso a ele e agora usa contra mim?!
Traidor! Todos são traidores!!!
Tento me soltar... Tinha uma maneira, como era mesmo?
Inferno de bebida!!!
– Peça desculpas a ela, Coiote! – Cavalo ordena.
Tenho que me segurar para não rir. Pedir desculpas a uma
mulher! Branca ainda!!! Nunca!
Droga, como se saía desta chave?
Uso todos os movimentos que lembro, mas não consigo.
Sacoooo!!
Desisto. Bato no braço de Cavalo, em sinal de que pode me
soltar. Vou falar a merda.
Quando ele me larga, tusso por um momento, puxando o ar
outra vez para meus pulmões, depois olho para a branca. Ela é muito
bonita, não tanto quanto Puma. Os olhos dela não são azuis e tem
tamanhos normais, mas mesmo assim me dá raiva. Ela parece
apavorada, deve estar fingindo! Falsas! Todas elas!
– Desculpe, moça branca. – começo entredentes, as palavras
saindo com dificuldade. – Você deve ser muito boa para Cavalo
Alado agredir um irmão por sua causa. Eu não disse que ele não
sabe como lidar com vocês? – e dirigindo-me a Cavalo, continuo,
usando seu nome Cheyenne: – Mulheres brancas são só para usar
alguns minutos, Rainnan Hoaak! Você é teimoso como uma mula!
Cavalo é burro demais! Não viu o que Puma fez comigo?!
Como quer uma branca depois do que aquela outra me fez? Eu, seu
amigo–irmão?! O que vai impedir esta outra aí de fazer o mesmo
com ele? Tomara que faça logo, para aprender a deixar de ser idiota!
– Eu não quero que desrespeite Espírito Branco novamente. –
o tolo me diz.
Espírito Branco? Deu até um nome dos nossos para ela?!
Grande Espírito, o ajude!
– Você está louco, Cavalo! Mulher branca não merece
respeito! Ela só merece... – começo, mas ele me interrompe.
– Ela é minha esposa, Coiote! E espera um filho meu.
O quê?!!
Meu queixo cai.
Olho de um para outro. Como assim?!
–Não a desrespeite nunca mais. – ele emenda.
Então é verdade?! Ele SE UNIU a uma branca!? E que ainda
está grávida de outro?! Deduzi pelo tamanho da barriga que, embora
não muito grande, Cavalo estava até uma semana atrás com Lírio e
o tolo era fiel, mesmo com aquela que não merecia.
– Eu tinha ouvido esta história mas não acreditei ... – deixo
escapar em tom baixo.
– Pois acredite, há muito todos já sabem.
– Chegamos há pouco dos territórios Sioux, eles falavam
sobre guerra contra os brancos e você aí se unindo com uma deles.
Eu achei que era sua escrava ou sua ...
Claro que eu iria dizer amante, mas não disse! Cavalo estava
me olhando como se fosse me matar se eu falasse. E a mulher era
esposa dele e estava esperando um filho dele (mesmo não sendo,
conosco é assim. Ele diz que aceita, então é seu. Ponto). Limpo a
garganta e olhando para a mulher, demonstro para ela com meu
olhar, que sei que ela é uma safada, como todas as outras e digo:
– Me desculpe, Cabelo de Sol. Eu não sabia que lhe devia
algum respeito, mas se o futuro chefe diz que devo me desculpar,
então me desculpei.
Digo claramente que só me desculpei por causa do respeito
que tenho pelo idiota do Cavalo Alado.
Olho outra vez para ele, com pena do miserável e volto para a
frente da fogueira, gritando:
– Quando se é burro, não se pode fazer nada! – abro os
braços e os outros que estavam olhando a cena balançam a cabeça
em desaprovação.
– Conseguiu a confusão que queria? – Lobo pergunta, se
sentando outra vez e bebendo.
Eu me sento também e entorno a garrafa de um gole.
Sinto o líquido descer queimando.
– Não, mas vou continuar procurando. – respondo torcendo a
boca.
Capítulo 20 – Amor
Coiote

Quando chego na minha tenda tudo está girando. A tenda dança ao


meu redor. Bom. Muito bom.
Me largo na minha cama, jogando meus mocassins longe e
arrancando minhas calças...
Não lembro de ter deixado a fogueira acesa...
– Coiote...? – uma voz feminina soa, parecendo vir de longe.
– Puma? – é minha Puma que voltou?
Olho ao redor, tentando fazer minha visão entrar em foco, tem
alguém na minha frente.
– Afff!!! O que quer com aquela branca idiota, quando Lírio do
Campo pode fazer você feliz? – o vulto se aproxima e fica a um
palmo de mim.
O rosto de Lírio entra em foco.
– Vá embora! Vá procurar Lobo Solitário – digo com voz
embargada.
O que menos quero agora é essa safada...
A mão dela se fecha ao redor do meu membro, que parece
despertar dos mortos. Eu encaro ele, depois encaro ela.
– Lobo Solitário quer coisa séria. Eu só quero me distrair um
pouco... – ela mexe no que é meu e meus olhos se arregalam. – Eu
quero quem não posso ter, você quer quem não está mais aqui,
podemos fazer favores um para o outro.
Safada de marca maior! Mas ela tem razão, não posso mais
ter Puma, então que seja com ela, que não vai esperar nada.
Colo meus lábios nos dela, com fúria, sem gosto pela boca ou
sabor deles. Assim é bom, sem loucura, sem dor no peito, sem ficar
pensando o que ela vai pensar, ou sentir. Que se exploda essa
safada! Ela quer o Coiote? Ótimo! Ela vai ver quem é o Coiote.
Selvagem, frio e distante. É só isso que conseguirá de mim.

∞∞∞
– Ah, Puma, por que foi embora?! – eu digo para o vazio, me
afastando de Lírio, depois que termino de me esvaziar fora dela.
Nunca mais terminei dentro de uma mulher. Não. Não me dou
esse gosto.
– Que inferno, Coiote!!! – ela grita. – Além de ficar chamando
aquela branca o tempo todo, ainda diz isso agora?!
Ela está irada. Eu visto as calças e jogo o vestido dela para
ela.
– Se quiser, é assim, Lírio. Se quer carinho, procure Lobo
Solitário – eu me viro para a fogueira, dando as costas para ela.
Sinto os braços ao redor do meu pescoço e ela diz em meu
ouvido.
– Se você não fosse tão bom, eu nunca mais olharia na sua
cara, mas é, então amanhã eu volto.
Ela se vira e sai.
Dou de ombros. Tanto faz. Venha ou não. Quem se importa?
Achei que ficaria melhor, mas só fiz compará-la com Puma. E ela
perde em todos os quesitos.
Passo a mão pelo rosto.
Preciso me curar desta doença. Tinha outra garrafa de bebida
por aqui... Onde coloquei?
Procuro até a encontrar, caída ao lado da cama de Puma. Me
abaixo para pegar e um objeto chama minha atenção, algo que não
tinha visto por todo este tempo. Um pano lindamente bordado,
trabalho de muitas luas e quase terminado. Eu via Puma com isso
quase todas as noites, mas nunca imaginei o que seria.
Passo os dedos pelo desenho delicado, sinto meus olhos
úmidos pela primeira vez desde que virei homem.
Saudade.
A palavra dói. Dói como jamais imaginei, mas não é só isso.
Percebo que depois de tanto tempo, depois de tanta coisa... Eu amei
Puma, e que inferno, eu ainda a amo.
Aperto o bordado junto ao peito, o trabalho que ela fazia e
trazia junto ao corpo enquanto dormia este tempo todo.
A imagem é de um enorme coiote, que parece estar
protegendo, quase abraçando, um puma.
Capítulo 21 – Enfim Esclarecimentos
Coiote

Tem um mês que Lírio me procura todas as noites. Tem um mês


que a possuo do mesmo modo frio, para depois praticamente a
expulsar da minha tenda.
Ela não se importa, tampouco eu.
Todos os dias eu vou até o limite da aldeia procurando algo,
alguma pista que me diga para onde Puma foi, mas não tenho nem
ideia. Fui até a cidade algumas vezes, mas não a vi. Tampouco
outros a viram. Cavalo Alado e Entre Nuvens estão lá negociando
com os brancos. Deixei meu orgulho de lado e pedi para ele procurar
informações sobre ela. Ele apenas me olhou e concordou. Graças ao
Grande Espírito, não me perguntou nada, ou teria que responder que
não consigo mais dormir, não consigo mais respirar... Parece que me
arrancaram metade do corpo! Como na história que Olhos Brancos
contava quando eu era menino, sobre quando o Grande Espírito
dividiu as almas em dois corpos e elas sempre buscavam sua
metade perdida. Sinto que encontrei minha metade em Puma e a
deixei ir embora, a afugentei.
Inferno!!!
Termino de me lavar dentro do rio e quando dou por mim,
escuto uma voz feminina gritando em língua estranha.
Me viro e dou de cara com a esposa de Cavalo Alado irada,
andando de um lado para o outro, parece que não me viu aqui.
Fico totalmente parado, a observando e me abaixo mais na
água. Ela ainda grita, em uma língua que nunca vi, depois parece
chorar. Me afundo mais na água, se houvesse como sair de fininho...
Escuto um lobo uivando não muito longe, essa tola nem
parece se dar conta.
Então a vejo pegar uma pedra e atirar com força na água, em
minha direção, me acertando bem na cabeça. Dou um gemido sem
querer, atraindo a atenção dela para mim. Droga!
– Cabelo de Sol, não precisa descontar seu ódio em mim! –
digo sem paciência.
Pelo visto, essa é louca também. Vejo-a olhar em volta
assustada e começar a recolher suas coisas, que já estavam
espalhadas pela pedra grande.
– Desculpe, Coiote Grande, não notei você aí. – ela diz em
minha língua, me surpreendendo.
– Vejo que é muito inteligente, Cabelo de Sol. Aprendeu a
nossa língua e ainda fala outra língua de homens brancos que eu
nunca antes ouvi, mas não precisa ir embora, já estou saindo.
Dizendo isso, eu simplesmente saio das águas. Claro que
estou nu e quando ela nota isso, se vira rapidamente, com olhos
arregalados.
Dou risada. Ela está se fazendo de decente. Sei!
– Você não precisa ficar com medo, pode me olhar. Não vou
contar para Cavalo Alado. – digo, só para ver como vai reagir.
Ela se vira e me encara nos olhos. Está a dois passos de mim
e não abaixa o olhar quando diz com dignidade (fingida?):
– Não quero te olhar, Coiote. Não porque pode contar a
Rainnan, mas porque eu não olho para ninguém mais a não ser
meu homem, mesmo que o desgraçado não mereça.
As palavras ditas com queixo erguido me chocam.
– Cavalo achou uma branca fiel? Isso existe? – dou uma
gargalhada.
Ela está tentando me enganar, como todas as outras, mas eu
não sou burro! Eu não caio mais nestes truques! Eu ela não engana!
Ela se vira, parece ter se ofendido, mas acho que a moça se
vai de vez. Ela se vira com raiva, ódio e grita:
– Ao contrário de vocês, EU sou fiel, SIM! Vocês são todos
uns mentirosos, enganadores e falsos! E quando Rainnan chegar, eu
vou falar isso na cara dele!
Nós?! Mentirosos e falsos?! Nós???!!!
Arregalo meus olhos. A branca de Cavalo é louca!
Então, subitamente ela começa a chorar. Eu não tenho ideia
do que fazer. Vejo-a limpar as lágrimas com raiva e continuar sua
gritaria:
– Vocês homens só prestam para usar as mulheres. Se
aproveitam do que temos de bom, absorvem nossas qualidades e só
deixam uma casca vazia! Vocês destroem tudo que temos por
dentro. Eu já tinha passado por isso antes, achei que havia
aprendido, mas aí eu venho só Deus sabe o porquê para esta terra
louca e Rainnan aparece com sua boa vontade, sua honra e
proteção e eu começo a acreditar que existem pessoas boas no
mundo, que alguns homens podem ser decentes, quando na verdade
era tudo uma mentira! Eu levei outro tombo de novo!
– Do que está falando, Cabelo de Sol? – me abaixo e pego as
minhas calças, vestindo-as. – Cavalo Alado é esse tolo que você
descreveu agora.
Não entendo onde esta mulher quer chegar.
Ela ri com deboche.
– Tolo? Você pode achá-lo um tolo porque ele casou comigo.
Você pode achar que ele é um tolo por dizer que este filho é dele,
mas ele só casou comigo porque Olhos Brancos o obrigou e está
esperando eu morrer no parto para se casar com Lírio do Campo.
Ela grita esta bobagem e se vira para ir embora. Eu a alcanço,
segurando-a pelo braço e virando para mim, encarando-a muito
sério.
– De onde você tirou esta loucura?
Ela se solta de minhas mãos.
– Não é loucura, ouvi agora há pouco aquela Erva Daninha
falando em alto e bom tom. E também disse que ele a vê todas as
noites e dia também. – ela ergue o queixo mas ele treme, as
lágrimas ainda estão caindo.
Fico com pena dela. Com pena e raiva. Branca burra! Balanço
a cabeça.
– Pensei que você era esperta, mas é burra como uma mula.
– O quê??? Ora, seu desaforado! Eu aqui me abrindo com
você e ... É bem-feito pra mim mesmo, quem manda eu ficar falando
com ....
Ela tem outro ataque. Coitado de Cavalo! Eu a interrompo:
– Você é burra, pois tem olhos e não enxerga! Olhos Brancos
não obriga ninguém a nada! Se ele se uniu a você, foi porque quis
assim. Eu não estou defendendo aquele idiota, porque para mim
alguém querer uma branca para casar tem que ser muito estúpido,
mas ele é o que mostra ser. Lírio do Campo sempre quis se unir ao
chefe da tribo, não importa quem seja. E ela não se encontra com
Cavalo Alado. Se disse isso, foi para se mostrar para outros ou
porque sabia que você estava ouvindo. – Lírio é uma cobra, sempre
foi. Astuta e venenosa. Certo que não temos nada, mas ela manchar
a honra de Cavalo deste jeito, com mentiras, me dá nojo. Eu
querendo fugir da mulheres falsas e caio nos braços da pior da tribo.
Mas não mais. Hoje essa merda tem um fim.
A branca limpa as lágrimas, parece realmente se importar com
o que Lírio disse. Até demais.
Evito olhar para ela e torço meus cabelos, me livrando do
excesso de água.
– Como pode ter tanta certeza? – escuto a voz falha.
– Eu sei porque quem passa as noites com Lírio do Campo
sou eu. – digo com um sorriso, mostrando que ‘sim, eu sou bom”.
Vejo o alívio no rosto bonito, as lágrimas param e o sorriso
ilumina tudo. Droga! Ela me lembra tanto Puma que meu peito está
doendo!!!
Quero sair logo desta merda, mas me lembro que essa branca
está ensinando meu irmão a ler. Ela faz isso com todos os jovens da
tribo. Então eu pego o meu vidro de óleo de bergamota silvestre e
lhe entrego, em agradecimento silencioso.
– O garoto que você ensina, Corcel Arisco, é meu irmão. –
explico.
Ela aceita e acena com a cabeça.
– De nada e obrigada. E obrigada por acalmar meu coração,
me contando a verdade. – ela me olha nos olhos com gratidão,
pegando a minha mão.
Mais um soco no meu estômago. Puma. Minha Puma. Ela fez
isso também uma vez. Mando as memórias para o inferno! Por que,
Grande Espírito, não me faz esquecer aquela mulher?!
Olho para a mão dela com malícia e permito um sorriso se
espalhar pela minha boca.
– Hum... Está pensado em esquecer aquele Burro Alado e
conhecer um selvagem de verdade? – a puxo para mim.
– Me solte, Coiote! – ela protesta e eu rio, quero ver até onde
ela é louca por Cavalo, como parece ser.
Será possível?
Ouço um grito de mulher e virando na direção, vemos Lírio do
Campo nos olhando com os olhos negros flamejantes de ódio. Ela se
vai embora correndo.
Pela cena que ela viu, não vou precisar dizer para não ir mais
à minha tenda, o que acho muito bom, evita blá blá blá.
Cabelo de Sol aproveita e me empurra longe.
– Bem-feito, agora vai ter que se explicar com sua namorada,
para aprender a não ficar agarrando mulheres por aí!
Namorada? Não. Queria ter uma esposa, assim como
Cavalo... Branca.
– Nós não somos nada. Lírio do Campo só me encontra
escondido. Por isso posso me encontrar com você também. Eu sou
generoso. – digo testando-a.
– Você se acha demais! Isso estraga seu charme. Se
fechasse a boca, atrairia mais mulheres e não só aquela interesseira
ali.
A resposta espontânea e sincera me pega desprevenido, não
sei o que dizer.
– Agora vá embora que quero tomar banho. Vá resolver este
mal-entendido. Afinal, não vai ser difícil explicar. Você não pode me
tocar, eu espero um filho!
Hein?!
Aí eu não aguento! Gargalho mesmo.
– Cavalo Alado disse que não podia tocar em você? – que
louco!
Se uniu com uma mulher já esperando um filho e ainda não a
tocou?! De NENHUM JEITO?!
Idiota! Rio mais ainda.
– Disse – ela responde muito séria, me fazendo diminuir a
risada.
O que dizer a ela? Não sei se nossos costumes,
principalmente este, de não possuir uma mulher quando ela está
esperando um filho, serve para brancas. Eu nunca tive uma esposa
grávida... Não sei se não a tocaria... Nunca acreditei muito nisso,
mas em todo caso, eu sempre pensei que teria duas esposas...
Agora fico pensando que poderia ter apenas uma. Uma só me faria
feliz...
Aquela ingrata! Traidora! Que raiva que eu tenho de mim
mesmo por ainda sentir essa dor no peito, cada vez que lembro dela!
– Essa tradição é antiga e nossa, nada tem a ver com
brancas! Com vocês é diferente... – eu me aproximo e ela vai
entrando no rio com roupa e tudo, diante do meu olhar. –Eu posso
aplacar sua sede, Cabelo de Sol.
Digo, pois sei que no fundo ela é como Puma! Só é alguém
aparecer e ela cede! Até é capaz de fugir com o miserável!
– Não chegue mais perto, Coiote, ou eu grito!
– Não precisa fingir que não quer, sei que você vai gostar.
Lírio do Campo diz que Cavalo Alado e eu somos parecidos, mas
que eu sou melhor – vou entrando na água também, sei que ela é
igual a todas...
Vejo o medo tomar conta de seu semblante e paro no meu
avanço. Talvez eu esteja exagerando... Vejo-a pegar uma pedra lisa
do fundo do rio, ergue o braço, mostrando-a para mim.
– Se você se aproximar mais, eu quebro a sua cabeça,
Coiote!
Ouço um rosnado ao meu lado, viro a cabeça com lentidão
para a margem e dou de cara com um enorme lobo cinzento
arreganhando os dentes e rosnando, prestes a me atacar.
Eu não me mexo.
– Te apresento meu espírito guardião. Coiote Grande, diga
olá!
Escuto a voz da branca parecendo alegre e dirijo-lhe um olhar
quase apavorado.
Ela tem um espírito protetor? E estava com tanto medo que o
invocou? Eu não sou uma ameaça! Só queria provar que... que...
Droga! Sou um idiota. Quantas vezes o Grande Espírito terá que me
mostrar isso?
Ela ri.
– Acho melhor você se afastar, Coiote. Ele não gostou de
você.
Eu me afasto devagar, olhando o tal lobo, que parece querer
pular em mim.
Como pode? Cavalo achou uma mulher que é fiel, que é
honrada... Por que eu não tive essa sorte? Por que Puma me deixou
por outro, assim como Ave Branca? Sou tão "ingostável" assim?
Antes de ir embora, meus olhos encontram o da moça. Ela é
uma mulher a se admirar e respeitar, não só pelo seu lobo enorme,
mas pelo seu caráter. Por isso, faço o sinal Cheyenne de respeito.
Um gesto com a cabeça, querendo dizer com isso que ela agora tem
minha admiração, meu respeito.
Ela retribui o gesto e acredito que me desculpou pela minha
idiotice.
Outra vez me lembro de Puma. Ela não era uma mulher vulgar
como Lírio, era como esta branca. Nunca incentivou Falcão Negro,
nem depois que saiu da minha tenda.
Ela só se entregou a mim.
Será que em algum momento ela gostou de mim? Talvez sua
reação quando cheguei com Relva Macia tenha sido parecida com a
da Cabelo da Sol... Será que, como a outra, ela se sentiu usada,
triste e traída?
Tiro de minha cintura o pedaço de tecido bordado que agora
levo sempre comigo.
– Será, Puma, que alguma vez, por um breve momento, fui
dono do seu coração? – digo em voz alta.
Nunca tinha pensado nisso, mas esta branca me fez ver o
quanto estava sendo cego.
Pena que agora é tarde demais.
Capítulo 22 – Vivendo com o Capitão
Puma Pequena

– Elizabeth!!! – a voz do Capitão Smith ecoa pela casa.


Eu sinto um arrepio. É final de tarde e já estou cansada devido
ao trabalho incessante do dia.
Me levanto do pequeno banco em que estou na cozinha
cortando batatas e endireito a coluna.
Meu bebê chuta forte, parecendo se ajeitar dentro do meu
ventre volumoso, apreciando o espaço que a mudança de posição
lhe permite. Faço-lhe um carinho por cima da roupa e não consigo
evitar um sorriso. Cada vez que meu bebê se mexe, é uma
lembrança de que está bem, grande e forte. E eu o imagino parecido
com Coiote, de cabelos negros como a noite.
Queria que fosse uma menina, para ser minha companheira,
minha amiga, para trançar seus cabelos como fiz aquela vez com os
de Coiote, mas também queria que fosse um menino, com ombros
largos e olhos escuros...
Não. Não deixei de amar aquele nativo, por mais que
quisesse. Mas também, como esquecê-lo, se sua semente, um
pedaço dele próprio, cresce dentro de mim?
O amarei para sempre, não importa o que passou, o que ele
fez depois, pois as lembranças boas, de nossa noite de amor, de
nossas noites de companheirismo e até mesmo o dia em que ele me
salvou, ficarão para sempre em meu coração. E é isso que direi ao
meu filho, que seu pai era um homem forte e valoroso, que me
salvou, me deu abrigo e eu o amei. Apenas isso, porque é o que
realmente importa.
– É melhor correr, Elizabeth, ele está em um humor terrível
hoje. – Marie, a cozinheira, me fala por sobre o ombro.
Eu concordo e corro até onde está o Capitão, no seu
escritório.
– Sim, Capitão? – eu pergunto assim que entro.
Ele não ergue os olhos para mim, continua mexendo em
alguns papéis.
– Prepare um banho para mim, hoje o dia foi exaustivo e
quero descansar!
– Sim, senhor – me afasto praticamente correndo de sua
presença detestável.
Preparar um banho é trabalhoso e cansativo. Muitos baldes de
água, mais outras tantas de chaleiras ferventes.
Quando enfim termino, estou com dor nas costas. Me
endireito e minha manta colorida cai no chão. Estou usando a
mesma roupa de couro que o Capitão me trouxe há tempos, embora
agora esteja mais apertada na cintura. Roupas de indígena, para
todos verem que eu me deitei com um índio e não me mostrem a
mínima cordialidade, ou sequer um olhar.
Nunca usei esse tipo de roupas na tribo, o que é irônico, mas
se em algum momento achei que saindo de lá seria considerada uma
igual entre "meu povo", as esperanças caíram por terra assim que
pisei aqui.
– Já terminou? – a voz do Capitão me surpreende e me tira de
meu devaneio.
– Sim, senhor – digo, pegando minha manta do chão
rapidamente.
– Espere! – ele me diz, antes que eu possa sair.
Paraliso no lugar. Marie disse para nunca deixar o Capitão me
ver sem a manta, pois ele tem certa "tara" por mulheres grávidas.
Dizem que foi por isso que a esposa dele morreu. Ela havia passado
por um parto traumático do filho do casal e não poderia mais ter
filhos ou isso lhe custaria a vida, parece que Smith não se importou
muito e agora ele me viu.
– Sim? – Fecho mais a manta ao redor de mim.
Vejo-o me medir dos pés à cabeça.
– Estou cansado, quero que me ajude no banho – ele diz,
enquanto retira o casaco azul marinho de botões dourados.
– Mas... – eu começo a protestar.
– Agora, Elizabeth. Não tenho nada que já não viu antes! – ele
debocha e desabotoa a camisa, ficando apenas com a camiseta sem
mangas. – Me ajude com as botas e depois quero que esfregue
minhas costas.
Eu continuo sem me mexer, mas ele parece me desafiar. E
nunca recuei sob um desafio.
Ergo o queixo e me aproximo, me abaixando em sua frente e
retirando suas botas.
Ele desafivela a calça e a desce sem cerimônia, junto com
suas ceroulas e em seguida se livra da camiseta. Eu miro o chão.
– Retire a manta, Elizabeth, ou não conseguirá me banhar –
ele fala e sua voz é rouca.
Eu não quero demonstrar o terror que estou sentindo, por isso
coloco a manta no chão, próxima de mim. O Capitão ainda não
entrou na banheira e eu me pergunto o porquê.
Aguardo.
– Olhe para mim, Elizabeth – ele pede e eu não acato. – Olhe
para mim! – A ordem é dita em voz muito alta, me fazendo encará-lo
imediatamente.
Ele me dá um meio sorriso e eu recuo um passo. Ele está nu
e muito rijo na minha frente. O peito brilhando de pelos loiros e o
membro me encarando orgulhoso.
– Senhor! Não acho que... – começo e me abaixo para pegar
a minha manta e sair correndo, mas ele me impede, me segura as
mãos e me levanta, me obrigando a encará-lo.
Os olhos azuis muito bonitos me olham com luxúria e desejo
incontido.
– Já se deitou com um branco, Elizabeth? – ele pergunta com
o rosto a centímetros do meu.
– Não, só com índios – respondo para fazê-lo voltar com o seu
asco e se afastar.
Mas ele não recua, ao contrário, avança ainda mais.
– Então vou lhe mostrar o que é um homem de verdade e
como se deve possuir uma mulher, ainda mais uma tão linda... – ele
toca meus seios por cima da roupa e com a outra mão agarra minhas
ancas.
Eu paraliso. O medo me invadindo, me aprisionando, me
sufocando com minhas lembranças. Sinto sua boca provar a minha,
em um beijo bruto e exigente, mas que eu não consigo retribuir. O
pânico me engolfa, a ânsia de vômito sobe pela minha garganta,
meu coração acelera e então eu o empurro com todas as minhas
forças, fazendo-o perder o equilíbrio e ir de encontro à banheira
cheia, caindo dentro dela.
– Não serei sua amante! Eu amo o pai do meu filho! Um índio!
E ele é um homem de verdade e jamais outro chegará a seus pés!
Ainda mais alguém como o senhor! – termino a frase com asco,
limpando a boca com a mão.
O Capitão está vermelho de raiva e molhado. Sem pensar
duas vezes, eu sumo dali.
– Elizabeth!!! – Ele urra, mas eu não volto, me afasto em
passadas decididas, tremendo de raiva.
Safado! Achou que eu iria me entregar para ele? Esse porco
arrogante! Então é assim que ele se acha melhor que Coiote? Mais
homem? Sabendo possuir uma mulher?! A agarrando sem lhe dar
oportunidade de dizer sim ou não?! Idiota!
Vou para fora da casa, em direção aos estábulos, preciso falar
com Lincoln.
O Capitão não irá me perdoar! Como conseguirei continuar
aqui? Preciso de uma saída.
Capítulo 23 – Saudade...
Quando entro, vejo Lincoln vestido com o uniforme, calças azuis,
camisa branca e suspensórios e escovando um garanhão castanho.
– Oi, Lizie! – ele me cumprimenta, mas depois de observar
minha expressão, ele deixa a escova de lado e vem em minha
direção. – O que houve?
– O Capitão Smith me agarrou! Aquele porco! – cuspo as
palavras, andando de um lado para o outro, indignada.
– A agarrou? Mas como? Achei que depois da história do
índio ele nem olharia mais para você! – ele exclama surpreso.
– Aquele tarado! E ainda teve a cara de pau de dizer que iria
me mostrar o que era um homem de verdade!
Vejo Lincoln arregalar os olhos diante disso.
– Mas ele fez... ? – Lincoln pergunta sem jeito.
– Não! Eu o empurrei e ele caiu na banheira. Agora não sei...
Acho que me mandará embora, mas não tenho dinheiro suficiente
para recomeçar minha vida... Oh, Deus! O que faço?
Lincoln se aproxima e segura minhas mãos.
– Eu recebo meu soldo daqui a três dias, mas com o que
tenho guardado e o seu próprio, poderá ir.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
– Jura?! – eu o abraço com entusiasmo. – Obrigada, Lincoln!
Lincoln me envolve com seus braços fortes e eu me sinto
estranha. Me afasto rapidamente para me livrar da sensação ruim.
Vejo-o ficar sem jeito.
– Como ele conseguiu? – ele pergunta de repente.
– O quê?
– O pai do seu filho, aquele índio enorme. Como ele
conseguiu tocar em você? Você fica estranha com um simples
abraço, imagine... – ele suspira. – Eu gosto de você, Lizie. Sei que
fui um tolo em não pedir sua mão ao seu pai. Eu lembro de como
você me olhava. Lembro do que via nestes seus olhos lindos, mas
agora eu só vejo tristeza. E muito raro, quando você está tocando
sua barriga, eu os vejo brilharem outra vez. Sei que pensa no seu
filho, mas sei que pensa naquele índio também. Você nunca me
contou, mas sei que é aquele com quem você discutiu quando nos
reencontramos.
Meu coração parece sangrar, as lágrimas sobem aos meus
olhos.
– Por que me pergunta tais coisas? – digo em voz baixa e
trêmula. – Eu não quero falar sobre Coiote – limpo o rosto com as
costas das mãos.
– Por que, Lizie? – ele para na minha frente.
– Porque dói, Lincoln. Dói aqui – coloco a mão no meu
coração.
– O que aquele selvagem fez para você amá-lo assim, depois
de tanto tempo e não permitir que ninguém mais se aproxime?
– Ele não era selvagem! Podia ser arrogante e teimoso, mas
ele era paciente comigo. Me respeitou, me ensinou aos poucos a não
o temer. Eu sei que Coiote errou comigo. Seus costumes eram
diferentes, e por mais raiva que eu tenha sentido na época, no meu
pensamento sempre terá um toque, um olhar, uma lembrança boa
em relação a ele – a dor me corrói tudo por dentro. – A mágoa pelo
abandono, a humilhação da traição, estão todas aqui, mas o
sentimento maior de todos, Lincoln – eu olho para ele com as
lágrimas caindo agora. – é a saudade – sussurro.
Não resisto e choro.
Lincoln se aproxima e me abraça com cuidado. Eu me deixo
ficar.
– Sinto muito, Lizie. Se não fosse por mim, você ainda estaria
lá e poderiam se acertar...
Limpo os olhos.
– Não. O que está feito, está feito. Não me arrependo. – ergo
o queixo, fungando.
– Vai dar tudo certo, Lizie. Quando você voltar para nossa
cidade vai ser outra vez a Lizie que eu conheci...
Eu sacudo a cabeça.
– Não, Lincoln. Coiote levou com ele um pedaço de mim. E
este pedaço nunca mais vai voltar. Essa dor não vai passar, como a
dor pela perda de minha família não passa, como a falta deles
também matou algo aqui dentro. – Coloco a mão no peito, mas
depois sorrio. – Mas meu bebê é a minha esperança de ter uma
parte de Coiote e novamente uma família.
Lincoln sorri.
– Por isso seus olhos brilham tanto quando passa a mão aí...
Posso? – ele se aproxima.
Eu concedo, sem jeito.
Lincoln toca minha barriga, mas meu bebê está quieto. Ele e
Marie são meus únicos amigos aqui, os únicos que falam comigo.
Então sua expressão muda, fica terna enquanto ele me
encara dentro dos olhos.
– Eu sei que não me quer, Lizie, mas podemos...
– Não, Lincoln. – eu digo apenas, o impedindo de continuar.
– Posso ser paciente. Eu... mudei Lizie. Posso dar a você o
tempo que precisa.
– E Lucy? – digo com um sorriso.
Ele sorri também.
– Você sabe que Lucy não precisa de mim, ela pode se casar
com outro.
– Eu sei que vocês devem deixar de ser bobos e se casarem
de uma vez!
Mas se ele me der suas economias, sei que não vai conseguir
fazer isso com Lucy, a filha de um colono que Lincoln conheceu
algumas semanas atrás.
Ele me dá um sorriso triste.
– Quando der, se ela me esperar... Se você não me quiser...
Tantas coisas!
Eu vou saindo do estábulo e ele me acompanha.
– Tranque bem a porta antes de dormir por estas noites. E se
precisar, venha até o meu alojamento, me chame e daremos um jeito
– Lincoln diz antes que eu saia.
Eu concordo com a cabeça.
Então, diante dos nossos olhos, um grupo de cavaleiros entra
no forte, arrastando um prisioneiro amarrado por uma corda.
É um indígena enorme e de cabelos longos. Ele está muito
machucado, seu ombro sangra e o rosto está tão inchado e roxo que
me dá calafrios.
Ele não é Coiote. Ele não é Coiote. Ele não é Coiote...
Repito ao meu coração, que está saindo pela boca.
Mas ele parece, a altura, o porte forte... Parece que o
conheço...
Vejo-os amarrarem–no ao poste em frente à porta da casa do
Capitão. Ele pende a cabeça para frente, parece desmaiar.
Dou um passo para frente.
– Lizie! – Lincoln me chama.
Me viro para ele, com olhar angustiado.
– Eu preciso ajudá-lo, Lincoln!
– É perigoso, pode ser um assassino! Não pode se arriscar
por um desconhecido! Índio ainda! – ele exclama.
Eu olho para o homem, que me lembra tanto Coiote, depois
encaro Lincoln outra vez, decidida.
– Eu sinto que já o conheço, vou averiguar e se for o caso,
quero que me ajude!
– O quê?! Não! Nem pensar! Eu poderia ser executado! – ele
diz com os olhos muito abertos.
– Tudo bem, ajudar só um pouco! – estreito os olhos para ele.
Lincoln abre a boca para protestar, mas a fecha outra vez e
em seguida dá um grande suspiro.
– Tudo bem, Lizie. Se precisar de mim, é só chamar.
Eu fico feliz e o abraço rapidamente, para depois voltar
correndo para a casa, mas não sem antes olhar bem para o
prisioneiro. Graças a Deus não é Coiote, mas ele me lembra
alguém... Quem será?
Capítulo 24 – A Caminho
Coiote

Eu observo outra vez a fogueira em minha frente, como em milhares


de outras vezes. E como em milhares de outras vezes, eu penso em
Puma. Tudo me lembra ela, mas o fogo, o silêncio, a noite parecem
gritar o nome dela.
O vento balança meus cabelos e a noite parece me engolfar a
alma. Droga! Quando me ofereci para vir com Cabelo de Sol neste
resgate de Cavalo Alado, eu deveria ter trazido uma garrafa de
bebida, mas aí não conseguiria prestar atenção aos perigos ao redor.
Claro que eu não precisava ter vindo, mas quando a esposa
de Cavalo entrou como um furacão na reunião do conselho, dizendo
que teve uma visão e que o viu prisioneiro em um dos fortes dos
brancos, eu poderia ter feito como todos os outros e rido. Poderia ter
escarnecido dela, mas eu soube que era verdade. Eu soube pelo
desespero dela que o Grande Espírito havia lhe falado ao coração,
havia lhe mostrado realmente onde estava Cavalo Alado e que ele
precisava de ajuda. Por isso, quando ela saiu, fui atrás dela. Não
deixaria uma mulher sozinha, esperando um filho, empreender uma
viagem deste tipo, ainda mais para salvar um amigo, mesmo depois
que Vento Veloz, o jovem irmão de Cavalo, também se juntou a nós.
Isso aconteceu a um dia atrás. O forte fica a mais um dia adiante.
Um lobo uiva ao longe e vejo Vento Veloz, que estava deitado,
se sentar atento, olhando ao redor. Eu apenas ergo uma
sobrancelha, olhando para Cabelo de Sol em uma pergunta
silenciosa:
Será seu lobo? Ou devo me preocupar?
– Durma tranquilo, Vento Veloz, nem todo o lobo é mau. Hoje
estamos protegidos. – ela diz e vejo o jovem deitar-se novamente.
Depois ela ajeita o vestido que está usando, um dos vestidos
de Puma. Uma das tantas coisas que ela deixou para trás depois que
se foi e eu guardei. Evito olhar para ela, para não pensar nem
lembrar, mas falho miseravelmente, como sempre.
Pelo canto dos olhos, eu a vejo se remexer de um lado para o
outro, suspira e se vira. Vento Veloz parece que dormiu e ronca, mas
ela não, continua inquieta.
– É melhor dormir, Cabelo de Sol. Amanhã temos que
cavalgar o dia todo. – Digo já irritado.
É só o que falta, ela ficar dormindo em pé sobre o cavalo.
– Eu sei, Coiote, mas não estou conseguindo. Não paro de
pensar na minha visão, no sofrimento de Rainnan. Por que fariam
isso com ele? – Ela diz, chamando Cavalo Alado pelo seu nome
Cheyenne.
– Os brancos não precisam de motivos para nos atacar, assim
como nós também não precisamos.
– Não pode estar falando sério! Quer dizer que acha isso
normal e que faria também, se visse algum branco por aí? – Eu dou
de ombros. Ela não desiste. – Por que nos odeia tanto? Por que nos
julga todos iguais? Por que me tratava daquele jeito horrível? Tem
alguma coisa a ver com a dona destas roupas? Afinal, onde está
ela?
A branca pergunta tanto! Fito outra vez o fogo, as chamas, me
perguntando se posso contar para ela o que não contei a ninguém.
Espio Vento Veloz, que dorme como uma pedra. Meu peito parece
estar sendo pisoteado por bisões. A dor, o peso, já não consigo
disfarçar, então eu deixo sair:
– Tenho raiva de todos os brancos, sim. Não sou como Cavalo
Alado, não faço negócios com eles, não me uno a eles. – Deixo bem
claro. Posso amar Puma, mas a traição dela me feriu a alma. – Eu só
os uso. Compro suas bebidas, pago por suas mulheres. Eles não são
confiáveis, são traidores e mentirosos. – principalmente as mulheres
brancas!
Mas esse último eu não digo, não quero insultar Cabelo de
Sol. Não mais do que já insultei.
– Depois de tudo que os seus passaram, eu não o culpo por
sentir raiva, mas sinta das pessoas certas. Há inocentes de todos os
lados. – Eu apenas a observo e não respondo nada, por isso ela
insiste: –E esta roupa? Onde está a antiga dona?
Que coisa! Puma também era assim! Quando fazia uma
pergunta, não desistia até conseguir a resposta.
Respiro fundo. Achei que a tribo inteira comentava a minha
vergonha. O homem que foi abandonado, trocado por um branco
duas vezes. Mas pelo jeito, Cabelo de Sol não sabe de nada disso.
Inferno! Por mais vergonhoso que seja, eu quero falar sobre
ela.
– Você vai descobrir de qualquer jeito. A dona era minha
escrava. – digo de vez e vejo-a levar um susto.
A dor parece ter diminuído, pelo simples fato de eu ter dito
algo sobre Puma em voz alta. Miro as chamas e deixo tudo sair,
como em uma correnteza, sem conseguir controlar:
– Eu e alguns amigos estávamos caçando, esperando a
manada de búfalos, quando ouvimos tiros. Não deveríamos ter ido
até lá, mas ficamos curiosos. Juramos que só iríamos observar de
longe, atrás das árvores. Mais adiante tinha uma carroça, alguns
corpos no chão, três homens brancos mataram os ocupantes,
colonos que iriam para o oeste. Vimos quando eles iriam matar o
último, uma moça, mas ao invés disso, levantaram seu vestido e
estavam abusando dela, os três ao mesmo tempo. – Jogo uma pedra
com raiva nas chamas. –Eu tentei não ver, mas seus gritos entraram
no meu coração. Já passou por isso, Cabelo de Sol? Tentar ficar
indiferente mas não conseguir? Eu odeio todos eles, mas não pude
ficar parado vendo aquela mulher ser infamemente violentada
daquele jeito. Eu juro que nunca levantei a mão para uma mulher,
branca ou não, mas naquela hora minha intenção era matá-la, para
silenciá-la, para acabar com aquele sofrimento. Atirei minha flecha
nos três brancos, eles nem tiveram tempo de sacar suas armas.
Quando cheguei perto dela, para atirar também, ela me olhou com os
olhos azuis tão grandes, que eu não consegui. Então a levei para a
tribo. Ela não emitiu nenhum som por várias luas. Eu a chamei de
Puma Pequena. – Paro subitamente, pois uma dor tão grande quanto
o céu me transpassa a alma.
Eu errei tanto com ela...
Travo meu maxilar para não sentir, para não demonstrar nada.
– Onde ela está agora? O que aconteceu?
– Ela fugiu. – Digo simplesmente.
– O que você fez para ela? – A mulher de Cavalo Alado quase
grita, parecendo ficar furiosa. – O que você fez à pobre moça?
Como assim? O que ela acha que eu fiz?! Doida de pedra!
– Eu não fiz nada! – digo, mas ela continua me encarando,
esperando. – Não me olhe assim! Eu não fiz nada de mal a ela! Eu a
tratava como escrava, é verdade, como uma branca que ela era, mas
nunca a desrespeitei. Então uma noite ela veio a mim. – Não queria
ter dito isso, mas ela achou que eu machuquei Puma de alguma
forma e isso não aconteceu... Bom... talvez a tenha machucado, mas
não como ela está achando.
Passo as mãos pelo rosto, tentando controlar meus
sentimentos, que parecem estar me deixando louco, depois continuo
com voz baixa:
– Eu não podia me unir a ela, afinal ela era branca! Achei que
poderia tê-la como escrava e me casar com uma de nós, mas ela se
revelou. Me chamou de selvagem ignorante, eu disse que nunca
mais tocaria nela e a daria para Olhos Brancos. E foi o que eu fiz.
Não demorou muito, ela fugiu, um pouco antes de você aparecer.
Fugiu com um branco! – A raiva me domina e eu cuspo, ultrajado. –
Depois do que fizeram com ela, depois do que vivemos! Ela me traiu!
Ela mentiu e enganou, como todos os brancos! Mulher branca só
serve para usar e nada mais, não dá para deixá-las entrarem na
nossa vida, senão elas destroem tudo, como um vendaval muito
forte.
A dor voltou com força maior. Grande Espírito, eu só queria
esquecer, só queria ter paz! Quando Ave Branca se foi, eu me
revoltei, mas não senti isso, não doeu assim! Por que isso não
passa?! Até quando terei que conviver com esta dor, com esta
saudade que parece me matar aos poucos? Até quando irei vivenciar
nossos momentos juntos até pegar no sono? Até quando?
– Você gostava dela, não é? Se apaixonou pela inimiga. – Ela
me pergunta de repente.
Eu fixo o olhar em seu rosto, não posso dizer a esta mulher
que amo Puma e que ela levou minha própria alma quando se foi.
Por isso digo em tom baixo, minha voz revelando toda a dor que
tento esconder:
– Eu não sei, mas sinto muito a falta dela.
– Mesmo se encontrando com Lírio do Campo? – Ela joga
meu maior erro na minha cara, como Puma fazia.
Coloco mais alguns galhos no fogo.
– Lírio do Campo e eu temos o mesmo problema, queremos
quem não podemos ter, então esquecemos nos braços um do outro.
Não temos nem teremos nada a mais. – Nunca mais.
– Eu tentei fugir quando você me disse aqueles absurdos,
então posso dizer que não é tão fácil como você está fazendo
parecer. Como ela conseguiria? Como sabe que ela se encontrou
com algum branco? – Ela pergunta com esperteza.
Eu ergo meu queixo em sinal de orgulho. Não estaria dizendo
isso dela, se não tivesse certeza.
– Eu segui o rastro dela. Não sei como ela sabia, mas não
muito longe da tribo existe uma passagem e uma vez a cada 30 luas
uma diligência passa, indo para o Oeste rumo à cidade e ao forte ao
qual estamos indo. Ela certamente foi se encontrar com alguém e
teve ajuda. – teve ajuda daquele maldito!
Eu deveria ter matado aquele infeliz quando tive a
oportunidade! Deveria ter arrancado o escalpo feio dele e pendurado
na tenda!
A visão de Puma abraçando aquele branco horrível ainda me
tira o sono e me dá pesadelos! Maldito! O amaldiçoo mil vezes!
Maldito!
– Sim, certamente ela teve ajuda, mas de alguém de dentro
da tribo, pois de outro jeito ela não saberia da tal passagem. E outra,
por mais que ela gostasse de você, e parece que ela gostava, um
escravo vai sempre perseguir seu maior sonho: liberdade. Talvez, se
você oferecesse algo que não fosse apenas deveres e obediência,
ela teria ficado com muito gosto. – ela diz isso bocejando e se
deitando para dormir.
Pelo Grande Espírito!!! Nunca tinha pensado nisso! Alguém da
tribo? E ela "teria ficado com gosto" se eu agisse diferente? Parecia
que "gostava de mim"?
Oh, droga!
– Não tinha pensado deste jeito, mas o que mais eu poderia
ter ofertado a ela? – murmuro sem notar.
– Amor. Apenas amor, Coiote. – Ela responde com um bocejo
e em segundos está ressonando.
Fico sozinho olhando para as chamas.
Amor. Apenas amor.
Eu poderia tê-la tomado por esposa, assim como Cavalo fez
com esta branca que o ama tanto, que arrisca a si mesma e seu filho
para procurá-lo.
Eu poderia ter dormido ao seu lado todas as noites, amado
seu corpo a todo o momento. Poderia ter feito um filho nela, assim
como esta branca. Cavalo parece tão feliz. Eu poderia estar feliz. A
chamaria de minha e nossos filhos cresceriam juntos com os de
Cavalo e Cabelo de Sol, assim como eu e ele nos criamos. Puma
seria minha, para sempre.
Só sinto que a emoção tomou conta de mim quando o gosto
salgado chega aos meus lábios.
Limpo o rosto com raiva. Um guerreiro Cheyenne não chora!
Nunca! Nem quando vê que foi o maior idiota, nem quando nota que
sua felicidade esteve com ele e a espantou. Um guerreiro não...
"Um guerreiro Cheyenne sabe quando é o momento de aceitar
seu destino e quando é o momento de ir atrás dele."
Me levanto de um pulo, olhando em volta. Quase caio para
trás quando vejo sentado a três passos de mim, do outro lado da
fogueira, um homem vestindo a pele de um alce. Ele não parece real,
é quase transparente e eu sinto um arrepio percorrer meu corpo.
Será que dormi e não notei?
O famoso xamã da nossa tribo, o poderoso Alce Maior, que
morreu antes que eu tenha nascido, está falando comigo!
Ou dormi ou enlouqueci!
Limpo a garganta.
– O senhor quer dizer para eu me conformar? É isso?
O velho indígena me encara e depois parece fazer algum
desenho na terra com um graveto.
"Não seja burro, Coiote Grande! Espero que isso não passe
para seus descendentes!"
Ele me lembrou Olhos Brancos agora!
– Meus descendentes? Hummm... Então terei descendentes?
"Mais rápido do que imagina."
Ele responde com um sorriso enorme, que me lembra alguém.
– O que faz aqui? – Pergunto com cuidado.
Ele interrompe o seu desenho na terra, olha para Cabelo de
Sol e depois volta a olhar para mim.
"Há pessoas aqui que me são caras. Pessoas que precisam
de mim."
Eu olho para a branca adormecida.
– Entendo. A branca é poderosa como você era, será uma
boa xamã.
"Não me refiro apenas a ela, mas sim a você e sua branca
também."
Meu coração para por alguns segundos.
– Minha branca? – As palavras saem sozinhas.
"Você a chama assim, mas na minha época chamávamos de
'minha outra metade'."
Alce Maior sorri, parecendo entender e saber de tudo.
– Eu a perdi. – Lhe digo com dor na alma.
" Só se perde aquilo que você desiste de conquistar."
Engulo em seco, pensando no que ele me disse.
– Desistir de Puma? Desistir de tê-la comigo? De tê-la ao meu
lado? Não. Nunca. – A verdade me atinge e Alce Maior parece
esperar uma resposta. – Eu lhe juro que, assim que retornar em
segurança com Cavalo e Cabelo de Sol, eu vou procurar minha
Puma Pequena em todos os cantos desta terra. E vou encontrá-la,
mesmo que leve a vida inteira. Não vou desistir.
Ergo meu queixo e bato no peito com a mão fechada, em
juramento.
Juro ao próprio Grande Espírito, nunca vou desistir de minha
outra metade.
Alce Maior parece realmente feliz.
"Terei muito orgulho de ser seu sangue, Coiote Grande. E
talvez você não precise esperar tanto tempo assim para reencontrá-
la".
– Como...?
As chamas da fogueira parecem crescer. Crescem tanto que
eu tenho que cobrir o rosto com as mãos.
Então eu desperto com a luz do sol batendo nos meus olhos.
Pisco várias vezes e olho ao redor, Cabelo de Sol e Vento
Veloz ainda dormem. A manhã de um novo dia grita ao meu redor.
Foi só um sonho, mas foi tão real! Mesmo assim, eu vou
cumprir a promessa, vou procurar Puma e não voltarei para a tribo
até que a leve junto!
Puxo de dentro da cintura da calça meu pedaço de tecido
bordado e encaro o desenho que Puma fez. Um vento súbito me
arranca o tecido das mãos e eu corro para pegá-lo. Ele para próximo
à fogueira e quando me abaixo para apanhá-lo, caio de joelhos
diante do que vejo. O tecido parou ao lado de um desenho feito na
terra. O desenho de um coiote protegendo um puma.
Era isso que Alce Maior tanto desenhava? Então, não foi
sonho?!
Eu sorrio feliz de verdade, depois de tanto tempo, o peito
batendo forte com esperança. Esperança de ter minha Puma, de ter
descendentes, de ser completo e feliz.
Ah, Puma. Se me der outra chance, ficarei a vida inteira
tentando me redimir das besteiras que fiz.
Solto uma risada.
– Obrigado, Grande Espírito! Obrigado, Alce Maior!
Eu vou reencontrá-la! E quando o fizer, nunca mais a deixarei
partir. Como Cabelo de Sol disse, vou amá-la e ela será minha
esposa, e eu escravo de seu amor. Um escravo bobo, enfeitiçado e
estupidamente feliz.
Não vejo a hora!
Capítulo 25 – Irmã
PUMA PEQUENA

– Elizabeth! – a voz do Capitão Smith ecoa pela cozinha grande e


me levanto de um pulo do banquinho de madeira.
Ele vem entrando com uma roupa azul a tiracolo, não parece
ser seu uniforme, parece mais um vestido.
– Sim, Capitão? – Eu digo com uma das sobrancelhas
erguidas.
– Tenho uma hóspede. Prepare um banho para ela e leve esta
roupa. E você, Marie, quero um banquete para esta noite! – O
Capitão me estende a roupa e está radiante.
Um arrepio percorre minha espinha. Quem será essa tal de
hóspede que ele está tão entusiasmado? Tenho até pena da pobre
mulher.
– Sim, senhor. – Marie e eu dizemos em uníssono.
Ele se vira e sai, parecendo satisfeito.
Eu preparo a água e me dirijo ao quarto de hóspedes. Dou
uma batida de leve na porta e depois a abro. Mantenho a cabeça
baixa, para não olhar para a mulher que está ali dentro, pois se é
amiga do Capitão, certamente não é boa pessoa. Jogo os baldes de
água sem cessar, até que a banheira esteja cheia. Sinto o olhar da
mulher cravado em mim, deve estar estranhando uma branca vestida
como nativa.
Vejo-a pelo canto do olho se aproximando, endireito as costas
depois do último balde e minha manta colorida cai, revelando meu
ventre dilatado.
– Você está grávida! – a moça exclama surpresa. – Não devia
fazer esforço assim.
Ela me repreende e eu a encaro pela primeira vez. A moça
loira, um pouco mais velha que eu, também está esperando um
bebê. Ela é muito bonita e a surpresa com que me olha dentro dos
olhos, me faz perguntar a mim mesma se já não a conheço.
– Puma Pequena? – ela pergunta em Cheyenne.
O susto toma conta de mim. Olho para ela com o choque
estampado em meus olhos.
Como pode uma branca falar Cheyenne? Isso é algum teste?
Como pode saber meu nome? O nome que Coiote me deu?! Meu
nome indígena!
Fico muda, me cubro com a manta novamente e pego o balde
outra vez.
Ela é amiga do Capitão Smith, não pode ser amiga da minha
tribo! Quer dizer, da tribo de Coiote!
Já estou saindo outra vez, quando escuto:
– Agora vejo o porquê de meu amigo Coiote Grande se
apaixonou por você. É muito bonita. – ela diz em inglês desta vez,
talvez achando que eu não entenda Cheyenne.
Isso me faz parar. Me volto e olho para ela, lançando meu
olhar desconfiado.
– Impossível uma branca ser amiga de Coiote Grande. – Eu
respondo em Cheyenne.
– É você mesma! – Ela vibra e pega minhas mãos, me
olhando com carinho. Algo em mim parece reconhecê-la como se
fosse alguém querido. – Coiote mudou muito, eu acho que foi por
sua causa. Ele sente muita saudade sua. – Ela continua, fazendo
tudo dentro de mim parecer explodir de dor.
Me encolho ante meus sentimentos, mas não solto a mão
dela, que parece ser uma boa pessoa.
– Quem é você? – respondo em um fio de voz.
– Eu sou Samanta, mas a tribo me chama de Medhyh Abhcha,
que quer dizer...
– Espírito Branco. – Eu a interrompo e completo sua frase,
saboreando as palavras da língua nativa. – Eu achei que nunca mais
ouviria esta língua. – digo com súbito prazer.
– Só Coiote que me chama diferente, de Cabelo de Sol, mas
ele não dá para contar, ele só faz o que quer. – As palavras dela me
fazem fuzilá-la com o olhar, o ciúme me invadindo. – Ei, não me olhe
assim. Eu sou casada. Com Cavalo Alado, lembra dele? – Ela sorri
com ternura.
O alívio me invade e faço sinal afirmativo com a cabeça.
– O futuro chefe da tribo, o filho de Urso em Pé, um homem
de honra. –Eu a avalio. Não há como seu filho ser de Cavalo Alado,
pois a barriga é maior do que deveria ser desde que saí de lá. Em
compensação, sempre achei que Cavalo merecia uma mulher melhor
que Lírio do Campo. – Eu vou pegar a água quente do seu banho. –
digo e saio.
O que ela está fazendo aqui com o Capitão que, todos sabem,
odeia os nativos mais do que tudo? Não parece ser uma traidora, ao
contrário, tem muito amor e carinho na sua voz quando fala de
Cavalo... Então o que é?
Quando volto, levo uma chaleira de água fervente e a roupa
pendurada no ombro.
Depois de preparar a água, eu tento ajudá-la a despir suas
vestes.
– Não precisa fazer isso, eu faço sozinha. Ei, lembra deste
vestido? – ela me pergunta e eu noto surpresa que ela veste uma de
minhas antigas roupas.
– Meu vestido! Onde o conseguiu?
– Coiote o guardou. Só me emprestou porque a ocasião é
muito especial. – Ela diz, entrando na água.
Coiote guardou minhas vestes? Por quê?
– Qual ocasião? – Entrego-lhe o sabonete perfumado.
– Eu te conto se me contar porque fugiu da tribo e o que faz
aqui, com estas roupas de nativa.
Eu coloco o vestido que tinha nos ombros estendido na cama,
pego o meu antigo e dobro-o com cuidado, notando o contorno de
uma arma entre as dobras. Se ela entrou aqui com uma arma
escondida, eu posso lhe contar a minha história.
– Me parece que posso confiar em você. Não sei, mas sinto
em meu coração como se fôssemos amigas, o que é absurdo,
certamente, mas por isso hei de explicar-lhe. Eu era escrava de
Coiote Grande, ele me salvou e eu lhe fui grata. Ele me tratava com
frieza e superioridade a maioria do tempo, mas em outras ocasiões,
era gentil e atencioso. Comecei a reparar no verdadeiro Coiote, que
se mostrou um homem de coração bom e muito charmoso. – sinto
meu rosto arder ante a lembrança. Vejo-a sorrir com sinceridade.
Então eu continuo, me recordando: –Um dia, eu não resisti mais, eu
mesma o procurei, sei que é vergonhoso, mas...
– Não é nada vergonhoso! – Ela me interrompe. – Você é
maior de idade, ele é bonitão e solteiro, qual o problema disso? – Ela
diz com simplicidade.
– Ele é um índio! – Respondo como se ela não soubesse. –
Um selvagem que não queria nada sério comigo. Ele estava fazendo
planos de se casar com outra, comigo esperando um filho dele! – Eu
jogo minha humilhação para fora.
– Estranho que ele não me falou nada sobre o filho de vocês.
– ela diz, já saindo da banheira e pegando o vestido azul, que tem
um decote profundo.
– Claro que não falou, ele não sabe! –eu digo em voz baixa e
vejo o seu queixo cair.
– Você não contou a ele? – Ela ainda está atônita.
– Eu fiquei com medo. Me disseram que ele daria um fim na
criança se ela nascesse, que ele não suportaria ter um filho mestiço,
isso se eu sobrevivesse ao parto. Dizem que mulher branca não
sabe dar à luz como uma nativa, que nós morremos. – minha voz
não é mais que um sussurro.
– Foi a miserável da Lírio do Campo que lhe disse estas
mentiras cruéis, não foi? – ela ficou irada agora.
– Ela não me disse mentiras, ela me ajudou, me disse como
sair de lá, quando a diligência passaria. Ela me salvou a mim e meu
filho. – digo e de repente me sinto idiota, principalmente depois do
olhar de pena que ela me lançou.
– Puma Pequena, Lírio do Campo é má e seu coração
sombrio, ela só falou isso para afastá-la. Eu ouvi as mesmas
palavras de sua boca, e também que nenhuma branca viveria na
tribo. "Nenhuma", ela até enfatizou. Não entendi na hora, mas agora
entendo. Coiote achou que você tivesse fugido com um branco, que
lhe ajudou a sair de lá. Quando eu o conheci, ele estava muito
magoado, eu acredito que Lírio do Campo deva tê-lo envenenado
também.
Lírio nunca foi confiável, mas o que ela ganharia com isso?
Certo que eu a vi traindo Cavalo, mas nunca contei a ninguém! Por
que ela acabaria com minha vida ou de meu filho? Por nada? Por
maldade apenas? Não pode!
Me sento ao meu lado de Espírito Branco, perplexa.
– Não pode ser. Eu achei que ela queria meu bem. – falo mais
para mim mesma.
–Você é muito inocente, não conhece aquela cobra. Ela fez
tudo para ter Coiote só para ela... – ela se interrompe com os olhos
arregalados, parecendo querer que as palavras voltem para dentro
da boca.
Mas eu ouvi!!!!! E me levanto de um pulo.
– O quê?! – o grito sai estrangulado e eu a encaro, exigindo
sem palavras que me conte tudo.
– Eu não devia falar nada, mas já que comecei, vou terminar.
– ela parece pesarosa, mas continua – Lírio quer se casar com o
meu Cavalo Alado, está esperando uma tragédia. E enquanto isso
não acontece, ela se distrai com Coiote.
As palavras são um soco no meu estômago. Sei que Coiote
nunca foi fiel a mim e não esperava que ficasse sozinho depois que
fugi, sabendo que ele acharia que estava com Lincoln, mas mesmo
assim não consigo evitar o ultraje.
– Aquele ordinário! Selvagem infame! Eu... Eu... Eu o odeio! –
Eu grito, mas logo começo a chorar.
– Não fique assim, só contei para você saber que ela não
presta. E Coiote não pode ser julgado, se você, acreditando em
mentiras infames, o abandonou sem nem dizer que estava
esperando um filho dele! Você realmente achou que ele seria capaz
de fazer algum mal à criança? – As palavras ditas em alto e bom
som me fazem ver o quão idiota eu fui. Me controlo e paro de chorar,
limpando as lágrimas.
– Tem razão, agi como uma tola. Nós tínhamos brigado e eu
estava morando com Olhos Brancos. Eu tinha tanto medo dela.
Coiote nem ao menos me dirigia o olhar, achei que a sua raiva
comigo fosse tão grande, que o levaria a fazer alguma maldade.
Aquela ordinária mentiu tão bem que eu acreditei. Eu devia ter
confiado nele antes de julgar. – ela fica quieta, como se já tivesse
passado por isso também.
Eu estava tão magoada com as safadezas de Coiote, que não
pensei em conversar com ele, como um companheiro, como um
amigo. Estava tão triste com seu afastamento que não lhe dei a
chance de saber que seria pai, não lhe dei o benefício da dúvida
quando Lírio falou suas insanidades. Acreditei nela, que sabia ser
uma pessoa imoral e com isso arrisquei a mim e meu filho, mas
também não posso me arrepender de todo, salvei Lincoln. E posso
jurar que se não estivesse aqui, aquele nativo prisioneiro já teria
morrido.
Eu suspiro, me refazendo e olhando para frente, sem nada
enxergar, continuo:
– Depois que saí de lá, não soube para onde ir. Na cidade
ninguém iria querer empregar uma mulher que viveu entre os
nativos. Nem as meretrizes se deitam com eles. E as que deitam
ficam marcadas. Eu não tinha para onde ir, nem família, tampouco
dinheiro, então me conseguiram trabalho aqui, mas nenhuma mulher
com boa reputação vem para cá, a não ser que seja da família ou
convidada do Capitão. Tem muitos homens e nem todos são
educados. Por isso tenho que me vestir assim, por ordem do
Capitão, para mostrar a todos que sou menos que nada, que sou
amante de índio. Mas é até bom, evita muitos tormentos.
A moça parece se emocionar e me abraça, me pegando
desprevenida.
–Você não é nada disso. Você se entregou a um homem bom,
que a salvou de um destino horrível. Você tem um anjo no ventre e é
trabalhadora e doce. Você não pode viver aqui assim, venha comigo
de volta à tribo.
Voltar? Para a tribo?
Eu penso por um minuto se quero voltar para aquele lugar.
Por mais que não tenha me sentido em casa lá, sempre fui
respeitada, não é como aqui. E também, agora tem meu filho, um
mestiço aos olhos dos brancos seria sempre um índio, mas na tribo
eles amam crianças. Elas são quase sagradas para eles. Eu deveria
estar muito louca e cega de ciúmes para ter acreditado naquela
maldita quando ela mentiu que Coiote poderia fazer algo contra
nosso filho. Como será que ele irá reagir? Será que ensinará ao
nosso filho os seus costumes? Bom, se ele não ensinar, outros
ensinarão. Talvez lá, em meio à natureza, em meio aos nativos, que
eu considerava selvagens ignorantes, seja o melhor lugar para criar
meu pequeno em paz, sem preconceitos e aprendendo o que
realmente tem valor nesta vida: respeito, dignidade, honra; coisas
que não encontrei em meio aos meus, mas que os Cheyennes têm
em abundância. E meu filho é um Cheyenne!
Eu me emociono também e me animo por alguns instantes,
porém depois me lembro.
– Mas eu não quero voltar a ser escrava. – Digo de um sopro.
Não posso voltar e ficar como um pacote, rolando de cá para
lá, sendo "dada" para quem quer que seja.
– Então não seja. – Ela responde calmamente. – More comigo
e Rainnan. Nossa tenda é pequena, mas você e seu filho serão bem-
vindos lá, se você e Coiote não se acertarem. Você será como minha
irmã. E desta vez, irá por livre vontade e ficará porque quer ficar, não
por ser obrigada. O que me diz? Vai aceitar?
Nunca imaginei receber tanto carinho, tanto afeto, de uma
desconhecida. As palavras dela me emocionam, me aquecem o
coração e acalmam minha alma.
Uma irmã. Uma pessoa bem-vinda.
– Sim, eu vou! – respondo animada.
– Ótimo! Só temos que achar um jeito de sair esta noite sem
ninguém nos ver, com um índio de quase dois metros, cem quilos e
moribundo nos braços. Quase nada, super fácil, né? – Ela fala muito
depressa e eu a olho como se tivesse enlouquecido.
Ela suspira e me conta a história que a trouxe aqui. Ela teve
uma visão com seu marido, o viu sendo capturado pelos soldados,
então depois da tribo inteira desacreditar nela, apenas dois, Coiote e
o jovem Vento Veloz, acreditaram nela e a ajudaram a chegar aqui.
No caminho, eles encontraram Entre Nuvens, que tinha ido até a
cidade com Cavalo Alado e este contou o que realmente aconteceu.
Os dois tinham feito negócios, trocado peles e caça com um
negociante novo na cidade, mas este, quando os dois viraram as
costas, os denunciou aos soldados, mentindo que tinham–no
enganado e roubado. Os soldados os perseguiram e atiraram,
acertando em Entre Nuvens e o deixando para trás, pois o julgaram
morto. Trouxeram Cavalo Alado ao forte para puni-lo e enforcá-lo, se
não morresse por si só de fome e sede em três dias.
Samanta me disse que, por meio de outra visão (se eu não
tivesse morado com Olhos Brancos, acharia tudo isso estranho), ela
encontrou Entre Nuvens muito machucado em uma caverna e que
ela tratou dele, que junto com Vento Veloz já estão a caminho da
tribo a esta altura. Pelo que ela disse, ela é como Olhos Brancos,
uma xamã. E eu acredito em cada palavra dela.
– O prisioneiro índio é Cavalo Alado? Eu não imaginava! –
digo por fim.
Sabia que eu o conhecia de algum lugar!
– Sim! E eu preciso tirá-lo deste lugar hoje mesmo, mas não
faço ideia do jeito que vou fazer isso. – Ela escova seus cabelos sem
prestar atenção e com tanta força, que parece querer arrancá-los.
Desistindo, ela coloca a escova de lado.
Me aproximo e apanho-a, terminando o trabalho, prendendo
metade do seu cabelo para cima, em um penteado bonito.
Enquanto faço isso, minha mente divaga. Eu já fugi de um
lugar antes, com um prisioneiro. Sei que aqui há mais segurança,
mas não à noite, horário em que costumo ajudar o prisioneiro.
– Eu tenho uma ideia, Samanta! – Eu exclamo e ela dá um
pulo animada.
– Qual? Pelo amor de Deus, Puma Pequena, me conte o que
pensou, porque eu não consigo bolar nada! – Eu começo, então, a
andar de um lado ao outro no quarto enquanto falo:
– Tem um certo momento na madrugada em que o vigia,
soldado Morgan, abandona seu posto para se encontrar com a
cozinheira Marie. Sei disso porque ela me contou. Como eu disse,
nenhuma mulher que vem trabalhar aqui é de boa reputação.
– Esqueça essa história de reputação, quem dá a mínima para
o que estes preconceituosos ignorantes pensam? – ela solta um
suspiro. – Mas me conte, você acha que ele vai se encontrar com ela
hoje?
Essa moça tem um pensamento muito diferente, certamente
vem de muito longe!
– Não sei, mas posso perguntar como quem não quer nada.
– Isso! Faça isso! E se tudo der certo, poderemos sair daqui.
Sabe se tem alguma outra saída a não ser o grande portão? – Ela se
anima e eu balanço a cabeça negativamente, fazendo-a voltar a ficar
pensativa. –Tudo bem, vai ter que ser pelo portão mesmo. Você sabe
lidar com cavalos? Acho que teremos que roubar um também. Ei,
não me olhe com esses olhos arregalados. Nós duas com um pouco
mais de um metro e meio, grávidas, não vamos conseguir levar
Rainnan, tem que ter um cavalo! Ou burro. Ou sei lá. Se ele não
estivesse tão fraco... Mas está aqui vai fazer três dias, sem comer
nem beber nada... –Ela para de falar diante da minha expressão. – O
quê?
Ela pergunta surpresa e eu amplio o meu sorriso.
– Nas madrugadas que o soldado Morgan visitou Marie eu
levei escondido ao prisioneiro chá de ervas para dor e comida. Eu
não sabia que era Cavalo Alado, pois estava muito machucado e não
o reconheci, mas ele me lembrou Coiote e eu fiquei com pena... – eu
começo, mas ela não me deixa continuar e me interrompe com um
abraço.
– Eu sabia! Logo que te vi, sabia que era boa. Obrigada! Por
sua caridade, por aliviar o sofrimento do meu... – Ela para
subitamente, como se tivesse vergonha de chamar Cavalo de algo
mais íntimo, mas eu posso jurar que ela o chamaria de "amor".
– Não precisa me agradecer e nem tentar esconder o que
sente. Só uma mulher apaixonada se arriscaria deste jeito. Mas você
me perguntou se eu sei lidar com cavalos e na verdade eu sei. Eu
consigo pegar um, sim, mas você vai ter que pegar a chave para
abrir aquela enorme corrente do portão.
– E onde eu consigo isso?
– Ela fica pendurada no pescoço do Capitão Smith. – digo de
um sopro, lembrando do dia em que ele tentou me agarrar e eu vi a
maldita chave lá, quando ele estava nu.
– Já vi que fiquei com a parte mais fácil. – Ela dá um suspiro e
se senta na cama, parecendo desolada. – Não tem como fazer isso,
Puma.
– Mas é claro que tem, você tem isso. – Eu aponto para o
decote generoso que o vestido azul da falecida esposa do Capitão
expõe. – E isso. – Eu tiro o revólver do meio do meu próprio vestido
que ela usava e que eu havia dobrado.
Ela se surpreende, parecendo ter esquecido totalmente dele.
Ela vem até mim e o pega de minhas mãos.
– Vou ter que usar de todas as armas, não é mesmo? – Ela
pergunta e eu concordo com a cabeça.
Ela suspira mais uma vez e eu fico admirada com sua
coragem em vir aqui com esta missão.
– Agora eu tenho que ir, a tarde já vai alta e tenho que ajudar
no jantar. Nem lhe trouxe algo para comer, como o Capitão mandou.
– Não se preocupe, eu não conseguiria comer, mesmo se
tentasse.
– Agora vá até a sala, o Capitão logo voltará da sua ronda, se
já não voltou. E você precisa conseguir aquela chave, do contrário
não poderemos sair. Mais tarde falo com você. – Eu a abraço mais
uma vez e saio dali.
Corro porta afora em direção aos estábulos. Lincoln está ali,
sozinho, graças ao bom Deus, espalhando o feno.
– Oi, Lizie! – ele me saúda assim que me vê, limpando o suor
da testa com as costas da mão.
– Lincoln, é hoje o dia! – Digo animada.
Ele estreita os olhos.
– Como assim?
Eu sorrio.
– Esta noite você irá me ajudar a salvar o prisioneiro nativo. –
Ele arregala os olhos azuis. – E eu vou voltar com ele para a tribo!
Depois disso, o ancinho que ele tinha na mão cai e eu dou
risada.
– Elizabeth Carter, vai ter que me explicar tudo direitinho, ou
vou achar que você está completamente louca!
Ele diz entredentes e eu suspiro.
– Certo, Lincoln, mas se sente, pois a história é longa!
Ele arregala mais ainda os olhos e eu sorrio mais uma vez.
Sei que não será fácil, mas pela primeira vez depois de muito tempo,
eu sinto meu coração feliz.
Capítulo 26 – Reencontro
Puma Pequena

Depois que falei com Lincoln, foi a vez de falar com Marie. Sim, o
soldado virá visitá-la hoje à noite e eu não resisti ao suspiro de alívio
que soltei. Ela apenas me olhou desconfiada, mas não disse nada.
Depois do jantar, eu fiquei de olho em Samanta e o Capitão. Vi
quando foram para a sala de música e depois quando ela correu
para o quarto e ele foi atrás como um tarado. Que nojo! Espero que
ela saiba lidar com aquele pervertido.
Peguei uma faca e fiquei esperando-a me chamar ou gritar.
Como não fez nada disso, fiquei apreensiva. Quase empurrei Marie
para fora e quando dei de cara com o soldado esperando-a com um
sorriso nos lábios, eu fiquei imensamente feliz.
Corri para o quarto de hóspedes e abri a porta com cuidado, o
que vi me fez perder a fala.
O Capitão está no chão, com braços e pernas amarrados e
um pano na boca. E Samanta está sentada próxima a ele, com
pernas dobradas e parece estar brilhando!!!
O Capitão parece tentar gritar algo para mim. E a verdade é
que comecei a ficar inquieta com isso.
Me aproximo dela e limpo a garganta, ela parece despertar do
seu "transe" e me encara sem jeito.
–Não sei o que aconteceu, acho que saí de mim por alguns
minutos. – ela dá um sorriso sem graça, falando em Cheyenne,
enquanto se levanta.
– Você estava brilhando. Muito. Como se estivesse pegando
fogo. – digo meio catatônica.
E ela parece se surpreender.
– Às vezes acontecem coisas que não conseguimos explicar.
E ultimamente estão acontecendo muitas comigo. – ela parece estar
com vergonha ou receio do que aconteceu.
Eu olho para o Capitão, que se debate amarrado.
– Vejo que conseguiu a chave. – digo e ela afirma com a
cabeça. - O soldado já está indo ver Marie, precisamos ir agora.
Ela corre para a porta, sem esperar, praticamente
desesperada. Quando saímos, ela tranca com a chave, mas eu
ainda assim fico apreensiva. O Capitão Smith é muito esperto, quase
endemoniado.
Antes de passarmos pela porta da frente, ela se detém por um
segundo.
–Espere! Esqueci de algo! – Ela corre pelo corredor e em
segundos volta.
–Você pega o cavalo e eu pego Rainnan. – Diz, enquanto me
entrega um revólver. – Se precisar, aponte e puxe o gatilho.
–Pode deixar, não vou deixar ninguém se aproximar
novamente o suficiente para me fazer mal. E vou fazer melhor do
que só trazer uma montaria. Deixe o portão aberto, Espírito Branco.
Agora sei porque lhe chamam assim. – Eu digo sorrindo, entregando-
lhe uma faca e corro pátio afora, em direção às baias.
Quando entro, Lincoln está lá, escondido.
– Que droga, Lizie! Tem certeza que quer fazer isso? – ele
está desalinhado, como se estivesse se arrumando para dormir.
– Me ajude logo, não temos tempo! – eu digo animada.
Ele concorda com a cabeça e me ajuda a montar um enorme
cavalo, que ainda não ganhou a marca do exército americano.
– Lizie, seja feliz! – a voz dele embarga e meus olhos ficam
úmidos.
Me abaixo e o abraço.
– Vou ser. E você, fique longe de confusão!
Ele sorri.
– Se está pedindo para eu não ir visitá-la na aldeia, pode
deixar, ficarei o mais longe possível de qualquer índio de agora em
diante. Não quero acabar encontrando seu amor! – ele debocha.
– Promete, Lincoln? Promete que não irá se envolver com
coisas relacionadas a nativos e aldeias? Eu estarei em uma delas,
assim como meu bebê...
Vejo o sangue fugir do rosto dele.
– Tem minha palavra, Lizie. – ele diz solene.
Então escutamos a voz do Capitão urrando:
– Soldados, o prisioneiro está fugindo! Soldados! Alerta!
Então, sem eu esperar, Lincoln abre todas as baias.
– Lembra do que fazíamos quando queríamos distrair seu pai?
Então ele bate no traseiro de dois grandes garanhões e eles
voam porta afora, e todos os outros os seguem.
– Obrigada, Lincoln! – e assim incito meu próprio cavalo e vou
junto com dezenas de cavalos, voando pelo pátio, que já tem
algumas casas iluminadas e alguns homens já saíram com arma em
punho...
O Capitão acordou todo o forte.
Eu domino meu corcel e atiço os demais a fugirem pelo
portão, que já está devidamente escancarado. Os soldados param
estupefatos diante da cena, alguns têm que sair do caminho, outros
tentam pegá-los, mas não conseguem. Eles literalmente voam para
fora, ficando apenas o que eu monto.
Vejo Cavalo Alado em pé, livre das cordas, o ferimento ainda
parece deixá-lo fraco, mas Samanta está ao seu lado. Eu paro à
direita deles e desmonto, mas antes que possamos fazer qualquer
coisa, os soldados começam a atirar. O som das munições sendo
usadas nos intimida. E pela primeira vez, penso que isso pode dar
muito errado.
Ouço Espírito Branco soltar algumas expressões em outra
língua e se colocar ao meu lado com a sua arma na mão, apontando
para os soldados que estão vindo em nossa direção, com o mais
variado tipo de armamento em mãos. Eu também saco meu revólver
e miro neles.
Um lobo vindo não sei de onde se coloca na frente de nosso
trio, parecendo que quer nos proteger. A nossa única saída está a
algumas centenas de metros à nossa esquerda, os soldados à nossa
frente e o Capitão caído às nossas costas. Ele pelo menos parou de
gritar, desmaiou ou morreu.
Samanta atira em um soldado que estava terrivelmente perto
e ele cai. Não quero matar nenhum deles, mas para não morrer, eu
começo a disparar também, e em meio a uma saraivada de tiros,
ouço um grito.
Um brado indígena de guerra.
E diante de meus olhos, Coiote Grande rompe forte adentro,
montado no seu cavalo malhado, com arco e flecha na mão,
derrubando vários, enquanto cavalga até nós. Meu coração falha
uma batida. Por alguns instantes eu não consigo fazer mais nada,
apenas observá-lo, sem fôlego. Tudo dentro de mim se agita, parece
que o momento para por alguns instantes.
Enorme, musculoso, com os cabelos negros e compridos
voando ao vento, como no dia em que o conheci e usando seu arco
para salvar, usando sua força para proteger.
Ele não me viu, está ao lado de Cavalo Alado e joga um arco
para este. Os dois atiram contra os soldados.
Cavalo Alado faz esforço sobre–humano para montar no
cavalo que eu trouxe e puxar Samanta para junto dele. Coiote para
com sua montaria ao meu lado e estica a mão para me puxar para o
lombo do animal. Eu o encaro e ele arregala os olhos, congelando o
movimento, parecendo quase apavorado. Eu empurro sua mão
estendida e monto sozinha na frente dele. E logo que faço isso, ele
enlaça minha cintura com firmeza.
Ele solta uma expressão de surpresa e sei que notou o
volume de minha barriga, mas ele continua me segurando. Eu tento
afastá-la, mas ele segura com mais força.
– Pode se mexer o quanto quiser, não vou soltá-la. – ele
sussurra no meu ouvido.
E eu escuto claramente apenas por uma coisa: os tiros
pararam.
Ninguém está disparando em nossa direção. Os soldados
estão parados com rifles e revolveres nas mãos, embasbacados, em
choque. E eu noto o porquê.
Na nossa frente, um ao lado do outro, há uma dezena de
indígenas. E eles são translúcidos, parecem...fantasmas de
guerreiros do passado! Eles têm arcos, machadinhas e lanças.
Um soldado dá um tiro em nossa direção e a bala atravessa o
nativo que estava a alguns passos de distância de Samanta. O
projétil passa por ele como se passasse por uma cortina de fumaça,
que se dissolve e depois volta a se unir. Este nativo tem uma
machadinha na mão e a atira no soldado que disparou. Vejo-a girar
primeiro como uma fumaça semitransparente, para depois se
solidificar a alguns poucos metros de distância do soldado, o
acertando bem no meio da testa. Ele cai morto no mesmo instante.
Outra machadinha aparece na mão do guerreiro indígena.
Eu sufoco um grito, horrorizada. Seguro com força o braço de
Coiote, que me enlaça ainda mais.
– Vocês não têm chances! Abaixem suas armas e nos deixem
ir. Do contrário, serão massacrados. – Samanta pede com voz alta e
forte, parecendo estar muito à vontade nesta situação.
Então, para nossa alegria, os soldados obedecem. Todos
largam suas coisas no chão e se afastam alguns passos.
Não esperamos mais. Nossos cavalos disparam pelo portão,
deixando o forte, os soldados, o Capitão, a prisão e a morte para
trás.
Eu fico olhando enquanto nos afastamos, os nossos
fantasmas continuam lá, armados e bloqueando a saída de qualquer
um que tentasse nos seguir a pé, porque depois que Lincoln
afugentou toda a montaria, não teriam como nos alcançarem.
Quando estamos em uma distância segura, diminuímos a
marcha. Coiote ainda não me soltou e ninguém fala nada. Solto um
suspiro e apoio as costas no peito grande de Coiote, sentindo como
se estivesse em paz, depois de muito tempo.
Sinto Coiote aspirar o meu cheiro bem na curva do meu
pescoço.
– Que saudade, minha branca. – a voz rouca junto ao meu
ouvido me faz arrepiar.
– Pena que não posso dizer o mesmo, seu sem–vergonha! –
digo entredentes.
– O quê?! Ainda está brava por causa de Relva Macia? – ele
parece surpreso.
– Relva Macia, Lírio do Campo e todas as outras, seu
ordinário! – resmungo com raiva.
– Como...? – ele começa, mas Samanta o interrompe com voz
urgente.
– Coiote, temos que parar. Rainnan está muito mal, preciso
cuidar dele.
– Ainda estamos perto demais, Cabelo de Sol... – Coiote tenta
argumentar.
– Agora, Coiote! Tem que ser agora! – ela pede em
desespero.
– Vamos parar ali naquelas árvores, até o amanhecer. –Ele
anuncia.
Desmontamos e Coiote ajuda a tirar Cavalo Alado do lombo
de sua montaria. Ele está desmaiado. Agora entendo a preocupação
de Samanta. O esforço que ele fez, mais o ferimento, devem ter
consumido todas as suas forças. Acendemos uma fogueira e o
colocamos sobre as mantas. Samanta diz que ele está queimando
de febre, rasga sua camisa e limpa seu corpo, seu rosto e o obriga a
tomar água.
Ela cuida dele como se disso dependesse mais do que a vida
de Cavalo, a vida dela própria. Como ela não quer minha ajuda, eu
me afasto e me sento próximo à fogueira. Coiote me lança um olhar
intenso e eu desvio as vistas. Meu peito dói, tenho tanta saudade
dele e agora ele está tão próximo, mas ao mesmo tempo, tão
distante. Não posso me jogar em seus braços e esquecer tudo! Ou
posso?
Olho outra vez para Samanta, que parece orar em aflição,
para não perder seu amor. E o meu está aqui, me olhando com
carinha de cachorro arrependido. O que eu faria se fosse o
contrário? Se fosse Coiote ali, entre a vida e a morte? Ainda ficaria
pensando no passado, ou seguiria olhando apenas para frente?
Samanta disse que ele mudou... Será verdade?
Oh, Deus, como eu gostaria que fosse!
Capítulo 27 – Reconciliação
Depois de muito tempo, Cavalo Alado parece acordar e conversar
com Samanta, para depois cair em sono profundo. Ela se aninha ao
lado dele, perecendo querer protegê-lo de todo o mundo, parecendo
querer isolá-los de todo o resto.
Eu continuo sentada diante da fogueira. Coiote foi esconder
os rastros, ele disse. Então, quando escuto passos se aproximando,
eu ergo a cabeça e dou de cara com ele, tão grande, tão forte, tão
másculo... Sinto meu coração palpitar. Ele se aproxima e se senta ao
meu lado, me olhando intensamente.
– Você acha que ele vai sobreviver? Ele parece tão fraco... –
Pergunto a Coiote baixinho, olhando na direção onde Cavalo e
Samanta estão, não muito próximos.
– Se ela não conseguir salvá-lo, ninguém mais consegue. O
que ela fez por Entre Nuvens, talvez nem Olhos Brancos teria feito. –
ele responde com um meio sorriso nos lábios cheios, me olhando de
canto de olho.
– O que aconteceu lá? Quem eram aqueles? – Faço a
pergunta que tanto me incomoda, sobre os fantasmas.
– Antepassados. Guerreiros. Protetores. Vieram porque ainda
não era nossa hora de morrer. O Grande Espírito tem planos para
nós. Para todos nós. – Ele aviva o fogo e depois me encara. – E
falando em planos... Quais são os seus, Puma Pequena?
Ele parece me desafiar e eu o encaro com o queixo erguido.
– Espírito Branco me convidou para morar com ela e Cavalo
Alado, como sua irmã. – digo satisfeita.
Quero só ver a cara dele agora!
Porém, Coiote não expressa nenhuma surpresa, mas quando
fala, sua voz é carregada de mágoa:
– Quanto tempo vai demorar para fugir desta vez?
A pergunta me pega desprevenida, me fazendo perder um
pouco a postura rígida que tinha assumido desde que reencontrei
Coiote.
– Não precisarei fugir, não serei escrava, ficarei por vontade
própria. – Eu digo, jogando uma meia verdade.
Se ele não tivesse me tratado apenas como escrava, eu não
teria fugido!
– Você não entende que eu a levei para a tribo unicamente
porque não poderia abandoná-la à própria sorte? – Ele se exaspera
e eu me indigno!
Me levanto e me afasto dele. Ele se levanta também. E me
puxando pelo braço, me vira obrigando-me a encará-lo.
– Me solte! Vai querer me dizer que me fez de escrava para
meu próprio bem? Que me levou para a sua tenda, obrigando-me a
limpar, cozinhar e me deitar com você... – eu começo, mas ele me
interrompe.
– Nunca a obriguei a deitar-se comigo. –Ele me repreende
irritado.
– Não, mas devia! Assim eu não me sentiria tão imbecil! –Eu
grito e me solto das mãos dele. – Você me usou! Eu fiz tudo que me
pedia! Tudo o que, com arrogância, me ordenava, porque tinha
gratidão por você, por ter matado aqueles miseráveis! Mas eu não
entendia porque não tinha me matado também, até que me levou
para a tribo. Então entendi que queria alguém que substituísse sua
ex–esposa. Em tudo, menos no seu coração. – A última frase foi dita
em um sussurro.
Não queria falar sobre Ave Branca, mas não resisti. Ele deixou
aquela safada entrar no seu coração... Mas eu não. Eu e todas as
outras ele manteve afastadas enquanto nos usava!
– Onde está o pai desta criança que carrega? Foi por causa
dele que fugiu? – Ele ergue uma sobrancelha, perguntando muito
sério.
Ele acha que Lincoln é o pai do meu filho?!!
– Sim, foi por causa dele que fugi. Por causa daquele
selvagem ignorante e burro! – Eu esbravejo com as mãos fechadas,
os braços ao longo do corpo.
Vou pular no pescoço dele se ficar falando idiotices!!!
Ele se aproxima mais a passos largos, parece irritado e ainda
maior.
– Eu achei que tinha fugido com um branco, mas me traiu com
alguém da minha própria tribo! Como pôde? Como pode ser tão... –
ele começa e eu o interrompo aos berros.
– Não ouse terminar! Eu o proíbo! Você não tem o mínimo
respeito por mim, não tem confiança... – eu iria dizer sentimento e
etc, mas é a vez dele de me interromper:
– Como posso ter confiança se está esperando um filho de
outro? – Ele está perto de perder a cabeça e eu me irrito ainda mais.
– Seu tolo! Este filho é teu! – Eu grito e vejo Coiote piscar
várias vezes, a expressão é mais chocada do que quando joguei
aquele balde de água nele. Me compadeço e repito com a voz mais
terna: – Ele é seu filho, Coiote.
Vejo-o escancarar a boca tentando falar algo, para depois
fechá-la novamente, sem pronunciar nada. Está atônito. Ele pega as
minhas mãos e me puxa para mais perto dele, passa a mão enorme
pelo meu rosto em um carinho, me olhando com os olhos cheios
d'água. Quando fala, sua voz tem um tom baixo e rouco.
– Então, por que me deixou?
– Você queria se casar com outra, queria que eu fosse
somente sua escrava. E eu sou branca, você nunca escondeu sua
aversão ao meu povo. Achei que não iria querer um filho mestiço... –
as palavras saem aos tropeços e todas de uma vez.
Coiote se aproxima ainda mais, aproxima seu rosto do meu,
coloca as mãos no meu pescoço e encara meus lábios.
– Shhhh, não fale mais. É meu filho, não é mestiço, é um
Cheyenne e só isso importa. Você não vai mais ficar na tenda de
Cavalo Alado, vai ficar na minha, com meu filho. – ele diz e então
toma minha boca com a sua, envolvendo meu corpo com o seu,
apertando-me contra os seus músculos fortes, invadindo tudo com
sua língua, em um beijo sensual e faminto.
Eu esperei tanto por esse beijo, eu desejei tanto este
momento. Só Deus sabe quantas vezes pensei nisso antes de
adormecer. E por isso eu retribuo o beijo, agarro seus cabelos
longos, passando a mão pelas suas costas fortes.
Mas então eu me lembro das safadezas dele e a aversão vem
rápida. Ele não falou nada sobre "casamento"! Por isso eu o empurro
para longe, usando toda a minha força.
Coiote é pego desprevenido e me olha assustado.
– Me solte! – Eu grito. –Você não vai tocar em mim
novamente, nem vou para sua tenda sem antes me casar sob as leis
e costumes da tribo. – Digo batendo o pé.
– Mas... – ele parece confuso.
– E sem segunda esposa! E quero que se afaste de Lírio do
Campo! – Digo desta vez entredentes, olhando-o com raiva.
Para minha surpresa, Coiote ri. Um riso alto e cheio de alívio.
– É isso que quer? – Ele ainda sorri quando se aproxima outra
vez.
– Sim. É o que eu queria antes e o que quero agora, que me
respeite. Quero que me tenha por primeira esposa, diante de todos e
não me venha dizendo que eu sou branca, Cavalo Alado será o
próximo chefe da tribo e tem uma esposa branca e que ama, pelo
que eu vi...
Coiote se aproxima ainda mais, com um sorriso gigante.
– Não precisa continuar, eu aceito suas condições, vamos nos
casar, sem segunda esposa, sem Lírio do Campo. Eu te entendo.
Entendo agora porque fugiu, Cabelo de Sol me fez entender e ela me
deu um conselho que pretendo seguir. – Ele diz, enquanto me abraça
novamente.
– E qual foi? – Pergunto sorrindo, totalmente rendida ao
charme dele.
– Te amar. –Ele diz e sem eu esperar, toma minha boca
novamente em um beijo feroz que me faz perder a noção de tudo à
minha volta, como sempre.
Coiote interrompe o beijo, aspira o cheiro dos meus cabelos e
sussurra em meu ouvido:
– Iria te procurar pelo resto da minha vida, o Grande Espírito
me poupou trabalho.
– Iria...? Demorou um pouco para decidir isso, não? – Eu
sorrio, pois ele está beijando meu pescoço.
Coiote para com os beijos e me encara muito sério.
– Eu fui um tolo, um burro e pretendo passar o resto dos meus
dias tentando te fazer feliz, minha branca... – ele faz outro carinho no
meu rosto. – Eu te amo, Puma Pequena.
As palavras são ditas com receio, devagar e com olhar
angustiado.
Eu me emociono com o medo dele em expor seus
sentimentos.
– Eu também te amo, meu Coiote – digo, tocando seu rosto
bonito.
Outra vez ele me beija, me apertando contra si, se ajoelha
diante de mim e planta um beijo em minha barriga.
Depois, ele próprio arruma uma cama improvisada próxima à
fogueira e estende a mão me chamando.
Eu me deito ao seu lado e ele fica de lado, apoiado em um
braço, me encarando como se estivesse me vendo pela primeira vez.
– O que foi? – Pergunto meio rindo.
– Você é mais linda do que eu me lembrava. E eu achava que
isso nem era possível. – Ele dá uma risada baixa.
– Então agora não sou mais uma zoiuda estranha? – Eu rio
também.
A gargalhada dele faz meu coração dar um pulo de felicidade.
Ele passa a mão pelos meus ombros, pescoço, seios...
– Sabe que sempre fui louco por você, só fui burro demais
para não admitir.
Eu ofego com o carinho sobre a roupa. Coiote abaixa a
cabeça e morde meu mamilo por cima do tecido, me fazendo soltar
um gemido baixo, que ele abafa com um beijo.
– Coiote... – eu arquejo quando a mão dele se infiltra sob
minha saia, tocando minhas coxas nuas, enquanto ele está beijando
a curva do meu pescoço, passando a língua e sugando.
– Ah, minha branca, como senti sua falta! – Ele murmura com
a voz rouca de desejo.
Então eu me lembro! E a raiva me faz empurrá-lo.
– Deve ter sentido muita falta, pois, sim, dormindo com todas
as nativas da tribo e até aquela infame da Lírio do Campo! – O ciúme
vem forte e eu não consigo evitá-lo.
Coiote parece que levou um coice, me olha com os olhos
muito abertos.
– Você fugiu com aquele branco! O que esperava que eu
fizesse?
– Lincoln é meu amigo, eu não poderia vê-lo morrer! E você já
estava de safadezas antes de eu fugir! – Eu digo, tentando me
erguer, mas ele se senta e me puxa para seu colo, me fazendo cair
de lado sobre seu corpo.
– Já disse que fui um idiota, o que mais quer que eu diga? – A
voz é profunda e ao contrário do que imaginei, não está irritada.
Eu lhe encaro e ergo o meu queixo.
– Você me machucou muito. – Quando digo as palavras, meus
olhos se enchem de água, mas eu mantenho o olhar dele.
– Não, Puma, por favor, não faça isso. Eu já me sinto mal
demais pelo que fiz... Inferno! Se eu pudesse, voltava no tempo!
Puma, meu amor, não fique assim! Eu vou fazer tudo diferente! Me
deixe, pelo Grande Espírito, mostrar que eu posso ser outro homem
e não aquele idiota. Perdão, minha branca! – Ele me beija os lábios,
o nariz, a testa, as bochechas... – Vai me perdoar, esquecer tudo e
começar a partir de agora? Só você, eu e nosso filho?
Eu fungo e sacudo a cabeça.
Ele está certo. Se vamos começar um casamento, uma
família, tenho que deixar o passado para trás, mas uma vingancinha
inocente não seria mal.
– Sim, você tem razão, esqueceremos tudo então. – Eu dou
um sorriso fraco e ele me beija, feliz.
– Ah, minha branca, você não vai se arrepender... – ele
começa a beijar meu pescoço, a afastar o decote do meu vestido, em
um desejo ardente.
Sinto seu membro muito rijo abaixo de minhas ancas e me
remexo sobre ele, sentindo tudo queimar dentro de mim.
Coiote solta um gemido.
– Quero você, minha branca, quero agora. Dizem que nossas
mulheres não podem ser tocadas quando estão esperando um filho,
eu nunca acreditei nisso, mas agora, com você, tenho medo. Eu não
sei o que fazer...
Opa! A vingança perfeita!
Eu me levanto do seu colo e me deito na cama improvisada.
– Certo. Então até o bebê nascer, você não vai me tocar. Nem
em mim, nem em ninguém! – Eu digo com um sorriso.
– O quê?!! – Ele quase grita. – Mas, Puma... Eu achei que
você iria dizer que isso é tolice, que você é branca, que nada tem a
ver com nossos costumes antigos!!! Não pode estar falando sério!!!
Eu rio.
– Você não queria provar que é um homem mudado, Coiote
Grande? Então?! Sem mulher nenhuma até o bebê nascer!
Ele se deita ao meu lado, me puxando para ele de costas,
enquanto beija meu ombro.
– Você é a única mulher que eu quero, a única que me
importa. E se é isso que quer, então assim será. – Ele sussurra com
os lábios no meu ouvido.
Ele está tão próximo enquanto me abraça por trás, que eu
sinto todo seu corpo junto ao meu, me fazendo ficar em fogo.
É, acho que me dei muito mal com essa brincadeira! Droga!
Capítulo 28 – Abrigo
Quando amanhece, o céu está carregado de nuvens negras. Coiote
caça uns coelhos e nos alimentamos. Cavalo Alado está bem melhor
e Samanta o obriga a se alimentar um pouco. Parece que está
melhorando, já se levanta e com ajuda de Coiote, reclamando quase
ofendido, monta no cavalo e Samanta sobe em sua frente. Ela não
sabe montar e precisa de ajuda também.
Depois é a vez de Coiote e eu. Noto pela primeira vez que ele
monta Tormenta, a água que estava domando naquele dia em que
fingiu estar ferido.
– Tormenta virou uma égua excelente, nem parece aquela que
com um simples mudar de sua atitude lhe jogou ao chão! – Eu rio,
lembrando dele caindo.
Coiote não ri, apenas me puxa mais para si, prendendo meu
corpo ao dele, depois sussurra no meu ouvido:
– Ah, minha branca, por que foi me lembrar daquele dia? – Ele
beija o meu pescoço e atiça mais Tormenta e esta galopa um pouco
à frente de Cavalo Alado e Samanta.
– Coiote? – Eu pergunto, estranhando essa atitude dele.
– Puma, se eu não tocar em você, vou morrer! – Ele diz em
agonia e eu rio.
– Como assim? – Digo rindo.
Ele pega meu queixo e puxa em sua direção, me beijando a
boca com sofreguidão, enfiando a língua e agarrando meus cabelos
pela nuca, em um beijo que me rouba o ar.
Quando sinto a mão dele nas minhas coxas, eu noto que está
passando dos limites, mas não ligo, meu corpo quer o toque dele.
Não estou de ceroulas, esse tipo de vestido de couro não permite
isso, apenas uma combinação fina e as mãos dele não se detém
apenas nas minhas coxas, elas sobem mais, procurando o centro da
minha feminilidade. Os dedos grandes me tocam e eu arquejo.
– Coiote, não... – o protesto sai fraco e entre os lábios dele,
que me cala com outro beijo faminto.
Sinto seu dedo me tocar como se toca um frágil instrumento
de cordas, enquanto sua língua faz movimentos de vai e vem dentro
de minha boca. Agarro o braço dele, precisando me segurar em algo
e sugo sua língua em um desejo louco por tê-lo.
Coiote dá um gemido alto contra minha boca e sinto que isso
o excitou ainda mais. Noto o membro duro em minhas costas e
colocando a mão para trás, eu o toco. Já está saindo pelo cós das
calças dele e eu o envolvo com a mão, como ele me ensinou.
Sinto ele me erguer um pouco e então enfia um dos dedos em
mim. Eu estremeço. Quando ele se mexe dentro de meu ser, eu não
resisto e solto um gemido, enquanto mexo meu corpo contra a mão
dele.
Minha respiração está descompassada, tudo se agitando.
Queria poder descer deste cavalo e amá-lo aqui mesmo.
Mas não posso! Ele merece uma lição!
– Pare, Coiote... – eu começo, mas ele não escuta, parece até
intensificar o toque. Eu tampouco consigo largar seu membro, passo
a mão para cima e para baixo, sentindo-o mais rijo, me fazendo
enlouquecer de desejo.
– Não! – Eu tiro forças sabe Deus de onde para largá-lo e
empurrar a mão que está acabando com meu autocontrole.
Quando ele sai de mim, sinto um vazio, estou tremendo e com
raiva.
– Você prometeu! – Digo sem fôlego.
Coiote também parece frustrado, pois torce a boca quando
diz:
– Eu não prometi nada. Apenas disse que só você me
interessa e se QUISER continuar com essa ideia, tudo bem, mas não
disse que não vou tentar fazê-la mudar de opinião.
– Isso não é justo! – Eu o fuzilo com o olhar.
– E é justo você não me deixar tocá-la? Você será minha
esposa! Inferno! – Ele parece furioso.
Não respondo e olho sempre em frente.
– Vai ficar muda outra vez? É isso? – ele solta um suspiro
atrás de mim.
Eu seguro a sua mão, olho para os dedos longos e sinto um
arrepio na espinha.
– Coiote, eu não vou mudar de ideia. Você precisa me provar
que está mudado, que não irá para a cama da primeira que se
oferecer! – Cruzo os braços olhando para frente.
Ele puxa meu rosto em sua direção, me fazendo encarar seus
olhos negros.
– Eu só quero você. Quanto antes entender isso, melhor
viveremos. Eu poderia ter me unido a qualquer uma, mas só quero
você, com todo meu coração, corpo e alma.
As palavras marcam meu coração e eu aperto os lábios.
– Mas ainda não se uniu a mim... – eu começo, mas ele me
interrompe.
– Farei isso logo que chegar à tribo. Nem que eu tenha que
arrancar o xamã Poeira ao Vento de sua cama! – Ele diz aborrecido
e eu sorrio.
Pego outra vez a mão dele, entrelaçando meus dedos nos
seus.
Ele me abraça, me apertando por trás.
– Desculpe, eu deveria respeitar sua decisão... mas não
consigo. – Ele diz no meu ouvido, mordiscando o lóbulo da minha
orelha. – E como eu sou mais teimoso do que você, acho melhor
acabar logo com isso. – Ele sorri aquele sorrisão lindo e arrogante
dele e eu tenho que rir.
Cavalgamos o dia todo. O tempo só piorou e no final da tarde,
um relâmpago corta os céus e o vento forte me faz arrepiar.
– Não seria melhor pararmos e buscar abrigo? – Pergunto a
ninguém especificamente.
–Não podemos seguir viagem assim, ela tem razão. –
Samanta reforça.
Coiote e Cavalo Alado trocam olhares significativos. Tem algo
acontecendo e não querem nos contar. Cavalo concorda com a
cabeça e os dois ao mesmo tempo mudam o rumo dos cavalos.
Neste momento, a chuva cai, torrencial e violenta.
– Meu Deus, Coiote! Precisamos de abrigo rápido! – eu digo
debaixo de muita água.
– Não se preocupe, minha branca, vou proteger você,
conhecemos um lugar. –Ele me responde somente.
Saímos da trilha, vamos por entre árvores e mata rasteira,
estamos subindo uma pequena montanha. O aclive força os cavalos
a diminuírem a marcha e o chão escorregadio e lamacento obriga
Rainnan e Coiote a desmontarem.
Passamos perto de um rio grande e caudaloso. Mesmo por
entre a chuva inclemente, vejo que a paisagem é infinitamente bonita
aqui. As árvores fazem um túnel, quase parando as gotas do
temporal, mas ao contrário do que imagino, eles seguem adiante,
atravessam o túnel verde e em uma clareira maravilhosa ao pé da
montanha, eu vejo uma cabana. Está abandonada, pelo jeito, há
muitos anos, mas as toras enormes sobreviveriam até mesmo a um
dilúvio.
Quando entramos, a grande sala está empoeirada. Samanta
se dirige à lareira de pedra e logo um fogo aconchegante toma conta
de tudo. Me ponho a limpar um pouco o lugar, mas meu vestido
encharcado não me deixa caminhar direito, está grudando no meu
corpo e me fazendo tremer de frio. Eu tento torcer a barra dele.
Procuro Coiote com os olhos e noto que os homens parecem
indecisos em entrar completamente. Miro em volta e vejo que mais
um cômodo se une a este. Uma bela cabana, em um lugar lindo...
– Por que esta cabana está abandonada? – ouço Samanta
perguntar.
Os dois homens olham para o chão, claramente tentando
esconder algo. Eu me apavoro. Com olhos arregalados pergunto:
– Alguém morreu aqui, de alguma doença? – me levanto de
um pulo.
Coiote decide por entrar e senta-se diante do fogo.
– Ninguém morreu aqui, só estamos proibidos de vir para cá.
– Ele lança um olhar para Cavalo Alado, com um sorriso debochado
nos lábios. – Todos na tribo estão, mas Cavalo e eu nunca fomos de
seguir as regras. Mesmo assim, faz muitos invernos que não
entramos aqui.
– Por que não podem? – a curiosidade me faz perguntar,
porém um arrepio de frio me impede de continuar.
Coiote nota e se aproxima, me puxando para si e me
abraçando com seu corpo grande.
Cavalo Alado também entra, puxando por Samanta. Ela
também está com frio, pois até seus lábios estão azuis.
– Eu acho melhor vocês dois aí se virarem de costas. Eu e
Puma Pequena temos que nos livrar destes vestidos ensopados,
senão vamos acabar pegando uma pneumonia. – ela anuncia e eu
sinto o sangue sumir de meu rosto.
Como assim? O que ela pretende, que eu fique nua diante de
Cavalo Alado?
Os dois homens se viram apressadamente para a parede, um
cuidando o outro, para não olhar, provavelmente.
Eu não me mexo e Samanta chega bem próxima de mim e diz
baixinho:
– Puma, ninguém aqui é criança e estes vestidos tem tanto
tecido que dá para fazer mais cinco roupas. Vamos ficar só com a
combinação de baixo, viu? – Ela diz, enquanto retira o vestido pela
cabeça. – Ela parece uma camisola. Você também está com uma
assim?
Concordo com a cabeça e retiro o vestido de couro e franjas.
Não é algo que seja considerado decente se apresentar assim
diante de outras pessoas, mas nesta situação, não há muita escolha.
Estendemos as roupas molhadas próximas ao fogo. E quando
Samanta se vira de costas, eu vejo um desenho lindo gravado em
sua pele, um cavalo com asas e uma mulher parecida com ela
própria. Nunca vi nada igual.
– Eu não tinha notado antes, você não me deixou ajudá-la a
banhar-se, mas você tem a marca de Cavalo Alado gravada em si? –
Eu ainda estou olhando boquiaberta o desenho lindo e perfeito.
– Sim, era o meu destino. Agora eu sei disso.
Eu engulo em seco. Começo a pensar que isso de "destino"
interfere mesmo na vida das pessoas.
Se Coiote não estivesse naquele exato local quando fui
atacada, ele não teria me salvado, eu não teria ido para sua tribo e
por minha vez salvado Lincoln. Se eu não tivesse fugido com ele,
não teria acabado no forte e encontrado Cavalo e Samanta... Parece
que foi tudo escrito, como algo selado desde sempre.
É isso que chamam de "destino"?
Os indígenas acreditam no Grande Espírito. Mais do que as
pessoas da minha cidade, que se reuniam na igreja aos domingos,
eles veem Deus em todos os cantos, em cada nascer do sol, em
cada criança. O Grande Espírito é alguém presente na vida deles.
Acho que tenho muito ainda a aprender com esse povo.
Pegamos as mantas, que graças a Deus estavam enroladas e
quase não molharam e nos cobrimos.
– Pronto, podem se virar! – ela diz. – E não pensem que nos
esquecemos, podem ir contando o porquê de esta cabana ser
proibida.
Ouço ela dizendo, mas nem ligo mais. Coiote se virou e eu
vejo seus olhos queimarem. Ele move os lábios em um "branca
gostosa" e eu sinto minhas bochechas arderem. Ele se aproxima e
faz um carinho em meu rosto.
– Porque esta era a casa do avô de Cavalo Alado. – Ele
explica, como se não estivesse mexendo comigo, esse infame. – Ele,
assim como nós, se encantou com uma branca e a tomou como
esposa. – Ele termina, olhando com um meio sorriso para mim.
– Sério? – Samanta se dirige a Cavalo.
Coiote me puxa para ele, erguendo disfarçadamente minha
manta e olhando para dentro, enquanto morde o lábio e desce as
sobrancelhas.
– Eram outros tempos, a guerra entre nossos povos era mais
cruel e mais sanguinária. Amar uma branca era impossível,
improvável e totalmente proibido, até para o maior guerreiro da tribo.
–Escuto Cavalo falar, com uma nota de tristeza na voz.
Dou um tapa na mão de Coiote, que segura minha manta e
me afasto dele.
– O que aconteceu com eles? – Samanta pergunta.
– Viveram isolados dos dois mundos, aqui. E depois que se
foram, o chefe proibiu qualquer um de chegar perto deste lugar, para
não seguirmos o exemplo e enfraquecer a tribo. – Ele explica.
– Mas você não parece ter sangue branco, Cavalo Alado. –
Afirmo com sinceridade.
– E não tenho. A minha avó branca não deu filhos a meu avô,
mas ele era viúvo e já tinha minha mãe pequena.
– Nuvem Cinzenta foi criada por uma branca. Essa nem você
sabia, não é Cabelo de Sol? – Coiote ri e me puxa outra vez para
perto dele. – Nem pense em ficar longe de mim assim – ele sussurra
no meu ouvido.
– Não, eu não fazia ideia. Nunca me disseram nada. –
Samanta dá um olhar acusador para Cavalo. – Mas ela não fala
inglês...
– Ela fala, sim. Entende tudo, mas prometeu a si mesma,
depois que meu pai morreu, não falar mais nenhuma palavra no
idioma branco. – Cavalo explica.
– Oh! E eu fazendo papel de tola diante dela, por tantas
vezes! – Samanta fica vermelha, faz uma careta tão estranha,
envergonhada e irritada ao mesmo tempo, que Coiote gargalha alto.
– Você deveria ter me contado! – ela diz a Cavalo, parecendo
querer matar o outro. Ela é tão pequena perto dele, que é até
engraçado vê-la desafiá-lo assim.
Deve ser a mesma coisa quando eu e Coiote brigamos.
Ele a abraça.
– Minha mãe não gosta que toquemos neste assunto. Urso
em Pé não quer que ninguém saiba que sua esposa foi criada por
uma branca. É quase um segredo.
– E como você sabe disso, Coiote? – ela pergunta.
– Cavalo Alado e eu, quando não passávamos de dois
meninos, achamos este lugar. Mesmo com nossos pais nos
proibindo, vínhamos sempre, até que foram obrigados a nos contar. –
Ele ri. – Diziam que seríamos amaldiçoados e que nos
apaixonaríamos por brancas, se continuássemos vindo aqui! – Ele ri
ainda mais.
Depois para de repente, como se tivesse se dado conta do
que falou.
– Poxa! Era verdade! – Ele arregala os olhos e dou-lhe um
safanão.
– Quer dizer que agora sou uma maldição? – Eu pergunto
furiosa.
– A maldição mais linda que já vi! – Ele emenda e me beija os
lábios de um jeito delicioso, me fazendo rir e esquecer sei lá o
porquê que estava brava com ele.
Endireito as costas e limpo a garganta. Coiote não parece
estar ligando para a presença do outro casal.
– E qual era o nome deste seu avô que enfrentou tudo e todos
por este amor proibido? – Eu pergunto, curiosa demais com essa
história.
– Três Marcas. Ele estava liderando os guerreiros indígenas
que nos ajudaram a sair do forte.
Meu queixo cai. O avô dele era um dos fantasmas?!
Coiote quebra o silêncio pesado que se formou, ninguém quer
falar sobre nossa quase morte e estragar o clima descontraído.
– Eu não vou caçar nada a esta hora, acho que podemos
comer alguns sapos. O que acham?
– Você só pensa em comer! – dou um empurrãozinho nele e
todos nós rimos juntos.
– Enquanto Cavalo está fraquinho como um potro, eu sou o
provedor daqui, mas vou cobrar tudo quando melhorar. Vai caçar
para mim durante muitas luas! – Ele não deixa passar a
oportunidade.
– Como um potro? – Cavalo Alado se ofende e atira um
mocassim nele.
Coiote se desvia e ri alto.
– Tenta me matar com seu cheiro de gambá?
Me levanto e pego um dos alforjes, o que enchi com
mantimentos antes de fugir do forte e retiro carne seca e algumas
maçãs. Quando entrego a eles, Coiote grita para os céus:
– Por isso esta mulher será minha esposa! Obrigado, Grande
Espírito!
Coiote louco! Vai me matar de vergonha na frente dos outros!
Abaixo a cabeça sem jeito, mas não consigo evitar o sorriso.
Esta noite, dormimos abraçados diante do fogo, com a chuva
caindo inclemente lá fora.
Capítulo 29 – Seguindo em Frente
Puma Pequena

Acordo a tempo de ver Samanta saindo da cabana. Cavalo Alado


também não está e Coiote parece ainda dormir. Está atrás de mim,
com o braço pesado pousando sobre minha cintura. Faço um
pequeno movimento para me levantar e ele me puxa mais para si.
– Onde pensa que vai, minha branca? – Ele sussurra com a
voz rouca no meu ouvido, me prendendo entre seus braços e
enfiando as pernas no meio das minhas.
Todo ele está desperto e faz questão de me mostrar isso,
pressionando tudo contra minhas ancas.
– Coiote, se aquiete! – eu digo, ainda com preguiça, achando
muito interessante essa brincadeira matinal.
– Não sou eu, Puma! É ele! – o safado ainda diz, me puxando
outra vez, quando faço menção de sair.
– Pois acho melhor dizer a "ele" que está de castigo!
– Hummm... Então é só "ele" que está de castigo? – Ele
pergunta, me virando de frente para si.
– Como assim: "só ele"? Em que você está pensando, Coiote?
– pergunto com olhar estreito, imaginando que ele deve estar
pensando alguma safadeza, como sempre.
– Nada, minha branca! – Ele sorri, aquele sorriso arrogante e
delicioso dele.
Se debruça sobre mim, me deixando por baixo dele, posição
que não me agrada, mas antes que eu possa pensar alguma coisa,
ele me beija. O beijo intenso passa para um beijo no pescoço e em
seguida ele toca meus seios sobre a combinação fina.
– Coiote, você prometeu! – Eu retruco, mas sai tão fraco
quanto a minha intenção de pará-lo.
– Não se preocupe, Puma, quem está de castigo não irá tocá-
la – ele afasta o meu decote e suga meus mamilos.
Eu gemo e enlaço meus dedos nos cabelos compridos dele.
Quando sinto suas mãos em minhas coxas, apertando-as com
gosto, para depois subir para minhas nádegas, eu sinto tudo se
tumultuar dentro de mim, aquele fogo que só Coiote soube despertar
está me queimando outra vez, com uma intensidade que me assusta.
– Coiote, pare! – eu digo com veemência.
Ele solta uma gargalhada.
– Me deixe continuar, minha branca, garanto que será uma
tortura apenas para mim. – ele diz, erguendo a barra da minha
combinação. – Não é isso que quer, me punir? Pois vou punir a mim
mesmo de um jeito gigante agora.
Ele explica e antes que eu possa entender o que ele disse,
sinto seus lábios em minhas coxas e subindo. Os beijos são
espalhados pela parte interna da minha perna e quando eu menos
espero, ele cobre minha feminilidade com sua boca e eu grito de
surpresa... Ele abre minhas pernas e coloca um dedo em mim.
Enquanto me suga e lambe, seu dedo se movimenta dentro do meu
corpo. Seus lábios me massageiam, sua boca é tão quente, macia e
tentadora, que minha surpresa inicial é substituída por uma sensação
deliciosa. Então eu simplesmente paro de pensar o que quer que
seja, só abro um pouco mais as pernas e agarro seus cabelos
grandes, puxando-o mais para perto. Ele intensifica o toque... e eu
não vejo mais nada. Aquela sensação louca e forte toma conta de
mim, então é como se de repente eu saísse de meu corpo e
atingisse o céu.
Eu grito e gemo, ele continua debruçado sobre minhas
pernas, porém agora me toca com suavidade e eu chego novamente
à Terra, devagar, ofegante e trêmula.
– Coiote... O quê... o que foi isso? – consigo perguntar com a
respiração entrecortada.
Ele beija outra vez minhas coxas, sobe a trilha de beijos pelo
meu colo, meu pescoço, minha orelha... Até chegar em minha boca e
me beijar com paixão.
Eu estou mole e lânguida em seus braços, ao contrário dele
que está muito rijo. Lembro o que ele disse sobre isso doer, se não
se aliviar. E sem pensar, eu o pego. Quando ele solta um grande
gemido, eu o mexo como ele me ensinou.
– Puma... – ele murmura em meu ouvido. – Venha aqui...
Suba nele... Só um pouco – ele me puxa com gentileza para seu
colo.
A dúvida me assola. Quero ele, mas também quero que ele
me prove que mudou!
Por isso me afasto.
– Não! – Eu estou tremendo e a frustração me deixa com
raiva. – Já disse que não irá me possuir até o bebê nascer! Nem eu,
nem ninguém, Coiote Grande! – Digo de um pulo, indo em direção às
minhas roupas e as vestindo.
Ele se levanta também, passa a mão pelos cabelos
compridos, parecendo angustiado.
– Eu não quero ninguém, só quero você! Nunca mais tocarei
em mulher nenhuma, só em você – ele se aproxima. – Já tive a
minha lição, fiquei todas essas luas sem você. Não me torture mais,
Puma Pequena! – ele me pega pelos ombros.
– Pois agora estou do seu lado, porém não serei sua na cama,
apenas isso.
Ele parece ficar verdadeiramente bravo, pois me olha muito
sério.
– Sei que mereço tudo isso. Fui um tolo, não notei seu valor
em minha vida antes e fiz coisas que a magoaram, mas eu não sabia
o que você sentia por mim. Eu não achei que esperava algo mais. As
nossas nativas não esperam nada, é uma troca de favores. Você
esperava além de amor, um compromisso, mas eu nunca a iludi. Não
me aproveitei de você, tampouco lhe prometi fidelidade. Agora eu
faço isso, digo que quero apenas você, que vamos nos unir assim
que chegarmos na tribo, que a amo e lhe serei fiel, mas mesmo
assim você não confia em mim. – ele balança a cabeça, como se
tivesse entendido. – Seja do jeito que quiser, então. Não lhe tocarei
mais, Puma Pequena. Espero que com isso você finalmente aprenda
a confiar em mim como um companheiro, um marido e pai do seu
filho. E não me ver apenas como mais um querendo erguer seu
vestido.
Dito isso, ele se afasta, saindo da cabana e Samanta escolhe
essa hora para entrar como um tufão, trazendo algumas lebres que
disse que Cavalo Alado caçou.
Eu fico olhando para a porta por onde Coiote se foi e penso
que ele tem razão. Tem razão em tudo que disse, esse "selvagem".
Olho para o fogo que Samanta está acendendo com raiva e
me lembro com tristeza de minha mãe. Queria ela aqui, para me
aconselhar.
– Samanta? – eu chamo a única mulher que talvez possa me
entender.
Ela se vira para mim, parece que está com a cabeça cheia de
problemas e não esconde isso.
– O que foi, Puma? – ela pergunta com voz suave.
Eu me aproximo dela, olhando para o chão.
– Você me disse que Coiote mudou. Como sabe? – eu
pergunto baixo.
Ela me avalia e depois de um tempo responde:
– Quando eu conheci Coiote, ele estava magoado, ferido, não
se importava com ninguém e tinha raiva de tudo e de todos, fazia
questão de ofender e criar confusão. Aos poucos eu o vi como
realmente era, um homem com o coração partido. Um homem de
valor e honra, que escondia seus maiores tesouros por trás de uma
máscara de irresponsabilidade e promiscuidade, por medo de se
machucar, mas ele perdeu esse medo. O enfrentou quando aceitou
que a amava. – Ela termina, me olhando profundamente.
– Eu sou uma tola por ter medo também, mas eu tenho,
Samanta. – digo em um fio de voz.
Ela pega minhas mãos.
– É compreensível, você passou por muitas coisas. Eu
também passei, mas devemos deixar o passado no passado, Puma,
e olhar só para frente. Sei que algumas feridas são mais difíceis da
cicatrizar do que outras, principalmente as do coração, mas é nossa
obrigação fazer de tudo para curá-las.
Eu apenas concordo com a cabeça.
Quando Coiote chega, está com os cabelos molhados,
embora a chuva já tenha passado há muito tempo, mas sua
expressão é tranquila quando se senta ao meu lado para comer o
ensopado que Samanta e eu fizemos.
Cavalo Alado chega um pouco depois e antes que eu entenda
o que está acontecendo, Samanta briga com ele, por alguma coisa
que ela disse que ele não acredita nela ou algo assim. Algo que ele
deveria ter feito e não fez. De qualquer modo, Coiote me pega pela
mão e saímos de lá.
Estamos em silêncio, preparando Tormenta, quando Cavalo
passa como um furacão, com Samanta jogada nos ombros, a
levando à força até a sua montaria.
– Pegue as coisas, Coiote, porque eu tenho que ir agora com
essa gata selvagem! – ele fala quando passa por nós.
Fico parada olhando a moça parecer xingar o enorme
indígena em alguma língua estranha.
Ele a ignora, a coloca no cavalo e um segundo depois monta
atrás, para depois sussurrar algo em seu ouvido.
Não tenho ideia do que foi, mas vi uma expressão de puro
prazer passar pelo rosto dela, que disfarçou rapidamente.
Quando eles partiram a galope, eu sorri.
– Que mania é essa que vocês têm de carregar as mulheres
como saco de batatas? – eu pergunto a Coiote, que não parece ter
dado importância ao ocorrido.
Ele me enlaça por trás e murmura no meu ouvido.
– Só fazemos isso quando temos certeza de que elas são
nossas. Só nossas.
Dito isso, ele se afasta, me deixando sem ação, pois esperava
mais dele agora que estamos sozinhos.
– Mas você fez isso comigo muito antes de ter sequer me
tocado! – eu rebato, quando o vejo caminhar outra vez para dentro
da cabana, provavelmente para pagar o resto das coisas.
Ele se detém um instante e sem se virar, ele responde:
– Você sempre foi minha, não importava o que eu dizia, ou
você. Eu sempre me considerei seu...
– Meu dono? – eu o interrompo e ele se vira, me encarando
profundamente.
– Seu homem. Seu marido. Seu companheiro.
Eu fico em silêncio e ele entra na cabana, me deixando
boquiaberta ao lado de Tormenta.
Quando ele volta, trazendo todas as coisas e colocando-as
sobre a égua, eu me sinto incomodada com o silêncio.
Antes que ele monte, eu seguro seu braço, o detendo.
– Falou sério quando disse que não irá mais tocar em mim? –
eu pergunto baixo.
Ele concorda com a cabeça.
– Falei.
– Mesmo se eu mudar de ideia? – a pergunta cretina sai
praticamente sozinha.
Ele me olha intensamente.
– Existe essa possibilidade? – ele ainda parece distante e eu
não gosto de vê-lo assim.
Me aproximo dele e coloco a mão no peito grande, depois a
desço pelo abdômen musculoso.
– Pode ser ... – eu sorrio para ele, achando-me muito corajosa
nisso tudo.
Um sorriso de pura vitória passa pelos lábios grossos e eu o
beijo em um ato ainda mais atrevido.
Coiote leva dois segundos para se dar conta do que está
acontecendo e então me ergue em um beijo perfeito. Quando me
deposita outra vez ao chão, ele diz com um sorriso:
– Vamos logo, não vejo a hora de chegarmos e eu me unir a
você. Então conversaremos outra vez, sobre isso de "possibilidade".
Ele monta e me puxa para sua frente.
– Coiote?
– O que é, minha branca? – ele fala com os lábios em meu
pescoço.
– Não vejo a hora de ser sua esposa, em todos os aspectos –
eu digo e me virando para trás, o beijo na boca.
Ele retribui o beijo e me aperta junto de si.
– Tem certeza? – ele molha os lábios com a língua, me
encarando com fome e eu sorrio.
– Tenho, sim. É hora de esquecer o passado.
Capítulo 30 – Volta

No caminho de volta encontramos vários guerreiros, entre eles Lobo


Solitário e Falcão Negro. Iriam todos "resgatar" Cavalo Alado. Parece
que quando o jovem irmão dele, Vento Veloz, chegou com Entre
Nuvens, eles finalmente acreditaram que a visão de Sam era
verdadeira.
Vejo a surpresa nos olhos de Falcão quando me reconhece.
Ele me cumprimenta com um balançar de cabeça, depois olha para
Coiote, que o encara abertamente, para depois passar o braço ao
redor de minha cintura, claramente mostrando que lhe pertenço.
Eu deixo um sorriso tomar meu rosto e aperto o braço dele.
Cavalo Alado parece se estranhar com Lobo Solitário, que
está visivelmente interessado em Sam. Parece que ele gosta de
tomar as mulheres do outro.
Coiote interfere, se pondo em meio aos dois:
– Ei! Estão assustando as moças! Vocês não vão crescer
nunca? Vão sempre brigar pelo que o outro tem? Lobo Solitário,
deixe a esposa de Cavalo Alado! Estamos todos felizes por estar a
salvos e vivos, não vamos destruir isso por tolices de crianças!
Lobo Solitário ergue as mãos em sinal de rendição.
– Eu só estava conversando com a moça, quando ele chegou
igual a um búfalo louco. – ele ri, parecendo realmente achar que tem
alguma inocência.
Ora, eu sei que ele traía o outro com a antiga noiva. E agora
quer a esposa também? Que falta de caráter!
– Vamos embora de uma vez. – Cavalo anuncia e todos
montamos outra vez, nos dirigindo finalmente para a tribo, para
nossa casa.
– Qual o problema com Lobo Solitário? O que ele tem contra
Cavalo Alado? – eu sussurro para Coiote, quando estamos um
pouco distantes do outros.
– Ele é filho do chefe Urso em Pé com sua segunda esposa.
Não sabia? – ele murmura e eu arregalo os olhos.
– Lobo Solitário é irmão de Cavalo Alado? – eu não consigo
acreditar.
– Não de sangue, pois a mãe de Cavalo já estava esperando-
o quando se uniu ao chefe. O antigo marido dela foi morto em uma
batalha contra os homens brancos. Depois, Urso em Pé se uniu a
outra e Lobo nasceu. Lobo Solitário sempre achou que deveria ser o
sucessor do pai como chefe, e não Cavalo Alado, que não tem o
sangue do outro, mas para nós isso não importa. Se o chefe Urso em
Pé o declarou seu quando nasceu, ninguém pode dizer o contrário.
Ele é tão filho dele quanto Lobo Solitário – ele sussurra ainda.
– Uau! – o assombro me invade. – Jamais imaginei isso!
Então ele tinha um caso com aquela infame porque ... – eu paro
subitamente, mordendo a língua por ter falado demais.
– Como sabe disso? – Coiote parece surpreso.
Eu sinto as bochechas queimarem.
– Eu... eu os peguei juntos uma vez... – só a lembrança já me
causa embaraço.
Coiote parece contrariado.
– Lobo não tem honra. – Diz somente e eu me viro e o beijo.
– Que bom que acha isso.
Ele sorri e me enlaça a cintura e eu me sinto estupidamente
feliz por tê-lo tão próximo.
Quando chegamos finalmente, a recepção é linda e alegre.
Mulheres nos saúdam gritando, homens novos e velhos se juntam à
nossa volta.
A mãe de Cavalo Alado corre com as lágrimas caindo pelo
rosto, o resto da família dele vem logo atrás. Depois reconheço a
família de Coiote, seus irmãos gritam e batem palmas. Chuva Forte
tem um sorriso bonito no rosto bondoso e olhos úmidos.
Desmontamos todos.
Uma confusão de abraços, choro e risadas fazem do
momento emocionante e mexem com meu coração. Chuva Forte se
surpreende quando me reconhece e me abraça chorando. É neste
momento que ela se dá conta de minha barriga. Ela me olha com
assombro e depois encara Coiote com raiva.
– Seu primeiro neto, minha mãe – ele diz a ela em Cheyenne.
Ela grita em alegria e me abraça outra vez, parecendo querer
me quebrar os ossos.
É um momento feliz. O chefe silencia a todos com um simples
gesto de seus braços, prova do respeito e admiração que a tribo tem
por sua pessoa. Ele ergue a voz, falando alto e pausadamente:
– Meu filho voltou! Este dia é um dia feliz! O futuro chefe do
nosso povo está novamente entre nós, graças à mais nova xamã e
sua visão. Seu poder permitiu ao meu filho uma nova chance e
devolveu parte de meu próprio coração. Jamais poderei pagar pelo
que fez, Espírito Branco. – ele se dirige a Samanta e se aproxima
dela, pegando suas mãos.
Emocionada, ela apenas balança a cabeça, concordando.
– Hoje, o Grande Espírito me mostrou que não devemos julgar
nossos inimigos pela cor da sua pele e nem nossos amigos, você é
parte de nossa tribo, é parte de minha família, tem minha admiração
e respeito – o chefe Urso em Pé continua e lhe beija o rosto. – O que
estão esperando? Hoje é dia de festa! Vamos comemorar!
Ele grita e todos gritam em seguida. Coiote não perde tempo e
puxa o chefe, conversando baixo com ele, este balança a cabeça e
novamente pede silêncio:
– Perece que ninguém quer esperar nada neste dia! Quero
anunciar a todos que celebraremos nesta noite uma união entre
nosso bravo Coiote Grande, que destemidamente resgatou meu filho
e Puma Pequena, que volta para nosso meio! Obrigado a todos
vocês – ele se dirige a mim e a Coiote, e sinto minha bochecha
queimar.
Sorrio feliz. Coiote fez o que disse que faria. Na primeira
oportunidade, pediu para nos casarmos.
Depois disso, eu sou praticamente arrastada por um grupo de
mulheres, liderado por Chuva Forte. Noto que Samanta vem junto.
Entramos na grande tenda das mulheres, lugar onde nos
reunimos para costurar, cozinhar, fofocar ou apenas ficar, quando
chegam nossas regras, para não termos embaraços com os homens
das tendas nesses períodos.
Eu não consigo parar de sorrir.
– Eu sabia que você e meu filho estavam juntos! Uma mãe
não se engana! Aquele tolo! E agora eu serei avó! – Chuva Forte
exulta, passa a mão em minha barriga e meu bebê a chuta. – Ele me
chutou! – ela praticamente grita, anunciando a quem está à sua
volta.
– Que bom que aceita nossa união, Chuva Forte – eu digo,
animada com sua alegria.
– Ora, quem não ficaria feliz com uma filha como você? E
agora ainda me dará um neto! Se bem que está parecendo que será
uma neta. Não acha, Nuvem Cinzenta, que será uma menina? – ela
pede a opinião da outra, que me avalia sorrindo.
– Sim. Barriga redonda, menina certamente! – ela responde
em Cheyenne.
Eu rio feliz com a atenção delas. Lá fora, a cantoria e os
tambores animados já soam altos.
–Espírito Branco! – eu chamo Samanta, que está meio
deslocada aqui.
Ela se aproxima e as outras mulheres abrem espaço quando
passa, em um misto de respeito e medo. Talvez por isso ela não está
confortável aqui dentro. Talvez eles a tratem como tratavam a mim,
como uma branca apenas e ela ainda é estrangeira. Seu sotaque é
diferente e a vi brigando com o marido em outra língua. Mas o pior
de tudo é que eles devem temê-la do mesmo modo que eu temia
Olhos Brancos.
– Você já conhece Chuva Forte, a mãe de Coiote Grande? –
eu pergunto as apresentando, enquanto minha sogra escova meus
cabelos, que devem estar terríveis.
– É um grande prazer conhecê-la, Chuva Forte – Samanta diz,
sorrindo para a outra.
Ela faz um sinal com a cabeça e continua a me pentear,
enquanto fala:
–É estranho ainda não nos conhecermos, Espírito Branco,
mas a tribo é bem grande! E estes dois teimosos! Eu disse para se
unirem muito tempo atrás, mas me ouviram? Não! E agora vão se
unir assim! Sem tempo para eu costurar um vestido decente para
minha nova filha! Ninguém escuta as mães nos dias de hoje!
Eu e Sam rimos. Chuva Forte e as mulheres querem que eu
fique linda para o casamento e estão se empenhando ao máximo
nisso. Cozinhando, costurando, colhendo flores para a "festa". Uma
cerimônia em que cada mulher dança ao redor da fogueira e joga
ramos nela. Tem algo a ver com fertilidade.
– Acho que é assim mesmo, Chuva Forte, eu só comecei a
dar valor para minha mãe depois que a perdi – Sam diz e noto que
ela olha para Nuvem Cinzenta, que está ali do lado escutando tudo.
– E outras não dão valor nem depois que as perdem.
Ela diz agora olhando abertamente para a outra, que lhe
retribui o olhar em silêncio, até porque Sam falou em inglês, a língua
que sua sogra diz não falar.
Sei que Sam está chateada pela outra mentir sobre isso, mas
acho que tem algo mais. Talvez porque Nuvem Cinzenta foi criada
por uma branca e esconde esse fato como se fosse uma vergonha.
O clima fica tenso enquanto elas se encaram por mais alguns
instantes. Em seguida, Sam me olha, parecendo ter lembrado de
algo:
– Puma, eu tenho um vestido novo que ficará lindo e perfeito
em você! Levei dias para fazê-lo e ainda não usei. Vou pegá-lo! – ela
diz entusiasmada.
– Oh, Espírito Branco! Eu nem sei o que dizer... – me
emociono com a bondade dela.
– Você vai ficar maravilhosa esta noite! Já volto! – ela ainda
diz e sai da tenda.
Vejo Nuvem Cinzenta sair atrás dela logo em seguida.
As mulheres se dedicam tanto, que eu me sinto querida pela
primeira vez depois de muito tempo. Até um banho me preparam!
Arrumam meus cabelos, me trazem óleo de jasmim para me
perfumar e quando Sam finalmente chega com o vestido, este
infelizmente não me serve. Ela parece tão triste, que eu a puxo para
o canto.
– O que houve? Por que está assim, Espírito Branco? – eu a
interrogo com preocupação.
Vejo os olhos dela se encherem de lágrimas.
– Quando cheguei na tenda, peguei a desgraçada da Lírio
totalmente nua, se oferecendo a Rainnan – ela sussurra, com a voz
falhando de emoção.
Eu cubro a boca com as mãos.
– Meu Deus! E o que ele fez? O que você fez?
– Ele não fez nada, não tocou nela, pediu para ela sair da sua
frente. Mas eu a peguei pelos cabelos e quase dei umas pauladas
nela, mas ele não deixou. Aí, brigamos. Eu o mandei embora e ele
disse que irá... – o queixo dela treme. – Eu o perdi, Puma!
Eu fico com pena dela. Meu coração se aperta e pego suas
mãos.
– Não fique assim. Cavalo Alado te ama, mas talvez você
precise mostrar para ele do que ele está desistindo. Faça ele se
arrepender do que disse... – eu lhe entrego o seu vestido lindo que
não me serviu. – Vamos deixar você maravilhosa! Ele não vai resistir!
– Eu lhe sorrio.
Ela parece se animar e começamos a arrumar seus cabelos
também. Chuva Forte chega com uma braçada de roupas e anuncia
que vai achar um vestido para mim, nem que leve a noite inteira!
Quando eu estou pronta, Sam chega com uma coroa de flores
que ela mesma trançou e coloca em meus cabelos.
Eu me emociono. Olho em volta e todas as mulheres me
olham com admiração.
Samanta e Chuva Forte estão emocionadas e eu sorrio para
elas, tentando disfarçar as minhas próprias lágrimas.
Queria que minha família estivesse aqui. Queria ver o rosto
emocionado de minha mãe, o sorriso carinhoso de meu pai, o olhar
admirado de meu irmão.
Queria que eles estivessem aqui.
Então, por um momento, um ínfimo e fugaz momento, quando
dou um passo fora da grande tenda, eu sinto um vento cálido e
súbito, algo mais forte que uma brisa, que parece me envolver e
dançar ao redor de mim, como se me abraçasse.
A sensação de amor, de carinho, é tão grande, que as
lágrimas caem sem eu perceber e um sorriso se abre em meus
lábios.
Quando o vento desaparece, tão inesperadamente como
surgiu, eu sinto a mão de Samanta no meu ombro.
– Eles estão, Puma. De um jeito diferente, mas estão aqui –
ela diz, como se desvendasse meu pensamento, como se
interpretasse o vento, como se visse além do que eu mesma vejo.
E eu acredito nela.
Capítulo 31 – União
COIOTE

O som dos tambores e demais instrumentos é alto e alegre, as


mulheres dançam ao redor da grande fogueira e jogam flores e
ramos nela, pedindo assim para que o Grande Espírito traga uma
união feliz.
Olhos Brancos está aqui ao meu lado e eu estou nervoso
como nunca. Quando me uni com Ave Branca, eu era jovem e tolo,
queria acima de tudo ser um grande guerreiro, assim, uma esposa e
minha própria tipí eram tão importantes para isso quanto escalar a
Grande Montanha, ou caçar sozinho um bisão... Mas agora a única
coisa que quero é fazer Puma Pequena feliz, construir uma família
grande e não deixar que nada mais de ruim aconteça a ela.
Vejo Cavalo Alado e Poeira ao Vento se aproximarem. Cavalo
está usando o grande cocar de chefe da tribo. Olhos Brancos me
disse que vão proclamá-lo chefe hoje mesmo. O conselho decidiu
que Urso em Pé não tem mais clareza de visão para guiar nossa
tribo. Parece que ele não ter acreditado em Cabelo de Sol apenas
por ela ser branca, e com isso quase ter perdido seu próprio filho, fez
com que ele e todos os anciões decidissem adiantar a proclamação
de Cavalo Alado como chefe da tribo.
Eu sorrio para ele em aprovação, abaixo a cabeça e dou um
soco no peito, o sinal Cheyenne de fidelidade e devoção.
Ele retribui o gesto.
Então os tambores param e por um momento apenas a flauta
e as vozes baixas das mulheres é ouvida.
Então eu vejo Puma Pequena, que sai da grande tenda de
mulheres. Está linda. Ela tem flores nos cabelos brilhantes e
castanhos, assim como nas mãos, coisa incomum em nossa
cerimônia, mas que fazem com que fique ainda mais bela.
Me permito observá-la demoradamente, marcando esse
momento no meu coração, cada detalhe de seu rosto, o seu olhar
muito azul e seu sorriso imenso, que reflete o meu.
Um pouco atrás dela está Cabelo de Sol. Ela também tem
uma flor nos cabelos claros e usa um vestido azul que a deixa muito
bonita.
Puma chega à minha frente e eu pego sua mão delicada,
encarando-a dentro dos grandes olhos lindos e que conquistaram
meu coração no primeiro instante, fazendo-o agora mais uma vez
perder o compasso por um minuto. E eu pouco escuto a cerimônia,
ou Poeira ao Vento, só dou atenção a ela, mas as palavras do ancião
penetram aos poucos minha mente e meu espírito as absorvem:
– " ... Desde muito tempo, o Grande Espírito une seus filhos
sob a mesma trilha, para que possam caminhar juntos pelos
caminhos que a Mãe Terra lhe designa. Nossas escolhas quanto aos
nossos parceiros desta caminhada é feita pelo coração – Poeira ao
Vento passa sua mistura de ervas no meu peito e no de Puma,
depois em nossas testas. – Pela nossa mente e pela nossa alma. –
ele termina fazendo um círculo ao redor de nossas mãos unidas. – O
Grande Espírito une os destinos e a Mãe Terra acolhe seus filhos
quando eles se extraviam. – ele me lança um olhar repreensivo. – O
caminho é comprido e se percorrido com amor e paciência será
próspero e feliz. O Irmão Vento sussurra suas graças e a Mãe Lua os
abençoa com sua luz. Sob a proteção dos Grandes Ancestrais, que
brilham sobre nós, eu os uno pelo coração, pela mente e pela alma.
Que em sua tenda o amor habite, assim como a felicidade, o respeito
e a honra. Que seus filhos carreguem no peito o orgulho de nossas
tradições e seus netos, os valores do nosso sangue".
Poeira ao Vento sopra um punhado de ervas sobre nós, algo
cheiroso e que parece brilhar e juro que quando ele falou "netos", eu
vi Alce Maior sorrir atrás dele. Foi por apenas um breve instante, mas
que me deu plena consciência de que terei a chance de ensinar algo
ao grande xamã de outrora, na condição de seu avô.
Todos gritam, em festa pela nossa união. Puma sorri e vejo
seus olhos úmidos. Minha mãe a puxa e a abraça, e depois é a vez
de Cabelo de Sol fazer isso.
Poeira ao Vento interrompe a animação das mulheres e
trazendo Cavalo Alado ao meio, anuncia a todos o novo chefe e é
seguido por mais gritos de alegria.
As mulheres começam a dança, Puma Pequena está entre
elas e puxa Cabelo de Sol também... Elas riem, batem palmas e
dançam. Cabelo de Sol sacode os quadris e movimenta os ombros
em uma dança no mínimo insinuante, que atrai a atenção de Lobo
Solitário.
Olho para Cavalo Alado e este parece um bisão enlouquecido,
que tenta miseravelmente se conter.
Sorrio de leve. Essa branca acabará com a "sensatez" de
Cavalo logo, logo...
Não demora duas batidas de coração para ele se erguer de
um pulo, saindo de seu lugar de honra, para a pegar nos braços e a
carregar para sua tenda, isso tudo na frente de todos.
Eu rio e bato palmas, mais alguns me acompanham e meu
olhar cruza com o de Puma.
Seus grandes olhos azuis me fitam com intensidade, com
fogo, depois ela os desvia...
Mas eu vi a chama intensa dentro deles e sorrio comigo
mesmo. Será apenas uma questão de tempo até eu derrubar outra
vez as defesas dela... Só que desta vez será para sempre.

∞∞∞
A noite já vai alta quando, com um leve debruçar na direção
de Puma, que agora está sentada ao meu lado, eu sussurro:
– Acho que já está na hora de irmos para nossa tenda, minha
branca. – Puma parece cansada e tem os olhos nublados pelo sono.
– Deveríamos ter ido mais cedo, o dia foi longo demais para você,
sou um tonto mesmo! Deveria ter me dito o que fui tolo o suficiente
para não notar.
Eu me levanto e a pego pela mão.
– Eu quis aproveitar a festa do meu casamento, meu marido –
ela diz com doçura, me pegando de surpresa.
Me viro para ela, com um misto de orgulho e felicidade e não
me aguentando mais, praticamente a arrasto para longe da vista de
todos e a puxo para junto de mim. O corpo dela se molda ao meu e
ela ergue o rosto para mim. Toco seu queixo e então tomo sua boca
com a minha, devorando os lábios pequenos e macios, penetrando a
boca morna e delicada com minha língua. Meu corpo todo desperta e
eu a solto, antes que tente montá-la aqui mesmo, como um garanhão
louco.
A pego outra vez pela mão e a levo devagar para nossa
tenda, tentando controlar o desejo insano que me consome. O trajeto
é feito em silêncio.
Quando chegamos, a tenda está na escuridão e eu levo
apenas alguns minutos para acender a fogueira.
Quando me levanto e olho para onde Puma está, prendo o
fôlego.
Sem eu notar, ela se despiu e se deitou na minha cama. Está
com a manta sobre seu corpo, cobrindo sua nudez, porém as pernas
e os ombros muito brancos estão de fora e eu não consigo desviar o
olhar.
Ela sorri.
– Venha, meu Coiote. Essa será nossa primeira noite como
casados. Quero que seja especial – ela não desvia o olhar nenhuma
vez ao dizer isso.
Engulo em seco e pela primeira vez diante de uma mulher
nua, eu não sei o que fazer.
Capítulo 32 – Acertando Contas
Puma Pequena

Coiote está paralisado e parece não saber onde colocar as mãos.


Sorrio mais uma vez enquanto o aguardo ansiosamente. Ele
tinha razão quando disse que eu estava cansada, mas todo o sono
foi embora assim que imaginei como poderia ser esta noite.
Minha primeira noite na condição de sua esposa.
Coiote se aproxima devagar, parece indeciso quanto ao que
fazer, pela primeira vez desde que o conheço.
Lembro de nossos momentos, quando o vi pela primeira vez,
a força de sua expressão naquela ocasião, o carinho para comigo
nas outras vezes, quando ele colocava as mãos para cima, se
rendendo, cada vez que eu me amedrontava, ou quando o revi
naquele forte, com seu arco e flecha...
– O que foi, grande guerreiro? Está com medo de se deitar ao
lado de sua esposa? – sorrio, me colocando de lado, deixando a
manta escorregar por meus ombros e revelar meus seios, que ele
observa visivelmente admirado.
– Se eu me deitar aí, sabe que não conseguirei dormir... – ele
diz sem perceber, ainda em pé.
– É o que espero... – sussurro mirando-o e desviando o olhar.
A excitação agora toma conta de todo o meu ser. Até o
contato com a manta sobre meu corpo está mexendo comigo.
Dois segundos foi o tempo que Coiote demorou para arrancar
as vestes e se deitar ao meu lado com um enorme sorriso no rosto.
Eu me aproximo mais ainda dele, não suportando ficar longe,
tocando sua pele com a minha, encaixando meu corpo ao seu.
– Acabou o castigo? – ele pergunta, passando a mão pelos
meus quadris e encarando meus lábios.
Eu apenas confirmo com a cabeça.
Então ele me beija. Beija como nunca beijou antes... Em um
misto de carinho e desejo, em um misto de amor e fogo.
Sinto todo o meu corpo tremer.
Ele espalha beijos pelo meu pescoço, meus seios... Leva
estes até os lábios e os lambe, para depois sugar com vontade... Eu
me contorço e roço meu sexo despudoradamente na coxa dele,
buscando o alívio para o desejo louco que me atormenta.
Coiote afasta minhas pernas, mexe ele próprio em meu corpo,
com seus dedos hábeis e grandes. Eu gemo. Estou perdendo o
controle.
– Coiote... – eu suplico.
Ele ri e me puxa para cima dele. Eu não espero, pego seu
membro enorme e rijo e o guio até mim, montando-o com vontade.
Coiote agarra meus quadris e me guia pelos caminhos do
prazer, até alcançarmos o êxtase juntos.
Quando ele me puxa e me beija, justamente no momento em
que atinjo o céu, o sentimento de plenitude toma conta de mim.
– Coiote... – digo sem fôlego, ainda com os olhos fechados. –
Eu te amo...
Ele me beija intensamente mais uma vez.
– Eu te amo, minha branca... E não pense que acabamos,
estamos só começando, minha esposa – ele sorri, me puxando outra
vez para si.
Eu rio feliz, pois é isso mesmo, estamos apenas começando
nossa vida juntos.

∞∞∞
Se passaram sete dias desde que chegamos novamente à
tribo. Nestes sete dias, Coiote se mostrou um homem maravilhoso.
Conversamos muito, eu lhe contei sobre Lincoln, sobre o Capitão
Smith... Ele me contou sobre como conheceu Sam e como
resgataram Entre Nuvens, que agora está muito bem com sua
família. Todos têm sido simpáticos e amáveis.
Descobri que Sam dá aulas às crianças. Não sou muito boa
com as letras, mas ajudo-a no que posso e também aprendo no
processo.
Foi pensando em arranjar mais alguns "utensílios" para
nossas aulas que fui até a Tenda das Mulheres.
Porém, infelizmente, quando lá entrei dei de cara com Lírio do
Campo, que estava por ali, certamente por estar em seus "dias".
Muitas outras senhoras ficam por aqui, as viúvas principalmente, e
por isso Chuva Forte está aqui, trançando uma manta colorida.
Eu passo por Lírio do Campo sem encará-la, indo em direção
à minha sogra, mas antes que eu chegue até esta, escuto a voz
odiosa da outra:
– Olha só quem está aqui, a mais nova "esposa" da tribo – ela
diz, para ninguém especificamente.
Eu me detenho em minha caminhada e me viro de frente para
ela, que penteia os longos cabelos negros e não me olha.
A raiva faz meu sangue ferver, o ódio queimando minhas
veias. Por causa desta miserável, eu passei muitos sufocos, mas o
que mais me dá raiva, foi saber que ela dormiu com meu marido
neste tempo.
– Ao contrário de algumas vagabundas, que só servem para
serem usadas durante a noite, eu sou "esposa", sim.
Ela se levanta, jogando o pente longe.
– O que diz, sua branca suja?! – ela quase grita.
Eu ergo minha voz também:
– Suja é você, que dorme com qualquer um! Traía o honrado
Cavalo Alado e agora se joga para ele quando a sua única esposa
não está! Cerca o meu Coiote cada vez que eu viro de costas! Para
quantos homens casados mais você se oferece, Lírio do Campo? As
mulheres desta tribo sabem que você não tem moral nenhuma?! – eu
grito e a tenda enorme fica em silêncio.
– Sua mentirosa! Branca infeliz! Isso é mentira! – ela diz
vermelha, a duas que se aproximaram com cara de poucos amigos.
– Mentira foi o que me contou, dizendo que Coiote mataria o
próprio filho se ele fosse mestiço! Infeliz fui eu quando acreditei que
você era uma pessoa e não um monte de esterco!!! – eu grito mais
uma vez, deixando sair tudo que esteve engasgado dentro de mim.
Ela avança sobre mim, com um brado indígena e eu não me
acovardo.
Mas antes que ela possa chegar perto o suficiente, Chuva
Forte se põe em minha frente, interrompendo o seu ataque.
Ela para e grita algo em Cheyenne para a senhora, algo
entredentes e tão rápido que eu não distingo.
– Se tocar um dedo em minha honrada filha ou em meu neto,
não terá mais cabelos para pentear, Lírio do Campo – minha sogra
diz pausadamente.
Lírio a encara e busca ajuda com o olhar ao redor.
Quase todas as mulheres se levantam e eu me aproximo de
Chuva Forte. Não vou deixar que elas se virem contra minha sogra!
Tenho que dizer alguma coisa, mas o quê?
Antes que eu abra a boca, uma senhora com grossas
tranças diz em tom alto:
– Lírio do Campo, você não é mais bem-vinda entre nós. Acho
que falo por todas quando digo que suas atitudes não são de uma
Cheyenne. Trair, mentir, enganar... Não é o que somos, nem o que
ensinamos. Até você mudar, seu lugar será longe do convívio da
tribo...
– O quê?! Mãe, a senhora irá proteger a branca também?! –
ela grita ofendida.
– A branca é mais Cheyenne que você neste momento! Pegue
suas coisas, Lírio. Ficará em nossa tipí até voltar a ser a menina
honrada que um dia eu chamei de filha. Neste dia, você nos
desonrou – a senhora diz com profundo desgosto.
Então, pela primeira vez eu vejo sentimentos no rosto cínico
de Lírio. A máscara cai e sua face demonstra algo que quero pensar
que seja remorso.
As mulheres que eu erroneamente achei que estavam contra
mim e Chuva Forte encaram Lírio e ela pega algumas coisas que
estão pelo chão e sai da Grande Tenda. Sua mãe lança ainda um
olhar triste para mim e depois vai atrás dela.
Aos poucos as mulheres voltam aos seus afazeres e eu me
impressiono por ter tido o apoio delas.
– Obrigada – sussurro para Chuva Forte.
Ela sorri.
– Ninguém irá estragar a felicidade de meus filhos. Eu não
deixo – ela me diz, com o cenho subitamente fechado.
Eu sorrio emocionada.
– Nenhuma de nós deixará nada lhe acontecer, Puma
Pequena – a senhora anciã, Lontra Ágil, diz de onde está sentada,
me pegando de surpresa, e mais ainda quando todas confirmam com
a cabeça.
– Você é uma de nós agora – a esposa de Entre Nuvens, que
está com um menino a tiracolo, explica o que eu demoro para
entender.
– Obrigada – digo com a voz embargada.
Depois de tanto tempo, de tantas coisas, sinto que faço parte
de algo maior, de uma família, de uma sociedade, que sou aceita.
Finalmente me sinto em casa.
Capítulo 33 – Estrela da Manhã
Puma Pequena

Desde que a noite caiu, a dor que existia nas minhas costas
aumentou, não me permitindo dormir. Coiote está ao meu lado
ressonando tranquilo. A dor vem e vai, em espaços de tempo que
diminuem enquanto a mesma aumenta. Sam me disse que é normal,
que é assim mesmo, por isso ainda não acordei Coiote. Espírito
Branco está há dias me preparando para minha grande hora, mas
hoje ela estava sorrindo o tempo todo e dizendo que deveria chamá-
la assim que sentisse algo escorrer por minhas pernas. Não entendi
direito, mas concordei.
Quando a dor violenta vem com intensidade, de dentro para
fora de minha barriga e costas, eu prendo a respiração, contraindo o
corpo. Aperto os olhos e gemo baixinho, sem me conter.
Coiote abre os olhos de uma vez, se sentando com agilidade
e olhando assustado para mim e em todas as direções da tenda.
– Minha branca, o que foi? – ele parece assustado diante de
minha expressão e pula da nossa cama, se pondo em pé,
inteiramente nu. – Já está na hora? Pelo Grande Espírito, por que
não me acordou antes?! – ele veste as calças de couro de qualquer
jeito e pega minha mão.
A dor passa e eu volto a respirar, me levanto com ajuda de
Coiote.
– Samanta disse que caminhar ajuda a diminuir a dor e faz
com que a criança venha mais rápido... E que eu só deveria chamá-
la quando... – então eu sinto algo quente, como se estivesse
urinando em minhas calças, porém sem que o fizesse. O líquido
escorre por minhas pernas e vejo Coiote arregalar os olhos,
parecendo ficar realmente em pânico.
– Posso... posso chamar Cabelo de Sol agora? – ele pergunta
chocado, ainda olhando para a poça aos meus pés.
– Deve – eu digo e ele não espera, simplesmente voa tenda
afora, para voltar instantes depois e me beijar o rosto, passar a mão
delicadamente pela minha barriga e correr outra vez para fora,
apenas de calça e descalço.
A primeira a chegar é minha sogra, Chuva Forte, que entra
como um furacão, em sua energia contagiante e tagarelice sem par.
Arruma minhas roupas, tecidos e me coloca sentada sobre
eles. Diz para fazer respirações curtas que a dor diminui.
Outra dor vem, mais intensa e perdura por mais tempo. Chuva
Forte aperta a minha mão.
Sam escolhe este momento para chegar, traz Olhos Brancos
consigo e algumas coisas que não faço ideia do que sejam, ou para
quê. Nunca vi nenhuma mulher dar à luz, apenas as éguas de meu
pai e estou em pânico.
As palavras de Lírio do Campo ainda ecoam nos meus
ouvidos, trazendo temores:
"Brancas não sabem dar à luz como nativas. Elas morrem."
Outra dor passa pelo meu corpo e sinto lágrimas nos olhos.
– Sam... – eu a chamo com medo.
– Shhhhh, não se apavore, Elizabeth. Isso é normal. Fique
tranquila que logo seu bebê estará conosco. E você fique lá fora,
Coiote...
Ela diz para meu Coiote, que acabou de entrar.
– Não vou a lugar nenhum! – ele bate o pé e se põe ao meu
lado, pegando a minha mão e a apertando.
Sinto como se meus medos sumissem imediatamente.
– Você não pode... – Chuva Forte começa. – Aqui é só para
mulheres, quando chegar a hora chamamos você!
– Não, minha mãe, eu fico – ele diz resoluto.
– Coiote teimoso! Saia já daí... – a mãe dele se aproxima e
sinto a mão grande soltar a minha.
– Não! Por favor, deixe ele aqui! – eu choramingo outra vez,
com medo.
Ele pega minha mão novamente e a beija.
– Vou ficar, minha branca. Não vou a lugar nenhum – ele diz,
olhando para sua mãe.
Sam e Olhos Brancos apenas observam a discussão.
Chuva Forte as encara:
– Não irão dizer nada?
– De onde eu venho, é normal pais participarem do parto. Não
vejo nada de errado em Coiote ficar...
– Desde que não interfira – Olhos Brancos termina a frase.
– Vou ficar aqui atrás... Não vou interferir – ele diz solene.
Samanta diz algo que não escuto, pois a dor voltou, mas
agora não estou mais com medo. Estou rodeada de pessoas que
confio e Coiote, meu amor, está comigo. Perto dele nada temo.
As dores aumentam até ficarem insuportáveis, até que eu não
consiga respirar, pensar, ou ter esperança de viver. Olhos Brancos se
aproxima e me toca, cochicha algo com Sam e ela fala em bom tom:
– Vamos colocá-la de cócoras. Ganhará sua criança como
uma nativa – ela diz simplesmente e Chuva Forte e Coiote me
seguram cada um por um braço.
Já não penso, não consigo raciocinar, apenas faço o que
mandam.
– Quando vier a dor, empurre. Quando passar, espere. Certo?
– Samanta diz com voz calma e eu concordo.
A dor vem e eu empurro com todas as minhas forças. Quando
ela passa, eu respiro.
– Falta pouco agora, Puma – Sam me anima.
Outra dor, outra vez me esforço e sinto algo passado pelo
meu canal. A dor passa.
– Continue empurrando, Puma, não pare agora! – Samanta
está tranquila e eu a obedeço.
Sinto meu bebê passar pelo meu corpo, sair de mim e vir ao
mundo. Sinto algo estranho em meu coração, algo mágico e puro. E
quando Coiote beija o topo da minha cabeça e nosso bebê chora, é
para mim o momento da felicidade suprema, de milagre e união.
– É uma menina! – Olhos Brancos exclama sem enxergar, em
total alegria.
O choro da bebê é ouvido por todos, muito alto e sinto o corpo
de Coiote ser sacudido. Olho para seu rosto e ele não disfarça as
lágrimas, depois que me colocam deitada, ele me beija as mãos.
– Aqui, Coiote, corte aqui – Samanta lhe mostra algo que
parece uma veia muito grossa, que foi amarrada próximo ao umbigo
da minha menininha e mais um pouco além, para Coiote cortar no
meio.
Ele o faz e depois ele próprio pega a menina nos braços.
Ouço agora a algazarra que está lá fora e nem percebi. Uma
festa, a tribo está em festa pelo nascimento de mais uma criança.
Para eles é como se as crianças fossem um pouco de cada um e
mesmo a minha sendo mestiça, não parecem se importar.
Coiote age com o mesmo cuidado e orgulho que agiria se
carregasse o mundo nos braços e sorri lindamente para mim.
– Ela é linda, minha Branca!
– Sim, é igualzinha a você, meu filho! Até os cabelos! – Chuva
Forte está emocionada e sorri muito.
Coiote sai da tenda com a menina. Irá anunciar o seu nome a
todos e assim reconhecê-la como filha.
Eu sorrio feliz e orgulhosa também.
Quando ele volta outra vez, estou limpa e deitada na cama. O
cheiro de sangue não existe mais, pois até ervas elas queimaram
aqui dentro e me lavaram com chá de folhas de laranjeiras, eu acho,
pois o cheiro estava parecido. Tenho que perguntar a Sam algumas
destas coisas, pois não conheço nada... As mulheres saem e nos
deixam a sós assim que Coiote passa pela entrada.
– Qual nome colocou nela? Qual a primeira coisa que viu? –
eu pergunto sem me conter, quando pego minha filha nos braços e a
observo atentamente.
Ela é idêntica a Coiote, a mesma pele morena, os mesmos
cabelos negros, a mesma boca carnuda, o mesmo queixo forte. É
neste momento, à meia luz da manhã, que minha filha abre de leve
os olhos, como que despertando de um sono profundo, estranhando
a tênue claridade e me olhando nos olhos. Os olhos dela são
iguaizinhos aos meus e de minha mãe, azuis brilhantes e muito
claros, contrastando com a pele e cabelos escuros.
– Puma, ela tem seus olhos! – Coiote exclama, parecendo
infinitamente feliz. – Coloquei o nome certo nela.
– E qual foi, amor?
– Estrela da Manhã. Perfeito para uma mocinha com estes
olhos lindos, que brilham como estrelas no céu. – ele diz isso me
encarando e sinto meus olhos ficarem úmidos.
– Você sempre foi bom com isso de nomes... – sorrio sem
jeito.
Coiote me beija com paixão.
– E você é ótima com isso de bebês. Temos que providenciar
uns 5 no mínimo, minha branca.
– Acabo de passar a pior dor do mundo e você me fala em 5!?
– eu o censuro.
– Não será agora! Pode descansar! – ele ri. – Nossos filhos
serão os mais lindos da tribo... Ai, droga!
– Que foi?
– A minha filha será a mais linda da tribo! Tem ideia do quanto
isso é terrível?! – ele parece apavorado.
Eu rio.
– Isso não será bom? – pergunto, olhando para minha
princesa, que parece ter voltado a dormir.
– Vou começar a afiar minhas machadinhas desde agora –
Coiote passa a mão no queixo, falando muito sério. – Temos que
fazer alguns guerreiros para me ajudarem a defender e vigiar Estrela
da Manhã...
Rio mais uma vez.
– E se vierem mais meninas?
– Aí não terei mais nada o que fazer a não ser virar o maior
guerreiro de todas as tribos!
Puxo o rosto dele para perto do meu e o beijo.
– Você já é.
Ele sorri cheio de charme e arrogância.
– Eu sei – pisca um olho para mim. – Afinal, tenho o maior
troféu de todos: seu amor. Ah, essa conquista não foi fácil, isso
demonstra o bravo guerreiro que sou.
Ele balança a cabeça concordando com o que ele próprio
acabou de dizer e apenas sinto meu coração transbordar de
felicidade, de sentimento por ele, por Estrela da Manhã e por estar
em paz e em comunhão com tudo ao meu redor.
Capítulo 34 – Uma Visão
Coiote

Muitas luas se passaram desde que Puma aceitou ser minha


esposa. Estrela da Manhã já tenta dar os primeiros passos e minha
branca está cada dia mais linda e feliz. Eu vejo a mudança que
acontece nela, vejo-a desabrochar como uma flor de rara beleza. A
cada nascer do sol ela me acorda com um sorriso lindo. A cada
anoitecer ela me procura em nossa cama, moldando seu corpo ao
meu.
Nunca imaginei que uma mulher, e apenas uma, pudesse me
trazer tanta felicidade, mas estou feliz, como jamais imaginei que
seria. Não existia problemas, não existia nada além de felicidade e
tranquilidade.
Até hoje.
Cavalo Alado convocou uma reunião de emergência na
grande tenda, no meio da noite. Algo muito importante irá acontecer.
Todos os anciões estão aqui reunidos, assim como os guerreiros de
nossa tribo, até mesmo os mais jovens. Os xamãs Olhos Brancos e
Poeira ao Vento... Mas ainda esperam por alguém... Quem estará
faltando?
Cavalo está em seu lugar, usando o cocar de chefe; Urso em
Pé está ao seu lado, como ancião conselheiro.
Estão os dois debatendo. A confusão está no ar, muitos
guerreiros dentro da mesma tenda dá nisso.
Pelo que eu entendi, há um possível perigo, que alguns
acreditam ou não que existe.
Eu apenas observo.
Vejo Cavalo se levantar, pois Cabelo de Sol entrou na grande
tenda.
– Aí está ela. Agora vocês talvez entendam o que estou
tentando explicar este tempo todo! – ele anuncia. — Espírito Branco,
por favor, explique ao conselho o que viu e a gravidade da situação.
Todos observam a moça. Ela parece nervosa, mas tem uma
postura firme quando fala:
– Eu tive uma visão! Três Marcas veio a mim, mais uma vez e
disse que o Grande Espírito tinha lhe dado permissão para me falar.
Ele me mostrou o que os soldados fizeram a uma tribo não muito
longe daqui, e não foi a primeira... É com muita tristeza no coração
que digo que eles mataram toda aquela tribo: homens, crianças,
mulheres... incendiaram suas tendas e mancharam o chão com o
sangue daqueles inocentes.
Um alvoroço se inicia, um burburinho se segue e eu quase
não consigo mais ouvir a voz dela. Ela a ergue mais ainda, e quase
gritando continua. Todos vão aos poucos se calando e posso ouvi-la
outra vez.
– Três Marcas me disse que daqui a três luas, os soldados
virão desta vez por nossa tribo, querendo acabar com todos os
Cheyennes. Os soldados do forte, do Capitão Smith. Os mesmos
que aprisionaram Rainnan e atentaram contra a vida de Entre
Nuvens.
O fogo consome tudo dentro de mim. Miseráveis! Iremos
matar todos que se atreverem a descer a montanha!
– Se eles vierem, estaremos preparados! – grita Vento Veloz.
Seu coração pode ser jovem, mas é de um guerreiro certamente.
– Não deixaremos nenhum em pé! – me levanto e grito,
incitando a outros, que gritam em seguida, batendo os pés no chão e
soltando brados de batalha.
Porém um ancião se levanta. Pé de Vento, o mais velho da
tribo. Isso faz com que fiquemos em silêncio. Ele se dirige a Cavalo,
ignorando Cabelo de Sol:
– Não podemos mudar uma tribo inteira de lugar apenas pela
visão de uma branca. Você está cego pela beleza de sua esposa,
que não vê claramente! Os guerreiros sempre irão procurar por
guerra, mas se enfrentarmos os soldados, a paz tão tênue que existe
hoje se acabará.
Velho tolo!
– Eu já duvidei desta mulher uma vez – Urso em Pé toma a
palavra para si — E esse não é um erro que pretendo cometer
novamente. Espírito Branco tem um elo muito forte com o mundo dos
espíritos, negar isso é como negar que o sol brilha!
Outra confusão de vozes se segue. Estão divididos. Nós, os
guerreiros, queremos ir à luta; os anciões querem manter a paz.
A voz do agora chefe da tribo se eleva, em meio a tantas
outras:
– Não podemos deixar a tribo à mercê de sua própria sorte!
Eu digo que, mesmo que não acreditem na visão de Espírito Branco,
devem considerá-la. Devemos tomar medidas para antecipar um
possível e muito provável ataque. Minha esposa já provou que é
poderosa em suas habilidades e meu avô a procurou, pensando no
bem de toda a tribo, pensando no bem de todos nós, como ele
sempre fez!
Alguns anciões balançam a cabeça, assimilando o que o novo
chefe falou. Concordando, até. Mas outros tantos, Pé de Vento entre
eles, estão com olhar duro e expressão contrariada.
Cabelo de Sol ergue a voz novamente:
– Três Marcas me contou sobre uma lenda, que se refere ao
dia em que homens com pelos no rosto, olhos frios como gelo e
vestindo a noite, chegariam com a aurora e disseminariam nosso
povo...
Um silêncio de morte cai sobre o local. Sim, todos nós
sabemos dessa lenda, desde sempre. Ela saber só prova que tem o
conhecimento e o apoio dos nossos ancestrais.
Olhos Brancos, que até este momento estava sentada quieta
ao lado de Cavalo, se levanta. Ela vai até Cabelo de Sol, andando
sem vacilar, para na sua frente e estica a mão. A outra pega a mão
dela, a velha lhe toca o rosto e sorri com carinho para a branca de
Cavalo.
Todos aqui dentro aguardam nossa poderosa xamã se
pronunciar. Quando ela fala, sua voz parece vir de muito longe,
ressonando pelo ambiente:
– Quando Cavalo Alado chegou com esta branca nos braços,
eu tive um insight, eu a vi em sua outra vida. Eu a vi sendo trazida
pelos mensageiros do passado e ouvi a voz do Grande Espírito, que
me disse que esta mulher era a mulher da profecia, a branca que
viria de lugar nenhum, falando uma língua desconhecida, trazida pela
luz branca que corta os céus. A branca que nos salvaria a todos. Os
jovens daqui talvez não se lembrem, ou não acreditem nas nossas
lendas, nas nossas histórias antigas, mas vocês... – ela aponta para
os anciões. – Vocês se lembram! Vocês, assim como eu, eram novos
quando coisas estranhas aconteceram com nossa tribo; quando meu
irmão, Três Marcas, nos provou que lendas existem e vivem em
nosso meio!
Conheço as lendas. Dizem que alguns de nossos ancestrais
se transformavam em lobos, que o avô de Cavalo Alado, Três
Marcas, salvou toda a tribo de um homem lobo, também se
transformando em um.
Essa era uma das minhas lendas preferidas quando eu era
um menino, essa e a do Fantasma...
Olhos Brancos continua seu discurso:
– Vocês lembram, certamente, de quando nossos avós nos
falavam da lenda do Fantasma. O Fantasma que seria enviado pelos
nossos ancestrais e significaria o nosso elo com o outro mundo.
Espírito Branco é esse Fantasma! – ela se vira para Cabelo de Sol e
realmente é ela! Não pensei antes, mas só pode ser ela o Fantasma!
Eu achei que seria homem!
– O Grande Espírito a trouxe de muito longe, porque você
deveria ter uma visão aberta e evoluída. Por isso o Grande Espírito a
fez nascer em outra época, ver e aprender coisas que não poderia,
se tivesse nascido aqui, mas sua alma é Cheyenne, seu destino é
com nossa tribo, sempre foi. Assim estava escrito desde antes de
seu nascimento. Apenas uma pessoa com mente evoluída pode
fazer o que o Grande Espírito quer. A respeito da tribo, a respeito de
Luz da Lua... — a xamã continua para ela.
– O que tem minha filha? — a filha dela nasceu há algumas
luas. Branca como a luz da lua e com uma marca de uma pata de
lobo no braço. Deve ter algo a ver com aquele lobo cinzento que
aparecia sempre que Cabelo de Sol estava com medo, mas agora o
lobo não sai de perto da pequena Lua.
– Sua filha também precisava vir de longe e não ter elo de
sangue com nossa tribo. Ela precisa ser criada sem os preconceitos
que amarram nossas mentes e cegam nossos olhos, mas isso você
vai descobrir mais tarde... – ela se dirige agora aos anciões. – Esta
mulher não é apenas uma branca com dom de visão, ela é a nossa
salvação! Meu irmão não iria se pronunciar em vão. Duvidar dela é o
mesmo que duvidar de meu irmão Três Marcas e das histórias que
nossos antepassados nos contavam.
Quando ela termina, todos estão em silêncio.
O chefe se levanta e anuncia:
– Não lutar com o inimigo é o mesmo que sentenciar-nos à
morte. Não podemos ficar esperando enquanto eles surgem durante
a noite e matam nossas famílias. Precisamos esconder as mulheres,
crianças e anciões. Precisamos que nossos guerreiros e aliados
estejam naquela montanha, aguardando os soldados daqui a três
luas, mas antes disso tudo, eu preciso que vocês concordem em
irmos à batalha. Eu peço um voto de confiança, a mim, à minha
esposa, a meu avô e até mesmo às nossas antigas tradições. Quem
está conosco?
Ele termina seu discurso pegando a mão de sua branca.
Não demoro um segundo para me levantar. Abaixo a cabeça
por um momento e bato no peito com o punho fechado, sinal
Cheyenne de fidelidade e devoção. Vento Veloz me segue e faz o
mesmo gesto, assim como Lobo Solitário, Urso em Pé, Poeira ao
Vento... Um a um eles se levantam. Todos estão em pé, menos Pé
de Vento. O velho teimoso continua com expressão contrariada. Ele
sacode a cabeça quando fala:
– Se acham que vou me levantar, estão muito enganados! —
ele começa. – Meus ossos já não fazem mais o que eu mando há
muitas luas... Por isso dou minha bênção a vocês sentado mesmo. E
que o Grande Espírito nos proteja, assim como nossos
antepassados!
E dizendo isso ele inclina a cabeça e dá um soco no peito.
Cavalo Alado e Cabelo de Sol conseguiram apoio de toda a
tribo, mas fui eu quem se levantou primeiro. Vou lembrar disso
quando ganharmos essa batalha!
Capítulo 35 – Batalha
– Eu não quero que vá, Coiote! – Puma me abraça, agora que
Estrela dormiu e podemos conversar livremente.
Eu a aperto em meus braços.
– Você e Estrela da Manhã ficarão protegidas no esconderijo
nas montanhas, os jovens guerreiros as vigiarão. Eu preciso tomar
meu lugar na batalha...
– Mas, meu amor... Eu tenho medo – ela sussurra contra meu
peito e eu ergo seu queixo suavemente, até seu olhar azul encontrar
o meu.
– Não tenha medo, eu vou voltar para você.
– Promete? – ela pergunta com os olhos cheios de água.
— Prometo que nunca vou deixá-la, minha branca. Sempre
vou voltar pra você, sempre irei protegê-la e a nossa filha — mesmo
que não me vejam.
Completo a promessa em pensamento. Essa batalha não será
fácil, não sei o meu destino nessa noite, mas de uma coisa eu sei,
jamais abandonarei a minha outra metade, ou a filha de nosso amor.
Não importa o que me aconteça.
Puma me aperta mais uma vez em seus braços e eu acaricio
os seus cabelos, seguro seu queixo e olho dentro dos seus olhos.
— Ne mohotatse.
Vejo os lindos olhos derrubarem grossas lágrimas, quando ela
repete em meu idioma que me ama:
— Ne mohotatse.
Com um beijo, selo nossa despedida, sentindo pela primeira
vez em minha vida, medo de que me aconteça alguma coisa em uma
batalha.

∞∞∞
Não há beleza em uma batalha, nunca houve. Há apenas o
dever de garantir a segurança dos nossos e o esforço para que isso
aconteça. Em uma batalha se entra com a decisão de vencer, custe
o que custar. Inimigos não serão dignos de piedade, pois sabemos
que não a terão conosco.
Caminho furtivamente entre as árvores. Arco armado nas
mãos, olhar atento. O barulho da guerra é alto em meus ouvidos.
Tiros, gritos, relinchar de cavalos. Tento afastá-los, me concentrar no
som de algo potencialmente perigoso em minha situação. Somos
treinados para isso desde pequenos, a mais sentir do que realmente
ouvir quando estamos em meio a esse tipo de caos.
A uma pequena distância um soldado está atirando e não me
vê. Puxo a corda de meu arco e o acerto, ele cai de cima do cavalo
em que está. Quando tomba, um guerreiro Lakota pula sobre ele e
enterra sua faca, a retirando em seguida.
Ótimo, não preciso confirmar se esse está morto.
É nesse momento que a vejo: Cabelo de Sol. Ela está parada
olhando ao redor com olhos aterrorizados. Ainda não entendo porquê
Cavalo Alado a trouxe. Esse, claramente, não é o lugar dela, tenho
vontade de gritar para ela se esconder. Branca tola!
Mas vejo outros soldados se aproximando e começo a fazer
meu arco trabalhar, atirando uma sequência de flechas em vários
deles. Para os que estão perto, eu uso a machadinha, não existe
tempo para hesitação. Apenas um pensamento nos domina: matar
todos os soldados, ficar livre dessa raça maldita, para poder viver em
paz com nossas famílias, mas parece que quanto mais matamos,
mais aparecem. Será que vai ser sempre assim?
Procuro outra vez Cabelo de Sol, temendo vê-la caída em
algum lugar e a raiva me invade quando a vejo debruçada sobre um
dos soldados. Ele grita de dor, mas ela não o está matando, está
curando-o, arrancando uma lança que estava atravessada no infeliz.
A expressão dela é aquela que já vi algumas vezes. Há poder nela e
não me surpreende quando a vejo fazer pressão sobre o ferimento
do homem e suas mãos brilharem em sinal de cura.
Respiro fundo várias vezes. Vou falar com Cavalo Alado, para
que aquele idiota nunca mais traga a esposa numa batalha! De que
adianta nós matarmos os malditos soldados, se ela vai ressuscitar os
desgraçados?!
Uma curandeira numa batalha! Óbvio que iria querer curar e
não ferir! Óbvio que não deveria ter vindo! Óbvio que Cavalo é um
tonto!
Volto minha atenção aos inimigos. Coloco o arco sobre os
ombros e em uma mão tenho a machadinha e na outra uma faca. É
difícil acertá-los quando estão sobre os cavalos e por isso temos que
esperar o momento oportuno. Já derrubei mais três, quando ouço um
urro enorme e vejo quem deve ser o tal Capitão Smith que Puma me
falou, em um galope furioso com arma na mão.
O ódio cego me atinge. Pego meu arco e o engatilho, tentando
mirar no meio da testa desse desgraçado, porém não estou em uma
posição muito boa.
Cavalo Alado está indo na direção dele, também com flecha
engatilhada no seu arco. Caminho entre as árvores, ainda mirando.
Não vou deixar para Cavalo o prazer de acabar com esse demônio.
E quando o tenho em minha mira, puxo a corda, um sorriso de pura
vitória já se desenhando em meus lábios...
É nesse momento que, mais uma vez, a branca de Cavalo
atrapalha tudo! Raios de mulher intrometida! Ela corre na direção
deles, atravessando bem no meio dos dois. Eu seguro minha mão,
mas parece que Cavalo e o Capitão não foram tão rápidos, pois
assim que ela para no meio deles, braços abertos, parecendo querer
parar ambos, Cavalo e Capitão disparam, flecha e tiro.
— Não! Grande Espírito, ancestrais, a protejam! – eu
murmuro, noto que faço coro à fala dela própria.
Um grande clarão me cega e por um minuto nada mais é
ouvido. Nem gritos, ou tiros, nem cavalos... Absolutamente nada.
Então, aos poucos, eles voltam, o relinchar dos cavalos, os uivos dos
lobos...
Ela continua no meio dos dois homens e suas montarias,
parece que nem bala nem flecha a atingiu. Mas não é isso que deixa
todos da batalha em silêncio e sem reação, mas sim todos os
guerreiros ancestrais da tribo que aparecem diante de nós, enchendo
o campo de batalha, munidos e armados. Três Marcas está entre
eles e a apenas alguns passos de Cabelo de Sol. Ele soca o peito,
abaixando a cabeça para ela, no nosso sinal Cheyenne de respeito e
fidelidade.
Nenhum soldado se mexe, parece que desaprenderam até a
respirar. Alguns largam as armas e vejo-os correr para longe sem
fazer alarde. Dou uma risada baixa. Esse reforço inesperado será
interessante.
— Não queremos ver outro massacre, nem dos nossos
guerreiros nem dos de vocês, Capitão Smith! – Cabelo de Sol se faz
ouvir — Vamos resolver isso à moda antiga, você ou seu melhor
guerreiro, contra nosso melhor guerreiro. Se seu homem vencer, nós
nos entregaremos, e se vencermos vocês não incomodarão mais os
Cheyennes ou nossos irmãos Lakotas!
Grande Espírito, de onde essa louca tira essas ideias?! Como
assim não lutar? Como assim se entregar?!
Cavalo Alado também pareceu não gostar disso, pois o vejo
claramente desconfortável sobre seu cavalo sem sela e inquieto.
— Besteira!!! – Capitão Smith grita. — Ataquem!!!
Ele faz o gesto com o braço incentivando o seu pelotão a se
arremeter contra os nossos, mas isso não acontece, todos continuam
parados. Então eu vejo o porquê: há um soldado montado em seu
corcel negro um pouco mais atrás do tal Capitão Smith, ele parece
ser o soldado que Cabelo de Sol curou há pouco. Ele está com a
mão erguida, em sinal de pare e isso está contendo os soldados, que
olham para ele aliviados. Bando de covardes.
— Eu sou o Major Scott – ele grita em alta voz, para todos
escutarem — E como oficial superior nesta batalha, aceito a sua
oferta! – Ele diz, se dirigindo à branca. E depois se dirigindo ao
Capitão: — Smith, desça deste cavalo e resolva seu problema com
esse povo de uma vez por todas!
— Mas Major...
— Agora, soldado! – o outro grita.
Capitão Smith então desce de seu cavalo e joga o revólver no
chão, junto com seu casaco, retirando do cinto uma faca, encarando
Cavalo.
Me aproximo. Eu sou o melhor guerreiro da tribo, não Cavalo!
Mas parece que o tal Capitão quer a ele, que desce do seu
malhado e largando o arco e a machadinha, pega sua faca também.
Torço a boca e vou até a montaria de Cavalo, tirando-a do
caminho.
— Vou deixar que você ache por hoje que é o melhor
guerreiro, Cavalo – resmungo sem me conter.
Ele me olha e concorda com a cabeça, indo até Cabelo de Sol
e a trazendo até mim. Entendo o seu recado: cuidar dela. Sim, com
apenas um olhar nos entendemos.
Percebo quando Capitão Smith se enche de fúria e se atira
para cima de Cavalo, mesmo ele estando de costas, apenas porque
Cavalo deu um beijo em sua branca. A loucura e covardia desse
homem não tem limites, por isso deixo meu arco numa mão, com a
flecha pronta. Não irei hesitar um minuto sequer.
Cavalo se vira no momento certo, se desviando da lâmina.
Todos, sem exceção, prendem a respiração no momento em que os
dois começam a lutar.
Eles se encaram, corpos inclinados para frente sem desviar o
olhar, um passo ao lado do outro. O Capitão joga a faca de uma mão
para a outra e diz entredentes:
— Vou derrubar suas vísceras na frente dessa rameira, índio!
Cavalo não se altera, fazendo o outro ficar vermelho de raiva
e se atirar com faca erguida, mirando-lhe o peito. Cavalo desvia e lhe
dá uma forte cotovelada nas costas, quase o fazendo cair, mas o
Capitão se recupera e com rapidez golpeia o braço de Cavalo,
derrubando sangue, mas nada muito grave.
Cavalo se desvia de mais uma investida do Capitão e lhe
corta o lado em um ataque inesperado, rasgando a camisa branca do
homem e a manchando de sangue. Sem lhe dar tempo, este investe
como uma besta fera, agarrando Cavalo pela cintura, tentando
derrubá-lo e fazendo-o perder a faca com o movimento. Este, com o
cotovelo, investe com força nas costas do outro, que continua
empurrando-o, até Cavalo quase perder o equilíbrio. Até que enfim
Cavalo consegue se soltar do aperto e o Capitão cai aos seus pés,
com o rosto batendo no chão de terra.
— Isso! – eu murmuro.
— Levante-se! – ouço Cavalo ordenar ao outro.
O Capitão se levanta e quando o tonto do Cavalo se vira para
recuperar sua faca que caiu, ele se arremete contra o outro pelas
costas, com intensa fúria. Será que Cavalo não se deu conta que
não pode dar as costas a esse covarde?
Cavalo se vira sem faca e dá um soco certeiro no rosto do
branco, deixando o outro atordoado; depois um no estômago e
quando este se curva, Cavalo faz o que eu (sim, fui eu) ensinei a ele.
Ele lhe dá um gancho forte, que tira o Capitão Smith do chão,
derrubando-o de costas na terra.
Dou uma risada baixa.
Cavalo, vendo a vitória, pega sua faca e se aproxima do outro,
que ainda está caído e a coloca sobre seu pescoço.
— A luta acabou! Me dê sua palavra de que não irá mais
perseguir meus irmãos e eu o deixo vivo! – ele diz em alto e bom
som.
O Capitão ergue as mãos, ainda deitado e solta um:
— Tem minha palavra, índio.
Fácil assim, Cavalo?
Estreito meus olhos, desconfiando.
Cavalo, então, olha para o tal Major Scott e este concorda
com a cabeça. Depois faz sinal de voltar com a mão para outro
soldado, que grita:
— Pelotão! Meia volta, volver! Recuar!
Mas quê? Acabou?!
Os soldados estão indo embora. Ouço alguns dos nossos
gritar em alegria!
Cabelo de Sol corre para Cavalo Alado no mesmo momento
em que o Capitão Smith se põe de pé, com sua faca brilhando à luz
do luar, indo em direção às costas de Cavalo, que olhando em volta,
parecendo feliz, nem notou seu movimento. Pego minha flecha e nos
segundos que levo para o pôr no arco, engatilhar e mirar, vejo
Cabelo de Sol tentar segurar o braço do Capitão, se colocando no
meio dos dois. Porém a faca desce com violência, até se cravar em
seu peito.
Atiro minha flecha, bem no meio das costas do Capitão.
Capítulo 36 - Final

Cavalo se vira em choque e segura sua branca no momento em


que suas pernas cedem e ela tomba.
O corpo do maldito Smith cai e posso ver melhor o rosto de
Cabelo de Sol. Ela está com medo, me olha desolada, sabe que vai
morrer. Ela cai devagar. Cavalo senta-se na terra e a deita com a
cabeça no seu colo, sem soltá-la. Corro até eles. Ela sangra com a
faca cravada no meio do seu peito.
— Meu amor! Não me deixe! – Cavalo tem a voz embargada e
parece desesperado.
— Cavalo, vamos levá-la a Olhos Brancos! – digo, mesmo
sabendo que não irá adiantar, mas simplesmente deixá-la morrer não
me parece justo.
— Não... – ela ainda tenta dizer.
— Minha alma... – Cavalo diz e passa a mão no rosto de
Cabelo de Sol, o próprio rosto banhado em lágrimas, molhando o
rosto dela.
O Major deles se aproxima, eu o encaro sem largar meu arco. Ele
apenas me olha de volta e diz a Cavalo Alado:
— Smith não teve honra para manter sua palavra, mas
manterei a minha. O exército americano não perseguirá mais os
Cheyennes e os Lakotas. Sinto muito por ela, é uma mulher corajosa
e de coração valoroso. Não foi por acaso que o falecido Capitão
enlouqueceu à sua procura. Se pudermos ajudar em alguma coisa...
— Só nos deixem – Cavalo responde, passando a mão pelos
cabelos da sua branca.
Parece que ele foi quebrado ao meio.
Cabelo de Sol parece fazer um esforço sobre–humano para
abrir os olhos e só consegue um fio entre as pálpebras.
Então, em meio ao silêncio de morte que está no local,
escutamos o som de cascos batendo, como em um galope furioso.
Avisto um cavalo pintado, é dos nossos e o irmão mais novo de
Cavalo Alado o está guiando. Atrás dele percebo mais alguém...
— Vento Veloz, o que faz aqui?! – pergunto furioso. — Você
deveria ficar cuidando...
Me surpreendo quando vejo que a outra pessoa que o
acompanha é Olhos Brancos. Ela está sentada atrás do rapaz e
parece ter metade dos verões que tem. Paro abruptamente de falar,
soltando um palavrão...
— Ela me disse que o irmão dela a estava chamando e que se
eu não a trouxesse, me lançaria uma maldição! – Vento Veloz
explica, sem jeito. — Pelo Grande Espírito!!! O que aconteceu com
Espírito Branco?!
Ele para na minha frente e se dá conta da situação de Cabelo de
Sol no colo de Cavalo.
Olhos Brancos desce da montaria de Vento Veloz, caminha até
perto de Cabelo de Sol e toca seu ombro.
— Por favor, Olhos Brancos, salve-a! – Cavalo lhe suplica.
— Segure os ombros dela, Cavalo Alado! – a voz da velha xamã
é autoritária e firme.
Cavalo Alado segura os ombros da branca, enquanto Olhos
Brancos se ajoelha diante dela, segura o cabo da faca, respira
profundamente e o retira com cuidado. Cabelo de Sol mal esboça
reação, não grita e isso é um péssimo sinal. Já vi muitos morrerem
em campos de batalha e dói meu coração ver minha amiga morrendo
por causa de um covarde maldito como o Capitão Smith.
O sangue flui abundante, mas não muito rápido, sinal de que o
coração dela está parando…
Abaixo a cabeça quando percebo que Olhos Brancos coloca as
mãos da branca e dela mesma sobre o ferimento, tentando contê-lo
com o poder das duas.
Ouço-a pedir a Cavalo:
— Agora, Grande Chefe, peça a todos que orem para o Grande
Espírito, precisamos de toda a ajuda aqui.
Ele limpa a garganta e eleva sua voz:
— Precisamos pedir ao Grande Espírito pela vida de Espírito
Branco! – sua voz é firme. — Rezem conosco!
Olho em volta e percebo um a um de nossos irmãos sentando-se
no chão de pernas cruzadas e dando as mãos, abaixando a cabeça
em murmúrios que parecem uma canção suave. Sinto uma mão
pegar a minha e a aperto. É Vento Veloz. E depois mais uma toca
minha mão livre, eu também a pego, mas ela não é quente, nem fria
e noto algo diferente. Abro os olhos e vejo que quem está ao meu
lado é Três Marcas. E ele não é o único espírito ancestral que está
por aqui. Vejo muitos outros e até mesmo espíritos dos brancos
estão entre nós. Agora somos como um só povo, todos pedindo
baixinho pela vida de uma pessoa que só quis nos ajudar a todos. E
não importa a cor dela, o que importa é que seu coração é bom e
nobre, agora sei disso.
Fecho os olhos e minha prece se mistura a outras centenas, que
juntas tomam forma e potência, se unindo a apenas um som, que
parece brotar de dentro dos nossos corações. Sinto uma energia
grande vir da terra e parece irradiar pelas nossas mãos, unindo ainda
mais tudo que há à nossa volta.
Abro os olhos por alguns segundos e noto que Olhos Brancos,
Cavalo Alado e Cabelo de Sol estão em meio a três grandes círculos
em espiral que se formou. Eu estou mais perto deles e Três Marcas,
com sua outra mão livre, toca as costas de seu próprio neto, Cavalo
Alado.
Por sobre a cantoria, percebo Olhos Brancos chamar por Alce
Maior:
— Alce Maior, venha agora, velho amigo, preciso de você!
Ele aparece ao lado da velha xamã e coloca suas mãos também
sobre o ferimento de Cabelo de Sol.
Uma grande luz parece sair das mãos dos três poderosos xamãs.
Fecho outra vez meus olhos e deixo meu coração acompanhar a
voz de outras centenas de corações, que parecem pulsar ao mesmo
ritmo, guiando o som da prece que sai de nossas almas. Este pulsar
vai se agitando, ficando mais intenso, mais forte. Algo parece doer
no nosso próprio peito, uma dor aguda, uma dor de morte. O som de
nossas vozes é muito alto, quase um grito, um lamento, todos
estamos feridos. Então tudo para, tudo é silêncio e a dor se dissipa.
Abrimos os olhos, como que acordando de um sono profundo.
Os ancestrais desaparecem um a um.
– Uma vida por outra vida – Olhas Brancos murmura, dando um
suspiro.
Vejo Alce Maior sorrir enquanto abraça Olhos Brancos, que por
um segundo se torna uma moça lindíssima, antes de seu corpo velho
cair mortalmente ferido, bem no meio do peito.
Cabelo de Sol abre os olhos e Cavalo dá um grito de alegria. Ela
parece estar perfeitamente saudável e forte.
Caminho até Olhos Brancos. Ela deu a vida pela da nova xamã,
tomando para si o ferimento da outra, contou com a ajuda de todos
nós para isso.
Arrumo seu corpo, e perdido em meus próprios pensamentos,
não noto quando Cabelo de Sol se aproxima com lágrimas nos olhos
e beija o rosto da sua velha amiga, que agora parece dormir em paz.
– Obrigada grande amiga, espero que seja feliz com seu amor
agora – ela lhe diz e isso explica a imagem fugaz que vi de Alce
Maior e Olhos Brancos…
É um momento muito emocionante para todos, a volta dos mortos
da nossa nova xamã e a morte de Olhos Brancos, que sempre foi
muito querida e especial…

O nosso retorno mais do que nunca é celebrado com muita


alegria. Temos poucos mortos e quase nenhum ferido. Algo raro para
uma batalha, ainda mais contra soldados!
O alívio que sinto ao me aproximar do lugar para onde a tribo se
mudou para ficarem seguros é sem tamanho, quando notam nossos
cavalos se aproximando, os gritos de alegria são ouvidos, seguidos
de muitas pessoas se aglomerando à nossa espera.
Procuro em meio delas minha branca, não demoro em
reconhecer seu rosto lindo, com os impressionantes e enormes olhos
azuis ainda maiores, por causa das lágrimas de alegria. Ela carrega
nossa pequena e sem querer sinto os meus próprios olhos úmidos. A
felicidade em reencontrar minha metade e nossa filha é demais.
Desmonto do lado delas, em meio à pequena multidão que se
formou e beijo uma após a outra no topo de suas cabeças, pego
Estrela do colo de Puma e as abraço. Então, só depois de memorizar
cada traço do rosto do meu amor, eu a beijo com toda minha
saudade, meu alívio e meu medo.
Sim, o maior guerreiro Cheyenne conheceu hoje o medo. Nunca
tive medo de nada, mas vi a dor de Cavalo quando teve nos seus
braços sua branca morta. Então, um medo louco de perder a minha
companheira, minha força e minha metade se apoderou de mim.
Já a perdi uma vez e prometi a mim mesmo que não faria mais
nenhuma besteira a ponto de fazê-la fugir novamente. E agora eu
prometo ao próprio Grande Espírito: serei o melhor homem para ela,
meus descendentes e toda a tribo, até mesmo como um guardião, se
Ele não a tirar de mim.
Sinto algo puxar meu olhar para cima e vejo sobre as montanhas
próximas muitos guardiões ancestrais, Três Marcas, um lobo, Alce
Maior, entre outros… E uma enorme coruja branca voar por sobre
eles. Eles me olham e fazem o sinal Cheyenne de fidelidade e
respeito, batendo no peito com a mão fechada, enquanto abaixam a
cabeça.
Eu abaixo a cabeça em resposta, e assim sei que o Grande
Espírito aceitou minha promessa. Abraço ainda mais meus tesouros
nessa terra, com o coração agradecido por ter tanta sorte de eu ser
eu.
Epílogo
Estrela da Manhã tem a cabeça altiva, não tem orgulho do que
acabou de nos contar, mas está pronta para qualquer coisa que
possamos lhe dizer. Ela é uma mistura de nossas forças, minha e de
Coiote.
Dos nossos três filhos, ela é a mais forte; não de força física, mas
de força de caráter e personalidade. Até mesmo quando a tinha em
meu ventre, a força dela me guiava naqueles momentos difíceis que
nós duas passamos.
E agora, minha menina, com apenas 15 anos, está diante de mim
contando estar esperando um filho de seu melhor amigo, Bisão
Negro.
Olho para o rapaz que sempre frequentou nossa tenda. Ele, ao
contrário de Estrela, está com o rosto cabisbaixo, olhar assustado e
parece pronto para correr a qualquer momento.
Noto que Coiote prendeu a respiração e está pronto para pular no
pescoço de Bisão. Tento segurar o braço dele… Tarde demais, ele já
está perseguindo o rapaz pela tenda, que corre como um louco,
fugindo do olhar assassino e das mãos grandes do melhor guerreiro
da tribo.
– Seu moleque miserável, é assim que você retribui minha
confiança??? – Coiote urra pela tenda, enquanto derruba tudo para
pegar Bisão.
Eu reviro os olhos.
Estrela se coloca em meio aos dois:
– Pai, pare! Nós vamos nos unir, já está decidido!
Coiote se detém por um momento e olha para ela.
– Como vai se unir a um defunto? – Lança outro olhar irado para
Bisão, que corre para trás de Estrela.
Uma atitude péssima, com certeza, aos olhos de Coiote, mas
Bisão nunca foi do tipo machão, sempre foi muito amigo e querido,
nunca imaginei que os dois poderiam ter alguma coisa “a mais”.
– Coiote, eles vieram pedir a nossa benção e não uma sentença
de morte…
– Acha que eu vou dar a minha benção depois dessa traição???
– ele está ofendido.
– Filha, eu e seu pai vamos conversar, logo procuraremos por
vocês, está bem? – me dirijo a Estrela, que respira fundo e sai da
tenda, sem falar nada.
Bisão corre atrás dela.
– Não tenho nada para conversar! Não darei minha benção
nunca!!! – ele grita na porta da tenda, depois que os dois saem.
Quando me olha, eu estou encarando-o de braços cruzados.
– O quê?! Acha que vou concordar com ISSO??? – ele aponta
para a porta.
– Eu sei que ela é nova ainda e não esperávamos…
– Você não pode estar levando isso a sério…
– Ela está grávida, Coiote!
– Pelo Grande Espírito, não repita isso! Deve ser mentira! Um
engano!!! Ela é uma menina!!! UMA MENINA!!!!!
Ele caminha de um lado para o outro na tenda e passa as mãos
pelo cabelo.
– Eu vou matar aquele desgraçado!!! – ele tenta sair outra vez e
eu o seguro.
– Os dois são novos. Os dois. Ela não é uma menininha. Eles
decidiram que vão se unir, vão ser uma família…
– Ela é minha família, ela… ela… Ela é minha menina, Puma. Ela
é tão fraca, ele é um moleque covarde, não vai conseguir proteger
minha menina. E se ela tiver uma crise dessa doença maldita? Se os
pulmões dela se fecharem? Acha que esse menino vai conseguir
salvá-la? Aquela vez tive que carregá-la nos braços por muitas
horas, se ela não estivesse comigo teria morrido!
– Amor, ela não vai poder ficar sempre debaixo das nossas asas,
infelizmente. Ela vai ter um bebê, ela tem o direito de tentar ter uma
vida completa, mesmo com essa doença. E nós sempre estaremos
perto dela…
Ele balança a cabeça, negando.
– Ela ainda não está pronta!
– Acha que eu estava pronta quando engravidei de você sem me
casar? Sendo sua ESCRAVA e você aprontando tudo o que podia?
Não feche a cara para mim, Coiote! Você está julgando os dois sem
pensar no passado nem no futuro e isso não é justo!
– Não estou julgando ninguém. E nosso passado…
– Está julgando, sim! Eu entendo que você queira proteger nossa
filha, mas isso que está fazendo já é demais! E o seu passado,
mocinho, eu não quero falar dele, então não me force a isso!!!
Pronto, já estou irritada. Só de pensar que ele era um sem–
vergonha, eu já sinto minhas bochechas queimarem de puro ódio.
– Eu não sou mais aquele – ele diz de cara fechada.
Eu sinto minha raiva evaporar.
– Eu sei que não é. Você mudou, é um homem honrado e um pai
de família perfeito – chego perto dele e o abraço. – Todos esses
anos, o meu orgulho de estar ao seu lado só aumentou, por isso que
eu digo que as pessoas podem mudar, melhorar. Bisão é apenas um
menino, pode virar um homem bom para nossa filha. Só precisamos
dar uma chance a ele…
A simples menção de Bisão faz Coiote se enrijecer em meus
braços. Ele me encara e me beija suavemente os lábios:
– Preciso pensar, minha branca. Só isso.
– Prometa que não vai atrás do moço, Coiote!
Ele sorri e sai da tenda.
Reviro os olhos outra vez. Índio teimoso!

∞∞∞

Coiote
Traído por um moleque que nunca achei que seria homem
suficiente para fazer mal à minha filha! Como fui tão burro???
Caminho sem rumo. Quando noto, estou afastado da tribo, na
grande planície.
Não posso matar Bisão Negro, por mais que tenha vontade. Ele
tem a mesma idade de Estrela e ela quer se unir a ele. Ela mesma
disse! Diante dessas duas coisas, eu não posso arrancar o membro
dele fora.
Maldito aproveitador!!!
“Você não pode julgar sem pensar no passado ou no futuro” – a
voz de Puma aparece na minha mente.
Sento-me na relva baixa, o sol está se pondo e a luz dourada do
entardecer estimula o canto dos pássaros. Respiro fundo várias
vezes e deixo a irritação diminuir, até que eu consiga pensar direito.
Pensar no passado e no futuro?
Grande Espírito, sei que não tenho muito entendimento das
coisas da vida, mas minha menina estar esperando um bebê tão
jovem não me parece certo…
Fecho os olhos por alguns momentos, sinto o vento bater em meu
rosto e o cheiro doce dos lírios do campo, que estão desabrochando
aos montes na planície. Me permito deitar e olhar para o céu por
alguns momentos, então ouço uma voz:
– Quando vai parar de ser tão teimoso?
Me levanto e vejo Puma se aproximar. Ela está com o rosto
vermelho e os olhos ainda maiores. Linda. Sorrio.
– O quê?...
– Ela está esperando o meu neto! Ou neta! Tanto faz, é MEU! E
eu não vou deixar você me afastar deles, nem a fazer ficar nervosa
por causa do seu ego ferido! Já dei minha benção a eles e espero
que você faça o mesmo, senão juro por Deus que não falo mais com
você, DE NOVO!
– Você não acha que está muito atrevida, Puma Pequena?!
– Atrevida?! Pois com quem pensa que está falando? Não sou
sua escrava! Sou sua mulher e mãe de seus filhos!!!!
– Está merecendo outras palmadas, então, minha mulher! – lhe
digo com os olhos estreitos.
Ela fica ainda mais corada, os olhos ficam redondos. Tenho
vontade de rir, mas continuo firme.
– Não se atreva, Coiote! – ela estreita os olhos para mim.
Me levanto sorrindo, ela se vira para correr, mas eu a agarro em
seguida. Ela grita.
– Não pense em começar com isso aqui… – ela adverte, meio
rindo, olhando ao redor.
– Ninguém vai ver… E não seria a primeira vez… – digo,
acariciando o seu traseiro e ficando totalmente louco por ela, como
sempre acontece quando estamos juntos, mesmo depoiss de todos
esses anos.
– Você não ache que nosso assunto morreu aqui… – ela começa,
mas não termina, pois estou sugando seu pescoço.
– Sim, minha branca, vou dar minha benção aos dois. Você está
certa, é nosso neto que está por vir. O futuro. E alguma coisa me
sussurrou quando estava olhando as nuvens, um sentimento de que
esse molequinho vai ser muito especial para todos nós…
– O quê...? Coiote, se comporte! Não pode… Oh! – beijo seu
braço, sua nuca, enquanto a ajeito sobre meu colo com o traseiro
para cima e ergo suas saias, beijando cada uma das ancas brancas
e macias.
– Você lembra de como são as regras? – pergunto e dou um tapa
forte.
Ela grita:
– Não! Seu… Seu…
– Se me xingar, leva outro – sorrio amplamente e ela ri baixinho.
– Ordinário! – ela grita.
Eu bato mais uma vez, ela não se aguenta e se solta, me
beijando forte e subindo no meu colo.
– Ah, minha branca, agora que eu estava começando? – rio e ela
também.
– Agora você vai ter que apagar o fogo que começou, seu Coiote
Safado… – ela diz, me beijando outra vez e me montando.
– Seu pedido é uma ordem, afinal sou seu escravo…
– Escravo?
– Sim, minha branca, um escravo totalmente rendido por você e
nosso amor.
Vejo os olhos dela se encherem de lágrimas:
– Aqui não existem escravos, apenas dois corações livres que
decidiram se atar um ao outro, para serem mais fortes e completos.
Te amo, meu Coiote.
– E eu te amo, minha branca. Para sempre.
– Para sempre – ela repete e me beija.

Fim.
Próximo Livro da Saga
SOB AS ESTRELAS

Às vezes você só precisa perdoar

Peter Smith é o novo xerife da recém fundada Denver.


Honesto e apegado às suas convicções, seu único objetivo na cidade
é fazer justiça a morte de seu pai. Capitão condecorado do exército
americano, morto em batalha por um Cheyenne.

Após um engano que o leva a matar um índio injustamente, o


Grande Espírito intercede a seu favor, livrando-o de ser linchado
pelos demais. Estes sem saber que destino darem a ele, o levam
para a tribo.

Onde será obrigado a tomar as responsabilidades do homem


que tirou a vida. Sustentando e ajudando a viúva e filho do falecido.

De repente o xerife arrogante e forte vira o escravo de um


povo que ele sempre subestimou e desprezou... E um pequeno
nativo lhe mostra como é bom finalmente fazer parte de uma
família...

Mas a linda Estrela da Manhã não está disposta a o perdoar, e


vai o enlouquecer provando o quanto uma mulher pode ser infernal e
encantadora ao mesmo tempo.
Agradecimentos

Concluir um livro não é apenas se sentar e escrever, é muito mais


do que isso e até mesmo isso (sentar e escrever) por vezes é muito
difícil, ainda mais quando se tem 3 filhos! Comecei essa história há
muitos anos, e somente agora em 2022 consegui concluir, graças a
pessoas que quero deixar registrado aqui, para sempre.

Primeiramente as leitoras do Wattpad, que foi onde eu comecei a


história e que sempre me incentivaram muito, e esse incentivo não
tem preço.

Minhas irmãs de alma (igual Sam e Puma), Fran e Simone que


sempre me seguram pela mão quando eu estou caindo ou me
desviando dos meus objetivos.

As meninas da 2ª pré-venda de Pele Vermelha: Débora, Polyana,


Agatha Vitória, Amanda, Ana Ângelo, Ana Beatriz, Ana Lúcia, Ana
Paula, Brunna, Bruna, Brenda, Lanif, Daniela, Dany, Ester, Daniele,
Iara Maria, Jéssica, Jenifer, Jhennifer, Drak, Lorrane Coelho, Lorrane
Rodrigues, Magda, Marcella, Maria Janaina, Maryele, Nubia, Raiane,
Suzana, Thamirys, Yasmim e Alvaci Maria (se eu esqueci alguém me
chama que eu adiciono) que me deram um apoio gigante, sem a
compreensão de vocês eu não iria seguir em diante.

Aos meus dois filhos, Bell e Miguel por me apoiarem na hora que
estou trabalhando, me ajudando e inclusive entretendo a terrível
Maya.

Agradeço imensamente a Lília que sempre me apoiou com seu


coração enorme e revisou esse livro em tempo recorde.

E também a Jaque Summer que se dedicou muito e conseguiu


fazer essa capa perfeita.
Meu muito obrigada a todos vocês, sem vocês esse livro nunca
estaria completo!

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