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1ª edição

2023
Copyright© 2023 Cecília Turner
Revisão: Barbara Pinheiro
Designer da capa: Layce Design
Diagramação: Cecília Turner

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Turner, Cecília

Ligados pelo Acaso [livro eletrônico] /


Cecília Turner. – 1. Ed. -- Sorocaba, SP:
Ed. da Autora,2023. – (Duologia em chamas;2)
PDF
ISBN 978-65-00-83926-5

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

23-177654
CDD-B869.3

Índices para catálogo sistemático:


1. Ficção: Literatura brasileira B869.3
Aline Graziele Benitez — Bibliotecária — CRB-1/3129

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal .
A quem já sofreu por um amor não
correspondido.
No fim, tudo acontece como deveria
acontecer.
Nem antes, nem depois, mas no
momento certo, e com a pessoa certa!
Aos dez anos ela o conheceu…
Seu novo vizinho, Gustavo.
Ela achou que seriam amigos, mas não.
Ele é amigo do seu irmão. Ela é criancinha demais para
andar com eles.
Ela é a pirralha.
Seu primeiro amor, sua primeira decepção.
Durante anos, ela fez um bom trabalho, escondendo seus
sentimentos.
Ela cresceu, estava pronta para as suas próprias aventuras.
Deu certo por um tempo.
Um encontro ao acaso, um calendário do corpo de
bombeiros…
Era para ser simples, ela não é mais uma garotinha, mas
algumas coisas nunca mudam. Para Gustavo, ela sempre seria a
pirralha.
Tudo ia bem, até seu irmão despejar uma bomba na sua
cabeça.
Ele ia se casar. Os padrinhos: ela e Gustavo, o melhor amigo
dele.
Como desgraça pouca é bobagem, ela ainda terá que dividir
um quarto de hotel com ele, seria bom se tivesse parado por aí, mas
não… Uma tia-avó, uma fofoca sem precedentes, e agora eles
estão presos num relacionamento de mentirinha, por três meses.
Ela está totalmente ferrada!
Ela não irá desistir. Será um desafio.
Ela é muito transparente com suas emoções, e estas
geralmente envolvem querer esganar o Gustavo… ou pular no seu
colo.
Estes serão os três meses mais longos de sua vida.
O acaso os aproximou, mas será capaz de fazer com que
permaneçam juntos?
PRÓLOGO 1 - GUSTAVO

PRÓLOGO 1 - VALENTINA

PRÓLOGO 2 - VALENTINA

PRÓLOGO 2 - GUSTAVO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34

CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36

CAPÍTULO 37

CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 39

CAPÍTULO 40

CAPÍTULO 41

CAPÍTULO 42

CAPÍTULO 43

CAPÍTULO 44

CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46

CAPÍTULO 47

EPÍLOGO
Este é o livro 2 da Duologia – Em chamas, e trará a história
de Gustavo e Valentina
Diferente dos meus outros livros, principalmente os da USC,
este não tem tiro, porrada e bomba. Se você está atrás de uma
leitura com mais ação, este não é um livro para você.
Agora, se você procura uma história de amor, tipo filme da
sessão da tarde… em que você encontra o amor onde você menos
espera, algumas vezes, embaixo do seu nariz, com talvez uma leve
dose de confusão, acredito que aqui seja o seu lugar e você possa
se divertir e ficar com o coração quentinho no final. (Este é sempre o
objetivo.)
Destaco que mesmo fazendo muita pesquisa, este livro não
pretende retratar a real rotina de um batalhão do corpo de
bombeiros. Trata-se de uma obra de ficção, e tomei a liberdade de
criar meu próprio grupamento, o 21º.
Livro destinado para o público adulto. Contém cenas de sexo
explícito e uso corriqueiro de palavrões. Caso não goste deste tipo
de conteúdo, recomendo que pare agora.
Se, ainda assim, você continua aqui… espero que se divirta
tanto quanto eu me diverti escrevendo.
Um grande beijo, Cecília!
Muitas músicas embalaram esta história.
Desta vez, estava menos nostálgica que no livro anterior, ou
não?!
Como sempre, algumas se encaixaram com precisão.
Ficou curioso?
Abra o Spotify no seu celular, clique em “buscar” e, em
seguida, na câmera.
Basta posicioná-la sobre o código abaixo e curtir!
Espero a minha vez – NX zero
15 anos
Meu pai até tentou puxar assunto, mas a verdade é que só
quero ficar quieto. E é o que faço. Observo minha casa, meus
amigos ficarem para trás, conforme o carro acelera.
Sorocaba…
Este é meu destino.
Não é como se não conhecesse a cidade, já fui algumas
vezes lá, mas sempre foi rápido. Férias de verão ou um fim de
semana na casa dos meus avós.
Agora é permanente.
Meus pais se divorciaram.
Depois de meses de discussões intermináveis, eles
finalmente puseram um fim no tormento. Sério, eu já não aguentava
mais, ficar no meio daquele fogo cruzado.
Meu velho conseguiu uma transferência para a unidade
localizada na cidade e eu não poderia abandoná-lo. Ele tenta se
fingir de forte, mas está uma merda.
Minha mãe está bem… talvez eu esteja exagerando. Ela
está puta comigo, na verdade. Acha que eu estou abandonando-a,
que prefiro meu pai, mas não é nada disso.
Droga, eu só quero os dois felizes, ainda que isto signifique
ter que me dividir entre duas casas.
Ela é forte e tem suas amigas loucas, ficará bem.
O velho só tem a mim, por isso, estou aqui.
Além disso, não é como se não fosse vê-la mais.
A cada quinze dias, prometi pegar o ônibus e ela me busca
na rodoviária, mas ela nem se deu ao trabalho de responder ou se
despedir de mim.
Isso acaba comigo.
É a minha mãe… e não a quero chateada.
Estou ferrado.
— Já estamos quase chegando — avisa, quando passamos
por um pedágio.
— Ok — devolvo, tentando soar mais animado.
Por dentro, um único pensamento martela.
“Não vai ser fácil, mas não é o fim do mundo.”
Nova rotina, nova escola… só espero que não tenha muitos
otários.
Vinte minutos depois, estacionamos em frente a um
condomínio.
— Você vai gostar, tem salão de jogos… — meu pai começa
a enumerar as qualidades do lugar, como se eu fosse um bebê.
Não quero saber de nada disso.
Só quero ajeitar logo meu quarto para poder me jogar na
cama.
— Parece legal. — Dou de ombros.
— Certeza que logo fará amigos — continua, animado, e
apenas sorrio.
Acompanho de perto ele orientando o motorista do caminhão
sobre o local de descarga e espero pacientemente para começar a
subir as caixas.
Pelo menos os caras vão ajudar.
A movimentação no hall atrai a atenção de alguns
moradores, mas ignoro. Coloco meu fone de ouvido e estou prestes
a aumentar o som, quando um movimento à direita chama minha
atenção.
Um moleque, um pouco mais baixo que eu, camisa preta do
Metallica, o que já é uma coisa boa, e que chuto ter a minha idade
ou mais novo talvez, mas pouca coisa, ao seu lado, uma menininha
loira de tranças, me olhando sem disfarçar a curiosidade, deve ser
sua irmãzinha, mas são só suposições.
— Olha, Enzo. — Aponta na direção do caminhão, nada
sutil.
— Que foi? Nunca viu uma mudança?
— Claro que já, seu besta — devolve, rápida, e tento conter
o sorriso, mas é difícil.
A menina é ligeira.
Seu irmão bagunça seu cabelo e ela fica vermelha de raiva.
— Para com isso ou vou contar tudo para a mãe.
— Vai lá…
— Vou mesmo. — Ajeita os cabelos e volta a me olhar,
aceno na sua direção e realmente não sei por que fiz isso, mas o
sorriso que recebo de volta valeu o esforço em ser educado.
Ela corre na direção dos elevadores, largando o irmão para
trás.
— Desculpe a Nina, ela é enxerida às vezes. — Ele passa
as mãos pelos cabelos, se aproximando. — Sou o Enzo, e a pirralha
é a minha irmãzinha.
Pirralha… gostei.
— Gustavo.
— Está mudando para onde?
Paro alguns segundos, tentando me lembrar desta
informação crítica.
— Apartamento 59, bloco B.
— Caramba, parece que você é nosso mais novo vizinho! —
anuncia com um sorriso.
Nem ferrando…
Bem, pelo menos, posso avisar minha mãe que já conheci
alguém por aqui. Ela ficou falando que eu ia ficar sozinho.
E algo me diz…
Que eu e Enzo seremos bons amigos.
— Então você gosta de Metallica? — puxo assunto.
— Por favor, me diga que você também — brinca e apenas
aceno em concordância. — Porra, sim… ops, foi mal. — Olha para
trás, confirmando que a irmãzinha não o ouviu e me pego sorrindo.
Já temos algo em comum.
O bom gosto musical e a facilidade de falar palavrões.
Algumas horas depois, eu e meu pai ainda estamos tentando
encontrar as coisas da cozinha, quando a campainha toca.
Trocamos um olhar curioso e ele caminha até a porta,
desviando de uma caixa aqui, outra acolá.
Reconheço Enzo e Nina, agora sem as tranças,
acompanhados de um casal, que só pode ser seus pais.
— Olá, desculpe atrapalhar — a mulher começa, meio sem
graça.
— Não é incômodo nenhum — meu pai se adianta e ela
continua:
— As crianças estavam loucas para que conhecêssemos os
novos vizinhos.
Enzo aponta para a irmã, fazendo careta.
— Sejam bem-vindos, eu sou a vizinha do 58, Simone, e
este é meu marido, Tomás.
Acho que nunca conheci ninguém com estes nomes.
— Cláudio, prazer em conhecer vocês — meu velho
cumprimenta. — Fico feliz de saber que Gustavo já andou se
enturmando. Vem aqui falar oi, filho.
Me aproximo, odiando toda essa atenção em mim.
— Muito prazer. — Estendo a mão, cumprimentando os
adultos.
— Viu só, mãe, ele é bem mais legal que o Enzo — a loirinha
comenta, e ganha um cutucão do irmão.
Desta vez seguro a risada, mas é por pouco.
— Valentina — repreende e a menina fica corada. —
Desculpem. Bem, estamos aqui do lado, caso precisem de alguma
coisa.
— Muito obrigado! — meu pai agradece.
— Pensando melhor, por que não jantam conosco? Uma
pizza de boas-vindas. — A mulher troca um olhar com seu marido e
ele, até então quieto, se manifesta:
— Sabemos como é complicado nos primeiros dias, são
tantas caixas que é difícil achar até um copo.
— Nem me fale — murmuro, mas acho que ninguém ouviu.
Meu pai parece surpreso com a hospitalidade.
— Não queremos atrapalhar.
— Imagina, será um prazer. É bom que as crianças
conversam. Gustavo vai estudar onde?
— No Santa Escolástica, no centro.
— Enzo e Nina também estão lá. — Começam a tagarelar e,
dez minutos depois, a porta finalmente é fechada.
— Parece que não precisamos nos preocupar com a janta —
comenta, olhando das caixas para mim.
— Eles parecem ser legais — devolvo e ele assente.
— Também achei! O menino parece ser da sua idade, bom
que já vai para a escola conhecendo alguém.
— Sim.
— Vai ficar tudo bem, Guga — me chama pelo meu apelido
de infância, o que é estranho.
Ninguém me chama mais assim.
Para todo mundo é apenas Gustavo ou Gu, e eu realmente
não ligo.
— Vai ficar sim, pai. — Apoio a mão no seu ombro e ele me
olha com um sorriso, que com certeza não reflete o que sente no
momento.
Então eu faço o mesmo.
Sorrio, mesmo que, na verdade, não tenha, no momento,
muitos motivos para isso.
As horas voam e conseguimos, pelo menos, organizar os
quartos.
Ligo para minha mãe, mas cai direto na caixa-postal.
“— Oi mãe, só passando para avisar que
chegamos bem, e estamos nos ajeitando
por aqui.
Já conheci um garoto legal no
condomínio e vou estudar na mesma
escola dele.
Ele tem uma irmãzinha.
É isso…
Vou ver as passagens para te visitar na
próxima semana, ok?”
— Não podemos nos atrasar para a pizza nos vizinhos —
meu pai anuncia parando na porta do meu quarto.
— Vou só tomar um banho e já vamos. — Coloco o telefone
para carregar, torcendo para que ela veja a mensagem e responda
logo.
— É um bom plano. Vou continuar desempacotando e vou
depois de você.
— Fechado, pai.
Às dezenove horas em ponto, tocamos a campainha.
Todos são extremamente simpáticos e sem frescura.
Fica difícil não gostar deles.
Pizzas pedidas, Enzo me chama para conhecer o seu
quarto.
Sua irmã está atrás de nós, quase como uma sombra, mas
nem ligo, algo sobre ela me faz querer tê-la perto. Talvez seja o fato
dela sempre me fazer rir, seja quando abre a boca ou quando briga
com o irmão.
Sendo filho único, nunca tive nada disso.
Sempre foi apenas eu… exceto quando ia dormir na casa da
minha tia. Eu e meu primo, Rodrigo, temos quase a mesma idade, é
só um ano de diferença, mas faz tempo que não o vejo, já que se
mudaram para São José dos Campos.
Sem familiares por perto. Na maioria das vezes, eu me
divertia sozinho, jogando videogame ou com alguns garotos do
prédio, mas isso também era raro, a maioria dos meus amigos é da
escola.
E isso, agora… é passado.
Pelo menos, pelos próximos quinze dias.
Volto minha atenção para o tour, e se eu tinha alguma
dúvida, não tenho mais. O apartamento é maior.
— Você tem seu próprio quarto. Legal!
— Iria enlouquecer se tivesse que ficar no mesmo quarto
que a Valentina, com todo aquele rosa.
— Melhor que todo este preto. — Sua voz soa nas nossas
costas.
— Você não tem nenhuma boneca para brincar?
— Eu não brinco mais com bonecas faz tempo, Enzo.
— É um PS3?
— Aham, joga?
— Tento.
— Boa. Tenho alguns jogos legais aqui. — Começa a
mostrar e isso parece realmente bom. — Fifa?
— Caramba. — Nem tento disfarçar a animação.
— Já vi que vamos nos divertir muito, Gustavo.
— Certeza!
— Você também gosta de jogar, Valentina? — pergunto e a
loirinha me olha, mal contendo a empolgação.
Acho justo fazê-la participar da conversa, afinal.
— Ela só joga os de menininha — seu irmão é rápido ao
responder e ela apenas revira os olhos.
— Gosto do Guitar Hero, conhece?
— Se eu conheço — estralo meus dedos, fazendo toda uma
cena —, eu domino!
— Isso eu quero ver, Guto — devolve, e é a primeira vez que
alguém me chama assim.
Guto…
Ela nem parece ter percebido minha surpresa, apenas
continua a tagarelar.
— O que acham de umas rodadas de rock & roll, antes do
jantar? — disparo.
— Boa! — Enzo retruca, já ligando o aparelho.
— Eba!!!! — Nina puxa uma cadeira e se senta.
Algumas partidas depois, tenho que admitir que a loirinha
não estava mentindo. Ela sabe jogar.
— Agora nós vamos jogar Fifa, Nina — seu irmão anuncia e
ela me olha.
Droga, parece triste.
— O que acha de repetirmos o Guitar Hero outro dia?
Me encara alguns segundos.
— Ok, combinado — responde e então sai do quarto toda
feliz.
Enzo revira os olhos.
— Agora vamos jogar um jogo de verdade — brinca, tão logo
ela se afasta. — Nina é um pé no saco a maioria das vezes, mas
é… legal.
Apenas sorrio.
Crianças geralmente são chatas, Nina não, ela é diferente.
O resto da noite voa.
Tenho que reconhecer que, por algumas horas, apenas me
diverti e quase esqueci sobre a mudança e minha mãe.
— Se quiser vir amanhã, podemos jogar mais. Só durante a
semana, que minha mãe pega mais no pé. — Enzo faz uma careta
— Aí, e só depois de eu terminar toda a lição.
— O mínimo, né, querido. — Sua mãe acaricia seu cabelo.
— Tenho bastante coisa para arrumar, mas vai ser legal vir
jogar com vocês. — Olho dele para a loirinha, que me observa com
atenção. — Se a senhora não se importar, é claro.
— Claro que não me importo! Você é muito bem-vindo,
Gustavo. Certeza que o Enzo…
— Não esquece de mim, mãe.
— E a Nina — ela complementa —, vão adorar se divertir
com você. — Abre um grande sorriso.
E, droga…
É bom me sentir querido.
— Obrigado — agradeço, sem graça.
Depois de nos despedirmos, saímos de lá com a promessa
de repetir a pizzada. A próxima vez, no nosso apartamento. Claro
que só depois de acharmos os pratos, ou termos comprado mais
alguns.
A maioria das coisas ficou em São Paulo. Meu pai só trouxe
aquilo que ela não fez questão alguma que continuasse no nosso
antigo apartamento.
— E aí, se divertiu? — meu pai questiona quando estamos
de novo em meio às caixas de papelão.
— Foi legal.
— Só legal? — Me olha com curiosidade.
— Tá bom — reconheço, abrindo um sorriso — Eu me
diverti. Muito!
— Aee… é bom ouvir isso, campeão! — Me abraça e eu
retribuo. — Vai ficar tudo bem!
— Vai sim, pai — digo, tentando acreditar nisso.
Meia hora depois, deito na minha cama e coloco o celular
sob o travesseiro.
Até agora, nada…
Nem sinal da minha mãe.
Não sei se ela escutou minha mensagem, mas se fez, não
respondeu. Eu não queria que as coisas estivessem assim, mas não
me arrependo da minha decisão.
Não sou mais uma criança.
Eu tive que escolher… e escolhi.
Fecho os olhos, decidido a pensar somente em coisas boas.
A imagem de Enzo e Nina brigando sobre qual música tocar, me faz
sorrir.
Para um primeiro dia numa cidade nova, o saldo é positivo.
Descobri que tenho vizinhos legais.
Enzo é da minha idade e adora Metallica e Iron Maiden,
como eu, além de ser viciado em Fifa – chamo isso de lucro.
Valentina é legal, para uma pirralha, e joga Guitar Hero como
ninguém, principalmente as músicas do Bon Jovi, mas enfim,
ninguém é perfeito, não é?!
Não sei o que o futuro me reserva por aqui, mas algo me diz
que se daqui a alguns anos alguém perguntar como foi meu primeiro
dia em Sorocaba, quase certo de que vou dizer que foi o dia que
conheci meu melhor amigo… e sua irmãzinha.
E a vida na nova cidade ficou bem, bem mais fácil.
He could be the one – Hannah Montana
First Love – Nikka Costa (versão Youtube)
10 anos.
— Eu juro, Lau, ele é lindo.
— Sei. — Me olha desconfiada.
— É sério, ele gosta de jogar Guitar Hero também, mas eu
acho que o Enzo vai ficar monopolizando ele, com aquela porcaria
de jogo de futebol. Eu poderia fazer os discos desaparecerem.
— Não seja má, tadinho do Enzo.
— Tadinha de mim. Com você, ele é legal, mas lá em casa, é
outra coisa.
— Acho que é coisa de irmão mais velho.
— Sorte sua que não tem.
— Eu queria ter, mas já dou trabalho suficiente para minha
mãe.
— Hey — me aproximo da sua cama —, você não é trabalho
nenhum. Você é a pessoa mais incrível. Acha que te escolhi como
minha melhor amiga à toa? — Dou uma piscadinha e ela ri.
Lau e eu somos amigas desde que me entendo por gente.
Nossas mães são amigas de longa data e ficaram grávidas
quase na mesma época. Na verdade, nós nascemos com poucos
dias de diferença. Sete, para ser exata.
Duas taurinas maravilhosas.
Lau nasceu com uma condição que deixa seu coração fraco,
foi o que minha mãe me explicou e, por isso, não pode fazer coisas
que a maioria das crianças fazem.
Combinamos que eu seria os seus olhos lá fora.
Contando tudo de bom… e não tão bom assim.
E assim, os anos têm passado.
Tem dias que jogamos tabuleiro no seu quarto, quando ela
está mais animada. Ou jogamos videogame, mas há dias em que
ela só consegue ficar de repouso.
Tudo parece cansar.
Minha mãe sempre diz que temos que todo dia agradecer a
Deus pela vida, pela nossa família, saúde… Eu tento fazer, todo dia,
às vezes eu durmo antes, mas quando consigo terminar minha
oração, Lau está sempre nela. Eu peço para Ele ajudar minha
amiga, que ela também tenha bastante saúde, para que a gente
possa, um dia, brincar lá fora, ir à escola juntas, aprontar várias e
deixar nossos pais de cabelo em pé.
Ia ser legal.
Minha mãe diz que milagres acontecem, então Lau pode
encontrar o seu.
— Tá, me conta mais deste novo vizinho que te deixou
caidinha — pede e se tem algo que posso falar por horas, é sobre
ele.
— O nome dele é Gustavo.
— Hum, que nome diferente.
— Bonito, né?! Vou chamar ele de Guto.
— É o apelido dele?
— Não sei, eu apenas acho bonito.
— Vai que ele já tem um… sei lá, Gu, Guga?
— Ele não disse nada.
— Guto, então.
— Ele é alto.
— Maior que o Enzo?
— Aham, não muito, mas é sim. Ele morava em São Paulo,
escutei seu pai falando com o meu. Parece que ele trabalha numa
empresa daqui e, por isso, mudou para cá.
— E a mãe dele?
— Os pais dele se separaram.
— Ele te disse isso?
— Não, mas eu ouvi também.
— Como você conseguiu escutar tudo isso?
— Enzo e ele estavam jogando Fifa, eu fiquei na sala vendo
TV e escutei. — Dou de ombros, não é grande coisa.
— Deve ser estranho, não acha? — Lau comenta e não sei
como eu me sentiria se meus pais resolvessem se separar. Eu gosto
tanto das coisas que fazemos juntos.
— Deve ser por isso que ele estava meio triste.
— Triste?
— Sim — murmuro, me lembrando das vezes que me peguei
observando o novo vizinho. Quando alguém falava com ele,
Gustavo dava um sorriso, mas não parecia real, no fundo, havia
tristeza.
— Espero que ele goste daqui.
— Eu também.
Porque eu não quero que ele vá embora.
Não sei explicar, mas…
Gustavo parece ser especial.

Dias viraram semanas, semanas viraram meses… e já faz


um ano que o Guto mora aqui.
Como eu previ, a maior parte do tempo ele está com o Enzo.
Na escola, os dois são um grude, mas lá eu nem ligo.
Meu horário de intervalo não é o mesmo deles, ainda. Enzo
sempre me zoa. Fala que fico com as criancinhas, o que é ridículo,
afinal, já tenho quase onze anos.
Esta semana é seu aniversário.
Eu sei porque o meu é logo depois.
Venho juntando dinheiro nos últimos meses. Não tenho
muita coisa, mas falei com minha mãe e ela vai me ajudar a comprar
o presente dele. Espero que goste.
Ele não parece mais tão triste, como quando chegou, exceto
quando ele vai passar o fim de semana em São Paulo. Nestes dias,
ele sempre volta estranho. Não sei o que acontece lá, nunca o ouvi
falando a respeito com o Enzo.
Ultimamente, eles só falam de uma coisa.
Meninas…
O que me irrita muito.
Sério? Que nojo.
O que mais fala é o bobão do meu irmão.
Ele está apaixonado por uma menina da sala dele, mas ela
nem dá bola para ele. Foi o que ouvi na última semana, quando
passava perto do quarto. Ok, talvez eu tenha colocado minha orelha
na porta para ouvir melhor.
Não escutei nada do Gustavo. Ele só deu risada do Enzo, e
eu também, por isso, quase fui pega no flagra. Consegui escapar,
sem ser vista, mas a culpa é toda deles…
Eles me excluem.
Se trancam no quarto do Enzo com a desculpa de fazer lição
e depois ficam lá conversando e jogando.
Tem horas que acho que o Gustavo nem gosta mais de mim,
mas então, ele vem do nada e conversa comigo sobre a escola,
sobre música, filmes, e às vezes até jogamos juntos.
São os melhores momentos.
Aqueles pelos quais fico torcendo todos os dias e que são
cada vez mais raros.
Minha mãe disse para eu não ficar triste, que é normal. Algo
sobre eles serem meninos e mais velhos e estarem na fase de
fazerem coisas diferentes, o que quer que isso signifique.
O ponto é que não sou criancinha.
Quero participar, mas não consigo.
— Mãe, consegui embrulhar. — Mostro o pacote com o laço
azul que eu pedi para a moça da loja separar.
— Ficou lindo, querida.
— O que é isso? — Enzo pergunta, curioso.
— É do Guto.
— Não sei por que você insiste em chamar ele assim. —
Revira os olhos. — É Gustavo ou Gu, apenas.
— Pra mim é Guto, ué.
— Você tem problema! — Revira os olhos outra vez.
— Enzo, não fale assim com sua irmã.
— Mas, mãe — reclama. — Este nem é o apelido do cara,
além do que, ele é meu amigo, não dela.
— Nina também gosta do Gustavo.
— Ela é criancinha.
— Não sou, não.
Meu irmão me ignora e começa a falar com a minha mãe
sobre algo que não entendo.
— O pai dele vai buscar vocês?
— Sim, já está tudo certo.
— Mãe, aonde o Enzo vai?
— Num lugar que não aceita criancinhas — ele debocha e
quero matá-lo.
— Enzo, mais uma palavra e é você que não vai.
Minha vontade é rir na cara dele, mas me contenho.
— Enzo vai sair para comemorar o aniversário do Gustavo,
Nina.
— Eu também…
— Você não pode, querida — sinaliza e, pelo seu tom, sei
que não tenho como convencê-la do contrário. — Mas, não se
preocupe, você ainda poderá dar seu presente para ele. — Acaricia
meu cabelo. — Tenho certeza de que ele vai amar.
Eu…
Meu coração bate acelerado e de repente só quero ir para o
meu quarto. Enzo e Gustavo vão sair… e eu vou ficar para trás, de
novo.
— Vou para o meu quarto.
— Não fique triste, querida. Vai chegar sua época de sair
também.
Grande coisa.
Eu…
Ahhh, é uma droga ser pequena.
Eu quero fazer dezoito anos logo, e poder sair e fazer todas
essas coisas que só os adultos podem fazer.
Estou jogada na minha cama. Já assisti a filmes, ouvi
música, desenhei e agora estou olhando para o teto, pensando no
que fazer.
Lau foi ao médico hoje, e eu sei que volta muito cansada das
suas consultas e exames, então ir lá não é uma opção.
Uma batida na porta chama minha atenção.
— Posso entrar?
— Se veio me zoar, pode ir embora — retruco para o meu
irmão.
— Vim em paz — comenta e já fico esperta, esperando a
pegadinha — Na verdade, trouxe algo para você.
De trás dele, surge Gustavo.
Lindo e cheiroso.
E meu coração não deveria acelerar, mas faz.
Ele é mais velho e nem sabe que eu existo.
Sou a pirralha, irmãzinha do Enzo, mas nem ligo.
Se eu fosse ter um namorado, igual as meninas da sala, eu
queria alguém como ele.
— Guto… — Levanto, assustada.
— Achei que ia te encontrar jogando.
— Não estou a fim.
— Enzo falou que você está chateada.
— Achei que ia poder comemorar seu aniversário… com
você. — Dou de ombros, como se não me importasse.
— Desculpe. — Faz uma careta — Nem pensei.
Claro que não.
— Está tudo bem.
— Não, não está. A irmãzinha do Enzo também é minha
amiga, e merece comemorar.
Parei tudo no irmãzinha.
Se toca, Valentina, você só tem dez anos.
Tecnicamente, quase onze.
— Ano que vem, faço algo em casa, assim você participa,
gatinha. O que acha?
É a primeira vez que ele me chama assim “gatinha”,
geralmente é pirralha, quando ele quer me infernizar junto com o
Enzo, ou apenas Valentina.
Eu sei que não foi no sentido de ser bonita. Não sou burra.
Gustavo é assim, legal, e quer apenas me fazer sorrir, por isso,
forço um sorriso no rosto.
— Ok.
Ele fala tchau e está saindo do quarto, quando eu lembro e
grito:
— Guto.
Ele para e sorri ao se virar na minha direção.
— Isso é para você. — Entrego o presente.
Arregala os olhos, surpreso.
—Eu…
— Abra! — peço, cruzando os dedos atrás das costas,
torcendo para que goste.
Quando ele puxa a camiseta preta, seu sorriso, valeu cada
moedinha guardada.
— A pirralha te deu uma camiseta — a voz do Enzo surge e,
por uns instantes, eu havia esquecido que ele estava perto — irada.
— Não é? — Ele mostra o desenho e então volta sua
atenção para mim.
— Obrigado, Nina. — Se aproxima, e quando está bem
pertinho diz, só para mim: — Não liga pro Enzo, você sempre vai ser
a minha pirralha preferida.
Dá um beijo estalado na minha bochecha e então sai, me
deixando sozinha… com meus pensamentos e coração acelerado.
Levo a mão até onde ele beijou.
Um dia, eu vou crescer… e quando isso acontecer…
O Gustavo vai ver quem é a pirralha.
Ah, ele vai ver.
Cruel Summer – Taylor Swift
19 anos
— Queria que você estivesse lá.
— Sabe que isso é impossível — Lau retruca e nem disfarço
minha frustração.
— Eu sei, mas é um saco.
— Depois você me conta tudo com detalhes.
— Com certeza.
— Você realmente vai usar aquele biquíni indecente?
— Claro que sim, sou maior de idade agora.
— Enzo vai ficar louco.
— Ele pode ficar o quanto quiser, não é meu pai. Além do
que, ultimamente ele só estuda, e fala de ir embora para o Canadá.
Capaz que nem apareça para encher o saco.
— Duvido. Deve é aparecer com seus amigos, para delírio
das suas outras amigas loucas.
— É só o pessoal do colégio. Amiga é só você, Lau.
— Será que aquele amigo que você gosta vem?
— Quem? — questiono, fingindo não fazer ideia, mas sei
exatamente de quem ela está falando.
Gustavo, o melhor amigo do Enzo e meu primeiro amor –
isso é passado, é claro.
— Aquele… Guilherme… não, peraí… Gustavo.
— Ahh, nunca mais o vi — retruco e ela me olha
desconfiada. — Verdade, ele realmente sumiu. Vida adulta, né,
estudar, trabalhar…
— É o que te espera.
— Sério, Lau? Não quero pensar nisso, não hoje, pelo
menos — disparo e ela dá um sorriso fraco. — Vou deixar você
descansar, amiga.
Lau é forte, mas ultimamente sua saúde está cada vez mais
debilitada e estou muito preocupada.
Todo dia rezo para que Deus ilumine seu caminho. Ela
precisa de um milagre.
— Mas já? Nem pensar, me diga, se Enzo não estará lá para
arruinar seus planos, e quanto ao seu pai, duvido que ele aprove
aquele pedaço de pano. Cuidado para não fazer ele infartar.
Só de imaginar a reação do meu pai, começo a rir.
— Meu pai só vai conseguir chegar perto da hora dos
parabéns, então estou tranquila.
— Sortuda, bem… se divirta bastante, por nós duas.
— Eu vou e depois te conto tudo, talvez menos os detalhes
sórdidos.
— Até parece, estes são os que você conta primeiro. Você é
louca, Nina.
Mando um beijo enquanto saio.
Louca? Só um pouco.

A festa está rolando e eu não poderia estar mais feliz.


Alugamos uma chácara em Araçoiaba e a galera está se
divertindo muito. Uns jogando sinuca e pingue-pongue, outros na
piscina, enquanto o churrasco rola à vontade, com as caixas de som
nas alturas.
Eu só quero saber da piscina, mas ainda não consegui ir
para lá.
Não adianta, quando percebo, estou no maior papo com
alguém e meus planos vão ficando para trás.
Agarro meu protetor solar, meu biquíni e marcho decidida até
o vestiário.
Aplico bastante loção no rosto e ombros, que já estão
vermelhos e com a marca da regata.
​ Aqui está você. — Pri, uma colega da minha sala, surge

no vestiário. — Nando está igual louco te procurando.
Reviro os olhos.
Nando é da minha sala e já demos uns beijos no passado,
nada extraordinário, mas ele não sai do meu pé.
Na verdade, ele era da minha sala, porque já nos formamos
e agora é cada um por si, rumo à faculdade.
Provavelmente, esta será a última vez que muitos irão se
ver, por isso quis fazer a festa.
É quase uma despedida da galera.
— Ele está super a fim de você.
— Pois vai ficar assim, hoje só quero curtir.
— Hum… nem um beijinho?
— Se aparecer um gato que valha a pena, posso pensar —
disparo e ela cai na gargalhada.
— Só você, Nina, a propósito, seu irmão gato vem?
— Sério, Pri?
— O que foi? Ele é gato.
— É meu irmão.
— Só vou admirar.
— Não sei do Enzo, logo deve aparecer, com todo o mau
humor dele.
— Eba! — Bate palmas animada e só dou meu olhar
matador.
Ergue as mãos, enquanto segura o sorriso.
Prendo meu cabelo num rabo de cavalo alto, tiro meu short e
confiro se o biquíni está no lugar.
Tudo certo.
— Vamos?
— Pelo visto, não é só o Nando que vai ficar andando atrás
de você igual urubu — murmura.
— O quê?
— Nada, você está gatíssima. Vamos que quero ver o caos.
Sorrio e coloco meus óculos de sol.
Piscina, aí vou eu.
Saímos do vestiário e, de repente, é como se todos os
olhares estivessem em nós.
Droga, será que exagerei no biquíni?
Não parecia tão pequeno assim…
Foda-se.
Ignoro os olhares e assobios e faço meu caminho até a
borda.
— Caramba, não é que sereias realmente existem —
Rodrigo, um amigo do Nando e que já pegou quase a sala inteira, se
manifesta.
Apenas ignoro.
Os caras não conseguem se segurar. São todos legais, mas
só pensam com a cabeça de baixo.
Nada atraente. Nem um pouco.
Infelizmente, não tem um homem que se salve aqui hoje.
— Santo Deus… — Priscila ao meu lado arregala os olhos,
olhando na direção da casa.
— Que não seja o Enzo estraga-prazer — murmuro antes de
me virar. — Puta que pariu!
É pior, bem pior.
Gustavo…
Em carne, ossos e muita gostosura.
Vestindo uma bermuda jeans e uma regata branca,
mostrando aqueles braços que parecem ter dobrado de tamanho,
desde a última vez que vi, cobertos de tinta.
Meu estômago se agita e não tem nada a ver com o fato de
não ter comido nada, ainda. Forço meu olhar para seu rosto e o que
vejo não é nada bom. Ele parece estar puto… e caminha na minha
direção com cara de poucos amigos.
Pensando bem, ele nunca foi o meu amigo.
Ele era do Enzo.
Com isso em mente, eu faço o meu melhor.
Sorrio e me preparo para recebê-lo na minha festa.
Hora de ele perceber que a pirralha cresceu.
Razões e Emoções – NX Zero
Crazy in love - Beyonce
Mad – Ne-Yo
You give love to a bad name – Bon Jovi
24 anos
— Onde você está, porra? — questiono ao estacionar e não
ver nem sinal do seu carro.
— Estou chegando, tive que parar no supermercado para
minha mãe. Os descartáveis estão acabando. Parece que a pirralha
convidou a escola inteira.
Não me surpreenderia.
Não vindo dela…
Da pirralha.
Vai ser bom vê-la depois de tanto tempo.
— Nem contei que você ia aparecer. Não que ela se importe.
— Ei, tenho sentimentos — brinco e Enzo ri. — Além disso,
sua irmã me adora.
— Não sei em que mundo você vive, cara.
O infeliz tem razão. Nina e eu sempre nos demos bem, isso
até os hormônios baterem com força e ficou difícil conciliar os
programas de dois adolescentes com os de uma garota cinco anos
mais nova.
A verdade é que Enzo e eu queríamos zoar, ir atrás de
algumas bocetas, e ela… bem, era nossa pirralhinha.
Foi natural nos afastarmos. Mas sempre mantive um olho
nela, é quase como se ela tivesse dois irmãos mais velhos. O que
ela detesta com todas as forças.
— Fiquei fora quase um ano e meio, espero que ela tenha
um pouco de saudade.
— Vá sonhando — Enzo debocha e sei que está rindo.
— Caramba, o que pode ter mudado tanto assim, neste
tempo?
— Valentina cresceu e está mais insuportável, além do que
só quer saber de sair com uns babacas.
Sair? Como assim?
— Nem fodendo.
— Veja por si mesmo, não diga que não avisei. Meia hora no
máximo, colo aí. Não deixe essa molecada destruir a casa, a
locação está no meu nome.
— Deixa comigo — devolvo e desligo, ainda assimilando as
últimas notícias.
Então, a pirralha está com namoradinho.
Não sei como me sinto a respeito.
Ela pode até não ficar muito feliz em me ver, mas a verdade
é que é bom estar de volta.
Sorocaba, que saudade que eu estava de você.
Depois de um ano e meio na capital, fazendo o curso de
formação de bombeiros, eu precisava voltar. Já aluguei meu
apartamento e estou animado, pra caralho.
Sem chance de eu incomodar meu pai, ainda mais agora
que ficou sério as coisas entre ele e a Carmem, uma ex-colega de
trabalho que ele reencontrou, dois anos atrás.
Pela primeira vez, vou ter o meu canto…
Minha rotina.
Segunda-feira é o meu primeiro turno no 21º grupamento do
corpo de bombeiros e estou ansioso. O sonho que começou dois
anos atrás, está se concretizando.
Soldado Correia.
Nunca me imaginei bombeiro, mas o destino parece que vai
traçando nossos caminhos, nos levando, às vezes, por alguns que
nunca pensamos seguir.
Comigo foi assim.
Quando acabei o ensino médio, ao contrário de Enzo que
sabia que queria ser engenheiro mecânico, eu só sabia o que não
queria e, acredite, a lista era grande.
No fim, optei por educação física.
No início, a ideia era virar personal trainer, ajudar as
gostosas a ficarem ainda mais deliciosas, parecia superatraente,
mas a vida não poderia ter dado uma guinada maior.
Com alguns meses de formado e trabalhando quase doze
horas por dia numa academia, estava frustrado. O pessoal era legal,
mas não estava feliz.
Na volta para casa, testemunhei um acidente.
Foi o meu chamado.
Ali, eu soube o que queria ser…
Queria ser como aqueles caras.
Ajudar as pessoas, ser a diferença.
Parece que foi tudo no momento certo, pois o concurso
público para o cargo de soldado do corpo de bombeiros estava com
inscrições abertas.
Nem pensei muito, me candidatei.
Estudei, passei nas classificatórias, me preparei feito louco
para os testes de aptidão física e quando a aprovação veio, porra,
comemorei muito.
Enzo achou que eu tinha enlouquecido, mas apoiou minha
decisão.
O velho também estranhou a mudança repentina, mas falou
que tinha certeza de que eu seria um ótimo bombeiro.
Minha mãe até falou para eu ficar na casa dela durante o
treinamento, mas preferi ficar no alojamento.
Na verdade, foi uma tentativa dela de remediar o tempo
perdido. Os anos em que ela não fez a menor questão de falar
comigo.
Não vá por aí…
Quando meus pais se separaram, eu acabei perdendo a
minha mãe. Ela se afastou e, por mais que eu tentasse uma
aproximação, nosso relacionamento nunca mais foi o mesmo. Hoje,
nos falamos em datas especiais, o que para mim é um avanço, e
está bom. Não que agora eu faça questão. Isso ficou no passado,
com o Gustavo de quinze anos.
Ficar no dormitório da escola foi a melhor decisão. Sem dor
de cabeça e drama, foquei 100% em estudar, em colocar em prática
tudo aquilo que estava aprendendo.
Sei que sou um fodido novato, mas estou pronto para esta
nova fase da minha vida.
A música alta me faz voltar para a Terra e afastar as
lembranças.
Agora não é hora de ficar pensando nessas merdas, mas
sim de encontrar a aniversariante e descobrir que diabos a dona
Valentina está aprontando.
Caminho pelo gramado, desviando de um monte de
moleques que mal conseguem se manter em pé e, ainda assim,
continuam bebendo.
Uma olhada no celular mostra que mal passou das quinze
horas.
Começaram cedo as brincadeiras por aqui e, neste ritmo, até
o final da tarde já estarão caídos por aí.
Acredite, experiência de causa.
Entro na casa de campo avarandada procurando algum
conhecido.
Dona Simone.
— Gustavo? — Sai da cozinha ao me ver e me abraça forte.
— Enzo não disse que você vinha.
— E perder o aniversário da Valentina? — Pisco e ela sorri.
— Ela vai ficar surpresa ao te ver.
— Enzo falou a mesma coisa — comento e começo a ficar
preocupado com esta merda. — Ele está no mercado e já vem.
— Ai, que bom. Acabei comprando menos copos do que
deveria. — Aponta para a grande mesa, onde há alguns pacotes já
abertos.
— A bagunça está boa.
— Nem me fale, não aguento mais essa música nos meus
ouvidos. Esta molecada…
Sorrio e agradeço por ela não fazer a mínima ideia do que a
música P.I.M.P do 50 Cent significa, que é a da vez, e está quase
estourando os alto-falantes.
— Ela está na piscina, querido.
Aceno em concordância, não querendo gritar em resposta.
Que inferno.
Será que já estou velho para esta porra?
Nem ferrando…
Só curto outro tipo de festa agora.
Uma que termina de uma forma bem diferente, de
preferência comigo vendo meu pau desaparecer na boca de uma
mulher que busca o mesmo que eu.
Diversão.
A música termina e já começo a me preparar para a tortura
aos meus tímpanos continuar.
A piscina está cheia.
Alguns malucos saltando de barriga, fazendo água espirrar
por toda a borda, enquanto as garotas que tomam sol gritam
quando, na verdade, estão adorando a brincadeira.
Tento não revirar os olhos.
Crazy in love da Beyoncé começa a tocar enquanto procuro
por Nina, aproveito para checar se há alguma gostosa por aqui.
Alguém que já tenha saído das fraldas, claro. Enzo tem
umas primas que, vou te falar… quem sabe não vieram no
aniversário da priminha.
Seria uma boa forma de acabar a noite.
Então eu vejo.
Caralho…
Alerta de gostosa à vista.
Meu pau ganha vida com a mera visão do traseiro durinho
mal coberto naquele pedaço de pano que ela deve chamar de
biquíni.
Garota, não sei seu nome, mas você está prestes a
conhecer o meu.
Faço o meu caminho até a delícia, torcendo para que a
frente seja tão deliciosa quanto a parte de trás…
Ignoro os olhares das garotinhas ao redor e dos caras que
como eu cobiçam aquele pedaço de tentação.
Então ela se vira e, puta que pariu.
Nem fodendo…
— Pirralha — sai da minha boca, conforme o choque
atravessa o meu corpo.
A gostosa é…
Valentina.
A irmãzinha do Enzo, aquela que me infernizava para jogar
Guitar Hero e queria nos seguir para todos os lados.
Quando que ela cresceu e virou este mulherão da porra?
Pare de olhar para os peitos dela, cacete.
Olhos no rosto.
Vou ter que lavar o rosto com cloro.
Foda.
Respira.
— Se você está procurando o Enzo, ele não chegou ainda —
dispara com um sorrisinho ao me ver.
— Na verdade, é você que estou procurando. — Forço um
sorriso no rosto e peço desculpas para sua colega, antes de arrastá-
la alguns passos para o lado.
—Não sabia que você vinha — começa, mas nem quero
saber desta merda.
— Que porra é essa? — Tento me acalmar, mas meu sangue
ferve.
— O quê? — Faz uma cara confusa.
— Está faltando uma parte do seu biquíni — sussurro,
próximo do seu ouvido e, droga, eu não deveria ter feito isso, pois
só serviu para sentir seu perfume cítrico.
Caralho, se controle.
É a pirralha.
— Não está faltando nada aqui — retruca, erguendo o
queixo. — E até onde me lembro, você não é meu pai, tampouco
meu irmão, não que o Enzo tenha algo a falar sobre como eu me
visto.
Bocuda…
Meu olhar desce para os seus lábios e isto é tão errado, em
tantos níveis.
— Aposto que seu pai e seu irmão não aprovariam isso,
pirralha.
— Não me chama assim — cospe, cruzando os braços sob
os peitos, fazendo com que se destaquem ainda mais.
— É o que você é — retruco, tentando não olhar para a
tentação.
— Escuta aqui, seu… — começa, mas para, respirando
fundo.
— Coloque ao menos um short — argumento.
— Nem ferrando. — Ri e meu controle fica por um fio.
— Você que sabe, por mim, posso muito bem te jogar no
meu ombro e te levar para dentro da casa até o Enzo chegar. Aí o
problema é dele.
— Você não faria isso. — Seu olhar está no meu, e eu nem
pisco. Pronto para fazer o que for necessário. — Você é um grande
imbecil, sabia disso?
—Já me chamaram de coisas piores, linda.
— Vá se foder, Gustavo.
— Não era Guto? — provoco.
— Você deixou de ser isso há muito tempo.
— Nina, algum problema? — Um otário aparece ao lado.
— Tudo mais que perfeito, Nando. Só colocando a conversa
em dia com um amigo do meu irmão.
O infeliz fica me olhando por um tempo e deve ter pesado os
riscos de se meter na conversa.
Isso, vaza, moleque.
— Shorts? — insisto e ela sai pisando duro em direção à
casa, batendo a porta do quarto com força.
— Algo errado? — sua mãe pergunta.
— Tudo mais que perfeito, dona Simone.
Cinco minutos depois, ela ressurge.
Ainda uma tentação para qualquer homem, com um short
que mal cobre a popa da sua bunda.
Claro que ela fez isso de propósito e eu não especifiquei o
tamanho da roupa. Isso seria demais até para mim.
— Satisfeito? — Estende os braços, dando uma voltinha.
O imbecil está na ponta da língua dela, eu posso sentir.
Passa por mim, e sigo no seu encalço.
— Não foi tão difícil, né?!
— Vá se foder — rosna, se virando e enfiando o dedo na
minha cara. Muito perto para minha sanidade. — Só para que saiba,
eu coloquei isto — aponta para o pano que agora cobre sua bunda
— porque eu quis, e para evitar uma confusão num dia que deveria
ser apenas sobre festa. Meu pai não me pediria, o Enzo poderia ser
tolo de tentar, mas não ia conseguir e você… você não é ninguém,
ouviu bem? Não é meu amigo, não é nada.
— Caramba, pirralha.
Revira os olhos.
— Pode ficar na festa. Enzo tem este péssimo hábito de
convidar pessoas quando a festa nem é dele. — Dá de ombros. —
Se divirta e só não me enche mais, que está tudo certo. De
preferência, só esquece que eu existo. Eu fiz isso… com você.
— Ouch!
Caralho, essa doeu.
Quando que a loirinha ficou tão brava assim?
Talvez eu tenha exagerado na minha reação. Quem sou eu
para falar o que Valentina pode ou não vestir? A verdade é que
fiquei louco de raiva ao ver os caras cobiçando-a.
Porra, eu estava fazendo o mesmo. Mas isso foi antes de
saber que era ela.
Deus… Enzo cortaria minhas bolas e me daria para comer.
Sua irmãzinha… é a Nina, santo Deus.
A voz dele soa atrás de mim e respiro fundo, querendo
encerrar este assunto.
— Perdi alguma coisa? — questiona, olhando curioso de
mim para a irmã.
— Não — respondemos juntos.
— Estava só falando para seu amigo — frisa a palavra e eu
não deveria me importar, mas faço — que ele é bem-vindo na minha
festa. — Pisca, antes de dar as costas e voltar para a piscina, onde
suas amigas a aguardam.
Droga, eu estraguei tudo com Valentina.
— Algum problema? — A pergunta vem para mim.
— Eu posso ter dado uma de neandertal com sua irmã.
Enzo começa a gargalhar.
— Você é um cretino, sabe disso? — Passo as mãos pelos
cabelos, ainda tenso.
— Tenho certeza que foi por um bom motivo e que Nina
merece… — Aperta meu ombro me consolando e dou uma última
olhada na direção em que ela seguiu. — Esquece essa merda,
vamos arrumar uma gelada para aguentar esta loucura.
A próxima hora passa voando.
Ficamos conversando dentro da casa, onde o som não está
tão ensurdecedor.
— Não vai esperar os parabéns? — dona Simone questiona,
preocupada ao nos ver caminhar em direção aos carros
estacionados na frente da casa.
— Vou ficar devendo. — A verdade é que depois do
pequeno encontro com a aniversariante, fiquei me sentindo um
bosta. — Tenho algumas coisas para resolver.
— Ah, que pena, querido.
— A senhora poderia entregar isso para a Nina? — Ela olha
confusa de mim para o presente. — Ela está se divertindo com as
amigas, não quero atrapalhar.
— Claro. — Abre um sorriso, pegando a sacola que na
confusão do biquíni esqueci totalmente.
— Falou, irmão! — Enzo bate seu punho no meu. —
Obrigado por ter dado uma passada.
— Valeu pelo convite, cara!
As lembranças deste dia com certeza me perseguirão por
um bom tempo. Quem diria… a pirralha… além de bocuda, é muito
gostosa.
Não vá por aí.
Tarde demais.
Eu deveria seguir o conselho dela… esquecer. Mas algumas
coisas, são simplesmente impossíveis. E esquecer Valentina é uma
delas.

Sento numa mesinha de canto e espero Enzo chegar. Estou


adiantado, saí direto do turno e vim para cá.
Os últimos dois meses têm sido caóticos, mas eu não
poderia estar mais feliz. Os caras do 21º são foda… e mesmo eu
sendo o novato do grupamento, já me acolheram na grande família
que é aquele lugar.
Mesmo com pouco tempo de casa, já tive algumas
ocorrências pesadas, o que faz valer todas as horas de preparo e
estudo.
Todos ali dão o seu melhor. Infelizmente, não conseguimos
salvar todos, mas, inferno, fazemos todo o possível para isso.
“Vidas alheias, Riquezas a Salvar”, o lema é perfeito.
Não sei que caralho Enzo quer conversar comigo, que
precisa ser pessoalmente e não pode ser resolvido pelo telefone ou
mensagem.
A última vez que nos vimos foi no aniversário da Valentina, e
só de pensar nisso, fico tenso.
Será que ela contou para ele o que houve? Não faz o tipo
dela.
Além disso, espero que a pirralha tenha me perdoado.
Sei que extrapolei, por isso, peguei seu número com sua
mãe, como quem não quer nada, e mandei uma mensagem assim
que entrei no carro.
Um pedido de desculpas, era o mínimo que eu podia fazer.
Algo simples, poucas linhas, pois não sou bom com isso.

“Pirralha,
Não fique brava comigo.
Desculpe ter estragado seu humor, no seu dia…
Acho que fiquei tanto tempo fora, que perdi o momento em
que você deixou de ser a pirralha que corria atrás de nós e
que adorava jogar Guitar Hero comigo.
Não sou seu irmão (você tem razão), gosto de pensar que
sou mais bonito e legal (não conte ao Enzo), mas você
sempre será a irmãzinha do meu amigo e eu estarei aqui
para você.
Beijos, Guto.”
Ps: Espero que goste.
A resposta veio só no dia seguinte:

“Ainda não te perdoei, totalmente.


Você foi um escroto.
E sim, você é mais bonito e legal, que o Enzo.
PS1: Não me chame de pirralha.
PS2: Eu AMEI o presente… Guto.
PS3: Bon Jovi Forever… Bon Jovi Rocks ”

Sorrio ao reler as mensagens no celular.


Acho que me perdoou, no fim.
Me chamou de escroto, mas no final usou meu apelido.
Guto…
O aparelho vibra com uma mensagem do seu irmão.
“No trânsito do Campolim, dez minutos estou aí.”
Respondo com um Ok e já peço uma porção de fritas para
adiantar.
Enzo parecia ansioso quando falou comigo ontem à noite,
por isso, aceitei na hora seu convite.
Algo está acontecendo ou prestes a acontecer.

— Você está brincando comigo?


— Nunca falei mais sério — devolve, dando um gole no seu
chope.
Droga…
Isso não vai dar certo.
— Ela já é maior de idade, cara.
— E totalmente imatura. Devo te lembrar de que estamos
falando da minha irmãzinha?
Caralho, não…
Já tenho o suficiente dela na minha cabeça nos últimos
meses.
—Não vou conseguir ficar em paz lá. Preciso saber que você
estará de olho.
— Seu pai… — começo.
— Faz todas as vontades da Valentina — cospe e tenho que
reconhecer que a garota tem o pai na mão. — Além disso, se ela
realmente for morar sozinha como está anunciando, não quero nem
pensar no que pode acontecer.
— Acho que você subestima sua irmã. Ela pode se dar muito
bem. Sua mãe falou que ela já conseguiu um estágio na prefeitura.
— Eu me preocupo com ela, cara.
E sei que sim. Enzo sempre provocou e infernizou a irmã,
mas na escola, era só alguém falar qualquer coisa dela que ele
virava o bicho.
Sempre fomos muito protetores da loirinha.
Que não é mais pequena…
Meu pau pressiona contra o zíper com a mera lembrança do
seu traseiro arrebitado.
Vou para o inferno… é isso.
— Mais uma gelada, por favor — peço, ignorando o
desconforto.
— Então? — insiste.
— Quanto tempo você vai ficar fora?
— Dois anos, terminando a especialização eu volto, mas
devo vir passar uns dias aqui nas férias.
— Claro, como se isso aliviasse alguma coisa. Vá se foder,
antes que eu esqueça.
— Vai passar num piscar de olhos — provoca, dando uma
risadinha. — Não estou falando para ser babá dela, é só ficar de
olho, garantir que não se meta em confusão ou se envolva com
algum escroto.
Será que consigo fazer isso? Observar Nina de longe?
Sei que estou fodido, antes de responder, mas não há outra
opção.
— Conta comigo, porra.
Cruel Summer – Taylor Swift
Dias atuais - 24 anos
Faz uns 15 dias que não a vejo.
O que é um recorde para nós, acredite.
Lau fez uma breve viagem, supermerecida, com o Cadu.
Manu ficou com a dona Marlene, sua futura sogrinha, e eu fiquei
como? Abandonada.
Dramática, né?
A boa notícia é que hoje é dia de colocar a fofoca em dia e
cobrar sérias satisfações.
Como assim, madrinha?
Veja bem, o problema não é ser madrinha, isso eu já
esperava.
O problema é o par. Que loucura é essa?
Já tinha o suficiente de tensão me preparando para o
casamento do meu irmão e agora mais essa!
Na certa, é Lau tentando dar uma de cupido comigo. Se ela
soubesse da metade, nem gastaria energia com isso.
Gustavo ou Guto, como eu o costumava chamar, temos
história. E ela não é cheia de flores, muito menos, final feliz.
Ele foi meu vizinho por anos, e desde que coloquei os olhos
nele, apaixonei. Sim, reconheço. Gustavo foi meu primeiro amor, e
também minha primeira desilusão. Importante frisar isso.
O garoto lindo de dezesseis não queria ficar andando ou
jogando videogame com a criancinha.
No início, ele até foi legal, mas então, me afastou e ficou só
com o Enzo.
Era Enzo para lá, Enzo para cá.
Hoje eu entendo, mas não faz doer menos.
Todas as vezes que os vi saindo para curtir, eu pensava: um
dia também vou ter dezoito anos. Um dia, sairei com eles, um dia…
ele vai me enxergar.
Esse dia nunca chegou.
Fiz dezoito anos, escolhi meu vestido mais bonito, para a
comemoração que teríamos em casa, algo mais íntimo… e ele foi
convidado.
Era o dia.
Ele iria me ver… a Valentina, não a irmãzinha do Enzo, mas
ele nem apareceu. Mudou para São Paulo, para estudar alguma
coisa. Foi isso que ouvi Enzo explicando para minha mãe.
A verdade é que eu não podia me importar menos.
Naquele dia, eu acordei para a vida.
Soube que o que sentia era paixão de adolescente e como
isso deveria ficar para trás, eu não era mais uma menininha. Agora,
era a minha vez de curtir.
E eu curti, ou pelo menos tentei.
Bebi, dancei, saí com todos os caras que eu quis… bem,
quase todos. Alguns até pareciam que ia rolar, mas de repente, eles
sumiam do mapa.
Chamo de livramento, pois eu sempre descobria algum
podre, ou mentira depois. Caras que eram casados e falavam ser
solteiros, ou envolvidos com esquemas, no mínimo, estranhos, para
não dizer ilícitos.
Não encontrei meu príncipe encantando, muito menos um
cara igual dos filmes, que faz a mulher gozar nas mais variadas
posições. A cada dia que passa, acredito que isso é lenda.
Hoje, eu tento me divertir sem pressão, sem compromisso.
Quem sabe, assim, a pessoa certa apareça, mas reconheço que a
vida de solteira não está fácil, não.
Minha teoria é que com o passar dos anos, ficamos mais
exigentes e seletivas, mas a realidade é que só tem aparecido uns
escrotos por aí, que só querem foder e pronto. Nem perco meu
tempo com estes.
Um orgasmo é mais garantido com meus brinquedos e não
vem acompanhado de todos os aborrecimentos que costumam vir
juntos. Quem precisa de homem, quando se tem um sugador de
clitóris e um vibrador potente?
Eu é que não.
Voltando ao problema, ou seja, Gustavo, fato é que por cinco
anos, tentei com todas as forças apagá-lo da minha cabeça, da
minha vida…
Ajudou o fato do meu irmão ter ido estudar no Canadá. Sem
o amigão por perto, ele não frequentava a casa dos meus pais e
ficava fácil evitá-lo, ou vê-lo quase nunca.
Eu tinha conseguido.
Até alguns meses atrás.
Quem diria que ir até a padaria não fosse seguro.
Um encontro… foi tudo o que bastou para arruinar o trabalho
de anos, bem isso, e talvez o fato de eu ter proposto o bendito
calendário com os bombeiros do 21º grupamento.
Não pense assim.
Ficou demais o trabalho da Lau, e ainda ajudamos tantas
vítimas de queimaduras. Sim… perdão, Deus.
Mas, enfim, foi neste dia que tudo lascou.
No início, consegui manter a indiferença, afinal, somos dois
adultos agora, não é?
Eu com vinte e quatro, ele com vinte e nove.
Mas a cada encontro, ficava difícil controlar o turbilhão de
emoções dentro de mim.
Vê-lo sem camiseta, segurando literalmente na mangueira,
não ajudou.
Valentina, foco!!!
Pelo amor, o pior de tudo é que eu tive a sensação de que
ele me olhava diferente.
Não mais como a pirralha.
Ele parecia me ver como mulher. Claro que era só coisa da
minha cabeça. Descobri isso da pior forma possível. Ouvindo a
conversa alheia no banheiro feminino.
Essa memória ainda me atormenta.
No dia do baile, achei que rolaria algo, um beijinho, quem
sabe. As coisas têm que começar de algum lugar, mas não.
Eu estava terminando de ajeitar o vestido no banheiro,
quando elas entraram conversando sobre os bombeiros do
calendário serem quentes pra caralho.
Nisso eu concordava totalmente, mesmo só tendo olhos para
um.
Mantive a porta fechada, mesmo estando pronta.
O papo continuou animado.
Elas puxaram a ficha deles. Descobriram que todos eram
solteiros, com exceção de um.
Até aí nada de mais, apenas fatos.
Então começaram a falar especificamente dele, do janeiro e
meu coração acelerou. Tentei não me importar, mas a cada
comentário, meu sangue fervia.
Como tudo sempre pode piorar, uma delas disse algo que
arruinou minha noite.
“Conversei com ele… ele está livre e
desimpedido, se é que me entende.”
Quase vomitei.
A outra respondeu que achava que ele estava com alguém
“a loira da prefeitura”. Demorei a entender que estavam falando de
mim, mas a única loira no setor era eu.
Gustavo e eu juntos, é tão improvável, para não dizer,
impossível, mas o pior ainda estava por vir…
“Não… ele garantiu que está solteiro. A
loira é como uma irmã para ele, palavras
dele, parece que se conhecem desde
pequenos.”
Naquele momento, uma lágrima solitária escorreu pelo meu
rosto, mas tão rápido como veio, fiz questão de secar.
Eu não iria chorar.
Não lá, pelo menos.
Isso é loucura. Não tenho mais dez anos.
Para piorar, ainda trombei com ele na saída do banheiro.
O infeliz ficou me olhando, mas eu apenas o ignorei e fiz
meu caminho até Lau.
Eu precisava dançar e extravasar.
Eu precisava tirá-lo da minha cabeça de uma vez por todas.
Então, a partir daquele momento, eu mudei.
Eu tinha que me proteger.
Vesti minha máscara de indiferença e fiz tudo ao meu
alcance para me manter longe dele, mesmo que significasse ele me
achar insuportável ou imatura.
Dane-se!
Antes assim, ou iria enlouquecer.
Estava funcionando, até o Enzo despejar a bomba na minha
cabeça.
Casamento + eu e ele como padrinhos = desastre.
Nós… juntos num altar.
Eu só posso ter atirado pedra na cruz.
Volto minha atenção para o relatório que está na minha
frente pelos últimos minutos, intocado.
Preciso terminar isso, para poder ir ver a Lau.
Mas não consigo focar.
Mal avanço umas páginas, o celular toca.
Enzo.
Falta pouco mais de um mês para o grande dia e estou
nervosa.
Meu irmão e Emily vão chegar faltando pouco mais de dez
dias, para cuidar dos preparativos finais.
A assessoria que contratou está lidando com tudo, enquanto
eles estão a milhares de quilômetros de distância. Na última vez que
falei com ele, me garantiu que está tudo certo. Local, buffet, e
apenas me perguntou se eu já tinha visto o que me cabia, no caso,
meu vestido. Claro que mandei ele cagar e cuidar dos seus
assuntos.
No fim, o casamento será numa fazenda em Juquiá. Achei
um pouco longe, considerando que tem vários locais legais mais
perto, mas o espaço é realmente fantástico e, de qualquer forma,
são apenas umas duas ou três horas de carro.
— Já trocou de padrinho? — disparo assim que atendo e ele
ri.
Pelo menos alguém feliz por aqui.
— Qual o seu problema com o Gu? Se me lembro bem, você
amava o cara, vivia infernizando quando queríamos ficar em paz,
jogando.
— Ei, assim você me magoa. Nunca infernizei ninguém. De
qualquer forma, isso faz muito tempo. Gustavo é irritante demais.
Além do que, ele é seu amigo, não meu. Eu deveria entrar com
algum namoradinho.
— Bem, deixe-me pensar uns segundos. — Fica em silêncio,
como se estivesse avaliando a possibilidade. — Ah, lembrei, você
não tem, ainda não encontrou ninguém que te aguente.
— Ora, seu…
Quero falar que tenho, sim, muitos para escolher, mas
estaria mentindo.
Faz meses que não saio com ninguém.
Desde a padaria…
— Desculpe, maninha. Como você está solteira e ele
também, vão juntos.
— Posso arrumar alguém para o evento, você sabe… —
brinco, mas já tivemos esta conversa.
— Sim, e ter um total estranho no meu álbum de casamento.
Nem fodendo.
— A mãe sabe dessa sua boca suja?
— Aiii, Nina, saudade de você e das nossas discussões.
— E eu de você, mesmo me jogando nos braços do inimigo.
— Vou falar isso para ele — debocha, mal segurando a
risada.
— Fale, aproveite e diga que vou me esforçar para pisar
várias vezes no pé dele.
— Você é terrível.
— Sempre.
— Nos vemos daqui a alguns dias — afirma e sinto meus
olhos marejados.
O que era para ter sido dois anos, virou cinco, e agora ouso
dizer que dificilmente ele volta. Eles estão muito bem lá.
Teremos que conviver com a ausência e esperar as férias e
datas especiais.
— A mãe está morrendo de saudade… contando os dias.
— Só ela?
— Talvez eu esteja, mas é bem pouco — provoco.
— Te amo, irmãzinha.
— Também te amo. Boa viagem!
Desligo e sei que o resto do relatório terá que ficar para
amanhã.
Sorrio ao pensar que Enzo não me infernizou com perguntas
sobre o vestido desta vez. Não que eu fosse admitir para ele, mas
claro que já o escolhi.
Acesso o site da loja, só para olhar a foto daquela belezinha.
Semana que vem, faço os ajustes finais.
Já que não vou ter como fugir deste evento, pelo menos vou
gata pra cacete.
Unwell – Matchbox Twenty
Dias atuais – 29 anos.

Cinco anos…
Sessenta meses…
Duzentas e sessenta semanas…
Mil oitocentos e vinte e cinco dias…
Parece que foi ontem, entretanto.
Não sou mais um soldado novato, mas sim, cabo do corpo
de bombeiro. O “Correia” ou janeiro, como a mulherada tem me
chamado ultimamente, e você não me ouvirá reclamar.
Também faz exatamente cinco anos que o fodido do Enzo
me pediu para ficar de olho na irmãzinha dele… e eu tenho feito
isso, mesmo que esteja acabando com minha sanidade, dia após
dia.
Não é uma missão fácil.
Não quando envolve ela.
Valentina.
A pirralha que faz meu sangue ferver.
Por quatro anos eu consegui me manter distante.
Consegui descobrir seus hábitos, onde ela gostava de curtir
com as amigas. Eu nem precisava estar lá para saber tudo o que
ocorria.
Acredite, não ia prestar, eu no mesmo lugar, vendo-a com
roupas excessivamente coladas ou decotadas, dançando com as
amigas, ou na pior das hipóteses, se atracando com algum moleque
recém-saído das fraldas.
Qualquer dos cenários, não é bonito.
Não tenho sangue de barata e se tem algo que Valentina
sabe, é provocar e disparar todos os meus gatilhos de homem das
cavernas, isso é a receita para o desastre.
Se seu aniversário de dezenove anos serviu para algo, foi
para mostrar que não sou imune aos seus encantos.
Não como eu deveria ser…
Afinal, é a pirralha no final do dia.
Fiquei longe da sua visão, mas com olhos em todos os
cantos. Ela nem faz ideia, mas eu sei de tudo.
Cuidei para que ela e suas amigas não tivessem problemas
nas casas noturnas e, principalmente, dei um jeitinho para que os
escrotos ou com um histórico perigoso, se mantivessem afastados
ou sumissem do seu caminho. Enzo podia dormir tranquilo. Eu
estava cuidando da nossa irmãzinha.
Por várias vezes, a minha vontade foi ir até estes lugares,
colocá-la no ombro e levá-la direto para minha casa, para longe da
confusão, onde eu pudesse ter certeza de que ela estaria bem,
segura… e comigo.
De preferência, totalmente nua e na minha cama.
Foda, isso é errado em vários níveis.
Me sinto podre.
Me controlei, e tudo estava funcionando bem… ou assim eu
achava.
Até que nos reencontramos.
Eu não podia simplesmente dar as costas.
O mínimo que se esperava era uma conversa educada.
Não somos estranhos.
Sou amigo do seu irmão, eu frequentei a sua casa por anos,
pelo amor de Deus.
Conversa vai… unimos o útil ao agradável, eu estava atrás
de uma forma de arrecadar dinheiro para o hospital e ela veio com a
ideia louca do calendário. Sua amiga é fotógrafa e precisava fazer
um projeto da faculdade, e ainda teria o apoio da prefeitura.
Claro que eu topei, ela parecia tão animada.
O difícil foi convencer o subtenente, mas com jeitinho e
apoio dos caras, consegui.
O resto é história.
O calendário foi um sucesso.
O único problema?
Ter a pirralha por perto.
Na sessão de fotos, me olhando… de um jeito que eu
poderia jurar que havia algo. Que se eu metesse a mão na sua
calcinha, eu a encontraria molhada… e pronta para mim. Assim
como eu estava doendo por ela.
Isso foi assustador.
Tentei me afastar. Manter distância.
Repeti na minha cabeça, até cansar… que ela estava
totalmente fora de questão.
Quem sabe assim, meu pau e meu cérebro entenderiam.
Não aconteceu.
Aquele baile fodido foi quase meu fim.
Caralho, Valentina estava linda pra cacete e eu só conseguia
pensar nela fora daquele vestido.
Acho que olhei tanto para ela, que até acharam que
tínhamos algo. Mas fiz questão de deixar claro que isso era
absurdo. Eu estava à procura de uma boceta quente, isso sim…
Uma que me fizesse esquecer a pirralha e tudo de errado que ela
representa na minha vida.
Consegui?
Claro que não e olha que não faltou candidatas, eu
apenas… não consegui colocar a cabeça no lugar.
Mas Deus é bom…
Não sei o que houve, mas Valentina está diferente.
Arisca, irritada, rude… são alguns adjetivos que se encaixam
com perfeição.
Eu deveria entender o que diabos aconteceu, para ela
querer ver o diabo antes de mim, mas a verdade é que… eu
agradeço.
Preciso ficar longe da tentação, porém, quando achei que as
coisas iam se ajeitar, Enzo me fodeu mais uma vez.
Padrinho…
Sei que ela odiou isso tanto quanto eu.
E não sei como me sentir a respeito. A verdade é que por
mais que eu queira manter distância, que eu saiba que é o mais
seguro, eu adoro infernizá-la, provocá-la, deixá-la irritada e fora do
eixo.
Porque é apenas isso que eu terei dela…
E nesses momentos, Valentina é só minha, nem que seja
destilando veneno e xingamentos.
Isto é seguro.
Como desgraça pouca é bobagem, claro que o subtenente e
sua noivinha tiveram a brilhante ideia de nos chamar para
padrinhos, também.
Na minha testa deve estar escrito “Me Foda”. Não é possível!
Claro que não pude recusar, é o Carvalho, e o cara merece
toda felicidade que encontrou ao lado da fotógrafa.
Fato é que ainda tenho alguns meses para me preocupar
com este assunto.
Há um problema mais imediato.
Enzo está voltando. O casamento é em poucos dias.
E eu preciso…
Porra, eu preciso de todo meu controle e sangue-frio, para
resistir.
Se eu bem conheço a Valentina…
Este dia, não será nada fácil.
Ele vai ficar para a história… e não é por conta da cerimônia.

Estaciono minha moto no grupamento, pronto para mais um


turno. Esta belezinha foi a melhor aquisição nos últimos meses. É
algo que vinha namorando há tempos. E consegui comprar.
Durante a semana, ainda uso mais o carro, já que sempre
tenho algo para carregar. Mas nos fins de semana não… neles, eu
monto e caio na estrada. Muitas vezes, sem rumo.
Só precisando da sensação de liberdade.
Do vento no meu rosto.
Deixo tudo para trás e percorro as rodovias do interior,
descobrindo novas cidades, me encantando… apreciando coisas
simples, o pôr do sol visto de algum mirante, que a maioria das
pessoas nem imagina que existe, uma comida boa num restaurante
minúsculo e familiar.
A verdade é que vivemos numa correria tão grande, que
muitas vezes deixamos de apreciar as pequenas coisas.
— Dia… — cumprimento assim que entro.
— Fala, Correia. — Dutra é o primeiro que vejo e bate seu
punho contra o meu. — Aposto que essa cara de cansaço é culpa
da noite movimentada. — Pisca e dá uma cotovelada no Mendonça.
Os dois putos começam a rir, enquanto Prado, a única
mulher na equipe, apenas observa se servindo de uma xícara de
café.
— Antes fosse — murmuro, seguindo em direção ao
vestiário.
Tive que ir ao shopping ver a porra do terno que terei que
usar no casamento. Não é como se eu tivesse exatamente um no
meu guarda-roupa e a data já está quase batendo na minha bunda.
— Você já foi melhor, cara — ele grita, e eu apenas ergo o
dedo do meio em resposta.
Me troco e antes de começar a checar as guarnições e
mangueiras com o Santos e Melo, passo rapidamente na sala do
Carvalho.
— Subtenente. — Bato de leve na porta.
— Cabo — cumprimenta, estendendo a mão. — Algum
problema?
— Não, senhor — tranquilizo. — Só queria checar sobre a
escala.
— Ah sim, o casamento, né?
Confirmo com um aceno.
— Fica tranquilo. Já acertei com a chefia. Ansioso? Laura
me disse que você vai entrar com a Valentina, que coincidência,
hein… dois casamentos, vocês de padrinhos.
Nem me fala…
— Ansioso não é bem a palavra que eu usaria. — Faço uma
careta e ele ri.
— Certeza que será um grande dia.
— Sim, conhecendo Enzo, ele não economizou nas bebidas.
— Dou um sorriso, tentando soar animado.
É o casamento do meu amigo, eu deveria estar…
Faz anos que não nos vemos. Vai ser bom.
Eu sei que vai.
Dizem que as palavras têm poder. Neste caso, vou repetir
essa frase, umas mil vezes. Quem sabe, eu passo a acreditar, pois
no momento, eu só sinto algo.
Preocupação!

— Coitado do cara — Mendonça comenta assim que


estacionamos o caminhão no grupamento. — O carro virou sucata.
Estamos todos esgotados.
Um incêndio num veículo próximo do acesso à Rodovia
Celso Charuri ocupou o final do turno.
Chegamos rápido ao local e felizmente a vítima conseguiu
sair do veículo a tempo. O carro, um Monza, foi totalmente perdido.
Infelizmente, problemas como este ocorrem e podem ter
como origem desde panes elétricas, problemas no sistema de
arrefecimento, motor fundido, instalações irregulares, dentre outros
motivos.
A verdade é que muitos condutores não fazem a
manutenção apropriada dos veículos, e isso vira uma bomba-
relógio.
— É foda. Com certeza não tinha seguro — aponto o óbvio.
— Nem manutenção, pelo visto — Prado complementa,
saltando do veículo. — Tem que agradecer que ninguém se feriu.
— Coração peludo o seu, Prado — Dutra provoca, mesmo
sabendo que é quase certo a falta de revisão.
Às vezes, uma mangueira ressecada, um fio desencapado, é
o suficiente.
— Você realmente acredita que o carro estava em ordem? —
questiona, se aproximando do 2º sargento, que começa a tirar o
uniforme corta-fogo.
— Claro que não. — Dá de ombros, sorrindo.
— Entendo. Seu prazer é apenas me contrariar, então?
— Sempre — devolve, piscando.
Ficam em silêncio, se olham, e o clima fica tenso.
— Acho que ele gosta de fazer isso com todo mundo, Prado
— Santos dispara quebrando o gelo e todos explodem numa
gargalhada.
Todos, menos Prado.
Ela apenas segue em direção à copa.
Foda.
Os caras são demais.
Dutra é um dos meus melhores amigos aqui, mas uma coisa
é certa, ele adora provocar a Carol. Parece sua missão pessoal.
Logo ela, que é superfocada e séria. Uma bombeira
excepcional.
— Acho que a Prado não gostou muito da sua brincadeira.
— Dou uma cotovelada e ele me olha preocupado.
— Só estava zoando.
— Você parece que não conhece ela, porra.
Olha alguns segundos na direção em que ela foi e então
volta sua atenção para mim.
— Sinuca e garotas?
— Vou passar, hoje só quero um banho e cama.
— Você já foi melhor, Correia. Desse jeito vai perder o posto
de segundo melhor pegador deste grupamento.
— Segundo, é? — debocho, sabendo exatamente aonde vai
dar.
— Claro! — Dá de ombros — O primeiro sou eu, rapaz. —
Abre um sorriso e flexiona o bíceps.
— Acho que a Prado tem razão.
Me olha, curioso.
— Você é um grande imbecil.
— Vá se foder! — retruca e, rindo, faço meu caminho até o
vestiário.
Pego minhas coisas e embora o cansaço seja grande, enfio
na mochila minhas apostilas.
Preciso focar nesta merda, ou as chances de subir para 3º
sargento se complicam.
— Como estão os estudos? — Prado questiona e, distraído,
nem a vi se aproximar.
Na certa, me viu pegando o material.
— Tenho que me dedicar mais. — Faço uma careta. — Esta
semana foi complicada.
— Coloque uma meta diária. Um ou dois capítulos, quando
perceber, já terminou.
— Porra, vou fazer isso — devolvo, de repente animado para
estudar, o que é raro. — Eu fico enrolando — reconheço — e depois
me mato, tentando tirar o atraso.
— As metas vão ajudar.
— Valeu, sargento — agradeço, jogando a mochila no
ombro.
Fazer a prova e subir de praça é meu objetivo.
Desde o início, soube que não queria ser oficial. Gosto de
estar nas ruas, de ver as pessoas… Cinco anos depois, posso
afirmar que me encontrei no corpo de bombeiros. O batalhão é
minha segunda casa.
Vivo para o trabalho e para curtir.
E, modéstia à parte, sou bom em ambos.
No fim das costas, estudar parece um bom plano. Vai ajudar
a manter a minha cabeça ocupada e bem longe de uma certa loira
brava… que usa pijamas de gatinho, que moldam seu traseiro
redondo com perfeição.
Oh, merda!
Meu pau já se anima, e cerro os punhos, frustrado.
Tudo que não preciso é ficar pensando em Valentina ou no
nosso inevitável encontro.
Estou ferrado.
Cruel Summer – Taylor Swift
Eu poderia ter ido com meu carro.
Com certeza!
Mas o chaveirinho – como carinhosamente chamo meu Ford
Ka – está precisando de uma visita ao mecânico, a suspensão já
era. Pelo menos, foi isso que meu pai comentou a última vez que
andou comigo.
Considerando que são mais de três horas dirigindo até a
fazenda, que há trecho no meio do nada, e mais importante, que eu
pretendo beber, nada mais perfeito do que ir com meus pais.
A solução perfeita!
Claro que eu não contava, em vir ouvindo sertanejo de lá até
aqui, mas meu pai descobriu uma playlist nova no Spotify e estava
todo feliz, tadinho.
Nem questionei.
Vim cantando os “clássicos” como ele chama e sinto como
se Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano, Leandro e
Leonardo ecoassem no meu cérebro, num looping infinito.
Sério!
Acho que cantarolarei as benditas músicas até a semana
que vem.
Superada a questão musical, o trajeto foi tranquilo e foi bom
matar a saudade das nossas viagens em família.
Claro que chegamos supercedo, do contrário, não seria a
minha mãe. Pensa em uma pessoa ansiosa…
Nem Enzo ou Emily chegaram ainda e eles também vão se
arrumar por aqui, como nós.
Coloco minhas coisas num dos quartos reservado para a
família do noivo e aproveito o pouco tempo livre para olhar em volta.
O lugar é realmente de tirar o fôlego.
Já começa pela entrada com imponentes palmeiras
desenhando todo o caminho até a casa principal.
Do lado de fora, um lago enorme, vegetação abundante e
totalmente integrada com o espaço para a festa.
Uma área coberta com mais de quinhentos metros
quadrados, pé-direito alto, dá a impressão de que o teto
transparente termina na copa das árvores.
Deus, estou animada para ver esta beleza à noite, toda
iluminada.
Vários funcionários continuam trabalhando, fazendo os
ajustes finais, para que tudo fique organizado e decorado, do
jeitinho que Emily e Enzo sonharam.
Parece que foi ontem que ainda brigávamos em casa.
Agora meu irmão vai se casar.

Continuo minha exploração pela propriedade, desta vez


focada na casa principal e encontro minha mãe exatamente onde a
deixei, meia hora atrás, só que desta vez, ao telefone.
— Não, mãe. A senhora vai vir com a Sandra. Sim,
mãezinha. É lindo sim, a senhora vai amar.
Minha avó está vindo com algumas tias e toda vez que ela
precisa sair de casa, o cuidado é redobrado, ela já tem certa idade e
vários probleminhas de saúde, mas nada que diminua sua animação
e claro que ela não faltaria à cerimônia. Só se a amarrássemos na
cama.
— Tudo bem com a vó? — questiono assim que ela desliga.
— Só sua vó sendo teimosa, para variar. — Dá um sorriso
tranquilizador e eu correspondo.
— Será que é de família? — meu pai provoca de onde está,
já com um copo de cerveja na mão.
— Vou te falar o que é de família! — esbraveja, mas sei que
está brincando. Esses dois são o maior exemplo que eu tenho.
Brincam entre si, são amigos, verdadeiros companheiros, se amam.
Sonho um dia ter algo parecido com o amor que meus pais
têm há mais de trinta e cinco anos.
— Não é nem meio-dia, Tomás! — Aponta para o copo de
cerveja.
— É sem álcool! — meu pai se defende e eu não aguento,
caio numa gargalhada.
— Cuidado, hein, pai. A mãe é capaz de tomar um gole só
para confirmar.
— Não dá ideia, Valentina.
— Ora… — minha mãe começa, mas então se rende e se
junta conosco nas risadas.
— É dia de comemoração, mãe. Enzo encontrou alguém
louca o suficiente para casar com ele — brinco.
— Valentina… — repreende.
— É verdade, ué, louca de amor — complemento, piscando
e ela sorri.
— Seu irmão ligou e disse que estão chegando. Atrasaram,
pois a van com a família dela demorou um pouco no hotel.
— Como vai ser a logística por aqui?
— Seu irmão já reservou vários quartos de hotel para a
família dela pernoitar na região.
— Nós voltamos hoje, certo? — pergunto, precisando da
confirmação. Por mais que seja tentadora a ideia de passar o fim de
semana por aqui, não posso.
Tenho coisas para terminar e uma reunião importante na
segunda.
Duro a vida de não ser herdeira, ou ter encontrado um
fazendeiro para chamar de meu.
— Voltamos, sim — garante — Isso, se seu pai não se
empolgar nas cervejinhas, né?!
Troco um olhar com o velho.
— Só suco para você, paizão, ou cerveja zero álcool —
complemento com uma piscadinha.
— Você leva o carro, Nina — devolve, mas sei que é
brincadeira.
— Nem pensar. Vim na maldade. Por que acha que vim de
carona com vocês?
— Saudade dos seus pais?
— Sempre — faço biquinho —, mas quero me divertir sem
preocupação.
Entenda, beber e dançar até minhas pernas não aguentarem
mais.
— Isso mesmo, querida. Se for dirigir, nada de bebida. Isso é
por você e pelos outros.
— Olá, desculpe interromper vocês. — Uma senhora
simpática surge na porta do quarto e logo vejo que é do salão.
Nem sabia que já estavam aqui.
​— Não é incômodo nenhum — minha mãe é rápida em
responder e sorrio em concordância.
— O que acha de já começarmos a cuidar da mãe e irmã do
noivo?
— Sim, por favor — devolvo.
Se tem algo que adoro, é ser paparicada.
Eu amo ir ao salão e aqui ele veio até mim.
Não poderia ser melhor.
— Vamos lá, então.
— Você vai ficar bem, querido? — minha mãe questiona,
como se meu pai não pudesse se virar um tempo sozinho.
— Claro que vai, mãe. Ele está agradecendo que estamos
deixando ele em paz.
Ela faz careta.
— Vou ficar por aqui, mulher. Vai lá ficar ainda mais linda.
Vou esperar o Enzo e depois dar um trato na minha barba.
— Ok. — Dá um selinho nele.
Não disse que eram fofos?
Ai, céus. Que alguém, um dia, olhe para mim como meu pai
olha para minha mãe.
— Ah, mãe, a senhora está tão linda, o pai vai ficar de
queixo caído — disparo, já pegando o meu celular para registrar o
momento.
— Gostou mesmo? — Gira 360 graus e não tenho nem que
pensar.
— Maravilhosa, dona Simone. Vou falar pro velho tomar
cuidado.
— Para de bobeira — retruca, corada.
— Trouxe os brincos?
— Sim, tá na minha bolsa, numa caixinha.
— Deixa que eu pego — devolvo, e caminho até sua bolsa.
Sou a próxima a me trocar.
Já estou maquiada e com o cabelo ajeitado e, droga, estou
ansiosa para ver o resultado.
O casamento começa às dezesseis, então não dá para
carregar na maquiagem, mas não significa que vou de rosto lavado.
A festa vai noite adentro e quero estar gatíssima.
— Vou ver se está tudo certo — minha mãe avisa, mas eu
seguro sua mão.
— Relaxa, mãe. Há dezenas de pessoas cuidando de tudo.
Esqueceu que o Enzo contratou uma assessoria? Para de se
preocupar e correr atrás das coisas, você é a mãe do noivo.
Aproveite e fique quietinha para não arruinar sua make.
Me olha alguns instantes, parecendo pensar.
— Você tem razão. É que estou nervosa.
— Eu também estou, mas vai estar tudo perfeito.
— Você tem razão. Seu pai me mandou mensagem, o Enzo
e ele estão se arrumando e a Emily, sua mãe, irmã e tia estão na
suíte da noiva.
— Ae, mal posso esperar para vê-la — devolvo, animada,
mas me contenho para não pilhar ainda mais minha mãe.
— Vamos colocar o seu vestido?
— Já não era sem tempo. — Bato palmas, empolgada. —
Não vale espiar, hein, mãe — repreendo e ela revira os olhos.
Eu me apaixonei por ele assim que o vi no manequim, mas,
droga…
Mal me reconheço.
Não sei se é o cabelo preso numa trança embutida, com
alguns fios soltos, que ficou fantástico, ou se a maquiagem suave,
mas é fato que o conjunto ficou incrível.
— Ficou lindo, querida — a funcionária do salão comenta,
me medindo dos pés à cabeça.
— Obrigada!
O vestido longo azul-claro, mangas ¾, todo bordado e com
aplicações de renda é delicado e elegante na mesma proporção.
Eu me sinto bonita.
Merda, eu me sinto como uma princesa, só não há príncipe.
Foca no que é importante, Valentina.
— Então? — minha mãe questiona, impaciente.
Nem me dou ao trabalho de gritar em resposta.
Saio de trás do biombo e seu olhar chocado é tudo que
preciso.
— Você está deslumbrante, querida. — Leva a mão até o
canto dos olhos e só torço para que não arruíne o trabalho das
meninas que está impecável.
— Nós estamos, mãezinha — afirmo, mal contendo o
sorriso. — Pronta para deixar o pai e o Enzo de queixo caído?
Seu sorriso aumenta e meu coração acelera em expectativa.
Nós nos despedimos das meninas que fizeram um trabalho
maravilhoso e seguimos em direção ao quarto dedicado ao Enzo.
— Caramba — escapa da minha boca quando o vejo.
Meu irmão está gato!
Num terno azul ajustado, cabelo e barba ajeitados.
— Tenho que admitir que você está…
— Bonitão? — Pisca.
— Não exagera, eu ia dizer apresentável.
Sorrio e caminho ao seu encontro.
— Você também não está nada mal, irmãzinha! — Assobia,
me girando.
— Nada mal, Enzo? — Cerro os olhos para o infeliz.
— Tá gata demais, vê se não apronta hoje, hein?
— Eu nunca apronto! — me defendo, mas logo dou uma
piscadinha.
— Você está linda, querida — desta vez é meu pai quem
fala, olhando feito bobo para mim e, de repente, estou
envergonhada.
— Ah, pai. O senhor ficou ainda mais bonito. Agora pode
andar do lado da mãe, que ela tá matadora, você viu?
— Oh, se vi. — Olha na direção dela, que nos observa com
os olhos marejados.
— Estão todos lindos — fala com dificuldade e lá está o
lencinho secando disfarçadamente os olhos. — Melhor irmos para
fora, a essa hora os convidados já devem ter começado a chegar. —
E lá está minha mãe, quase tendo um troço, mas pronta para
receber todo o povo, e a família não é pequena, acredite.
— Porra… está acontecendo — Enzo dispara ao meu lado,
nervoso.
— Oh, se está! — sussurro na orelha do meu irmão, dando
um beijo suave em sua bochecha. — Relaxa, você está lindo —
reconheço, sem deixar de fitá-lo. — Estou muito feliz por você.
Me afasto antes que ele tenha a chance de retrucar alguma
besteira, ou ainda pior, me fazer chorar.
Minha bolsa vibra e procuro meu celular.
Uma mensagem de Lau.
“Chegamos.”
— Vou lá fora que a Lau já chegou — anuncio, já
caminhando apressada em direção à porta principal.
Do lado de fora, tudo está ainda mais lindo do que quando
chegamos.
No local da cerimônia, várias cadeiras estão posicionadas no
gramado. Onde seria o tradicional tapete, um deck de madeira, com
lindos arranjos de flores brancas cuidadosamente posicionados; e
ao final, o local do “sim”.
Deus…
Que perfeito.
Um pergolado de madeira, decorado com um tecido claro,
muitas flores brancas e pequenas luzes. Se agora já é de tirar o
fôlego, mal posso esperar para ver o efeito disso ao anoitecer.
Olho ao redor e minha mãe estava certa, várias pessoas já
chegaram, mas no momento meus olhos vasculham o lugar
procurando apenas uma pessoa.
Minha amiga.
Então eu a vejo.
Linda num vestido florido, que eu sabia que ficaria
espetacular, no momento em que ela me mostrou a foto.
Ao seu lado, seu futuro marido, o mês de dezembro e
segurando na sua mão, Manu, absolutamente adorável num vestido
que é uma cópia do da Laura.
Meu Deus, que lindo!!!
Não acredito que ela não me contou sobre os vestidos.
Quem não sabe da história deles, pensaria que são mãe e
filha.
Bem, não deixa de ser.
Cadu e Manu escolheram a Lau, tanto quanto ela os
escolheu.
Eles são uma linda família.
— Vocês estão lindas!!! — Me aproximo, mal contendo a
empolgação e ela sorri ao me ver.
A abraço forte, tomando cuidado para não arruinar o cabelo.
Tem que aguentar até o final da cerimônia, depois é lucro.
— Lau, você está linda, amiga. Não acredito que não me
disse nada sobre os vestidos.
— Era surpresa — Manu explica e volto minha atenção para
a princesinha, que me olha com um sorriso no rosto.
— Bem, vocês conseguiram me surpreender — confesso,
dando um beijo na sua bochecha. — Vocês duas estão incríveis.
Cumprimento Cadu, ignorando o jeito sério dele.
— Estou muito feliz que estejam aqui. Fiquem à vontade. Já,
já o casório começa.
Começo a me afastar para procurar minha mãe, quando o
comentário da Manu me faz congelar no lugar.
— A tia Nina parece uma princesa, não é, tio Correia?
Oh, merda!
Meu coração acelera e minhas mãos ficam geladas de
repente.
Eu poderia fingir que não ouvi e seguir o meu caminho.
Eu poderia tentar me convencer de que ele não chegou e
está bem atrás de mim, neste momento.
Talvez fosse mais seguro, mas… droga, tanto quanto quero
fugir, quero vê-lo.
Me viro no exato momento em que ele responde a menina.
— Com certeza. — Seu olhar está no meu e, merda, por um
instante tudo some ao meu redor.
Ele de uniforme já faz estrago, mas com o terno cinza-claro,
perfeitamente ajustado…
Misericórdia.
Não babe, não dê esse gostinho para ele.
— Valentina. — Acena com a cabeça e eu retribuo, sem me
aproximar.
Sim, por favor, mantenha distância.
Meu nome na sua boca e seu olhar em mim já me fazem ter
todo tipo de pensamento impróprio.
Não preciso de mais tentação.
Eu sabia que deveria ter trazido um brinquedinho na
mochila.
Respire… e responda.
— Gustavo. — Minha voz é quase um sopro, mas pelo
menos consegui falar.
Ficamos nos olhando em silêncio não sei por quanto tempo.
É sempre assim.
Perco a noção quando estou perto dele.
O infeliz tem este efeito sobre mim.
A voz inconfundível da minha vó me faz voltar à Terra.
Perfeito.
— Eu… preciso ir — explico e me viro, me afastando o mais
rápido que o salto e vestido permitem.
Sinto seu olhar sobre mim e sei que preciso me acalmar.
O casamento nem começou e já estou surtando.
Deus, me ajude a não fazer papel de boba nesta festa e que
eu encontre a força necessária para resistir à vontade louca de
agarrar aquele que nem sabe que existo…
O melhor amigo do meu irmão.
Gustavo.
Mad – Ne-Yo
Photograph – Ed Sheeran

O trajeto até o local do casamento foi tranquilo.


A estrada é de mão dupla e precisa urgente ser recapeada,
mas ainda assim, dei sorte e peguei poucos caminhões no caminho.
Estaciono o carro, desejando ficar mais uns minutos no ar-
condicionado, mas infelizmente não é possível.
Vários veículos estão chegando.
É real.
Enzo vai casar!
​Para quem dizia que iria curtir a vida adoidado até os
quarenta e pouco, ele certamente adiantou os planos. Claro que o
zoei, e sua resposta foi bem simples: “vá se foder”, seguido de “um
dia você entenderá”.
Aham… joga esta mandinga pra lá.
Como disse para ele, por aqui continuarei curtindo muito e
por um bom tempo.
Quem sabe assim, tiro o atraso dos últimos meses.
Isso, na verdade, é um inferno de um bom plano, que
pretendo colocar em prática hoje.
Desço e logo de cara sou recebido pela brisa leve do final da
tarde.
Graças a Deus, está ventando.
Sou calorento pra caralho e estou preocupado em ficar
suando bicas dentro deste paletó, mas está suportável.
Caminho em direção à muvuca, onde vários convidados
começam a se acomodar nas cadeiras no local onde será a
cerimônia.
Caramba…
Tenho que admitir, está muito foda.
Enzo tirou os escorpiões do bolso.
Procuro algum conhecido, dona Simone, o noivo… não
pense na irmã. Foco.
Reconheço o subtenente, a fotógrafa e a Manu e nem penso
duas vezes, caminho em direção a eles.
Estão conversando com uma loira deliciosa num vestido azul
que, porra, marca com perfeição cada curva.
Não entendo de moda ou roupas femininas. Geralmente
minha preocupação é arrancá-las o mais rápido possível, mas a
mulher está gostosa pra caralho.
Não é ela…
Respira.
Não pode ser…
A loira se despede e, por uma fração de segundos, tenho o
vislumbre do seu rosto.
Pirralha.
Meu coração acelera e meu pau ganha vida.
Inferno.
Cerro os punhos e reduzo o passo, tentando me recompor,
mas é difícil.
Ela está…
Me faltam palavras.
Eu só queria…
Fecho os olhos e inspiro fundo.
Eu não quero… nada. Eu não posso… querer!
Ela começa a se afastar e é seguro me aproximar.
Caramba, quando virei um cuzão, com medo de ficar frente a
frente com Valentina? Desde que comecei a pensar mais com a
cabeça de baixo do que com a de cima.
Carvalho vê minha aproximação e sorri, e me forço a tirar
Nina do pensamento.
— Cabo! — cumprimenta e aceito a mão estendida.
Estou a ponto de abraçar Laura, quando a pequena puxa a
lateral da minha calça.
— A tia Nina parece uma princesa, não é, tio Correia?
Oh, droga!
Meu olhar segue na direção em que ela aponta.
Finjo surpresa, mesmo sabendo exatamente onde ela está.
— Com certeza — respondo, tentando soar normal, mas por
dentro é um turbilhão.
Aproveito o momento para apreciar a vista, mas então ela
para de andar, se vira e nossos olhares se encontram.
Puta que pariu!
Se eu estava preparado para isso.
Pare de encará-la!
É a pirralha… lembre-se disso.
O cacete se consigo. Neste instante, só enxergo a mulher
incrível na minha frente.
O cabelo preso numa trança, os olhos verdes brilhantes
estão me fitando sem disfarçar a surpresa.
Ela morde os lábios e sei que está nervosa. Nina sempre
teve este hábito.
—Valentina. — Aceno e ela não diz nada.
O que, acredite, é raro. A mulher é tagarela.
Vamos, linda, um xingamento, qualquer coisa…
— Gustavo. — Sua voz é quase um sopro, e vai direto para
as minhas bolas.
Puta merda.
Faz menos de dez minutos que cheguei e tenho apenas uma
certeza.
A noite vai ser longa.

A pirralha fugiu.
O que foi bom.
Me deu tempo para colocar as ideias no lugar.
Carvalho, Laura e a pequena foram se sentar no local onde
será a cerimônia, já eu… como padrinho não pude me juntar a eles.
Felizmente, logo na sequência, encontrei a estrela da noite.
— Caramba, cara. Se acalma! — disparo ao ver Enzo andar
de um lado para o outro, pela vigésima vez. — Não consegue ficar
mais que cinco segundos parado num lugar, porra!
— Estou nervoso pra caralho.
— Pensando em desistir? Posso ser o carro de fuga —
brinco, dando uma piscadinha.
— Mais fácil Emily desistir e eu ir atrás dela — devolve,
mexendo na gravata
— Depois não diga que não tentei te ajudar. — Aperto seu
ombro e ele sorri, antes de começar a gargalhar.
— Só você, filho da puta, para me fazer rir neste momento.
— Amigos são para isso. Relaxa, que está tudo em ordem e
logo você se amarra.
— Um dia será você!
— Sabe que prefiro a diversidade. — Faço careta.
— Por isso que vai ser mais divertido.
— Divertido?
— Ver você amarrado pelas bolas.
Estou a ponto de mandá-lo se foder, quando uma mulher
sorridente se aproxima e fala algo no seu ouvido.
Pelo seu olhar assustado, sei exatamente o que foi dito.
Hora do show.
O que significa mais uma coisa.
Valentina.
A encontro próxima dos pais, tentando acalmar sua mãe,
que parece uma pilha de nervos.
— Calma, mãe! São poucos passos — tranquiliza.
— Eu sei, eu sei.
— Caramba, seu Tomás, o senhor terá problemas hoje,
hein?! — brinco ao me aproximar, e tanto ele quanto sua esposa
sorriem ao me ver.
— Oh, meu querido! — Me abraça forte. — Como você está
elegante!
— São seus olhos, dona Simone — devolvo e ela balança a
cabeça negando.
— Você e Nina estarão incríveis no altar — complementa e
sua voz embarga.
Oh, merda. Ao invés de acalmá-la, vou fazê-la chorar.
— Boa tarde, meu rapaz! — Aceito o aperto de mão firme
que recebo do patriarca da família, evitando olhar na direção da
pirralha. Se o velho fizesse ideia de como tenho pensado na sua
filha, o tratamento provavelmente seria outro.
Foco, Gustavo.
—Pessoal, um minuto da atenção de todos — a mesma
mulher que falou com Enzo, pede. — Noivo e mãe do noivo, aqui —
começa e Enzo e sua mãe caminham até o local indicado por ela. —
Pai do noivo e mãe da noiva logo atrás, por favor. — Gesticula, e o
Sr. Tomás se afasta.
Oh, merda!
— Cadê a irmã do noivo?
— Aqui! — ela se adianta, saindo de perto de mim.
— Ok, querida. Você fica aqui, onde está seu par?
Valentina não tem nem tempo de responder.
— Estou aqui — me adianto, parando ao seu lado.
A senhora me mede e então sorri.
— Homens do lado direito, mulheres do esquerdo — orienta
e todos obedecem, eu incluso.
Tomo meu lugar ao seu lado e ela está séria, em silêncio.
— Nervosa, pirralha? — sussurro próximo do seu ouvido e
então o seu olhar encontra o meu.
— O que você acha?
— Acho que você não vê a hora de ficar longe de mim.
— Nossa, quando você ficou tão esperto? — debocha, mas
consegui arrancar um sorriso.
— Gosto assim…
— O quê? — Arqueia a sobrancelha.
— De você sorrindo — devolvo, sem desviar o olhar do seu.
Me olha alguns segundos, sem retrucar.
— Sei que nem eu ou você queríamos estar aqui… —
começa e não consigo me conter.
— Eu estou mais do que feliz de estar aqui, gatinha —
provoco.
Valentina desperta o pior de mim.
Eu adoro infernizá-la.
— Você entendeu. — Revira os olhos.
— Entendi o quê? — questiono, mas ela ignora.
— Somos dois adultos, temos apenas que suportar um ao
outro pelo tempo necessário para a cerimônia e fotos.
— Ainda tem fotos? — disparo e seu olhar poderia matar.
— Acredite, se eu pudesse, já estaria bem longe de você.
— Sabe o que você é? — Aproximo minha boca da sua
orelha e seu perfume me invade. — Uma grande mentirosa.
— Ora, seu…
Não consegue terminar a frase, pois Photograph versão
instrumental começa a tocar e sua mãe e irmão caminham em
direção ao altar.
Pisco para ela, esticando meu braço.
Valentina apoia sua mão e, caralho, se não sinto suas unhas
pressionarem minha pele.
— Humm… a gatinha tem unhas afiadas.
— Você não viu nada — retruca, entredentes, sorrindo para
as câmeras, enquanto aguardamos o nosso momento.
Começamos a caminhar e é estranho ter toda atenção sobre
nós.
Ela está nervosa e, droga, eu também estou.
Quando dou por mim, digo baixinho só para seus ouvidos:
— Você é a madrinha mais linda, Valentina.
A ideia era apenas distraí-la, mas eu quis dizer cada palavra.
Seu aperto em meu braço aumenta, mas desta vez sem
garras.
Nosso olhar se encontra, algo breve, de relance, e eu
poderia jurar que seu sorriso aumentou.
O que foi isso? Se controla, homem.
Nós nos posicionamos ao lado dos seus pais e o resto da
cerimônia é tranquilo.
Valentina e dona Simone até tentaram segurar as lágrimas,
mas falharam.
Ok, tenho que reconhecer que foi emocionante pra caralho.
Não brinquei ou a provoquei, não era o momento.
Eu só fiquei ali, ao seu lado.
E foi bom.
Mas agora que meu amigo está oficialmente casado e que
as fotos foram tiradas, eu só preciso de uma coisa.
Colocar alguma distância entre nós.
Não consigo pensar quando estou perto dela.
— Eu… — começo, quando o último flash é disparado.
— Preciso de um drink — é ela quem fala, evitando me fitar.
Então, em segundos, ela se afasta.
Como se ficar próximo também fosse um sacrifício.
Que situação do caralho!
Bem, pelo menos, acabou.
Agora é aproveitar a festa e descolar uma boceta.

Meu plano de curtir falhou.


Não consigo tirar os olhos dela.
Tento me convencer de que estou fazendo o papel de irmão
protetor, já que Enzo está ocupado, cumprimentando os convidados,
dançando com a mulher etc.
Mas nem eu mesmo acredito nesta merda.
— Foi tão ruim quanto você esperava? — Carvalho
questiona e só então percebo que estou olhando fixamente na
direção onde Valentina e Laura dançam animadamente ao som do
DJ.
— O quê? — desconverso.
— Você sabe. — Gesticula na direção delas.
Passo a mão pelo cabelo, pensando numa resposta
satisfatória.
— Não sei dizer, a noite ainda não acabou.
— Boa resposta. — Ele ri, e me pego sorrindo também. —
Neste caso, terça, você me responde.
— Fechado! — devolvo, brindando meu copo no seu.
— Só no suco também? — questiona, apontando para o
copo.
— Sem álcool. Volto para a Sorocaba ainda hoje —
esclareço, checando o horário.
Na verdade, quanto antes colocar certa distância da
Valentina, melhor. Certeza de que ela ficará por aqui, e não quero
abusar da tentação.
— Achei que fosse aproveitar que conseguimos uma folga.
— Não! Vou folgar é na minha cama — brinco.
— Nós vamos para a Jureia, curtir o fim de semana.
Voltamos na segunda.
— Programa legal, subtenente. Tá certíssimo, tem que
aproveitar mesmo. Tá no meio do caminho.
A música muda, começa a tocar uma música antiga da
Whitney Houston e as garotas continuam animadas, com Manu
pulando ao lado delas.
— Elas estão se divertindo — sinaliza, e não poderia
concordar mais.
A esta altura, ela está toda suada, descabelada… e linda pra
cacete.
Merda.
— Já estou vendo, Laura e Manuela desmaiadas assim que
eu fizer a curva no final da rua — aponta e não posso deixar de rir
com o comentário. — Como vai ser a partir de agora? — questiona,
e paro de fitar a pirralha, voltando minha atenção para ele.
— O quê?
— Vai continuar cuidando da irmã do amigo?
Caralho de boa pergunta.
Só queria ter a resposta.
— Não — digo, torcendo para estar certo.
— Soube que eles vão morar em Quebec — comenta, me
observando com atenção.
— Foda, sim.
Cadu ri e, porra, eu e Enzo precisamos conversar.
Nem fodendo que aguento mais tempo essa situação.
Tomo o resto do suco num gole só e apoio o copo na mesa.
— Não sei quanto a você, mas eu vou dar uma esticada nas
pernas antes de cair na estrada.
Me afasto um pouco da bagunça e fico observando o céu
estrelado.
Enzo realmente escolheu um lugar legal.
— O que está fazendo aqui sozinho?
Falando no infeliz.
— Achei que seus planos envolviam se engraçar com
alguma das convidadas. Emily tem umas amigas bonitinhas, mas
você nunca me ouviu dizer isso. — Pisca e forço um sorriso, que
não convence, não ele. — Algo errado?
— Tudo mais que perfeito! — asseguro — Só pensando no
trampo — minto.
Precisamos conversar, mas hoje não é dia.
Não para isso.
Vou deixá-lo curtir sua festa, lua de mel… e depois tratamos
disso. Só não sei bem o que irei dizer.
— Esquece esta merda e trata de aproveitar, porra! — Joga
o braço sobre o meu ombro, visivelmente animado. — Nós já iremos
vazar.
— Aeroporto?
— Quem dera! Nosso voo é só amanhã, então
descansaremos no hotel e depois embarcamos para o Nordeste.
— Ae, sim!! Neste caso, aproveite a viagem, Enzão. — Dou
um tapa no seu peito.
— Eu vou. — Pisca e então de repente fica sério. —
Obrigado por ter vindo — começa, e sua voz embarga. — Obrigado
por estar comigo, cara. Não existia ninguém além de você, que
pudesse ser meu padrinho. Você é como um irmão pra mim — fala e
fica difícil segurar a emoção.
Pigarreio para afastar a sensação que toma conta de mim.
— Muito feliz por você, irmão. — O abraço forte, me sentindo
péssimo, por toda essa situação entre mim e a Valentina. — Eu
fiquei honrado de ser seu padrinho.
— Nina se comportou?
— Aí você quebra minhas pernas! — brinco. — Foi tudo
bem! — tranquilizo e ele mal tem tempo de retrucar, sua mulher
aparece e, pedindo mil desculpas, o chama para tirar mais fotos.
Nós nos despedimos e fico mais um tempo ali.
Sozinho.
Não sei quanto tempo passou, mas é tarde. Hora de pegar a
estrada.
Nina continua dançando, como se não houvesse amanhã.
A pista já está mais vazia. Vários convidados já se foram.
Procuro pelo Enzo, mas a assessora me informa que eles
saíram faz trinta minutos.
Droga…
Bem, pelo menos, me despedi antes.
Procuro pela sua mãe, mas nem sinal da dona Simone
também.
Caramba.
Decido ir falar com Carvalho antes de partir e, mesmo à
distância, percebo que algo não vai bem.
Nina não está mais dançando. Está conversando com sua
amiga fotógrafa e parece preocupada.
Fica na sua… não vá arrumar para sua cabeça.
Eu deveria fazer meu caminho até o estacionamento.
Valentina é adulta, sabe se virar. Mas, droga, se consigo, dar as
costas para ela.
Quando percebo, estou caminhando em direção a ela.
Eu deveria fugir, mas vou direto para a tentação.
Style – Taylor Swift
Cruel summer – Taylor Swift
Confesso que depois das farpas trocadas antes da
cerimônia, achei que a noite seria um inferno, mas não…
Gustavo se comportou.
Eu estava nervosa para caramba e, de alguma forma, tê-lo
ali, ao meu lado, foi tranquilizador, por mais estranho que isto possa
parecer.
Ele não fez mais piadinhas, não me provocou, bem, exceto
se me chamar de linda contar.
Não fique se lembrando disso.
Prefiro acreditar que foi um elogio verdadeiro. Um que Enzo
poderia me dar… um elogio de um irmão.
Um saco, eu sei.
Cada segundo ao seu lado foi uma tortura. Não consigo
raciocinar com ele assim… próximo. Seu perfume parece que não
sai do meu nariz. Por isso, quando as benditas fotos terminaram,
nem dei tempo de ele fazer graça.
Eu saí em disparada.
Eu precisava de ar.
De distância.
Eu consegui.
Minha mãe, tias, tias-avós, primas de tudo quanto é grau, me
deixaram ocupada.
Festa de família é isso, né? Um monte de gente que faz
anos que você não vê.
Assuntos e fofocas diversas para atualizar.
O casamento de Enzo não é diferente.
A pista de dança está lotada e me chamando.
— Aí está a senhorita!
Acho que comemorei muito cedo.
— Vó?
— Esqueceu que tem vó!?
Faço uma careta.
Dona Maria tem muitas facetas, ser dramática é apenas uma
delas.
Ainda bem que eu e toda família estamos acostumados.
— Nunca, vozinha. A senhora que estava ocupada
tagarelando por aí.
— Eu? Nunca…
Minha mãe está ao seu lado, e oferece um lencinho para ela
secar as lágrimas.
— Está tudo bem?
— Caiu alguma sujeira no meu olho, só isso, filha — devolve
rápida, e um olhar para minha mãe, sei que é mentira.
Ela faz “Enzo” com os lábios, e já sei que minha avó andou
conversando com ele.
— Mãe, eu não disse que a Nina estava linda? Você viu este
azul, que maravilhoso.
Dou uma voltinha em frente à cadeira de rodas e minha vó
faz um estalo com a boca, balançando a mão.
— Quero saber é quando vai ser o casório da senhorita.
— Vixe… primeiro tenho que arrumar um namorado, vó. Tá
difícil encontrar alguém ultimamente.
— Com sua idade, eu já tinha três crianças na barra da
minha saia — resmunga.
Misericórdia.
— Mãe, os tempos mudaram.
— Baboseira, eu quero bisnetos.
Tento segurar a risada, mas não consigo e recebo um olhar
sério.
Céus!
— Vó, tenho certeza que Enzo poderá te ajudar com este
assunto.
— Simone, precisamos fazer algo para desencalhar esta
menina — dispara para minha mãe, como se eu nem estivesse aqui.
— Vó!!! — Coloco as mãos na cintura, mas ela ignora.
— E aquele rapaz bonito que entrou com ela?
Gustavo?
Arregalo os olhos, num pedido silencioso de ajuda para
minha mãe.
— Aquele é um amigo de infância do Enzo, mãe, na hora
certa a Nina vai encontrar alguém que a faça feliz.
Resmunga algo que não entendo.
— Vou pôr você nas minhas orações, fia.
Fico em silêncio uns segundos pensando no que responder.
Agradecer e me afastar parece uma boa alternativa.
— Obrigada, vó.
Eu encalhada, essa é boa.
Vou para a pista de dança improvisada no gramado, ainda
rindo, e aceito o drink que o garçom oferece.
A festa finalmente vai começar por aqui.

Algumas horas depois, meu penteado já era.


Vários fios soltos, estou suada e perdi a conta de quantos
drinks tomei, mas não estou bêbada.
Estou… alegre.
Claro que a situação seria melhor se tivesse algum homem
bonito nesta festa. Caramba, ainda não acredito que Enzo não
tenha nenhum amigo gato.
Não pense nele… não pense!
Droga.
Eu disse que Gustavo se comportou, né? Esqueça!
O infeliz não para de olhar na minha direção. Estou quase
indo lá perguntar se há algo errado com a minha roupa, mas me
controlo.
Culpa da bebida, ou das memórias da minha festa de
dezenove. Quem sabe?
Inferno.
Tento ignorar e só dançar com a Lau e Manu, mas é difícil.
Sinto sua atenção em mim a cada movimento, na certa,
recriminando o vestido colado, ou o decote supercomportado que
escolhi.
O que seria, no mínimo, absurdo, já que ele é superdiscreto,
mas parece que sempre estou pisando em ovos no que diz respeito
a ele. Que sempre vou ser tratada como uma criança.
Respira, Valentina.
Ele disse que você estava linda, então não é nada sobre a
sua roupa.
Se não é isso, por que está olhando tanto para cá?
Espio na direção da mesa onde ele está com o Cadu, mas
ele sumiu.
Será que foi embora?
Ignoro a pontinha de tristeza que me invade.
Melhor assim.
Meu estômago resmunga, mas ignoro e pego mais uma taça
de batida.
— Acho que já chega disso para você, né?!
— Não — resmungo. — Está muito boa. Relaxa, Lau, estou
bem.
— Estou vendo — repreende e quero rir.
— Você é muito mandona. Hoje não vou dirigir. Vim na
maldade mesmo. Vou voltar dormindo no banco de trás — devolvo,
achando graça do seu semblante preocupado.
— Sobre isso — começa e sei que aí vem bomba.
— Não me diga que minha mãe já foi — disparo, torcendo
para estar errada. Ela não iria me deixar para trás, não é?
— Ela acabou de sair — morde os lábios —, pediu para te
avisar. Algo sobre levar sua vó embora, parece que ela não estava
muito disposta. — Faz uma careta.
Fecho os olhos, tentando organizar as ideias.
Droga, minha mãe comentou comigo, mas eu estava tão
distraída, dançando, que entendi tudo errado, pelo visto. Quando ela
sussurrou meia dúzia de palavras no meu ouvido, eu apenas
respondi “sem problemas”, mas achei que teríamos que ir
apertadinho no carro, não que eu ia ficar sem carona.
— Relaxa, Lau — tranquilizo minha amiga. — Eu dou um
jeito. — Uma olhada ao redor me mostra que estou em sérios
problemas. Aonde foram todos?
Há algumas pessoas ainda dançando, mas não faço ideia de
quem sejam. Amigos do Enzo, os primos de quinto grau, sei lá.
Alguns funcionários já começam a ajeitar algumas coisas.
Caramba.
A festa acabou e preciso ir embora.
— Vou falar com o Enzo… — começo.
— Já saiu para a lua de mel, faz uns quarenta minutos.
Droga!
Bem que ele disse que o horário do voo mudou. Vão ficar
num hotel e depois seguem direto para o aeroporto de Viracopos.
Só não achei que fosse tão cedo.
É sempre assim, os noivos vão… é a deixa para o resto do
pessoal que a festa acabou.
Só eu que estava no mundo da lua.
Pense…
Um táxi daqui ficaria absurdo, fora que a ideia de viajar a
esta hora com um estranho está totalmente fora de questão.
— Você já está indo, né? — questiono, sabendo que ela
ainda tem um tempo de estrada até chegar à pousada — Não se
preocupe, vá… e aproveitem o passeio na Jureia.
— Não posso deixar você aqui sozinha.
— Para com isso! Eu me viro — garanto, forçando um
sorriso no rosto.
Sinto os pelos da minha nuca arrepiarem e sei que ele está
próximo antes mesmo de vê-lo.
Seu perfume amadeirado me atinge e, droga, eu não deveria
ficar assim, afetada, mas fico. Tudo que eu precisava agora…
Lidar com o Gustavo e a forma como meu corpo traidor
responde a ele.
Respira.
— Você pode ir comigo, gatinha — dispara, dando uma
piscadinha e reviro os olhos.
Não sei o que é pior…
Ele me chamar por este apelido, ou o fato de eu gostar,
ainda que nunca vá admitir.
Fato é que, de alguma forma, ele ouviu parte da nossa
conversa, ou simplesmente deduziu que estou com problemas. Não
seria muito difícil, já que não há quase ninguém por aqui.
Jesus, estou ferrada.
— Prefiro ir andando, de salto — friso, porque se ele quer
me provocar, ah, eu estou pronta —, mas obrigada — complemento.
— Na verdade, é uma ótima ideia, Nina — minha amiga
aponta e juro que se estivesse mais perto, daria uma cotovelada
nela, para ficar quieta.
— Lau — resmungo, mas ela não escuta, ou finge muito
bem. Ainda estou em dúvida.
— Você e Correia vão para Sorocaba — argumenta.
Mais um motivo para eu não querer ficar enfiada quase três
horas no carro com ele, quero gritar, mas me controlo.
Seja racional, Valentina.
— Você que sabe — dá de ombros —, mas acho que com
esta armadilha que está usando nos pés, você não chega no final da
rua.
Racional, eu? Nunca!
Cretino.
Quero retrucar e mandá-lo à merda, mas me contenho.
Ao meu redor, Lau me observa com expectativa, Cadu
segura uma Manu adormecida no colo, mal segurando o riso.
Que situação infernal.
Considero minhas opções, ir a esta hora atrás de um hotel
por aqui é arriscado, a cidade é tão pequena que nem deve ter
vaga.
Eu realmente preciso da carona.
Não pode ser tão ruim assim, né?
Posso virar para o lado e dormir, não é como se tivesse que
ficar conversando com ele, ou nada do tipo.
É um bom plano.
Eu consigo.
Engulo meu orgulho e dou melhor sorriso.
— Eu agradeço a carona — falo entredentes, virando a taça
do coquetel de uma vez só.
Que Deus me ajude!
Style – Taylor Swift
Cruel summer – Taylor Swift
Photograph – Ed Sheeran
O carro está impregnado com o perfume dele.
Perfeito!
Prendo o cinto, torcendo para que a volta seja rápida. Não
há trânsito neste horário, não é? Minhas esperanças acabam assim,
que saímos da estrada de terra e pegamos a rodovia.
Uma escuridão sem tamanho. Mesmo com o farol alto, a
sensação é aterrorizante. Estou em silêncio e totalmente tensa no
banco do passageiro. E Gustavo segue guiando com atenção total
na pista.
Começo a relaxar no banco quando o escuto xingando.
— Você só pode estar de brincadeira!
— O que foi? — pergunto, assustada.
As luzes do farol iluminam os cones de sinalização e a placa
logo à frente.
— Não… — sai da minha boca, tão logo compreensão me
invade. — Interditado, o que vamos fazer? — questiono, tentando
não soar desesperada.
— Retornar e pegar a saída do centro da cidade.
— Mas…
— O desvio significa rodar mais de trezentos quilômetros —
retruca.
Mordo os lábios e viro o rosto em direção à janela.
— Escute, Nina… — Vejo-o respirando fundo. Está tão
nervoso quanto eu com a situação. — Amanhã cedo checo no site
da concessionária se o bloqueio continua, do contrário, fazemos o
caminho mais longo.
— Parece um bom plano.
Não responde, apenas assente colocando o veículo em
movimento.
Encosto a cabeça no banco e fecho os olhos.
É só um imprevisto.
Merda acontece.
Voltamos para a cidadezinha e paramos no primeiro hotel
que encontramos “Refúgios Hotel”.
Olho a fachada e não é nada atraente, mas a esta hora da
noite e cansada como estou, tendo um chuveiro e cama, com
lençóis limpos, estou dentro.
Mal entramos na recepção minúscula, somos informados:
lotado.
A informação é como um balde de água fria.
Droga, droga…
Agradeço ao funcionário e caminho em direção ao carro,
precisando de ar. Não é possível que tudo esteja dando errado.
Gustavo volta alguns minutos depois e me olha com
preocupação.
— Tudo certo?
— Sim — devolvo — Eu só precisava de ar.
— Está se sentindo mal? Podemos procurar uma farmácia —
começa e um lado meu quer agradecer a preocupação, mas me
controlo.
— Se está preocupado de eu vomitar no seu carro, fique
tranquilo — retruco, precisando manter uma distância segura dele.
Me fita uns segundos e espero a resposta malcriada.
Não vem.
Não desta vez.
Seu olhar está no meu.
— Não ligo para o carro, Valentina — revida, antes de abrir a
porta do carro para mim.
— Obrigada — sussurro, de repente envergonhada com meu
comportamento.
Autopreservação, lembra?
— Só estou cansada — sussurro, sem desviar o olhar da
janela, mas ele escuta.
— O funcionário disse que há mais um hotel daqui a uns
cinco quilômetros. Lá deve ter vagas, por ser mais afastado do
centro.
— Tomara que sim.
— Chegamos, gatinha, vamos… — A voz rouca do Gustavo
soa próximo e arregalo os olhos, assustada.
— Oh, Deus! — Não acredito que cochilei no pequeno
percurso. — Eu…
— Dormiu — aponta o óbvio, mal disfarçando o sorriso.
Me ajeito no banco, rezando para não ter babado ou, pior,
roncado.
Deus é mais…
— Já achei que ia ter que te pegar no colo — provoca e faço
uma careta.
— Nos seus sonhos, talvez — devolvo, passando as mãos
pelos cabelos e abrindo a porta do carro.
“Bahamas Hotel.”
— Tem certeza que é hotel?
— Admito que pensei a mesma coisa que você, mas é um H
no letreiro.
O lugar é mais simples que o anterior, mas de novo, não
temos muitas opções.
Caminhamos juntos para a recepção, e dentro é
surpreendentemente melhor que o exterior.
O atendente nos cumprimenta e informa que há
disponibilidade.
Quero gritar de alegria.
— Precisamos de dois quartos de solteiro — Gustavo
sinaliza e o moço fica vermelho feito um pimentão.
— Infelizmente só temos um, achei que fossem um casal,
por isso…
— Não somos — rebatemos juntos e sinto seu olhar em
mim, mas mantenho a atenção no atendente.
Respira, Valentina.
— Houve um casamento na fazenda Alvorada — começa e
fecho os olhos, era onde estávamos — e quase todos os quartos
foram ocupados por convidados e o time de futsal que veio para o
campeonato regional.
— Valentina…
Nem olho na sua direção para não perder a coragem.
Não há outra opção.
Somos dois adultos, isso nada é de mais, certo?
— Ficamos com este — afirmo e Gustavo permanece em
silêncio.
A ficha é feita em poucos minutos e logo uma chave com um
quadrado de acrílico escrito 27 nos é entregue.
Nada de cartão por proximidade por aqui.
— Só subir as escadas, segundo andar à direita.
— Muito obrigada!
— Tenham uma boa noite!
Tudo que eu quero, moço.
Gustavo abre a porta e acende a luz.
É um quarto simples, como todo o resto.
Uma grande cama de casal com lençol branco,
cuidadosamente esticado. Dois travesseiros. Algumas toalhas,
cobertor. TV, frigobar e ar-condicionado. O usual. Sem sofá ou uma
cama adicional.
— Pelo menos a cama é grande… obrigada, Deus.
Gustavo explode numa gargalhada e só então percebo que
pensei em voz alta.
Droga.
— Se divertindo com a situação? — disparo, tentando soar
séria, mas a verdade é que quero rir da nossa desgraça.
— Espero que você não ronque, pirralha.
Ora…
— Vá se ferrar. — Mostro o dedo do meio e me afasto,
caminhando em círculos pelo quarto minúsculo.
— Ok… ok, vamos começar de novo. Tenho boas notícias!
— anuncia, tirando uma mochila das costas.
Nem tinha reparado nisso.
Estava sonada demais quando saímos do carro.
— Boas notícias? Só acredito, vendo!
— Não é muito — abre a mochila e mexe lá dentro —, mas
está limpa.
Puxa uma camiseta preta e estende na minha direção.
— Assim, você não precisa dormir… — aponta para minha
roupa — …você sabe, de vestido, imagino que seja desconfortável.
Caramba.
— Eu… nem tinha pensado — reconheço, agarrando a peça,
como um náufrago uma boia.
Tudo que mais quero é tirá-lo e os sapatos.
— E quanto a você?
— Não se preocupe — devolve, sem desviar o olhar do meu.
—Geralmente durmo sem nada — dispara e meus olhos devem ter
ficado do tamanho de pratos.
— Você vai dormir como? — Minha voz é quase um grito.
— Relaxa, gatinha, como você está aqui, vou permanecer
vestido. — Dá uma piscadinha e fico num dilema entre xingá-lo ou
agradecê-lo.
Trégua, Valentina.
— Nossa, obrigada, muito gentil de sua parte! — Friso a
última parte, afinal, equilíbrio é tudo nesta vida.
Agradeci e cutuquei.
— Não é nada de mais, só uma camiseta. — Dá de ombros,
mas ele não precisava ter oferecido e, por isso, sou grata.
— Quer ir tomar banho primeiro? — ofereço, precisando de
alguns segundos longe da tentação.
— Primeiro as damas — devolve, tirando a gravata e meu
olhar vai para o seu bíceps delineado sob a camisa social.
Nem dou tempo que reconsidere a decisão, corro em direção
ao banheiro e me apoio contra a porta fechada.
Onde fui me meter?
O quarto parece ainda menor com Gustavo dentro dele.
Se controle!
Banho e dormir, é simples.
Tirar o vestido sozinha é uma missão quase impossível.
Caramba, pareceu tão fácil quando vesti.
Claro, tinham duas pessoas me ajudando.
Inferno.
Me recuso a pedir ajuda.
Estou quase desistindo, quando o zíper cede.
Glória…
A água quente me recebe e era exatamente o que eu
precisava.
Fecho os olhos e me ensaboo, tentando não pensar em
quem está do outro lado da porta.
A vontade é ficar aqui mais uns trinta minutos, fácil, mas me
forço a desligar. Tudo que me falta é aguentar as reclamações do
Gustavo de que estou demorando, além do que ele também deve
estar doido por um banho.
Cinco minutos depois, estou pronta, cabelo escovado e
vestida.
Bem… quase, né?!
A camiseta preta mais parece uma camisola em mim… uma
curta.
Ok, eu tenho pijamas menores, mas ninguém me vê neles.
Tento puxar o pano, mas não adianta, ela para no meio das
minhas coxas. Nada de ficar andando pelo quarto, ou corro o risco
de ele ver minha bunda.
Coragem!
Abro a porta e mal dou o primeiro passo, escuto seu
resmungo.
— Achei que não fosse mais sair — dispara, ainda de costas
para mim, trocando os canais na minúscula televisão.
Estou a ponto de retrucar quando ele se vira e seu olhar
encontra o meu, antes de percorrer meu corpo.
Tudo esquenta dentro de mim.
Oh, Deus, respira…
— Ficou bom. — Sua voz soa rouca.
Fale algo, vamos.
— Eu… — começo, mas me atrapalho com as palavras,
droga. —Desculpe, demorei para conseguir soltar o vestido. — Faço
uma careta e sinto minhas bochechas quentes sob seu escrutínio.
Com cuidado para não mostrar demais, puxo o lençol e me
deito num dos extremos da cama, puxando a coberta até o pescoço.
Estou no limite, mais um centímetro eu caio da cama.
Gustavo continua parado, observando cada movimento meu,
o que me deixa ainda mais nervosa.
Estou a ponto de questionar se há algo errado na cama,
quando ele se move. Sem dizer nada, entra no banheiro e fecha a
porta.
Só quando escuto o barulho do chuveiro, solto o ar que nem
percebi estar segurando. Fecho os olhos, rezando para pegar no
sono, antes de ele voltar.
Como vou conseguir dormir com ele… ao meu lado?
E se eu roncar, ou falar à noite, às vezes, eu faço isso… não
pense nisso… e se eu soltar um pum?
Novo medo desbloqueado com sucesso: peidar na frente do
Gustavo.
Era só o que me faltava, realmente.
Fico tanto tempo pensando nas incríveis possibilidades de
humilhação, que ele até terminou o banho.
Droga!
A porta do banheiro é aberta.
O cheiro de sabonete e perfume masculino inunda o quarto,
o seu cheiro.
Se acalma, Valentina.
Eu deveria continuar de olhos fechados, virada em direção à
parede.
Finja que está dormindo.
Ele nunca vai saber.
Mas não…
É mais forte do que eu.
É falta de educação não falar boa noite, não é?
Sim, aham…
Abro os olhos e me viro na sua direção e, puta merda, se eu
estava preparada para isso.
— Você disse que ia ficar vestido — grito, dividida entre
tapar os olhos ou memorizar cada pedaço de pele exposta.
Nunca vou ser capaz de esquecer isso.
O peitoral com pouquíssimos pelos, o abdome trincado, as
coxas fortes… e o volume. Misericórdia, se já está assim, em
descanso, imagina pronto para trabalhar.
Putz!
Minhas bochechas queimam e me viro para cima, jogando o
braço sobre os olhos.
Respira… não pense no pau dele, não faça isso com você.
— Mas eu estou — ele retruca e sei que está rindo.
Filho da mãe.
— Você está de boxer— rebato, sem ousar olhar em sua
direção.
— Queria que estivesse como, pirralha? — Sei que está
tentando me infernizar.
— Camiseta, calça, meia — enumero. — Que inferno,
Gustavo. Vou ter que lavar meus olhos com água sanitária —
rebato, tentando soar brava.
— Pois me pareceu que estava gostando e muito da vista.
— Aham… é agora que você acorda, é? — replico, me
virando em direção à parede.
Ele ri.
E mordo os lábios, para segurar o riso que está preso em
mim.
Que situação.
— Você pode deixar a luz do banheiro acesa e uma fresta na
porta?
— Com medo do escuro, gatinha?
Mostro o dedo do meio e seu sorriso aumenta, mas faz como
pedi.
A cama balança sob o seu peso e fico tensa no meu canto.
— Pode dormir tranquila, Valentina. — Sua voz soa a poucos
centímetros de distância. — Estou aqui com você, e juro não contar
pra ninguém se você roncar feito um caminhão.
— Ora, seu… — Me viro com tudo e quase bato no seu
rosto.
Muito próximo.
Muito.
Respira.
— Eu não ronco — balbucio, tentando fazer meu cérebro
cansado trabalhar. — E…
Não consigo pensar.
Sem dizer nada, pego um dos cobertores que está dobrado,
sem uso, no pé da cama.
Faço um rolo e coloco entre nós.
— Bem melhor.
Gustavo olha de mim para o pedaço de pano enrolado.
— Este é o seu lado, este é o meu. Boa noite, Gustavo —
sussurro, e então dou as costas, ignorando seu olhar sobre mim.
— Bons sonhos, Valentina — devolve, a voz rouca que eu
adoro.
Deus, o homem é a tentação em pessoa.
Até sua voz me afeta.
Fecho os olhos e aperto com força o cobertor contra o peito.
Não sei quanto tempo fico assim, imóvel, olhando a parede,
mas o cansaço assume e começo a relaxar.
Inspiro e expiro.
Uma, duas, três…
Não pense nele, finja que está sozinha.
É inútil.
Fecho os olhos e tento pensar em coisas boas, na festa,
Enzo emocionado, minha mãe disfarçando o choro, eu e Lau
dançando, mas sua imagem surge na minha cabeça.
Seu sorriso… seu olhar. A forma como consegue fazer meu
coração acelerar só de estar no mesmo espaço que eu. De como
me irrita, flashes de quando éramos crianças.
Gustavo não poderia estar mais equivocado.
Queria eu ter medo do escuro, mas medo, só da forma como
eu me sinto quando estou ao seu lado.
Use somebody – Kings of Leon
Power over me – Dermot Kennedy
Mas que porra…
Desperto com o som estridente de um celular.
Que diabos?
Demoro alguns segundos para perceber que é o meu.
Droga… larguei o aparelho no bolso da calça.
Passo a mão pelo rosto. Olho para o lado apenas para
encontrar Valentina praticamente enrolada em mim.
Caralho.
Não era um sonho.
Trinco os dentes, mas meu pau traidor responde.
Coloca a cabeça no lugar, é a pirralha.
Linda, usando apenas a minha camiseta.
Fecho os olhos, torcendo para quem quer que esteja
ligando, desista. A verdade é que não quero levantar. Por todos os
motivos errados.
Está bom aqui… com ela.
Sem brigas, só sentindo seu toque.
Quando ofereci o pedaço de pano, nem pensei muito. Só
pareceu certo ajudá-la, afinal, dormir com aquele vestido ia ser
desconfortável demais, mas quando a vi saindo do banheiro, foi
difícil ser racional, quando tudo que eu queria… era ela, e não de
uma forma que amigos devem querer.
O telefone para de tocar e relaxo na cama.
Valeu, Deus.
Estar próximo dela desperta tudo que deveria ficar
adormecido. Eu não deveria pensar na Valentina dessa forma, mas,
cacete, eu o faço.
O aparelho volta a fazer escândalo, e só pode ser um sinal
dos céus.
Sim, levanta seu traseiro e se afasta da tentação.
Com cuidado, tiro sua mão do meu peito. Antes que ela
acorde e surte ao nos ver assim e ainda coloque a culpa em mim.
O rolo de coberta que deveria funcionar como barreira, não
adiantou. Não sei em que momento ficamos próximos, mas você
não me ouvirá reclamar. Me levanto e Valentina resmunga, expondo
uma das coxas quando se mexe na cama.
Santo Deus.
Celular… foco.
Puxo o aparelho do bolso e imediatamente fico alerta.
ENZO.
O que este puto quer às nove horas do domingo? Ele
deveria estar entretido com a esposa, ou indo para o aeroporto, tudo
menos me acordando.
— É bom que você tenha uma boa… — começo,
caminhando em direção à janela para não a acordar.
— Você está comendo a minha irmã? — dispara e pela sua
voz sei que está puto, muito puto.
— O quê? — questiono, não entendendo o que está
acontecendo.
— Me responde, porra!
Eu queria… muito, mas não.
Foco, cacete. Responda à pergunta.
Escuto a voz da Emily ao fundo, pedindo para que ele se
acalme.
— Claro que não, caralho! — retruco, olhando para o motivo
da confusão, que neste instante acaba de acordar.
Acho que falhei em falar baixo.
Droga.
Valentina me observa com curiosidade. Toda descabelada, o
olhar carregado de sono, a camiseta larga escorregando por um dos
ombros…
Linda.
— É o Enzo? O que houve? Está tudo bem?
Se senta na cama, e a peça sobe revelando mais da sua
coxa.
Santo Deus… uma ajudinha.
Trinco os dentes e lhe dou as costas, precisando focar na
minha conversa.
— Por que diabos está me perguntando isso?
— Não me fode, Gustavo.
— Não estou, porra.
— Acabei de receber uma ligação da minha mãe, chorando
emocionada.
Dona Simone?
— O que houve?
Valentina já está em pé ao meu lado, exigindo saber o que
houve e sinalizo para que espere.
— Aparentemente, alguma tia viu vocês dois chegando no
hotel ontem, e viu vocês entrando no mesmo quarto. — Frisa as
últimas palavras.
Fecho os olhos, assimilando a informação e motivo da
confusão.
— Não é bem assim…
— Explica.
— Sua irmã precisava de carona e ofereci. A estrada estava
bloqueada, resolvemos procurar um hotel e seguir viagem hoje
cedo. No primeiro hotel não tinha vaga e no segundo, tinha apenas
uma.
— Foda, Gustavo.
— O que você queria que fizemos, porra? Dormir no carro ou
rodar mais quatrocentos quilômetros de madrugada?
Valentina arregala os olhos e tento me acalmar.
— Porra, porra… a família inteira está sabendo.
— Sabendo o que, cacete?
— Minha vó ligou emocionada para a minha mãe, feliz que a
Valentina finalmente desencalhou, algo como Deus ter ouvido suas
preces.
Faço uma careta, agradecendo o fato de a Nina não estar
ouvindo esta besteira.
Ela ficaria puta e com razão.
— Melhor colocar minha irmã na linha, cara. Quero escutar
esta porra de vocês dois e já adianto que não vão gostar do que
tenho a dizer.
— Vou colocar você no viva-voz — anuncio e Valentina se
aproxima.
— Enzo, está tudo bem? O que houve? — questiona, aflita.
— Estou bem, Nina, o problema não sou eu, mas sim, você e
o Gustavo.
— Como assim? — Seu olhar confuso está no meu e quero
tranquilizá-la, garantir que tudo ficará bem.
É só um inferno de mal-entendido, mas deixo para seu irmão
explicar.
Me jogo na cama e só consigo pensar numa coisa.
Que ótima maneira de começar o dia.
How long will I love you – Ellie Goulding
Isto só pode ser um pesadelo.
É isso, eu vou acordar e descobrir que é só um sonho
terrível.
Não posso acreditar que uma fofoca causou toda essa
confusão em tão pouco tempo.
Infelizmente, de acordo com Enzo foi exatamente o que
aconteceu.
Uma das minhas tias-avós que coincidentemente está
hospedada aqui neste hotel, junto com minha prima de sei lá que
grau, viu a gente chegando junto ontem.
Deus!
Como que eu não as vi?
Fato é que ELAS nos viram e simplesmente deduziram que
estamos juntos.
Vou vomitar.
A notícia espalhou num nível catastrófico, considerando que
não é nem meio-dia. Meus pais estão sabendo e ficaram felizes, não
sei o que me deixa mais atônita, e o pior de tudo.
Minha vó…
Sim, a casamenteira.
Seria simples desfazer o mal-entendido.
Não fosse o fato da velha estar ruim do coração e já estar
fazendo planos para o próximo casamento da família.
— Deus, isso não pode estar acontecendo.
— Acredite, está. — Enzo está irritado e não posso culpá-lo,
afinal é sua lua de mel e ser surpreendido com uma mentira dessas,
mas eu… nós, não temos culpa nenhuma.
Nós só nos hospedamos no mesmo quarto, pelo amor de
Deus.
— Tenho certeza que só uma questão de esclarecer este
mal-entendido — Gustavo finalmente se manifesta.
Até então, ele estava em silêncio, apenas ouvindo o show de
horror contado pelo meu irmão.
— Exato. — É até estranho concordar com ele.
— Vocês escutaram alguma palavra do que eu disse? A
notícia espalhou, se fossem só os tios, primos, nossos pais, ok,
concordaria com vocês, mas a vó Maria está sabendo…
— Falamos com jeitinho, Enzo.
— Sério, Nina? Já vamos encomendar logo o caixão —
devolve e me calo.
Sei que está preocupado.
— Você sabe tão bem quanto eu, que ela é cardíaca e está
prestes a fazer uma cirurgia delicada…
— Sim, eu sei — reconheço, mordendo os lábios, de repente
nervosa.
Para ajudar, Gustavo está me olhando de um jeito estranho.
Juro que se ele fizer alguma piadinha sobre a família estar
desesperada para me desencalhar, eu não me responsabilizo pelos
meus atos.
— A mãe disse que ela está animadíssima e já fazendo
planos para o seu enxoval, que você finalmente desencalhou. Falou
até que ela ia pagar promessa.
— Que exagero! — rebato, irritada. — Quem precisa de
namorado e marido atualmente, um vibrador põe muito homem no
chinelo.
— Valentina! — Enzo praticamente grita, já Gustavo me olha
como se tivesse brotado um chifre na minha testa.
Ok, talvez eu tenha sido muito direta.
Sinto minhas bochechas quentes.
— Careta — devolvo.
— Não estou brincando, irmãzinha. Vocês terão que fingir
que estão juntos, é a única solução.
— O quê? — Gustavo e eu praticamente gritamos juntos.
Ele até levanta da cama e está agora do meu lado, próximo
do aparelho.
— Vocês me ouviram!
— Isso é ridículo! Eu e Gustavo… — começo, evitando olhar
na sua direção.
— Enzo, cara, isso não vai dar certo.
Ouvir isso me irrita.
O que é ridículo, eu sei, mas apenas faz.
— Vocês terão que se virar, por pelo menos três meses.
— Três meses? — falamos juntos.
— Nem fodendo — Gustavo dispara ao meu lado e raiva
ferve dentro de mim.
— Achei que gostasse do seu amigo, Enzo. Como vou fingir
algo, se quero matá-lo cada vez que abre a boca — friso, e ele
arqueia a sobrancelha.
— Eu estou indo agora para o aeroporto curtir minha lua de
mel. Vocês que se colocaram nesta confusão, vocês que resolvam.
— Enzo… — tento argumentar.
— Contar a verdade só vai deixar a vó triste, Nina, isso não é
bom para ela, não agora. A pressão dela está oscilando muito, por
isso, a mãe foi embora mais cedo.
Droga, eu sei que ele tem razão.
Ainda assim, a solução é uma missão impossível.
— O que você propõe, Enzo? — Gustavo questiona como se
estivesse considerando a possibilidade e meu coração acelera.
Ele não pode estar pensando nisso, certo? Nunca
funcionaria.
— Sei lá, cara, acho que vocês terão que fingir dormir na
casa um do outro. Ninguém vai acreditar se vocês só dormirem cada
um no seu canto.
— Enzo!!! Não costumo levar ninguém no meu canto.
— Isso não quer dizer que você seja santa, tampouco o puto
do Gustavo.
Santa, eu? Não mesmo.
— Hey, doeu — Gustavo rebate com aquele sorrisinho
safado que eu amo.
Como ele pode rir num momento como este?
— Três meses é muito tempo! Até lá, a Laura já casou!
— Mais um motivo. Será perfeito, vocês serão padrinhos,
certo? Aproveitem e encenem o casal feliz e, depois de quinze dias,
vocês terminam, qualquer motivo, incompatibilidade de ideias. Não
vai faltar opções, tenho certeza.
Gustavo e eu nos olhamos e tenho receio que possa ouvir
meu coração.
Nenhum de nós está satisfeito com essa ideia louca, mas
não parece haver outra solução. Ele não dirá não ao Enzo, não
quando envolve risco de saúde da minha vó. Por mais que ele não
me suporte.
— Isso não é justo, não fizemos nada de errado —
argumento mais para mim mesma.
— Nina, é melhor prevenir. — Enzo parece cansado. — Sei
que é uma mentira, mas a saúde dela…
— De minha parte, ok — Gustavo concorda sem nem olhar
na minha direção.
Quero gritar que não, mas me calo.
Tenho receio de como minha voz vai soar.
— Você terá que manter seu pau dentro das calças, cara. Se
alguém souber, ou ver você com alguém, a casa cai.
— Estou tranquilo — rebate, para minha total surpresa.
— Isso eu quero ver — Enzo devolve, tirando as palavras da
minha boca. — Valentina…
Oh, merda!
Sinto seu olhar em mim, mas continuo fitando um ponto
qualquer na parede do quarto.
Tudo menos seus olhos castanhos.
— Pela vó Maria, eu aceito. — Vou ter um treco, é isso.
Minhas mãos estão geladas.
— Vai ser divertido, gatinha.
Fecho os olhos e respiro fundo.
— Vá se foder, Gustavo — devolvo, o fuzilando com o olhar.
Como vou aguentar isso?
— Hey, filho da puta, ainda estou na linha, e essa é minha
irmãzinha.
— Relaxa, Enzão, estou apenas ensaiando, da sua
irmãzinha, eu quero apenas uma coisa… — retruca, me fitando —
…distância.
Eu não deveria me importar com suas palavras, mas droga,
se meus olhos não enchem de lágrimas.
Filho da puta.
Não aqui, não agora.
Nem me despeço do Enzo, eu só preciso ficar sozinha
alguns minutos.
— Valentina… — Escuto sua voz, me chamando, mas
ignoro.
Dane-se.
— Enzo já ouviu o que queria. Só me deixa em paz, por
favor — devolvo, fechando a porta do banheiro atrás de mim.
Tranco e apoio as mãos na pia.
Respira…
Inspiro e expiro e sinto as lágrimas descerem pelo meu
rosto.
Que situação.
Escuto-o se despedindo do Enzo e sei que não posso ficar
aqui escondida para sempre.
Precisamos ir embora e combinar as coisas.
Ainda não sei como vamos fazer isso funcionar, mas não vou
ser eu quem vai dar para trás.
Será um desafio. Sou muito transparente com minhas
emoções, e elas geralmente envolvem querer esganar o Gustavo ou
pular no seu colo.
Não vá por aí, se lembre do que ele acabou de dizer.
Se Enzo quer três meses de um namoro de mentira, ele
terá…
Três longos meses num relacionamento falso… com ele.
Aquele que sempre habitou meus sonhos e meu coração.
Então, estarei livre.
Das duas, uma. Ou saio desta farsa ainda mais louca pelo
Gustavo, ou tiro o homem de uma vez por todas da minha cabeça.
Conto com a última opção.
Tenho que acreditar nisso e só o que me resta.
Never gonna be alone - Nickelback
Porra!
Sei que falei merda assim que as palavras saem da minha
boca.
Não saiu como deveria.
Era para ser uma provocação, zoeira… até porque é algo
totalmente absurdo, mas Valentina não levou para este lado.
Eu vi seu olhar.
Merda.
Quero me socar e desligar logo a porra do telefone e ir falar
com ela.
E dizer o quê? Que você mentiu… e o que mais?
Passo as mãos pelos cabelos, mal prestando atenção nas
últimas orientações do Enzo.
— Está me escutando?
— Oi…
— Acha que realmente consegue fingir esta merda?
— Claro, já estou pensando em tudo por aqui, filar umas
boias na casa da sua mãe, uns churrascos em família, não vai ser
nenhum sacrifício, acredite.
— Gustavo, não magoe a minha irmã.
— Como assim? — questiono, surpreso com sua fala. — Eu
nunca…
— Ela sempre teve uma quedinha por você, cuidado para
dar a impressão errada para ela.
— Sua irmã me odeia, cara, é mais fácil eu sair magoado.
Ela sabe como ferir meu ego.
Ele ri e muda de assunto.
Que doideira é essa?!
Nina… quedinha por mim?
Eu teria notado. Só me lembro da loirinha que queria
participar das nossas zoeiras, só isso.
Enzo está vendo coisas onde não existe.
Desligo com a promessa de resolver a confusão em que nos
enfiaram, começando por pedir desculpas para a pirralha.
É mais fácil mentir para si mesmo.
Na esperança de que seja mais fácil passar pelo inferno que
serão os próximos três meses. Estou a ponto de bater na porta do
banheiro, quando ela sai.
Calada, séria e novamente com o vestido azul de ontem.
— Valentina…
— Já estou pronta — responde sem nem erguer o olhar.
Continua mexendo na bolsa.
— Nina — insisto e ela ergue o rosto.
Nosso olhar se encontra e, merda, se eu quero vê-la apenas
sorrindo.
— Me desculpe — começo, meio perdido e ela parece
confusa.
— Pelo quê?
— Você sabe… — Dou dois passos na sua direção e ela se
afasta. — Eu não quis dizer aquilo. — Faço uma careta, buscando
as palavras certas.
— Não se preocupe. — Dá de ombros.
— Eu me preocupo… com você — devolvo e ela morde os
lábios. — Não quero distância de você — continuo, parando a
alguns centímetros de distância e minha mão coça para afastar a
mecha que insiste em cair sobre seu rosto. — Você vai ser sempre a
minha pirralha.
Ela revira os olhos, fazendo uma careta e um sorriso bobo
brota no meu rosto. Já estamos melhor do que alguns minutos atrás.
— Vou ignorar o pirralha, porque não quero brigar logo cedo
— aponta e meu sorriso aumenta. — Obrigada por ter aceitado esta
loucura — comenta, olhando para todos os lados, menos para mim.
Se ela soubesse que meus motivos foram os mais egoístas
possíveis.
A verdade é que eu gostei da sugestão do Enzo.
Não aguento mais ficar pensando na Valentina.
Eu preciso tirá-la da minha cabeça.
E este namoro de mentirinha vai servir exatamente para
isso.
Enfiar na minha cabeça o quão absurda é a ideia de algo
entre nós.
De como somos diferentes.
Meu cérebro vai voltar a vê-la como ela é…
Como sempre foi… a irmãzinha do Enzo.
Apenas a pirralha.
— São três meses apenas. Acho que conseguimos não nos
matar — brinco, tentando arrancar um sorriso, mas ela apenas me
olha em expectativa.
— Sobre isso…
— Precisamos conversar — devolvo, ansioso para deixar
algumas regras claras.
Pela próxima meia hora, discutimos as regras do jogo.

1. Encenação, só na presença dos outros.


2. Almoço de família, a cada quinze dias.

Ambos concordamos que todo fim de semana é exagero.


— Você terá que me levar para jantar — aponta, arqueando
a sobrancelha. — E nada de lanche porcaria, hein?!
— Poxa, gatinha, já estava pensando em te levar para comer
um sanduíche prensado no centro.
— Passo — devolve e não consigo segurar a risada.
— Isso vai ser divertido — comento.
— Feliz que alguém esteja se divertindo com isso.
Precisamos que nos vejam circulando, do contrário, logo vão
perceber que tem algo errado.
Aceno concordando.
— Posso lidar com isso.
— Mínimo contato — ela frisa, me fitando e meu coração
acelera.
Isso já vai ser mais complicado.
Não sou santo, por isso, preciso colocar algumas condições
que são do meu interesse. Já que vou ter que bater punheta nos
próximos três meses, tenho que ter alguma vantagem
Nem que seja infernizar Valentina.
Sei que a maior culpada foi a tia fofoqueira, mas ainda
assim, se ela não tivesse perdido a carona com sua mãe, não
estaríamos nessa confusão.
— Teremos que nos beijar — disparo, e ver seu rosto
aterrorizado, quase me faz ter dó, mas mantenho o discurso.
— Eu… — Fecha os olhos, parecendo pensar no que dizer.
— Só quando for muitoooo — enfatiza — necessário, para manter
as aparências.
Ah, vai ser.
Foco, cara, o objetivo é tirá-la da cabeça. Lembra?
Tomara que Valentina tenha bafo.
— Vou dormir uma vez por semana no seu apartamento, ou
você no meu — continuo, para sua surpresa.
— Não acho que seja necessário… — começa, mas ignoro.
— E no fim de semana também. Podemos intercalar.
— Gustavo…
— Você ouviu o Enzo — lembro. — Qualquer um que me
conheça, vai estranhar se eu não estiver dormindo com a minha
garota, embora, dormir seja a última coisa que eu geralmente faça.
— Pisco, me divertindo com suas expressões de choque.
— Menos detalhe, por favor. Posso fazer este sacrifício.
Arregalo os olhos.
— Quero dizer, DORMIR — ela se apressa em
complementar e quero rir.
— Bom… — E já consigo imaginá-la circulando no meu
apartamento com aquele pijama de gatinho, e minhas bolas
apertam.
Controle, cara.
— Mais uma coisa — disparo, e sua atenção está em mim.
— O programa do fim de semana, cada semana um escolhe.
É isso, ou Valentina vai querer ir ao shopping toda vez.
Deus me ajude.
— Fala para mim que isso é um pesadelo, por favor.
Caminho até ela, parando a alguns centímetros de distância.
— Temos um acordo? — questiono, estendendo a mão.
Nina está sentada na cama e apenas me olha, parecendo
pensar.
— Estamos esquecendo de algo importantíssimo.
— O quê?
— Sem sexo.
— Você quer transar comigo? — provoco.
— Deixa de ser louco — quase grita. — Eu — faz uma
careta e arqueio a sobrancelha, fazendo com que seu olhar estreite
sobre mim —, só quero deixar isso claro.
— Sem problema, pirralha.
— Entre nós, ou com outras pessoas também. — Suas
bochechas tingem de vermelho e é estranho ver Nina sem graça.
Acho que nunca fiquei tanto tempo na seca.
Ela me observa com atenção. É quase como se esperasse
eu desistir.
Ah, gatinha…
É o que sempre dizem.
Se a vida te dá limões, faça uma limonada.
— Sem sexo. — Estendo a mão novamente e desta vez ela
aceita, seu olhar fixo no meu.
Um arrepio percorre meu corpo.
Mas que caralho.
Deve ser estática e não um sinal de que acabei de fazer o
pior acordo da minha vida.
Vou me foder.
Pensamento positivo.
— Pronta para ir para casa, amor? — questiono, dando uma
piscadinha e ela apenas ergue o dedo do meio, sem se dar ao
trabalho de me olhar.
Nem tento segurar.
Caio numa gargalhada, mas daquelas que até a barriga dói.
— Estamos ferrados, isso nunca vai dar certo — ela
resmunga, antes de cair na risada também e, droga, se não fica
ainda mais linda.
Quando percebo, estou ao seu lado e ela para de rir, me
fitando assustada.
​Meu olhar desce para seus lábios e para a forma como seu
peito sobe e desce, antes de voltar para a íris de um verde-claro.
— Nós vamos fazer dar certo — afirmo, afastando a mecha
teimosa e colocando-a atrás da sua orelha.
A pirralha não retruca, mas é a dúvida que vejo em seus
olhos que me faz querer mais que tudo que isso dê certo.
— Dez minutos e saímos — informo, fazendo meu caminho
até o banheiro.
Já fiz muita coisa louca na minha vida, mas entrar num
relacionamento de mentira com a Valentina, com certeza é a maior
delas.
Precisamos cair na estrada, antes que eu resolva começar a
ensaiar.
How long will I love you – Ellie Goulding
Suas palavras não saem da minha cabeça.
“Nós vamos fazer dar certo.”
Será que ele realmente acredita nisso? Será que é possível?
Meia hora atrás, eu diria que não, nem ferrando, mas
Gustavo parece empenhado em fazer acontecer.
Não só me pediu desculpas, o que foi uma surpresa,
acredite, como ainda conseguimos conversar e definir algumas
regras básicas para nos guiar na mentira que iremos encenar.
É isso no fim do dia, não é? Um teatro!
O único problema é que o protagonista faz minha calcinha
derreter só de estar a alguns metros de distância.
Te vira, Valentina.
Foco, garota.
Podia ser pior, né? Não tenho tanta certeza sobre isso.
Mas é o que temos.
— Se mudar de ideia, me avisa, que paramos no próximo
posto. — Sua voz me tira dos meus devaneios.
— Ok — retruco, tentando ignorar o fato de que vou ficar as
próximas duas horas trancada neste carro com ele.
Vá se acostumando com a ideia.
Céus, preciso conversar com a Lau urgente, mas isso terá
que ficar para amanhã. Nem ferrando vou atrapalhar seu passeio.
Foco minha atenção na paisagem e quando dou por mim,
estou cantarolando a música que não poderia ser mais propícia.
— Não sabia que conhecia “Love Hurts” do Nazareth.
— Há muito que você não sabe — devolvo, dando de
ombros, afinal não é nada de mais, apenas uma música triste.
— Temos que resolver isso. — Volta a atenção para a
estrada, apertando o volante com força. — Sei que é louca pelo Bon
Jovi.
— Bem, isso não mudou.
— Viu só… — Dá um sorriso e meu coração acelera.
Ele está só tentando ser legal.
— O que mais você sabe? — devolvo, sabendo que ele irá
falhar.
Me olha de canto por alguns segundos e já acho que vai
desistir, quando começa a falar:
— Você não gosta de azeitona, até come, mas prefere
amendoim salgado ou japonês. — Como ele sabe disso? Eu nunca
comentei. — Até toma uma cerveja, mas é viciada em Coca-Cola
com muito gelo. É louca pela fotógrafa desde pequena — continua e
não posso deixar de sorrir ao me lembrar da minha amiga.
— Isso é bem óbvio — provoco, ainda em choque pelo seu
primeiro comentário.
— Hum… isso parece como um desafio.
Meu sorriso aumenta.
— Você é vaidosa. — Arregalo os olhos. — Sei isso pela
quantidade de maquiagem que carrega. — Gesticula para minha
bolsa com o nécessaire.
— Ora…
— O que é totalmente desnecessário.
Juro que se ele disser que não há milagre.
— Já que você é linda sem nada disso.
Eu não estava esperando por isso.
Deve ser uma pegadinha.
— Você não tem medo de dizer o que pensa, mas ainda não
sei se isso é algo bom o tempo todo. — Pisca e quero rir, pois não
poderia ser mais verdade. — Você é protetora daqueles que ama.
Nunca vou esquecer de você nos ajudando a procurar a Laura
naquela mata, mesmo eu sabendo que você tem medo até de
lagartixa.
— Não seja exagerado, meu maior problema são as baratas.
Ele arqueia a sobrancelha e eu reconheço.
— Ok, eu tenho mesmo. Em minha defesa, uma caiu em
cima de mim, uma vez, e desde então, tenho pânico.
— E quanto às baratas?
— Precisa de motivo? Quem não tem medo, pelo amor de
Deus. Se for das voadoras, eu não sei nem o que faço — revelo e
quando percebo, estou sorrindo.
— Viu só como eu sei sobre você, pirralha.
— Até que não foi tão ruim — reconheço. — Embora, você
insista em me chamar de pirralha, mesmo sabendo que eu odeio.
— Ah, eu sei, é por isso que eu chamo, gatinha — provoca,
me fitando com tanta intensidade que até esqueço o que ia dizer. —
Olha, um posto — sinaliza, jogando o carro para a faixa da direita.
— Toda essa conversa despertou meu apetite.
Meu estômago se agita com a ideia.
No hotel, não tomamos café. Nenhum de nós parecia
animado, mas agora realmente parece uma boa ideia, já que ainda
temos mais uma hora até Sorocaba.
— Temos que combinar a resposta para quando nos
perguntarem sobre como ficamos juntos — dispara como se
estivesse falando do tempo.
— Eu… — Não tenho a mínima ideia do que responder e ele
parece perceber isso.
— Hum, o que acha de falarmos que as coisas começaram a
ficar diferentes quando nos reencontramos no batalhão, por conta
do calendário?
Não deixa de ter um pouco de verdade. Antes desta data,
fazia um bom tempo que eu não o via. Bons tempos… era tudo mais
simples.
Se este calendário serviu de algo, foi para atiçar todas
minhas feridas e lembranças. E eu que achei que seria só ver uns
gostosos pegando na mangueira.
— Pode ser.
— Acha que sua mãe pode fazer alguma pergunta mais
específica? Não me agrada a ideia de mentir para dona
Simone, mas…
— Fica tranquilo, se ela for perguntar, será para mim.
E se bem a conheço, a primeira será: por que não contei a
novidade?
Ah, mãe…
​Uma hora depois, Gustavo estaciona em frente ao meu
condomínio.
— Chegamos, entregue sã e salva.
— Não tenha tanta certeza sobre o sã.
Não acredito que falei isso em voz alta.
Filtro, Valentina.
Agarro com força minha bolsa, me preparando para sair.
— Eu… bem, obrigada — começo, e travo quando o vejo se
aproximar.
Deus, ele não vai me beijar, né?
Para a poucos centímetros de distância, apoiando a mão
sobre o encosto próximo da minha cabeça.
Tão perto… mais alguns centímetros e eu saberia se seu
beijo é tudo que sempre sonhei.
Seu olhar desvia do meu e segue para a minha boca, e meu
peito parece que vai explodir.
Respira.
— Nos vemos esta semana, gatinha — sussurra no meu
ouvido e tão rápido quanto se aproximou, se afasta com um
sorrisinho no rosto.
Filho da mãe.
— Não ganho um beijo de despedida? — provoca e lá está o
Gustavo que eu conheço.
Mal sabe ele que dois podem jogar este jogo.
Se ele quer infernizar, será meu prazer.
Me solto do cinto, e inclino meu corpo na sua direção, e pelo
seu olhar, sei que o surpreendi.
Perfeito…
Paro a poucos centímetros da sua orelha e seu perfume me
invade.
Ignore. Foco.
— Nos seus sonhos, quem sabe — provoco, passando
minha língua, pela sua orelha. — Um bom resto de domingo,
amorzinho — debocho, abrindo a porta e saindo antes que meu
coração saia pela boca.
Não acredito que fiz isso.
Não creio…
Oh, Deus.
Corro na direção da portaria e só quando estou segura do
lado de dentro, olho para trás.
Só para vê-lo me encarando.
Talvez seja meu inconsciente vendo coisas onde não
existem.
Mas, droga.
Ele não parece puto.
Seu olhar é como fogo em mim, e eu ousaria dizer que ele
gostou tanto quanto eu.
Eu não deveria ficar animada com esta ideia, mas eu fico.
Sim, eu estou completamente ferrada.

Estou jogada no sofá, assistindo, pela décima vez, Senhor


dos Anéis, com a esperança de que mantenha minha cabeça bem
longe dele.
Tem funcionado.
Estou muito focada no Legolas e Aragorn, para lembrar que
o Gustavo existe.
Mentira.
Não paro de pensar um segundo sequer nele.
No que eu fiz no carro.
Jesus.
Pelo menos, ele não mandou nenhuma mensagem me
xingando.
Isso porque ele gostou.
Pare com isso, Valentina.
Foco!
​O micro-ondas apita, sinalizando que minha pipoca está
pronta.
Glória.
O que eu queria de verdade era um pote de sorvete só para
mim, mas preciso fazer uma visita ao mercado.
Meu celular vibra e imediatamente fico tensa. Só quando
vejo o nome da Lau no visor, solto o ar.
Será que já está de volta?
Pauso o filme e abro a mensagem, porque sou curiosa.
Laura: “Como assim, você e o Correia, namorando? Perdi
algo desde o casamento?”
Não é possível!!
Como isso já chegou até ela?
Gente, passada!
Me jogo no sofá, pensando a melhor forma de contar.

Nina: “Calma, não é o que está pensando, nem o que


ouviu… o que quer que seja … Preciso de uma bebida e falar
com você, pessoalmente! ”
Clico em enviar e sei que vai me xingar assim que ver. Laura
é tão curiosa quanto eu.
Laura: “Sério que vai me deixar curiosa até amanhã? Você
não tem coração?”
Começo a rir, segurando o celular.
Nina: “Desde quando ficou tão dramática?Além disso, você
merece, já que é por sua culpa que estou nesta… ”
Laura: “Minha?”
Nina: “Tecnicamente sim, pois você apoiou a ideia de eu
pegar uma carona com ele.”
Laura: “Para ir para casa…”
Nina: Relaxa, amiga… é tudo mentira. Não temos nada, mas
estamos num namoro de mentirinha.
Laura: “Como assim?? ”
Dramática, não disse?
Bem, eu também estaria se ela me soltasse uma bomba
dessas.
Laura: “Amanhã você vai trabalhar?”
Continua e quero rir.
Nina: “Sim, embora eu precise de férias depois deste fim de
semana!”
Laura: “Vou almoçar com você, o que acha?”
Nina: “É pouco tempo…”
Laura: “Okkk… Cadu vai trabalhar amanhã, eu e Manu
vamos até aí. Levo o sorvete.”

Nina: “Perfeito… já disse que te amo? Vou comprar umas


revistas para ela colorir.”
Laura: “Ela vai amar! ”
“Já aviso que terá que contar absolutamente tudo que
aconteceu.”

Nina: “Sim, mãe. Nós vemos amanhã. Beijos, amiga…”

Laura: “Não sei nem como vou conseguir dormir esta noite…
Isso não se faz. Nós vemos amanhã, então. Beijão.”
Mando vários emojis, coraçãozinho, boca com zuper e um
beijinho e claro que ela responde com uma figurinha bufando
e fazendo careta.
Jogo o celular sobre a mesinha de centro, decidida a voltar
minha atenção para o filme.
Mal pego o pote de pipoca, ele começa a tocar.
— É, Aragorn… tá complicado as coisas.
Pauso novamente e pego o aparelho.
— Vixe…
“Mãe.”
Olho alguns segundos para a tela.
Odeio ter que mentir para ela, mas é por uma boa causa.
Dona Simone não consegue guardar segredo… sim, é boca aberta,
e se contarmos a verdade, logo a família inteira vai saber também.
— Oi, mãe — atendo como se não estivesse nada
acontecendo.
— Já está em casa? — questiona e sei que é sua forma de
coletar informações.
— Sim, cheguei faz algumas horas.
— Nossa, achei que fosse voltar no sábado mesmo.
— Mudança de planos — devolvo, só aguardando a
pergunta. — Como está a vó?
— Melhor, teve um pico de pressão no sábado, mas o
médico acha que foram as emoções. Ele aumentou um pouco a
dose dos remédios e recomendou repouso até a cirurgia.
— Repouso? A vó? Mais fácil o inferno esfriar.
— Valentina!
— Você sabe que é verdade.
— Sim, minha mãe não consegue sossegar. Não será fácil,
sua tia falou que hoje ela acordou a toda, está tricotando e fazendo
mil planos.
Planos, estou até com medo de perguntar.
— Ela ficou tão feliz, Nina.
— Feliz?
— Seu irmão casando e você, bem… — Fica em silêncio e
meu coração aperta ao ver o quão emocionada está. — Ainda não
acredito que não nos contou sobre você e o Gustavo…
— Sobre isso — começo, mas ela nem me deixa continuar,
desata a falar.
— Eu e seu pai estamos tão felizes.
Estão?
— Só queria ter sabido antes e não através da sua tia-avó,
né, mocinha?! — repreende e estou em choque. — Imagina minha
surpresa, bem que sua vó falou que tinha algo estranho com vocês.
— Como assim?
— Ela disse que já sabia, acredita?! Antes mesmo da tia
Cida contar que viu vocês.
Ahh, então foi a tia Aparecida.
Safadinha.
— Eu ia contar… nós íamos — me corrijo e juro que posso
sentir minha mãe sorrindo.
Que loucura.
— Espero vocês para um almoço este fim de semana.
— Vou ver…
— Sem desculpas, mocinha. A menos que Gustavo esteja
de plantão, queremos os dois aqui.
— Sim, senhora — brinco e ela ri.
— Te amo, querida.
— Eu também, mãe. — Meu coração aperta, num misto de
culpa e ansiedade.
Odeio mentir, mas sigo o combinado. É por uma boa causa,
repito para mim mesma, torcendo para que isto entre de uma vez
por todas na minha cabeça e eu me sinta um pouco melhor.
No momento, só me sinto péssima.
Vejamos, quase ataquei o Gustavo, ok, talvez isso seja
exagero, afinal foi só uma lambidinha na orelha e, bem, menti para
minha mãe, sem nem titubear, tudo isso e o dia nem acabou.
Quando os créditos finalmente surgem na televisão, tudo
que preciso é da minha cama.
Encosto a cabeça no travesseiro e não demora meus olhos
estão pesados. Nem tento resistir, me aconchego sob o cobertor,
tentando pensar em coisas aleatórias, mas invariavelmente são
seus olhos castanhos que surgem.
Maldito.
Até nisso ele consegue me infernizar.
Seu rosto é um constante lembrete do que me espera esta
semana.
O início da farsa, ou devo dizer, relacionamento?
O que quer que seja, é ele em minha mente quando o sono
leva finalmente a melhor sobre mim.
Power over me – Dermot Kennedy
A pirralha me paga.
Sei que provoquei antes, mas, porra… lamber minha orelha
foi jogo sujo.
Caramba, só de pensar nisso meu pau responde, de novo.
Sim, dirigi praticamente o caminho inteiro do condomínio
dela até o meu com o cacete duro.
E tudo que não preciso no momento é ficar com as bolas
doendo. Fora toda questão ética por trás. Lembre-se, é a Valentina,
a irmãzinha do Enzo, não uma garota qualquer.
Fecho os olhos, enquanto o elevador faz seu trabalho, mas é
o sorriso esperto dela que surge na minha mente.
Droga!
Pense em outras coisas, qualquer coisa.
Jogo a mochila sobre o sofá assim que entro no meu canto.
Lar doce lar.
Tudo em ordem por aqui. O bom de ficar fora quase o fim de
semana inteiro tem sua vantagem: não tive tempo de bagunçar as
coisas.
Banho e me jogar no sofá parece ser um bom plano, já que
pegar a estrada não vai rolar.
Não hoje.
Já tive muita emoção nos últimos dias.
Meu celular vibra e, por um instante, torço para que seja ela.
Mas que inferno.
Claro que não é a pirralha e não sei o que me irrita mais, ter
torcido para que fosse seu nome no visor, ou a decepção que me
invade ao ler:
Adriana.
Recuso a ligação, digitando uma desculpa qualquer.
Sem tempo para isso agora.
A mulher é legal. Tem um bom papo. Já nos cruzamos
algumas vezes por aí, e tem um boquete matador, mas não consigo
pensar nisso agora.
Prometi para a pirralha… sem sexo.
Não vou arriscar colocar tudo a perder, a decepcioná-la…
fora que não sou escravo de nenhuma boceta, isso é o lado bom de
ser um solteiro convicto. Pego e não me apego.
Ficar um tempo na seca vai ser difícil, mas é o que temos
para hoje.
São apenas três meses, vou tirar de letra.

São seis da manhã quando desisto de enrolar na cama.


Dormi mal pra cacete.
Tive vários sonhos loucos envolvendo Valentina.
Era tão real.
Num momento, estávamos discutindo… o que é normal, mas
então de repente estávamos nos pegando… e, foda, aquilo foi
insano!
Despertei todo suado, pau latejando, pedindo por atenção.
Tentei lutar, soquei o travesseiro e fechei os olhos, tentando
voltar a dormir. Pensei no batalhão, nas rondas nos caminhões, na
papelada, mas invariavelmente, minha mente me levava para onde
tínhamos parado.
Sua pele quente, seus gemidos…
Só consegui dormir depois de bater punheta.
Sim, é vergonhoso.
Mas o pior foi gozar forte, imaginando sua boca envolta na
minha rola, subindo e descendo, meus dedos enrolados no seu
cabelo, enquanto a observava tomar cada gota da minha porra.
Caralho.
Só de me lembrar disso, já fico duro de novo.
Irritado, ligo o chuveiro no frio e entro sob a ducha.
Apoio as mãos na parede e fecho os olhos.
Deixando a água gelada me torturar… é o que mereço, só
por pensar nela dessa forma.
É Valentina, porra, e a pirralha é minha perdição.

Encosto a moto na área reservada em frente ao batalhão,


pronto para mais um dia.
Trabalhar certamente fará sua mágica e tirará a infeliz da
minha cabeça.
— Olha só quem chegou — Dutra anuncia em voz alta
enquanto se aproxima para me cumprimentar. — Fala, Correia,
como foi a festança? Pegou várias? E a sua irmãzinha, aposto que
estava gostosa pra caralho, com todo o respeito.
Filho da puta.
— Vá se foder, Dutra — devolvo, sei que está me
infernizando, mas meu sangue ferve a mera menção dela.
Quero só ver sua reação quando eu contar que estou
“namorando”.
Isso vai ser engraçado.
Pensei bastante a respeito disso ontem. Não quero mentir
para os caras. Mendonça é minha maior preocupação, o cara é um
boca de sacola, mas confio que manterá o bico fechado.
Chamo de risco calculado.
Estou a caminho do vestiário quando a voz inconfundível do
Carvalho me chama.
— Cabo.
— Subtenente. — Bato continência, curioso com o quer que
deseja logo no início do turno.
Gesticula em direção à sua sala e sigo nesta direção.
— Algum problema, senhor?
— Minha mulher quase surtou ontem à noite, após receber
uma ligação da mãe dela.
— Algo que eu possa ajudar? — questiono, não sabendo
muito bem o meu papel nisso tudo.
— A notícia que causou tal reação era de que a sua melhor
amiga estava namorando um bombeiro do mesmo batalhão que
eu… você.
— Caramba, as notícias voam mesmo.
Cadu me olha, aguardando uma explicação, e posso
entender.
Porra, nós conversamos quase a noite inteira no casamento
e, claro que ele sabe que nós não estamos juntos.
— É uma longa história…. — Passo a mão pelos cabelos.
A sirene toca anunciando uma ocorrência.
— Mantenha isso em mente para quando voltarmos —
sinaliza, se levantando.
Corro em direção aos uniformes corta-fogo com agilidade.
Não são nem oito horas da manhã.
O dia promete!

— Ok, pessoal. Um menino de seis anos caiu num poço


artesiano desativado que havia na propriedade da família —
Carvalho anuncia, conforme o caminhão entra numa estrada de
terra.
Estamos chegando e meu coração acelera, pronto para
entrar em ação.
— De acordo com a viatura que está no local, o poço estava
coberto apenas com pedaços de madeira, a cobertura apodreceu
com o tempo. No que ele pisou, a madeira cedeu.
Foda!
— A vítima está consciente e agitada. Aparentemente só
teve escoriações, mas vamos saber melhor quando acessarmos.
— Positivo — respondemos.
— Correia, vamos montar o tripé e você desce de rapel. São
sete metros.
— Positivo! — devolvo, adrenalina pulsando em minhas
veias.
— Vamos trazer o pequeno de volta aos pais, 21º
grupamento? — Carvalho pergunta, a voz alta e clara.
— Sim, senhor! — gritamos em resposta, pouco antes do
caminhão estacionar.
Todos descemos e começamos a trabalhar.
Não há tempo a perder.
Cada segundo conta.
Por sorte, o poço estava vazio, apenas um fio de água no
fundo, do contrário, além dos riscos da queda, teríamos o
afogamento.
Montamos o tripé utilizado para resgate em espaços
confinados e inicio a descida.
— Estou com ele — sinalizo ao encontrar o pequeno
encolhido num canto sobre os restos de madeira.
Molhado, sujo e assustado para caramba.
— Oi, meu nome é Gustavo e sou um bombeiro — começo.
— Vim te tirar daqui. Qual seu nome?
— Ga… Gabriel.
— Ok, Gabriel. — Procuro por algum ferimento mais grave,
alguma fratura, mas não encontro, a princípio parecem ser apenas
escoriações. —Eu e meus amigos vamos tirar você daqui, tá bom?
Balança a cabeça positivamente.
— Vou passar esta corda em você — explico, antes de
começar as amarrações. — Você gosta do Homem Aranha?
— Aham.
— Legal, eu também gosto! — O distraio enquanto termino
de fixar a corda em seu corpo.
Sem espaço para uma maca de resgate, ele terá que ser
içado junto ao meu corpo.
— Gabriel — chamo e seus olhinhos estão em mim. — Vou
precisar que você me abrace, bem forte, amigão. Consegue fazer
isso? — questiono, puxando com cuidado seu corpo para junto do
meu.
— Eu sou forte — devolve, a voz trêmula.
Enrola os pequenos braços em volta do meu pescoço.
Porra.
Ocorrências com crianças sempre mexem comigo.
— Estamos prontos! — anuncio e os caras começam a puxar
a corda.
Mantenho os braços firmes em volta do pequeno.
O protegendo contra batidas nas laterais do poço.
A cada segundo, nos afastamos mais do fundo e a luz do dia
se aproxima.
— Está tudo bem, cara! Você é muito corajoso!
Chegamos à superfície e Dutra e Prado nos recepcionam.
A 3º sargento me auxilia em soltar o pequeno que é
imediatamente levado para os primeiros-socorros.
Felizmente, a ocorrência teve um final feliz.
Ver o menino bem e chorando de emoção ao reencontrar a
mãe, é uma das melhores sensações deste mundo.
Estou soltando os equipamentos de segurança, quando vejo
o momento em que ele segue com os pais na ambulância para
exames preventivos.
Gabriel ficará bem.
Nosso dever está cumprido.
Agora é voltar para o grupamento e aguardar o próximo
chamado.
— Caramba, imagina o susto da mãe do menino —
Mendonça é o primeiro a comentar tão logo entramos no caminhão,
rumo ao batalhão.
— Graças a Deus terminou tudo bem. — A voz da 3º
sargento soa logo atrás de mim e não poderia concordar mais.
Foi por pouco.
— Bom trabalho, pessoal! — Carvalho cumprimenta e é isso.
Somos um time. Fui eu que entrei no poço, mas com todo suporte
dos meus companheiros.
Cada ocorrência é uma surpresa, por isso treinamos com
frequência, para estarmos prontos para servir a população.
— Então, Correia, aproveita que estamos voltando. Conta aí,
qual é o saldo do fim de semana? Muitas gostosas naquele
casamento? — Dutra me dá uma cotovelada. — Só de falar esta
palavra, já me arrepio.
Sentada na sua frente, Prado apenas revira os olhos.
— Como se tivesse alguém louco o suficiente para topar isso
com você — debocha.
— Você se surpreenderia, sargento — devolve, dando uma
piscada, e todos caímos na risada.
— Conta aí, Correia — Santos grita do assento do motorista
e troco um olhar com o subtenente.
Foda-se.
— O casamento rendeu.
— Eu sabia, esse moleque é minha cria — Dutra zoa e nem
perco o embalo.
— Estou namorando a Valentina.
— O quê? — Cospe a água que estava tomando.
— Mas que droga, Dutra — Prado reclama, já que voou
água por todo o canto.
Pelos próximos dez minutos, explico a confusão gerada pela
fofoca e que pelos próximos meses fingiremos um relacionamento.
— Caramba, cara. Você realmente é muito amigo deste Enzo
— Mendonça é quem fala.
— Sim, conheço ele desde os quinze anos.
— Ainda assim, três meses sem poder… — Dutra começa e
então olha para Prado e se cala.
— Entendi o quer dizer, Dutra, e sim, durante este tempo
não posso correr o risco de alguém desconfiar de algo.
— Acho que vocês três são loucos — Carvalho anuncia,
direto como sempre. — Enzo de ter sugerido esta merda, e vocês
dois por terem aceitado.
— Que escolha eu tinha, subtenente? É meu amigo, sua
irmãzinha… — é até difícil de falar a palavra — …e a vó Maria.
— Não queria estar na sua pele, cabo — é sua resposta.
Nem eu queria, acredite.
He could be the one – Hannah Montana

Ainda estou com a roupa que fui trabalhar quando o


interfone toca, sinalizando a chegada da Lau. Nem espero a
campainha tocar. Abro a porta e as fico esperando saírem do
elevador.
Ansiosa? Só um pouco.
— Oieee — cumprimento assim que as vejo e minha amiga
abre o sorrisão.
Nem faz tanto tempo assim, mas, caramba, eu poderia
tagarelar com a Lau todos os dias, como nos velhos tempos.
— Tia Nina — Manu vibra e corre na minha direção.
— E aí, mocinha? Tudo joia? — questiono e ela acena que
sim. — Você não vai acreditar no que eu comprei para você.
Arregala os olhos, curiosa.
— O que é?
— Vamos entrar que você já vai descobrir — provoco e seu
sorriso aumenta.
— Quero saber absolutamente TUDO — Lau sussurra no
meu ouvido, assim que me abraça.
— Bom te ver também — provoco e ela faz careta. —
Comprei umas pizzas para nos divertirmos.
— Desse jeito, vou vir mais vezes aqui.
— Você sabe que é sempre bem-vinda, amiga.
— Eu sei, é que está bem corrido.
— Duro essa vida. Eu só queria ser herdeira, ou encontrar
um velho da lancha gostoso — comento baixinho, afinal, não estou
a fim de ter que explicar para a Manu o que é velho da lancha.
— Você é louca.
— Sempre! Fica à vontade, Lau. Guarda o sorvete no
congelador. Vou colocar na Netflix para a Manu, assim, ela escolhe
o desenho dela, né, princesa?
— Eu já sei usar o controle remoto! — comenta, toda
orgulhosa.
— Caramba. — Acaricio os seus cabelos, lhe entregando
aparelho e ela faz bonitinho. Colocando num desenho que tem um
cachorro policial e um dálmata bombeiro.
Até no desenho, Senhor.
— Estava quase esquecendo. — Entrego as revistinhas de
colorir, e claro, uma caixa de lápis de cor e giz de cera e o abraço
forte que recebo valeu cada centavo.
— Obrigada, tia Nina, eu amei. Vou ver a Patrulha Canina e
depois vou pintar.
— Se divirta, princesa.
Encontro Laura na cozinha, guardando o suco e refrigerante
que trouxe, mesmo eu dizendo que já tinha.
— Exagerada você…
— Fui pegar o sorvete e quando vi, já estava com eles no
caixa. — Dá de ombros.
— Aham.
— Mas não mude de assunto. Não vim até aqui para falar
sobre o suco. — Arqueia a sobrancelha.
Puxo a cadeira e me sento ao seu lado.
— Preparada?
Como resposta, ela puxa a outra cadeira.
Pelos próximos dez minutos, eu falo.
Tudo.
Desde o momento em que nos despedimos, até ontem à
tarde, menos a parte da lambida na orelha.
— Então? — questiono ao vê-la me olhando em silêncio.
— Eu estou em choque ainda — devolve, se levantando. —
Vou colocar as pizzas para assar, tá?
— Claro, Lau, coloca e a gente continua tagarelando.
— Meu Deus, Nina. Que loucura!
— Tia-avó fofoqueira. — Dou de ombros.
— Você realmente acha que isso dará certo? Vocês… bem,
faltam quase se matar quando estão perto um do outro.
— Amiga, eu não sei de mais nada. Só Jesus na causa aqui.
— Bem, vamos tentar ver o lado bom.
— Já tentei, não há!
— Sempre há — começa, colocando a pizza de calabresa no
forno. — Ou isso entre vocês vai para frente, ou você tira o “Guto”
de vez da cabeça.
Guto.
— Não há “isso” entre a gente — friso, me levantando. Não
consigo ficar mais um segundo sentada. — Será que a Manu já quer
um copo de suco?
— Ela toma junto com a pizza, fica tranquila. Ela fez um
lanchinho na casa da vó.
— Casa de vó é sempre tudo, né?!
— Nem me fala, se vou no ritmo dela, daqui a pouco a calça
não fecha.
— Exagerada.
— Mas voltando ao assunto do dia. Não acredito em uma
palavra do que disse.
— Como assim? — pergunto, me fingindo de sonsa. Eu sei
exatamente o que ela quer dizer.
— Há algo sim… e vou além, não acho que ele só te vê
como pirralha.
Reviro os olhos.
Lau é assim, sonhadora.
Eu já sou totalmente pé no chão.
— Amiga, já falamos disso. Nem todas têm sorte de achar o
príncipe encantado ou, no seu caso, bombeiro encantado — brinco,
tentando mudar o foco.
— Quem sabe, ele não seja o seu… sei lá… eu acho que ele
te olha de um jeito diferente. Não é como amiga, não.
— Sim, é como irmã do amigo.
— Também não é o caso.
— Você está vendo coisas onde não existem.
— Bem, neste caso, só vamos ter a resposta daqui a três
meses. É isso?
— Sim — confirmo, pensando que só passou um dia, ainda.
— Tenho medo — disparo e Lau me olha com surpresa.
— Você, medo?
— Sim — admito, fazendo uma careta. — Dele se enraizar
ainda mais na minha cabeça e eu sair desta mentira pior do que
entrei.
— Vai ficar tudo bem. — Apoia as mãos nos meus ombros.
— Só tente não o matar cada vez que o ver — complementa e até
tento ficar séria, mas caio na risada.
— Ai, Lau…
— Estou falando sério, sua louca — continua e mordo os
lábios, tentando me controlar. — Deixa ele ver você — fala séria,
não há mais brincadeira. — Se ele não enxergar… — pausa e fica
me fitando em silêncio, antes de continuar — …o quanto você é
maravilhosa… — Sua voz falha e meus olhos enchem de lágrimas.
— Então, ele não vale a pena, amiga.
— Droga, Lau, não te chamei aqui para me fazer chorar,
poxa.
— Você que lute — retruca, secando disfarçadamente uma
lágrima também.
Respiro fundo.
— Vou tentar — começo —, mas não prometo. Você sabe
que ele faz tudo para me provocar ou, devo dizer, enlouquecer.
— Quem sabe, você não se surpreende também! — Dá uma
piscadinha, tirando a pizza do forno e colocando-a sobre a mesa.
O cheiro está matador.
— Você é a pessoa mais otimista que eu conheço, sem
dúvidas — devolvo e ela sorri de volta, pegando os pratos, enquanto
eu pego os copos e o guardanapo.
E pior que acho que Lau tem razão.
Quem sabe, não me surpreendo? O pior cenário, eu já
tenho.
— Não sei quanto a você, mas eu estou faminta — sinalizo,
colocando o azeite sobre a mesa.
— Somos duas, então.
— Bora comer, que ainda tem sobremesa e muita conversa
pela frente.
— Amo!!!

As pizzas estavam absolutamente deliciosas.


Até a Manu repetiu!
O primeiro pedaço a Lau cortou em quadradinhos, mas
então a pequena viu a gente comendo com a mão e quis
experimentar também.
Resultado: um pouco de sujeira, mas uma Manu feliz com a
nova experiência.
Observar minha amiga cuidando dela e o amor e carinho que
existe entre as duas, é algo que me faz pensar num futuro distante
em que eu também possa vir a ter a minha própria família.
Será que eu seria uma boa mãe?
— Nem pense em lavar estes pratos! — aponto, tentando
soar brava. — Você agora é visita aqui.
— São só três pratos — argumenta.
— Exatamente. Larga isso aí e senta sua bunda aqui, que
ainda temos que conversar antes de você me abandonar.
— Dramática.
— Ok, mudando totalmente de assunto, a Alice te ligou? —
questiono e vejo o momento que seus olhos brilham de animação.
— Ela fez…
— Ela me disse que ia te contatar. Para de suspense, como
foi?
— Bem, segundo ela, a prefeitura gostou muito do resultado
do calendário, a repercussão, engajamento da população e tal, que
resolveu…
— Fala logo!
— Repetir a iniciativa para o próximo ano! — anuncia e dou
um pulo.
— Aeeeee, eu sabia!
Manu, que já está de volta à sala, até para a pintura para
olhar.
Na certa, pensando que a tia é louca.
Só um pouquinho.
— Tão feliz por você, Lau. — Abraço-a forte.
— Eu também, esse projeto é muito especial para mim.
— Claro, né! Te arranjou até um marido! — Pisco e ela
começa a rir. — Falando nisso, o Cadu ainda vai ser o mês
dezembro? — Arqueio a sobrancelha, curiosa.
— Ainda pensando nisso.
— Não pode ficar ciumenta agora, amiga, tudo pela arte! —
provoco.
— Devo lembrá-la que seu namorado também estará no
calendário.
— Até esta belezinha ser divulgada, ele não será mais nada
meu — devolvo, me lembrando de como o maldito ficou gostoso nas
fotos.
Caramba, não vá por aí.
— Sei…
— Além disso, ele é meu namorado de mentirinha, lembre-se
disso — friso, tentando soar indiferente.
— Veremos, dona Valentina, isso eu pago para ver.
— Você vai ver! — devolvo, tentando soar confiante, mas
falhando miseravelmente.
Power over me – Dermot Kennedy
— Já testou a motoserra? — Dutra dispara ao me ver
organizando os equipamentos no caminhão.
— Positivo.
Poucos sabem, mas há toda uma rotina no batalhão. Tudo
começa com a passagem de serviço do turno anterior para o atual,
mas diariamente fazemos a checagem dos materiais, viaturas,
testamos todos os equipamentos e aparelhos que podem vir a ser
utilizados numa ocorrência, além disso, fazemos exercícios físicos e
treinamentos teóricos, tudo para estarmos preparados quando uma
emergência surgir.
Felizmente, até o momento, o turno está tranquilo, ao
contrário da minha cabeça, que está a mil.
Motivo: a pirralha.
Hoje vou visitá-la.
É o que combinamos!
Uma vez por semana, um vai no canto do outro.
Preciso fazer minha parte, e não deveria ser grande coisa,
mas estou parecendo um adolescente que vai à casa da
namoradinha pela primeira vez.
— Correia. — A voz do cabo Melo atrai minha atenção. —
Temos visita — começa e fecho o compartimento do caminhão. — E
acho que você vai gostar.
Olho na direção da entrada só para descobrir que é a Nina.
Ela e mais duas pessoas da prefeitura acabaram de chegar.
— Humm, a namoradinha tá na área, cabo — Dutra provoca
e ignoro, tentando parecer indiferente, mas caralho se meu coração
não dispara.
Por que não avisou que vinha? Na certa, torcendo para que
eu não estivesse. Coloco um sorriso no rosto, decidido a ir
cumprimentar meu amor.
Os caras começam a caminhar na direção no refeitório, com
certeza, na esperança de ouvir algo da conversa, já que a sala do
subtenente fica próximo, e as paredes são finas.
Mal dou dois passos, sinto a mão de Prado no meu ombro.
— 3º sargento? — questiono, preocupado que ela precise de
algum suporte.
— Sei que não é da minha conta e vocês dois são adultos —
começa e já sei que vem chumbo —, mas a Nina parece ser alguém
legal. — Ela é, mesmo quando faz da sua missão pessoal me tirar
do sério. — Não a magoe! — completa e então me deixa para trás
com meus próprios pensamentos.
Eu nunca a magoaria.
Valentina é…
Droga, se eu sei.
Foco, porra.
Sigo até onde Dutra, Mendonça e Santos estão
curiosamente sentados, tomando café. Prado e Melo estão no lado
oposto do salão, falando sobre técnicas de escoramento.
Eu devia ir para lá e fazer algo útil, mas a verdade é que
estou curioso para saber que merda está rolando. Talvez ela conte à
noite.
Difícil.
A reunião dura pouco mais de dez minutos.
O que quer que seja, todos parecem felizes, bem, exceto o
Carvalho, mas o filho da mãe quase nunca sorri, então não conta.
Ao seu lado, uma mulher – na faixa dos cinquenta anos –
não para de falar. Nina parece entretida, já que nem percebe a
secada que o imbecil ao seu lado está dando no seu traseiro.
Filho da puta!
Meu sangue ferve e cerro os punhos.
Caralho, tenho que reconhecer, a pirralha está linda e
gostosa e nem posso colocar a culpa na roupa curta ou apertada, já
que está vestindo uma blusa verde-escuro e calça social preta, mas
que nela…
Se controla, é a Nina!
Nosso olhar se encontra e seu sorriso some.
Algo ativa dentro de mim.
Não sei explicar.
Eu não deveria, mas quando percebo é tarde demais.
— Não aguentou de saudade, pirralha? — sussurro no seu
ouvido.
— É agora que você acorda? — murmura com um sorriso no
rosto.
— Ora, ora, se não é o mês janeiro, em carne e osso… — a
senhora dispara, me medindo sem disfarçar o interesse.
— Prazer, Correia.
— O prazer é definitivamente meu. Agora entendo porque
Valentina teve a ideia do calendário — comenta, totalmente sem
filtro.
— Alice, não exagere. Gustavo já tem um ego enorme,
acredite — brinca, as bochechas tingidas de vermelho.
Arqueio a sobrancelha com a resposta na ponta da língua,
mas me calo quando a mulher começa a rir.
Só quando ela se acalma, conseguimos retomar a conversa.
A chefe da Valentina faz questão de conhecer e
cumprimentar pessoalmente cada um de nós e se desculpar por não
ter feito isso no baile.
Superada a ladainha, descobrimos o real motivo da sua
visita.
Um novo calendário.
— Cacete! — Dutra cospe, atraindo todos os olhares. —
Desculpem, fui pego de surpresa. — Dá um sorriso sem graça e o
conhecendo, sei que já está pensando na mulherada.
Eu estaria, numa situação normal.
Todos seguram a risada, até mesmo o Carvalho e Prado.
— A Lau vai ser a fotógrafa — Nina anuncia, tirando o foco
do 2º sargento.
O grupamento comemora.
Não podia ser diferente. Todos nos divertimos com ela na
última sessão, as fotos ficaram incríveis, e ela agora é parte da
grande família que é o 21º grupamento.
— Olha só a patroa, subtenente — Mendonça brinca e
consegue arrancar um sorriso do Carvalho.
— Vejo que gostaram da notícia, pessoal — a tal de Alice
comemora — Isso é ótimo! Estamos muito animados em repetir esta
iniciativa e esperamos angariar ainda mais recursos com a venda
dos calendários.
— Vai ser igual ao anterior? — Prado questiona.
— Sim, Laura coordenará tudo, mas desta vez terá, como
posso dizer, mais recursos.
— Recursos? — pergunto, e sei que minha dúvida é a dos
demais.
— A ideia é fazer fotos simulando que vocês estão em ação.
— A mulher se empolga e começa a mostrar alguns vídeos do
TikTok e por pouco não começo a rir.
— Você quer me ver saindo das chamas, gatinha?
Valentina arregala os olhos e percebo que falei alto demais.
Foda.
Por sorte, Prado faz outra pergunta qualquer, tirando o foco
de nós, mas o estrago está feito.
A pirralha vai me matar hoje à noite. Tanto para uma
trégua…
Burro pra cacete.
A visita chega ao fim e sua chefe faz questão de se despedir
de cada um, o imbecil vem logo atrás e, por último, ela, a minha
garota.
Me posiciono e aguardo o meu momento.
Cumprimento os dois primeiros com um aperto de mão e
quando chega sua vez, deveria fazer o mesmo.
Olho para sua mão estendida e nem penso muito, a puxo
para junto de mim, a ideia era apenas sussurrar um pedido de
desculpas, mas quando percebo, roço meus lábios nos seus.
E puta que pariu…
— Nos vemos mais tarde, gatinha — sussurro e seu olhar é
um misto de choque e “vou te matar”.
Acompanho-os se afastarem e meu coração continua
acelerado.
Foi a merda de um selinho, mas droga, se já não foi o
suficiente para me fazer querer mais.
Muito mais!
— De mentira é? — Dutra debocha ao meu lado.
— O que foi?
— Conta outra, Correia.
— Vá se foder.
— Se comportem, meninos — Prado intervém, mas então
começa a rir.
Mas que inferno.
— Nunca ouviram falar em beijo técnico? Aquilo nem conta
como beijo, na verdade.
— Continua se iludindo aí, irmão — Mendonça dispara.
— Até você, soldado.
O infeliz dá de ombros.
— Espero que já tenham conferido tudo nas guarnições —
Carvalho comenta, olhando ao redor.
— Sim, senhor! — respondemos em uníssono.
— Bom… — Dá um esboço de um sorriso. — Antes de ser
surpreendido com esta visita da prefeitura, eu ia dar um recado para
vocês.
Todos se aproximam, curiosos.
Que não seja uma mudança no turno ou antecipação da data
das provas de praça.
— Saiu a seletiva para a prova do Bombeiro de Aço[1]. O
comando apoia as inscrições. Interessados, os detalhes estão aqui
— anuncia e fixa o edital no mural de avisos.
Mesmo estando em ótima forma física, participar de um
evento deste porte, ainda mais representando o grupamento, é uma
grande responsabilidade.
Quem sabe, no ano que vem.
No momento, já tenho o suficiente de confusão para me
preocupar com isso.
— Acha que consegue, Dutra? — provoco o 2º sargento,
dando uma cotovelada nas suas costelas.
— Meu nome é pronto, cabo — devolve, com um sorrisinho
sarcástico que conheço bem. — Este troféu na minha mão e o
calendário na parede, vou ter que contratar alguém para organizar
minha agenda.
— Você tem sérios problemas, sério!
— O quê? São apenas fatos, 3º sargento — devolve para
Prado que olha indignada para ele. — Se a primeira versão do
calendário já atraiu um monte de calcinha, imagina a segunda.
— Você é um cara legal, Dutra, exceto quando abre a boca
— ela devolve, se afastando em direção ao vestiário.
— Eitaaaa… — Santos e Mendonça atiçam e eu apenas
observo.
— O que eu disse de errado? — questiona, olhando para
todos nós, com evidente confusão.
— É, amigo, como a Prado disse, você abriu a boca!
— Vá se foder, Correia.
Nem tenho tempo de responder.
A sirene toca e toda brincadeira cessa.
Hora de trabalhar.
E o primeiro pensamento que tenho é assustador.
Pela primeira vez, desde que me juntei ao corpo de
bombeiros, não vejo a hora do turno acabar.
Eu amo meu trabalho, mas caralho, se não estou ansioso
para a noite e tudo que ela me reserva.
Living on a prayer – Bon Jovi
Under pressure – Queen & David Bowie
Summer of ’69 – Bryan Adams
Mad – Ne-Yo
Alice e Marcelo não falaram nada, mas nem precisa, né?!
Só a forma como ficaram me olhando o resto da tarde foi o
suficiente.
O que foi aquilo no batalhão? Um selinho. Ainda assim, não
paro de pensar nisso. Não tem nada a ver com sentir seus lábios,
ainda que de forma rápida sobre os meus, seu perfume, ou suas
mãos me puxando para junto dele.
Nada disso.
Estou puta porque não combinamos nada daquilo.
Vou esganá-lo, é isso.
Chego em casa, jogo minha bolsa na mesa e coloco minha
playlist para tocar.
É isso que preciso, música e uma Coca gelada.
“Living on a Prayer” do Bon Jovi começa a tocar, aumento o
volume, fecho os olhos e deixo a música me invadir, quando dou por
mim, estou cantando a plenos pulmões, deixando a tensão do dia ir
embora.
— Take my hand, and we’ll make I swear…
Estou na melhor parte, quando a campainha toca,
arruinando o momento. Abaixo um pouco o som e abro a porta com
meu melhor sorriso.
Tudo que não preciso é um problema com o vizinho.
— Whoa oh, living on a prayer… — Gustavo continua a
música antes de dar uma piscadinha. — Tentando fazer a
vizinhança ouvir Bon Jovi à força, pirralha?
Não sei o que me surpreende mais. Vê-lo parado na minha
porta, ou cantando a música. O cretino sempre me zoou por gostar,
mas sabe a letra. Claro.
— Para quem sempre disse ser uma “porcaria”, você bem
que sabe cantar — devolvo.
— Não é algo que me orgulhe, acredite — provoca, dando
de ombros. — Não vai me deixar entrar, gatinha?
— O que você está fazendo aqui? — questiono, sem me
mexer. — Melhor ainda, o que foi aquilo? — complemento, deixando
minha emoção levar o melhor sobre mim.
— Aquilo?
— Não se faça de sonso, Gustavo — devolvo, as mãos na
cintura, mas antes ali, do que no pescoço dele. — Você me beijou!
— Aquilo não foi um beijo, pirralha.
Arqueio a sobrancelha.
— Acredite, quando eu te beijar, você saberá a diferença —
sussurra no meu ouvido, passando ao meu lado, simplesmente
entrando no apartamento.
— Não lembro de ter te convidado! — rosno e ele apenas
sorri.
Cretino…
Espera um segundo, ele disse “quando”?!
Fecho a porta com mais força do que deveria.
— O que você está fazendo aqui, além de me irritar, claro!
— Você é sempre mal-humorada quando chega do serviço?
Céus, deveria arrumar um emprego que te deixe mais feliz.
— Eu sou feliz — devolvo e ele sorri, se jogando no meu
sofá, que ficará impregnado com seu perfume.
Perfeito.
Continuo parada, olhando-o em choque, enquanto o infeliz,
ao contrário, parece extremamente à vontade.
— Sobre antes… — começa, mas para quando a próxima
música inicia.
— O que foi agora?
— “Under Pressure”, pirralha. Por essa eu não esperava.
Ouvindo este clássico do Queen e David Bowie, caramba.
— Dá para você ignorar minhas músicas curtidas — reviro os
olhos — e focar no que ia dizer?
Para de cantar, pondo a mão no peito.
— Estraga-prazer, bem, o que estava dizendo, é que seria
estranho se eu não desse um selinho na minha garota.
— Eu não sou sua garota — devolvo à queima-roupa.
— Preciso te lembrar do discurso do Enzo? Posso ligar para
ele, apesar que se fosse minha lua de mel, eu estaria bem ocupado.
— Você é nojento! Eu sei muito bem o que ele falou, só não
estava preparada.
Se levanta e em menos de três passos está parado na
minha frente.
Muito perto.
Não consigo me mexer, meus pés parecem ter colado no
chão.
— Pois é bom que fique. — Seu olhar não desvia do meu. —
Se vamos frequentar a casa da sua mãe, ir em churrascos de
família, um selinho é sua menor preocupação.
Oh, merda!
Ele tem razão e isso é desesperador.
Aceitei esta história de namorado de mentirinha, mas ignorei
totalmente a parte do contato físico.
Meu coração parece que vai sair pela boca.
Respira, Valentina.
— Ok.
— O que disse?
Fecho os olhos, lembrando que não seria o Gustavo se não
me provocasse.
— Concordo que vai chamar atenção, se não… — Mordo os
lábios, tensa.
Deus, é até difícil falar a palavra.
— Se eu não devorar estes lábios, que você insiste em
morder, quando está nervosa? — questiona e seu olhar está na
minha boca.
Arregalo os olhos, deixando de morder a boca, e seu sorriso
aumenta.
— Serão apenas selinhos, de vez em NUNCA. É apenas
isso que você terá. — O fuzilo, num desafio silencioso.
— Se você diz isso. — Dá de ombros, nunca deixando de
me fitar.
Caramba, sou eu ou está calor de repente?
— Ok, pirralha, agora que já definimos este ponto, o que
vamos pedir? Estou faminto!
—Desculpe?
— Você esqueceu?
— Do quê?
— Visita no meio da semana e no fim de semana alternado?!
— Me observa com atenção, e diante do meu silêncio, continua: —
Na próxima, você vai no meu canto.
— Com a correria na prefeitura… — justifico.
— Esqueceu que seu namorado viria, difícil assim, viu?!
Mostro o dedo do meio e ele gargalha.
Ignoro todas as emoções que me invadem por tê-lo aqui
comigo e faço meu caminho até a cozinha.
Respira, garota.
Você consegue!
— Vai querer pedir algo no iFood, ou quer olhar os cardápios
que tenho aqui? — Mostro os inúmeros papéis que tenho guardado
numa das gavetas.
— O que você recomenda?
— Depende do que você está a fim — digo, já pensando em
algumas opções. A verdade é que estou faminta também. —
Besteira ou comida?
— Você que decide, gatinha.
— Não me chame assim — peço, sem olhar na sua direção.
É mais seguro assim.
— É o que você é — sussurra, mas eu escuto, e inferno se
um arrepio não percorre meu corpo traidor.
Se controla, ele está sendo educado.
É só isso.
Lembra, é o Gustavo.
— Humm… a vó Lourdes…
— Tem um parmegiana — falamos juntos — muito bom!
— Matador — ele complementa e me pego sorrindo.
— Bem, a comida então já foi.
Por sorte, tenho várias opções de bebida e nem precisamos
pedir.
Gustavo acabou aceitando um copo de Coca, já que ainda
tem que voltar para casa.
Glória a Deus.
Confesso que deu um medinho dele dizer que veio para
dormir, como tínhamos originalmente combinado.
— Próxima vez, eu venho para passar a noite aqui —
anuncia.
— Não se preocupe, está ótimo assim! — devolvo rápido
demais e ele coloca a mão no peito.
— Assim você machuca meu coração, Nina.
— Como se você tivesse um — devolvo, mas não consigo
segurar a risada e no fim estamos os dois rindo, sentados no chão
da sala.
— Foda, faz tempo que não ria tanto assim.
Eu também, mas guardo esta informação para mim.
— O que acha de assistirmos algo, enquanto o rango não
chega? — questiona.
— Boa ideia!
— Viu só, não foi difícil me elogiar.
— Você não faz ideia — resmungo, dando uma piscadinha e
lá está seu sorriso lindo.
Caramba…
Entrego o controle e sento um pouco afastada, pela minha
própria sanidade. Assim que Gustavo acessa a página inicial da
Netflix, me arrependo da decisão.
— Bombeiros, humm… alguém poderia entender que você
tem uma queda por este tipo — zomba, vendo minhas últimas
escolhas.
Chicago Fire, 9-1-1, Station 19 aparecem logo de cara, mas
finjo inocência.
— Claro! Assim, como por policiais, agentes do FBI e
médicos. — Reviro os olhos. — Dá este controle aqui. — Estico a
mão, mas ele ignora, me encarando alguns segundos e, droga.
— Você gosta de FBI?
— Sim, e se você fizer alguma piadinha…
— Não vi a última temporada ainda, e você? — Me olha
sério, mas sei que a risadinha está ali.
— Também não — admito.
— Perfeito! Comida e programa escolhidos. Até que não
está sendo tão ruim, né, pirralha, admita.
Bufo ao seu lado, cruzando meus braços, mas pelo canto
dos olhos, vejo seu sorriso antes de dar o play.
Demoro a relaxar, mas finalmente começo a prestar atenção
no episódio.
Uma das razões para eu amar essa série é justamente isso.
A capacidade do enredo te prender, é ação, suspense…
Deus, eu realmente precisava disso.
Tomo mais um gole da minha Coca, e sinto seu olhar em
mim.
Meu corpo todo fica tenso.
— A tela está na sua frente — brinco, sem desviar a atenção
da televisão.
— Prefiro ficar olhando você. — Sua voz sai meio rouca, e
não sei em que momento acabamos ficando tão pertos.
Viro na sua direção e ficamos nos fitando em silêncio.
Oh, merda…
Respira, Valentina.
Meu celular toca, me salvando de alguma humilhação que
certamente viria.
A comida!!
Gustavo pausa o episódio e vem até a cozinha.
— Precisa de ajuda, linda?
— Você sabe que não precisa fingir aqui dentro, né?
Ninguém está vendo — retruco.
Não responde, apenas continua me olhando.
A campainha toca e nem tenho tempo de ir até a porta.
Ele se adianta, recebendo o entregador e pagando.
Eu poderia discutir, argumentar que devemos dividir, mas a
verdade é que quanto menos eu falar com Gustavo, melhor.
Ficar perto dele está fritando meus neurônios.
Relaxa, ele vai comer e vai embora.
— Alexa, minhas músicas curtidas — peço, já que está muito
silêncio.
Começamos a comer e Gustavo não faz nenhum comentário
sobre as músicas.
A lista é realmente bem sortida e no momento toca Coldplay,
que é uma banda que eu amo, mas fico imaginando sua reação se
alguma música da Taylor começar a tocar, já que há várias dela
também.
— Isto está delicioso — ele rompe o silêncio e eu não
poderia concordar mais.
— As porções são generosas e a qualidade é muito boa, né
— respondo, não conseguindo ficar quieta muito mais.
Assente, me observando. Poderia jurar que tem algo a dizer.
​Estou mordendo novamente os lábios e me corrijo ligeiro,
ao recordar do seu comentário.
Misericórdia.
Estou a ponto de pedir licença e fugir em direção à cozinha,
quando a próxima música começa.
Nem ferrando.
“Hungry eyes” começa a tocar e ele arregala os olhos,
surpreso.
“I've been meaning to tell you
[Eu tenho tentado dizer-lhe]
I've got this feelin that won't subside
[Tenho um sentimento que não consigo esconder]
I look at you and I fantasize
[Eu olho para você e fantasio]
Your mine Tonight
[Que você é minha essa noite]
Now I've got you in my sights
[Agora eu tenho você na minha mira]
With these hungry eyes
[Com esses olhos famintos]
One look at you and I can't disguise
[Um olhar para você e não consigo disfarçar]
I've got hungry eyes
[Eu tenho olhos famintos]
I feel the magic between you and I
[Eu sinto a mágica entre você e eu…”][2]

Fecho os olhos, esperando a piada, e já estou com a


resposta na ponta da língua.
Sim, eu tenho músicas da trilha sonora do filme Dirty
Dancing entre as curtidas, processe-me.
— Alexa… — começo, mas sou surpreendida com sua mão
sobre a minha.
— Deixa tocar — pede, sem deixar de me olhar.
Não há zoeira.
Apenas seu olhar em mim e a música, que parece ter sido
escolhida a dedo, já que Gustavo me fita com tanta intensidade que,
puta merda, tudo ao sul ganha vida.
Respira…
Às vezes, ele só curte a música.
Claro, é a cara dele.
Pigarreio, afastando minha mão da sua.
Sinto minhas bochechas pegando fogo e tento agir com
normalidade.
É só um jantar entre pessoas que se odeiam.
Apenas isso.
— Vou te ajudar com a bagunça — anuncia, se levantando.
— Não precisa — quase grito.
Só vá, antes que eu perca o juízo.
— Faço questão — devolve e pelo tom da sua voz, é perda
de tempo tentar contra-argumentar.
São apenas alguns pratos e copos.
Aguenta, Valentina.
As próximas músicas são seguras, pelo menos.
Nada de romance no ar… Glória.
Apenas o bom e velho rock and roll, Guns N’ Roses, Dire
Straits e Van Halen dominam a playlist e poderia jurar que há
surpresa no seu semblante. Chega a ser engraçado.
Pelos próximos minutos, trabalhamos em dupla. Enquanto
Gustavo lava, eu seco e guardo, e em poucos minutos, está tudo em
ordem.
Reconheço que eu levaria mais tempo sozinha.
— Prontinho!
— Tenho que admitir que estou impressionada.
— Achou que eu não sabia lavar louça?
Me calo e ele tem sua resposta.
— Já lavei muita louça, pirralha. — Se aproxima e recuo,
ainda com o pano de prato na mão.
— Ok, você provou isso.
— Você também me surpreendeu hoje, gatinha — anuncia,
dando mais um passo, o olhar em mim e, caralho, tudo ferve.
Fale algo, qualquer coisa.
— Minha mãe… — começo, quase gaguejando, mas surte o
efeito desejado, já que ele para de caminhar na minha direção — …
ela está insistindo para irmos lá no fim de semana. — Faço uma
careta.
— Então nós vamos!
Me afasto em direção à sala, precisando colocar mais
espaço entre nós.
— Isso é tão constrangedor! — resmungo comigo mesma,
mas ele escuta.
— Relaxa, não é como se eles não me conhecessem.
Abro a porta da sala, torcendo para que ele entenda a
indireta.
— Você não entende. — Me viro, para encará-lo. — Eu
nunca levei ninguém em casa. — Sim, a humilhação continua. —
Estou me sentindo mal com toda esta mentira.
— É por um bom motivo — assegura, se aproximando.
Prendo a respiração quando Gustavo afasta uma mecha do
meu cabelo. Seus dedos tocam levemente meu rosto e seu olhar
está em mim.
Intenso…
Diferente.
Aceno que sim, incapaz de articular uma palavra sequer.
A vizinha sai do apartamento ao lado com algumas sacolas e
agradeço a interrupção.
Jesus!
— Oi, querida… Oh, não vi que tinha companhia. — Mede
Gustavo de cima a baixo, e dá um sorrisinho sacana.
Não posso nem a culpar. O filho da puta é gostoso.
Ela entra no elevador, sem desviar o olhar de nós.
Perfeito.
— Acho que você conseguiu uma fã — brinco, quando as
portas do elevador se fecham.
Sua risada me surpreende.
É alta, gostosa e me pego sorrindo.
— Acho que essa é minha deixa. — Passa as mãos pelos
cabelos, e fico congelada, não sabendo muito bem o que dizer.
— Que horas te pego no sábado? — ele se adianta.
— Eu…
Nem pensei nisso.
— Onze e meia, pode ser?
— Fechado! — Dá um passo em direção à saída e meu
coração traidor acelera.
Será que ele vai embora sem se despedir?
— Valentina… — Droga, se ouvi-lo chamando meu nome
não faz meu corpo se animar.
— Gustavo — devolvo.
— Eu realmente me diverti esta noite com você — declara,
me surpreendendo.
Inspira, expira…
— Não foi tão ruim — reconheço, sem desviar o olhar do
seu, e ele sorri. — Vou fazer uma escala para não me atrapalhar
outra vez — brinco, tentando quebrar a tensão do momento.
— É uma boa ideia — concorda e então aproxima seu rosto
do meu.
Seu olhar nunca me deixa.
Ele vai me beijar… ele vai…
Puta merda!
Faltando pouco mais de dois centímetros, ele vira o rosto,
beijando o canto da minha bochecha.
— Boa noite, pirralha — sussurra, antes de se afastar, tão
ligeiro quanto se aproximou.
Acompanho Gustavo entrar no elevador, o sorriso
debochado no rosto.
Cretino.
Ele acena em despedida e, claro, não perco a oportunidade.
Mostro o dedo do meio com um enorme sorriso no rosto.
Meu coração continua acelerado e sei que minhas
bochechas estão coradas. Me sinto quente, e não sei o que é pior.
A constatação de que realmente me diverti ou o fato de
desejar que ele continuasse aqui, e que este beijo tivesse tido outro
destino.
Ferrada, sou eu…
Summer 69’s – Bryan Adams
Love of my Life – Robbie Williams
Estaciono o carro em frente ao condomínio e mando uma
mensagem.
Dois dias desde que estive aqui. Dois dias em que não paro
de pensar nela.
A infeliz não sai da minha cabeça.
Quando disse que me diverti, não estava mentindo.
Só gostaria de ter ficado mais tempo, mas aí a loira ia ter um
troço, já que estava quase me botando para fora.
Hoje será nossa primeira aparição como casal e sei que
Valentina estará nervosa.
Porra, eu estou.
Eu tenho um respeito muito grande pela dona Simone e pelo
seu Tomás. Sempre fui muito bem tratado na casa deles, e olha que
eu vivia enfiado lá, jogando Fifa com o Enzo.
Falando no puto, ele volta amanhã da lua de mel, e é bom
que tenha deixado uns dias livres para colocarmos a conversa em
dia.
Nem ferrando vou deixar Enzo escapar, sem estar
oficialmente liberado da missão de olhar sua irmãzinha.
Após a encenação, claro, até lá serei o perfeito namorado.
Pensando nisso, desço do veículo e me apoio na lataria, ao
lado da sua porta. Pronto para abri-la, como um bom cavalheiro e,
claro, porque sei que isto irá irritar a pirralha.
Eu deveria parar de provocá-la, mas… caramba se consigo.
Valentina surge e realmente eu não estava preparado para a
visão.
A garota está deliciosa num vestido de alças, todo florido,
soltinho.
Perfeito para o dia ensolarado, mas eu só consigo pensar
em como aquelas alças deslizariam facilmente… e nas minhas
mãos subindo pelas suas coxas.
Caralho!
Meu olhar encontra o seu e um sorriso tímido surge no seu
rosto.
Eu não deveria me importar com isso, mas droga se não me
sinto bem pra cacete.
Ela está feliz em me ver.
De alguma forma, ela está, ainda que não vá admitir.
— Oi…
— Você está incrível — é a primeira coisa que sai da minha
boca e ao invés de um xingamento, seu sorriso aumenta. — Oiii —
complemento, sem graça.
— Você também não está nada mal, janeiro — brinca e é
bom vê-la assim, descontraída.
— Feliz que gostou! Me arrumei para a minha garota. —
Pisco, abrindo a porta, resistindo à vontade louca de beijá-la, sentir
seus lábios nos meus.
Mais tarde.
Não quero irritá-la.
Não agora que ela está feliz.
— Preparada? — pergunto, quando tomo meu lugar ao seu
lado, ligando o carro.
— Nem um pouco! — retruca. — Estou quase surtando.
— Vai dar tudo certo, você não estará sozinha, Valentina,
estamos juntos nessa — friso e ela parece relaxar um pouco.
— Obrigada! — Sua voz soa baixo. — Eu… — começa, mas
nem a deixo terminar, apoio minha mão sobre a sua e entrelaço
meus dedos nos seus.
— Estamos adiantados, será que conseguimos passar
rapidinho na casa do meu velho?
— Claro! Com certeza! — responde, empolgada.
— Vai ser bem rápido. Só dar uma checada nele.
— O tempo que você precisar. Fique tranquilo, minha mãe
sempre atrasa o almoço, e hoje, com a sua visita ilustre… — Revira
os olhos, mas sei que está brincando. — É certeza que está toda
atrapalhada lá.
— Visita ilustre, é? Eu vivia na sua casa — argumento.
— Isso faz muito tempo! — rebate, e posso jurar que há um
pouco de tristeza em sua voz.
— Verdade — murmuro em resposta.
Seguimos em silêncio pelo resto do caminho.
— Chegamos — anuncio quando estaciono o carro em
frente a uma casa térrea no Central Parque, próximo da igreja de
São Judas.
— Seu pai está morando aqui agora? — questiona, olhando
ao redor, com evidente curiosidade.
— Sim, já faz uns dois anos.
— Nossa, minha mãe nem comentou nada. Ele está bem?
— Seu Cláudio? —Arqueio a sobrancelha. — Como ele
mesmo diz, está melhor agora do que dez anos atrás.
— Isso é bom!!
Desço e contorno o carro, ajudando-a descer.
— Você vai… — começa a falar, mas meu pai vem abrir o
portão.
— Olha só quem resolveu aparecer!
— Fala, velho — cumprimento-o com um abraço. — Pai, não
sei se se lembra…
— Claro que sim, como vai, Valentina?
— Muito bem, senhor Cláudio.
— Só Cláudio, por favor. Sou muito jovem para ser chamado
de senhor — brinca e ela sorri.
E, droga, eu quero ver Valentina assim mais vezes.
Um choramingo atrai nossa atenção e como eu já imaginava,
ela arregala os olhos, surpresa.
— Nina, conheça a Carmem, minha madrasta, e o pequeno
é meu irmãozinho, Theo.
— Meu Deus, que lindo! — exclama, chocada. — Não
acredito! Você, irmão mais velho…
O espertinho parece ter gostado dela, pois tenta agarrar seu
cabelo quando ela cumprimenta Carmem com um beijo no rosto.
— Acredite, querida! Felizmente, Gustavo vem só de vez em
quando para estragar, quero dizer, mimar o Theo.
— Essa doeu… deixa ele ficar maior para a gente dar uns
roles de moto.
— Misericórdia! Não se eu estiver viva! — rebate, séria, mas
então sorri. — Vamos para dentro! Seja bem-vinda, Valentina.
— Não acredito que eu não sabia que você tinha um irmão
— sussurra, conforme eles se afastam em direção à casa.
— Há muita coisa que você não sabe sobre mim — digo,
puxando-a para junto de mim, surpreendendo-a.
— O que está fazendo? — questiona, assustada.
— Vai que meu pai encontra os seus.
— Eu não tinha pensado nisso.
— Vocês vão ficar pro almoço, né? — Carmem pergunta e
sei que reparou como Valentina está próximo de mim.
Caramba, se eu não queria gritar para meio mundo que ela é
minha garota.
Eita, mas que porra é essa!? De onde veio isso?
— Outro dia — esclareço. — Hoje vamos almoçar na casa
dos pais da Nina.
Seu olhar e do meu velho estão em nós.
— Quem diria, vocês dois — ele fala, olhando de mim para
ela.
Agora entendo o que ela quis dizer. É uma merda mentir
para as pessoas que são importantes na nossa vida.
Para desconhecidos, quero que se exploda.
Mas para o meu pai, é foda.
— Minha vó sempre disse que quando é para ser, é —
Carmem comenta e apenas assentimos.
— Como Enzo reagiu? — A pergunta vem do meu pai e por
um instante eu travo.
— Ele aceitou bem — a pirralha me salva, entrelaçando seus
dedos nos meus, e sorrio, num agradecimento silencioso.
Sentindo sua mão na minha, me pego pensando como seria
se isso fosse real.
A resposta não demora a vir.
Seria muito bom.
Heaven – Boyce Avenue & Megan Nicole
Como prometido, ficamos nem meia hora na casa do seu
pai, mas foi o suficiente para ver um outro Gustavo.
Um que nunca tinha visto.
O filho.
O enteado.
O irmãozão.
E, droga, se não gostei ainda mais do que descobri.
Estar lá tirou um pouco da minha preocupação em ver meus
próprios pais, mas foi só ele estacionar em frente ao condomínio
que tudo veio à tona.
— Respira! — comanda ao meu lado, entrelaçando seus
dedos nos meus.
Olho da nossa mão para seu rosto e encontro seu olhar,
preocupado, intenso, e algo dentro de mim se agita.
Não se apaixone por ele.
Não mais do que você sempre esteve.
Forço um sorriso no rosto e aperto sua mão, agradecendo o
apoio sem dizer nada.
O porteiro me conhece e libera nossa entrada sem ao menos
interfonar e, em poucos minutos, estamos os dois, juntos, como nos
meus melhores sonhos, parados em frente à porta do apartamento.
Toco a campainha e escuto minha mãe gritando lá dentro.
— Eles chegaram.
Espero que ela esteja apenas avisando meu pai e que não
haja mais pessoas em casa.
Era para ser só nós quatro.
— Desse jeito, você vai quebrar minha mão, pirralha —
sussurra no meu ouvido, e bem nesta hora meus pais abrem a
porta.
Abro um sorriso e nem tenho tempo de falar nada. Somos
engolidos pelos braços da minha mãe.
— Oh, meu Deus, estou tão feliz que vocês estão aqui. Não
acredito ainda que vocês esconderam isso da gente — desembesta
a falar.
— Bom ter você aqui em casa de novo, meu rapaz — meu
pai, cumprimenta Gustavo e meu coração aperta.
Eles estão realmente felizes.
Com isso.
Com a ideia de que a gente…
Respira.
— Vamos entrando!!
O cheiro está divino, embora a última coisa que eu consiga
pensar neste momento seja em comida.
— Espero que estejam famintos. Está quase tudo pronto. A
lasanha está no forno.
Troco um olhar com o Gustavo, que ele entende como: “não
te disse?”.
Minha mãe faz refeições maravilhosas, mas sempre atrasa
um pouquinho.
— Não acredito que fez lasanha, mãe.
— Claro que fiz, é sua comida favorita e do Gu também.
Verdade.
Ele sempre se matava de comer quando estava em casa
com o Enzo, antes de saírem para alguma atividade restrita a eles.
Isso é passado.
Foca no presente!
— Precisa de ajuda com algo? — questiono.
— Não, amor. Já está tudo certo, salada preparada, mesa
arrumada, é só esperar o alarme tocar e comer. Vamos sentar na
sala e colocar a conversa em dia.
Tudo que eu temia.
O interrogatório.
Meus pais sentam num dos sofás e eu e Gustavo sentamos
no outro, lado a lado.
É estranho.
Fico dura como uma estátua, mas depois dos primeiros
minutos, começo a relaxar.
Graças a Deus, não somos o assunto, conversamos sobre
tudo, o casamento, a volta do Enzo, o trabalho do Gustavo, as
novidades na prefeitura.
A conversa flui e quando percebemos, o alarme toca
sinalizando que o almoço está pronto. Minha mãe vai até a cozinha
e só então percebo que a mão do Gustavo nunca me deixou. Esteve
todo este tempo, ali, comigo, e me deu a tranquilidade que eu
precisava.
Viro o rosto na sua direção e ele faz o mesmo, nosso olhar
se encontra e ele sorri. Até tento evitar, mas não me contenho e
retribuo.
Eu sorrio.
Estava preocupada, mas agora só estou feliz.
De estar aqui…
De estar com ele.
Meu pai deu uma tossidinha e volto apressada a atenção
para ele, caramba, esqueci totalmente dele.
No seu rosto, um sorriso esquisito. O que por si só já seria
estranho, já que ele é todo sério e quase não sorri.
Enfim…
— Vamos almoçar, crianças? — minha mãe grita e todos nos
levantamos.
Ótimo timing, mãe, e que venha o almoço.

Tenho que reconhecer.


Foi um bom dia.
Superado o momento bizarro com meu pai nos olhando, o
resto do dia foi tranquilo.
A comida estava deliciosa.
Minha mãe estava inspirada e, além da lasanha, fez pudim
de leite condensado e mousse de maracujá.
Resultado: comemos até não poder mais, e conversamos
bastante. Acho que se dependesse dela, ficaríamos para o jantar,
mas aí é demais para o meu coração.
— Estou tão feliz que vocês vieram — dispara, conforme
caminhamos em direção à porta da sala.
— Nossa, mãe, quem vê parece que nunca venho visitá-los
— brinco.
— É diferente. — Olha de mim para o Gustavo, que apenas
sorri.
O infeliz foi muito bem e eu poderia jurar que meus pais o
amam ainda mais.
— Bem, com certeza Enzo vai organizar algo antes de ir
embora, e aí nos vemos de novo — comento e me arrependo assim
que vejo seu rosto.
— Ah, nem fale nisso, que já quero chorar. Seu irmão já vai
nos abandonar de novo.
— A vida dele está lá agora, Simone — meu pai a consola.
— Eu sei, mas…
A abraço forte, minha mãe sempre fica sensível quando
tocamos no assunto “Enzo” e não preciso dela chorando agora, já
que sou daquelas que chora junto.
Trágico, eu sei.
— Que bom que ainda terei vocês — resmunga.
Vocês?
Ela certamente foi educada. Claro que ela quis dizer você,
no singular.
Calma, Valentina.
— Dona Simone, sr. Tomás, foi um prazer estar aqui, estava
tudo delicioso, mas…
— Temos que ir — completo a frase, com meu melhor
sorriso.
Nós nos despedimos mais uma vez e só quando estou
dentro do carro, solto o ar, respirando fundo.
— Não foi tão ruim! — Gustavo aponta ao meu lado.
Quero rir.
Claro, podia ter sido bem pior, mas….
— A única coisa que me consola é que se Enzo fizer um
churrasco de despedida, a atenção estará toda nele, e não em nós.
— Isso é verdade… vamos, que vou te levar para casa. Já
tivemos muita emoção por hoje.
— Sim, por favor.
— E quais são os planos para o resto do dia?
— Fazer absolutamente nada — devolvo e ele explode numa
gargalhada.
— O que foi? — questiono, rindo da sua reação.
— Você.
— Eu? — Faço cara de desentendida, o que é totalmente o
caso.
— Você, Valentina.
— O que tem eu?
— Gosto da forma como você diz as coisas que vem na sua
cabeça.
— Você quer dizer a ausência de filtro?
— Exato, você é…
Não diga louca.
— ÚNICA.
Caramba.
Por essa, nem eu esperava.
Tento pensar em algo inteligente, alguma brincadeira, mas
nada vem. Desvio o olhar do seu. O carro de repente ficou pequeno.
Permaneço em silêncio os próximos minutos, e quando
Gustavo estaciona em frente ao meu prédio, já estou com a mão na
maçaneta, pronta para descer.
— Boa noite — começo, criando coragem para olhá-lo.
— Valentina… — Sua voz rouca me chama e um arrepio
percorre meu corpo.
Cacete.
— Oii. — Viro e encontro seus olhos castanhos.
Intensos, fixos em mim.
— Boa noite, pirralha — provoca, dando um sorrisinho. —
Não vou ganhar um beijo? — Arqueia a sobrancelha.
Ahhh, Gustavo, o que vou fazer com você?
Me aproximo e vejo o momento que surpresa cruza seu
olhar.
Isso desperta algo dentro de mim.
Maldito, se ele soubesse como faz meu coração acelerar.
Sem deixar de fitá-lo, me aproximo.
Tão próximo…
Apenas alguns centímetros nos separam.
Viro o rosto antes de chegar ao alvo e beijo sua bochecha,
bem perto da boca. E tão rápido quanto me aproximei, me afasto,
abrindo a porta e descendo do veículo, com um sorriso no rosto.
— Isso é trapaça! —grita.
— Não vejo ninguém nos observando, amorzinho —
debocho, apoiando a mão na porta do passageiro.
— Valentina — meu nome é quase um rosnado.
— Boa noite, Guto — devolvo, e não sei por que pareceu
certo chamá-lo assim.
Heaven – Boyce Avenue & Megan Nicole
Is this love – Whitesnake
Hoje é dia de nos vermos. E por mais que seja difícil admitir,
eu estava contando os dias.
Quão louco é isso?
Uma ocorrência na região central, entretanto, mudou
totalmente os planos. Acabamos levando mais tempo para controlar
um incêndio numa cozinha industrial, e o turno acabou tarde.
Estou cansado e por mais que seja tentador aparecer no seu
apartamento de surpresa, nem iríamos conseguir aproveitar.
Valentina entra cedo na prefeitura e precisa descansar também.
Mandei mensagem e ela, claro, aceitou. Reconheço que meu
orgulho ficou um pouco ferido.
O que você esperava? Que ela implorasse para você ir?
Acorda!!
Foda, é triste, mas estou com saudade da pirralha.
Das implicâncias, das caretas… do seu sorriso.
Pego uma cerveja gelada na geladeira, porque hoje estou
merecendo e me jogo no sofá. Ligo a TV, mas nem presto atenção
no que está passando. Pego meu celular e fico debatendo se devo
ou não ligar para ela.
Sossega o facho, Gustavo, para que cutucar a onça?
Caralho, se minhas mãos não coçam…
Quando percebo, estou digitando, parece mais seguro.
Gustavo: “Noite, gatinha…”
Nina: “Noite, achei que tinha me livrado de você hoje… ”
Ahhh, pirralha. Faz assim, que me apaixono.
Que merda é essa?!
Se orienta, Gustavo, nem brinca com isso.
Gustavo: “Já que não vamos nos ver hoje, poderia pelo
menos mandar umas fotinhos.
É o que casais fazem, mandam nudes. �� ”
Largo o telefone sobre a mesinha de centro, e vou para a
cozinha pegar outra latinha, mal abro a geladeira e o celular vibra.
Puta merda!
Deve estar xingando até a quinta geração.
Pego o aparelho na mão, já esperando uma resposta
malcriada.
Nem fodendo!
A gargalhada que solto é alta e minha barriga chega a doer.
Valentina está linda, vestindo uma blusa preta de alcinha
que, porra, destaca seus peitos, mas não é este o motivo do meu
surto, mas sim, o fato dela estar fazendo pose.
A loira está me mostrando a língua e o dedo do meio ao
mesmo tempo.
Caramba…
Eu deveria repreendê-la, questionar seus modos, mas isso é
a última coisa na minha cabeça.
Tiro uma selfie me fingindo de magoado e envio com a
seguinte legenda:
Gustavo: “Posso pensar em algumas coisas com esta
língua… �� ”
Isso foi pesado.
Corro para deletar, mas ela leu.
Tarde demais!

Nina: “Muita conversa e pouca ação… �� ”


Mas que porra!
Meu pau pressiona contra o zíper.
Valentina vai me matar… é fato.
Gustavo: “Nos vemos sábado”
Minha resposta é curta, objetiva.
Ainda não acredito que a pirralha realmente escreveu isso.
Será que está falando sério?
Na certa, deve estar rindo do outro lado.
Cacete…
Gustavo: “Quero ver se é tão corajosa, pessoalmente…
pirralha.”
Digito, querendo ver sua resposta.
Ela não demora a chegar.
Nina: “Provavelmente não… �� ”
Os vizinhos provavelmente ouviram minha risada, mas dane-
se.
“Boa noite, Valentina.”
“Boa noite, Guto.”
Guto…
Caralho, eu gosto de como isso soa.
Apoio o celular sobre a bancada e me jogo no sofá.
Não sei quanto tempo fico ali parado, apenas olhando o teto,
com um fodido sorriso no rosto. Pareço um adolescente que estava
ao telefone com a namoradinha, e pensar nisso é assustador.
Fato é que Valentina está cada vez mais sob minha pele e
não faz nem um mês que estamos fingindo.
Prevejo sérios problemas.

Enzo voltou da lua de mel e, claro que não irá embora sem
um churrascão em família. Ele adora bagunça e deve estar
morrendo de saudade de uma picanha sangrando e uma linguicinha
apimentada. Eu estaria, se estivesse morando naquela terra gelada.
Por sorte, estarei de folga, mas, caramba, por ele, eu até
falaria com o Carvalho e pediria para alguém me render no turno.
Felizmente, não foi o caso, o que foi bom, já que ultimamente está
uma correria.
Há dias mais tranquilos, já outros que parece que tudo
resolveu dar errado naquelas doze horas que estamos ali.
É foda!
Para completar, tenho ajudado o Dutra e o Santos a
treinarem para o campeonato estadual do Bombeiro de Aço, que
funciona como uma seletiva para o nacional.
Como nos anos anteriores, a prova é composta de quatro
fases com obstáculos de dificuldade variável, os quais os bombeiros
terão que superar usando o uniforme e equipamentos de proteção.
É simples, ganha quem fizer o percurso no menor tempo e com a
menor quantidade de erros.
Estamos trabalhando para trazer o troféu para Sorocaba
este ano, e se depender da empolgação do sargento, a taça é
nossa.
Estaciono o carro em frente ao seu condomínio com dez
minutos de antecedência.
Talvez eu estivesse um pouco ansioso. Coisa pouca, claro.
Pego o celular e aviso que estou aqui. Na tela, as últimas
mensagens que trocamos não me passam despercebidas.
Fiquei repassando nossa conversa nos últimos dias.
Tentando distinguir o que era zoeira ou provocação e o que
era real.
Será que Valentina estava falando sério?
Droga… se controla!
Ela está fora de questão.
Espero conseguir ter uma conversinha com o recém-casado
antes dele voltar para o Canadá, e eu ficar com o B.O, no caso,
Valentina, só para mim.
Minha mente suja já se anima com a ideia.
​Caralho, controle!
Meu lado racional até tenta prevalecer, mas está cada vez
mais difícil. Ainda mais quando a vejo caminhar em direção ao
carro.
A mulher é incrível.
De vestido, de calça… caramba, acho que ela podia estar
com camiseta de vereador igual ela me provocou aquela vez, e eu
ainda a acharia gostosa pra cacete.
Nem tenho tempo de sair do carro.
Fiquei tão atordoado com a visão dela numa calça jeans com
alguns rasgos, uma blusa preta básica e tênis.
Simples, e absolutamente deliciosa.
— Dia!! — cumprimenta, puxando a porta do passageiro.
— Melhor agora!
— Não lembrava de você ser tão galanteador — retruca, me
observando com atenção, ao mesmo tempo em que luta para
colocar o cinto de segurança.
— Não sou! — devolvo, ajudando-a com sua missão. —
Pronto, você está segura.
Meu olhar recai para sua boca.
— Obrigada e boa resposta! — responde, o rosto a poucos
centímetros do meu.
Cacete.
Se controla, Gustavo.
Fecho os olhos, tentando me acalmar.
A garota mal entrou no carro e já quero atacá-la.
A pergunta é: quando não quero?
Lembre-se do Enzo, pense nele chutando suas bolas com
toda a força.
Me afasto, lutando contra cada instinto meu que quer apenas
meter a mão nos seus cabelos e puxar sua boca contra a minha.
— Pronta pro churras?
— Nem tomei café, estou mais do que pronta.
— Você realmente é perfeita pra mim — brinco, colocando o
carro em movimento.
Valentina murmura algo que não consigo ouvir.
— O que você disse?
— Is this love. — Aponta para o rádio e então aumenta o
volume.
A música, agora faz sentido.
E, porra, acaso ou não…
Não poderia ser mais perfeita para este momento.
Aumento ainda mais o som e ela arregala os olhos,
surpresa, quando começo a cantar, acelerando o veículo pelas ruas
de Sorocaba.
— Você definitivamente é louco!
— Essa música é boa demais.
— Isso eu tenho que concordar — retruca, sorrindo.
— Canta comigo, linda.
“Is this love that I’m feeling,
[É amor o que estou sentindo?]
Is this the love that I’ve been searching for?
[É este o amor que eu tenho procurado]
Is this love or am I dreaming
[Isso é amor ou eu estou sonhando?]
Paro de cantar, mas ela continua, linda e totalmente alheia à
forma como me afeta.
“This must be love
[Isso deve ser amor]
Cause it’s really got a hold on me
[Pois realmente tem um poder sobre
mim]
A hold on me
[Poder sobre mim]”
— Ae!!! — vibro, batendo a mão no volante.
— Ainda bem que não dependemos disso para viver. Somos
péssimos.
— Não, linda! Nós somos uma ótima dupla — retruco,
encontrando seu olhar.
Foda!
A música muda e o momento já era.
Melhor assim.
Às vezes, queria ter coragem de dizer tudo que trago dentro
do peito, mas algumas coisas devem permanecer enterradas.
É mais seguro…
Para todos.
Heaven – Boyce Avenue & Nicole Megan
Born to try – Delta Goodrem
Num minuto, ele estava alegre e cantando e, no outro,
mudou… do nada. Não sei o que houve, mas resolvo nem
perguntar. No carro, continua tocando suas músicas e,
coincidentemente, várias estão na minha própria lista. Pelo visto,
temos um gosto parecido. Foco minha atenção na paisagem,
sabendo que em poucos minutos chegaremos.
O louco do Enzo até pensou em alugar uma chácara para a
ocasião. Já disse o quanto meu irmão é festeiro? Sim, ele é, mas
desta vez minha mãe conseguiu convencê-lo de que não havia
necessidade.
Acabamos de ter uma festança há poucos dias.
Resultado: o churras será no salão do condomínio dos meus
pais. É grande o suficiente para comportar a família e alguns amigos
de faculdade.
— Soube que Enzo queria ir para uma chácara — ele
comenta, quebrando o silêncio.
— Ah, sim, mas foi convencido do contrário.
— Sua mãe?
— Aham, no fim, ele concordou em ser no condomínio, mas
acho que convidou metade do povo da faculdade.
— Enzo é foda.
— Ele é.
— Nervosa?
— Um pouco, mas acho que o pior já passou. — Me olha
com curiosidade. — Digo, o fato de termos almoçado com meus
pais. Acho que nada pode ser pior do que aquilo.
Parece pensar uns minutos.
— Gosto da forma como pensa. A tia fofoqueira estará lá?
— Acho que sim! — Sorrio ao pensar nela e seu novo título.
— E sua vozinha?
— Minha mãe conseguiu convencê-la a ficar em casa. Ela
tem que ficar de repouso absoluto. O dia da cirurgia está chegando.
— Entendo.
— Enzo vai visitá-la antes de ir embora, só isso para
conseguir fazê-la sossegar.
Eu tenho que fazer o mesmo. A gente brinca e zoa, mas não
consigo nem pensar em perder minha vozinha.
Sempre fomos próximas, com muitos almoços de domingos,
e se tem algo que dona Maria ama é uma bagunça. Pensar nela
perdendo o churrasco é triste, pois é o tipo de programa que adora.
Ver a família reunida.
— Você está bem? — questiona, me olhando com
preocupação.
— Só pensando nela — respondo com a voz ligeiramente
embargada. — Minha vó sempre gostou de churrasco e festas. Ela
estaria aqui se pudesse.
Gustavo tira uma das mãos do volante e apoia sobre a
minha.
Fecho os olhos ao sentir seu toque.
— Podemos ir visitá-la, se quiser.
Sua oferta me surpreende. Ele não precisava. Não faz parte
do acordo, mas, droga, eu realmente gostaria muito da sua
companhia.
— Eu… — começo, pensando o que dizer. No fim, opto pela
verdade — Eu gostaria muito.
Ele sorri e acaricia minha palma.
Nada de chorar, Valentina.
Se controla. Respira!
Sei que pode parecer bobo…
E talvez até seja, mas para mim, é muito…
Muito mais do que eu esperava.

Gustavo estaciona o carro numa das vagas de visitante, o


que é fantástico, já que é próximo dos salões de festa.
Minha mãe não pediu, muito menos o Enzo, mas senti que
tinha que levar um docinho, resultado, passamos na Padaria Real e
compramos um.
Eu amo os bolos daquele lugar. Na verdade, eu amo tudo!!
Caminhamos para o salão, eu segurando a caixa, o que é
um perigo, frise-se, principalmente pelo fato de Gustavo estar com a
mão apoiada nas minhas costas, fazendo meu corpo inteiro arrepiar.
Misericórdia.
Um minuto de paz, por favor.
Continuo, focada. Um pé, depois outro pé, até que vejo
minha salvadora.
— Dona Simone! — ele cumprimenta.
— Mãe. — Minha voz sai carregada de alívio.
— Oi, meus amores.
— Trouxemos um bolo para mais tarde — explico, já lhe
entregando a caixa.
— Que ótima ideia! Vou guardar na geladeira para mais
tarde. Vão indo lá, vocês sabem onde é, vou só buscar a Cida na
portaria e já encontro vocês.
— Tia Cida? — questiono.
— Sim, seu primo a trouxe.
Claro que ela não perderia a oportunidade.
— Quer que eu leve o bolo para a geladeira? — ofereço,
mesmo querendo distância da caixa.
— Acho que estará mais segura comigo — minha mãe
brinca e Gustavo cai na gargalhada ao lado.
Dou um olhar matador.
— Ela sobreviveu até agora — devolvo, tentando soar brava.
— Não vamos abusar da sorte! — Pisca e então se afasta
em direção à portaria.
— Não sabia que você era tão estabanada assim — provoca
e quero rir.
— Eu não sou — me defendo. — Minha mãe talvez tenha
exagerado um pouco, afinal, foram só algumas vezes.
— Algumas?
— Muitas — reconheço e é demais, explodimos numa
gargalhada gostosa e quando dou por mim, estou muito perto dele,
muito mesmo.
Como isso aconteceu?
As risadas cessam e ficamos apenas nos fitando.
Miro seus lábios e instintivamente umedeço os meus,
sentindo seu olhar sobre mim.
Valentina, juízo.
— Aí estão vocês. — A voz inconfundível do meu irmão soa
atrás de nós e me afasto, colocando um sorriso no rosto.
Enzo e Emily nos observam.
Emily com curiosidade, já Enzo não consigo decifrar.
— Não tinha protetor solar na mala, Enzão? — Gustavo
dispara provocando, cumprimentando meu irmão com um abraço.
Aqueles de homens, cheio de tapas nas costas.
— Estava ocupado demais para passar — brinca e Emily
cora.
— Você é nojento — aponto, fazendo careta.
— Que isso, irmãzinha? Já me atacando.
— Alguns hábitos nunca morrem — devolvo, mas então o
abraço.
Volto minha atenção para minha cunhada, já que Enzo
agarrou Gustavo e não parece desgrudar.
— Como foi a viagem?
— Tudo maravilhoso, as praias são fantásticas, as pessoas
acolhedoras, a comida deliciosa, pena que acaba.
— Ahh, feliz de ouvir isso. Acredita que até hoje só visitei
Fortaleza?
— Jura?
— Aham. Tenho que me programar para conhecer outros
locais. Sou louca para visitar Natal, Maceió, vixe, a lista é grande.
— Faça, nós conseguimos aproveitar bem a região, e vou te
dizer, não vejo a hora de voltar.
— Uma ótima desculpa para vir nos visitar. Já vai pensando
nas próximas férias.
— Com certeza, eu vou.
Chegamos ao salão, cumprimento meu pai, e uns primos
com um abraço e para os demais convidados, a maioria amigos do
Enzo que não conheço, dou um oi geral, isso mesmo, sem
condições eu ficar cumprimentando cada um.
Deus que me livre.
Enzo continua conversando com Gustavo num canto mais
afastado.
Não parece coisa boa e estou tentada a ir até eles.
Será que estão falando sobre a “mentira”?
Deixa de ser curiosa, mulher.
Sento numa das mesas, e Emily me acompanha.
Tudo estaria normal, não fosse o olhar estranho que meu
irmão vez ou outra dá na nossa direção.
— Enzo está realmente com saudade do Gustavo —
disparo, tentando puxar assunto.
— Ele está preocupado com você — ela devolve, depois de
alguns segundos.
— Como assim? — Não consigo disfarçar a surpresa. — Ele
sugeriu isso — sussurro —, esta mentira.
Ela olha para todos os lados, menos para mim, mas que
inferno.
— Estamos fazendo o que ele pediu — reforço.
— Eu sei… é que…
— O que foi, Em? Diga! — exijo, e ela olha diretamente para
mim.
Melhor assim.
— Agora há pouco, vocês não pareciam estar fingindo.
Meu coração acelera.
Será que Enzo também acha isso?
— Pelo amor de Deus, nós estamos… — Faço uma careta,
como se fosse impossível ser algo diferente.
Eu deveria ganhar um prêmio de melhor atriz, isso sim.
— Se você está dizendo…
— Estou — tranquilizo, tentando respirar fundo e acalmar
meus batimentos cardíacos. — Acredite, a maior parte do tempo,
queremos nos matar — aponto, olhando na direção dele.
E bem nesta hora, Gustavo olha para a mesa. Seu olhar
encontra o meu e sei que está tenso.
Não me pergunte como, eu apenas sei.
Anos observando o infeliz de longe, talvez…
Não importa.
Fato é que Enzo deve estar falando merda. Talvez o
lembrando que é tudo uma farsa…e aquele papo escroto de “não
machuque minha irmãzinha que é apaixonada por você”.
Fecho os olhos e respiro fundo.
É tudo o que eu precisava. Que ele voltasse a me ver como
a pirralha de sempre.
Não que ele não o faça, mas às vezes, eu sinto algo
diferente.
Como se ele me visse, eu…
Valentina.
— Já volto, Em. Vou ver se minha mãe precisa de algo.
— Ok.
Começo a caminhar para longe, precisando ficar um pouco
sozinha.
Precisando de ar.
É triste pensar que talvez, por querê-lo tanto…
Eu estou vendo coisas onde não existem.

— Se você ficar escondida aqui a tarde inteira, todo nosso


trabalho vai para o lixo.
Gustavo.
Viro o rosto e o encontro parado logo atrás de mim, as mãos
nos bolsos da bermuda e no rosto um sorriso.
Lindo.
— Queria um pouco de silêncio.
— Realmente, tudo que você não vai encontrar lá, no meio
daquele monte de cueca.
Sorrio.
Enzo sempre se empolga com os convidados, depois fala de
mim.
— O que houve, pirralha? — Dá três passos, parando na
minha frente.
— Nada.
— Você é uma péssima mentirosa.
Mordo os lábios, sabendo que é verdade, sou transparente
demais.
— Tudo bem com você e Enzo? — disparo e ele me olha de
um jeito estranho.
— Sim, colocamos o papo em dia.
Quero rir.
— Você quer dizer, falar sobre a irmãzinha e o namoro de
mentira? — rebato, sem filtro.
— Talvez. — Arqueia a sobrancelha.
— Você também é um péssimo mentiroso, sabia? — Levanto
do balanço.
Hora de voltar para a festa.
— Hey! — Segura minha mão, conforme passo por ele. — O
que houve?
Fecho os olhos, desanimada.
— Não houve nada. Cansada de vocês falando de mim
pelas minhas costas. Não sou mais uma criancinha, sabe? — Me
aproximo e meto o indicador no seu peito. — Podem me incluir
quando o assunto sou eu! — cuspo, deixando a raiva fluir. — Não
preciso te lembrar que quem está envolvida nisto — aponto entre
nós — sou eu, não o Enzo.
Tento ir para o lado, mas ele não deixa.
— Me deixa ir.
— Nem ferrando, pirralha.
— Ora, seu…
Agarra minha mão e me puxa para um canto afastado do
playground.
Em segundos, sou prensada contra a parede e ele está
muito, muito perto de mim.
Apoia as mãos ao lado da minha cabeça e seu olhar é
intenso.
Meu peito sobe e desce.
— Só vou dizer isso uma vez. — Seu olhar não deixa o meu.
— Eu não acho que você seja mais uma criancinha, Valentina. —
Sua voz é rouca e ele frisa cada palavra.
Está puto… com raiva.
Ótimo, pois eu também estou.
Seu olhar desce para minha boca e, por um segundo, acho
que vai me beijar.
Gustavo fecha os olhos e faz uma careta.
— Não torne as coisas mais difíceis do que já são, pirralha
— pede, aproximando o rosto da minha orelha. — Você pode não
gostar do que vai encontrar — frisa, a respiração tão alterada
quanto a minha. Cerra os punhos e se afasta, sem olhar para trás,
me deixando a ponto de um colapso.
Mas que porra.
O que foi isso?
— Covarde — grito, sabendo que ninguém vai ouvir, apenas
ele, exatamente quem precisa.

Quando eu digo que deveria ganhar o Oscar, não estou


mentindo. Por dentro, estou um caos, mas do lado de fora, sou só
sorrisos.
Depois de alguns minutos me acalmando, voltei para o
salão.
Não havia outra opção.
A terapia, entenda, conversar com Lau, acompanhada de um
grande pote de sorvete de brigadeiro, vai ter que ficar para mais
tarde. Quando eu estiver sozinha em casa.
Deus, como eu preciso disso.
Gustavo e eu ficamos sentados juntos, como um casal de
namorados. Eu sentia o olhar da minha tia sobre nós. Na certa,
observando tudo, para depois sair espalhando por aí.
O que eu fiz?
Aquilo que era esperado.
Alguns carinhos despretensiosos, aqui, outros acolá.
Tudo friamente calculado.
Mal comi, eu não consegui.
Passa um pouco das dezoito horas e eu não aguento mais.
— O que acha de irmos, linda? — sussurra no meu ouvido.
Quero gritar que não precisa me chamar assim. Ninguém
está ouvindo, apenas eu, mas me calo. Aceno que sim,
agradecendo em silêncio.
Me despeço do meu irmão e cunhada, sabendo que agora
ficaremos um bom tempo sem nos ver.
Não chore.
Não chore.
Seco a lágrima teimosa que insiste em cair.
— Não chore, irmãzinha, ainda vou continuar te infernizando,
só que por videochamada.
Sorrio.
— Você certamente sabe como arruinar o dia de uma garota
— devolvo e ele põe a mão no coração.
Emily apenas ri, e então vem me abraçar.
— Fique bem, Nina, e vá nos visitar.
— Quem sabe, né?! Ia ser legal curtir um friozinho e
observar a paisagem.
Me olha, confusa.
— Soube que há ótimos times de hóquei por lá. — Pisco e
ela entende o que quero dizer.
— Tem nada de hóquei não — Gustavo responde ao meu
lado, tentando soar bravo, o típico namorado ciumento.
Quero rir.
— Você soube certo! — Emily responde e desta vez é meu
irmão quem reclama, puxando-a para seus braços e beijando seu
pescoço.
Um casal real.
Um casal feliz.
Nada como Gustavo e eu.
Nós somos uma mentira.
E quanto antes isso entrar na minha cabeça, melhor.
O trajeto de volta é feito totalmente em silêncio.
O dia começou de um jeito e terminou assim.
Alguns pingos de chuva começam a cair, conforme ele se
aproxima da minha rua.
Perfeito!
O céu escuro, como meu humor.
O carro para e solto o cinto, apressada.
Estou prestes a abrir a porta, quando sua voz soa ao meu
lado.
— Nina…
Fecho os olhos, tentando acalmar o turbilhão dentro de mim.
Inspira e expira.
— Obrigada pelo dia de hoje — disparo, abrindo a porta. —
Me diverti muito! — continuo, mas ele sabe que é a maior mentira
de todas.
Não diz nada.
Continua me fitando. E é tão intenso, que dói.
— Boa noite, Gustavo. — Minha voz sai mais quebrada do
que gostaria.
Preciso de muito chocolate.
— Você é importante para mim — dispara do nada e eu
apenas assinto. Não fazendo a mínima ideia do que responder
depois dessa.
Me viro e começo a caminhar em direção ao portão.
​Tudo que não preciso é que ele me veja chorando.
— Boa noite, pirralha. — Escuto, e então o carro se afasta.
Estou sozinha. E só então eu deixo as lágrimas caírem.
E elas caem… nem tento segurar.

— Você deveria ter me ligado. — Laura soa brava.


— E atrapalhar o seu fim de semana com o dezembro? Nem
pensar.
— Você é minha amiga, eu teria dado uma escapada, e
vindo comer sorvete com você.
— Ainda sobrou meio pote.
Arregala os olhos.
— Você comeu metade?
— Aham, deve estar tudo na minha bunda a essa hora —
tento brincar, me animar, mas está difícil. — Ainda bem que você
conseguiu vir almoçar comigo.
— Claro que sim, mas me conta, o que foi? Achei que estava
animada quando nos falamos na sexta.
— Eu estava, é complicado.
— Bora descomplicar isso. O que o Gustavo fez? Ou não
fez.
Conto sobre as mensagens trocadas no meio da semana,
explicando que eu já tinha tomado um copo de gim, quando ela me
olha, chocada.
— Foi só uma mensagem.
— Claro! — concorda, mal se contendo.
Continuo e falo sobre nosso encontro com Enzo, a forma
como ele e Gustavo ficaram conversando, seu olhar estranho e
minha conversa com Emily.
— Ai, amiga.
— Não disse que era complicado? Tá quase uma novela
mexicana.
— Enzo deve estar preocupado. Acho que ele sabe que
você tinha sentimentos pelo Gustavo.
— Não sou mais criancinha, Lau. Enzo tem que cuidar da
vida dele.
— Eu sei, e concordo com você, mas acho que entendo o
receio dele.
— Eu sei que é apenas farsa, quando aceitei essa
palhaçada, sabia que podia sair de duas formas: melhor… ou mais
fodida.
— Você certamente sabe como resumir uma situação.
Sorrio com seu comentário.
— O que me incomoda é que às vezes tenho a sensação de
que Gustavo não é tão indiferente quanto quer parecer.
— Homens são complicados, não sabemos o que se passa
na cabeça deles.
— Não poderia concordar mais. Acho que já me decepcionei
tanto também, que minha reação é sempre esperar o pior.
— O que você vai fazer a respeito?
— Do quê?
— Vocês, a mentira.
— Vou continuar com isso.
— Tem certeza?
— Que opção eu tenho?
Ela faz uma careta.
— Minha vó vai operar daqui a umas semanas, ainda tem a
recuperação. Não tenho escolha.
— Não queria estar na sua pele, amiga.
— Nem eu queria, mas deixa de tristeza, me conte de você,
dos preparativos. Sou uma péssima madrinha, céus…
— Você é a madrinha mais maravilhosa, só não está num
bom dia, mas acredito que até o grande dia estará bem. — Me olha
de um jeito estranho.
— Será, Lau? — Arqueio a sobrancelha.
— Minha intuição diz que sim.
— Deus te ouça — brinco, erguendo as mãos para o céu. —
Só um milagre por aqui.
— Nada acontece antes da hora, amiga. Eu sou a prova
viva.
— Verdade.
— Se você e o Gustavo estiverem destinados, ficarão juntos.
Juntos.
Uma faísca de esperança brota em mim.
Lau está certa, vou deixar as coisas fluírem.
— Obrigada, eu estava precisando deste almoço, estava
precisando de você, amiga.
— E eu estou sempre aqui por você, como você sempre
esteve por mim.
Oh, merda!
— Me fazer chorar não estava no convite.
— Ahhh! — Me abraça e, droga, estou realmente sensível
esses dias.
— Tudo vai se acertar.
— Vai, mas por segurança, vou comprar uns sucos de
maracujá, antes de recebê-lo em casa, só por precaução.
— Aí está minha amiga louca, de volta! — vibra. — Gosto
assim!
— Louca, não! Precavida — retruco e ambas rimos.
Estou mais leve e pronta para tudo que a próxima semana
me reserva.
Só vem!!
Far away – Nickelback
Acelero a minha moto, precisando sentir o motor pulsar sob
mim.
Que semana!!!
Tudo já começou a desandar no bendito churrasco. Quando
Enzo me chamou de canto eu já sabia o que vinha. Conheço o puto.
Eu o tranquilizei, garantindo que está tudo sob controle.
Sim, eu menti.
E me sinto um lixo, mas o que eu poderia ter dito?
Sim, está acontecendo algo entre mim e sua irmã, e caralho
se eu sei explicar o quê? Ou, quem sabe: “Faz anos que não tiro ela
da minha cabeça, não consigo resistir mais”, e por último, a minha
preferida: “Sua irmãzinha virou uma puta gostosa, e não aguento
mais bater punheta pensando nela.” Definitivamente, não.
O que eu realmente fiz?
Dei risada quando Enzo sugeriu que não parecia que
estávamos fingindo.
“O que diabos está rolando entre você e a minha irmã?”
Sua pergunta continua martelando na minha cabeça, mesmo
já tendo passado mais de três dias.
Hoje eu deveria ir vê-la, mas não posso.
Não ainda.
Primeiro, preciso organizar essa bagunça dentro de mim.
Valentina não tem culpa de nada. A culpa é toda minha. Eu a quero,
como nunca quis outra pessoa. Justo quem não posso, quem não
deveria querer.
Enzo não disse nada, mas nem precisa, né?!
Só o olhar que recebi foi o suficiente para me lembrar de
manter minha cabeça no lugar e meu pau dentro das calças.
Eu deveria estar em casa, mas não. Estou aqui, na sua rua.
Controlo a vontade louca de bater na sua porta. De chegar
de surpresa, receber todas suas malcriações… falar sobre o dia, tê-
la perto de mim, apenas estar com ela.
Que loucura…
Porra.
Eu sinto falta dela… de toda ela.
Volto a acelerar, precisando sair de perto da tentação. Já sei
o meu destino.
Paro a moto no estacionamento ao lado do bar. Está lotado
para uma quarta-feira. O som alto e cheiro de cigarro me recebe
assim que entro.
Caminho em direção aos fundos, onde ficam as mesas de
bilhar.
É lá que o pessoal do batalhão está.
— Noite — cumprimento e todos respondem.
— Achei que tivesse arregado — Dutra dispara, me
observando com atenção.
O puto sabe que hoje eu, supostamente, estaria com
Valentina. Cometi o erro de comentar nossa programação na
semana passada.
— Claro que não, porra. Eu não perderia isso por nada —
comento, tentando soar animado. Mas não convenço ninguém.
— Aham.
— E aí, subtenente, Santos… vejo que conseguiram vale-
night — brinco.
— Minha mulher está passando uns dias com a mãe, em
Capela.
— Santos, foi esperto, já despachou a mulher para outra
cidade — devolvo.
— Porra, não me fode… se ela escuta isso, capaz de jantar
minhas bolas.
Todos gargalham e um pouco da tensão no meu peito vai
embora.
— E quanto a você, subtenente?
— Laura está com a Manu, numa festinha da amiga da
escola. Achei que hoje fosse ver a Valentina — comenta, direto
como sempre.
— Mudança de planos — devolvo, sem entrar em detalhes.
Ninguém precisa saber que sou exatamente o que ela disse, um
covarde.
Droga.
— Cadê a Prado? — pergunto, mudando de assunto.
— Ouvi meu nome? — A voz inconfundível da 3º sargento
soa logo atrás de mim.
— Está atrasada — Dutra resmunga, dando uma tacada que
manda a bola direto na caçapa.
A mulher nem se abala, continua cumprimentando os caras
e quando chega perto dele, solta:
— Não sabia que você cuidava da minha agenda, Felipe —
sopra próximo do ouvido dele, e o filho da puta perde o rebolado e
erra a tacada.
Todos explodimos numa gargalhada sonora.
— Caramba.
— Não consegue acertar, é? Tadinho — provoca
deliberadamente e Mendonça lhe entrega o taco, a incentivando a
continuar a jogada, dando uma surra nele.
— Acha que consegue, Caroline? — Eita, que a coisa ficou
séria por aqui. Os dois se chamando pelo primeiro nome e não o de
guerra.
Vixe…
Ela aceita o taco e eu só me jogo na cadeira, pronto para
assistir ao show.
— Isso vai ser divertido — Carvalho murmura ao meu lado.
— Porra, sim, pena que não tem pipoca aqui.

A hora voa.
Já olhei meu celular milhares de vezes, e sem sinal de
resposta da pirralha, mas ela leu a minha mensagem. Deveria ter
dado uma desculpa qualquer, mas não, apenas disse que não
conseguiria ir lá hoje.
Será que está tudo bem? Talvez eu devesse ir lá.
Se controla, homem.
O pessoal continua jogando, animado. Parece um
campeonato, tamanha a animação. Claro que a vitória da Prado
sobre o Dutra pode ter escalonado as coisas. O infeliz pediu
revanche e nos garantiu muitas risadas ao ter a bunda chutada mais
uma vez.
—Vai ficar aí sentado, olhando o celular a noite inteira?
Falando no infeliz, ele brota ao meu lado.
— Você não tem outra partida para perder?
— Não perdi.
— Ah, não?
— Claro que não — insiste e arqueio a sobrancelha. —
Deixei a dama ganhar, é diferente — completa, dando um sorriso
maroto.
— Vá se foder. Deixa só a Prado ou, devo dizer, Caroline te
escutar — debocho. — Pensando bem, esquece, ela parece
ocupada agora. — Gesticulo na direção onde a sargento e um
homem conversam animadamente.
— Mas que porra — resmunga ao meu lado.
— Mais uma água com gás e limão espremido e… — Olho
para Dutra que não desvia o olhar da nossa colega de batalhão.
— Um uísque puro pra mim! — responde, puxando o banco
e sentando ao meu lado.
— Você vai fazer algo a respeito? — questiono depois de vê-
lo virar o conteúdo âmbar num único gole.
— Do que você está falando?
— Acho que você sabe muito bem.
— Acho que você está vendo coisas onde não existe, cabo
— retruca, mas a direção do seu olhar me diz algo totalmente
diferente.
— Aham, se você diz assim
— Porra, Gustavo, não fode a minha cabeça. O único que
está com as bolas amarradas por aqui é você.
Meu celular vibra e, com pressa, desbloqueio a tela.
“Ok.”
Ela está puta, talvez eu tenha sido muito direto no dia do
churrasco, mas, caralho, eu não podia deixá-la pensar por mais um
segundo sequer que eu a via como criança. Isso deixou de
acontecer, anos atrás, e desde então, ela me assombra.
Dutra continua me encarando e, caramba, não sei nem o
que retrucar.
O infeliz está certo.
O silêncio é a melhor resposta.
Durante a noite, choveu mulher para o meu lado. Recusei
todas educadamente. Eu poderia colocar a culpa no trato que fiz
com Valentina e Enzo, “a grande mentira”, como apelidei, mas é
mais que isso.
A verdade é que não quero ninguém.
Só quero… aquela que não deveria.
A minha pirralha.
Incancellabile – Laura Pausini
A melhor coisa que fiz foi conversar com a Lau. Depois da
nossa conversa, percebi que não adianta ficar triste ou chateada.
Como ela disse, se tiver que acontecer algo, acontecerá. Eu
tenho que fazer a minha parte que no momento consiste em:

1. Continuar nesta farsa;


2. Me manter calma e não esganar o Gustavo;
3. Me manter calma e não pular no colo do Gustavo
(nesta ordem).

Pelo menos, ele admitiu que não me vê mais como uma


criança, chamo isso de progresso. Já percebi que o pirralha é sua
forma carinhosa de me infernizar. E até estou gostando,
dependendo do contexto, claro.
Não vamos abusar, né?!
Limites.
Achei que íamos nos ver na quarta. Era o planejado. Até
tomei dois copos de suco de maracujá, para ficar calminha, mas aí
chegou sua mensagem. Ele não viria e, droga, aquilo mexeu
comigo.
Demorei a digerir sua resposta.
Fiquei frustrada, queria vê-lo, mesmo quando meu cérebro
dizia que era melhor assim.
Será que ele desistiu do namoro de mentirinha?
É um direito dele.
Imagino que deva estar complicado toda a questão de ficar
longe da mulherada.
Não vá por aí, Valentina…

Hoje é um novo dia.


Domingo, dia em que deveríamos nos ver, bem,
tecnicamente era ontem, mas… dessa vez quem não podia era eu.
Aproveitei o sábado para levar minha mãe para fazer uns
exames de rotina, fiz supermercado, porque já não tinha nada em
casa e cheguei tarde e esgotada. Não falei nada sobre o domingo,
então, em tese, poderíamos nos encontrar, mas ainda não recebi
nenhuma mensagem dele.
Ainda não.
Acorda, Valentina, já são cinco da tarde, se ele fosse vir,
você saberia.
Droga!
Bem, pelo menos o dia foi produtivo.
Organizei meu guarda-roupa, separei roupas e sapatos para
doação, dei aquela faxinada básica no apartamento, ao som da
minha playlist de faxina recheada de Taylor Swift, Beyoncé,
Madonna, Michael Jackson e outros sucessos.
O apartamento é pequeno e a Lu, minha fada madrinha, vem
a cada quinze dias limpar. Minha missão é manter a limpeza e fazer
as coisas do dia a dia, tirar lixo, varrer, passar um pano etc.
Moro sozinha, então, qualquer bagunça a culpa é
definitivamente minha.
Olhando ao redor, posso afirmar que estou mais do que feliz
com o resultado, tudo organizado e apartamento cheiroso, para a
semana que se inicia amanhã.
Perfeito!
Casa arrumada, agora preciso pensar no que vou jantar.
O almoço foi um sanduíche, pois eu estava no meio de
arrumação e não quis pedir marmita.
Abro a geladeira e fuço nos armários, encontrando tudo que
preciso. Pode até não ser a refeição mais nutritiva, mas é a
escolhida.
Torta salgada, com muita sardinha, ervilha, milho, ovo cozido
e azeitona.
Nossa… faz tempo que não como isso.
Na verdade, eu mesma nunca fiz, mas tenho a receita da
minha mãe.
Enzo e eu amamos, e ela costumava fazer pelo menos uma
vez no mês. Era tipo um café da tarde/jantar.
Gustavo amava.
Oh, merda… não vá por aí.
É apenas uma torta.
Laura Pausini começa a tocar na Alexa e me empolgo
cantando um italiano todo errado, enquanto organizo os ingredientes
na bancada.
Não pense nele.
Difícil fazer isso, ouvindo Incancellabile. De repente, deu até
vontade de escutar a versão do Sandy e Junior, mas me controlo e
deixo a playlist no aleatório, enquanto começo a picar a azeitona.
Meu celular vibra, atraindo minha atenção.
Gustavo.
Respira, mulher.
Estou até com medo de ver a mensagem, isso é loucura.
Puxa logo o band-aid.
“Estou chegando.”
Como assim?
Ele está vindo! Puta merda!
Calma, Valentina, a casa está em ordem, só você que deve
estar uma bagunça.
Me olho no espelho que tenho numa das paredes da sala e
faço uma careta.
Podia ser pior.
Pelo menos, não estou fedendo.
Estou em casa e o short jeans e a blusa de alcinha preta
pareceu uma boa escolha, no calor infernal que está fazendo hoje
aqui. Até penso em trocar de roupa, mas desisto, prefiro terminar a
torta e ajeitar a bagunça que fiz na cozinha.
Mal termino de colocar a torta no forno, a campainha toca.
Não pode ser.
Será?
Olho minha roupa, procurando algum sinal de farinha, mas
estou bem.
— Já vou — grito, enquanto lavo as mãos na pia da cozinha
e pego o pano de prato para secar rapidinho.
Deve ser a vizinha.
Abro a porta e não há nenhuma senhorinha, mas sim, meu
bombeiro, lindo numa bermuda cargo, camiseta polo preta, expondo
o braço todo tatuado.
Oh, merda!
— Gustavo… — Não sei nem como consegui falar seu
nome.
Meu cérebro parece fritar na presença dele.
— Valentina, vai me deixar entrar?
Se mexa!
Me afasto e ele passa por mim.
Diabo de homem cheiroso.
— O porteiro realmente deixa qualquer um entrar agora. Já
foi mais seguro aqui.
— Seu Manoel já me conhece, linda. Sabe que sou, como
ele diz mesmo, o namorado da dona Nina. — Pisca, e me abraço,
desejando estar melhor vestida no momento.
Reviro os olhos, mascarando como sua presença me afeta.
Ele caminha pela sala com uma mochila nas costas.
— O que é isso? — pergunto, torcendo para que esteja, sei
lá, carregando sua carteira e uma blusa de frio.
Você realmente está enlouquecendo.
— Que cheiro bom é este? — dispara ao mesmo tempo que
eu, e sorri.
— Primeiro as damas.
— Para que trouxe uma mochila?
— Vou dormir aqui hoje — anuncia com tranquilidade.
— Não, você não vai! — devolvo.
Não me preparei psicologicamente para isso.
Uma coisa é suportar sua presença algumas horas, outra
diferente, é saber que ele está dormindo sob o mesmo teto que eu.
— Semana passada, já furamos nosso compromisso —
aponta e sei que tem razão, mas…
— A culpa foi sua —rebato.
— Exatamente, por isso, quero consertar isso. Daqui a
pouco vão achar que não estamos mais juntos — joga a mochila no
sofá —, e não queremos isso, né? — Se aproxima e,
inconscientemente, dou um passo para trás.
Minhas costas esbarram na mesa de jantar.
Respira.
— Ok — sopro, tentando ser racional. — Você pode usar o
antigo quarto da Lau.
Não vou ser ruim a ponto de fazê-lo dormir no sofá, embora
seja tentador.
— Tem certeza de que me quer ali? — provoca, e meu
sangue ferve.
Sério, não aguento mais isto.
— É isso ou sofá para você, ou quem sabe, a porta da rua?
— devolvo, cruzando os braços em frente ao peito.
— Estava com saudade de você, pirralha — dispara, sem
deixar de me fitar.
Gustavo não cansa de ficar me provocando, tremendo filho
da puta.
Dou as costas para ele, e vou para a cozinha. Esqueci
totalmente da torta e não marquei o horário que a coloquei no forno,
mas a dizer pelo cheiro, está quase pronta. Dou uma espiadinha e
está crescendo, mas ainda branca. Só mais uns minutos.
— Respondendo a sua pergunta, é torta de sardinha —
anuncio, voltando para a sala, onde ele continua parado,
observando cada movimento meu.
— Porra, sério? — Parece realmente surpreso. — Agora que
não vou embora mesmo! — Me puxa para um abraço. — Obrigado.
— Seu olhar está no meu e, por um segundo, fica difícil pensar.
— É só comida, eu estou com fome — justifico, o
empurrando.
Muito perto.
— Não tem nada a ver com o fato de ser minha comida
favorita?
— É sua comida favorita? — questiono, fingindo
descaradamente não lembrar que ele gostava. — Nem lembrava,
achei que fosse lasanha. — Dou de ombros e ele apenas me
observa, o sorriso safado no rosto.
— Bem, tecnicamente, é a segunda favorita — brinca. — Por
um segundo, achei que queria me conquistar pelo estômago,
gatinha.
— Sério? — indago, indignada. — Você é realmente muito
presunçoso, sabia?! Achar que quero te conquistar ou que ia fazer
sua comida preferida, quando eu nem sabia se você viria! — friso.
— Eita, que a mulher tá brava.
— Você é uma piada. — Reviro os olhos e ele continua me
observando, me deixando tensa.
A noite será longa.
— Eu… — aceno na direção da cozinha e, sem aviso,
novamente me afasto.
Preciso de distância.
— Obrigado, mesmo assim, linda — fala e não há mais
zoeira.
— Não por isso. Daqui uns dez minutos está pronta e
podemos comer. Sinta-se em casa, já que você não vai embora
mesmo.
Ele dá uma risadinha e, ok, não resisti a provocá-lo.
Culpada.
Não sou de ferro.
— FBI? — pergunta, com o controle da televisão em mãos.
Sorrio em resposta e ele liga a TV.
Pelos próximos minutos, ficamos sentados lado a lado,
assistindo ao restinho do episódio que tínhamos começado na sua
última visita.
A torta ficou pronta no tempo estimado e comemos até
quase explodir. Não fiz a torta para ele, mas, caramba, se não foi
bom ver o prazer estampado em seu rosto a cada mordida.
​— Quer continuar vendo a série ou um filme? — Gustavo
pergunta enquanto está terminando de lavar nossos pratos.
Sim, ele insistiu em limpar nossa pequena bagunça.
Nas palavras dele, a regra é clara, já cozinhei, assim, a louça
é dele. Nem discuti desta vez, fiquei apenas admirando o homem na
minha cozinha.
— Um filme ia ser legal.
— Algum em mente?
— Não… — Faço careta.
— Olhamos juntos os lançamentos, então.
— Parece um bom plano.
Depois de uma leve discussão, finalmente chegamos a um
consenso.
O escolhido: TOP Gun: Maverick, o novo filme com o Tom
Cruise, que não é tão novo assim, mas nenhum de nós viu.
Gustavo quer ver por conta das cenas com os aviões, já eu,
pelo elenco.
Admito que os vídeos que vi no TikTok atiçaram minha
curiosidade e a trilha sonora tem nada menos que Lady Gaga, ou
seja, só pode ser bom.

Que filme incrível!


Juro que tentei segurar a emoção, mas o final, ouvindo Hold
my Hand, foi demais, e posso ter derramado uma ou outra lágrima.
— Não acredito que você está chorando.
— É bonito, ué… — resmungo, a voz ligeiramente
embargada.
O cretino começa a gargalhar.
— Para de rir. — Dou um empurrão no seu ombro e isso só
piora a situação. — Ora… — Ameaço me levantar, mas então seus
braços estão ao meu redor.
— Não vá, pirralha. —Afasta uma mecha do meu cabelo e
eu travo. — Eu me diverti…
— O filme foi legal — balbucio.
— O filme, a companhia… — Me fita com tanta intensidade,
que tenho medo de que escute meu coração batendo no peito.
— Eu vou tomar banho. Fique à vontade. — Me levanto
depressa, precisando sair de perto dele.
Gustavo não diz nada, seu olhar continua em mim, feito
brasa.
Caramba, a temperatura esquentou uns dez graus de
repente.
Inferno!
Demoro no banho, aproveito para lavar meus cabelos, e só
quando está tudo cheio de vapor, desligo o chuveiro.
Não adianta enrolar, Valentina, ele não vai a lugar nenhum.
Coragem mulher!!!
Visto meu pijama mais comportado.
Covarde.
Normalmente, eu provocaria o Gustavo, colocando o mais
curto e colado, mas não hoje.
Estou à beira da combustão.
Não sei o que acontece às vezes, mas a sensação que
tenho é que poderíamos em questão de segundos estar rolando no
carpete, não que eu fosse reclamar.
Não, senhora.
Não tenho sangue de barata, me sinto no limite, mais uma
provocação e sou capaz de pular nele.
Encontro-o separando algumas roupas na sua mochila.
— O banheiro está livre — aviso.
— Ok — retruca, me medindo sem disfarçar.
— Nem uma palavra! — aviso, marchando sob seu olhar.
— Você está linda, Valentina, ou devo dizer, Hermione —
dispara e então entra no banheiro.
Sorrio com a brincadeira.
Será que ele é fã da franquia?
Não vamos tão longe, não é?! Seria exigir demais, às vezes
ele só conhece e está te zoando.
É o mais provável.
Estou no meu quarto, procurando algo para assistir, mas
uma olhada no celular já me desanima. Qualquer programa vai, no
mínimo, terminar próximo da meia-noite, e amanhã eu acordo cedo.
É como um balde de água fria nos meus planos.
O barulho de passos no corredor é um indicativo de que
Gustavo terminou o banho e está no quarto de hóspedes.
Oh, merda.
Vá logo lá. Seja uma boa anfitriã, Valentina!
Bato de leve na porta e a empurro.
Glória a Deus, o homem está vestido.
Calça de moletom e uma regata branca, que marca com
perfeição seus músculos e deixa as tatuagens tribais no braço em
destaque.
Pare de secar!
Não sei o que teria sido de mim, se o tivesse encontrado
pelado.
Se de roupa já fiquei babando… nem pense nisso.
Tarde demais, minhas bochechas queimam com a mera ideia
de Gustavo nu, e ao sul tudo ganha vida.
Estou precisando dos meus brinquedos, urgente!!!
— Eu…
O que vim fazer aqui mesmo?
Coloco o lençol e cobertor sobre a cama e me preparo para
sair, mas então sua mão segura a minha e lá está ele, a poucos
centímetros de distância.
Cheiroso.
O cabelo molhado.
Mordo os lábios e meu peito sobe e desce.
“Não pular nele, não pular nele.”
— Obrigado.
— Não por isso. — Mal escuto minha voz.
— Você entra às oito?
O quê?
— Oi?
— Na prefeitura — complementa, e pisco, só então
entendendo a pergunta.
Aceno confirmando.
— Eu te levo — afirma.
— Não precisa — começo, pensando que é melhor continuar
com o velho ônibus, do que ficar mais tempo próximo da tentação.
— Eu insisto, levo minha garota no trabalho e depois vou pro
batalhão, é caminho. — Dá uma piscadinha e eu faço uma careta.
Aceita, louca.
Não!
Aceita, logo. Aproveita e pede para o Humberto pegar o
chaveirinho e fazer a manutenção que você está enrolando faz
semanas.
— Então? — questiona diante do meu silêncio prolongado.
— Vou com você — respondo e seu sorriso vai me perseguir
nos meus sonhos.
— Boa noite, Valentina. — Toca minha bochecha com o
indicador e fecho os olhos.
Oh, merda!
Se mexa.
— Boa noite — sibilo e me apresso na direção do meu
quarto.
Só quando fecho a porta atrás de mim e me jogo na cama,
solto o ar.
Puta que pariu!
Ainda faltam dois meses desta tortura.
Never Gonna be Alone – Nickelback
Far away - Nickelback

— Caramba, Correia, vai me matar desse jeito! — Dutra


resmunga ao agarrar o manequim que simula uma vítima e fazer o
percurso pré-definido.
— Deixa de reclamar e bora agilizar, sargento — provoco,
para delírio da nossa plateia.
Aproveitamos as brechas entre atendimentos ou quando o
batalhão está mais tranquilo para treinar para o campeonato.
— Vamos!!! — pressiono, sabendo bem o quanto a prova
exige dos bombeiros.
É uma verdadeira prova de resistência, e a deles está
chegando, não há tempo a perder.
— Caralho, esse boneco parece pesar uns cem quilos —
resmunga, jogando o manequim no ponto demarcado.
— Ae, porra! Seu tempo melhorou comparado com a
semana passada — cumprimento, dando um tapa nas suas costas.
— Você e o Santos até que não estão mal — provoco e ambos
mostram o dedo do meio.
Putos.
— Chega por hoje, fracotes.
— Vá se foder! — retruca antes de marchar em direção ao
vestiário.
— E você, Prado, está pronta? — questiono para a sargento
que, ao contrário deles, apenas observa, já que está treinando com
uma amiga de outra unidade.
— Com certeza não, mas ainda temos mais uns dias de
treino.
— Se precisar de ajuda, só falar.
— Eu agradeço, Correia, mas estou bem.
A sirene toca, anunciando uma nova ocorrência.
“Incêndio vegetação. Rodovia SP 264.
Baixa visibilidade.”
Infelizmente, tem aumentado os incêndios em matas nas
últimas semanas. O clima seco, falta de chuva e a ação humana
têm tornado este tipo de evento corriqueiro.
As pessoas não têm noção de como suas ações podem
gerar consequências trágicas tanto para a fauna, flora, como para
as pessoas que moram na região.
Uma bituca de cigarro, soltar balões, ou às vezes, limpar um
terreno com fogo, podem iniciar um incêndio, cujas proporções
podem ser devastadoras.
Em pouco menos de quinze minutos, chegamos ao local.
— Santos, Correia e Dutra, vocês cuidam do lado oeste.
Prado, Mendonça e Melo, comigo, cobrindo o leste.
De forma organizada, começamos a agir.
Cada segundo conta.
Numa ocorrência como esta, nossa maior preocupação é
impedir que o fogo se aproxime das residências.
Outra unidade chega e nos apoia.
As labaredas estão altas e há muita fumaça impedindo a
circulação segura de veículos. Felizmente, após vinte minutos, o
fogo está controlado e estamos fazendo o rescaldo.
Não há vítimas graves, apenas alguns casos de inalação por
fumaça, mas a vegetação já era.
Árvores nativas destruídas, animais mortos.
Fauna e flora comprometidas.
Isso é foda pra cacete.
Sei que a prefeitura faz campanhas de conscientização, mas
precisamos fazer mais.
Porra, me sinto frustrado ao ver a destruição e pensar que
isso poderia ser evitado e, no fim, nunca saberemos o que iniciou o
fogo, pode ter sido uma bituca jogada pela janela do carro, uma
fogueira inocente, vai saber.
Meia hora depois, estamos de volta ao batalhão e o turno
caminha para seu fim. Estamos todos esgotados, mas com a
sensação de dever cumprido.
Estou terminando de me vestir, quando meu celular vibra.
Valentina.
Meu coração acelera. Não nos falamos desde segunda
cedo, quando eu a levei à prefeitura.
Lembranças do nosso domingo me invadem e, porra, hoje
seria um dia que eu certamente poderia ficar jogado ao seu lado.
Só curtindo sua companhia e assistindo a um filme ou série,
sem pensar em mais nada que não fosse na pirralha.
— Valentina.
— Oi, estou atrapalhando?
— Não, estou saindo do batalhão, algum problema?
— Não — se apressa em responder. — Eu soube do
incêndio na João Leme e, bem, queria saber se deu tudo certo lá…
— se enrola com as palavras.
Um sorriso surge no meu rosto.
— Está preocupada comigo, pirralha?
— O quê? Não! Só estava curiosa, você sabe, com a
segurança de todos. — Frisa “todos” e quero rir.
— Estou bem, gatinha — tranquilizo. — Todos estão
cansados, mas bem.
— Bom… — retruca e posso ouvi-la suspirando aliviada.
Porra, Valentina.
— Você bem que poderia fazer uma massagem nas minhas
costas — provoco, já esperando sua resposta malcriada.
— Vá sonhando, cabo! — devolve, e sei que está sorrindo.
Meu coração acelera. Quero vê-la.
—Um homem pode sonhar.
— Ainda não paga, né?
— Bom ouvir sua voz.
— Eu também gostei de falar com você — reconhece e cerro
os punhos, me sentando no banco de madeira.
— Valentina…
Eu deveria ir lá hoje, agora…
Foda-se que não é o dia programado.
Eu a quero todos os dias.
— Oi?
Se controla, porra.
Não ajuda nada o fato de saber que não vou vê-la amanhã,
mas não tinha outro jeito. É a reta final antes do campeonato e
prometi ajudar os caras na nossa folga. Claro que já avisei, e ela,
com certeza deve ter celebrado.
A bonita que me aguarde, sábado nada de filme ou série
para ela.
— Até sábado — devolvo, simplesmente.
— Até… — Sua voz é quase um sopro e o celular parece
pesar uns vinte quilos na minha mão.
Quando que eu fiquei tão cuzão?

— Tem certeza que posso ir? — Valentina pergunta assim


que coloco o carro em movimento.
— Claro que sim! — tranquilizo. — Você ficará comigo e o
pessoal do batalhão, já alinhei com o Carvalho.
— Não quero te causar problemas.
— Não vai, além do que, sei que a Prado vai ficar feliz com a
sua torcida.
— Nossa, estou superanimada para vê-la e os rapazes
também, claro. Eu li um pouco na internet, mas me explica como
funciona esta prova.
— Vamos lá, qualquer coisa, você vai perguntando —
começo e ela assente. — A competição acontece anualmente, e tem
as seletivas estaduais, além da prova nacional. O objetivo é
estimular a competição saudável e promover a integração entre os
Corpos de Bombeiros dos estados brasileiros.
— Competição saudável?
— Cada um vai lá é dá o seu melhor — explico. — A prova
foi concebida para exigir diversas características que são esperadas
de um bombeiro no desempenho das atividades operacionais do dia
a dia.
— Eu li algo sobre subir numa torre. — Morde os lábios e
sorrio com seu interesse.
— É isso aí e muito mais. É um circuito onde o bombeiro,
vestindo o uniforme e equipamentos de proteção, precisa: 1) subir
na torre de treinamento, com doze metros de altura, carregando a
mangueira sobre os ombros. Chegando no topo, puxa uma segunda
mangueira, acondiciona no local certo e então inicia a descida para
a segunda etapa.
— Tem mais?
— Aham. 2) fazer uma entrada forçada, aqui o competidor,
utilizando uma marreta de cinco quilos, tem que realizar sucessivos
golpes em um peso de 50 quilos e movê-lo até o local indicado.
— Cinquenta quilos? Deus, acho que não consigo nem
segurar a marreta por tempo suficiente — devolve, rindo.
— Tá achando que é fácil? Não é chamado de Bombeiro de
Aço à toa. Superado o segundo obstáculo, vem o arraste de
mangueira e a simulação de extinção de um incêndio e, por último…
— Para de suspense! — Dá um tapa na minha perna.
— Vem o “resgate” de uma vítima inconsciente até o ponto
de atendimento dos socorristas.
Valentina me olha com curiosidade, esperando uma
explicação.
— Não leu sobre esta parte?
— Não, parei na parte da torre. —Faz uma careta.
— Aqui o competidor deverá arrastar um manequim de até
noventa quilos pelo trajeto determinado, utilizando a técnica
apropriada, que não vou nem tentar te explicar.
Ela arqueia a sobrancelha.
— São muitos detalhes, acredite! E tudo conta para a
pontuação final. Ganha quem fizer o percurso em menor tempo e
com menos falhas.
— Caramba!! Estou passada.
— É um evento para a corporação!
— Imagino! E vocês ganham uma premiação, algo do tipo?
— Há premiação, mas a maioria não está ali pelo prêmio. É
mais uma realização, uma conquista pessoal e para o batalhão.
Estaciono e o local está lotado. Mal saímos do carro, tenho a
certeza de que vou passar muita raiva.
— Uau, é enorme — comenta, observando a estrutura e
totalmente alheia aos olhares da população masculina.
O ogro em mim desperta e nem penso muito. Puxo-a para
junto de mim, fazendo questão de que saibam que ela é minha.
Minha.
— O que foi? — questiona, olhando para a minha mão ainda
na sua cintura.
— Nada, só querendo minha garota perto de mim. — Dou
uma piscadinha e ela revira os olhos. — Vai que tem alguém da
prefeitura cobrindo o evento, vão estranhar você longe de mim —
argumento e ela apenas me observa em silêncio.
— Sei, acho difícil. Não é o tipo de evento que tem
cobertura.
— Não vamos correr nenhum risco, não é?
Nem dou tempo para que responda, entrelaço meus dedos
nos seus e juntos caminhamos para a área destinada. E, droga se
não me sinto o puto mais feliz de todos, apenas por tê-la aqui
comigo.
— Ali, o dezembro, quero dizer, Cadu — comenta,
apontando para a direita.
Ao lado dele, estão os caras, Melo e Mendonça.
— Tarde!! — cumprimento todos.
— Oie, gente! — Valentina aproveita a deixa e sai abraçando
cada um deles. — Cadê nossos competidores?
— Estão no reservado, se preparando — Carvalho é quem
avisa.
— Ai, meu Deus, estou nervosa por eles.
— Vão bem, se conseguiram suportar os treinos com o
Correia, isso aqui é fichinha — o soldado Santos é quem zoa.
— Ei, foi tudo friamente calculado.
— Aham, claro.
A pirralha observa nossa conversa e sei que a pergunta está
na ponta da língua.
— Posso ter ajudado eles nas horas vagas a darem uma
praticada, bem, o Dutra e o Santos.
— E a Prado?
— Treinou com uma colega de outro batalhão.
— A prova feminina é diferente?
— O peso da vítima na prova de arrasto é pouca coisa
menor — Carvalho explica. — Na masculina, são noventa quilos, e
na feminina, setenta.
O choque em seu rosto é evidente.
É linda, a prova é bruta!
Um dos organizadores anuncia que o evento já vai começar
e o povo se anima, se aproximando da divisória que separa a área
destinada ao público do local da competição.
Não há cadeiras. Estamos todos em pé ali e a muvuca é
grande.
Por um segundo, penso se fiz bem em trazer Valentina aqui.
Talvez não seja o tipo de programa que esteja acostumada,
mas só uma olhada em sua direção basta para me convencer do
contrário.
Bochechas coradas, olhar atento na pista de obstáculos.
Linda.
Ela ergue o rosto em minha direção e nosso olhar se
encontra. Espero alguma provocação, mas ela apenas sorri.
E, porra, a garota me tem de quatro.
A sirene toca e os primeiros competidores se apresentam.
— São de outro batalhão — explico e ela assente, olhos na
pista.
Como são os primeiros, aproveito para repassar as fases da
prova, explicando que várias duplas irão se apresentar. Cada
competidor terá seu tempo anotado e ao final os três mais bem
colocados recebem o troféu. Todos os participantes recebem
medalha pela participação.
São todos vencedores.
Quando a terceira dupla percorre o circuito, Valentina já está
totalmente familiarizada com o evento.
— Céus, está calor — comenta, prendendo os fios loiros
num rabo de cavalo alto, e meu olhar vai direto para sua nuca.
Foda.
Minha mente é imediatamente invadida com pensamentos
nada comportados, envolvendo minha boca ali, lambendo cada
pedacinho seu…
Mas que cacete!
Foco.
— Dutra é o próximo!
— Ae!!!
Todos ficamos tensos e na expectativa.
Quando a prova começa, olhos vidrados, observando cada
movimento do sargento.
— Vai, Dutra!!! — Mendonça grita.
O outro competidor termina a primeira fase com uma leve
vantagem. São poucos segundos que os separam.
— Vamos!! — grito e o puto arrasa na segunda fase,
martelando o peso com facilidade, partindo para a próxima etapa.
Quando chega a hora de arrastar o manequim, o outro
competidor acaba se atrapalhando com o agarre, e Dutra não
bobeia.
— Ae, porra!! — comemoro ao vê-lo arrastando quase cem
quilos, e chegando ao final da prova com grande vantagem.
Todos vibram.
— Oh, meu Deus, ele foi muito rápido!
— Ele foi, linda! — vibro, puxando-a para junto de mim.
Valentina está sorrindo, nossos olhares se encontram e,
caralho.
— Santos vai entrar — Melo grita, e agradeço a interrupção.
Acompanhamos sua participação. O soldado foi bem nas
primeiras fases, mas o outro competidor de Boituva acabou
terminando cinco segundos antes dele.
— Valeu, Santos!! Você foi bem pra caramba, cara — grito,
sabendo por experiência própria, como é frustrante a situação.
— Temos mais duas duplas participando da prova
masculina. Dutra está no páreo, pessoal — Carvalho anuncia ao
nosso lado.
Dez minutos depois, há uma parada técnica para ajustar o
circuito para a prova feminina.
— E os vencedores? — Nina questiona ao meu lado.
— São anunciados ao final, depois da prova feminina.
— Estou ansiosa.
— Estamos no mesmo barco, linda. — Sorrio, apertando sua
mão.
— Dutra e Santos vão vir para cá?
— Eles têm que esperar o encerramento. Vão ficar
aguardando ali, dentro do circuito. Há uma área reservada aos
competidores — aponto.
— Ahh.
A prova feminina começa e nossa atenção está de novo ali.
— Caramba — Valentina resmunga, visivelmente
impressionada. — E eu reclamando dos meus pesos na academia.
Não consigo segurar a risada e ela me dá uma cotovelada
de leve.
— Isso é agressão.
— Você vai ver a agressão — resmunga, mas não aguenta e
começa a rir.
Caralho.
— Prado é a próxima.
Ela entra no circuito, toda equipada e focada.
A sirene toca e a prova começa.
— Vai, Carol — Valentina grita e assobia, colocando os
dedos dentro da boca.
Mendonça e Melo olham dela para mim, sem esconder a
surpresa.
Orgulho enche meu peito ao vê-la. A minha garota gritando e
apoiando meus irmãos de farda.
Saio do meu choque e começo a gritar também. De dentro,
Dutra acompanha vidrado cada movimento dela.
— Vamos, sargento — ele comanda.
Prado está com uma leve vantagem, mas aqui as coisas
mudam numa fração de segundos.
Chega à última etapa. O temido arraste da vítima.
A 3º sargento se posiciona, faz o agarre e começa a arrastar
o manequim, sob nossos gritos.
— Aee… vai, Prado!!!!
A distância aumenta.
— Ela vai conseguir, ela vai… — a pirralha vibra ao meu
lado.
— Ela conseguiu porra!!! — grito.
Todos comemoram batendo palmas.
O tempo foi muito bom.
Cacete, que emoção.
Valentina vira na minha direção, um sorriso enorme no rosto
e eu me sinto a ponto de explodir.
Ficamos nos olhando e tudo ao redor parece sumir.
— Já vai sair os resultados. — A voz de Melo me traz de
volta à realidade.
Controle, Gustavo.
O narrador começa a anunciar os primeiros dez colocados e
a respectiva pontuação.
Santos ficou em sétimo lugar, o que é uma ótima
classificação.
— Tá no top 10, bicho!! — Mendonça grita e todos vibramos.
Os demais colocados vão surgindo no telão e então vemos.
Nosso sargento não ganhou o primeiro lugar no pódio, mas
garantiu seu espaço.
— O 2º lugar, aí sim, porra!!! — grito, e todos me
acompanham, vibrando com a conquista do sargento Felipe Dutra,
nosso Dutra.
Ele vibra e é cumprimentado pelos colegas que estão ao seu
lado.
— Classificação geral, prova feminina… — o narrador
começa e a tensão retorna.
— Aii, Deus! — A pirralha cruza os dedos em expectativa.
As colocações vão sendo anunciadas e nada da nossa 3º
sargento.
Quando vem a notícia, não podia ser melhor.
— 3º Sargento, Caroline Prado, colocação: 1º lugar…
Nem escuto o resto.
— Aeeeeeeeeeeee… — grito e ao meu lado Valentina vibra,
assobiando feito louca.
A emoção é tanta que nem penso muito. Abraço minha
garota, girando-a, enquanto ambos comemoramos. Quando paro,
estamos os dois sorrindo. Valentina me fita, as bochechas coradas,
a felicidade estampada no rosto.
E, porra, eu nem penso, apenas seguro seu rosto e a beijo.
É rápido, um selinho, nada do que eu gostaria de fazer, mas,
caramba, eu precisava senti-la. Me afasto e seu olhar é surpreso.
Ficamos alguns segundos em silêncio, apenas nos fitando.
— O que foi isso? — questiona, confusa. — Aqui não tem
ninguém. — Olha para os lados, como se certificando. — Não
precisamos fingir —continua e quero responder o que está entalado
dentro de mim.
— Eu só…
Queria…
Sou salvo pelo Dutra que chega gritando, carregando a
Prado no colo, ignorando seus protestos, e me calo.
— A campeã chegou!!! — anuncia e os recebemos com
muitas palmas e zoeira, claro.
— Parabéns, pessoal, todos foram fantásticos! — Carvalho é
o primeiro a se manifestar. — Mas a Prado arrasou!
— Obrigada, subtenente.
— Arrisco a dizer que foi mais rápida que o Dutra e Santos
— brinco e todos riem.
— Perdi tempo na prova da mangueira — Dutra se defende.
— Sei, você não queria largar ela — brinco e os caras vão
ao delírio.
O puto me mostra o dedo do meio, mas na sequência me
abraça, agradecendo o apoio durante o treinamento.
— Valeu, Correia! — Santos é o próximo a me cumprimentar.
Era o que me faltava.
— Vão se ferrar, os dois, o mérito é todo de vocês. Vocês
foram fodas, não tanto quanto a 3º sargento aqui — começo, e
Prado começa a rir ao meu lado.
— Você foi incrível, Carol! — Valentina começa, sem
esconder a empolgação e abraça a sargento.
— Você tem uma fã, Prado — Carvalho anuncia apontando
para a pirralha.
— Com certeza tem — devolve rápida.
— Poxa, e eu? — Dutra brinca, mas ela não perde a
oportunidade.
— Quem sabe, mais sorte no ano que vem. — Pisca e então
sorri.
Droga.
— Você precisa ter uma conversa séria com a sua garota,
Correia, puta tratamento desigual — brinca e não perco a
oportunidade.
— Valentina é esperta, cara, nem se quisesse, poderia
intervir a seu favor.
— Quem precisa de inimigos com vocês — se faz de
ofendido. — Agora, sério, vamos comemorar ou não? Partiu,
barzinho?
— Ae, alguém falou meu idioma, agora — Melo dispara.
Imaginei que isso fosse acontecer, mas nem comentei com a
Nina.
Entrelaço meus dedos nos seus e ela não reclama.
Bom…
Juntos, caminhamos para o estacionamento.
— Você quer ir? Podemos ir para sua casa, se quiser —
começo.
— O quê? Eu não perderia isso por nada, cabo! — devolve,
com um sorriso enorme. — Bora comemorar!
— Bora!
Haja controle e gelo para as minhas bolas. Cada segundo ao
seu lado é sofrimento. Mas um que eu passaria todos os dias, se
pudesse.
Virei a porra de um masoquista.

A tarde voou.
Não há uma palavra que defina melhor.
Pedimos a tradicional feijoada da dona Maria e, caramba,
todos se esbaldaram.
Carvalho já teve que ir para buscar suas garotas, mas por
aqui a bagunça continua, com direito, inclusive, à música ao vivo de
qualidade.
— O cara é bom! — comento quando ele começa a cantar
Tarde Vazia do Ira.
— Nisso tenho que concordar com você.
— Só nisso?
— Não vamos forçar a barra, não é? — brinca e estou pronto
para retrucar quando a voz da 3º sargento se destaca.
Ela e Dutra estão de volta para a mesa e os ânimos parecem
exaltados.
— Posso lidar com eles sozinha, Felipe — ela frisa e parece
irritada.
— Algum problema? — Melo questiona.
— Uns rapazes… — ela começa a explicar, mas o sargento
a interrompe.
— Você quer dizer, otários?
— Como estava dizendo, estava saindo do banheiro e
alguns rapazes estavam animados.
— Enchendo o saco, sem entender quando a gente fala não,
você quer dizer? — Nina dispara. — Você está bem?
— Caramba, garota! Você é ligeira, já captou a essência da
situação, enfim, eu já estava dispensando os infelizes, mas aí
chegou o troglodita aqui, quase mijando em cima de mim —
praticamente rosna a parte final, gesticulando na direção do Dutra,
que ainda parece irritado.
— Fique feliz que não soquei os infelizes — ele rebate.
— Nossa, parece que já vi esta situação — a pirralha
comenta, dando uma olhadinha para mim, numa clara indireta sobre
nosso encontro meses atrás, quando uns caras estavam
incomodando a fotógrafa, e ela também. — Bem, exceto, pela parte
do mijo.
Todos riem com seu último comentário e eu apenas ergo as
mãos, numa defesa silenciosa.
— Relaxa, sargento. — Apoio a mão no ombro do Dutra. —
Essas mulheres não sabem apreciar nosso lado protetor.
Não há quem não ria, bem, exceto as duas, que parecem
que querem nos matar neste momento.
Pisco na direção da pirralha e ela tenta ficar séria, mas sorri
e me pego sorrindo em resposta.
— Você está muito ferrado, cabo — ele resmunga ao meu
lado, observando minha interação com a loira.
— Oi?
— Você ouviu bem. — Desta vez é ele quem aperta meu
ombro, indo se sentar ao lado da Prado que ainda parece ter
chupado um limão.
Louco, mas corajoso, tenho que reconhecer.

— Dutra e Carol têm algo? — Valentina dispara quando já


estamos quase chegando em frente ao seu prédio, após um dia
incrível.
—Não que eu saiba — respondo, depois de pensar um
pouco.
— Bem, definitivamente há uma tensão ali — aponta.
— Eu saberia se houvesse — continuo.
Ela arqueia a sobrancelha.
— O que foi? Eu iria notar algo!
— Claro, se você diz, ô grande observador.
— Você agora é especialista em relacionamentos? —
provoco.
— Só não sou cega — devolve, afiada.
Ah, Valentina.
— Eu sou muito observador, pirralha.
— Percebe-se — debocha.
Estaciono o carro, e ela já se adianta para tirar o cinto.
— Valentina… — chamo e ela ergue o olhar.
— Obrigada por hoje. — Morde os lábios e minha atenção
vai para ali. — Eu realmente me diverti muito!
Eu deveria apenas responder qualquer coisa, deixá-la em
casa e então ir para o meu canto, beber umas cervejas e tomar um
longo banho gelado.
Eu deveria…
Mas quando vejo, estou fazendo a pergunta.
Me expondo.
— Quer fazer uma coisa diferente amanhã?
Me olha sem disfarçar a curiosidade.
— Diferente como?
— Diferente! Você terá que confiar em mim, gatinha.
Seu peito sobe e desce e ela parece pensar, sem desviar o
olhar.
Foda, diga sim.
— Não faça eu me arrepender, Gustavo — adverte e
interpreto como um sim.
— Ae, porra!
Freio a vontade louca de puxá-la em meus braços e provar
seus lábios.
Me perder ali…
Ela ri e fica difícil raciocinar.
— Te pego amanhã, às seis e meia, vista calça jeans, tênis e
um agasalho.
Arregala os olhos, provavelmente surpresa com o horário,
mas não reclama.
Está curiosa pra cacete.
— Fora me tirar da cama de madrugada — brinca —, mais
alguma coisa?
— Só isso, linda.
Sorri e me pego apertando o volante com força.
Ela é a irmãzinha do Enzo, lembre-se disso!
— Até amanhã, então.
— Durma bem, pirralha — disparo quando ela abre a porta e
se prepara para descer.
— Você não resiste, não é? — Vira o rosto na minha direção
e revira os olhos antes de sair.
Sorrio, tentando acalmar meu coração, mas não adianta
merda nenhuma.
Parece que corri uma maratona.
— Estou tentando. — Minha voz soa rouca, necessitada,
refletindo como me sinto.
Que caralho de resposta foi essa?
Nina me olha com intensidade, parecendo avaliar o que eu
disse.
Por um segundo, acho que vai apenas se virar e entrar, mas
então me surpreende mais uma vez.
— Não se atrase — pede e então caminha em direção à
portaria.
Ahh, eu não vou.
Terrified – Katharine Mc Phee & Jason Reeves
Happier – Marshmello & Bastille
Incancelabille – Laura Pausine

Dormir foi um desafio.


Gustavo conseguiu me deixar curiosa e com medo de perder
a hora.
O que será que ele está aprontando?
Não são nem seis e quinze da manhã e já estou pronta.
Tomei uma xícara de café, mas estou ansiosa demais para
comer.
Às seis e vinte e cinco, meu celular vibra.
“Estou chegando, linda...”
Não consigo evitar o sorriso que surge. Sou uma besta
apaixonada, mesmo.
Agarro minha mochila, com documentos, protetor solar,
garrafinha de água, tranco o apartamento e pego o elevador.
Mal tenho tempo de cumprimentar o sr. Manoel, o porteiro,
ele chega e não posso acreditar no que estou vendo.
— Bom dia, gatinha.
— Cadê seu carro? — questiono quando o vejo descer de
uma moto gigante, cinza-chumbo, com alguns detalhes em verde.
Caramba.
É linda, como o dono.
— Na garagem — responde minha pergunta. — Hoje vamos
passear com esta belezinha. — Acaricia o tanque da moto.
— Nós vamos nisso?
— Isso é uma Ninja.
Fala como se eu entendesse algo. Só sei que é enorme.
— Eu nunca… — Mordo os lábios, tensa.
— Hoje você vai, comigo. Vem cá — me chama e quando
percebo, estou caminhando na sua direção, o coração batendo a mil
no peito.
— Não sei, não, Gustavo.
— Relaxa, você vai gostar.
Com cuidado, coloca meus cabelos para trás, por dentro da
blusa, e então pega um segundo capacete e ajusta na minha
cabeça.
Me sinto estranha.
— Algo errado? — questiono ao vê-lo me observando alguns
segundos.
— Você é linda.
— Oh…
Respira, Valentina, ele está sendo educado, é só um passeio
de moto.
— Para onde vamos?
— Você vai descobrir, em breve. — Dá uma piscadinha.
Faço uma careta e ele sorri.
Coloca o próprio capacete e monta na moto, e então estende
a mão para mim.
Puta merda.
— Eu não sei subir nisso!
— Apoia as mãos no meu ombro e coloca um pé na
pedaleira, aqui — explica com uma superpaciência.
— Meu Deus, é muito alto. Onde eu seguro? — pergunto,
nervosa.
— Suas pernas devem ficar firmes no meu quadril —
continua e apenas obedeço, sem pensar. —E respondendo sua
pergunta — dá uma olhadinha para trás —, você vai segurar em
mim.
— O quê?
Pega minha mão esquerda e coloca no seu peito.
Misericórdia.
Meu corpo está colado no seu.
— Vou devagar, a menos que você peça por mais.
Arregalo os olhos, apertando minhas mãos em torno dele.
Ele sorri e então abaixa a minha viseira e a dele.
É isso.
Vou andar de moto com o Gustavo.
O motor ganha vida e meu coração acelera em expectativa.
— Bora se divertir, gatinha — fala, nos colocando em
movimento.
Fecho os olhos, agarrando nele, como se minha vida
dependesse disso. De fato, depende.
Depois dos primeiros metros, começo a relaxar e abro os
olhos.
Ok!
Não é tão ruim.
Na verdade, é bom.
Muito bom…
Mesmo inclinada e grudada nas costas do Gustavo, não
posso reclamar. Já não sei o que meu traseiro irá dizer, se eu ficar
muito tempo sentada neste banco estranho.
Ele pega a rodovia e, puta que pariu…
Volto a fechar os olhos, conforme ele acelera.
A pista está praticamente vazia. Somente nós dois comendo
o afasto. Se meu coração resistir a este passeio, resisto a qualquer
coisa.
— Tudo bem aí, gatinha?
Meu aperto nele intensifica.
Maldito. Posso sentir seu sorriso, safado.
— Você quer me matar do coração?
— Nunca.
Fala mais alguma coisa, mas nem consigo entender.
Estou preocupada demais em continuar agarrada no infeliz.
Quando ele reduz um pouco a velocidade, relaxo e volto a
curtir.
Fazemos nossa primeira parada, alguns minutos depois.
— Que lugar é este? — questiono, quando Gustavo conduz
a moto até um tipo de chalé, na beira da rodovia.
— Aqui você vai encontrar um dos melhores cafés da região.
O cheiro de fato está divino.
Desliga a moto, tira seu capacete e me ajuda com o meu.
— Então, o que achou?
— Meu coração ainda está desacelerando, me pergunta
mais tarde, quem sabe tenho uma resposta.
Ele sorri e, droga, meu estômago se agita, e não é de fome.
— Esta moto não é a mais confortável para o garupa —
começa, me ajudando a descer. — Mas, como é um passeio curto,
achei que fosse curtir. — Seu olhar está no meu, e ele se aproxima,
me fazendo prender a respiração.
— Eu gostei — reconheço. — No início, é um pouco
assustador —comento, me lembrando do medo inicial. — Mas
então, são tantas sensações, o vento, a adrenalina, a liberdade, não
sei explicar.
Seu sorriso aumenta conforme desato a falar.
— Obrigada por ter me convidado.
Seu indicador afasta uma mecha do meu cabelo e fecho os
olhos, sentindo seu toque suave.
— Vem comigo, linda. — Estende a mão e eu aceito, sem
titubear.
Gustavo entrelaça os dedos nos meus e, droga se eu não
fico boba toda vez que ele faz isso.
É tão íntimo. Nessas horas, não parece mentira.
Neste momento, eu sou dele e ele é meu.
Sim, estou enlouquecendo.

— Você realmente não mentiu quando chegamos —


comento quando voltamos para o estacionamento.
— Te disse, o café com leite e o pão na chapa daqui é de
outro planeta.
— Fazia tantos anos que eu não comia pão na chapa.
— Feliz que gostou, Nina.
— Muito!!
— Agora, então está pronta para o que te aguarda.
— Já fiquei preocupada.
— Não fique, talvez no início você me xingue…
— Nada extraordinário — brinco e ele sorri.
— Mas ao final, vai gostar.
— Me leva logo até este lugar — disparo, curiosa e animada
para andar de novo na sua garupa e sentir minhas mãos na sua
cintura.
Agora que estou menos nervosa, vou aproveitar melhor o
passeio.
Valentina, sua safada.
Monto na Ninja com mais facilidade e já me ajeito, colando
meu corpo no dele, minhas mãos no seu peito.
— Caralho — sussurra, mas eu escuto.
— Fiz algo errado? Te machuquei? — pergunto, aflita.
— Não, linda. — Sua voz é rouca. — Pode me agarrar o
quanto quiser. Eu gosto.
Eu também.
Volto a abraçá-lo e logo estamos de volta à estrada. Tento
me localizar, lendo as placas de trânsito, mas é difícil acompanhar.
Vinte minutos depois, saímos da rodovia e pegamos uma via
com menor fluxo de veículos. Ao nosso redor, é só vegetação.
— Onde estamos?
— Curiosa — retruca e quero rir. — Você já vai descobrir.
Pilota por mais uns quilômetros e então para em frente à
entrada da Fazenda Nacional Ipanema.
— Chegamos! — anuncia, erguendo a viseira e levando a
moto até a área reservada para as motocicletas.
A última vez que estive aqui, foi à noite e uma experiência
totalmente traumática.
É estranho ver o lugar de dia.
É bonito.
Não é à toa que Lau veio tirar as benditas fotos.
— Quero te mostrar outra versão da Fazenda Ipanema —
anuncia, me olhando com intensidade.
Eu, certamente, não esperava por isso.
— Que tal substituir as lembranças do resgate da Laura, por
outras mais agradáveis?
— Parece um bom plano! — respondo, sem esconder o
sorriso.

— Acha que aguenta uma trilha, pirralha?


— Trilha? — Arqueio a sobrancelha. — Isto está parecendo
um desafio — debocho.
— Nunca, eu só pensei, já que estamos aqui.
— Eu topo. — Tiro o agasalho, ficando com a regata e calça
jeans.
Pronta para o que der e vier.
— Vamos ver se continua animada daqui a pouco —
provoca.
Ignoro a piadinha e procuro na minha mochila o protetor.
Posso fazer a trilha que for, só preciso me proteger do sol e dos
bichos.
— Essa que é uma mulher preparada.
— O protetor está sempre na minha bolsa — explico —, mas
o repelente foi sorte. Peguei pouco antes de você avisar que estava
chegando.
Passo uma camada generosa no meu rosto e braços.
— Precisa de ajuda? — oferece e me viro de costas,
erguendo meus cabelos para que passe nas minhas costas.
Fecho os olhos ao sentir sua mão em mim.
É bom.
É apenas protetor, Valentina. Pelo amor de Deus.
Dane-se.
— Pronto.
— Você também precisa — digo, já colocando um pouco
sobre sua palma.
Ele olha da mão para mim, mas então passa o creme no
rosto.
— Ficou um pouco — comento, me divertindo com a
situação.
— Onde? — pergunta, passando a mão por todo o rosto,
menos onde uma linha branca continua aparecendo.
— Aqui… — Me aproximo e passo meu indicador na sua
bochecha e nariz, sob seu olhar intenso.
Quando tiro minha mão, ele não diz nada. Seu olhar
continua em mim e parece queimar.
Respira.
— Então? — murmuro, me afastando da tentação.
— Sandro vai nos guiar na trilha da Pedra Santa.
— Que chique, tem até guia.
— Não queremos nos perder, não é?!
— Deus me livre, não — retruco com mais ênfase do que
planejei e ele ri.
Uma risada forte, gostosa.
— Você é demais, Valentina.
— Feliz que te faço rir — murmuro e lá está de novo a
tensão.
— Aí estão vocês, prontos para a caminhada?
Uma voz que não conheço soa logo atrás.
— Fala, Sandro, obrigado, cara, sei que foi meio repentino.
— Imagina, Correia. — Se cumprimentam e logo depois a
atenção está em mim. — Você deve ser a famosa Valentina.
— Muito prazer, não sei nada sobre famosa — brinco e o
guia sorri, olhando de relance para o Gustavo.
De onde será que se conhecem?
— Preparados?
— Com certeza — afirmo.
— Bora!
Realmente, me enganei quando achei que o passeio se
resumia a visitar o sítio histórico, contendo construções antigas da
siderurgia nacional, fornos de carvão ou engenhos.
Tudo aqui é incrível.
A vegetação, os pássaros, as grutas…
A trilha é extensa. São quase seis quilômetros, e agradeço
por ter escolhido tênis confortáveis, mas quando finalmente
chegamos, todo o cansaço parece ter evaporado, valeu cada passo.
— O monumento a Varnhagen, pessoal — Sandro anuncia e
não consigo desviar o olhar.
— Meu Deus, é lindo.
— Espere para ver lá de cima — Sandro comenta.
— Vem, linda. — Gustavo estende a mão e juntos damos os
passos que faltam, subindo na grande pedra, onde há uma pequena
construção em memória do Visconde de Porto Seguro.
— Eu…
— É lindo, né?!
Me faltam palavras.
Há uma grande cruz de ferro numa espécie de pedestal feito
de pedra. Nele, um escudo de ferro, onde se lê sobre o
homenageado. O monumento foi inaugurado em dez de novembro
de mil oitocentos e oitenta e dois.
Deus…
Fora toda a questão histórica, estar aqui, num dos pontos
mais altos do Morro Araçoiaba, e ser presenteada com esta vista
incrível…
— É maravilhoso — digo, após uns segundos.
Gustavo não diz nada, para ao meu lado, e sinto seus dedos
tocando os meus.
Não desvio o olhar da paisagem. Aceito seu toque e
entrelaço meus dedos nos seus. Ficamos assim, juntos, em silêncio,
apenas observando a vista fantástica à nossa frente.
— Obrigada por ter me trazido aqui — murmuro, virando o
rosto na sua direção.
Seu olhar encontra o meu, e então segue para minha boca.
Meu coração acelera.
O vento bagunça meu cabelo e ele passa o indicador pela
minha bochecha.
— Não consigo pensar em mais ninguém… — começa,
aproximando o rosto do meu — …para estar aqui comigo que não
seja você.
Engulo o nó que se forma na minha garganta.
Tão perto.
— É bom começarmos o caminho de volta. — A voz do guia
nos tira do transe.
Dou uma última olhada no horizonte, me despedindo deste
presente que Gustavo me deu.
— Vamos? — Acaricia minha mão.
— Vamos.
O caminho de volta é mais tranquilo.
Voltamos conversando sobre os assuntos mais diversos,
músicas, filmes, economia, viagens, e quando percebemos,
estamos de volta à sede.
Nós nos despedimos de Sandro e caminhamos em direção
ao restaurante.
Comi tanto no café que nem sinto fome ainda, só sede. As
garrafinhas de água que trouxemos conosco já estão quase no fim.
— Tem certeza de que não quer comer algo?
— Estou bem! Só com sede mesmo.
— Neste caso, então vamos.
Aceno que sim e aceito o capacete.
Consigo colocar sozinha desta vez, mas Gustavo continua
me olhando.
— Coloquei errado? — questiono, fazendo uma careta.
— Você está perfeita. — Se aproxima, conferindo se está
bem preso e prendo a respiração.
Subo na garupa e, em poucos minutos, estamos na estrada.
Enrolo meus braços na sua cintura, aproveitando cada
segundo.
É bom.
Estou cansada, mas feliz demais.
Não sei nem explicar.
Como alegria de pobre dura pouco, conforme nos
aproximamos de Sorocaba, o tempo muda.
Uma ventania e nuvens escuras nos recebem.
Gustavo acelera a Ninja, mas quando saímos da rodovia, a
tempestade desaba.
Pingos grossos começam a bater contra nós e parecem
agulhadas.
— Estamos perto da minha casa, vou para lá e aí pegamos o
carro.
Não digo nada, só o abraço mais forte.
Céus, que chuva.
Quando conseguimos entrar no estacionamento
subterrâneo, estamos ensopados.
— Caramba, deu para molhar — comenta.
— Você acha, é? — retruco e começo a rir quando pegamos
o elevador.
— Você acha isso engraçado, pirralha? — Tenta soar bravo,
mas então começa a rir e, de repente, estamos os dois rindo e
pingando por todo lado.
A porta do elevador abre e forço meus pés a se mexerem.
Gustavo abre a porta e corremos para dentro.
— Deus, estamos molhando tudo. — Nos meus pés uma
poça imediatamente se forma.
Ele afasta uma mecha do meu cabelo, que estava colada na
bochecha, e travo.
— Aqui, agora consigo ver seu rosto direito.
Meu peito sobe e desce, e posso estar molhada até os
ossos, mas estou quente.
— Vou pegar uma toalha para você — anuncia me dando as
costas.
Com dificuldade, tiro a jaqueta. A chuva molhou, inclusive, a
regata branca que eu estou usando por baixo.
Oh, merda.
Está marcando tudo.
Gustavo volta com uma toalha e ergo meu olhar para
encontrar o seu.
Fixo em mim.
Cacete.
Mordo os lábios, nervosa.
— Eu, estou encharcando o seu chão — aponto o óbvio. —
Obrigada pela toalha, vou me secar e, chegando em casa, tomo um
banho — disparo a falar.
Seu olhar continua em mim e, caramba, sou eu ou de
repente está quente aqui?
— Você pode tomar aqui. — Dá um passo na minha direção
e eu recuo, encontrando a parede.
Seu olhar é faminto e meu coração acelera.
Gustavo se aproxima, parando a poucos centímetros de
distância.
Oh, merda.
Sua mão vai para minha nuca, os dedos se enfiando entre
meus cabelos molhados.
Misericórdia.
— O que você está fazendo, Guto? — Minha voz é quase
um sopro.
— O que eu venho desejando o dia inteiro. — Seu olhar está
nos meus lábios — Foda, o que venho sonhando há anos —
continua, a voz rouca.
—Não brinca comigo — suplico, fechando os olhos.
— Olha para mim — pede e obedeço. — Nunca falei tão
sério — afirma, a boca pairando a poucos centímetros da minha. —
Fala que temos um acordo, fala para eu me afastar, fala que é
loucura… fala que não me quer…
— Me beija — devolvo, sem titubear.
— Porra, Valentina! — exclama e então seus lábios estão
nos meus e não há nada de comportado.
Só há fome.
Agarro seus cabelos, me entregando.
Nossas línguas se encontram e me perco ali.
Fogos de artifício parecem explodir.
Gustavo está me beijando, não é de mentira…
Ele realmente está e, droga, é bom.
Mordisco seus lábios, chupo sua língua, querendo mais,
querendo tudo que ele possa me dar.
Geme contra a minha boca, me prensando contra a parede.
Suas mãos deixam minha nuca e seguem pela lateral do
meu corpo, me tocando, me fazendo queimar.
— Gustavo — arfo, precisando de mais.
Ele interrompe o beijo, apoiando a testa contra a minha.
Ambos respiramos com dificuldade.
— Valentina…
Vejo no seu olhar uma mistura de medo e desejo.
Nem penso duas vezes.
Puxo minha regata ficando apenas com o sutiã de renda
branca, que não esconde muito.
— Acho que vou aceitar seu convite e tomar banho aqui. —
Meu peito sobe e desce.
— Caralho, pirralha — rosna, as mãos agarrando meus
seios, o polegar provocando meu mamilo sobre a lingerie. — Vou
pro inferno.
— Me leva com você — devolvo com um sorrisinho, e ele
nem responde, abaixa o tecido e, sem aviso, abocanha meu bico,
sugando forte.
— Oh, Deus, sim… — Pressiono meu corpo contra o seu.
Interrompe a carícia, voltando a me beijar, suas mãos me
provocando.
— Tão gostosa. — Sua boca segue para o meu pescoço,
deixando uma trilha de beijos até o topo dos meus seios, agarra
minhas coxas, me erguendo no colo.
— Tem certeza, linda? — pergunta e seu cuidado e
preocupação apertam meu coração.
Enlaço seu pescoço e balanço a cabeça num sim.
— Diga…
— Quero você, Gustavo, eu quero há muito tempo.
Sua boca está na minha novamente, exigente, faminta,
mordisca meus lábios, para então passar sua língua, me
inflamando.
Não me pergunte como, mas chegamos ao banheiro.
Com cuidado, me coloca no chão e, sem desviar o olhar do
meu, arranca a camisa, me presenteando com a visão do seu peito
nu.
Desabotoou meu jeans, ficando apenas de calcinha e sutiã
na sua frente.
Não há espaço para vergonha.
Não com a forma que Gustavo me devora.
— Você ainda está com muita roupa — provoco, levando
minha mão até seu cinto, aproveitando o momento para esfregar
minha palma sobre seu comprimento.
Resmunga algo incompreensível, a calça vira uma pilha no
chão.
A boxer preta não esconde o tamanho da sua ereção,
marcando com precisão o contorno, e fica difícil pensar em alguma
coisa que não seja a cabeça do seu pau toda melada, que mal cabe
ali.
Puta merda.
— Se ficar olhando assim pro meu pau, isso vai acabar muito
rápido.
— Problemas com sua mangueira? — provoco.
— Vou te mostrar o problema. — Cola seu corpo no meu,
agarrando minha bunda, moendo seu pau contra mim.
— Mostra — atiço, raspando minhas unhas nas suas costas.
— Valentina, você é minha perdição — rosna contra a minha
boca e eu sorrio. — Isso tem que sair — avisa, soltando meu sutiã
com uma destreza incrível.
Nem pense onde ele conseguiu tal habilidade.
Meus seios estão livres.
— Porra.
A forma como me olha faz minha boceta palpitar e sei que
minha calcinha está encharcada e não é da chuva.
Não, Senhor.
Segura meus peitos, provocando o bico com a língua, antes
de colocá-lo inteiro na boca, mamando gostoso.
Jogo a cabeça para trás.
— Banho… lembra? — resmungo, acariciando sua ereção
sob a cueca, apenas para confirmar quão grande e grosso ele é.
Já vi alguns por aí, não sou santa, mas droga, até o pau do
infeliz é bonito.
Estou ferrada.
Sem deixar de me chupar, leva a mão até minha coxa,
acariciando minha pele.
Travo em expectativa.
Sim, mais para cima.
Seus dedos afastam minha calcinha e mergulham nas
minhas dobras.
—Tão molhada. — Mordisca o bico do meu peito, para em
seguida dar leves batidinhas com a língua.
— Por favor, Gustavo — gemo, precisando de mais.
Movo meu quadril contra seus dedos, e ele ri.
— Alguém está ansiosa. — Pressiona meu clitóris, passando
a fazer movimentos circulares, fecho os olhos, entregue às
sensações.
— Olha pra mim, linda — comanda e obedeço, e ele segue
me provocando, deslizando os dedos pelas minhas dobras, para
logo voltar a fazer a pressão certa, só para então se afastar e
começar tudo de novo.
— Filho da mãe.
— Que boca suja, pirralha. Vamos ter que resolver isso.
Estou a ponto de dar uma resposta malcriada quando ele
enfia dois dedos na minha boceta e começa a estocar dentro de
mim, rápido e forte.
— Ia dizer algo? — Mordisca minha orelha, e então volta a
sugar meus peitos, sem deixar de meter dentro de mim.
— Oh, Deus… — gemo, o corpo tenso, conforme prazer
irradia por cada terminação nervosa.
Minhas coxas começam a tremer e, caramba, não acredito
que Gustavo vai me fazer gozar assim.
— Tão apertada, tão molhada… — Enfia mais um dedo e
arfo com a invasão. Seu polegar pressiona meu ponto sensível e
dane-se… não tenho mais controle de nada.
— Gustavo — arfo, tentando resistir, fazer com que dure,
mas não consigo, é demais.
— Goza, Valentina! Goza pra mim, linda… porra! — grita,
atacando minha boca e me entrego, montando seus dedos,
deixando o prazer me varrer.
Eu sonhei, mas nem os meus melhores devaneios chegam
perto disso.
Estou tão ferrada e a noite está apenas começando.
— Achei que íamos tomar banho — resmungo, ainda mole, e
ele sorri.
— Nós vamos, gatinha. — Desliza a calcinha pelas minhas
pernas, dando beijos nas minhas coxas, esfregando a mão aberta
na minha boceta sensível.
— Tão gostosa — provoca, deslizando o indicador pelas
dobras.
— Humm.
— Mal posso esperar para cair de boca nesta sua bocetinha.
Puta merda.
Acabei de gozar e já estou animada com a ideia.
— Liga este chuveiro, pelo amor de Deus.
Rindo, ele obedece, testando a temperatura com sua mão,
antes de me puxar para dentro.
A água quente nos recebe e, nossa, é bom demais.
— Você ainda está de roupa, não é justo.
Se livra da cueca, sob meu olhar atento e, droga… eu tinha
razão.
Grande e grosso.
— Nina… — Sua voz é rouca quando agarra minha nunca,
me beijando com intensidade.
Uma mão vai para seu cabelo, mas a outra tem destino
certo.
Agarro seu pau e vibro quando Gustavo geme contra a
minha boca.
Tudo dentro de mim se agita.
Quero dar prazer para ele… como ele me deu.
Provoco, subindo e descendo de forma ritmada, e então
acaricio a cabeça da sua rola com meu polegar.
— Você vai me matar.
— Você teve sua vez de brincar… — Mordisco sua orelha,
enquanto ele segue beijando meus seios.
— Aquilo foi só o começo, linda. — Pega o sabonete e passa
a deslizá-lo na minha pele.
Droga.
É difícil ficar focada com tantos estímulos.
Suas mãos passeiam pelos meus seios, barriga…
— Gustavo — chamo, mas me ignora, continuando a me
ensaboar.
— De costas.
— Mandão — retruco, mas obedeço, arrebitando a bunda.
— Safada… — Se agacha, mordendo meu traseiro,
enquanto as mãos passeiam pelas minhas coxas, subindo, até onde
meu corpo anseia por seu toque.
Me toca, me deixando pronta… de novo.
— Rabo gostoso da porra, mal posso esperar para ver meu
pau sumindo aqui. — Esfrega sua ereção, pressionando de leve, e
arfo.
Nunca fiz anal.
Mas com ele, droga, com ele eu quero tudo.
Se afasta e resmungo.
— Hora de tirar toda esta espuma de você, linda. — Sua
mão passeia por mim.
É tanto carinho e cuidado, que emoção me domina.
Foco, Valentina.
É sexo, apenas isso.
Sim.
— Você já se divertiu — empurro seu corpo sob a ducha e
pego o sabonete —, minha vez.
Pelos próximos minutos, ensaboo cada pedaço dele. E,
caramba, é melhor que muita preliminar que já tive.
Puro músculo.
O olhar de Gustavo não me abandona um segundo sequer
e, droga, devia ser proibido.
Subo minhas mãos pela sua coxa, pulo para o abdome
definido, roçando meus seios no seu peito, conforme levo minha
mão até seu pau.
— Caralho — sibila, mordiscando meu queixo.
— Gosta? — questiono, tomando meu tempo, descendo e
subindo uma mão enquanto a outra massageia suas bolas.
No instante seguinte, sou prensada contra a parede, presa
entre seus braços. Seu comprimento roça minha barriga e mal
posso esperar para tê-lo inteiro em mim.
— Preciso de você, linda, estou a ponto de explodir. — Sua
boca está no meu pescoço, dando leves mordidas, para em seguida
passar sua língua.
— Eu estava me divertindo — resmungo e ele sorri.
— Você pode continuar se divertindo… — Puxa nossos
corpos sob a água quente. — Na minha cama. — Mordisca meu
lábio, puxando devagar. — Depois que eu tiver acabado com você
— frisa, a voz carregada de desejo.
— Onde está o: primeiro as damas? — brinco e ele ri,
agarrando minha bunda e me carregando para fora do banheiro.
— Gustavo, posso ir andando.
— Assim é mais gostoso.
— Vamos molhar tudo, seu louco.
Ignora meus protestos, fazendo o caminho até seu quarto.
Me coloca no meio da cama, com extremo cuidado e seu
cheiro me inunda.
— Nem nos melhores sonhos — resmunga, me observando
de um jeito estranho e meu coração traidor responde.
— Você vai ficar apenas olhando? — Abro as pernas, numa
provocação.
Não sei se isso acontecerá de novo. Não há tempo para ser
tímida, eu quero tanto esse homem que chega a doer.
Preciso dele!
— Porra, Valentina. — Bombeia seu pau, olhando com fome
para minha boceta.
Ergo o quadril num convite e meu homem vem…
Meu.
Hoje ele é…
Segura minhas coxas com firmeza, mantendo-as abertas.
— Quero você gozando na minha boca, pirralha — sinaliza,
pondo a língua para fora, antes de afundar o rosto entre minhas
pernas, e passá-la devagar pelas minhas dobras, de baixo a cima.
— Puta merda — grito, jogando a cabeça para trás.
— Caralho, como você é gostosa — resmunga, sem erguer o
rosto. Me abre com os dedos e passeia sua língua por toda minha
extensão. — Porra, eu poderia ficar horas aqui.
Misericórdia.
Circula meu clitóris, para então abocanhá-lo, sugando numa
doce tortura.
— Oh, Deus — gemo, erguendo o quadril.
Gustavo pressiona a palma da mão no meu ventre, me
mantendo firme sob seu ataque.
— Tão bom. — Agarro o lençol, bombardeada pelas
sensações da sua boca.
Sem deixar de chupar, enfia dois dedos na minha boceta,
passando a estocar sem descanso.
Pelo amor de Deus.
— Gustavo, eu quero você.
— Estou aqui, linda. — Mordisca meu clitóris, antes de voltar
a metê-lo na boca.
— Puta que p…
— Que boca suja a sua… — Aumenta a velocidade,
socando em mim, sem piedade.
— Eu…
— Só vou sair daqui, depois de lamber cada gota do seu
gozo, Valentina — sinaliza, tirando os dedos e enfiando sua língua
lá. Segura minha bunda, puxando-a de encontro ao seu rosto.
Me fodendo.
Pelo amor…
Quero falar algo, alguma piadinha, qualquer coisa, mas não
consigo. Tudo ao meu redor parece sumir, menos eu e ele… e todas
as sensações que ele desperta em mim.
Gustavo fez até agora mais do que todos os caras com
quem saí antes…juntos.
Estou arruinada… e ele nem colocou o pau na jogada.
— Sim, por favor — gemo, contorcendo o corpo, mas ele
ignora e sua língua segue fazendo estrago.
Meu corpo está em brasa.
Volta a provocar meu clitóris, deslizando seus dedos pelas
minhas dobras.
— Você está pingando, Nina.
— Sua culpa — arfo, precisando de mais.
Lambuza meu cu com minha excitação e reteso o corpo.
— Relaxa, gatinha, hoje vou comer só sua boceta, mas este
cu, ainda vai ser meu. — Pressiona de leve o dedo e, caramba, isso
não deveria me animar, mas faz.
Sem aviso, mete três dedos em mim, ao mesmo tempo em
que abocanha meu clitóris.
Jogo a cabeça para trás, apertando seus dedos.
Gustavo passa a me foder no mesmo ritmo das suas
chupadas e eu sou um caso perdido. Minhas coxas começam a
tremer, mas ele ignora, continua socando em mim.
Gemo palavras desconexas, e ele ergue meu quadril, puxa
minha bunda para perto do seu rosto e passa a estocar sua língua
na minha entrada, mantendo o polegar pressionado no meu grelo.
Estou em combustão…
— Ahhhh… — choramingo.
— Goza, pirralha, goza na minha boca! — comanda,
serpenteando sua língua pelas minhas dobras de baixo a cima, só
para voltar a metê-la em mim.
É demais.
Explodo gritando seu nome e meu corpo convulsiona num
orgasmo delicioso. Ele continua provocando, me lambendo,
sugando, tomando tudo de mim.
É tanto prazer, que dói.
— Por favor…
— Por favor, o que, linda?
— Me fode…
— Você quer meu pau, Valentina? — Se ajoelha entre
minhas coxas, bombeando seu pau, o olhar faminto em mim.
— Quer que desenhe, cabo? — provoco, mordendo os
lábios.
— Ahh, gatinha… — Rasga a embalagem do preservativo,
que surgiu de algum lugar e, em segundos, se encapa. — É isso
que você quer? — Esfrega sua ereção nas minhas dobras.
— Você… inteiro… em mim… Gustavo — pontuo devagar,
para que não haja nenhuma dúvida.
Resmunga algo, mas não consigo ouvir, minha atenção está
nele, que se aproxima feito um predador, pairando sobre mim.
Está acontecendo.
Não é um sonho.
— Pirralha — começa, parando a poucos centímetros de
distância. Não diz mais nada, nem precisa.
Está me dando a oportunidade de desistir.
— Eu quero você, muito — sussurro, mirando seus olhos
castanhos.
Sem desviar o olhar do meu, impulsiona o quadril, se
enterrando devagar dentro de mim.
— Humm… — Mordo os lábios, me sentindo cheia, plena.
Gustavo parece tocar cada terminação nervosa minha.
Enrolo minhas pernas ao redor da sua cintura e ele vai mais
fundo.
— Caralho — geme. — Você está estrangulando meu pau,
linda… que boceta gostosa.
Sorrio com sua boca suja.
Se afasta ligeiro, só para voltar todo o caminho.
A cada movimento, prazer cresce dentro de mim, mas eu
preciso de mais. Eu preciso dele, sem controle.
— Gustavo… — gemo, agarrando seus cabelos. — Me fode!
— Porra, sim! — Se retira e vazio me invade, mas num
movimento ágil, ergue minhas pernas, apoiando-as sobre seus
ombros.
— Você que pediu, gatinha — rosna, esfregando sua ereção
na minha entrada, antes de entrar com uma única estocada.
— Sim!! — grito, prazer rasgando por mim.
O homem realmente entendeu meu pedido. Ele não para,
passa a meter, entrando e saindo num ritmo alucinante.
No quarto só o som dos nossos corpos batendo e dos meus
gemidos.
— Não pare — imploro, entregue ao prazer.
— Nem fodendo — retruca, me fitando com tanta
intensidade que, puta merda, eu poderia gozar só com isso, mas
então ele leva uma das mãos até meu clitóris já sensível,
movimentando o polegar sem deixar de investir.
É meu fim.
— Guto — choramingo, agarrando o lençol, enquanto tudo
em mim se agita.
— Goza no meu pau, Nina — comanda, parecendo ver
através de mim. Fecho os olhos, me entregando, deixando o
orgasmo chegar com tudo, me inundando neste mar de prazer. —
Porra, sim. — Continua entrando e saindo, enquanto minha boceta
convulsiona ao seu redor.
— Valentina — urra, jogando a cabeça para trás,
encontrando a própria liberação, e uma lágrima escorre pela minha
bochecha ao ver seu rosto contorcido de prazer, mas me apresso
em afastá-la.
Sobre o que acabou de acontecer, tenho algumas
considerações:
Primeiro, estou ferrada, tipo, super, mega, enormemente,
ferrada. Será que existe esta palavra?
Segundo, se existia alguma chance de eu sair deste namoro
de mentirinha, tirando Gustavo da minha cabeça, isso já era.
Terceiro, a mangueira dele é A mangueira. Droga, não pense
nisso, não com ele ainda dentro de você…
Quarto, é apenas sexo… tem que ser, certo?
Gustavo desaba sobre meu corpo, e é bom… estamos
ambos suados e respirando com dificuldade, mas não poderia ser
mais perfeito.
Lembre-se da última consideração, Valentina.
Se deita ao meu lado, o rosto virado na minha direção.
Encontro o seu olhar… e, pensando bem, há mais uma
consideração a ser feita, e esta eu faço questão de dizer em voz
alta.
— Enzo vai nos matar!
Power over me – Dermot Kennedy
Summer of’ 69 – Bryan Adams
The One - Kodaline
— Pensando bem, meu irmão vai te matar, eu sou a irmã
dele. Tenho que ter alguma vantagem uma vez na vida.
Ela começa a rir. Rir não, gargalhar.
— Isso, por acaso, é engraçado, pirralha? — questiono, me
livrando do preservativo e voltando para a cama, onde a
engraçadinha está com um sorriso no rosto.
Linda pra cacete.
Não pense muito a respeito… tarde demais.
Droga, ela está certa, caralho, não quero nem pensar no
Enzo.
— Não. — Arregala os olhos na minha direção. — Acho que
estou nervosa. Nunca acreditei que isso — olha para nós —
pudesse acontecer.
Acredite, eu também não.
Seu irmão vai ter que entender, na verdade, ele nem precisa
saber.
— Somos dois adultos, curtindo — tranquilizo, embora, no
fundo, minha cabeça esteja a mil.
— Sim, curtindo. — Se vira na minha direção e meu olhar
imediatamente vai para seus seios pequenos, mas que cabem
perfeitamente na minha mão e boca.
Foco, Gustavo.
— Enzo não precisa saber — aponto.
— Aí está algo que concordo 100% com você. — Morde os
lábios e puxo seu corpo para junto do meu, já querendo prová-la, de
novo.
— Já que temos que fingir um relacionamento, nada melhor
do que aproveitar para nos divertir. — Roço meu nariz no seu
pescoço e sinto-a arrepiar sob meu toque.
— Caramba, acho que nunca concordei tanto com você, em
tão pouco tempo — devolve, montando minhas coxas.
Cacete…
Meu pau já está pronto para ação e minhas mãos seguem
para seus seios.
— Além do que, ter você nos meus braços — roço seu
mamilo com o polegar —, vale qualquer risco.
— Humm…. isso eu quero ver, cabo! — Se abaixa, deixando
uma trilha de beijos no meu peito, aproveitando para esfregar os
peitos gostosos de propósito em mim.
Me atiçando, a diaba.
— Valentina…
— O que foi? — Ergue o olhar na minha direção, mas
continua descendo, raspando suas unhas pela minha pele.
Foda.
Sem desviar o olhar do meu, coloca a língua para fora e
circula a cabeça do meu pau.
— Porra…
— Você disse que eu podia me divertir… depois. —
Serpenteia toda a lateral, subindo e descendo. — Já é depois! —
aponta, e então mete meu cacete na boca, tomando quase tudo.
— Caralho — gemo, agarrando seus cabelos.
A visão da sua boca gostosa, descendo e subindo, engolindo
minha rola, faz minhas bolas apertarem.
Fodido céu.
— Você gosta, pirralha? Do meu pau nesta sua boca esperta
— rosno, e ela intensifica os movimentos, me olhando com a boca
cheia.
Trinco os dentes, controlando a vontade insana de foder
seus lábios.
— Isso, linda, me chupa, toma o quanto conseguir! —
Seguro seus cabelos, tirando-os do caminho.
Observo minha garota tomando tudo, mamando gostoso.
— Humm — geme, passando a provocar apenas a glande,
enquanto suas mãos seguem trabalhando no meu comprimento e
bolas.
Quando acho que não pode melhorar, me surpreende,
abocanhando a cabeça do meu pau, sugando forte, sem diminuir o
ritmo das bombadas.
— Foda…. boca gostosa da porra — arfo, meu controle por
um fio. — Chega, linda — peço, mirando seus olhos verdes, mas ela
nem pisca. A diaba intensifica o movimento, ordenhando minha rola
com vontade.
Cacete.
— Vou gozar na sua boca, Valentina — friso, agarrando seus
cabelos, precisando testemunhar este momento. — Vou gozar nesta
boca gostosa, e você vai tomar cada gota. — destaco e, em
resposta, ela me leva fundo, todo o caminho.
Nem fodendo.
Sinto minhas bolas apertarem e ergo o quadril,
movimentando-o de encontro aos seus lábios.
A visão de Valentina, a boca cheia com meu pau, é algo que
nunca vou esquecer.
Caralho.
Explodo, enchendo-a com a minha porra e ela engole tudo.
Minhas pernas estão até fracas, mas não perco um segundo.
Puxo-a para junto de mim, precisando comer sua boceta.
— Minha vez, gatinha.
— Humm… estava tão bom! — comenta, lambendo os
lábios, e minhas bolas apertam.
Espalho suas coxas e afundo o rosto na boceta melada.
— Cacete, Valentina… — mal reconheço minha voz — …
você está pingando. — Deslizo meu indicador e ela arfa, erguendo o
quadril.
Abro suas dobras, lambendo a bocetinha doce. Vou de cima
a baixo, em movimentos constantes, me deliciando com seus
gemidos.
— Não pare.
— Só quando você gozar na minha língua — devolvo,
passando a estocar minha língua na sua entrada, enquanto sigo
provocando seu clitóris.
Meto dois dedos na sua boceta, ao mesmo tempo em que
abocanho seu clitóris, sugando no mesmo ritmo das estocadas.
— Oh, Deus… — Joga a cabeça, retesando o corpo, e
acelero as investidas, pressionando um dedo lambuzado contra seu
cu, que me recebe. — Gustavo… — arfa, se contorcendo sob meu
ataque.
Só de imaginar meu pau enfiado até o talo no seu cu
apertado, quase gozo e trinco os dedos, buscando controle.
Mordisco seu clitóris, puxando, só para metê-lo na boca e
sugar forte.
— Ahh — grita, o corpo todo tremendo, enquanto a boceta e
cu ordenham meus dedos, num gozo delicioso.
Visto a camisinha em tempo recorde, lambuzando meu pau
nas dobras encharcadas.
— Monta em mim, linda. Quero ver meu pau desaparecer
nesta sua boceta gostosa. — Me deito, puxando-a para cima de
mim.
Valentina me fita, o olhar vidrado de prazer, as bochechas
coradas e meu coração aperta.
Se posiciona sobre mim e sem desviar o olhar do meu,
desce engolindo minha rola, num único movimento.
— Valentina… — silvo.
Suas paredes me apertam e, caramba, estou por um fio.
Se ergue, me tirando quase inteiro, só para descer todo
caminhando, me tomando.
— Porra. — Jogo a cabeça para trás. — Que boceta
deliciosa. Isso, engole meu pau, linda.
— Você é muito mandão— resmunga com um sorriso
safado, mas faz exatamente como pedi, quicando na minha rola.
— Traz esses peitos gostosos aqui na minha cara, traz —
peço e ela se inclina, esfregando-os na minha cara.
Ponho a língua para fora, circulando seu bico, antes de
abocanhar seu mamilo, sugando gostoso.
— Humm…
Levo minha mão até o meio das suas pernas, provocando
seu clitóris com o indicador, enquanto sigo mamando.
— Gustavo… — arfa, me inflamando.
Seguro firme seu quadril e passo a movimentar meu quadril
ao seu encontro, num ritmo forte, constante.
A cada investida, suas paredes me estrangulam cada vez
mais.
— Foda…
No quarto, só o som dos nossos corpos batendo e gemidos.
— Gosta que eu te como assim? Forte?
— Sim, forte… — geme e aumento a velocidade, socando
fundo dentro da boceta apertada.
É como uma luva, feita sob medida para meu pau.
— Caralho, sim, ordenha minha rola, linda.
— Ohhhh… — grita, olhos fechados, rosto corado, com meu
cacete enfiado até o talo convulsionando num orgasmo lindo.
É demais.
Gozo urrando seu nome.
E não sei o que é mais assustador.
Saber que para mim não foi apenas sexo… saber o quanto a
pirralha me afeta, ou que o relógio está correndo e o nosso tempo
juntos está acabando, mas mais que isso, saber o quanto eu a
quero para mim.
Valentina tem que ser minha e não apenas de mentira.
Realmente minha.

— Não acredito que transamos — dispara, colando a mão


sobre o rosto.
— Tarde demais para se arrepender, linda. Ainda mais
quando já é a segunda vez.
— Eu não estou… — começa.
— Bom, porque eu não tive o suficiente desta sua
bocetinha…
Dá um tapa no meu peito e começa a rir.
— Pelo amor de Deus, preciso de um descanso.
Quando percebo, estou rindo também.
É bom.
Geralmente, não tenho este tipo de momento.
É sempre uma foda rápida e cada um segue seu caminho.
Garanto um bom momento, e nada mais.
Claro que com Valentina nada seria como sempre é.
— É tarde! Preciso ir pra casa. — Pula da cama, se
enrolando no lençol.
Quero lembrá-la que já vi e memorizei cada detalhe seu,
mas a deixo seguir arrastando o pano pelo chão. Caminha até a
janela do quarto e lá fora, a chuva não dá trégua.
— Fica aqui, gatinha.
Me fita, pensativa.
— Amanhã acordamos mais cedo, te levo até seu
apartamento e você se troca. Vou colocar a sua roupa pra lavar e
secar, o que acha?
Morde os lábios, me olhando ainda em dúvida.
— Prometo me comportar. — Cruzo os dedos, num
juramento.
— Porque será que não acredito em você… — Estreita os
olhos, me analisando, o sorrisinho ali.
Me finjo de ofendido, e ela faz careta.
Não resisto, levanto, caminhando na sua direção. Seu olhar
segue pelo meu corpo, que não fiz questão alguma de esconder.
Foco.
— Talvez porque você me conheça… — seguro sua nuca,
aproximando meus lábios dos seus — …ou talvez, você não queira
que eu me comporte.
— Com certeza, não — sussurra, seu lábio quase tocando o
meu.
Ataco sua boca, precisando deste beijo, precisando tê-la em
meus braços, sentir seu gosto.
É viciante… e meu peito se agita.
A pego no colo e ela grita surpresa.
— Me coloca no chão, seu louco.
— Seu lugar é na minha cama, pirralha… comigo. — Com
cuidado, coloco-a sobre o colchão, roçando meus lábios nos seus,
mas permaneço em pé.
— Vou colocar sua roupa na máquina e já volto. Podemos
pedir algo e assistir a algum filme.
— Nossa, estou realmente faminta.
— Temos um plano, então. Veja o que quer no iFood, já
volto.
Visto uma boxer e coloco uma camiseta preta minha sobre a
cama.
— Caso você queira aposentar o lençol, você sabe, até ter
roupas limpas.
— Obrigada. — Pega a peça, sem esconder a felicidade.
— Já volto, linda.
— Não demore…— pede, me olhando com tanta intensidade
que fica difícil raciocinar.
Ahh e não vou…nem ferrando.
Ficar jogado na cama num dia chuvoso, nunca pareceu tão
atraente.
Estou fodido!

O alarme do celular toca ao meu lado e eu poderia ficar mais


umas horas aqui tranquilamente. Um olhar para o lado revela o
motivo da vontade louca de ficar em casa.
Pirralha.
Meu coração acelera com a visão.
Valentina está toda descabelada, sem um pingo de
maquiagem e, ainda assim, para mim, é a mulher mais linda.
O dia de ontem, certamente, ficará na memória.
Comemos, assistimos a séries filmes, demos risadas,
transamos de novo, rápido, lento… e então dormimos juntos,
abraçados.
Enfio o rosto nos seus cabelos, inalando seu perfume.
Deus, eu poderia me acostumar com isso.
O alarme volta a tocar e ela se remexe, preguiçosa.
Linda.
— Hummm, sério que já é hora de ir? — pergunta, ainda de
olhos fechados, e quero rir.
— Vamos, dorminhoca.
— A culpa é sua, que não me deixava dormir — resmunga,
se espreguiçando.
— Não lembro de você reclamando — retruco, acariciando
sua barriga, controlando a vontade de seguir mais ao sul —, pelo
contrário.
Ela sorri.
— Bom dia, linda. — Roço meus lábios nos seus.
— Bom dia — retruca, os olhos verdes encontrando os
meus. — Eu me diverti muito ontem — dispara e meu coração
acelera.
— Eu também. O que acha de um banho para despertar?
Arqueia a sobrancelha, me observando com atenção.
— Um ótimo plano — concorda, se levantando —, sozinha,
senão vamos nos atrasar! — complementa e então corre em direção
ao banheiro.
Juro que tento segurar, mas começo a rir, me levantando da
cama também.
— Covarde — aponto.
— Você sabe que é verdade! — retruca e sei que está rindo
também.
— Não sabia que você era estraga-prazeres, pirralha —
provoco, entrando no banheiro.
— Não me atenta — devolve, ligando o chuveiro, ainda com
um sorriso no rosto. — Estou tentando ser forte aqui.
Puxo-a para meus braços, deixando uma trilha de beijos no
seu pescoço.
— Mais tarde?
— Teremos mais tarde? — questiona, mordendo os lábios.
— Não estava brincando quando disse que não consigo ter o
suficiente de você.
Além disso, temos uma farsa para manter, ainda que seja a
menor das minhas preocupações no momento.
O sorriso que recebo deveria ser proibido.
Ela desperta algo em mim, que não sei definir.
E isso é aterrorizante.
Never be the same – Camila Cabello
Style – Taylor Swift
Cruel Summer – Taylor Swift
Trabalhar é uma missão impossível.
Não consigo parar de repassar na minha cabeça os
acontecimentos de domingo e ainda são dez horas da manhã.
Meu Deus!!!
Respira.
Não surta.
— Nina, tivemos retorno da Alice sobre aqueles relatórios de
reembolso? Nina?
Caramba, nem vi a Roberta se aproximar.
— Oi, desculpe, estava distraída. — Olho para minha tela,
tentando pensar em algo para dizer.
— Relaxa, amiga, eu também estaria, no seu lugar.
— Como assim?
— Ah, o pessoal te viu chegando com aquele bombeiro
quente do 21º grupamento. — Se abana.
Mas que povo intrometido. Se ela soubesse da metade…
Claro que não vou ficar fazendo propaganda do meu
homem, sou mais esperta que isso.
Ele não é seu homem!
Ele é sim, de mentirinha, e ainda tenho mais um tempo para
me divertir ali.
Isso, repita mais algumas vezes, até acreditar seriamente
nisso.
— Caramba, tá faltando serviço por aqui — disparo, me
levantando, mas dou uma piscadinha na sequência para descontrair.
— Agora, voltando ao trabalho, a Alice já aprovou sim. O
sistema deve atualizar ainda hoje e já libera para pagamento.
— Perfeito.
Sozinha de novo, agarro meu celular, vendo se a Lau já
respondeu minha mensagem.
Preciso dela.
Laura: “Te encontro na Real, 12h. ”
Me apresso em teclar, o coração batendo acelerado, com a
quantidade de surto que teremos.
Nina: “Aeee! Prepara o coração ”
Laura: “Você tinha que me atiçar, né? ”
Nina: “Claro, senão, não seria eu… ”
Laura: “Louca… ”
Nina: “Não se atrase. ”
Coloco o celular para carregar e, por sorte, entro numa
reunião com alguns fornecedores, o que ajuda a passar o tempo.
Não há outra opção a não ser prestar atenção na apresentação
deles.
Saio da prefeitura faltando dez minutos para o meio-dia.
— Não quer ir comer hambúrguer mesmo, Nina? — Ro e as
garotas perguntam, me vendo pegar a bolsa.
— Hoje não dá, meninas, vou encontrar a Lau na hora do
almoço e resolver umas coisinhas.
— Ok, então. Mande um beijo para ela.
— Deixa comigo.
Mal entro na padaria, chega sua mensagem.
Laura: “No estacionamento. �� ”
Perfeito.
Teremos tempo para almoçar e tagarelar.
— É isso, Lau. — Tomo um gole da minha Coca, observando
o olhar chocado da minha amiga quando termino de contar as
novidades. — Em resumo, rolou… e estou surtando.
— Meu Deus.
— Eu sei, também não sei o que pensar a respeito —
continuo a falar, o que piora quando estou nervosa, como é o caso.
— Vou curtir e ter o máximo que conseguir. — Faço uma careta e
dou de ombros, tentando ser prática e não pensar no depois.
— Calma, amiga. — Lau toma um gole do seu suco de
laranja, e começo a pensar que deveria ter pedido um de maracujá.
Talvez uma jarra. — Vamos por partes.
Partes?
— Primeira coisa, odeio fazer isso, mas eu sabia — frisa as
palavras e reviro os olhos — que mais cedo ou mais tarde, isso ia
acontecer.
— Depois eu que sou louca!
— Nina, estava muito na cara o quanto vocês… — Gesticula
com as mãos e quero rir.
— Aii, Lau, pelo menos você me faz rir. O que significa isso?
— Tento repetir seus gestos, mas é uma missão impossível.
— Para de me zoar, infeliz. Você entendeu. Quero dizer que
vocês estavam um na do outro. Só vocês pareciam não enxergar.
— Amiga, é o Gustavo, lembre-se disso! Ele está comigo até
a minha vozinha se recuperar da cirurgia. Isso entre nós é…
— É? — Cruza os braços, esperando uma resposta que eu
não tenho.
— Tesão? Sei lá… não faz pergunta difícil. É sexo, só isso.
— Uhum.
— É sério, não conversamos muito.
— Posso imaginar, pelo seu relato.
Só de lembrar, sinto minhas bochechas quentes.
— Não sei como não fiquei assada, sério — brinco e ela
quase engasga.
— Menos detalhe, pelo amor.
— Como estava dizendo, é sexo entre dois adultos, eu sei
que Gustavo é um putão, não é como se esperasse uma aliança. O
plano original continua inalterado.
— Sei… — Arqueia a sobrancelha e batuca a unha na mesa.
— Que foi?
— Nada, só acho que este plano de vocês é mais furado do
que peneira.
— É o plano, não há outro.
Fica em silêncio alguns segundos me observando.
— Então aproveita, amiga, falta quanto tempo?
— Quase dois meses.
— Eu ainda acredito que tem mais coisa aí, mas, se você
acha que não, se diverte, amiga, tenhas vários orgasmos. O futuro a
Deus pertence.
— Uau, o que você fez com a Lau?
— Acho que você é uma má influência! — Faz careta e
começa a rir e não consigo segurar, a sigo, e devem achar que
somos duas loucas.
Aiii, como eu precisava disso.
— Dois meses de orgasmos garantidos não podem ser ruins.
— Nina! — exclama, olhando para o lado para ver se alguém
ouviu.
— Relaxa, Lau.
— A muita diversão…. — Ergo o meu copo de Coca, num
brinde, e ela sorri, fazendo o mesmo.
— A finais felizes… — Dá uma piscadinha e eu reviro os
olhos.
Lau é uma sonhadora, eu não.
Vou me divertir e só espero não perder meu coração nesta
brincadeira.
Accidentally in love – Counting Crows
O último mês voou.
Nunca me diverti tanto. Nunca fui tão feliz quanto agora.
Com ela.
Nina tem dormido direto aqui. Não tem mais isso de apenas
uma vez por semana. O que eu acho ótimo. Temos esta
necessidade constante um do outro. Quando ela não está aqui, eu
estou lá.
E, droga, é duro reconhecer, mas é bom chegar em casa e
simplesmente encontrá-la, conversar sobre o dia, jantar, se jogar no
sofá, assistir a alguma coisa na TV e depois fazê-la desmanchar nos
meus braços gritando meu nome, para então dormir de conchinha,
sentindo o perfume do seu cabelo.
Foda.
Meu pau se agita com a lembrança dela.
Da minha pirralha.
O que diabos está acontecendo comigo?
Eu devia estar contando os dias para poder voltar à caça,
muitas e variadas bocetas e não brincando de casinha com a
Valentina, mas, caralho, é exatamente isso que eu quero.
Quero sua boca esperta, quero sentir seu corpo gostoso
contra o meu e me perder no seu gosto, nos sons que ela faz
quando está gozando, quero sua incrível capacidade de me fazer rir,
quero seu carinho após um dia cansativo, quero tudo dela, quero
tudo que ela me faz sentir, só por estar ali… comigo.
Fodido? Sim.
Nos fins de semana, continuamos com o plano, almoço na
casa da dona Simone, que você não vai me ouvir reclamar, nunca.
A mulher me mima pra caralho.
Valentina me zoa, falando que sua mãe faz mais meus
pratos preferidos do que os dela, e claro que isso é motivo de muita
piada e provocações.
Não seria a gente se não fosse assim.
Até no shopping fomos, mas só quando tem um cinema na
jogada. Deve ter algo para compensar a tortura de andar por aquele
lugar sempre lotado.
Os programas sempre variam e não há dúvidas de que
somos vistos, o que sempre foi o plano original.
Adoro todos os nossos momentos, mas quando estamos
apenas nós dois, montados na Ninja, na estrada, descobrindo
alguma cidadezinha no interior, ou apenas em casa, curtindo
juntos…
Estes são os melhores.
Ninguém pensaria que é um namoro de mentira.
Mas é.

Chego ao batalhão, pronto para mais um dia, e o pessoal já


está animado no refeitório.
— Dia!!! — cumprimento, batendo meu punho contra cada
um. — Está chegando o grande dia, chefia — provoco Carvalho, já
que seu casamento é no fim de semana.
— Porra, estou nervoso pra caralho.
— Vai ficar tudo bem, subtenente — Prado tranquiliza.
— Posso imaginar o seu nervosismo. — Dutra apoia a mão
no seu ombro e já sei que vem merda. — Saber que irá se amarrar
com uma mulher só. — Faz uma careta e Mendonça, ao lado,
apenas segura a risada.
Dutra comenta com Mendonça e Prado faz barulho de ânsia.
— O que foi? Só disse verdades.
— Isso é tão típico de homens, sério, Dutra… não é à toa
que está sozinho.
— Quem disse que estou sozinho?
— Onde está a sra. Dutra?
— Isso eu pago pra ver.
— Vá se foder, Santos.
— Deixa-me adivinhar, não tem, né?! — Prado se aproxima,
parando a poucos centímetros de distância. — Quem aguentaria um
neandertal como você.
Ele sorri.
— Você aguentaria! — provoca e o clima fica tenso.
— Ah, você me aguentaria?
Acho que a conversa deixou de ser sobre homens da
caverna, e estou a ponto de pigarrear quando o alarme toca.
Bem na hora.
— Arrumem um quarto, pelo amor de Deus — disparo e
todos caem na risada. Todos menos eles, que continuam se fitando.
Bem que a loira disse que há algo ali.

— Chegamos — anuncio, conforme entro no estacionamento


ao lado do hospital São Judas.
Valentina está calada desde que entrou no carro. Ela insistiu
que eu não precisava me incomodar, mas claro que eu quis vir aqui
com ela. Sua avó vai operar amanhã e toda família está nervosa,
inclusive ela, por mais que tente parecer forte. É sua vozinha, e é
uma cirurgia de risco.
— Obrigada.
— Pelo que linda?
— Você sabe, por ter vindo aqui, comigo.
— Claro que eu viria, você é minha garota.
Faz uma careta.
— Seu turno acabou faz meio hora, deve estar cansado e
ainda assim, está aqui.
— É o que namorados fazem, não é?!
— Gustavo — começa e vejo tristeza no seu olhar.
Valentina acha que estou aqui por conta da nossa farsa, mas
não, porra.
— Hey, olha para mim, estou aqui porque quero estar.
Um sorriso fraco brota no seu rosto.
Não é o melhor que ela consegue, mas é um começo.
— Vamos?
Acena que sim e juntos seguimos para a recepção.
— Olha só quem chegou, mãe — dona Simone anuncia ao
nos ver na porta do quarto.
— Lembrou que tem vó, menina?
— Ah, vozinha, até parece, né… — Nina rebate, caminhando
na sua direção. — Estão cuidando bem da senhora?
— Eu quero é ir logo para minha casa — resmunga. — A
comida daqui é muito ruim. É tudo sem sal, sem sabor.
— É de propósito, vó, a senhora sabe que não pode abusar
do sal.
— Não posso fazer nada que gosto, melhor morrer logo.
— Deixa de bobeira, mãe — dona Simone repreende e a
velha faz uma careta.
— E você meu, rapaz, como está?
— Tudo ótimo, dona Maria. — Aceito a mão estendida, o
aperto é firme. A velha vai longe, ainda mais com o coração
arrumado. — Valentina me disse que a senhora adora um
churrasco. Depois que se recuperar, vou organizar um para
comemorarmos. O que acha? Uma carne sangrando.
— Case logo com este menino, minha filha. Ele é esperto e
bonito demais.
—Vó! — exclama, corando imediatamente.
— Que foi?
Valentina nem tem tempo de responder algo e, caramba, eu
queria ver como a loira ia se virar.
Um senhor de uns sessenta anos entra no quarto,
acompanhado de vários outros médicos.
— Bom dia, dona Maria! Como a senhora está?
— Bom dia doutor. — Sorri. — Vou estar melhor quando o
senhor deixar eu ir para casa.
O médico ri.
— Já chequei seus últimos exames. Tudo certo para
seguirmos com a cirurgia. Amanhã a senhora já estará nova em
folha.
— Bom, doutor, porque não posso deixar minhas plantas
muito tempo sozinhas. Meu velho vai matar elas tudo. Ou de sede
ou afogada.
Caralho, é difícil ficar sério.
A avó da Valentina é figura demais, e é impossível não me
lembrar dos meus velhos.
Os médicos se despedem e ficamos novamente sozinhos.
— Vó, nós vamos indo, tá?! Logo, logo a senhora já vai estar
em casa e vou lá te infernizar. — Valentina tenta soar brincalhona,
mas sua voz denuncia o quanto está emocionada.
— É bom mesmo e traga este moço bonito com você, não
deixe ele escapar, fia — fala baixinho, mas claro que eu escuto.
Nina sorri e olha de relance para mim, os olhos marejados e,
foda.
Ela não precisa nem falar.
Sei que deve estar se sentindo péssima, eu estou…
— Fique tranquila, dona Maria. Valentina não vai se livrar tão
fácil de mim — pontuo e, caramba, eu quis dizer cada palavra.
Entrelaço meus dedos nos seus e isso não passa
despercebido à velhinha. Ela acompanha tudo com olhos de águia e
então sorri.

Terminei de fazer a checagem das guarnições, quando meu


telefone toca.
Valentina.
Que sejam boas notícias.
— Oi.
— Algum problema, linda?
— Minha mãe acabou de me ligar, a cirurgia foi um sucesso.
— Aee!! Boas notícias, porra!
Ela ri e, caramba, se meu peito não se agita.
— Viu, só! Te disse que sua vó ia ficar bem. Ela quase
esmagou minha mão ontem. A mulher é forte.
— Você disse mesmo — retruca e sei que está sorrindo. —
Quis te avisar. Sei que não tenho sido a melhor companhia nos
últimos dias.
— Você sempre é.
—Vou gravar isso, para quando você reclamar — brinca e é
bom vê-la um pouco mais leve.
— Eu disse alguma coisa? Não sei do que você está
falando, gatinha — provoco.
—Cretino.
— Linda.
— Nos vemos mais tarde? Você vem aqui?
Ela ainda pergunta.
— Sim, nos vemos mais tarde, linda.
— Não demore.
— Nunca, já estou pensando na comemoração — provoco.
— Você é muito safado — rebate, rindo.
— Um safado que você ama — aponto.
Ela ri, alto, forte.
— Disse algo errado? — atiço, esperando sua resposta.
— Errado? Claro que não! — devolve e meu coração
acelera. — Só tentando decidir aqui, o que é maior… seu pau ou
seu ego.
— Você ainda tem dúvidas? Vamos ter que conversar muito
sério esta noite. Este tipo de pergunta é inadmissível.
— Para, minha barriga está até doendo — pede. — Até mais
tarde.
— Até.
Desligo com um sorriso no rosto e mal coloco o celular no
bolso, escuto passos logo atrás de mim.
— Sargento. — Aceno na direção do Dutra.
— O pior cego é aquele que não quer ver.
— Do que você está falando?
— Nada não, só lembrando de algo que minha vó sempre
dizia.
Arqueio a sobrancelha, pensando quanto da conversa o puto
escutou.
— Nada como a sabedoria popular — devolvo. — Sabe o
que eu também sempre ouvi?
— O quê? — questiona com o sorriso debochado no rosto.
— Onde há fumaça, há fogo — digo e aponto com a cabeça
na direção da 3º sargento.
Seu olhar segue para lá e o sorriso de segundos atrás some.
— Vá se foder!
Caio na gargalhada, enquanto ele segue pisando duro na
direção do depósito.
— O que foi? Disse algo errado? — grito, me divertindo pra
caralho com a situação.
Dutra está errado.
Não sou cego, sei bem da minha situação.
E ela não é nada bonita.
Pieces of me - Ashlee Simpson
Way back into love – Hugh Grant & Hailey Bennett
What if – Colbie Caillat
Sábado chegou, e eu estou como? Surtando.
É hoje que a Lau vai casar!
Vou encontrá-la, sua mãe, sogra e a pequena Manu no salão
onde a mulherada vai se arrumar.
Mal preguei os olhos de tanta ansiedade e me atrevo a dizer
que não devem ser nem oito horas da manhã e já despertei.
— Que horas são? — Gustavo resmunga ao meu lado,
enfiando o rosto nos meus cabelos ao mesmo tempo em que puxa
meu corpo junto do seu.
Uma espiada no celular comprova minhas suspeitas.
— São sete e meia…
— Sete e meia da madrugada, linda, volta a dormir.
— Não consigo, estou muito excitada.
— Posso te ajudar com isso — rebate e não seguro o
sorriso.
— Você entendeu o que quis dizer, é o grande dia.
— Sim, eu sei, mas não pode me culpar por tentar —
retruca, dando leves beijinhos no meu pescoço.
— Louco.
— Ainda acho que um orgasmo vai te ajudar a relaxar —
argumenta, as mãos acariciando minha barriga, fazendo seu
caminho para o sul.
— Gustavo — resmungo, mas no fundo sei que não é uma
má ideia. Na verdade, eu poderia acordar assim todos os dias.
Mas isso é uma fantasia.
Nosso namoro de mentirinha está no fim.
Não pense nisso.
Tarde demais.
Tristeza me invade e eu preciso levantar urgente.
— Tenho que ir ao banheiro — aviso, quase pulando da
cama.
Nem olho para trás, só faço meu caminho para lá e tranco a
porta atrás de mim.
Meu coração bate acelerado no peito.
Eu sabia que seria difícil não me apaixonar, mas achei que
conseguiria lidar com o “estamos apenas transando”, me enganei.
Estou tão ferrada.
Eu não quero que isso acabe e, pela primeira vez em anos,
eu não sei o que fazer. Ignorá-lo não vai mais adiantar, não agora
que eu sei como é bom estar com ele.
Respira, vai ficar tudo bem.
— Nina, está se sentindo mal? — A preocupação na sua voz
é uma faca no meu peito.
Ele se importa, claro, eu sou a irmãzinha do Enzo.
Droga, Valentina! Se controla!
— Estou bem — me apresso em avisar. — Vou tomar uma
ducha e já saio.
— Ok, linda, vou arrumar o café para nós.
Fecho os olhos, apertando com força a borda da pia.
Fale com ele.
Nem pensar. Isso é humilhação na certa.
Ligo o chuveiro, com a esperança de que um banho ajude a
tirar tudo isso da minha cabeça, por ora.
Eu não quero pensar no amanhã.
Droga, eu não sei se haverá um.
Eu tenho que viver o presente.
O agora, e pelo menos por mais uns dias, Gustavo é meu…
E eu vou aproveitar cada maldito segundo.
Foi difícil desviar das suas perguntas, mas consegui. Ele
estava realmente preocupado quando saí do banheiro, quinze
minutos depois.
Claro, sua louca, você saiu correndo da cama e se trancou
lá.
— Ainda não acredito que você vai ficar aqui até às
dezessete horas — dispara ao estacionar em frente ao salão onde
passarei as próximas horas.
— Tá achando que é fácil ser mulher?
— Não precisa de nada destas coisas, você já é linda pra
caralho. —Sorrio com o elogio inesperado.
— Você vai gostar do resultado — brinco, soltando o cinto.
— Tenha certeza de que estarei a noite inteira pensando na
hora de chegar em casa e ter você toda nua na minha cama, isso
sim.
Me aproximo, quase colando meus lábios nos seus.
— É um bom plano — sussurro, provocando.
Segura minha nuca com firmeza e cola sua boca na minha.
Não é lento ou suave.
Sua língua encontra a minha e, céus, eu poderia ficar ali
apenas beijando meu homem.
Meu…
Puta merda.
Ele se afasta e apoia a testa na minha.
— É melhor você descer, antes que eu te leve de volta —
brinca, a respiração acelerada.
Não consigo nem articular uma resposta, apenas aceno.
— Te busco mais tarde, pirralha. — Roça seus lábios nos
meus, acariciando minha bochecha com o indicador.
— Não demore — advirto, fazendo careta.
— Dezenove horas em ponto estou aqui — retruca sério e
eu arregalo os olhos, mas logo então vejo o sorriso do infeliz. — Tô
zoando, linda. Dezessete. — Pisca.
Reviro os olhos e desço do carro, já contando as horas para
revê-lo.
Sim, eu sou um caso perdido no que diz respeito a ele.

— Meu Deus, Lau.


— Gostou? — Rodopia na minha frente com um vestido
branco evasê, aqueles justinhos na cintura e mais largos no final,
absolutamente lindo. Alças finas, coberto de aplicações em renda e
tule. Uma princesa!
— Cadu não vai nem conseguir anotar a placa do caminhão
— começo.
— Que caminhão? — A voz da Manu soa logo atrás de mim
e Laura apenas sorri.
— Que caminhão, tia Nina? — Laura reforça a pergunta e
quero matá-la, amo a Manu, mas não tenho todo o traquejo com
crianças.
A pequena continua me observando com curiosidade e
respiro fundo.
— Não tem caminhão, Manu. É só um jeito dos adultos
dizerem que alguém está tão, mas tão bonita, que a outra pessoa
vai ficar bem surpresa quando ver, entendeu?
— Humm, acho que sim — devolve depois de alguns
segundos, pensando.
Oh, Glória.
— E quanto a você, mocinha, está muito linda também —
aponto, cutucando de leve sua barriga.
— Papai vai achar que eu e a minha mamãe somos
princesas — comenta, abrindo um sorriso gigante.
— E ele não poderia estar mais certo! Vocês são — afirmo,
olhando de uma para outra com um aperto no coração.
— A tia Nina também está muito bonita, né, ursinha?
— Aham, tio Correia vai ficar olhando igual bobo. — Dá uma
risadinha, levando a mão até a boca e eu não entendo é nada, mas
nem tenho tempo de perguntar, porque a pequena corre na direção
da sala ao lado onde as avós estão se arrumando.
— Igual bobo?
— Apaixonado — Lau explica e faço uma careta. — Criança
não mente, você sabe…
— Crianças são inocentes demais — rebato.
— Você está linda, amiga.
Olho para meu reflexo no espelho de corpo inteiro e gosto do
resultado.
Ao contrário do vestido que usei no casamento do meu
irmão, este é de um tom entre o vermelho e vinho, a paleta de cor
escolhida pela Lau para as madrinhas. Qual foi o nome mesmo que
o vendedor me disse? Ah, lembrei. Marsala.
É realmente lindo. Decote em V, mas coberto por uma
camada de tule, acinturado, e a fenda na perna é suavizada pela
saia de voal.
— Me atrevo a dizer que o pobre janeiro nem saberá o que o
atingiu.
— Você está me copiando! — destaco, rindo.
— É verdade, ué…
— Espero que ele goste, e fique a noite inteira pensando em
me tirar dele — digo, depois de me certificar de que não há
nenhuma criança nas proximidades.
— Reconheço que este é meu objetivo também. — Pisca e
eu arregalo os olhos.
— Lau safadinha — brinco e ela gargalha.
— Eu? Nós, né, amiga?!
— Com estes bombeiros quentes, como resistir?
— Não poderia concordar mais com você.
Meu celular vibra sobre a mesa e corro para atender.
Gustavo.
— Pela sua cara apaixonada, já sei até quem é.
— A festa nem começou e você já andou bebendo, Lau —
desconverso, o coração acelerado.
— Estou supersóbria, dona Valentina, mas no momento,
nervosismo me define.
— Ei… — Me aproximo e seguro sua mão. — Vai dar tudo
certo! O casamento será maravilhoso, tenho certeza. Pensa que o
mais difícil você já conseguiu, o noivo. — Pisco e consigo arrancar
um sorriso.
— Te amo, Nina.
— Muito feliz por você, Lau. — Meus olhos começam a
arder, um claro sinal de que preciso mexer minha bunda e sair dali.
— Nos vemos na igreja, amiga.
Acena que sim, incapaz de falar, e sei que está se
segurando para não chorar também.
— Respira!! Nada de arruinar a maquiagem. Te mato, hein?!
Ela sorri e me pego fazendo o mesmo.
— O que eu seria sem o seu suporte? — sussurra, mas eu
escuto.
— Maravilhosa? — Faço careta e continuo caminhando em
direção à porta.
— Vá logo antes que me faça chorar, louca. Queria tanto ver
a cara do Correia ao te ver… — Faz biquinho e reviro os olhos.
— Depois te conto! — quase grito da porta. — Ou não! —
Nem espero para ouvir sua resposta. A brisa do fim da tarde me
recebe e agradeço por não estar ventando forte, já que meus
cabelos estão soltos e o penteado está incrível.
Dou mais dois passos, e ergo o rosto tentando ver onde
Gustavo estacionou, então o encontro.
Puta que pariu.
Parece que quem foi atingida por um caminhão fui eu.
Parado ao lado da porta do passageiro, vestindo um terno
cinza-claro com colete que molda seu corpo com perfeição,
destacando os braços musculosos sob a camisa branca, e para
completar o visual, a tradicional gravata na mesma cor do meu
vestido.
Lindo é pouco para definir meu homem.
Chama o bombeiro porque eu estou pegando fogo.
Na verdade, não precisa chamar ninguém.
Eu tenho meu próprio bombeiro.
— Valentina… — Sua voz rouca vai direto para minha
boceta e não quero nem pensar no estado da minha calcinha. O fato
dele estar me medindo sem disfarçar, não está ajudando em nada.
Fale algo, qualquer coisa.
— Achei que usaria o uniforme de galã — é o que sai da
minha boca. Sério?
— Carvalho pediu que usássemos roupas civis, toda atenção
estará na noiva e não em nossos trajes.
Tenho que admitir que um monte de homem de uniforme iria
atrair bastante interesse e achei um gesto atencioso do noivo.
— Você está linda pra caralho, pirralha. — Apoia a mão na
minha cintura, me puxando para junto de si.
Oh, Deus!
— Você também não está nada mal… — sai da minha boca,
quando finalmente consigo voltar a raciocinar.
— Mesmo sem uniforme? — questiona, arqueando a
sobrancelha.
Oh, merda! Principalmente sem, na verdade, prefiro sem
nada.
Minhas bochechas ardem com o rumo dos meus
pensamentos e pelo seu olhar, ele imaginou a safadeza que pensei.
Pelo menos, não falei em voz alta.
— Temos mesmo que ir? — sussurra no meu ouvido, e um
arrepio percorre meu corpo.
— Somos os padrinhos — devolvo, sem deixar de fitá-lo.
— Tenho certeza de que nem sentirão nossa falta, certeza
que Carvalho chamou outros padrinhos.
— Mais tarde — desta vez sou quem fala baixinho no seu
ouvido e seu aperto intensifica.
— Vou cobrar, gatinha.
— Conto com isso. — Pisco e ele sorri. — Agora vamos,
temos que chegar antes dos noivos.
You and me – Lifehouse
The One – Kodaline
Stand by me – Ben E. King
Valentina será meu fim!
Eu sei exatamente o que a diaba estava pensando quando
questionei se estava bem sem uniforme. Ela é tão expressiva e tudo
que não preciso no momento é meu pau pressionando contra o
zíper.
A noite vai ser longa, e simplesmente não consigo ter o
suficiente da pirralha. A verdade é que ela cresceu e virou um
mulherão, e quanto mais convivo com ela, mais tenho certeza de
que a quero para mim.
Ao contrário do casamento do Enzo, o do subtenente é aqui
mesmo, em Sorocaba, o que facilita a logística.
Estaciono o carro próximo do local da cerimônia religiosa, a
Igreja de São Judas Tadeu.
— Chegamos — anuncio e sei que está tensa.
Contorno o veículo e a ajudo, o vestido é deslumbrante, mas
o comprimento atrapalha um pouco os movimentos, para ajudar, a
loira não economizou no salto alto.
Sério, o sapato devia vir com um aviso de perigo.
Entrelaço meus dedos nos seus, garantindo que Valentina
não se acidente.
— Estou nervosa — sussurra e acaricio sua palma.
— Vai ficar tudo bem! Pronta para mais um? — brinco e ela
sorri.
— Com certeza! Só espero que o pessoal dê uma trégua
neste negócio de casar, meu bolso agradece — brinca e não
consigo evitar o sorriso.
Valentina é espontânea, brincalhona e certeza que
encontrará alguém que a fará muito feliz.
Porra, não vá por este caminho.
Não quando só consigo pensar que… poderia ser eu.
— Olha só quem chegou! — A voz inconfundível do Dutra
soa e forço um sorriso no rosto, ao caminhar em direção aos caras.
Estão todos na entrada da igreja.
— Sargento! — cumprimento.
— Cabo! — devolve, aceitando a minha mão, e me puxando
para um abraço.
— Vocês estão todos incríveis — Nina comenta ao meu lado,
cumprimentando cada um com um beijo na bochecha.
— Muito gentil de sua parte. O uniforme geralmente faz mais
sucesso com as mulheres, mas hoje isso terá que servir. — O puto
passa a mão pelo terno preto e dá uma piscadinha para minha
mulher.
— Ora, ora, vejo que veio na maldade — disparo, erguendo
uma sobrancelha.
— Sempre! — retruca ligeiro e tanto eu quanto Valentina
caímos na risada.
— Então é verdade que a farda faz sucesso? — ela
questiona, olhando para Dutra com curiosidade.
Ele está a ponto de responder, quando seu olhar fica fixo em
algo atrás de nós.
Não algo, alguém.
— Carol — Nina se adianta, indo abraçar a 3º sargento, que
está muito elegante num vestido vermelho, um tom mais vivo que o
da Valentina.
É estranho ver a sargento assim. Ela é uma bela mulher,
certamente, mas eu só tenho olhos para a minha. Já outras pessoas
ao meu lado…
— Nina. — Se abraçam forte e é legal ver como a pirralha se
enturmou. — Correia, pessoal… — Olha para todos, Santos,
Mendonça, Melo. — Felipe… — Seu olhar demora um pouco mais
no 2º sargento e já não tenho dúvidas que há algo estranho por
aqui. — Desculpe atrapalhar a conversa, o que estavam falando? —
Sorri sem graça.
— Dutra estava aqui comentando sobre como os
uniformes… — Mendonça começa e quero lhe dar uma cotovelada,
mas estou longe.
— Ora, ora, olha só quem encontrei aqui. — A voz
inconfundível do Carvalho soa atrás de nós.
— Caramba, subtenente! Mal te reconhecemos, porra. Ops,
foi mal — Dutra se corrige e quero rir.
Tentamos maneirar, principalmente no batalhão, mas
palavrão é doce na nossa boca, infelizmente.
O cara está arrumado pra cacete. Claro, né, é o noivo!
O que eu estava dizendo sobre a boca suja? Esquece!
Ao seu lado, sua mãe, dona Marlene, está elegante num
vestido dourado, Manu parece uma princesinha, com o cabelo preso
no alto da cabeça, e ao seu lado, o infeliz do irmão mais novo.
Ok, talvez eu seja um pouco rancoroso.
Mas, caralho, não esqueci a forma como ele ficou olhando
para a pirralha, ou pior, quando tentou ensiná-la a jogar bilhar no
último churrasco.
Não vá por aí.
— Dona Marlene, como está linda — ela cumprimenta a
mãe do Cadu e na sequência é engolida pelos braços do marmanjo.
Filho da mãe.
Respira, porra.
— Paulo, prazer te ver de novo.
— O prazer é meu — retruca e só então olha na minha
direção.
— Gustavo, o namorado. — Friso a última palavra, sem
desviar o olhar.
Seu aperto é firme e posso jurar que o cretino quer rir.
— Namorado, é? Vejo que as coisas evoluíram desde nosso
último encontro. Até que enfim fez seu movimento, cara. — Aperta
meu ombro e cerro o punho.
— É… — A pirralha parece desconcertada.
— Pessoal, boa noite, sugiro que já tomem seus lugares, a
cerimônia vai começar em breve — uma senhora pede, e
acompanho os caras e a Prado se movimentarem para entrar na
igreja.
— Lau está chegando? — Nina questiona, olhando ao redor,
à beira de um surto.
Carvalho parece a ponto de ter um treco de tão branco.
— Tudo certo, subtenente? — questiono, ao vê-lo mexer na
gravata pela segunda vez, em poucos segundos.
— Nervoso pra caralho — responde, após certificar-se de
que a filha está mais distante.
— Já volto — Valentina murmura ao meu lado, indo falar
com a senhora que praticamente enxotou o pessoal para dentro da
igreja.
— Nem pense em me pedir para ficar calmo, cabo. Quando
for a sua vez, a gente conversa.
— Minha vez? — Arqueio a sobrancelha.
— Continua em negação?
— Não sei do que está falando — devolvo, um pouco antes
dela voltar com um sorriso no rosto.
— Guarde minhas palavras — o subtenente retruca antes da
senhorinha o puxar pelo braço e começar a organizar a fila para a
entrada.
Hora do show.
— Pronta? — pergunto, estendendo o braço e encontrando
seus olhos verdes.
Olha do meu braço para meu rosto e então abre um enorme
sorriso.
— Eu estou!
— Bora então, gatinha.
As palavras do Carvalho continuam martelando na minha
cabeça. Será que um dia chegará a minha vez?
Nunca pensei nisso.
Sempre achei que seria o último solteiro, pegando todas as
bocetas disponíveis e depois viraria o velho da lancha e continuaria
na minha empreitada, macetando sem piedade.
Olhando para a mulher deslumbrante ao meu lado, esses
planos não parecem tão interessantes.
— Você está bem? — Acena a mão na frente do meu rosto.
— Oi?
— Está bem? Parecia com a cabeça longe.
— Só pensando no trabalho — minto.
— Nada de trabalho hoje. — Aproxima o rosto do meu,
roçando seus lábios de leve. — Só diversão.
Acaricio sua bochecha com o indicador.
Só diversão.
Eu consigo lidar com isso.

Não entendo nada destas coisas de casamento, mas


reconheço que tudo estava muito bonito.
A pirralha tinha razão, nossa ausência seria notada. No altar,
fora os pais dos noivos, apenas dois casais de padrinhos de cada
lado.
A loira até tentou não chorar, mas na hora dos
cumprimentos, não teve jeito. Por sorte, eu trouxe um lencinho, já
prevendo esta situação.
Valentina pode se fazer de durona, mas é uma manteiga
derretida, principalmente quando se trata de família e pessoas que
ela gosta.
Laura é uma dessas.
Agora rumo à festa, num dos melhores salões da cidade,
espero que o choro tenha ficado para trás e seja só comemoração.
Pode parecer bobo, mas eu só quero vê-la sorrindo.
Assim que entramos no local, só consigo pensar: “Se já
gostei da cerimônia, tenho certeza de que vou amar a festa.”
O espaço é amplo.
Se tem algo que odeio, é lugar apertado e pouco ventilado.
Não é o caso. Várias mesas estão estrategicamente
espalhadas por um grande salão.
— Uau, que lindo! — Nina murmura ao meu lado.
— Tenho que concordar com você, gatinha.
Seguro na sua mão, fazendo questão que cada homem
neste lugar, saiba que a mulher é minha, principalmente o irmão do
noivo.
Não vi mais o infeliz desde que saímos da igreja, mas a noite
é longa.
Foda-se, posso estar um pouco possessivo.
— Aqui! — alguém chama, viro o rosto na direção do som,
apenas para encontrar Dutra gesticulando. Ao seu lado, o pessoal
do batalhão.
Os putos já até arrumaram uma mesa, longe da pista de
dança e próximo do bar.
Perfeito.
— Segundo casamento de vocês, em quantos meses? —
Dutra pergunta nos observando com curiosidade.
Demoro um pouco para entender o trocadilho, a pirralha é
mais rápida.
— Quatro meses. Não me fala que você também vai casar!
— Eu? Credo e cruz! — Faz o sinal da cruz e todos
explodem numa gargalhada.
— Felipe assumir um compromisso? Mais fácil o inferno
congelar — Prado comenta e os caras acenam em concordância.
— Assim, você fere meus sentimentos. — Pisca na direção
dela. — Estou procurando a garota certa — debocha e ela revira os
olhos.
— Dutra é o cara mais esforçado que conheço — Mendonça
começa sério. — O homem procura mesmo! — frisa e então cai na
risada. — Às vezes, mais de uma vez, na mesma noite.
— Vá se foder! — rebate e todos riem.
— Puto! — a sargento cospe, antes de se levantar. — Vamos
dançar, Nina?
— Com certeza! —retruca, me dando uma piscadinha. — Já
volto.
— Se divirta, linda — respondo, ignorando a plateia e as
piadinhas que virão.
— O próximo casamento é o de vocês? Lindo?
Só ergo o dedo do meio e nem me dou ao trabalho de
responder.
As próximas horas voam.
O papo, a música, a comida tudo está bom.
Valentina já me chamou diversas vezes, mas ainda não criei
coragem de ir dançar. Observá-la se divertindo tem sido meu
entretenimento, bem isso, e imaginar aquele vestido fora do seu
corpo.
Porra, controle, homem!
— Ih, Correia. Chegou a hora da noiva jogar o buquê —
Dutra inferniza ao lado.
— Você não tem que procurar a garota certa? — provoco e
vejo o momento que seu olhar segue para a pista onde a mulherada
se reúne. — Ou talvez já tenha encontrado? — sugiro e ele ignora.
— Cala a boca, porra. Vamos ver quem vai pegar. Eu
sempre me divirto nestas horas. A mulherada falta sair na mão.
Observo Prado e a pirralha se afastarem da multidão que se
aglomera logo atrás da Laura.
Laura joga o buquê com força. Ele voa, passando pela
maioria das cabeças e bate no peito da pirralha que o agarra,
assustada.
— Nem fodendo — é o que sai da minha boca.
— Vixe, mãe! Se fodeu, cabo!
— Vá à merda — retruco, sem desviar os olhos de Valentina,
que olha das flores para mim, sem esconder o choque.
Meus pés ganham vida e quando percebo, estou a poucos
passos de distância. Prado sorri, olhando de mim para a Valentina e
então se afasta, indo na direção da mesa.
— Devo lembrá-la que nosso trato só dura mais algumas
semanas — sopro próximo da sua orelha.
— Ora, seu…
— Brincadeira, pirralha. — Puxo-a para junto do meu corpo.
—Dança comigo!
Não esconde a surpresa.
Posso não ser o melhor dançarino, mas com ela nos meus
braços, tudo parece certo.
— Obrigada. — Sua voz é quase um sopro.
— Pelo quê? — Miro seus olhos.
— Por isso, por dançar comigo. — Sorri e algo em mim
parece quebrar.
Não digo nada, roço meus lábios nos seus e ela apoia o
rosto no meu ombro, quando “Stand by Me” começa a tocar.
Quem vê de fora, realmente acharia que somos um casal.
Nós temos sido…
E eu nunca fui tão feliz como nos últimos meses.

Alguns convidados já foram embora. A festa está chegando


ao fim, e continuo observando Valentina e Laura dançando na pista.
Este dia vai ficar para a história.
Meu celular vibra no meu bolso e o puxo.
Enzo.
Mas que porra… será que aconteceu algo?
— Já volto, preciso atender esta ligação — aviso os caras e
saio da mesa, indo para um canto mais afastado e com menos
barulho.
— Fala, Enzão! — disparo, assim que atendo.
— E aí, Gu, tudo em ordem?
— Tudo tranquilo!
— Soube que hoje é o casamento da Laura — aponta, muito
direto para o meu gosto.
Algo não vai bem.
— Sim, estamos aqui!
— Se divertindo?
Enzo está estranho.
— Não está ruim, a cerveja está gelada — brinco.
— Valentina?
— Se divertindo na pista.
Silêncio.
— Tenho que admitir que não acreditei que fosse aguentar.
Se ele soubesse como é fácil ficar com ela.
Como eu quero mais…
— Eu prometi, cara. Não vou mentir, tá foda — minto, mas
pensando bem, na verdade, não é mentira.
Está difícil mesmo. Não deixar a pirralha me enrolar em torno
do seu dedo, entrar sob a minha pele.
Caralho, eu faria qualquer coisa para vê-la feliz.
— Minha mãe avisou que a cirurgia da vó foi um sucesso. A
recuperação está melhor do que o esperado.
Seu comentário me traz de volta ao presente. À nossa
conversa.
— Isso é ótimo, cara!
— Você sabe o que isto significa, certo?
Caminho até o bar, precisando de algo forte no momento.
— Eu sei — sai da minha boca com um gosto amargo.
— Bom! — exclama, após alguns segundos em silêncio. —
Não magoe minha irmãzinha, Guga. — Há preocupação em sua
voz. — Você sabe que ela tem uma quedinha por você.
Meu peito dói e, de repente, é como se um peso enorme
acabasse de ser colocado sobre as minhas costas.
— Não se preocupe, cara. — Pauso, respirando fundo. —
Tenho certeza de que Valentina ficará feliz em se livrar de mim —
sinalizo, e bem neste momento seu olhar encontra o meu.
Viro o copo de uísque, sentindo o líquido âmbar descer
queimando pela minha garganta.
Enzo fala mais alguma coisa, mas nem presto mais atenção.
Não consigo.
Só consigo focar nos seus olhos verdes. E do quanto eu
sentirei falta.
— Considere feito — disparo antes de desligar.
Heaven – Boyce Avenue & Megan Nicole
Use Somebody – Kings of Leon.
— Parece que hoje quem exagerou foi você — comenta,
apoiando a palma da mão no meu peito. — Para sua sorte, hoje sou
a motorista.
— Você cuida de mim, gatinha?
— Sempre.
Miro seu rosto e só vejo sinceridade em seu olhar.
Dor rasga dentro de mim. É sufocante.
Desde que desliguei com meu melhor amigo, não consigo
mais parar de pensar nisso… nela, em nós.
A cada drink, eu só tentava amortecer a sensação de perda
que crescia dentro de mim.
Não adiantou merda nenhuma.
Cadu e Laura já saíram faz uns trinta minutos e embarcam
amanhã cedo, rumo à lua de mel. Terminamos de nos despedir do
pessoal do batalhão, e é isso… a festa acabou!
A farsa também, bem, tecnicamente, ainda não.
Não falei com ela.
Só preciso de mais um pouco…
Só mais esta noite.
Caminhamos para o estacionamento, com Dutra e Prado ao
nosso lado. Os sargentos, como sempre, numa eterna discussão.
Algumas coisas não mudam… será que a forma como me
sinto, vai mudar? Espero que sim!
Normalmente, eu zoaria, falaria para eles arrumarem um
quarto, mas hoje eu só quero ir logo pra casa.
Para ter Valentina, nem que seja por mais algumas horas, só
para mim.
Porque quando a mentira acabar, é só isso que sobrará…
Lembranças.

O trajeto é feito em silêncio.


As ruas estão vazias e chegamos ao meu apartamento em
poucos minutos. Nem espero a porta fechar direito.
Preciso dela… de tudo que só tenho com ela.
— Uouuu, alguém está animado — Valentina resmunga
contra os meus lábios.
— Quer que eu pare, linda? — Traço sua boca com a minha
língua.
Sua mão acaricia meus cabelos e seu olhar está no meu,
quando ela responde:
— Nunca…
Engulo o nó que se forma na minha garganta e volto a me
perder nos seus lábios.
Apoio minha testa contra a sua, e estamos ambos com a
respiração alterada, sedentos de mais.
— Este vestido precisa sair…
Não diz nada, ergue os cabelos e me dá as costas.
Abaixo o zíper, o tecido cai aos seus pés, me presenteando
com a vista do seu traseiro gostoso numa calcinha fio dental que
deveria ser proibida.
— Caralho, pirralha. — Meu pau parece a ponto de explodir
e mal começamos.
​A diaba vira o pescoço de lado e sorri.
​Minha perdição.
— Vai ficar só olhando? — provoca e arranco minha roupa
em tempo recorde sob seu escrutínio.
Acompanho o exato momento que seu olhar vai para o meu
pau, que pinga pedindo atenção.
Cerro os punhos, reunindo todo o controle, e eu estava
fazendo um bom trabalho até vê-la lambendo os lábios.
— Porra, Valentina — rosno e então a prenso contra a
parede, invadindo sua boca com a minha língua, sentindo seus
seios roçarem meu peito.
— Gustavo — geme em minha boca e pressiono minha
ereção contra seu quadril, querendo que sinta o quanto a quero.
— Preciso de você — murmuro, liberando sua boca, apenas
para abocanhar seu bico e sugar forte.
— Sim! — arfa, agarrando meus cabelos.
Sigo chupando e mordiscando, enquanto desço uma mão à
sua boceta, encontrando-a molhadinha para mim.
Circulo seu clitóris, colocando a pressão certa e sinto-a se
mover ao encontro da minha palma
— Gosta, gatinha?
— Aham — geme, olhos fechados, cabeça jogada para trás.
Libero seu seio e faço meu caminho até onde meus dedos
seguem provocando.
Me ajoelho, ficando na altura perfeita para este banquete.
Deslizo o pedaço de pano pelas suas pernas e me livro da
única barreira entre nós.
— Gustavo… — Sua voz é necessitada e meu olhar
encontra o seu, no exato momento em que separo suas dobras,
revelando o grelo inchado que pede atenção.
Sem desviar do seu rosto, coloco a língua para fora e lambo
toda sua extensão, subindo e descendo, para então circular o
clitóris antes de metê-lo inteiro na boca.
— Oh, Deus… — geme, jogando a cabeça para trás.
Volto minha atenção para sua boceta, sugando e
mordiscando seu ponto sensível, ao mesmo tempo em que trabalho
meus dedos na sua boceta.
— Por favor…
— Por favor, o quê? — provoco, ignorando os puxões no
meu cabelo.
Continuo chupando duro, mantendo-a firme sob meu ataque.
— Me… — começa, mas então crava as unhas nos meus
ombros. — Puta merda — grita, as coxas tremendo, a boceta
convulsionando ao redor dos meus dedos, enquanto seu gozo
escorre na minha boca.
— Boceta gostosa da porra — rosno, intensificando as
lambidas, tomando tudo, arrancando mais gemidos no processo.
— Me fode… duro, por favor. Quero seu pau em mim.
Porra, sim!
Me encapo em tempo recorde, deslizando a camisinha sobre
o meu comprimento.
— Monta em mim, linda… toma o que é seu — peço,
sentando no sofá, segurando meu pau.
Seu olhar vai dele para o meu rosto. Se aproxima, colocando
os joelhos ao lado das minhas coxas.
— Se continuar olhando assim pro meu pau, nem vamos
começar — sinalizo, entredentes, e a safada sorri.
— Tão jovem e já com problemas — provoca, esfregando a
boceta molhada na cabeça da minha rola, num vaivém delicioso.
— Caralho — arfo, apoiando minhas mãos no seu quadril,
mas deixando que ela tome a iniciativa.
Desce um pouco, apenas o suficiente para me enlouquecer,
e então se afasta.
— Você quer me matar —ofego, observando o local onde
nossos corpos se encontram.
— Quero você vivo — seu olhar está no meu — e dentro de
mim. — Então desce num único movimento, me engolindo inteiro.
— Cacete, pirralha!
— Preciso de você — sussurra na minha orelha, rebolando
comigo dentro dela.
— Você me tem, Nina — respondo, levando uma mão até
sua nuca, fazendo com que me olhe. — Você. Me. Tem… — Friso
cada maldita palavra e, sem desviar o olhar do meu, passo a
estocar fundo, erguendo meu quadril ao seu encontro.
Valentina não desvia o olhar.
A cada estocada, pequenos gemidos escapam da boca
carnuda, e eu os engulo, devorando sua boca.
Não sei nada sobre o amanhã, provavelmente ela me
xingará, ou talvez encontre outra pessoa, mas hoje…
Hoje eu quero memorizar cada detalhe seu, cada gemido,
cada gritinho de prazer, quero que ela tenha certeza do quanto a
quero, do quanto seu corpo foi feito para mim, do quanto eu a… a
palavra fica presa na garganta.
Fecho os olhos, tentando acalmar meu coração.
É apenas sexo, é apenas isso, porra.
A cada movimento, sua boceta intensifica o aperto ao redor
do meu pau, tornando impossível raciocinar.
Eu apenas sinto.
Abocanho seu bico, sugando forte, enquanto levo o indicador
entre nossos corpos, provocando seu clitóris sensível.
Valentina arregala os olhos, e sei que está perto.
Firmo meu aperto no seu quadril, e acelero as investidas,
metendo forte, sentindo seu corpo convulsionar ao redor do meu,
quando atinge o orgasmo, jogando a cabeça para trás, totalmente
entregue ao prazer.
Minha.
Beijo seu queixo, seu pescoço, sem diminuir o ritmo,
precisando de tudo dela, precisando de um amanhã onde não exista
mais farsa, mas apenas eu e ela, e é pensando nisso que eu
explodo, gritando seu nome.
Nunca fui tão feliz quanto nestes meses ao seu lado, mas
amanhã é um novo dia. E neste futuro, não há mais nós.
Eu te amo, pirralha é o meu pensamento quando me ergo do
sofá com ela enrolada em mim, e caminho para o quarto, desejando
que a noite simplesmente dure para sempre.
Depois da loucura na sala, repetimos a dose, desta vez,
lento, devagar, tomei todo tempo, apreciando cada polegada de
Valentina.
O sono demorou a vir, mas quando veio foi pensando nela
que finalmente sucumbi.
Acordo e não demoro a notar que ela está enrolada em mim.
Paraíso.
Meu coração acelera, mas com cuidado me mexo,
precisando colocar as ideias no lugar.
Saio do banheiro meia hora mais tarde e ela não está no
quarto.
A encontro na cozinha, vestindo apenas uma camiseta velha
minha, aquela que ela me deu tantos anos atrás e que eu guardei.
Ela não deveria parecer tão linda, mas é.
Respira.
Cabeça no lugar.
Não precisa haver briga, somos todos adultos.
Conforme me aproximo, percebo que ela conversa animada
com alguém ao celular.
— Não seja louca. Claro que não. Sim, faltam poucos dias e
serei livre. Se prepara que vamos nos divertir.
Mas que merda.
Eu não deveria me importar, mas sim, estar tão animado
quanto ela…
Mas…
Foco, Gustavo.
Isso torna as coisas mais fáceis.
Parece que a hora de conversarmos…
Finalmente chegou.
Pieces of me – Ashlee Simpson
You got me – Colbie Caillat
Incancellabile – Laura Pausini

Ainda de olhos fechados, tateio o colchão procurando o


responsável pelo sorriso no meu rosto.
Que noite, ou devo dizer, que madrugada!
Achei que Gustavo ia chegar ao apartamento e desmaiar,
principalmente por ter exagerado um pouco no uísque ontem, mas
não.
Não mesmo!
O homem estava com um fogo e eu claro amei cada
segundo.
O primeiro round foi rápido, intenso, mas depois…
Meu coração acelera com a lembrança de como ele
carinhosamente ficou me beijando, tocando, explorando… até que
não houvesse uma parte do meu corpo que não clamasse por ele.
Onde está ele?
Abro os olhos, só para descobrir que acordei sozinha.
A julgar pelo barulho no banheiro da suíte, ele está tomando
uma ducha.
Reflito sobre a ideia de surpreendê-lo, mas por mais tentador
que seja, desisto, preciso dar um descanso para certas áreas do
meu corpo.
Sim… você entendeu certo!
Quem sabe mais tarde… não tão tarde assim.
Abro sua gaveta e procuro alguma camiseta velha que eu
possa usar. Fazer topless pelo apartamento não está nos meus
planos. Sou desencanada com meu corpo, mas não tanto assim.
— Nem ferrando — murmuro, ao encontrar a camiseta preta
do Metallica. Aquela que eu dei no seu aniversário de dezesseis
anos.
Com cuidado, a levo até meu rosto, inalando o perfume
impregnado.
Isso não cabe mais nele, mas ainda assim, está aqui.
Não fique vendo coisas onde não existe.
Ele apenas guardou o presente.
Eu deveria devolver a camiseta, antes que ela desmanche
nas minhas mãos.
Ok, estou exagerando. Ela está melhor que muita roupa
nova minha, por isso, nem penso muito, apenas visto e observo o
resultado no espelho do quarto.
Nada mal…
É quase uma camisola, exceto pelo fato que não cobre toda
minha bunda, mas não dá para ter tudo.
Decido surpreender Gustavo colocando a cafeteira para
passar um café fresquinho e abro a geladeira para separar os frios e
margarina, quando meu celular começa a tocar na sala.
Demoro alguns segundos até encontrar minha bolsa e
mochila, que em algum momento da nossa volta, foram parar no
chão.
Bia.
— Espero que a senhorita tenha bons motivos para me ligar
a esta hora, num domingo — brinco e já começo arrancando uma
risada.
— Essa hora? São quase onze horas.
— Cedo — rebato, tentando soar séria, mas falho e começo
a rir. — Para um domingo, de qualquer forma.
— Já disseram que é louca?
— Sempre.
— Eu sabia. Tenho boas notícias, pode falar?
— Agora já me deixou curiosa — devolvo, voltando minha
atenção para a geladeira e ajeitando a mesa.
— Aquilo que conversamos mês passado se confirmou. O
contrato é nosso. Você vem mesmo, né? Não desistiu?
—Não seja louca. Claro que não.
— E a questão com a secretaria? Conseguiu negociar a
saída?
— Sim, faltam poucos dias e serei livre. Se prepara que
vamos nos divertir.
— Perfeito!!! Estou ansiosa!!
— Eu também.
— Não quero mais atrapalhar você a esta hora do domingo,
vá lá, conversamos melhor na semana. Estava só ansiosa para te
contar que tive retorno.
Gustavo aparece na cozinha, vestindo apenas uma
bermuda, e me apresso em desligar.
Algo não parece certo.
— Hey, bom dia. — Me aproximo, pronta para roçar meus
lábios nos seus, mas ele se afasta em direção ao armário e pega
uma xícara, mesmo já tendo uma na mesa.
— Tem café fresquinho e já pedi pão — comento, confusa.
— Estou sem fome — retruca, seco.
— Você está bem?
— Melhor impossível…
— O que está te incomodando, então?
— Precisamos conversar.
— Está tudo bem com… — começo, pensando em inúmeros
cenários terríveis.
— Todos estão bem, nós só precisamos conversar.
— Ok — respondo, um pouco aliviada.
— Enzo me ligou.
— Então é isso. — Minha voz sai num sopro e embora ele
não tenha dito nada, já sei que não é algo bom.
Respira.
— Disse que conversou com sua mãe, sua vó está se
recuperando melhor do que o esperado…
— Vá direto ao ponto — peço, erguendo a cabeça e
encontrando seu olhar em mim.
— Podemos encerrar o teatro.
É isso que foi para ele…
É o que deveria ter sido para mim também.
Mas não foi.
— Teatro… — repito, a voz fraca, enquanto a palavra
martela na minha cabeça.
— Namoro de mentira, farsa, você sabe. — Dá de ombro.
Ah, eu sei…
— Veja o lado positivo — continua e quero rir. — Podemos
voltar a ser apenas amigos, sei que deve estar louca para sair e
curtir com suas amigas. —Dá um sorrisinho. — Eu certamente tenho
planos! — Frisa a última palavra.
É realmente isso que ele pensa.
Depois de tudo que passamos, depois de ontem.
Vou vomitar.
— Claro, você tem razão — me obrigo a dizer e caminho
apressada rumo à sala onde minha mochila está.
Preciso urgente me vestir e sair daqui.
— Valentina… — Sua voz soa logo atrás de mim.
Ignoro, vestindo a calça jeans em tempo recorde, não
pensando muito nas lágrimas que se acumulam no canto dos meus
olhos.
Não aqui… não aqui.
— Estamos bem?
— Claro… por que não estaríamos? — minto.
— Olha para mim — pede, parando a poucos centímetros de
distância.
Droga.
Respira e engole o choro.
Ergo o olhar, encontrando o seu.
Claro que ele deve ter percebido que não está tudo bem, ele
não pode ser tão estupido, né? Ele é um homem… tudo é possível.
— Eu… — começa, mas interrompo.
— Não precisa se incomodar com carona. Vou de Uber —
anuncio, socando o vestido de qualquer jeito dentro da mochila e
rumo em direção à porta.
— Valentina…
— Gustavo.
Não sei quanto tempo ficamos ali, nos encaramos em
silêncio, mas parece uma eternidade.
O que você está esperando? Que ele te peça para ficar e
continuar o namoro de mentirinha? Cai na real, ele está te
dispensando.
Meu peito parece a ponto de explodir. Agarro a alça da
mochila com tanta força que meus dedos ficam brancos.
Vá…
Forço minhas pernas a se moverem e abro a porta.
Viro o rosto apenas o suficiente para vê-lo parado no meio
da sala, me encarando.
Lindo.
— Obrigada… — a palavra sai da minha boca, num suspiro
baixo.
— Pelo quê? — questiona e penso seriamente em não
responder e apenas sair logo dali, mas ele merece uma resposta.
Gustavo pode ser muitas coisas, mas ele nunca prometeu
nada.
Ele apenas não se sente da mesma forma que eu.
— Por ter entrado nesta “mentira” comigo — começo, a voz
ligeiramente embargada. — Por ter me ajudado a proteger o
coração da minha vozinha. — Dou de ombros e ele permanece em
silêncio. — Por ter me levado no meu primeiro passeio de moto —
continuo e fica difícil segurar e emoção. — Por estes meses… e
tudo que eles representaram para mim. — Afasto disfarçadamente
uma lágrima teimosa e caminho apressada para fora.
— Espere — grita, mas sou mais rápida, entro no elevador e
aperto o botão do térreo, sem olhar para trás.
As portas se fecham antes que ele me alcance.
É isso… acabou.
Eu sabia que este dia ia chegar.
Que a farsa teria um fim.
Eu só não sabia que doeria tanto.
Sem radar – LS Jack
Eu não deveria a ter deixado sair. Eu deveria ter ido atrás
dela, mas observei Valentina ir embora da minha vida e realmente
não sei como ficarão as coisas entre nós depois de tudo que
passamos.
Droga, eu deveria ter falado o que está entalado na minha
garganta, e me preocupado com as consequências depois, mas…
fui covarde.
“…e tudo que eles representaram para mim”, sua frase não
sai da minha cabeça. O apartamento está impregnado com o cheiro
dela… eu preciso sair daqui.
Me troco rápido, precisando cair na estrada e encontrar a
tranquilidade que sempre obtenho ao acelerar a Ninja por aí.
Falho miseravelmente.
Tudo parece lembrar ela, ou é algum lugar que já passei com
ela, ou pior, algo que me pego pensando que ela gostaria de
conhecer, como seria sua reação, seu sorriso.
Estou fodido.
Repasso nossa manhã mil vezes na minha cabeça, até que
desisto de relaxar pilotando.
Passo rapidamente na casa do meu velho, a ideia era
apenas checar se estava tudo em ordem e ver meu irmãozinho, mas
depois de ser questionado duas vezes sobre a ausência da loira,
achei melhor ir embora.
Falar dela, me lembrar dos seus olhos marejados, não ajuda
a aplacar este vazio no meu peito.
Estou a ponto de ligar a moto, quando meu celular vibra.
Dutra.
“Você vem, cabo? Pessoal já está aqui no Deck.”
Caralho.
O Deck.
Nesta confusão toda, esqueci completamente que tínhamos
combinado de encontrar o pessoal do batalhão neste barzinho.
Eu devia ir para casa.
É certo que vão fazer perguntas. Mas a ideia de tomar várias
geladas e, quem sabe, encontrar alguma boceta que coloque
minhas ideias no lugar, é realmente interessante.
É isso, eu vou nesta porra.
Não é como se os caras não soubessem. Eu contei que era
apenas de mentira.
Sim.
Uma gelada e uma boceta qualquer.
É tudo que eu preciso.

Todos estão ali, exceto o subtenente que a esta hora deve


estar passeando por Fernando de Noronha.
— Tarde! — cumprimento, forçando um sorriso no rosto, que
não reflete a merda que me sinto.
— Fala, cabo! — Dutra bate o punho no meu. — Pronto para
tomar mais umas geladinhas ou tá de ressaca por ontem?
— Cadê meu copo? — brinco, acenando para o garçom, já
que a mesa já está abastecida com um balde lotado de gelo e
garrafas.
Perfeito.
— Onde está a Nina? — A voz da sargento soa nas minhas
costas e por mais que eu esperasse por isso, ainda é complicado.
— Não estamos mais juntos.
— Eita, porra! — Mendonça dispara do outro lado da mesa.
— Como assim, Correia?
— Simples assim, nosso namoro era de mentira. — Dou de
ombros, como se pouco me importasse — Chegou a hora de pôr um
fim nessa besteira.
— Achei que era mais inteligente, cabo — Prado dispara. —
Pelo visto, me enganei. Vejo vocês amanhã no batalhão. — Levanta
e sai.
Olho confuso para os caras.
— Mas que caralho…
— Nem olhe para mim, desta vez tenho que concordar com
ela — Dutra pontua.
— Você só pode estar me fodendo.
Todos permanecem em silêncio.
Talvez cerveja não seja suficiente.
Peço um copo de uísque, ignorando o horário. Dane-se, eu
só preciso esquecer tudo, principalmente a tristeza que vi no seu
olhar.
Posso estar delirando… às vezes a gente quer tanto algo,
que começa a ver coisas onde não existem, mas diabos, eu
realmente tive a sensação de que Valentina, não queria que a
mentira acabasse.
Ela queria continuar comigo.
Eu senti isso…
É pior do que se ela simplesmente tivesse me mandado à
merda.
Antes saber que a pirralha me odeia e não quer mais me
ver… do que ter a esperança de ela se sentir da mesma forma que
eu.
— Mais uma dose, por favor — peço, batendo o copo vazio
na mesa.
Incancellabile
Born to try – Delta Goodrem
Estou com sérios problemas.
O sorvete acabou e me atrevo a dizer que, nesse ritmo, vou
ficar sem papel higiênico e nariz.
Não aguento mais chorar.
Mas não consigo parar.
Desde que entrei no Uber, a torneira se abriu. Fiquei até com
dó do motorista. Ele ficou realmente preocupado, e quem pode
culpá-lo?
Felizmente, o trajeto foi curto e ele não fez nenhuma
pergunta, acho que se tivesse perguntado algo, aí que a situação
piorava.
Já chorei, tomei banho, chorei de novo.
Desisti de segurar o choro, e fui tentar ver algo na televisão
para me distrair, a única coisa que consegui foi acabar com o
sorvete de brigadeiro e meu rosto continua inchado.
O celular tocou algumas vezes, mas apenas ignorei. Não
estou a fim de falar com ninguém. Se eu falar, eu desabo. Simples
assim.
Estou a ponto de ir à cozinha procurar mais alguma besteira
para comer quando a campainha toca, me fazendo saltar,
assustada.
Que não seja o Gustavo.
Que não seja o Gustavo, por favor.
Passo os dedos pelos cabelos, tentando tirar uns nós e abro
a porta, ignorando o fato de estar vestindo um moletom velho.
— Carol… — Suspiro ao encontrar a sargento na minha
porta.
— Você furou nosso compromisso, então resolvi vir fazer
companhia — anuncia, direta como sempre. — Trouxe sorvete. —
Dá uma piscadinha.
As lágrimas começam a escorrer de novo.
Tento segurar, mas é inútil.
Me afasto apenas o suficiente para que ela possa entrar e
tranco a porta.
— Eu… obrig… — tento dizer e quando percebo, sou
engolida por seus braços e… é bom.
— Vai ficar tudo bem.
Não digo nada, não consigo.
Soluços chacoalham meu corpo.
— Juro que eu poderia dar um soco na cara do cabo neste
momento — brinca. — Mas isso ia me trazer sérios problemas e eu
sei que o infeliz vai se arrepender disso.
— Nada de violência — consigo dizer com dificuldade.
— Defendendo-o? — Arqueia a sobrancelha. — Você
realmente está apaixonada, mulher.
— Eu sabia que era de mentira. — Dou de ombros, pegando
mais papel higiênico para assoar o nariz.
— Odeio dizer “eu sabia”, mas…
— Eu sei, a Lau também me avisou que havia grandes
chances de dar merda, mas não tínhamos muitas opções no
momento.
— Vamos deixar este assunto pra lá. Não vim aqui para te
fazer chorar ainda mais. O que acha de abrimos este pote aqui e
mandar ele direto para nossa bunda?
— Já disse que te amo?
Ela sorri e fica ainda mais bonita.
— Você deveria sorrir mais, Carol — disparo e ela me olha
confusa. — Digo, no batalhão. Lá parece que você é tão séria.
— Quando estou lá, meu foco está sempre no trabalho, na
sirene que pode tocar a qualquer momento, em dar 100% de mim,
sabe?! — Dá de ombros.
— Desculpa te perguntar, mas estou curiosa. Há muito
machismo no corpo de bombeiro? Pergunto, pois não vejo tantas
mulheres. Na verdade, só conheço você.
— Há muito a ser trabalhado, mas hoje temos mais voz, há
canais de denúncia, grandes oficiais mulheres e muitas outras
colegas praças. Não é fácil. Eu precisei lutar para ter tratamento e
respeito equivalentes, e isso já começou nos treinamentos. Há uma
cultura do machismo, que mulher é frágil, que não vai ter coragem,
ou pior, capacidade. Precisamos nos esforçar dobrado para
conquistar o respeito que um homem já recebe apenas por ter
bolas. — Faz uma careta.
— Isso já aconteceu com você no 21º? — questiono,
preocupada.
— No grupamento? Nunca! Os rapazes são fantásticos…
todos. Sabemos dos pontos fortes e a desenvolver de cada um,
independente do sexo, e nos incentivamos a melhorar. Nunca fui
desmerecida ou tratada diferente por ser mulher. Somos realmente
uma família, mas tenho amigas que não tiveram a mesma sorte.
— Isso é uma grande merda.
— Nem me fala.
Dou mais uma colherada no pote de sorvete, me sentindo
bem melhor com a conversa.
Era isso que eu precisava… companhia e falar de outros
assuntos.
— Falando da família batalhão — começo e ela me olha com
a colher na boca. — Conta pra mim, vai. Você e o Dutra, está
rolando?
— O quê? — Quase cospe tudo no tapete.
​— Não tente disfarçar, até uma criança percebe a tensão
entre vocês. Não sei como não teve um incêndio ali mesmo, no
quartel — brinco e é bom sorrir.
— Você está louca. Mulher do céu!
— Sei…
— Acho que já temos suficiente em nosso prato, com esta
história mal resolvida entre você e o cabo que, por sinal, é óbvio que
nunca foi de mentira.
Só porque falei, meus olhos enchem de lágrimas, de novo.
— Ah droga, desculpa. Olha eu fazendo você chorar, de
novo.
— A culpa não é sua. Sou meio chorona, relaxa — me
apresso em tranquilizá-la, pegando mais papel.
— Desculpa, mesmo? — Me olha, preocupada. — É que não
entra na minha cabeça, como vocês podem insistir nisso de mentira.
— Era o combinado!
— Não chegaram a conversar a respeito?
Sinto minhas bochechas esquentarem ao pensar que
conversar era a última coisa quando estávamos sozinhos…
— Ok, não quero nem saber o que a senhorita está
lembrando. Já está claro que não pararam cinco minutos para falar
disso.
Faço uma careta.
— Culpada!
— Dê um pouco de tempo para aquele cabeçudo — começa
e quero rir.
— Acho que posso utilizar este apelido, se o vir de novo.
— Claro que vai vê-lo e pode avisar que fui eu que chamei
— zoa. — Correia é brincalhão e zoeiro, e pode até tentar se
convencer que era só mentira e curtição, mas algo me diz que ele
vai vir com o rabo entre as pernas, assim que perceber o mulherão
que está perdendo.
— Caramba, você sabe como animar alguém!
— Você não viu nada, sou a animação em pessoa,
principalmente depois de algumas doses de tequila.
— Precisamos de uma noite de garotas, então.
— Só dizer quando.
— Deixa a Lau chegar e, bem, me dê uns dias para lamber
minhas feridas, aí marcamos algo, com certeza.
Arqueia a sobrancelha, me olhando com desconfiança.
— Juro! — Cruzo os dedos em frente ao peito.
— Vai ser ótimo sair com vocês!
— Você vai amar a Lau, ela é fantástica.
— Já gosto dela, acho que só pode melhorar.
— Com certeza!
— Acho que já vou indo. Vou deixar você descansar e
maratonar alguma série.
— Parece um bom plano.
— Nada de bombeiro, hein?! — Faz uma careta.
— Nem pensar… talvez How to get a away with murderer?
— Pisco e ela arregala os olhos, quando percebe que estou falando
daquela série sobre como se livrar da acusação de assassinato.
— Mulher, quero continuar sua amiga — dispara e ambas
caímos na gargalhada.
— Obrigada, Carol — começo e ela me olha, confusa. —
Obrigada por ter vindo aqui, pela companhia, pelas risadas… por
tudo. Eu não sabia que precisava tanto disso.
— Foi um prazer, Nina, quando eu soube do “término”, só
pensei em vir te checar. Se precisar de alguma coisa, só me
chamar. E não custa reforçar, independente do lance entre você e o
cabo, saiba que todos nós do batalhão gostamos muito de você,
sempre será bem-vinda lá.
— Ahh, droga, olha você me fazendo chorar de novo! —
reclamo e ela ri.
— Estou indo!! — devolve, erguendo as mãos.
— Obrigada de novo! E, Carol — grito, quando ela já está
parada em frente ao elevador —, pense bem no que te disse.
— O quê?
— Você e o Dutra. — Faço um coraçãozinho com as mãos, e
ela revira os olhos antes de entrar no elevador.
Fecho a porta e apoio as costas contra a madeira, olhando
ao redor.
Sozinha de novo.
Ter a companhia da sargento me fez bem e me recuso a
voltar a ficar chorando pelos cantos.
Uma comédia nada romântica, pipoca e Coca-Cola gelada é
o que preciso para o resto do domingo.
Um ótimo plano. Só espero que funcione.
Pensando bem, por precaução, vou pedir um pacote de
papel higiênico, lencinho e mais sorvete no iFood mercado.
Não são nem nove horas da manhã de um sábado nublado
quando a campainha toca e, desta vez, eu sei exatamente quem é.
Lau
Tem sido assim nas últimas semanas, desde que ela voltou
da lua de mel e soube o que aconteceu. Ela está preocupada
comigo, eu sei, e me sinto culpada, pois ela devia estar curtindo o
maridão.
Ela e toda família já sabem da novidade.
Meus pais ficaram surpresos e tristes quando contei e aquilo
acabou comigo. Não revelei nada sobre a mentira, apenas que não
tinha dado certo, mas arrisco a dizer que dona Simone ainda
acredita numa reconciliação. Palavras delas: nós dois somos
cabeças-duras e não vemos o quanto gostamos um do outro.
Ai, mãezinha, se você soubesse da metade.
Minha vó continua viva, e forte como um touro, então o
objetivo foi atendido. O resto do povo, sinceramente, não dou a
mínima no que estão pensando.
Não vejo Gustavo desde aquele dia, tampouco falamos pelo
celular ou mensagem. Ele nem sequer agradeceu a camiseta, que
claro, fiz questão de devolver.
Era dele, e eu não precisava de mais nada me lembrando
dele, mas na pressa de sair do apartamento, nem me lembrei que
estava usando.
É simples assim, como se a partir daquele momento, eu
tivesse simplesmente sumido do mapa.
Enzo me chamou esses dias.
Queria saber se eu estava bem. Dei uma desculpa qualquer
sobre muito trabalho e desliguei.
Não era mentira. Hoje faz dez dias que deixei de ser
funcionária pública e, ao mesmo tempo que é libertador, é
assustador não ter a segurança do salário caindo todo quinto dia
útil. Estou numa sociedade com a Bia, minha colega de faculdade, e
juntas montamos a Creative, uma agência de publicidade, que
sempre foi um sonho meu. Um que adiei por alguns anos, até ter
uma certa estabilidade financeira, para fazer um pé de meia e
investir no meu próprio negócio.
A mudança veio numa hora boa, pelo menos tem mantido
minha mente ocupada durante o dia, já à noite… a história é outra e
ele sempre ocupa meus sonhos e pesadelos.
No fim do dia, com muito trabalho ou sem, a verdade é que
não quero conversar com ninguém, inclusive, meu irmão. Eu sei que
o assunto acabaria nele… Gustavo, e tudo que eu não preciso no
momento é da pena de ninguém, Enzo incluso.
— Você não tem casa? — disparo assim que abro a porta.
— Aproveitei a carona, Cadu foi levar a Manu na natação. —
Dá de ombros, entrando. — Vou passar um café. Você parece
péssima.
Me sinto exatamente assim. Nem consegui curtir as festas
de fim de ano, que são ocasiões que eu amo. Eu… só queria ficar
quieta no meu canto.
Além de tudo, ainda estou doente.
— Não fique muito perto. Acho que estou com algo.
— Como assim?
— Uma virose, sei lá. Nada para no meu estômago.
— Sei…vou fazer um chá então, é melhor que café.
— Se eu conseguir manter ele, estarei no lucro.
— Já foi no médico? — pergunta, fuçando na cozinha.
— Claro que não, eu sei exatamente o que ele vai dizer:
virose, se hidrate, coma coisas leves, que é exatamente o que estou
fazendo. — Pisco, mas Lau não sorri.
— Você deveria ir — repreende. — Pode ser intoxicação
alimentar, gastroenterite, tantas coisas.
— Relaxa, Lau… — Mal consigo terminar a frase, corro para
o banheiro e vomito mais um pouco. — Como eu estava dizendo,
fique longe de mim. — Faço uma careta.
— Nina, quando foi a última vez que você ficou…
— O quê? Doente?
— Menstruada.
— Foi…
Paro para pensar e não consigo puxar na memória.
Sou péssima com isso, por isso, sempre anoto no calendário
do celular.
— Tá anotado no telefone, Lau, não estou grávida, sua
louca.
Não estou, né?!
Nós usamos camisinha, tipo, todas as vezes.
Camisinhas furam…
— Oh, Deus… — Corro novamente para o banheiro.
— Vou buscar água para você — Lau grita da cozinha, e eu
só tento segurar meus cabelos, enquanto meu estômago parece
querer sair pela boca.
— Traga meu celular, para eu ver a data.
E parar de surtar.
Claro que a última data anotada é de dois meses atrás.
— Eu devo ter esquecido de colocar aí. É a única
explicação.
Lau me olha, preocupada.
— Nem se atreva a dizer gravidez também! — peço, me
jogando no sofá.
Meia hora depois e cinco exames de gravidez feitos, não há
dúvidas.
GRÁVIDA.
— Vai ficar tudo bem… — Acaricia minhas costas, enquanto
eu encaro em choque todas as varetas.
Eu. Estou. Grávida.
Olho para minha barriga ainda plana e só quero chorar.
— Lau, eu amo você e seu otimismo, mas… — paro de falar,
respirando fundo — …Gustavo só ficou comigo porque prometemos
ao Enzo… assim que deu o dia… na verdade, antes, ele me
dispensou.
— Tenho certeza de que é um mal-entendido.
— Amiga, já faz um mês que não o vejo — pontuo e ela faz
uma careta.
— Não gosto de fofoca, mas soube que ele não anda bem
também.
Reviro os olhos.
— Ele não tem uma menininha, para ter medo de se
envolver. Ele apenas não me ama.
Não como eu o amo.

Superado o choque inicial, tomei minha decisão.


Eu vou falar com ele.
Gustavo pode até não querer nada comigo, mas eu nunca
esconderia dele a existência de um filho.
Do nosso filho.
O que ele vai fazer com a informação, é problema dele,
embora meus olhos encham de água só de imaginar o pai
maravilhoso que ele será.
Estaciono o carro na rua, em frente ao seu prédio, e me
preparo para este momento. Me imaginei vindo até aqui, falar com
ele, confessar que sinto sua falta, sinto falta de tudo, xingá-lo até a
oitava geração por ter desaparecido da minha vida, mas nunca, vir
com esta novidade, neste estado. Parece que o destino gosta de
brincar com a nossa cara, ou devo dizer, acaso.
Olho novamente a hora no celular, ele deve estar lá,
descansando antes do turno da noite e eu não pretendo adiar essa
conversa.
Nem chego a tocar o interfone, o portão é aberto.
— Oi, dona Nina. — O porteiro, um senhorzinho simpático,
libera meu acesso.
Faço meu caminho até o elevador e tento manter minha
respiração sob controle.
Inspira, expira.
O elevador abre no seu andar e estou saindo quando cruzo
com uma morena… LINDA.
Curvas em todos os lugares, uma baita comissão de frente,
cabelo, sorriso, tudo…
Caramba, que mulherão.
Saio do elevador, apenas para encontrar a porta do Gustavo
aberta.
Ela… estava lá, com ele.
Nossos olhares se cruzam.
— Bosta. — Me viro apenas para encontrar a porta do
elevador fechada atrás de mim.
Fecho os olhos e aperto o botão com força.
— Abre, abre… — murmuro.
— Valentina.
— Eu não tenho nada para falar com você — retruco, sem
olhar na sua direção.
Mentirosa.
Eu vou falar, eu vou… eu só preciso me acalmar, mas agora
só dói, dói tanto, saber que ele seguiu em frente, que eu fui só mais
uma…
Respira.
— Então por que está aqui?
Entro no elevador, meus olhos nublados pelas lágrimas.
— Eu achei que tinha… — ergo o queixo — …mas eu
estava enganada!
— Não é o que você está… — começa, mas as portas
começam a se fechar.
— Adeus, Gustavo — sai da minha boca, segundos antes do
fechamento total.
Estou novamente sozinha.
Não sei nem como consegui caminhar até a rua.
Seja forte, Valentina, por você e por esta criança que não
tem culpa de nada.
Entro no carro e giro a chave.
Minhas mãos tremem sobre o volante.
— Ligar Lau — peço e o som da ligação sendo completada
ressoa pelo veículo. Ela atende no segundo toque.
— Nina?
— Lau.
— O que houve? — pergunta, aflita, notando minha voz.
— Você está em casa?
— O que houve? Ele te maltratou? Vou acabar com a raça
dele!
— Não. Deus, não… eu não consegui contar, ele estava
acompanhado — explico e um soluço escapa.
— Você tem condições de dirigir, Nina? Eu posso ir até você,
me dá dez minutos, amiga.
— Não, eu só preciso de um pote imenso de sorvete de
flocos e de você.
— Estarei aqui te esperando. — Sua voz calma é como
bálsamo.
— Obrigada, Lau, eu estou a caminho.
Sem radar – LS Jack
High – James Blunt
Chego atrasado e com um humor daqueles.
O trânsito está uma merda. É só chover que já começa o
caos, o pessoal parece que desaprende a dirigir. Mal tenho tempo
de me trocar entre uma ocorrência.
Acidente de trânsito.
Com certeza, um dos muitos que teremos durante o turno.
Visto meu macacão e corro para o caminhão, tentando apagar a
imagem da Nina.
Um mês.
Trinta fodidos dias que eu estava louco para vê-la.
Perdi a conta de quantas vezes passei pela sua rua,
tentando criar coragem para ir checá-la, saber como estava.
O pouco que sei é graças as migalhas que recebo vez ou
outra da sargento que, por sinal, está puta comigo e nem disfarça.
Eu estou…
Tentei obter notícias com o Enzo e o puto também não sabe
muito. Valentina tem se mantido reclusa. Nem os pais ela tem ido
visitar. Só fala com a melhor amiga, Lau, e com a Prado, que parece
ter fortalecido os laços com a loira.
Quem resiste aos seus encantos, não é mesmo?
Eu falhei miseravelmente.
Fora as amigas, tem se limitado a ficar em casa, eu sei,
porque tenho acompanhado a rotina nos principais lugares que ela
costumava frequentar.
Quando fui falar com um colega da prefeitura, soube que ela
saiu de lá, juro que neste dia, eu cheguei até a tocar o interfone,
mas desisti.
Que diabos está acontecendo com a pirralha?
O que a levou até minha casa?
Hoje, de novo, fui o responsável pela tristeza no seu olhar e
isso acaba comigo. Tentei ficar afastado, na esperança de que o
tempo fosse amenizar a forma como me sinto. Que vê-la voltar a
curtir com as amigas ou conhecer algum sortudo, iria me fazer
perceber que o que tivemos ficou no passado, mas não há um dia
que não pense nela.
Tentei sair com os caras, encontrar uma mulher e me perder
em seus encantos… como se isso fosse a solução.
Falhei.
Descobri que só quero uma.
Ela…
A minha.
Quando a vi hoje no corredor, meu coração acelerou com a
perspectiva de colocarmos os pingos nos “is”, mas bastou um olhar
para seu rosto para saber o que ela pensou ter visto.
Para piorar, não consegui esclarecer porra nenhuma.
Novamente, a deixei escapar pelas minhas mãos, mas esta
foi a última vez. Terminando o turno, eu vou até o seu apartamento e
a loira terá que me ouvir. Ela pode até estar brava comigo, pode
xingar, mas irá me ouvir. Se teve algo bom nestes últimos dias, foi o
tempo mais do que suficiente para pensar.
Enzo é meu amigo e quase um irmão, e pode até ficar puto,
mas Valentina…
Valentina tem meu coração e não estou disposto a desistir
dela, não sem lutar.
— Fala, Gutierrez — Prado atende ao celular ao nosso lado
e, pelo seu olhar, a merda é grande. — Tem certeza? Ok, estamos a
caminho.
Troca um olhar com Mendonça que está pilotando a
guarnição.
— Tempo estimado?
— Dez minutos, no máximo.
— Dez minutos, cara, e, Gutierrez, conto com você.
— Algum problema, sargento? — Carvalho tira a pergunta
da minha boca.
Carol parece perdida alguns segundos, olhando do
subtenente para mim, com evidente preocupação.
— A ocorrência — começa, olhando para os lados.
— Prado? — Cadu insiste e ela volta sua atenção para nós.
— Correia, é a Nina…
Valentina.
Tudo ao meu redor parece ficar em câmera lenta.
— O que houve, porra? — questiono e sinto o aperto do
Dutra no meu ombro.
— O acidente que vamos atender foi causado por uma
queda de árvore. Vários carros frearam de forma abrupta e
colidiram.
— Nina bateu o carro?
— Ela está no carro onde a árvore caiu — informa e o
caminhão todo fica em silêncio, apenas o som da sirene ao fundo.
Não…
Não.
Ela tem que estar bem, ela tem…
Apoio o rosto nas mãos, tentando organizar minhas ideias,
enquanto inúmeros cenários passam pela minha cabeça.
— Estamos com você, cara. Vamos lá ajudá-la.
O caminhão para.
— Prado e Melo, falem com o Gutierrez e deem sequência
na triagem das vítimas e primeiros socorros — Carvalho sinaliza,
rápido, vestindo seu capacete. — Dutra e Mendonça, ferragens,
Santos, rescaldo, há muito combustível na pista. Correia, comigo.
O local está um caos.
Há, no mínimo, quatro veículos envolvidos, então eu vejo.
O tronco acertou em cheio a frente do veículo, destruindo o
motor e por poucos centímetros, não a atingiu direto.
Deus, por favor.
Caminho na direção, mas Carvalho segura meu braço com
força.
— Subtenente.
— Preciso que mantenha sua cabeça no lugar, cabo. Acha
que tem condições?
Engulo, sabendo ao que ele se refere.
Não sabemos o que vamos encontrar. Mas não aceito
qualquer alternativa que não seja tirar Valentina dali… viva.
— Preciso salvar minha mulher, senhor.
Não diz nada, apenas acena com a cabeça e juntos
corremos em direção ao que sobrou do Ford Ka.
How to save a life. – The Fray
Photograph – Ed Sheeran
Claro que tudo que está ruim, sempre pode piorar.
Mal saio da rua do Gustavo e começa a chover. Bem, chover
é apelido, está mais para um dilúvio. Limpador no máximo e tensão
redobrada. Quando, finalmente, consigo cair na Avenida São Paulo,
já se foram mais de vinte minutos.
Não reclame, pelos menos agora está só garoando e o
trânsito está fluindo.
Estou a ponto de ligar para a Lau e avisar que estou
atrasada, quando um estrondo alto me faz pular e gritar assustada.
Olho ao redor, procurando a origem do som, só para perceber a
enorme árvore caindo em direção ao carro.
Meu Deus!
Tudo ocorre tão rápido. Freio e tento jogar o carro para a
esquerda, mas não dá tempo.
Num piscar de olhos, tudo fica escuro.

Dor.
Muita dor.
Céus, minha cabeça está estourando.
Tento abrir os olhos, mas até isso é difícil.
Escuto vozes ao longe e faço um esforço enorme para olhar
ao redor. Quando finalmente consigo e percebo onde estou, meu
coração acelera.
Respira, respira… você está viva.
Oh, Deus, não consigo me mexer.
— Socorro — tento gritar, mas minha voz falha.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Não consigo respirar.
Inspira, expira…
Vai ficar tudo bem, tem que ficar tudo bem.
Por favor, Senhor, me ajude, nos salve.
Sirenes tocam ao fundo e tento me acalmar. A ajuda está a
caminho.
Gustavo…
Seu pai vai nos salvar, pequenino. Mais lágrimas escapam e,
por uns instantes, acho que meu peito vai explodir.
— A ajuda está vindo, moça, não se mexa — um senhor, de
uns cinquenta anos, aparece ao lado da janela e me avisa.
— Não me deixe — peço, com medo de morrer aqui sozinha.
— Vou ficar com você, querida. Fique calma.
Obrigada… quero agradecer, mas minha garganta está seca.
— Eles chegaram, graças a Deus! — o senhorzinho anuncia
e eu poderia bater palmas se não estivesse com o para-brisa quase
no meu rosto.
— Senhora, eu sou o sargento Gutierrez do 20º grupamento
e nós vamos te tirar daí. Qual seu nome?
— Va…Valentina.
— Nós vamos tirar você daí e te levar pro hospital, ok?
Preciso que fique calma e não tente se mexer. Oliveira, precisamos
tirar o teto e remover o vidro para ter melhor acesso — grita e só
consigo pensar em sair daqui.
— Nina? — alguém fala.
— Você conhece a vítima? — o bombeiro que estava falando
comigo é quem questiona.
Escuto-o conversando a alguns passos, mas não consigo
ver seus rostos.
— Não se mexa, Valentina, o médico já vai dar algo para
você. O pessoal do 21º grupamento está chegando. Soube que é
amiga deles, imagino que ficará feliz em ver rostos conhecidos e
eles vão ajudar a te livrar dessa bagunça — comenta, a voz serena,
tentando me tranquilizar. — Vamos cortar o teto agora, não se
assuste com o barulho.
Fecho os olhos, em concordância.
É difícil falar.
O mínimo movimento faz a dor irradiar por tudo.
Quando volto a abrir, a primeira pessoa que vejo é Prado, e
lágrimas se acumulam nos meus olhos.
— Eu… — Minha garganta arde.
— Nina, vamos tirar você daí. Tem que ser forte, garota. —
Se aproxima, avaliando o cenário.
Mais bombeiros trabalham na frente do carro e a cada
movimento, parece que estão rasgando minhas pernas.
— Dói — grito.
— Precisamos imobilizá-la e entender a extensão dos danos,
antes de prosseguirmos. Doutora! — o outro bombeiro grita.
— Valentina… — Sua voz, essa eu reconheceria em
qualquer lugar.
Nosso olhar se encontra e vejo medo e preocupação.
Meu coração acelera.
Tento sorrir, assegurar que ficará tudo bem, mas falho.
Há tanta coisa que eu preciso dizer… há tanto não dito entre
nós.
Deus, me dê a chance de fazer diferente, eu te peço.
Os paramédicos se aproximam e um colar cervical é
colocado.
— Estou com medo — sussurro para Prado que está mais
próximo.
— Fica tranquila, estamos quase te liberando, tudo tem que
ser feito bem devagar, para que não a machuquemos no processo.
Logo, vamos te levar para o hospital e você vai ficar bem, e então,
iremos nos entupir de sorvete de flocos.
Abro e fecho os olhos, concordando.
— Você tem alergia a algum remédio, querida? — uma
mulher de uns cinquenta anos me pergunta, enquanto ilumina meus
olhos com uma lanterna e me observa com atenção. — Vou colocar
um soro aqui para você se hidratar com medicação para aliviar a
dor, ok? Vai te ajudar a relaxar, enquanto os rapazes trabalham.
Olho de novo na direção do Gustavo.
Permanece ali… o olhar fixo em mim, com um alicate
enorme nas mãos, pronto para entrar em ação, pronto para me
salvar… para nos salvar.
Volto minha atenção para a médica e, com toda força que
me resta, dou o recado mais importante.
Algo pelo qual valeria qualquer esforço.
— Eu… — começo, sentindo muito frio de repente — …eu
estou grávida — sussurro, e lágrimas escorrem pela minha
bochecha, medo por mim, pela vida que está no meu ventre, e então
só há escuridão.
How to save a life – The Fray
Photograph – Ed Sheeran
Whatever it Takes - Lifehouse
Minha vontade é de estar lá, ao seu lado, segurando a sua
mão, garantindo que tudo ficará bem, mas eu tenho que deixar a
médica fazer o trabalho dela, além disso, Prado está próximo,
tentando acalmá-la.
A situação não é boa.
Nina está com as pernas presas às ferragens e não
sabemos a extensão do dano.
A dizer pela sua palidez e coloração dos seus lábios, eu diria
que temos que tirá-la dali para ontem.
Caralho, vamos, quero gritar, mas me forço a manter a
cabeça no lugar. É isso ou ser colocado de escanteio, e minha
mulher precisa de mim.
A doutora está avisando-a sobre o soro e analgésico e seu
olhar está novamente em mim.
Vai ficar tudo bem, linda…
Sua atenção volta para a médica e tudo acontece muito
rápido.
Valentina avisa que está grávida então apaga.
Porra… porra.
Um filho.
O caos começa.
— Precisamos removê-la agora — a doutora anuncia,
tentando ver a pulsação de Valentina, enquanto eu e outros colegas
colocamos os alicates hidráulicos para funcionar.
Trabalhamos o mais rápido possível e, em poucos minutos,
conseguimos afastar a lataria o suficiente para permitir a
imobilização e remoção.
Suas pernas… tanto sangue.
Apoio minhas mãos no joelho, acompanhando de mãos
atadas os paramédicos fazerem seu trabalho, tentando conter a
hemorragia e estabilizar seus sinais para que ela possa ser
removida para o hospital.
— Deus…
Sinto meus irmãos de farda ao meu lado.
Estão todos tensos e preocupados.
— Ela vai ser levada para o Hospital Regional — Carvalho
anuncia, apertando meu ombro.
Nem preciso avisar que é para lá que eu vou.
— Já falei com o capitão. Estamos indo para lá com você,
cabo.
— Eu… obrigado, senhor. — Nem me preocupo em
esconder as lágrimas que escorrem pelo meu rosto. — Não posso
perd…
— Você não vai! — Dutra é quem fala, e sua voz é firme,
sem qualquer dúvida.
Deus te ouça, amigo.
Porque eu não posso perder Valentina, não quando… não
quando eu descobri que eu a amo… tanto que dói só de pensar em
viver sem ela. O acaso pode até ter nos colocado juntos, mas meu
destino é ela…
Valentina é a minha escolha.

Duas horas.
Duas fodidas horas aguardando notícias.
Valentina chegou e foi imediatamente para o centro cirúrgico.
Fratura exposta na fíbula, hemorragia intensa por conta do
rompimento de uma veia de grosso calibre, são só alguns dos
problemas.
Estou andando de um lado para o outro nos últimos trinta
minutos.
Não consigo sentar.
Não consigo fazer porra nenhuma.
Grávida…
Como assim? Desde quando ela sabe? Por que ela não
disse?
Tenho tantas perguntas, mas claro que isso é o de menos no
momento. O que importa é que ela fique bem.
Nada mais importa.
Cadu está a cerca de cinco metros de distância, consolando
sua esposa, e nosso olhar se encontra.
Pelo que entendi, Nina estava indo encontrá-la.
Eles caminham na minha direção.
— Você avisou alguém? — Carvalho questiona ao me ver
com o celular na mão.
— Seus pais embarcaram ontem em um cruzeiro,
comemorando bodas de ouro. — Faço uma careta. — Ainda não
avisei, quero ter boas notícias quando ligar.
Laura concorda com a cabeça.
— Boa ideia — o subtenente concorda.
— Eu devia ligar para o Enzo. — Passo as mãos pelos
cabelos, tenso com a ausência de notícias. — Já faz duas horas e
nada…
— Ela vai ficar bem. — A mão de Laura acaricia minhas
costas. — Ela… ela tem que ficar.
Fecho os olhos, tentando não imaginar qualquer cenário que
não seja Valentina comigo, me xingando, sorrindo…
— Ela está grávida — disparo, mesmo sabendo que sendo
sua melhor amiga já deve saber.
— Eu sei — responde, confirmando o que eu já imaginava.
— Ela não me disse.
— Nina é minha melhor amiga — começa, a voz embargada
—, desde sempre. Quando eu não podia sair de casa, ela estava lá,
me distraindo, me fazendo sorrir, fazendo com que eu visse o
mundo através dos olhos dela.
Essa é a pirralha.
— Ela é a pessoa mais incrível e amorosa que eu conheço.
Ela ama sem limites, ela se entrega, e ela… — para, os lábios
tremendo de nervoso — …é absolutamente louca pelo vizinho,
sempre foi.
Fecho os olhos, dor rasgando dentro de mim.
Como pude ser tão cego?
— Não sei o que está acontecendo com vocês. Eu sei que
tudo começou como uma farsa, por conta da vó dela — aponta,
secando as lágrimas —, mas o que eu vi no meu casamento e antes
até, não era mentira, era vocês… um casal feliz.
— É complicado.
— Vocês dois têm que conversar e se resolver. — Laura não
consegue mais conter as lágrimas e chora copiosamente. Cadu
parece preocupado com a esposa. — Só vou — começa, entre
soluços — dizer uma coisa para você. Ela foi te contar. Ela me ligou
quando saiu do seu apartamento.
— Droga! — Passo a mão pela cabeça.
— Não sei o que houve lá — continua e seu olhar poderia
matar —, mas Nina foi para te contar, ela descobriu hoje… e mesmo
com tudo isso entre vocês, ela disse que nunca iria esconder.
Caralho, eu poderia me socar.
Inferno de mal-entendido.
Camila é a esposa do Santiago, um bombeiro do outro turno,
que está estudando para a prova de cabo, e veio buscar umas
apostilas antigas minhas. Fiquei de emprestar para o cara, mas na
loucura das últimas semanas, esqueci de deixar no batalhão.
Resultado, ela veio buscar para ele. Não temos nada.
Deus que me livre, eu… só quero uma pessoa.
E ela não faz a mínima ideia do quanto.
— Ela viu algo, entendeu tudo errado — faço uma careta —
e eu não expliquei o que era de verdade. Não deu tempo.
— Conserte as coisas e não a machuque — aponta, a voz
firme, séria —, ou não haverá lugar onde você poderá se esconder
de mim. Se você está preocupado com o Enzo, melhor repensar. —
Então me dá as costas e caminha em direção à cafeteria.
— Resolva esta merda, cabo — Cadu fala ao meu lado, e eu
tinha até esquecido dele ali. — Não gosto de ver minha mulher triste
— completa e então segue na mesma direção dela.
— Eu vou, senhor — devolvo, mas ele já está uns passos
distante.
Não há mais nada que eu deseje fazer do que isso.
Só espero que não seja tarde demais.

— Paciente: Valentina Fonseca Bianchi — anuncia,


procurando um responsável, já que a sala está cheia de bombeiros.
Os caras são fodas e não saíram daqui.
— Ela está bem, doutor? — me adianto, sem esconder a
preocupação.
— O senhor é parente dela?
— Valentina é minha mulher — retruco sem titubear.
— Eu sou o Dr. Hélio Henrique Xavier, chefe do setor de
ortopedia e responsável pela cirurgia da sua esposa. O
procedimento foi um sucesso — informa e, caralho, eu poderia
gritar, tamanha a felicidade.
Ela está bem.
Ela vai sair dessa.
Pelos próximos minutos, explica os procedimentos aos quais
a loira foi submetida.
— Conseguimos reverter o quadro de choque hipovolêmico,
causado pela extensa perda de sangue e colocamos os ossos de
volta ao lugar com a ajuda de placas e parafusos.
— Doutor, o bebê… — começo, temendo sua resposta.
— Tudo em ordem com o feto. A equipe da obstetrícia
acompanhou de perto a cirurgia e todos os sinais vitais estão
mantidos. Sua esposa e filho estão bem.
— Porra, eu poderia abraçá-lo, se não tivesse certeza de
que o senhor odiará ficar sujo de poeira e sangue.
— Um aperto de mão é mais do que suficiente — brinca.
— Oh, Deus. Obrigado, Obrigado… — agradeço, passando
as mãos pelos cabelos, sem me preocupar com os olhares.
Obrigado, Senhor, por esta segunda chance.
— Doutor, ela está consciente? Pode receber visitas? —
questiono, gesticulando para a sala de espera lotada.
— Ela ainda está meio grogue da anestesia, mas pode
receber alguns de vocês. Passo mais tarde para checá-la.
— Obrigado, doutor, muito obrigado, mesmo — friso,
apertando a mão do médico com mais empolgação do que
pretendia.
Hora de ver a minha pirralha.
Olho ao redor, procurando a Laura.
Ela está chorando abraçada ao Cadu, mas é de felicidade.
Todo o clima na sala mudou.
— Ela vai sair dessa, gente! — anuncio e todos vibram. — O
médico disse que podemos entrar aos poucos… — começo.
— Vá você primeiro, sozinho — Laura é quem fala e,
caramba, que mulher. Eu realmente preciso de uns minutos a sós
com Valentina. — Vocês precisam conversar.
Aceno que sim e com o coração quase saindo pela boca,
faço meu caminho até o posto da enfermagem, para ter mais
informações.
Nem pareço um bombeiro experiente, neste momento
pareço mais um adolescente. Minhas mãos estão suando e não tem
nada a ver com a temperatura.
Bato de leve na porta e abro.
Vê-la ali tão frágil é como um soco no estômago e meus
olhos enchem de água.
Respira, porra.
Seja forte.
Ela está bem.
Toda cheia de curativos, mas VIVA.
— Pirralha — sussurro, ela vira o rosto para o lado, nosso
olhar se encontra. Não disfarça a surpresa ao me ver, e está tão
emocionada quanto eu.
— Oiii… — Sua voz sai fraca.
Me aproximo da cama, tomando o cuidado para não tocar
em nada que possa machucá-la acidentalmente.
— Você quase me matou do coração lá. Eu achei que ia…
— Minha voz embarga e me calo.
Pigarreio, limpando a garganta.
— Nunca mais me assuste assim, de novo, ok? — brinco,
colocando a mão no coração.
— Vou tentar me lembrar disso — devolve, muito séria para
o meu gosto. — Obrigada por ter vindo me visitar.
— Não houve nada lá, Nina.
Ela fecha os olhos e uma lágrima escorre pela sua
bochecha.
Me apresso em secá-la.
Céus… eu faço tudo errado.
— Não me importa. Não temos nada. Nunca tivemos. Era
tudo mentira. Teatro — retruca, usando a mesma palavra que eu
disse naquele dia.
— Olha pra mim, por favor — peço, segurando sua mão, e
ela atende. — Não era mentira, nunca foi… e você sabe.
Mais lágrimas escorrem pelo seu rosto.
Como vou consertar isso?
Fale a verdade.
— Eu tive medo… — disparo, e seus olhos verdes estão nos
meus — …de magoar seu irmão. — Ela revira os olhos, e isso é tão
ela. — Você revira os olhos? Preciso te lembrar o tamanho do
Enzo? — aponto e ela sorri. —Mas, mais do que tudo, achei que
você estava contando os dias para se ver livre de mim, pirralha. Eu
pensei que…
—Nunca! — ela responde e uma chama de esperança brota
em mim.
— Escutei a conversa naquele dia. “Faltam poucos dias e
serei livre. Se prepara que vamos nos divertir.” — Faço uma careta.
Me olha perplexa e seu choro aumenta.
— Hey, não chore, está tudo bem. Desse jeito, as
enfermeiras vão me expulsar.
Valentina não me deve nenhuma explicação, ainda assim,
me conta com quem estava falando e o contexto.
Nunca foi sobre mim, mas sim, sobre a empresa que ela
estava abrindo com a amiga. Por isso ela saiu da prefeitura, as
peças agora se encaixam.
— Eu… me sinto um imbecil no momento — admito.
Ela sorri em concordância.
Pelos próximos minutos, colocamos tudo às claras.
Não há mais dúvida.
Ela não estava contando os dias para eu vazar e eu não
estava acompanhado quando ela chegou, ainda assim, ela continua
triste e distante.
— Não teve um dia, nestes trinta dias, que eu não pensei em
você, em nós — admito. — Eu tentei resistir todos estes anos…
desde o seu aniversário de dezenove anos — reconheço e ela
arregala os olhos. — Você cresceu e eu tentei me manter distante,
parecia o certo, mas eu cansei de lutar contra o que sinto por você.
Eu quero você, pirralha. Eu sempre quis.
Ela volta a chorar.
— Eu quero acreditar, eu juro que quero. Isto é o que
sempre sonhei ouvir você dizendo para mim…
— Então me escuta. — Apoio minha testa contra a sua,
mirando diretamente seus olhos. — Acredita em mim. — Beijo sua
testa, mas ela balança a cabeça em negativa.
— Eu tenho que me proteger, você me magoou, Gustavo,
muito! Quando você foi embora, você só comprovou o que eu
sempre senti… que eu nunca ia ser suficiente para você, que eu iria
sempre ser a irmãzinha do Enzo, que eu fui apenas uma transa
qualquer. — Um soluço escapa. — Quando você… quando você
sempre foi tudo para mim. — Seus lábios tremem e elas os morde.
— Eu não posso passar por isso de novo — afirma, secando o rosto
com as mãos trêmulas.
Você não vai, quero gritar, mas me calo.
— Eu vou passar o resto da minha vida, se for necessário, te
provando que eu sou louco por você, pirralha.
— Você está falando tudo isso só porque estou grávida —
retruca e é como um cruzado de direita.
— Não! — rebato, enfático.
— Você pode participar da vida dele ou dela, eu nunca tiraria
isso de você — continua, olhando para as mãos.
— Olha para mim, linda.
Ela ergue o olhar e só então eu falo, pausadamente:
— Eu quero você… a minha mulher. — Caramba, eu gosto
de como isso soa. — E meu filho. Não vou mentir, foi uma surpresa,
mas, porra, não consigo pensar em mais ninguém com quem eu
gostaria de formar uma família do que contigo. — Acaricio seu rosto
e ela fecha os olhos.
Me afasto alguns passos. Dando a distância que ela precisa.
— Vou ser paciente, vou dar o seu espaço — talvez não
tanto—, mas não tenha dúvidas. Eu quero você, Valentina, e eu vou
te provar, nem que seja a última coisa que eu faça. Eu vou
reconquistar seu amor e confiança. Minha tarefa diária será provar
para você o quanto eu… — Minha voz falha, mas me forço a
continuar: — O quanto eu amo você, e esse serzinho que está
crescendo aí…
Uma lágrima teimosa escapa do meu olho e me apresso a
secar.
Limpar esta bagunça que eu mesmo criei e reconquistar o
coração da pirralha, esta é a missão. Uma que não aceito outro
resultado, que não seja: cumprida com sucesso.
Incancellabile – Laura Pausini
How long will I love you – Ellie Goulding
Devo ter batido a cabeça no acidente, é a única explicação.
Tento segurar o choro, ser forte, mas é impossível. A cada
palavra do Gustavo, mais e mais elas descem, sem piedade, pelo
meu rosto.
Como eu sonhei em ouvir cada uma delas…
Meu coração bate acelerado, mas não posso fraquejar.
Tenho que ser forte.
Por mim e por este bebê.
Ele precisa de pais que realmente se amem e que querem
estar juntos, não por obrigação.
Se estivermos destinados a ficar juntos, será porque, de
alguma forma, nossos sentimentos prevaleceram e superaram este
momento.
Isso, entretanto, parece… um sonho distante.
Não vou mentir e dizer que não o amo.
Seria mentira!
Eu amo, muito, mas isso não significa que eu vá correr para
os seus braços.
Não, senhora!
Nada tira da minha cabeça que esta mudança repentina é
fruto da descoberta da gravidez. Gostaria de acreditar que Gustavo
finalmente resolveu assumir seus sentimentos por mim, que ele
sempre me amou, mas a insegurança não deixa.
Eu tenho medo.
Eu preciso de tempo.
Claro que fiquei feliz com seu discurso sobre provar que me
ama… me conquistar. Que mulher não ficaria?
Mas, depois de tudo que aconteceu entre nós, de tantos
desencontros, ter esta cena de filme romântico esfregada na minha
cara, me deixa é com mais suspeita.
Não pode ser real, não é? É bom demais.
— Não avisei seus pais ou o Enzo ainda — ele comenta,
mudando de assunto. Algo seguro. Bom.
— Não avise meus pais — peço, tentando achar uma
posição confortável na cama.
— Aqui, deixa que te ajudo — oferece, me ajudando a me
mexer alguns centímetros para o lado.
— Obrigada.
— Não por isso, linda. — Afasta uma mecha do meu cabelo
e prendo a respiração.
Como vou resistir a esta versão do Gustavo?
Se a anterior já me fazia ficar louca…
Pigarreio sem graça e ele se afasta.
— Precisamos avisá-los.
— Minha mãe seria capaz de descer no primeiro porto e
voltar. — Faço uma careta. — Não seria justo estragar o passeio
deles, estou bem, considerando tudo o que aconteceu.
Parece pensar alguns instantes.
— Do seu irmão, você não conseguirá escapar.
— Ok, acho que ele não é louco o suficiente para vir todo o
caminho do Canadá.
— Vamos descobrir! Aproveitando o assunto, conversei com
o seu médico, ele vai passar aqui mais tarde, mas tudo indica que
você deve ter alta daqui a dois dias e…
— Dois dias! — exclamo, pensando em tudo que ficará
atrasado no serviço e em tudo que preciso fazer.
— Fora o seu repouso em casa por, no mínimo, quinze dias,
imagino eu, sem esforço, exercícios físicos — ele começa a
enumerar e eu simplesmente fecho os olhos.
Estou ferrada.
— Vou cuidar de você.
— O quê?
— Você me ouviu. Tenho uns dias de licença para tirar.
— Você não vai gastar suas férias comigo — pontuo,
primeiro porque são as férias dele e, segundo… como vou
sobreviver com o Gustavo vivendo comigo? —Não, sem discussão.
— É isso, ou vou fazer questão de ter o Enzo entrando no
primeiro avião para ficar contigo, linda. Sua escolha. Eu ou o Enzo?
— Não tem uma terceira?
— Assim você me magoa.
Reviro os olhos, tentando ser racional.
São quinze dias.
Eu vou ficar a maior parte do tempo no meu quarto,
trabalhando no notebook. Eu realmente preciso de ajuda.
Incomodar meu irmão, a Lau… ou pedir para algumas de
minhas tias, está completamente fora de questão.
Não é como se eu pudesse recusar.
— Quinze dias!
— Até que o médico diga que você está totalmente liberada.
Sem discussão.
— Fechado!
Ele vibra e receio ter feito uma má negociação, mas
contenho o sorriso.
— Vai ser divertido, vamos ver muitas séries e filmes,
prometo cozinhar para você. Sairemos do apartamento apenas para
as consultas de acompanhamento, inclusive, pré-natal.
Parece animado com a ideia e meu coração bobo aquece.
Obstetra… inconscientemente levo a mão à minha barriga.
— Você tem uma forma engraçada de se divertir nas férias
— debocho e ele sorri.
— Vou parar de monopolizar você, há várias pessoas
aguardando para te ver. — Dá um beijo suave na minha testa.
Algo se agita dentro de mim ao vê-lo se afastar.
Não quero que se vá… é louco isso.
— Gustavo — chamo e ele para. — Obrigada por estar aqui
comigo.
— Eu sempre estarei com você — dispara, dando uma
piscadinha e então se afasta como se não tivesse acabado de
abalar todas as minhas estruturas nos últimos minutos.

Não aguento mais chorar.


Sério?
O pessoal do grupamento passou por aqui e a cada palavra
de apoio, a cada voto de recuperação, eu me emocionava. Se estou
aqui viva, é por conta deles e de toda a equipe médica que me
ajudou. Ainda não conversei com o médico, mas sei que meu
quadro era grave.
— Cadu, convença sua mulher a ir embora, pelo amor de
Deus. Ela está pior do que eu.
— Você está tomando morfina, amiga, por isso está dizendo
isso, espera até se olhar no espelho.
— Caramba, muito amiga você — devolvo e ela sorri.
— Já falei para ela que passamos amanhã de novo, mas
você sabe a amiga teimosa que tem.
— Eu sei! — rebato e ela ergue as mãos em rendição,
saindo da cabeceira da minha cama.
— Só vou porque sei que o Gustavo continuará por aqui.
— Outro teimoso — resmungo, mas ele escuta e finge-se de
ofendido.
— Vou ficar de olho, o médico deve passar daqui a pouco e
atualizo vocês pelo WhatsApp.
— Combinado! — Laura se aproxima e acaricia o meu rosto.
— Fique bem logo, para ir para casa.
— Eu vou — prometo. — Você sabe como odeio hospitais.
— Eu sei, lembro do sacrifício que era para você ir me visitar,
mas você sempre ia.
Oh, merda, e meus olhos se enchem d’água de novo.
Que inferno.
— Vamos, então. — Lau pigarreia, também emocionada, e
entrelaça os dedos com o maridão.
— Fale para a Manu que mandei um beijinho para ela.
— Falo, sim — avisa, já perto da porta.
E então somos apenas nós dois de novo.
Felizmente, o silêncio incômodo não dura muito.
Um senhor, que poderia ser meu pai, entra.
— Boa noite.
— Doutor! — Gustavo cumprimenta com um aceno de
cabeça, então suponho que já conheça o tal médico.
— Valentina, eu sou o dr. Hélio Henrique Xavier, responsável
pela sua cirurgia.
— Obrigada por cuidar de mim, doutor. — Estendo a mão e
ele aceita, com extrema leveza.
— Fico feliz que esteja se recuperando. — Olha no tablet e
então volta a atenção para mim. — Devo manter você em
observação pelas próximas quarenta e oito horas.
— Ok.
— Houve grande perda de sangue, por conta do corte na
sua perna direita, mas conseguimos regularizar a situação com
algumas transfusões de sangue.
Caramba.
— A maior preocupação no momento é o desenvolvimento
de um quadro infeccioso, por isso, já estamos ministrando
antibióticos por via venosa — explica, apontando para o soro. —
Felizmente, não houve perda de massa óssea ou lesão nos nervos,
o que é uma ótima notícia, então iremos monitorar a fixação do
osso, com alguns exames de imagem, mas, por ora, tudo está em
ordem.
— Certo — retruco, absorvendo este monte de informação.
— Alguma dúvida?
— Quanto tempo até eu poder… o senhor sabe, voltar a…
andar, fazer minhas atividades?
— Cada pessoa e cada cirurgia é um processo de
recuperação singular, entretanto, acredito, sra. Bianchi, que de
forma conservadora, sua recuperação total ocorra dentro de 16 a 20
semanas.
O quê?
Meus olhos devem ter ficado do tamanho de pratos.
Vinte semanas? Isso dá… cinco meses.
Olho de relance para Gustavo e ele continua com a atenção
fixa no médico.
Cretino.
Aposto que ele sabia.
— Os primeiros quinze dias costumam ser os mais difíceis e
demandam repouso quase absoluto. Da cama para o banho, banho
e cama. Muita TV e alimentação balanceada. Nada de apoiar o pé
no chão. Recomendo a utilização de muletas para apoio durante oito
semanas. A partir da quinta semana, deve iniciar a reabilitação com
um fisioterapeuta para fortalecimento dos músculos.
— Meu Deus.
— São muitos detalhes, não é?! Mas fique tranquila que vou
passar tudo para você e seu marido, quando for te dar alta.
— Ele não…
— Muito obrigado, doutor Xavier — Gustavo cumprimenta o
médico.
— Meu prazer, já estava quase esquecendo. A dra. Mônica,
da obstetrícia, também virá falar com vocês.
— Obrigada, doutor — agradeço e acompanho o médico sair
do quarto.
— Cinco meses! Cinco meses, por que será que tenho a
sensação de que você sabia disso?
— Eu?
— Você!
— Claro que não, pirralha.
Analiso seu rosto, procurando algum sinal… algum indício.
— Acho que conseguiremos terminar as dezessete
temporadas de Criminal Minds neste período.
— Eu sabia, você já imaginava que ia ser um prazo longo.
— Correção, eu suspeitava. Já tive alguns amigos com
lesões parecidas, acidente de moto, fim de semana no futebol. —
Dá de ombros.
— Você me enganou! — acuso.
— Não, eu disse que iria cuidar de você até você estar
100%, é diferente. — Ergue os braços em defesa, e nem rebato.
— Interpretação — sussurro, mas aceito a derrota.
Não estou brava, não mesmo.
Só preocupada, é muito tempo.
Demais para minha sanidade e coração.
Será que conseguirei resistir?
Eu quero resistir?
Onde estou me metendo?
“…Whatever I said
[O que quer que eu tenha dito]
Whatever I did
[O que quer que eu tenha feito]
I didn’t mean it
[Não foi o que eu queria]
I just want you back for good…
[Eu apenas quero você de volta, pra sempre]
And we’ll be together this time is forever” (Back for Good –
Take That)
[E nós ficaremos juntos, desta vez é para sempre]
Valentina teve alta faz dez dias e, desde então, estamos nos
ajustando à rotina.
São muitos remédios: antibióticos; analgésicos; vitaminas do
pré-natal, cortesia da visita da obstetra do hospital, que nos avisou
que pelo ultrassom feito antes da cirurgia, nosso bebê estava na
época com oito semanas, estamos quase na décima agora, e ele
tem o tamanho de uma azeitona.
Sim, eu tenho lido a respeito e estou assustado pra caralho.
Um filho.
A médica foi muito gentil e nos indicou uma colega que
atende numa clínica particular da região. Já agendei um horário na
próxima semana, e tanto eu quanto Valentina estamos ansiosos.
Será a sua primeira saída de casa e ela está quase subindo
pelas paredes do quarto. Tento distraí-la com filmes, séries, mas até
isso cansa uma hora. Resultado: uma Valentina mais rabugenta que
o costume, ainda assim, não deixaria de estar aqui com ela, por
nada.
Certeza de que quando tirar os pontos e começar a rotina da
fisioterapia, ela ficará mais animada.
Estamos no meu apartamento. Fez mais sentido. É maior e,
embora não haja um quarto de hóspedes como no dela, o sofá da
sala quebra um galho. Claro que ela está usando a minha cama,
mesmo irritada com isso.
Seu humor sempre melhora quando temos visitas, o que tem
sido frequente.
Laura.
Prado.
Sua sócia. E até um pessoal da prefeitura e sua vizinha de
porta apareceram por aqui.
Enzo até cogitou vir ao Brasil, mas conseguimos convencê-lo
de que não havia necessidade, assim, ele tem ligado por vídeo em
dias alternados. Quando informei que estaria cuidando dela, me
olhou meio estranho, mas quer saber, foda-se.
Não vou deixá-la, nem fodendo.
Ele não fez perguntas, ou nada do tipo, mas se fizer, estou
preparado. Não tenho mais medo. Eu tenho um objetivo.
Seus pais ainda estão viajando e não fazem ideia de nada.
Não quero nem pensar no puxão de orelha que vamos levar da
dona Simone quando ela voltar, mas enfim, estou atendendo a um
pedido da loira.
— Tudo certo, linda? — questiono quando escuto o chuveiro
ser desligado.
Banho é sempre um momento complicado.
Tenho um medo do caralho da Valentina escorregar.
Falei para deixar a porta aberta. Não é como se eu fosse
ficar espiando a todo momento, além do que, já vi e beijei cada
centímetro daquele corpo gostoso.
Não vá por aí, porra.
Tarde demais.
Minha mente é invadida com lembranças nossas. Valentina
nua, moendo a boceta contra a minha mão, no meu pau…
Trinco os dentes, precisando pensar em outra coisa, antes
que minhas bolas comecem a doer.
— Sim — grita do outro lado da porta. — Nem pense em
abrir esta porta! — complementa e não contenho o sorriso.
Rabugenta, não disse?
A porta abre alguns segundos com uma Valentina toda
enrolada na toalha e tentando se segurar na muleta.
— Está escorregando um pouco. — Faz careta.
Nem penso muito.
— Deixa comigo. — Enlaço sua cintura, afasto a muleta e
sem dar tempo para reclamações, a ergo.
— Gustavo…
— É mais rápido assim, linda. Sala ou cama?
— Eu posso… ir. — Revira os olhos. — Cama, preciso me
trocar, seu louco!
Em três passos, estamos no quarto e, com cuidado, a coloco
sentada na cama.
— Precisa de ajuda para se trocar?
— Não! — rebate rápido, agarrando a borda da toalha, com
força.
— Estou lá fora, se precisar de mim — retruco, dando uma
piscadinha e faço meu caminho até a varanda.
O vento gelado me recebe e respiro fundo.
Não é fácil lidar com a resistência da Valentina.
Se dependesse de mim… droga, eu…
Cerro os punhos, frustrado, mas feliz pelos pequenos
progressos que fazemos. Cada toque “roubado”, cada sorriso
conquistado são pequenas vitórias. Não entra na minha cabeça a
pirralha achar que não a quero, que estou nessa apenas pelo bebê,
não quando meu peito falta explodir só de estar ao seu lado… de tê-
la comigo.
Minha vó sempre dizia que o tempo cura todas as feridas,
espero que tenha razão.
What if we were made for each other
[E se nós fomos feitos um para o outro?]
Born to become best friend and lovers…
[Nascidos para nos tornarmos melhores amigos e amantes]
What if – Colbie Caillat
How long will I love you – Ellie Goulding
What if – Colbie Caillat
You got me – Colbie Caillat
Quando Correia está de plantão, minha mãe vem até aqui
ficar comigo. Falei que não precisava, mas ele insistiu. Era isso, ou
a vizinha.
Claro que escolhi minha mãe, né?!
Ela ainda está um pouco brava por não termos contado do
acidente. Ah, e não contamos da gravidez, ainda.
Guardar este segredo está me matando, mas quero contar
quando tivermos a gravação do ultrassom, o que vai acontecer em
breve.
Estou tão ansiosa por isso.
Pensando bem, talvez ela fique brava de novo.
Até cogitei ficar uns meses com meus pais, mas ia atrapalhar
demais a rotina deles, eles são aposentados e tal, mas muito ativos
na igreja, além do que, não são mais jovens assim, e vira e mexe
ainda preciso de ajuda, enfim, conseguimos nos organizar bem por
aqui. Se Deus quiser, logo estarei completamente recuperada e de
volta ao meu apartamento, até lá… aqui é a minha casa, com ele.
Os piores dias já passaram.
O médico não mentiu.
Os primeiros quinze foram inesquecíveis. Muita dor,
estômago atacado por conta dos remédios e gravidez, caos e mais
caos, mas já estou conseguindo me mover bem melhor com a ajuda
das muletas.
Dentro de pouco tempo, sem elas. Oremos!
Na verdade, nem posso reclamar. Tenho que agradecer
todos os dias, por não ter ocorrido nada mais grave.
Hoje, Gustavo está em casa, o que significa um verdadeiro
tormento para mim.
Tipo uma tortura boa.
Não estou falando coisa com coisa, né?
Ele está animado, cozinhando, enquanto eu finjo procurar
algo na TV, falhando miseravelmente, já que não consigo parar de
prestar atenção na sua cantoria.
É difícil resistir a ele.
Ele não tem forçado nada, tem aguentado minhas chatices e
mau humor, e eu sigo bravamente tentando resistir ao seu charme e
encanto, mas, droga, eu sinto tanto a sua falta, do seu toque em
mim, dos seus beijos… das nossas risadas.
Às vezes, eu não consigo segurar, manter a cara fechada.
Gustavo é engraçado demais, brincalhão além da conta, ainda
assim, eu tento me manter séria a maior parte do tempo. Não quero
que ele tenha qualquer ideia errada.
Não estou cedendo…
Temos um trato e estou apenas seguindo o combinado.

— O jantar estava uma delícia — elogio ao terminar de


comer.
Arroz, salada de batata com ovo e um bife.
Simples e delicioso.
— Obrigada.
— Feliz que gostou, gatinha. Não sei fazer muitas coisas,
mas arroz e bife, até que arrisco.
— Fico feliz de servir como sua cobaia — brinco e seu
sorriso aumenta.
É fácil deixar me levar e ficar conversando com ele, como
fazíamos, antes de… bem, antes do namoro de mentira acabar.
— Acho que vou tomar um banho.
— Vou procurar algo para vermos, o que acha?
— Ok! — respondo, antes de fugir em direção ao banheiro.
Demoro um pouco mais que o normal, pois hoje resolvi lavar
os cabelos. Me levanto da cadeira plástica, tomando cuidado para
não apoiar o pé no chão, fato é que estou muito insegura ainda e
espero que a fisioterapia mude isso.
Termino de me enrolar na toalha e estou quase alcançando
meu apoio, quando eu vejo.
Uma lagartixa enorme no teto.
Puta que pariu.
É só uma lagartixa, tento dizer para mim mesma, o olhar fixo
no teto, enquanto estico a mão em direção à muleta.
Ela está andando…
Oh, Deus.
Pânico invade cada célula minha e, na ânsia de sair logo do
banheiro, acabo me atrapalhando, derrubo a muleta e, por pouco,
eu mesma não me desequilibro.
Em segundos, a porta é escancarada.
— O que houve… você está bem? — Gustavo me olha,
preocupação tomando cada músculo do seu rosto.
— Uma lagartixa — resmungo, tentando manter a toalha
firme com apenas uma mão e falhando, já que o pano se recusa a
ficar no lugar.
— Uma o quê?
— Não se atreva a rir — devolvo, tentando soar
ameaçadora.
Com uma destreza invejável, me pega no colo, a toalha não
cobre muita coisa.
Respira e ignora.
Com cuidado, me coloca sobre a cama.
— Você quase me matou do coração — fala tão perto, que
um arrepio percorre meu corpo, e não é de frio.
Controle, mulher.
Só uns centímetros, seria tão fácil.
— Desculpe. — Finalmente consigo fazer meu cérebro voltar
a funcionar.
— Você sempre teve medo delas. — Dá de ombros, ainda
muito perto para minha sanidade.
— Você lembra?
— Eu sempre tive um olho em tudo que diz respeito a você,
Valentina. — Sua voz é rouca e seu olhar está fixo em mim,
parecendo ver dentro de mim.
— Você fez um bom trabalho disfarçando isso — retruco,
sem desviar a atenção da íris castanha.
— Era isso ou seu irmão cortava minhas bolas.
Enzo sempre me atrapalhando. Acho que faz parte do papel
de irmão mais velho
— Além disso — seu indicador coloca uma mecha atrás da
minha orelha e prendo a respiração —, você era mais nova.
Como assim?
— O que quer dizer com isso? — Não contenho a
curiosidade.
— A primeira vez que te vi — começa — como mulher, foi na
sua festa de dezenove anos. — Faz uma careta e parece
envergonhado. — Quase morri quando te vi naquele biquíni.
Meu Deus, não creio.
Tanto tempo perdido.
— Você me deu bronca — devolvo, ainda em choque.
— Eu fiquei com as bolas doendo por dois dias.
Tento me segurar, mas não consigo.
— Você ri, né? Não sabe como dói essa porra.
Ele tenta melhorar e só piora. Céus, minhas bochechas até
doem quando consigo me acalmar.
— Aqui seu pijama, gatinha. — Me entrega o conjunto de
moletom que estava dobrado embaixo do meu travesseiro. —
Precisa de ajuda?
Solto a toalha, sem me importar com a forma faminta com
que seus olhos percorrem meu corpo.
Não sei que loucura me deu, mas eu…
Droga, eu precisava sentir, isso… seu desejo… seu olhar em
mim.
— Porra, Valentina. — Se vira de costas, me dando
privacidade. — Você gosta de me torturar, não é possível! —
resmunga, os punhos cerrados.
— É um hábito de anos — devolvo, me sentindo de repente
ótima, e ele ri. — Estou decente, pode virar.
— Tem certeza que não se machucou? — questiona e sua
atenção e cuidado fazem minha garganta fechar. Eu acabei de ficar
pelada na sua frente, ainda assim, meu bem-estar é sua primeira
preocupação.
Não posso estar vendo coisas.
Será que ele realmente me ama? Eu…
— Só o orgulho ferido mesmo — devolvo num sopro.
— Boa noite, pirralha. — Dá um beijo na minha testa, sim, na
minha testa… e meu corpo traidor acende com uma árvore de Natal.
Ele está te dando exatamente o que você pediu, Valentina…
espaço.
Sim e, de quebra, aproveitando para me fazer ainda mais
louca por ele.
— Boa noite, Guto — digo e o sorriso que recebo deveria ser
proibido.
Isto realmente pode estar acontecendo.
One – Kodaline
High – James Blunt
Heaven – Boyce Avenue & Megan Nicole
— Às quinze horas, venho te buscar, linda — aviso e ela
revira os olhos com o tratamento carinhoso.
Dona Simone não diz nada, mas vejo pelo canto dos olhos
que ela está sorrindo.
— Tem certeza que não vai te atrapalhar? — pergunta, se
aproximando para sua mãe não escutar. — Posso ver se a Lau me
acompanha, ela vai passar aqui para almoçar com a gente.
— Certeza absoluta — devolvo, rápido. — Já conversei com
o Carvalho — tranquilizo. — Além do mais, eu não quero perder
nada… — Não posso falar mais, mas meu olhar vai para sua barriga
e ela sorri.
— Ok, vamos te esperar — sussurra e, caralho, como eu
quero esta mulher.
— Tchau, dona Simone, até mais tarde.
— Tchau, querido. — Acena da cozinha e caminho em
direção aos elevadores.
Vinte minutos depois, estou chegando ao grupamento para
mais um dia, mas minha cabeça está longe.
Hoje temos dois compromissos importantes.
Consulta com o ortopedista e com a dra. Sandra, a obstetra.
Nina está com quatorze semanas e está cada vez mais difícil
esconder a verdade da sua mãe. Eu ainda não disse nada, mas
tenho certeza de que seus peitos estão maiores. Fui ajudá-la a sair
do banheiro outro dia e aquelas delícias estavam quase escapulindo
da toalha, pedindo por atenção.
Preciso chegar mais perto para comprovar minha teoria, o
que não é uma opção, ainda. E não são só os seios, mas até a
barriga que antes era bem plana, começa a dar sinais. Para a
maioria das pessoas, isso pode até passar despercebido, mas eu
estou atento a tudo.
Voltando para a realidade, só quero sair da consulta e contar
a novidade para todos.
— Dia!! — cumprimento, indo para o vestiário.
— Fala, Correia, como está a Nina? — Dutra questiona.
— Tudo ótimo, hoje temos consultas de acompanhamento.
— Certeza que estará tudo ótimo.
— Tomara, cara.
— Claro que sim.
— Ainda não contaram para a família?
— Não, estamos esperando o ultrassom. Nina quer fazer
uma surpresa.
— Conta para mim, alguma preferência? Meninão?
— Porra, não, sargento. O que vier, será muito amado. Já é
agora…— Passo as mãos no cabelo, mal contendo o sorriso.
— Torça para ser homem — Melo brinca ao entrar no
vestiário. — Imagina depois, quando sua filha crescer e os
marmanjos começarem a aparecer.
— Isso realmente não é algo que queira pensar. Valeu, cara.
— Só dizendo. Homem não vai ter este problema.
— Acho que tínhamos que fazer um bolão — Mendonça
palpita e quero rir.
Caralho, como o assunto foi parar nisso?
— Vocês são loucos, sério!
— A Prado pode organizar essas coisas de chá de fralda e
tal — Dutra comenta bem na hora que encontramos com a Carol já
no pátio.
— Por que eu teria que ficar com a parte das fraldas? Você
não consegue lidar com isso, Felipe? Ou é só machista mesmo?
— Porra, eu…
— Xi…
A sirene toca, anunciando a chegada de uma ocorrência.
— Salvo pelo alarme, cara.
— Vá se foder.
Ahhh, como eu amo meu trabalho.
A ocorrência foi algo relativamente tranquilo.
Um senhor se atrapalhou com o carro automático e acabou
perdendo o controle vindo a cair num córrego.
Por sorte, o nível da água estava baixo e quando chegamos,
ele já estava, inclusive, fora do veículo. Nervoso, mas bem.
De volta ao batalhão, aproveitamos para fazer as
manutenções preventivas e treinamento em técnicas de salvamento.
— Subtenente.
— Cabo.
— O Cardoso já me rendeu, estou de saída.
— Ok, nos mande notícias, ou Laura é capaz de voltar à
noite na sua casa.
— Mandarei.
Com o trânsito bom, cheguei em casa com quinze minutos
de antecedência, o que foi ótimo. Ajudei Valentina a ir até o carro,
sem pressa, e ainda consegui levar a dona Simone em casa, assim
ela não precisava pedir Uber.
— Ansiosa? — pergunto, conforme nos aproximamos do
endereço.
— Muito e você?
— Quase tendo um treco! — reconheço.
Ela sorri.
— Bem, pelo menos as notícias foram boas no Ortopedista.
— Com certeza!
O médico liberou o início da fisioterapia e disse que está
tudo correndo da melhor maneira possível.
— Fratura consolidando certinho! — ela vibra ao meu lado.
— Estou tão animada para começar os exercícios. Quero me livrar
logo da muleta.
— Imagino, linda. Tudo ao seu tempo, quando menos
perceber, estará dançando na sala.
E até lá, eu espero já ter derrubado todas suas barreiras e
ter você de novo, inteira… só para mim, quero dizer, mas guardo o
pensamento.
— Chegamos — anuncio e ela me olha em expectativa.
Estamos os dois nervosos.
— Vamos lá.
— Vamos — respondo, e ajudo a sair do carro.
Não demora, somos chamados.
A médica uma senhora, baixa de uns sessenta anos, nos
recebe.
— Boa tarde, pessoal.
— Boa tarde, doutora — falamos juntos.
— Pode sentar, mamãe e papai.
Deus, que loucura ouvir isso.
Pai, eu…
Pelos próximos minutos, informamos a médica dos últimos
acontecimentos, acidente, vitaminas e remédios que estava
tomando etc.
— Certo, que susto, hein, mocinha?!
— A senhora não faz nem ideia.
Ela pergunta a data da última menstruação e diante da
minha cara de espanto, explica que a gravidez é contada deste dia e
que uma gestação a termo ocorre com quarenta semanas.
— Vamos examinar você e depois vou te dar uma lista de
tarefas, a principal de todas é um ultrassom morfológico, vocês
precisam fazer ainda esta semana, ok?
— Achei que íamos conseguir fazer um aqui.
— Aqui nós vamos fazer um ultrassom obstétrico. É um
pouco mais simples, vamos conseguir ver o bebê, a sua posição no
útero, a placenta. Já no morfológico, é feita uma análise mais
completa das medidas, líquido etc. É um exame importantíssimo e
que será realizado nos três trimestres.
— Ok, doutora — Nina assente.
—Imagino que estejam ansiosos para vê-lo.
— Muito! — falamos juntos.
Ajudo Nina a caminhar até a maca e ela deita, erguendo a
camisa até a altura do sutiã.
Meu coração parece a ponto de sair do peito, tamanha a
ansiedade.
A médica mede sua barriga, fazendo anotações.
Chega então o momento mais esperado.
Despeja gel e me posiciono ao lado da cama, de modo a ter
visão do monitor. Volto minha atenção para Valentina e nosso olhar
se encontra. Ela me surpreende estendendo a mão na minha
direção e, porra, se meu olho já não enche de lágrimas com este
pequeno gesto.
Estou ficando mole demais.
— Vamos lá.
A médica desliza o bastão de um lado para o outro, em
silêncio, olhos fixos no monitor.
Pelo amor de Deus, diga algo.
Valentina aperta minha mão com força.
Tento identificar algo na tela preta, quando ela aperta algum
botão no aparelho e um som forte, rápido e ritmado invade o quarto.
Olho Valentina e seus olhos estão marejados.
— Oh, Deus… — dispara.
— É o que estou pensando? — pergunto, sentindo um nó na
garganta.
— É, sim! — a médica confirma com um sorriso enorme no
rosto. — Este é o coraçãozinho do bebê de vocês.
Valentina não segura mais o choro e eu me pego secando as
lágrimas que escorrem pelo meu rosto.
— Tudo certinho com esta mocinha.
Como? Eu ouvi bem?
— Ai, meu Deus — Valentina quase grita.
— Não costumo chutar, mas aqui é impossível. Olha só, ela
está fazendo questão de mostrar. As perninhas estão bem abertas.
Uma filha.
— Porra, uma filha. — Beijo sua mão, sua testa… e não me
contenho, roço meus lábios nos seus, e ela sorri.
Caralho, choro copiosamente.
— A idade gestacional bate com a data da última
menstruação, quatorze semanas. Data estimada do parto no final de
junho, primeira semana de julho.
— Uma menina — Valentina comenta ainda em choque, e eu
a ajudo a se levantar da maca.
— Pode começar a preparar o enxoval, mamãe — brinca. —
Vou deixar uma lista de exames laboratoriais com você e o
ultrassom, por ora, é isso, e claro, continua o ácido fólico, ok?!
Qualquer sintoma, dor abdominal, sangramento, vá ao hospital, mas
prevejo uma gestação bem tranquila. — Sorri.
— Obrigada, doutora, muito obrigada. — Ela seca o rosto
com a palma da mão e então volta a entrelaçar os dedos nos meus.

Agradeço a médica e, sem soltar a mão da minha garota,


saímos da clínica com uma missão: compartilhar com nossa família
e amigos toda nossa felicidade, que acredite, mal cabe no peito.
— E agora? — questiono, assim que entramos no carro.
— Acho que já passou da hora de contarmos para nossos
pais que eles serão avós.
— Não poderia concordar mais com você — devolvo, o
sorriso chegando quase na orelha.
— Está preparado para enfrentar a dona Simone, meu pai e
o Enzo?
— Por você, eu enfrento tudo o que for necessário —
devolvo, sem titubear, aproximando meu rosto do seu.
Valentina sorri, sem desviar o olhar do meu ou se afastar.
— Estava com saudade disso. — Acaricio seu rosto com o
indicador.
— Do quê?
— De te ver sorrir para mim.
Morde os lábios, mas não diz nada.
Não precisa.
Esperança agita dentro de mim. Quase uma luz no fim do
túnel.
— Podemos passar no shopping antes? — questiona e o
sorriso agora é meu.
— Claro, linda. Sou todo seu hoje. Meu próximo turno é só
depois de amanhã.
Bate palmas animada e sei que está planejando algo.
— Nada de abusar, hein?! Acho que conseguimos descolar
uma cadeira de rodas para você.
— Fechado!
— Temos um plano, então!
— Um bom plano! — rebate e eu coloco o carro em
movimento.
…Love can heal
[Amor pode curar]
Love can mend your soul
[Amor pode emendar sua alma]…
Photograph – Ed Sheeran
Heaven – Boyce Avenue & Megan Nicole
Quatorze semanas.
Nossa filha tem aproximadamente o tamanho de uma
nectarina e já franze os lábios, vira a cabeça e faz caretas.
Quão incrível é isso?
Acaricio minha barriga, sem tirar o sorriso do rosto.
— Temos que começar a pensar nos nomes — Gustavo
dispara ao meu lado, assim que voltamos para o carro, após circular
pelo shopping Iguatemi, e se eu estou animada com a gravidez, ele
não fica nem um pouco para trás.
Me ajudou a procurar as lembrancinhas que eu tinha
imaginado e que ficarão perfeitas com o resto das coisas que
providenciei e estão numa caixa no porta-malas.
— Tenho algumas ideias e você?
— Nunca pensei muito a respeito — admite. — Sou todo
ouvidos.
— Podemos conversar com calma depois.
— Me deixou curioso agora, linda.
Tomara que ele goste.
— São só algumas sugestões, claro, mas eu gosto de
Giovanna, Júlia, Lívia — começo a elencar.
— Gosto de todos, mas Giovanna tem meu voto — devolve e
meu coração acelera.
Meu preferido também.
— Comprei lembrancinhas para nossos pais, para você,
sabe… — começo — …contar a novidade.
— Já disse o quanto você é incrível?
— Você nem viu ainda!
— Nem preciso! Sei que deve ser fantástico.
— Bobo. — Faço careta — Está no porta-malas, pega para
eu te mostrar? Quero que veja antes de irmos para a casa deles.
Observo-o tirar com cuidado os itens da primeira caixa de
mdf cru.
— Essa é para os meus pais — explico.
Dentro há duas canecas.
Na primeira, num tom azulado e com um flork no estilo vovô,
consta Promovido a vovô; e na outra, o oposto, uma flork vovozinha,
onde se lê Promovida a vovó.

— Eu não resisti quando vi na internet e meus pais amam


canecas — justifico e ele então volta sua atenção para mim.
— São lindas, tenho certeza de que irão amar.
— Jura?
— Claro!
— Vou colocar o sapatinho rosa que compramos dentro da
caixinha.
— Perfeito.
— A segunda caixa é pros seus pais.
Ele abre e mordo os lábios.
— Porra, pirralha.
— Não gostou?
— Se eu gostei? — Segura minha nuca e apoia a testa
contra a minha. — Obrigada, linda. A Carmem ficará muito feliz, e
meus pais também.
— Achei que ela merecia ter a sua.
— Com certeza! Promovido a vovô; Promovida a vovó e
Promovida a vódrasta! Eles vão amar!
— Mais uma coisa.
— Mais?
— Não falamos sobre isso ainda, mas eu gostaria muito que
a Lau fosse a madrinha, com o Cadu — começo, sem graça de
despejar isso assim, mas não consigo pensar em mais ninguém. —
Eu não sei o que você pensa a respeito.
— Não consigo pensar em ninguém melhor que ela. Talvez o
Enzo, mas ele pode ser o padrinho do próximo. — Pisca, como se
não tivesse despejado essa bomba.
— Outro?
— Um homem pode sonhar — retruca e coloca o veículo em
movimento, me deixando em completo choque.
Uma família.
A nossa.

Primeiro passamos na casa dos pais do Gustavo.


Ele contou para seu velho e foi uma emoção grande. Com
direito a muitas lágrimas. Sua mãe participou por chamada de vídeo
e no início fiquei um pouco tensa, por todo o histórico entre os dois.
Ele me confidenciou durante nosso namoro de mentira,
como eles se afastaram quando ele veio para Sorocaba, mas que
estavam tentando se reaproximar. Foi bom ver que está
funcionando, e que ambos estão se esforçando para deixar os erros
do passado para trás e têm tentado manter um contato melhor.
Foi algo bonito de ver.
As canecas foram um sucesso.
E, no final, ficamos de ir um fim de semana em São Paulo,
entregar a da Luciana, pessoalmente.
— Pronta para nossa segunda parada? — questiona quando
estaciona na frente do apartamento dos meus pais.
— Meu coração parece a ponto de sair pela boca e minhas
mãos estão geladas, mas acho que estou bem — brinco e ele
coloca sua mão sobre a minha, num sinal de apoio.
— Vai ficar tudo bem.
Aceno que sim, incapaz de concatenar uma frase no
momento.
Nos meus sonhos, eu já estaria casada há alguns anos,
quando finalmente resolvesse aumentar a família e então chegaria
um dia de surpresa avisando meus pais, mas as coisas nem sempre
acontecem como planejamos. Pelo menos, a surpresa consegui
manter.
— Estou tão feliz que vocês vieram. Fiz um bolo de
chocolate — anuncia minha mãe, ajeitando a mesa.
— Consegui arrancar Valentina um pouco de casa —
Gustavo brinca, tentando descontrair, o que agradeço.
Ele olha para mim e disfarçadamente aperta minha mão sob
a mesa.
— Bom que conseguiu, querido. Não gostou do bolo, filha?
— minha mãe pergunta olhando para o meu prato, onde ainda há
um pedaço dele.
— Está delicioso, mãe.
Estou tão ansiosa para contar que não consigo comer, mas
não quis falar antes porque sei que ninguém iria mais se importar
com o café e bolo.
— Você está estranha, Valentina.
— Eu?
— Sim, você, mocinha. Como foi no médico, Gustavo? —
endereça a pergunta direto para ele.
— Mãe!
Gustavo, ao meu lado, quase engasga e quero rir.
— Tudo bem, dona Simone — fala após alguns segundos e
dou tapinhas em suas costas. — Valentina ainda tem alguns meses
de recuperação pela frente, mas não poderia estar melhor. — Frisa
a última palavra e é a minha deixa.
Trocamos um olhar e ele pede licença para ir até o carro,
com a desculpa de buscar alguma coisa.
Sério, não consigo nem prestar atenção.
Alguns minutos depois, ele volta com a sacola de papelão
com a estampa de uma loja de roupa, claro que eu iria dar uma
disfarçada, né?!
Meus pais observam toda a cena, com evidente curiosidade.
— Mãe, pai…— começo e minhas mãos tremem um pouco.
— Nós, passamos no shopping hoje — olho para o Gustavo e ele
está a poucos centímetros de mim, basta eu estender um pouco a
mão e o tocarei — e quando vimos isso — puxo a caixa de mdf com
um grande laço e observo minha mãe arregalar os olhos, surpresa
—, sabíamos que combinava perfeitamente com vocês — falo e
mordo os lábios, nervosa.
— Para nós? Ah, meu Deus.
— Nem é meu aniversário ainda, menina.
— Quem disse que precisa ser aniversário para ganhar
presente, Tomás? — minha mãe responde, aceitando a caixa.
Sinto seus dedos entrelaçando nos meus e um pouco do
nervosismo me deixa.
Ele está aqui comigo.
Estamos nessa juntos.
Os próximos segundos são de tensão.
Minha mãe desmancha o laço com cuidado, eu já teria
metido a tesoura.
Vamos!!
— Oh, meus Deus! — ela grita, erguendo os olhos já
totalmente marejados na nossa direção. — Isso é sério?
— Uma caneca? — meu pai, desligado que só, comenta.
— Leia, amor… leia… você vai ser vovô! — Quase esfrega a
caneca na cara do meu pai. — Nós… nós vamos ser avós?
— Vocês vão… — Minha voz falha. Tento conter a emoção,
mas é impossível. — Estou grávida, mãe.
Sou engolida pelos seus braços e, Deus, é tão bom.
— Ah, minha bebê, vai ser mãe — sussurra contra o meu
cabelo, chorando copiosamente.
Ela estende a mão e puxa Gustavo para o abraço, meu pai,
ainda meio que em choque, mas também visivelmente emocionado,
se junta a nós. Acho que nunca vi meu velho chorando, mas hoje
ele está.
Estamos todos.
Abraçados, chorando… comemorando a sua chegada, filha.
— Vocês vão se casar? — ela dispara à queima-roupa,
assim que nos afastamos, secando as lágrimas do rosto.
— Mãe — quase grito ao ouvir sua pergunta e meu pai
apenas ri.
— Estou trabalhando nisso, dona Simone, primeiro preciso
fazer sua filha me perdoar por demorar tanto para perceber que ela
é o amor da minha vida.
— Ahh, meu querido. — Ela seca mais lágrimas e eu só olho
de relance para Gustavo.
— O que você está querendo dizer?
— Eu? Nada… — Coloca as mãos nos bolsos da bermuda
jeans. — Apenas falando que primeiro tenho que te convencer que
sou louco por você, antes de… você sabe.
Ele realmente está falando sobre casamento? Eu poderia
cair dura no chão, se não estivesse sentada.
— Ah, pelo amor de Deus, todo mundo sabe disso,
Valentina. Vamos, filha, perdoa logo o Gu.
Ele pisca e, ao mesmo tempo que quero matá-lo, eu poderia
facilmente pular no seu colo, tamanha a felicidade que estou
sentindo.
Já são quase dezenove horas quando finalmente
conseguimos sair da casa dos meus pais. Se eu achei que minha
mãe tinha chorado quando contei da gravidez, bem… isso foi antes
dela descobrir que vem uma menininha por aí.
Giovanna… o nome está cada vez mais enraizado na minha
cabeça.
Quando contei sobre o ultrassom e palpite quase certo da
doutora, ela chorou, mas, chorou tanto, que meu pai ficou até um
pouco preocupado.
“Uma netinha”, suas palavras em meio às lágrimas ficarão
para sempre guardadas na minha memória.
Claro que ela fez questão de ligar para o Enzo e
compartilhar a notícia. Eu já esperava por isso, e estava com um
pouco de receio de como ele reagiria, mesmo sabendo que nada do
que ele pudesse falar mudaria qualquer coisa, no fundo, só não
queria que a amizade dele com o Gustavo fosse abalada.
Não houve nenhum barraco, Enzo não seria louco, mas
imagino que em breve eles terão alguma conversa, a dizer pelos
olhares trocados.
Meu irmão não conseguiu disfarçar a surpresa.
A câmera captou tudo… e foi hilário, desde os olhos
arregalados, as mãos na cabeça até o “eu vou ser tio, porra”,
seguido de um pedido de desculpas para a minha mãe.
Conheço meu irmão, sei que ainda teremos algum tipo de
conversa, mas não agora. Neste momento, é só comemoração e me
preparar para esta princesinha vir ao mundo com muita saúde.
Agora, estamos chegando à última parada da noite e o
cansaço começa a bater, mas não poderia adiar a visita.
Não mesmo.
Estou indo à casa da minha melhor amiga. Ela já sabe da
gravidez, mas não da novidade, e estou louca para vê-la surtar.
— Tia Nina — Manu grita, assim que Cadu abre a porta e
corre na nossa direção.
— E aí, princesinha. — Acaricio seus cabelos, conforme ela
abraça minhas pernas com extrema delicadeza.
— Minha mãe falou que você se machucou, mas está
sarando — comenta, olhando com curiosidade para as muletas.
— Isso mesmo. Por enquanto, preciso disso para me ajudar
a caminhar, mas logo estarei correndo atrás de você. — Faço
carinho na sua barriga e ela sorri.
— Tio Correia. — Dá um beijo no seu rosto e ele já a pega
no colo, arrancando mais gritinhos.
— Vamos entrando! — Cadu pede e Laura vem logo na
sequência, me abraçando tão forte.
— Você demorou, amiga!
— Tivemos que passar em alguns lugares antes — justifico.
— Vão ter que ficar para jantar, não aceito menos que isso.
— Imagina, só viemos falar um oi… — começo, mas ela
ignora.
— Qual sabor de pizza vocês querem? — Cadu pergunta
com o telefone na mão.
Troco um olhar com o Gustavo, mas sabemos que será difícil
sair dessa, além do mais, amamos estar aqui.
— Uma condição… — começo.
— Como assim? — Laura pergunta, sem entender nada,
claro.
— Nem te perguntei antes, mas não aceito um não como
resposta. — Assim que falo isso, pego a sua caixa de dentro da
sacola, que trouxemos com a gente para cima.
Ela pega o embrulho, me olhando com desconfiança.
— Presente!! — a ursinha comemora ao seu lado e quero rir.
— Que linda!!! Ai, meu Deus, claro que eu aceito! — grita,
vindo me abraçar, com os olhos marejados. — Você realmente
achou que conseguiria me deixar de fora?
— Nunca passou pela minha cabeça, dinda.
— Duas canecas! — Manu comenta, confusa.
Onde se lê: Dinda e Dindo, com vários corações ao redor.
Brega? Pode até ser, mas eu achei fofo.
— Essas são canecas especiais, ursinha. A tia Nina está
com um bebezinho na barriga e esta caneca significa que eu e o
papai seremos padrinhos dela.
— Padrinhos?
— É tipo uma posição bem importante!
— Hummm — resmunga, não entendendo nada.
— A tia Roberta é sua madrinha.
— Ahhh, ela sempre me dá brinquedos legais. Você vai dar
presentes pro bebê, mamãe?
— Muitos!!! — Lau retruca, rindo, e todos acompanhamos.
— Será uma honra ser padrinho do filho de vocês. — Cadu
nos cumprimenta todo sério, a mão estendida.
Ignoro e o abraço forte.
— Na verdade, é filha, subtenente! — Gustavo conta e Lau
arregala os olhos.
— O quê? Uma menina? Ai meu coração. — Tenta disfarçar
as lágrimas, mas elas estão caindo.
— Sim, amiga.
— Como o bebê irá chamar, tia Nina? — Manu pergunta,
olhando para minha barriga com curiosidade.
Olho para Gustavo e ele não precisa nem falar, seu olhar me
diz tudo que preciso saber.
— Se chamará Giovanna!

As pizzas ainda não chegaram. Manu está distraída, ora


vendo desenho, ora pintando a revistinha que eu trouxe para ela. Os
homens estão na cozinha, Cadu resolveu cortar alguns frios para
petiscarmos enquanto a refeição principal não chega.
O que nós fazemos?
Aproveitamos para fofocar mais um pouco.
Sempre há assunto.
— E aí, desembucha. Como estão as coisas? — Lau
sussurra ao meu lado e sei exatamente ao que ela se refere.
Gustavo, ou devo dizer, “nós”.
— Ai, amiga, eu…
— Nada ainda? — Coloca a mão sobre a minha, ao me ver
mexendo-as sem parar.
— Estou com medo — confesso.
— Me responda algo, com toda sinceridade.
— Claro.
— Você o ama?
— Muito! Tanto que dói.
— Então não tenha medo! — devolve. — A gente só deve se
arrepender do que fez. E se a minha história com o Cadu serve de
exemplo, o medo e a falta de uma boa conversa só… atrapalham.
Seja feliz, amiga, deixa acontecer.
— E se…
— Se você falar de novo que ele está com você, só por
conta desta lindeza da dinda — acaricia minha barriga —, eu vou
bater em você. Na verdade, vou só de xingar mesmo, porque, né?
— Faz uma careta e sorrio. — Ele te ama, amiga, ele demorou a
perceber, ele também tinha medo. — Frisa a última palavra e uma
lágrima teimosa me escapa.
— Você aqui me ajudando e eu sendo uma péssima amiga
nestes últimos meses — devolvo, secando disfarçadamente o rosto.
— Como assim, louca?
— O calendário! Nem acompanhei direito isso com você —
mudo de assunto, antes que eu comece a chorar feito criança aqui.
— Relaxa, Nina, você estava cuidando da sua saúde e com
preocupações mais importantes. — Gesticula na direção da cozinha.
— O projeto está pausado, mas, pelo menos, eu consegui tirar as
fotos no finalzinho do ano passado, antes do casamento, lembra?
— Lembro sim, eu ainda estava na prefeitura e a Alice
chegou surtando, queria ter ajudado, igual da outra vez.
— Já disse para não se preocupar. Está tudo pronto e
aprovado do ponto de vista técnico, o problema é a parte financeira.
Só teve liberação orçamentária para o ano que vem, então, o
calendário será 2025.
— Caramba, Lau.
— Estou tranquila. Para mim, é um trabalho que já está
adiantado, fora que a minha parte eu recebi. — Pisca. — Alice disse
que vão iniciar a divulgação ainda este ano, para que até dezembro
já tenhamos vendido quase tudo.
— Quando? Será que rola baile? — questiono, curiosa.
— Acho que sim! — devolve, empolgada.
— Vou estar enorme! — Faço biquinho.
— Vai estar linda! Mas voltando ao assunto importante, que
você tentou tirar de foco. — Arregalo os olhos. — Você acha que
não te conheço, Valentina? Depois de tantos anos. — Faz barulho
com a boca e nem tento argumentar, a mulher me conhece. — Você
e o mês de janeiro?
— Ele ainda é o janeiro?
— Claro, né, não ia fazer isso com você.
Ele sempre vai ser o meu janeiro.
— Ok, prometo pensar no que conversamos e tentar, você
sabe, abrir meu coração. Eu… quero muito.
— Soube que a gravidez deixa a gente mais tarada. É
verdade? Se for, você deve estar sofrendo.
— Abrir meu coração! Não as pernas! — devolvo e Laura
começa a tossir. — Sinceramente, Laura Godoi. Não acredito que
você esteja me dizendo isso! — repreendo, me segurando para não
rir.
— Só curiosidade feminina — justifica quando para de rir.
— Está tentando engravidar? — pergunto, arqueando a
sobrancelha.
— Jesus, claro que não, sua louca! Acabei de casar, mas se
Deus enviar…
— “Se Deus enviar”, é a mesma coisa que estar tentando,
amiga.
Ela não nega e levo as mãos à boca, chocada e já
imaginando nossos filhos brincando juntos.
Se for para ser, vai ser.
“…Your heart got a story with mine
[Seu coração tem uma história com o meu]
Your heart got me hurting at times
[Seu coração me machucou algumas vezes]
Your heart gave me new kind of highs
[Seu coração me deu novas emoções]
Your heart got me feeling so fine
[Seu coração me deixou sentindo tão bem]
So what to do
[Então, o que posso fazer?]
Still falling for you…]
[Ainda estou apaixonada por você…]
Still falling for you – Ellie Goulding

— Não foi tão ruim, né? — comento quando finalmente


pegamos o caminho de casa.
Casa.
É estranho pensar assim, mas é como me sinto lá.
Estou enlouquecendo.
Lembre-se do que a Lau falou… sem medo.
— Tirando o fato do seu irmão quase ter me matado com o
olhar, tudo sob controle.
— Ele supera isso — retruco rindo.
— É bom que sim, pois eu não vou desistir de você —
aponta, o olhar fixo no meu.
— Gustavo… — Minha voz sai num sussurro e eu realmente
não sei o que responder.
— Valentina… — Sua voz é rouca e parece ter ficado uns
dez graus mais quente dentro do carro.
Desvio o olhar, passando a acompanhar a paisagem,
enquanto ele volta a focar no trânsito inexistente.
Covarde pra caramba, é isso que sou.
.
Droga!
Silêncio reina no veículo e assim continua até chegarmos.
— Caramba, como o tempo mudou — comento, quebrando o
silêncio quando um vento gelado nos atinge no subsolo.
— Algo sobre uma massa de ar polar que está vindo com
tudo. Vi no jornal hoje — ele aponta, encerrando o assunto.
— Não sei quanto a você, mas eu só quero saber de banho
e cama.
— Parece um bom plano. — Ele dá um sorriso tímido, e eu
só consigo pensar que quero vê-lo sorrindo com vontade, aqueles
que até dói as bochechas.
Mordo os lábios, pensando no que falar.
— Você precisa de ajuda com algo? — questiona quando
finalmente entramos no elevador.
De você?
— Não, estou bem!
Quem eu quero enganar?
Sinceramente, Valentina.

Saio do banheiro e vejo Gustavo parado na varanda. O olhar


perdido, usando as mesmas roupas ainda.
Um nó se forma na minha garganta.
Claro que ele não ia tomar banho enquanto eu não saísse do
meu.
Mesmo havendo outra ducha, ele sempre espera com receio
de que eu possa precisar de ajuda.
É típico dele.
Cuidadoso, protetor.
— Se prepara, Gio, papai vai cuidar tanto de você —
sussurro, enquanto caminho com cuidado até o quarto.
Quando volto a erguer o rosto, meu olhar encontra o seu.
— Boa noite — murmuro.
— Boa noite, Nina — devolve, quando para a poucos
centímetros de distância.
Meu coração bate tão rápido no peito que receio que ele
possa ouvir, o que é ridículo, eu sei. Me afasto em direção ao meu
quarto, dele, na verdade, tentando acalmar meu ritmo cardíaco.
É tarde, mas o sono não vem. Já tentei colocar de tudo na
televisão e não adianta. Estou agitada, nervosa… não sei definir.
Para piorar, parece que a tal de massa polar chegou, com tudo!
O apartamento está um gelo.
Estou deitada sob dois cobertores e está difícil.
Deus… Gustavo está naquele sofá desconfortável e nem sei
se tem mais cobertores nesta casa. Eu peguei os que encontrei no
guarda-roupa.
Ele até pode ser mais calorento que eu, mas o seguro
morreu de velho. Levanto e caminho até a sala, tentando não fazer
barulho. Está todo encolhido no móvel que não cabe nem seus pés.
Ele nunca reclamou.
Nenhum dia sequer.
— Gustavo — chamo e ele vira o rosto, assustado.
— Você está bem? Aconteceu alguma coisa?
Respiro fundo.
— Vem para a cama comigo — peço, mantendo meu olhar
firme no seu.
Não disfarça a surpresa.
— Está frio — começo, tentando parecer lógica — e, além
disso, cansei de te ver todo encolhido aí. Eu tenho coração, sabe?!
— Tem certeza, gatinha?
— Estou falando para você deitar na cama, não entrar na
minha calcinha.
— Não pode me culpar por tentar — dispara e tento segurar
a risada, mas falho.
— Você é…
— Louco por você — completa, se levantando.
Uma regata branca marcando seus músculos e uma calça de
moletom cinza de cintura baixa.
Deus, tenha misericórdia de mim.
Não o devore com os olhos, rosto em cima… em cima!
— Venha antes que eu me arrependa — retruco, lhe dando
as costas e caminhando devagar para o quarto.
Meu corpo vibra em expectativa e um sorrisinho sacana
brota no meu rosto.
Não vou negar.
Estou tão ferrada.
O colchão cede sob o seu peso. Estou de costas, virada de
lado, olhando para a parede. Seu perfume me inunda. Fecho os
olhos, torcendo para que ele vire logo para o outro lado e durma,
mas não. Ele vira para o mesmo lado que eu e me puxa para junto
do seu corpo.
Puta merda, meu corpo ganha vida imediatamente.
— Porra, como eu senti falta disso — sussurra próximo do
meu ouvido.
— Da cama?
— De você, do seu cheiro… — Seu nariz passeia pela minha
pele.
— Gustavo… — Minha voz soa fraca, como meu controle.
— Dorme, linda. — Beija meu ombro. — Prometo me
comportar.
O filho da puta me atiça e depois quer dormir.
— E se eu não quiser… — me viro, até ficar de frente para
ele — …que você se comporte — sai da minha boca, mais rápido do
que eu gostaria.
A mão nas minhas costas me puxa para mais perto.
Não há mais distância.
Meu corpo está colado no seu, centímetros separam nossas
bocas.
— São os hormônios falando — me apresso em explicar.
Sim, coloque a culpa neles.
— Xi… — Apoia o indicador sobre meus lábios. — Me deixa
te fazer sentir bem, me deixa sentir seu gosto, seu gozo, eu preciso
de você, pirralha.
Caralho.
Minha calcinha já era só com isso.
Aceno que sim, incapaz de falar.
Seu dedo vai embora, suas mãos se enfiam nos meus
cabelos, mas ele não me beija. Não, ele me tortura.
Beija minha bochecha, desce pela linha da mandíbula, meu
queixo e só então roça meus lábios.
Devagar, passeando a língua, mordiscando, pedindo
passagem, me inflamando. Deus, como eu senti falta disso.
Um gemido baixinho me escapa e sinto sua respiração forte,
pesada, contra meus lábios.
Está se controlando.
— Esqueceu como beijar — provoco.
Ele sorri contra meus lábios.
— Só esquentando, pirralha. Faz tempo que não beijo a
minha mulher, e estou um pouco emocionado. — Não tenho tempo
de responder algo esperto, Gustavo puxa meu lábio com os dentes,
e então já não há mais lentidão, é intenso, faminto. Levo minhas
mãos aos seus cabelos, sentindo sua maciez, matando a saudade.
Sem deixar de me beijar, suas mãos vão para a borda do
meu pijama, ergue minha camiseta, só para descobrir que estou
sem sutiã.
— Caralho — rosna, arrastando o polegar sobre os bicos
duros, me fazendo arfar de prazer.
— Hum…
— Eu sabia que estavam maiores — comenta, serpenteando
a língua, numa doce tortura antes de abocanhá-lo, sugando num
ritmo delicioso. — Puta merda, linda, que peitos gostosos — geme,
alternando sua atenção entre eles, e eu poderia gozar só com isso.
Libera meus seios e estou a ponto de resmungar, quando
sinto sua língua passeando pela minha barriga. Para na altura do
meu umbigo e passa a deixar uma série de beijos delicados.
— Oi, princesinha, tudo bem por aí? Papai vai deixar a
mamãe feliz, e depois volta a conversar com você, ok?
Fecho os olhos, tentando conter a minha emoção.
Seus dedos enroscam no cós da minha calça e, sem
demora, ele puxa, tirando calça e calcinha, me deixando totalmente
nua e exposta.
— Linda. — Passeia o indicador pelas minhas dobras, de
baixo a cima. — Você está pingando, Nina. — E como
comprovando, leva o dedo melecado à boca, sugando, como se
fosse um doce.
Minha boceta contrai em expectativa. Ansiando pela sua
língua, dedos…
— É tudo sobre você, Valentina, sempre você — sussurra,
colocando a língua para fora e passando-a lentamente pelo mesmo
lugar que seu dedo esteve.
— Gustavo — gemo, jogando a cabeça para trás.
— Gostosa pra caralho — rosna, a cara enfiada lá, então,
sem aviso, abocanha meu clitóris, sugando forte de forma rítmica.
Morri…
Fecho os olhos, agarro o lençol com força, tentando fazer
durar, enquanto a enxurrada de prazer me invade.
— Não pare — peço, tentando erguer meu quadril, mas sua
mão espalma sobre minha coxa, me mantendo refém do seu
ataque.
— Nunca — resmunga, alternando os movimentos de
sucção, com leves mordidas no meu grelo.
Estou em combustão.
Não sei se é a gravidez, mas tudo parece mais intenso,
inclusive o prazer.
Gustavo segura minhas coxas, e volta a me lamber, a língua
passeando pelas minhas dobras, subindo e descendo, sem
descanso, enquanto seu polegar circula o meu clitóris inchado.
Minhas coxas tremem, e sei que não vou durar.
Tão bom.
— Oh, Deus… ohhh… — choramingo, quando o sinto
metendo a língua em mim.
— Goza, pirralha, goza pra mim! — comanda, voltando a
abocanhar meu clitóris, enquanto mete dois dedos na minha boceta.
É demais.
Explodo, gritando seu nome, o corpo convulsionando num
orgasmo delicioso.
— Porra, sim, goza, amor… goza que vou tomar tudo —
geme, me lambendo com tanto gosto, que mais choque de prazer
atravessa meu corpo.
Quando ele para, caio esgotada sobre a cama, depois de um
dos orgasmos mais avassaladores que já experimentei.
Pelo canto do olho, vejo o momento em que ele sai da cama
e vai até a suíte, voltando com o pacote de lenço umedecido. Senta
na cama e, com cuidado, passa pelas minhas coxas, boceta,
limpando, me ajudando a colocar novamente a calça.
Volta para a cama, me cobre e se aconchega ao meu lado, o
rosto enfiado nos meus cabelos.
— O que foi isso? — pergunto, a respiração ainda irregular
após o orgasmo de virar os dedos dos pés.
— Cuidei de você. — Coloca uma mecha de cabelo atrás da
minha orelha.
— Isso eu percebi, mas e quanto a você? — Olho na direção
da sua ereção, e acredite quando eu digo que a calça folgada não
esconde.
— Foi tudo para você, o seu prazer — retruca, roçando seus
lábios nos meus. — Se disser que não gostaria de me enfiar fundo
nesta sua boceta gostosa… — seu olhar está no meu — …estarei
mentindo.
Oh!
— Ok. — Se controla, mulher, você acabou de gozar.
Sim, mas eu sei o quão bom seu pau é.
— Mas só vou me enterrar em você quando não existir mais
nada entre nós…
Como assim?
— Quando não houver mais sombra de dúvida no seu
coração, do quanto eu te quero…
Engulo em seco.
— Você sabe que isso pode demorar, certo?
— Sim — devolve, sério.
— E que eu amo, oral, né? Tipo, poderia facilmente ficar só
sendo chupada…
Por você, quero dizer, mas me calo, ele não precisa saber
dessa parte.
O cretino sorri.
— Eu adoro chupar você, Valentina. — Sua voz sai mais
rouca do que normal, carregada de desejo.
Caramba, eu não esperava por isso.
Inspira e solta… isso, foco.
— Neste caso, boa noite — balbucio, resolvendo ficar quieta,
antes de falar demais.
— Boa noite, linda, bons sonhos.
Ah, eu vou ter, você me deu material mais do que suficiente.
Me viro, decidida a dormir e certamente muito, mas muito
confusa com os últimos acontecimentos.
— Eu te prometi no hospital que ia te provar, e eu vou — fala
com tanta convicção, que prendo a respiração e meu peito parece a
ponto de explodir. — Você não faz ideia do que significa pra mim,
Valentina. — E então se cobre e vira para o lado oposto.
Suas palavras não param de martelar na minha cabeça, mas
permaneço em silêncio.
Fecho os olhos e uma lágrima solitária escorre, e é quando
eu percebo…
Ele já provou.
Is this love - Whitesnake
Nothing else matters - Metallica
Desperto com Valentina toda enrolada em mim e me sinto o
puto o mais feliz.
Deus, como é bom.
É errado eu querer isso todos os dias?
Ainda é cedo pra caralho, cinco e meia, para ser mais exato.
Sim, uma merda, eu sei, mas o dever me chama.
— Que horas são? — ela resmunga, sem abrir os olhos.
— Cedo, vou ter que entrar mais cedo, lembra? Uns
exercícios de treinamento.
— Humm — murmura sonada.
— Volta a dormir, gatinha. — Acaricio seus cabelos,
aproveitando a oportunidade para cobri-la, o apartamento está
gelado, nem parece verão. — Nos vemos mais tarde.
Ela obedece, se aconchegando nas cobertas, abraçando
meu travesseiro com um sorriso no rosto.
Porra, Valentina.
Pego as minhas roupas e me troco na sala, para não fazer
muito barulho no quarto.
Já está tudo combinado. A Laura vai deixar a Manu na
escola e vem trabalhar daqui de casa. As duas farão companhia
uma para a outra e, de quebra, ela consegue ajudar a loira numa
emergência.
A cada dia, ela está mais à vontade com a muleta, mas não
podemos abusar, né?
Uma olhada no meu relógio mostra que é hora de vazar, mas
não sem antes me despedir da minha mulher.
Entro no quarto escuro e ela está desmaiada, respirando
fundo, o cabelo solto todo espalhado pelo lençol, numa cascata
dourada.
Linda… minha.
Com cuidado, deixo um bilhete na mesa de cabeceira e dou
um beijo de leve na sua testa.
— Te amo, pirralha — sussurro no seu ouvido e então deixo
o quarto rumo a mais um dia no 21º batalhão.

O centro de treinamento fica a cerca de meia hora de


distância, mas o trânsito está bom e acabo chegando antes do
previsto.
Estaciono o carro e, por enquanto, nem sinal do pessoal.
Começo a mexer no celular e só então vejo que tenho uma
mensagem não lida.
Enzo.
“Precisamos conversar!”
Porra, isso não parece bom.
São seis e quinze, o que significa que são cinco e quinze em
Montreal, onde ele mora.
Muito cedo.
Ainda assim, respondo.
“A hora que você quiser.”
Jogo o celular no banco e ligo o rádio.
Coincidência ou não, Nothing Else Matters do Metallica
começa a tocar. Fecho os olhos, apoio a cabeça no encosto e deixo
a melodia e letra me levarem.
O som inconfundível do aparelho vibrando me tira dos meus
devaneios.
Nem fodendo.
— Enzo, desculpe te acordar, irmão — começo, sem graça.
— Gustavo —me interrompe —, estava na academia, você
não me acordou, relaxa.
— Menos mal.
— Acredite, você saberia se tivesse me tirado da cama.
O clima está um pouco tenso, mas poderia ser pior.
— Vi sua mensagem só hoje cedo, cara.
Silêncio.
Resolvo tomar a iniciativa.
— Eu deveria ter te ligado, te avisado sobre…
— Sobre você estar fodendo a minha irmã — afirma, seco.
Fecho os olhos, já sentindo a dor de cabeça vindo com tudo.
— Não fala assim, porra! — retruco, respirando fundo.
— Não é o que está acontecendo? — rebate, ríspido, e é
demais.
— O caralho que é! Eu amo a sua irmã, seu filho da puta! E
você pode até estar bravo. Eu entendo, juro. Devia ter contado
como me sentia para você, anos atrás, mas nem fodendo vou deixar
você desmerecer o que sinto, ou falar de maneira ofensiva sobre
ela, sobre nós, porra! — me exalto. — Ela é o caralho da minha
mulher, a mãe da minha filha… ela é… — Minha voz falha, um
instante. — Tudo para mim.
— Acabou?
— Eu sempre amei a Valentina — continuo. — Desde aquele
maldito aniversário de dezenove anos — confesso. — Eu tentei
esquecer, seguir em frente, era a sua irmãzinha, a pirralha, parecia
errado. Então, você foi pro Canadá, e minha vida se tornou um
inferno, sabe por quê? Porque eu prometi ficar de olho nela, e a
cada dia, eu lutei, eu resisti, todos estes anos, mas cumpri com o
que te disse, nunca houve nada entre nós, cara, não até o ano
passado. — Passo as mãos pelo cabelo. — O namoro de
mentirinha, estar tão perto dela… eu…
— Gustavo, para de falar, porra. Parece um disco riscado.
Valentina pra cá, Valentina pra lá, Valentina, eu te amo…
Mas que cacete.
— Não vou mentir e dizer que não fiquei chateado, ok? Eu
fiquei!
Fecho os olhos, pensando como resolver isso.
— Fiquei porque fui o último a descobrir, caralho!
O quê?
— Porra, mano. Até meus pais já estavam sabendo de vocês
e do bebê.
— Você está zoando com a minha cara?
— Claro que não, otário. Você quer que eu brigue com você?
É isso?
— Não, porra, mas eu…
— Você realmente imaginou que eu fosse ficar puto por
Valentina ter encontrado um cara decente, trabalhador pra cacete,
boa-pinta, que tem um ótimo gosto musical e que, por acaso, é meu
melhor amigo?
Isso está realmente acontecendo?
— Imaginei — retruco, mal contendo as lágrimas que
escorrem pelo meu rosto.
— Você imaginou errado, seu puto.
— Porra, mano. Você não sabe como estou feliz de ouvir
isso.
— Não pense que acabou — continua. — Estamos falando
da minha irmãzinha, se você a magoar, mais uma vez — frisa —,
não pense que não vou todo caminho até o Brasil, só para chutar a
sua bunda.
— Entendido. Temos um trato.
— Ah, e parabéns, filho da mãe, tomara que a Gio puxe os
genes da minha família — retruca e posso ouvi-lo gargalhar.
— Com certeza, o lado da mãe é o mais abençoado.
— Tenho certeza que você será um excelente pai.
— Obrigado, Enzão.
— Minha mãe falou algo sobre você estar tentando
convencer ela a te perdoar e tal…
— Algo como isso — reconheço e ele bufa.
— Resolva sua merda. Espero o convite de casamento. Não
faça eu me arrepender desta conversa.
— Você o receberá — garanto.
— Porra, sim! Um bom dia aí para você e mande um oi para
a minha irmãzinha, diga que já estou com saudade dela.
— Eu direi.
Eu fodidamente direi.
Warehouse Fire – Arli Örvarsson
Life can be beautiful – Twelve Titans Music

— Fala, cabo! Madrugou, é? — Dutra me cumprimenta


assim que desce do seu carro.
— Nunca dá para saber se a Raposo Tavares está travada.
Saí mais cedo de casa.
— Melhor prevenir mesmo. E o resto do povo? — questiona,
olhando ao redor.
— Parece que estavam só esperando você chegar para
aparecer — brinco, reconhecendo o carro do Mendonça, com
Santos ao seu lado no banco do passageiro e logo atrás, está nossa
sargento.
— Isso é o que chamo de magnetismo. — Dá uma
piscadinha.
— Isso é o que chamo de horário marcado — retruco e ele ri.
Dez minutos depois, todos estão presentes, se servindo de
um copo de café recém-coado, cortesia da organização.
— O pessoal do 20º grupamento já está pronto e vocês? —
Carvalho questiona, se aproximando da nossa mesa.
— Prontos, senhor — respondemos juntos, ficando todos em
pé.
— Bom! Vejo que estão animados. Vocês já sabem, mas não
custa relembrar. Embora seja sempre bom confraternizar com os
colegas…
— Isso é para você, Dutra — Mendonça provoca,
arrancando risadas, inclusive do subtenente.
— O que posso dizer? Sou uma pessoa bem relacionada —
devolve.
— Ok, vamos deixar o lado “sociável” do sargento de lado
um pouco, porque nossa visita aqui não é social, estamos aqui para
aprimorar nossas técnicas de busca e salvamento de vítimas em
estruturas colapsadas. O que vocês vão ver hoje aqui, pode ser a
diferença numa ocorrência futura.
Todos assentimos.
Com o verão, aumentos de chuvas, infelizmente há muitas
situações de desabamentos, principalmente em áreas de risco,
encostas de morros, prédios antigos.
— A pista é nova, uma parceria entre o governo e a
prefeitura, há equipamentos de última geração e instrutores
experientes. Aproveitem!
— Sim, senhor.
— Bora, 21º grupamento??
— Bora!!!
São quase dezessete horas.
O dia foi muito produtivo.
Pela manhã, tivemos um pouco de teoria e depois já caímos
na pista, em diversos exercícios, explorando até a exaustão
inúmeros cenários.
O treinamento ruma para a última hora, quando o exercício é
interrompido. Um incêndio de grandes proporções atingiu um prédio
comercial na região do Campolim.
Não temos muitas informações ainda, apenas que todos os
grupamentos devem se dirigir ao local.
Tudo acontece muito rápido, em questão de minutos nos
dirigimos até o batalhão, vestimos nossos uniformes e já estamos
na rua a caminho do local.
Conforme nos aproximamos, a tensão aumenta.
A fumaça negra pode ser vista à distância e só consigo
pensar nas vítimas, em salvar o maior número de pessoas.
— Ok, pessoal — Carvalho começa e posso afirmar que está
tenso pra caralho também. — As informações preliminares indicam
que o fogo iniciou no décimo oitavo andar.
Caralho.
— Não sabemos a causa ainda, o local está em obras, então
tudo indica que seja algum curto-circuito. O fogo já atingiu os
andares inferiores e superiores.
— Caralho.
— Sim, a situação não é nada boa! As unidades no local já
iniciaram o resgate das vítimas, há muitos andares com escritórios
comerciais e havia muitas pessoas trabalhando ainda. A escada
Magirus só alcança até o vigésimo andar, e temos vítimas presas
nos andares superiores.
Porra.
— Vidas alheias, riquezas a salvar — o subtenente grita
assim que o caminhão para e todos gritamos em resposta, o lema
do corpo de bombeiros.
— Se cuidem, protejam um ao outro, não aceito voltar para
casa sem nenhum de vocês, me ouviram?
— Sim, senhor! — gritamos em uníssono.
— Bom, agora, vamos lá, 21º grupamento, vamos salvar
vidas! — E então começa a disparar comandos.
Seguimos para dentro do edifício.
Está um verdadeiro caos.
Fumaça, pessoas correndo, vítimas sendo carregadas.
Dutra, Mendonça e eu pegamos as escadas do lado norte,
enquanto Melo, Prado, Santos e Carvalho vão pela escada sul, com
o objetivo de checar se há mais vítimas nos andares superiores,
onde a escada Magirus não alcança.
É uma corrida contra o tempo.
Para piorar, o prédio que nem é tão antigo assim, está
totalmente irregular.
A iluminação de emergência não está funcionando, tornando
as escadas uma armadilha. A fumaça e a escuridão dificultam nosso
progresso, mas seguimos em frente.
Estalos e explosões são ouvidos, conforme nos
aproximamos do principal foco de incêndio.
— O fogo já tomou conta de tudo até o vigésimo quinto
andar — um colega de farda sinaliza, está descendo com uma
vítima com sinais de queimadura por todo o corpo.
— Há mais pessoas lá? — pergunto e seu olhar diz tudo que
precisamos saber.
É tarde demais para eles.
— Vamos, porra! — grito e agilizamos as passadas.
Carregando quilos de equipamentos, não é uma tarefa fácil, mas
não há tempo a perder.
— Alguém aqui? Corpo de bombeiros! Alguém aqui?
Responda! — começamos a gritar ao acessar os últimos três
andares.
Nada.
A fumaça já toma conta da maior parte do andar.
— Livre! — Mendonça grita, saindo do que imagino ser uma
sala de reunião.
— Corpo de bombeiros! — continuo gritando, desviando dos
inúmeros equipamentos espalhados pelo chão.
Na correria para fugir, saíram derrubando tudo.
— Aqui! Aqui! — Dutra grita de um canto mais afastado.
Quatro vítimas. Um homem e duas mulheres, inconscientes,
e a última, uma mulher de uns vinte e cinco anos, lutando para
manter a consciência.
— Vamos tirar vocês daqui! — anuncio, e Mendonça pega no
colo umas das vítimas inconscientes, enquanto eu cuido da outra.
— Carvalho, na escuta? — Dutra chama.
— Prossiga.
— Estamos no vigésimo sexto andar. Quatro vítimas,
precisando de suporte médico, descendo.
— Copiado, nos encontramos no térreo — avisa. —
Estamos… — sua voz começa a falhar — reti… vit… as… no lad…
sul.
— O sinal já era — Mendonça aponta.
— Consegue andar? — questiono para a mulher que nos
olha visivelmente em pânico e ela acena que sim, tossindo muito.
Labaredas começam a atingir uma das paredes do andar,
indicando que já está comprometido.
— Precisamos evacuar. Agora! — grito, vendo as chamas
aumentarem de intensidade em segundos.
— Vamos, vamos — Dutra berra, pegando a vítima
masculina e a arrastando para fora em direção às escadas.
— A porta… a porta — grito e ele deixa o cara de lado, e
corre em direção à corta-fogo, a fechando no exato momento que
fogo explode por todo andar.
— Puta que pariu.
Foi por muito pouco.
Começamos a descida e a visibilidade está ainda pior.
— Não vejo porra nenhuma! — Mendonça reclama. —
Merda, merda.
— São só mais alguns andares, vamos, cara.
Quando atingimos o térreo, meus joelhos cedem. Meus
braços estão queimando pelo esforço e a equipe de paramédicos
prontamente vem para auxiliar as vítimas.
— Encontrados inconscientes no local — forço minha voz. —
Pulso presente — anuncio e eles são levados para a ambulância.
— Algum sinal do Carvalho? — Dutra questiona, apoiando a
mão no meu ombro.
Respiro fundo, olhando ao redor. Procurando um rosto
familiar.
— Ali! — Aponto na direção do Carvalho.
Corremos na sua direção e ele parece transtornado falando
no rádio.
— Prado, na escuta? Sargento, responda!
— Que porra está acontecendo? — Dutra tira as palavras da
minha boca.
O subtenente olha na nossa direção. O rosto cansado,
coberto de fuligem.
— Senhor?
— Estávamos no vigésimo quarto andar e descendo. Cada
um com uma vítima. Uma delas estava seriamente ferida,
precisávamos descer rápido, o andar inteiro estava comprometido.
—Ok.
— Prado ouviu um pedido de socorro, no vigésimo segundo
andar. Aconteceu tudo muito rápido…
— Ela me entregou a sua vítima e entrou no andar em
chamas — Melo anuncia, transtornado. — Eu tentei impedi-la!
— Porra. Porra, não! — Dutra leva as mãos à cabeça,
desesperado. — Temos que ir lá. Ela pode estar precisando de
ajuda.
— A estrutura está comprometida. Há risco de colapso —
Carvalho anuncia e todos sabemos o que isso significa.
— Não, tem que haver uma saída.
— Sargento, responda! — ele chama no rádio mais uma vez.
Silêncio.
— Prado? Responda!
— Subtenente… — A voz inconfundível da sargento é
ouvida e, caralho, é um sopro de esperança.
Todos ficamos em silêncio na expectativa.
— Senhor, estou com a vítima — ela continua — Mulher,
trinta anos, queimaduras e inalação. Consegui sair do vigésimo
segundo andar, mas a escada está comprometida. Houve um
desmoronamento parcial.
— Você está bem?
— Acho que torci o tornozelo.
Droga.
— Precisamos fazer algo. — Dutra anda de um lado para o
outro.
— Acha que consegue chegar até o telhado, sargento?
— Vou chegar, senhor! — anuncia e todos sabemos o que
significa.
Ferida e com uma vítima, ela terá que subir mais cinco
lances de escada, até o vigésimo oitavo, que dá acesso ao telhado.
Não sabemos a situação lá. O que ela vai encontrar no seu
caminho, mas não há outra opção.
— Nós estamos indo até você. Câmbio.
Silêncio.
Não sabemos nem se a mensagem foi recebida.
— Porra, porra.
— Dutra, preciso que coloque a sua cabeça no lugar,
sargento! — o subtenente comanda. — Prado não está morta. Ela
está machucada e precisa da nossa ajuda para sair deste prédio. Eu
não aceito sair daqui sem toda a minha equipe.
— Sim, senhor! Eu… — começa, visivelmente emocionado.
Nunca vi o sargento assim.
— Eu sei — Carvalho devolve.
— Ok, pessoal, precisamos salvar nossa sargento. Melo e
Mendonça, preciso saber a exata situação da estrutura do lado norte
do prédio. Pode ser uma rota de fuga.
— Considere feito! — gritam, se afastando com pressa.
— Senhor, não conseguimos mandar um helicóptero até o
telhado? — Santos questiona.
— Vou falar com o capitão, mas não teria esperança, a
fumaça negra está espessa — olha para o céu enquanto fala —,
impossibilita a aproximação sem risco para a aeronave e piloto.
Alguém tem mais alguma ideia? Vamos, pessoal, Prado precisa da
gente.
Pense, pense, então eu vejo.
— Carvalho… — Me aproximo.
— Cabo?
— Senhor, está vendo aquele prédio? — Aponto para o
edifício comercial ao lado.
— Positivo.
— Acho que conseguimos montar uma tirolesa, se
conseguirmos acesso à janela oeste, no último andar.
— Porra, sim. Este edifício está num ponto elevado se
comparado com o vizinho. O vão livre não é tão extenso, só
precisamos de bons pontos de ancoragem e podemos tentar fazer o
deslocamento delas. — Dutra aperta meu ombro, mal contendo a
empolgação, e Carvalho sorri com a ideia.
— Caralho de boa ideia, Correia. Arriscada, sim, mas
exatamente o que precisamos. Peguem os equipamentos
necessários no caminhão. Quero os dois nisso, agora!
— Sim, senhor! — gritamos.
— Correia, Dutra! — chama e nos viramos.
— Se cuidem, vocês são a esperança da Carol e da vítima
saírem de lá… — Não termina a frase.
Não precisa.
Prado, nós estamos indo.
Still falling for you – Ellie Goulding
Life can be beautiful – Twelve Titans Music
Desperto e demoro alguns segundos para descobrir que
estou sozinha. Será que foi tudo um sonho ontem?
O quarto está claro.
Tateio embaixo do travesseiro em busca do meu celular.
Céus, que horas são? Parece que dormi tanto. Foi o
orgasmo arrasador de ontem à noite.
O relógio marca 8h00… afundo o rosto de novo no
travesseiro que ainda está com seu perfume.
Deus.
Meu olhar recai no papel amarelo na mesinha ao lado da
cama, embaixo de um copo.
Um post-it?
Me estico apenas o suficiente para alcançá-lo. Mais um
pouco, quase lá… consegui.
“Indo para o treinamento.
Tenha um ótimo dia, linda.
Prometo voltar logo.
Beijos, Guto.”
Leio e releio a pequena nota umas dez vezes.
Ah, Gustavo, o que vou fazer com você?
Na verdade, eu já sei, só preciso de coragem.
Meu celular vibra.
Lau.
🥖
“Na portaria. Trouxe pães fresquinhos
😚”
Meu Deus, ela já está chegando e eu nem saí da cama.
Com cuidado, me levanto e vou até o banheiro.
A campainha toca e nem me troquei, mas pelo menos
escovei os dentes e penteei o cabelo.
— Estou indo — grito, agarrando minha fiel companheira.
Estou cansada quando chego até a porta, mas consegui.
— Oi, Lau.
— De pijama ainda, oh, vida boa!
— Posso ter dormido mais do que deveria. — Faço careta.
— Hum, noite agitada? — Dá uma piscadinha.
— A senhora está é muito da tarada ultimamente, hein?!
— Vai que você já tinha boas notícias, não custa sonhar.
— Ainda não, mas estamos no caminho. — Mordo os lábios.
— Aeeee, já é algo, Brasil!
— Xiii, ainda são oito da manhã.
— Desculpe, já fiz tanta coisa, que pra mim é como se fosse
quase meio-dia.
— Depois eu que sou louca.
— Café da manhã? — Ergue a sacola da padaria. — Está
quentinho ainda.
— Te amo!!!
— Vamos que tem várias cápsulas que você gosta. Gustavo
também é louco por café.
As próximas horas voam.
Conversamos, trabalhamos, conversamos mais um pouco, e
mais um pouco.
— Ainda bem que você só veio hoje — grito da cozinha.
— Ei, assim você me magoa.
— Amiga, não consigo trabalhar com você aqui.
— A gente não parou de tagarelar, né?!
— Você está sendo educada. Nós só fizemos isso.
Ela começa a rir.
— Com minha mãe aqui, ainda consigo fazer uma coisa ou
outra — brinco. — Já estou voltando, tem certeza de que não quer
mais chocolate? — pergunto, olhando para a caixa de bombons.
— Não! Já estou explodindo de tanto que comemos.
Tem razão.
Deixo o chocolate sobre a mesa e pego uma banana.
— Oh, meu Deus!
— O que houve? —grito, mas ela não responde.
— Lau, você está bem? — Jogo a casca no lixo, e pego a
muleta com pressa. — Não me diga que é uma barata… — começo,
mas travo no lugar.
Na televisão, imagens de um grande incêndio na região do
Campolim, numa área com diversos edifícios comerciais, não param
de ser transmitidas.
— Isso é… — começo.
— Ao vivo — confirma meu maior temor.
— Meu Deus… eles?
Ela se aproxima, parando na minha frente.
— Nós duas vamos sentar ali naquele sofá. Sem se
desesperar, ok? Vou tentar obter informações.
Balanço a cabeça, ainda em choque.
A repórter não para de falar e é difícil acompanhar.
Aparentemente, o fogo começou por volta das quatro horas
da tarde, no décimo oitavo andar, e se espalhou para outros
andares. Bombeiros de cidades vizinhas vieram ajudar, já que ainda
havia centenas de pessoas trabalhando no horário.
Eles estão trabalhando sem descanso, tentando resgatar as
inúmeras vítimas presas nos andares superiores, onde nem com a
escada do caminhão é possível alcançar.
Aumento o volume da televisão e a narração continua:
“Vítimas de intoxicação por inalação e
queimaduras não param de chegar,
muitos bombeiros também estão
sofrendo com os efeitos deste
incêndio sem precedentes na nossa
região.”
— Diga que conseguiu alguma informação — peço, quase
furando minhas mãos com a unha, conforme cerro os punhos. —
Eles estavam num treinamento… — começo.
Lau está ao telefone e, pelo seu semblante, as notícias não
são nada boas. No noticiário também não:
“Atenção: acabei de receber aqui.
Ainda há vítimas dentro do edifício.
Repito. Informações atualizadas
indicam que há pessoas presas nos
últimos andares.”
A câmera mira o edifício e ainda bem que estou sentada.
É só fogo.
Labaredas e mais labaredas saindo pelas janelas. Uma
fumaça preta torna difícil até enxergar o topo do prédio.
“A polícia pede que os familiares não
venham até o local, para não
atrapalhar o trabalho dos bombeiros.
As vítimas estão sendo levadas aos
hospitais da região…”
— Lau… eu preciso ir lá. — Me ergo, não conseguindo mais
ficar sentada.
Eu preciso… e se ele…
Oh, meu Deus. Apoio as mãos no joelho.
Respira, Valentina.
Ele está bem.
Todos eles estão.
— Amiga, eu também quero ir, mas… só vai piorar irmos lá.
— Sua voz está embargada. — Falei com o Paulo agora, ele já vai
me retornar com mais informações. Eles… têm que estar bem, ok?
— Me abraça e o bolo na minha garganta parece aumentar. — Vai
ficar tudo bem.
Eu não posso perdê-lo.
— Ninguém vai perder ninguém — ela sussurra contra a
minha cabeça e percebo que falei alto.
— Ninguém — repito, respirando fundo e secando com o
polegar as lágrimas da minha amiga, que está tentando ser forte.
Sentamos de mãos dadas em frente à televisão, aguardando
alguma notícia do seu cunhado.
Lau liga para a sogra e pede que se acalme e mantenha a
Manu longe da TV, as notícias estão em todos os canais.
O celular volta a tocar.
— Paulo, por favor, diga que você tem notícias — pede.
— O que ele está falando? Pelo amor de Deus…
Ela põe o telefone no viva-voz.
— A guarnição deles está lá.
Oh, Deus.
— Consegui falar apenas com o coronel. Cadu está na linha
de frente com seus homens. Há muita informação desencontrada
ainda, mas… — Pausa e quero gritar.
— O que foi, Paulo?
— Há um bombeiro preso nos últimos andares.
— Um bombeiro? — questiono, pouco me importando por
estar entrando na conversa.
— Sim, parece que a Prado.
— Não. — Levo as mãos à boca.
Carol.
— Estão avaliando a melhor forma de chegar até ela. As
escadas estão interditadas, o helicóptero não tem condição de voo e
a situação do prédio é precária, com risco de colapso.
Colapso? Tipo, cair?
— Eu estou indo para lá, agora. — começo, me levantando
com a ajuda das muletas.
— O 21º grupamento vai tentar o resgate através do prédio
vizinho — o irmão do Cadu continua. — Preciso desligar, volto a
ligar assim que tiver averiguado.
— Espera aí, prédio vizinho, como assim? — Lau tira a
pergunta da minha boca. — Ele desligou.
A repórter volta a falar neste instante, transmitindo novas
informações ao vivo.
Não pode ser.
— Lau, Lau do céu… eles… eles vão cruzar para o outro
prédio usando cordas — gaguejo, vendo o momento em que a
câmera mostra dois bombeiros, num dos últimos andares do prédio
vizinho, parecendo estar mexendo com algum tipo de corda,
fazendo amarrações.
A câmera consegue aproximar a imagem e meu mundo
desaba.
Ali estão Dutra e Gustavo.
— Puta que pariu! — Lau exclama, olhando para a tela em
completo choque. — Nem ferrando.
—Eu… eu preciso… não consigo mais ficar aqui.
— Vou pegar a chave do carro — devolve, sem discutir.
“Bombeiros se preparam para uma
manobra arriscada. Prédio com risco
de desabamento.”
Ahh, Gustavo, é bom que você volte para casa são e salvo.
Você prometeu.
Você não pode me deixar
Nos deixar…
Um soluço sacode meu corpo e as lágrimas começam a
escorrer pelo meu rosto, quando tudo que eu consigo sentir no
momento é medo.
Muito medo.
Persistence of Hope – Twelve Titans music
Eu sabia que não seria fácil, nem todo o treinamento do
mundo te prepara para ver um incêndio deste porte.
Meu coração bate acelerado no peito.
Estou nervosa.
Estou com medo.
Mas acima de tudo, estou pronta como nunca estive.
Pronta para dar o melhor de mim e salvar vidas.
Esta é a minha missão.
É o que me fez ingressar no Corpo de Bombeiros do Estado
de São Paulo. É o que me motiva a acordar todos os dias, pronta
para mais um turno, para o desconhecido.
A verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar
quando a sirene toca. Pode ser algo simples, corriqueiro, mas pode
ser a diferença na vida de alguém.
É uma caixinha de surpresa. Uma que eu e outros
bombeiros maravilhosos, com os quais eu tenho o prazer de
conviver, decidiram abrir todos os dias, a cada turno.
É hora de deixar todo o medo para trás, é hora de se doar, é
hora de fazer o bem, sem ver a quem… é hora de ser bombeiro.
— Se cuidem, protejam um ao outro, não aceito voltar para
casa sem nenhum de vocês, me ouviram? — Carvalho comanda e
adrenalina pulsa nas minhas veias.
— Sim, senhor! — grito junto com meus colegas.
— Bom, agora, vamos lá, 21º grupamento, vamos salvar
vidas!
Dentro do edifício está uma bagunça, várias vítimas sendo
socorridas, bombeiros dos mais diversos batalhões, todos unidos
num só propósito.
Sigo com Melo, Santos e Carvalho em direção às escadas
do lado sul e, pelo canto do olho, vejo Correia, Mendonça e Dutra
correndo no sentido oposto.
Felipe vira o rosto neste momento e nosso olhar se encontra.
Algo dentro de mim se agita, não consigo evitar.
É sempre assim…
O sargento me afeta mais do que eu gostaria de admitir.
Na maioria das vezes, ele é um palhaço mulherengo, mas
algo me diz que é apenas na superfície… que lá no fundo, há muito
mais do que ele quer mostrar ao mundo. Além do seu lado escroto
de ser.
Mesmo de máscara, consigo ver sua preocupação e a hora
que ele diz:
— Fique bem… — Toca de leve no capacete, num aceno, e
segue pela escadaria.
Faço o mesmo.
Não há tempo para distração.
Cada segundo conta.
Mas no fundo da minha mente, eu faço uma prece, converso
com Deus. E nesta conversa, eu peço que nos ilumine, que nos guie
nesta missão e que proteja meus irmãos de farda, que proteja… o
Felipe.
Você deve estar se perguntando, por que eu peço
especificamente para protegê-lo, bem…
Felipe Dutra pode ser tudo, menos um irmão para mim.

A cada lance de escada, meus músculos reclamam, minha


respiração está acelerada e sinto minhas veias pulsando, mas assim
que encontramos quatro pessoas no vigésimo quarto andar, tudo
desaparece.
Não há mais tempo para dor… para nada.
É apenas hora de agir.
E é exatamente isso que fazemos.
Felizmente, as vítimas, três mulheres e um homem, estão
todos conscientes, com certa dificuldade de respiração, mas bem,
dadas as circunstâncias. Estavam agachados no chão, tentando sair
do andar e fugir da fumaça quando os encontramos.
Foi por pouco.
— Precisamos descer e levá-los até a ambulância —
Carvalho comanda e nos organizamos da melhor maneira para
ajudá-los.
O subtenente ajuda uma idosa, que dentre as vítimas é a
que mais inspira cuidado no momento, estando com grande
dificuldade na respiração.
Melo ajuda o homem e, eu e Santos, ajudamos as outras
duas vítimas.
A cada lance de escadas, o som terrível do fogo destruindo
tudo nos acompanha, então eu escuto.
É baixo, distante, mas ainda assim, não tenho dúvidas.
É um pedido de socorro.
— Há alguém neste andar — sinalizo para Melo que está
mais próximo de mim. Ele me olha sem entender nada. — Vá, leve
ela. — Entrego a minha vítima aos seus cuidados. — Vou checar se
tem alguém aqui e encontro vocês.
— Prado, não! Espere, é perigoso ir sozinha — ele grita, mas
nem olho para trás, não há tempo a perder, até descermos e
voltarmos, pode ser tarde demais.
Abro a porta corta-fogo e começo a gritar.
— Corpo de bombeiros, responda!
O fogo já tomou todo o andar praticamente. As paredes e o
teto.
— Alguém aqui? Responda! — grito mais uma vez, torcendo
para não estar louca.
Eu escutei, eu realmente ouvi.
Um vidro explode a poucos metros de distância e me
desequilibro.
Droga.
— Corpo de bombeiros. Responda!
— Aqui… — O som vem atrás de uma porta. — Estou presa.
— Se afaste — ordeno e chuto a porta com força.
Ela se abre e, com ela, uma língua de chamas serpenteia.
Dentro, num canto encolhido do banheiro, enrolada numa
cortina molhada, a dona da voz que eu escutei.
Eu não estava louca.
Seguro seu braço, ela parece bem.
— Vou tirar você daqui, ok?
Acena assustada, mas seu olhar é firme.
Juntas, caminhamos em meio ao fogo, vidro e móveis ruindo
ao nosso redor.
— Estamos quase lá. Só mais uns passos — incentivo.
Puxo a porta corta-fogo, e nunca senti tanto alívio, estou a
ponto de fechá-la quando uma explosão maior assola o andar e o
deslocamento do ar nos lança nas escadarias.
Dor irradia pelas minhas costas e, droga, minha perna.
Merda, merda.
— Você está bem? — questiono, me certificando de que pelo
menos a porta corta-fogo se fechou e, por ora, contém as labaredas
no andar.
— Acho que sim.
Com dificuldade, me levanto, estendendo minha mão na sua
direção.
— Precisamos continuar.
Tento falar no rádio, avisar o subtenente, mas a porcaria não
quer funcionar.
Pense, mulher, pense.
— Pra… respon… da. — Escuto depois de alguns segundos.
É ele.
— Subtenente? — respondo e nada. — Merda.
Outra explosão é ouvida e desta vez o chão treme sob nós.
— No chão — grito, me jogando sobre ela, enquanto
estilhaços voam por todos os lados.
Ainda no chão, consigo ver o quão ferradas estamos. O
caminho em direção ao térreo está comprometido. A porta corta-
fogo, dois andares abaixo, não aguentou e parte da laje cedeu.
A passagem está bloqueada.
Meu Deus, me mostre o caminho, me ajude a voltar para
casa.
— Prado? Responda!
O rádio… puta merda!
— Obrigada, Senhor — murmuro. — Subtenente — começo,
reunindo calma e força para continuar. — Senhor, estou com a
vítima. — Miro a mulher ao meu lado, uma guerreira, que lutou para
se manter viva, enquanto aguardava a ajuda chegar.
Respira.
— Mulher, trinta anos, queimaduras e inalação. Consegui
sair do vigésimo segundo andar, mas a escada está comprometida.
Houve um desmoronamento parcial.
— Você está bem?
— Acho que torci o tornozelo. — Isso é para dizer o mínimo,
mas não adianta reclamar.
— Acha que consegue chegar até o telhado, sargento?
Olho para os lances de escada acima.
Não será fácil, mas vamos conseguir.
Não há outra opção.
— Vou chegar, senhor! — respondo firme, sem titubear.
Carvalho fala mais alguma coisa, mas a maldita interferência
volta e não consigo entender nada.
— Senhor? — chamo.
Apenas silêncio.
— Não vamos conseguir — ela diz, se desesperando.
— Eiii — chamo sua atenção e seu olhar marejado encontra
o meu. — Qual seu nome?
— Luana.
— É um lindo nome, é o nome da minha irmãzinha, sabia?
Arregala os olhos, surpresa.
— Meu nome é Caroline, mas a maioria me chama de Carol,
e eu te digo que nós vamos conseguir, sim! Me ouviu? — Com
dificuldade, me ergo. — Sabe por quê?
Balança a cabeça negativamente. Lágrimas caem pelo seu
rosto.
— Meus amigos estão neste exato momento vendo uma
forma de nos tirar deste telhado. E vou te dizer algo muito
importante… — Mais explosões soam logo abaixo. — Eu confio cem
por cento naqueles caras. Eu confio a minha vida, porque não há
outra opção que não voltar para casa. — Uma lágrima escorre pela
minha bochecha quando estendo a mão na sua direção.
E mais descem, quando ela aceita.
— Vamos sair daqui, mulher! — grito.
A nossa hora é agora.
What about now -Daughtry
— Você realmente acha que vai funcionar? — Correia
pergunta ao meu lado. Estamos no elevador do prédio vizinho, rumo
ao último andar. O resto terá que ser feito via escada.
— Acha que estaria arriscando minha cabeça, se não
acreditasse, cabo?
— Vai que você acordou meio suicida — zoa, tentando aliviar
um pouco a tensão.
— Vai dar certo, cara — retruco, acompanhando os andares
mudarem no painel.
Essa porra tem que funcionar.
Tem que…
Não consigo imaginar outro cenário.
Um que não envolva a sargento aqui… comigo.
Me infernizando a cada dia.
Me dando olhares debochados.
Me observando com atenção quando acha que não estou
vendo.
Há tanto não dito entre nós.
Há tanto tempo ela está na minha vida, desde que cheguei
ao batalhão, seis anos atrás.
Desde então, ela resiste ao meu charme, não que eu tenha
efetivamente feito um movimento, mas isso nunca foi um problema
antes. As mulheres geralmente tropeçam e caem no meu colo.
Não ela.
A mulher é brava, guerreira. Não abaixa a cabeça para nada,
ninguém. Se dedica de corpo e alma naquilo que acredita. Um
inferno de uma boa bombeira.
E eu sou um fodido sortudo, por tê-la comigo a cada turno.
Estaria mentindo se dissesse que não quero mais…
Não sou cego.
Carol é gostosa para cacete… e habita meus sonhos com
mais frequência do que eu gostaria. Foda, a infeliz me persegue até
fora do batalhão. Eu deveria tomar uma atitude, tirá-la logo do meu
sistema, mas estragar o que temos, o que quer que seja isso, não é
algo que eu queira.
Ela é mais que uma boceta.
Ela é a única que resiste aos meus encantos, a única que
me desafia… é exatamente quem eu quero.
Estou fodido.
— Carol — começo, mas me corrijo: — A Prado precisa de
nós —afirmo, tentando controlar a merda dentro de mim. — E não
pretendo deixá-la na mão.
Ele apoia a mão no meu ombro.
— Vamos tirar ela de lá.
Fecho os olhos e a lembrança da nossa despedida no hall
do prédio vem à minha mente.
— Eu falei para ela — disparo e não sei por que abri a boca,
eu só… meu peito parece a ponto de explodir. — Eu disse para ela
ficar bem, porra! — Faço uma careta, passando as mãos pelo
cabelo.
— Ela vai, está me ouvindo?
Aceno que sim!
— Vamos, cabo. Bora fazer este plano louco seu funcionar!
— Agora é louco?
— Eu não disse que não era! — Arqueio a sobrancelha —
Eu só disse que era exequível.
— Aham.
— Foi o Carvalho que disse que era uma boa ideia —
rebato, enquanto preparo o fuzil com a corda que iremos lançar em
direção ao telhado do prédio vizinho.
— Você só está com inveja porque tive a ideia primeiro —
provoca e não consigo segurar a risada.
— Eu só quero que esta porra funcione. Ainda mais quando
estiver com meu corpinho pendurado a mais de noventa metros de
altura.
— Claro que vai — Correia devolve, socando meu ombro.
— Você vai primeiro, já que a ideia é sua — devolvo e ele
sorri.
— Com medinho?
— Vai logo, porra. Que minha mulher está esperando —
disparo e, tarde demais, percebo o que eu deixei escapar. — Eu…
quis dizer… — tento corrigir.
— Você não precisa explicar nada para mim, sargento.
Cacete.
Que vacilada.
— É para ela que tem.
— É complicado, cabo.
— Acredite, sei muito bem como as coisas podem ser
complicadas, mas podemos falar disso outro dia no bar, não é?
— Ia sugerir isso. — Agradeço a mudança de tema. — Já
separei os mosquetões e demais materiais. Vamos precisar de
ajuda com o freio dos cabos.
— Vou contatar o Carvalho e ver se os caras podem vir aqui,
precisamos de mais algumas mãos. Veja se consegue falar com a
sargento. Precisamos que ela faça a amarração no telhado.
— Deixa comigo.
Me afasto alguns passos, indo em direção ao aberto, na
esperança de que o sinal esteja melhor.
— Prado, na escuta?
Nada.
— Sargento Prado, na escuta? Responda!
Estática.
Fecho os olhos e tento mais uma vez.
— Caroline, se você estiver escutando, é o caralho de uma
boa hora para responder.
— Caramba, que boca suja a sua.
— Puta que pariu…
— Muita saudade, Felipe?
— Você não faz nem ideia — sai da minha boca. —
Conseguiu chegar ao telhado? — questiono, o peito agitado de tanta
felicidade. Ela… está viva, porra.
— Veja você mesmo.
Olho para o prédio vizinho e mesmo em meio à fumaça
negra, consigo ver uma mão se agitando, cerca de três andares
acima de onde estou.
— Caralho, acho que nunca fiquei tão feliz de te ver.
— Elegante, como sempre!
Rio.
— Escute, vamos usar o fuzil e lançar a corda retinida, ok?
— Alto e claro!
— Faça a amarração na coluna de sustentação e logo terá o
prazer imenso de ver meu rosto bonito de perto.
— Você é realmente muito presunçoso.
— Só falo verdades!
— Não demore.
— Estou indo pegar você, Carol.
— Conto com isso.
Life can be beautiful – Twelve Titans Music
— Achei que ia ficar de namorinho mais tempo — provoco e,
em minha defesa, não consegui resistir.
— Vá se foder! — Dutra devolve, mas eu vi o seu sorriso.
— Bom saber que ela chegou lá, irmão.
— Nem me fala.
— Os caras estão subindo — aviso.
— Bora lançar esta corda, então. Cada segundo a situação
fica mais crítica lá.
— Você tirou as palavras da minha boca.
Bora, que eu quero voltar logo para casa, para a minha
mulher e filha.
Dutra lança a corda e não poderia ser mais perfeito.
— Correia, Dutra, status? — o subtenente questiona.
— Acabamos de lançar a corda, aguardo ok da sargento
com relação à amarração — informo no rádio
— Perfeito, estamos todos acompanhando vocês.
— Ancoragem realizada — Prado anuncia no rádio.
Hora da verdade.
— Boa sorte, pessoal! — Carvalho fala.
— Estarei logo atrás de você, cabo — Dutra dispara.
Respira, porra.
Você já treinou isso.
Você consegue!
Confiro se está tudo certo, fixo o mosquetão, me posiciono
agarrando o cabo e inicio o percurso.
Neste momento, somos apenas eu e a corda.
Ignoro tudo ao meu redor.
Cada centímetro avançado é uma vitória.
Inspiro e solto, movendo mãos e pés em sincronia.
Quando alcanço o beiral do outro edifício, meus braços
queimam pelo esforço e meu peito parece a ponto de explodir, mas
não há sensação melhor.
Consegui, porra.
— Correia… — A sargento caminha até minha posição, com
visível dificuldade.
— Você acha que machucou o tornozelo?
Faz uma careta e me abraça.
— Vamos tirar vocês daqui — anuncio, levando o cabo da
corda e fazendo a amarração definitiva, aquela que permitirá que
Dutra cruze para cá e me ajude no resgate.
Poucos minutos depois, o sargento está conosco no telhado.
Se solta do mosquetão e não diz nada. Seu olhar tem destino certo.
— Você demorou — Prado comenta, sorrindo, mas com
olhos carregados de lágrimas.
Com dois passos, ele está na sua frente.
— Eu disse que vinha te pegar.
— Você disse — retruca e o sargento acaricia seu rosto,
agora livre da máscara.
— Você pode precisar disso. — Ele entrega a cadeirinha que
ela precisará para fazermos a descida.
— Vou preparar a vítima e iniciar a descida, vocês me
seguem — aviso.
— O nome dela é Luana — Prado avisa, o olhar na mulher
que observa tudo em silêncio. — E ela é uma guerreira.
Lágrimas escorrem pelo seu rosto, conforme eu faço as
amarrações em volta do seu corpo.
— Vai ficar tudo bem, Luana, eu sou o cabo Correia e logo
iremos te tirar daqui.
Acena que sim.
— Encontro vocês do outro lado — grito para meus amigos,
mantendo a mulher próximo de mim, conforme nos aproximamos do
beiral.
— Meu Deus — ela murmura.
— Xiii, não olhe para baixo. Olhe para mim, você já fez
tirolesa alguma vez na vida?
— Uma… vez… — gagueja. — Mas não era tão alto.
— Feche os olhos, vai ser rápido. Você está segura!
— Obrigada. — Seus lábios tremem. Ela se vira para a
sargento, como se quisesse dizer algo, mas não posso mais
esperar.
A cada segundo, o prédio pode ruir.
— Estou levando a vítima — aviso no rádio e então
impulsiono meu corpo, ganhando o céu.
Mendonça e Santos controlam a velocidade da descida e
conseguimos parar no beiral do edifício vizinho, sem qualquer
intercorrência.
Cruzamos o vão entre os edifícios em segurança.
Prado e Dutra vêm logo na sequência. A sargento
posicionada sobre o seu colo, o que sei, que será material para
muita zoeira e brincadeira.
Suor pinga do meu rosto. Estou esgotado, mas não consigo
evitar o sorriso que surge.
Conseguimos.
Salvamos a Prado.
Salvamos Luana e tantas outras vidas.
O dia de hoje vai ficar marcado como uma das maiores
tragédias na cidade, mas também como um dia em que a união e o
trabalho em equipe salvaram centenas de vidas.
— Esperem, por favor…
— O que está havendo? Você está bem, Luana? — Prado se
aproxima mancando da vítima, que começa a ser atendida neste
instante pelos paramédicos. A máscara de oxigênio é afastada da
sua face.
— Você não mentiu — ela murmura, lágrimas escorrendo
pelas bochechas cobertas de fuligem.
Todos ficam em silêncio.
— Claro que não. — A sargento sorri. — Não te disse que
eles — aponta para nós — viriam por nós?
Seu olhar passa por cada um de nós, num agradecimento
silencioso.
— Obrigada… obrigada a todos vocês, por me permitirem
voltar para casa.
Prado não consegue dizer nada. Ela assente e o socorrista
posiciona a máscara de volta no rosto de Luana, a levando em
direção ao elevador.
Só então, a sargento apoia as mãos no joelho, e deixa toda
tensão extravasar, seu corpo sacode com os soluços e choro, até
então contido.
— Hey, você conseguiu… você conseguiu, porra! — Dutra
fala, a voz carregada de emoção, quando a pega no colo. — Vou
cuidar de você, Caroline, vamos te levar para o hospital. Você
também precisa de cuidados e não adianta reclamar.
— Hora de cuidar da nossa sargento, 21º grupamento —
Carvalho grita e todos, sem exceção, aplaudem. — Cabo… —
Apoia a mão no meu ombro.
— Subtenente?
— Excelente trabalho hoje.
— Obrigado, senhor.
— Espero que faça logo sua prova.
Arregalo os olhos, surpreso com o comentário.
— Você será um inferno de um bom sargento!
— Eu…
— Não sei quanto a você, mas eu estou louco para sair
daqui e ir encontrar as mulheres da nossa vida.
— Porra, sim!
— Já avisei meu irmão que estamos indo para o Hospital
Regional. Elas irão nos encontrar lá.
— Lá?
— Você realmente acha que elas ficaram em casa,
esperando notícias?
— Não é o tipo de ação que eu esperaria da Valentina.
— Nem eu da Laura — reconhece. — Elas estavam vindo
para cá, mas já foram avisadas.
— Obrigado, senhor.
— Só Cadu… o turno oficialmente acabou.
— Acho que nunca fiquei tão feliz de ouvir isso.
Ele ri.
— Eu também — sussurra só para meus ouvidos e agora
sou eu quem está rindo.
Estou um pouco atrasado, pirralha, mas eu estou voltando…
voltando para vocês.
“O melhor acaso é aquele que traz uma
pessoa especial até nós… “– Autor
desconhecido
Still falling for you – Ellie Goulding
Photograph – Ed Sheeran

Estávamos quase chegando ao local, quando o celular da


Lau tocou.
Era o Paulo, avisando que eles estavam indo para o hospital.
Disse que todos estavam bem, mas se estão bem, para que o
hospital?
— Se acalma, Nina, você ouviu o que ele disse.
— Ouvi, mas…
— Você precisa ver, né?
Aceno concordando e ela sorri.
Estamos na mesma página.
Quinze minutos depois, estacionamos, e meu coração
parece a ponto de sair pela boca.
Respira.
Gustavo está bem… ele tem que estar.
Lau me ajuda a sair do veículo e me entrega as muletas.
Os corredores neutros parecem não ter fim. Meus olhos
escrutinam cada canto, procurando um rosto conhecido, procurando
aquele que é dono do meu coração.
Sempre foi.
Então eu o vejo e minha visão fica embaçada pelas lágrimas.
Droga… droga.
Todo sujo de fuligem, o semblante cansado e, ainda assim, o
homem mais lindo do mundo.
— Nina — sussurra ao me ver e lá está o sorriso que amo.
Caminho na sua direção, o mais rápido que consigo, e o
abraço, forte, me agarrando com força no seu uniforme.
As muletas caem no chão, mas nem ligo, tenho ele para me
sustentar.
Ele está aqui.
O choro cai livre… não consigo mais segurar, enfio o rosto
na curva do seu pescoço e deixo toda tensão, todo medo, ir embora.
— Oh, Deus — começo, a voz embargada. — Eu tive tanto
medo.
— Está tudo bem, estamos todos bem — tranquiliza,
secando meu choro com o polegar, enquanto uma mão permanece
na minha cintura.
— Não está nada bem — retruco, mirando seus olhos
castanhos.
Me olha, confuso.
Ah, Gustavo.
Fecho os olhos, me forçando a inspirar e expirar.
— Você está se sentindo mal? Podemos pedir para um
médico…
— Não é isso — o corto, e sua atenção está em mim.
Fale.
Diga.
— Quando disse que não está nada bem… — Mordo os
lábios, de repente nervosa. — Quis dizer que… droga, eu estava
com medo, ok?!
— É normal sentir medo — ele retruca. — Eu senti… eu
estava lá, e sabia que eu tinha que salvar a maior quantidade de
pessoas, salvar a sargento era o objetivo, mas ao mesmo tempo, eu
só conseguia pensar em voltar para casa, para você… para vocês.
Meu maior medo era não voltar…
Mais lágrimas começam a escorrer pela minha bochecha.
Como ele consegue dizer estas coisas… e eu não consigo
dizer o mínimo?
— Eu tive tanto medo de que acontecesse algo… — Meus
lábios tremem, olho para tudo menos para ele, mas então seu
indicador ergue meu queixo e não há escapatória. — Medo de
que… que eu não tivesse a chance de te dizer…
— Me dizer o que, linda? — questiona, os olhos marejados.
— Fala para mim, pirralha. — Sua voz é quase um sopro. Ele sabe
exatamente o que eu estou a ponto de dizer, mas quer ouvir.
Oh, merda.
Respira, Valentina.
— Que eu te amo — reconheço e é como se, de repente, eu
estivesse leve. — Que eu sempre amei — confesso e um soluço
atravessa meu corpo. — Sempre foi você, Gustavo.
Me puxa para junto de si e apoia a testa contra a minha.
Estamos os dois chorando.
Leva uma mão até a minha nuca, os dedos se enrolando nos
meus cabelos.
— Porra, como é bom ouvir isso — sussurra próximo do meu
ouvido. — Fala para mim que não é um sonho — pede, roçando
seus lábios nos meus.
— Não é — retruco, rindo. — Eu realmente te amo, sei que é
difícil de acreditar, eu mesmo às vezes não acredito, afinal, é você,
né?! — Faço uma careta.
Ele gargalha e eu arregalo os olhos.
— Estamos num hospital, seu louco — repreendo, mas o
som é música nos meus ouvidos.
— Quando chegarmos em casa, promete repetir isso —
pede baixinho.
— Vou pensar no seu caso — retruco, me afastando um
pouco da tentação. — Agora, vamos para lá — aponto onde o resto
do pessoal está sentado, aguardando notícias. — Que, por mais que
eu queria ficar aqui com você, preciso ter notícias de todo mundo,
principalmente da Carol.
— Vamos, linda. — Me entrega uma das muletas e me
abraça, sendo meu outro suporte.
— Quem precisa de muleta, quando se tem um bombeiro?
— brinco.
A próxima meia hora é de tensão.
Dutra não para de andar de um lado para o outro, mesmo
todos falando que ela está bem.
— Isso está demorando demais.
— Se acalma, cara. Na certa, estão tirando várias
radiografias — Gustavo tenta tranquilizá-lo.
Todos acenam em concordância, mas o sargento continua
tenso.
— Eu devia ter entrado com ela.
Laura e eu trocamos um olhar. Nós duas achamos que há
algo ali, embora a Carol sempre negue com todas as forças. Será
que há um casal dentro do 21º grupamento? A fanfiqueira em mim
não aguenta de ansiedade e está louca pelos próximos capítulos
desta novela.
Quinze minutos depois, para alívio geral, temos notícias.
Fratura estável do tornozelo e entorse nível II, o quer que
isto signifique.
— Ela está na sala da enfermagem, colocando o gesso, mas
em breve será liberada.
— Ae, porra — Dutra vibra com a informação sobre a alta.
— Já avisei a srta. Prado, mas ela pareceu resistente, por
isso, repito aqui, ela precisa de total repouso pelas próximas
semanas. Pé para cima, para ajudar na circulação e diminuir o
inchaço. Vou receitar analgésicos e anti-inflamatórios.
— Consegue imaginar a Prado de repouso? — Melo dispara
ao nosso lado.
— Nem ferrando — Gustavo retruca.
— Vamos fazer com que ela obedeça às suas ordens, doutor
— Cadu informa, cumprimentando-o.
— Mais uma coisa, é importante que durante as primeiras
semanas, ela tenha algum suporte em casa, como disse, repouso é
essencial, para não agravar o entorse e termos uma ruptura total
dos ligamentos.
— Eu vou cuidar dela — Dutra declara, sem titubear.
— Quero ver você contando isso para ela — Mendonça
dispara e todos riem.
Droga, é muita maldade se eu disser que também quero?
​Alguns minutos depois, lá está ela.
— Caramba, sargento, se você queria tanto um par de
muletas, era só esperar um pouco, podia pegar as da Valentina —
Gustavo brinca e eu dou um cutucão nele.
— Muito engraçado, cabo. Ainda não acredito que vou ter
que usar isso. E este gesso está coçando já. Isso não vai dar certo!
— Prado, o médico foi enfático. Você está de molho por no
mínimo dois meses — Cadu avisa, todo sério.
— Não posso acreditar nisso. O que eu vou fazer dois meses
em casa?
— Fica tranquila, que o sargento com certeza vai pensar
numa forma de te distrair — Mendonça dispara dando uma
piscadinha e ela arregala os olhos.
— Como assim, o “sargento”? — Seu olhar está no Dutra e,
caramba, o que eu não daria por um pote de pipoca.
— O médico falou que você precisa de suporte. — Dá de
ombros.
— Eu… isso não vai acontecer!
— Isso já aconteceu! Você não pode ficar sozinha, Caroline.
— Felipe… — Ela fecha os olhos, provavelmente pensando
numa forma de sair desta confusão.
Eita, parece que já vi este filme, talvez com algumas
pequenas diferenças no enredo.
— Se você falar para mim — Dutra se aproxima dela — que
tem algum parente, mãe, pai, tia, irmã, vou além, não precisa nem
ser parente, simplesmente, alguém que vai estar lá para você, para
cuidar de você, da maneira que você precisa, eu retiro o que disse.
Do contrário, você vai comigo!
Puta merda.
Ela ergue os olhos. E no seu semblante eu vejo um misto de
emoções. Derrota, raiva, gratidão.
— Eu vou com você — devolve.
— Aee, caralho! — Dutra vibra. — Vamos nos divertir,
sargento, prometo.
— Não me faça me arrepender ainda mais desta decisão. —
Ela faz uma careta e o pessoal só ri ao lado.
— Prado vai sarar da perna e ficar louca, tendo que aguentar
o Dutra — Santos brinca.
— Alguém que me entende — ela devolve com um sorriso
no rosto.
— Como é bom estar cercado de amigos — o sargento
resmunga.
— Carol, se serve de algo, só me ligar, que vou lá te
resgatar, e podemos nos afundar em potes gigantes de sorvete. —
Dou uma piscadinha.
— Eu ouvi sorvete? — Lau entra na zoeira. — Não me
deixem de fora.
— Obrigada, gente… obrigada a todos vocês.
Seu olhar de repente está nos seus companheiros.
— Vocês me salvaram. — Sua voz embarga e fica difícil
segurar a emoção.
— Só para te deixar com o Dutra, puta tempo perdido —
Gustavo zoa, e não há quem não caia na risada. Há um, na
verdade, o sargento que neste exato momento responde mostrando
o dedo do meio.
Homens e suas brincadeiras.
Quanto a mim, eu só consigo pensar em como vai ser
divertido ver a queda, do bombeiro mais mulherengo do 21º
grupamento, mas por ora, eu só quero ir para casa e não perder
mais tempo nenhum.
Quero me certificar de falar e mostrar para o Gustavo o
quanto eu o amo, cada pedacinho dele.
Porque o dia de hoje foi mais um lembrete.
De como a vida é frágil.
De como tudo pode mudar numa fração de segundos.
Que às vezes, alguém querido sai para trabalhar e pode não
voltar.
Que nós temos que viver a vida como se todo dia fosse o
último.
Com intensidade… e sem medo de se entregar.
Sem medo de amar.
¨
— Você deve estar faminto — digo, assim que pisamos no
apartamento. — Vou arrumar algo, enquanto você toma banho —
disparo a falar, mas sou surpreendida com ele me pegando no colo.
— Gustavo…
— O que acha de me ajudar no chuveiro? — questiona,
deixando uma trilha de beijos no meu pescoço.
— Eu… — Não consigo pensar direito com sua língua me
provocando. — Tem certeza que não quer comer algo?
— Ah, eu quero sim… você.
— Você é um safado — devolvo, não contendo o sorriso.
— Prefiro o termo sincero, afinal, a única coisa que eu
preciso no momento… é você. — Sua língua traça meu lábio inferior
e eu agarro seus cabelos, precisando mais da sua boca, mais dele.
— Quem precisa de comida… — Mordisco de leve seu lábio,
só para, então, passar minha língua.
— Porra, sim — vibra, fazendo seu caminho para o banheiro.
Graças a Deus, são poucos passos até a suíte.
Minha calcinha já está ensopada e nem começamos a
brincar.
Com cuidado, me coloca no chão.
— Como você não pode ficar muito tempo em pé, hoje vai
ser um pouco diferente — começa e fico curiosa.
— Diferente?
— Aham, consegue tirar a roupa?
Respondo puxando meu vestido por cima da cabeça. Em
segundos, estou apenas de calcinha e sutiã na sua frente e o olhar
que recebo só faz a inundação ao sul aumentar.
— Como você consegue ser tão gostosa? — rosna no meu
ouvido, provocando com o indicador o bico do meu seio sobre o fino
tecido da lingerie.
— Você ainda está com muita roupa. Não é justo — reclamo,
tentando abrir seu uniforme.
— Deixa comigo, linda. — Se livra de tudo em questão de
segundos.
— Uau, você realmente é rápido.
— Quem está com muita roupa agora? — Agarra meus
seios, sentindo o peso.
— Eles estão sensíveis.
— Dói? — questiona, preocupado.
— Não, só… hummm — gemo, conforme ele afasta a renda
e passa a circular o bico com a língua. — Gustavo…
Libera meu seio e desce pela minha barriga, parando o rosto
na frente da minha calcinha.
Misericórdia.
— Gustavo — chamo, mas me ignora, segura o tecido pelas
laterais e desliza pelas minhas coxas.
Minha boceta está livre, nua, brilhando da minha excitação e
a alguns centímetros do seu rosto.
— Meu pau parece a ponto de explodir, só de olhar para esta
boceta melada — rosna, abrindo minhas dobras e provocando meu
clitóris com o polegar. — Senta na cadeira — comanda.
— Como?
— A cadeira, linda, você já está há muito tempo em pé, não
podemos abusar.
Ele tem razão, distraída, esqueci tudo.
Faço como pede.
— Agora quero que fique se tocando, esfrega esta boceta,
enfia seus dedos nela enquanto eu tiro essa sujeira de mim. — Ele
entra sob a ducha e não sei se faço o que pediu, ou se fico
admirando seu corpo molhado.
A verdade é que estou morrendo de vergonha.
Me ajeito na cadeira, fecho os olhos e faço como pede, me
abro e começo a me tocar, mas na minha cabeça, são seus dedos e
não os meus.
Minha respiração acelera, meu peito sobe e desce.
— Puta merda, que visão do caralho.
Abro os olhos, só para encontrá-lo se masturbando, a mão
subindo e descendo sobre seu pau grande e grosso e,
inconscientemente, lambo os lábios.
— Valentina… — ele geme.
— Você vai demorar muito? — Intensifico o movimento dos
meus dedos.
— O que você quer, pirralha?
— Você… só você.
Com extrema facilidade, ele puxa a minha cadeira para baixo
da água.
— Vou cuidar de você, linda.
E ele cuida.
Com as mãos ágeis, passa a ensaboar cada pedacinho meu.
Meus braços, meus seios, levando mais tempo do que necessário
aí, o que eu agradeço. Vai para os meus pés, coxas, subindo… até
que seus dedos estão onde estavam os meus.
— Gustavo… — arfo, a ponto de derreter sob seu toque.
— Tão linda, tão gostosa…
— Já estou limpa — resmungo. — Quero você, por favor —
gemo, precisando que esta tortura acabe.
Me tira da cadeira, puxando nossos corpos sob o jato de
água morna.
Fecho os olhos, apreciando o contato do seu corpo no meu.
— Você sabe que isso não foi justo, né?
— O quê?
— Você me deu banho, mas eu só pude ficar olhando. —
Faço biquinho.
— Quando você estiver totalmente recuperada, deixo você
me ajudar sempre que quiser, o que acha?
— O mínimo! — devolvo, sorrindo. — Agora me leva logo
para cama, quero você em mim.
— Alguém está com pressa.
— Para de me torturar, você disse…
— O que eu disse?
— Disse… — começo, mas travo, com vergonha de repetir.
O infeliz continua esperando.
— Você disse que só ia se enterrar em mim quando… —
Gesticulo entre nós dois.
— Quando? — pergunta, sério.
— Ah… você sabe muito bem! — quase grito.
— Quando não houvesse mais sombra de dúvida no seu
coração, do quanto eu te quero… — ele repete a fala e engulo em
seco.
— Não. Há. Mais… — Friso cada palavra, com o coração
acelerado.
Desliga o chuveiro, o olhar em mim.
Não diz nada.
Me ergue como se eu não pesasse nada.
Alguns passos e estamos no quarto, ele me deposita no
centro da cama, pairando seu corpo sobre o meu.
— Sabe o que mais eu lembro deste dia? — pergunta,
mordiscando minha orelha para, logo em seguida, passar sua
língua.
Balanço a cabeça em negativa.
Seu olhar faminto passeia por mim, indo mais ao sul.
Oh, Deus!
— Você disse que ama oral. — Sua língua serpenteia
próximo do meu umbigo. — Lembra o que eu te respondi?
— Gustavo… — arfo, agarrando o lençol.
— Fala para mim, linda.
— Você disse que… — Pauso, observando sua boca pairar
sobre a minha boceta. Céus, posso sentir sua respiração. — Que
adora me chupar — completo e ele dá um sorrisinho safado.
— Porra, sim. — Sem aviso, separa minhas dobras,
abocanha meu clitóris e passa a fazer exatamente isso.
Me chupa, suga, mordisca, como se sua vida dependesse
disso.
— Caralho… — gemo, jogando a cabeça para trás.
O homem simplesmente não para. Está determinado a me
fazer gozar em tempo recorde.
Não é possível.
Sua língua e seus dedos parecem estar em todos os
lugares.
— Você gosta, linda? — questiona, agarrando minha bunda,
puxando minha boceta de encontro ao seu rosto, enquanto sua
língua me provoca, subindo e descendo, antes de voltar a torturar
meu ponto sensível.
— Você está me matando — resmungo e sei que ele está
rindo.
— De prazer, apenas de prazer. — O que você quer? Fala
que eu te dou — questiona ao mesmo tempo em que mete seus
dedos em mim, tocando exatamente no ponto certo.
— Vou gozar — aviso, quase num grito.
O infeliz intensifica a pressão e não há como resistir.
Não quando o orgasmo vem feito uma onda forte.
Inclemente, pedindo passagem, levando tudo consigo.
No caso, minha alma.
— Você… eu preciso de você.
— Porra, Valentina, não tenho camisinha aqui.
— Acho que o risco de gravidez está descartado — brinco,
olhando para a minha barriga saliente.
— Só você mesmo. — Beija minha testa. — Tem certeza?
Se eu tenho?
Sim… eu confio nele.
Ele é meu e eu sou dele.
— Meus exames estão limpos. — Mordo os lábios. — E só
estive com você… num bom tempo — reconheço, não precisando
dar muitos detalhes para não me humilhar.
— Eu também, não houve mais ninguém, não desde que
você entrou no meu batalhão e virou minha vida do avesso.
— Não acredito nisso — murmuro.
— Acredite, você foi meu maior caso de bola azul.
Sei que não deveria sorrir, mas não consigo evitar.
— Precisamos resolver isso, então.
Olho para baixo, só para observar o momento em que
Gustavo esfrega seu pau nas minhas dobras.
— Tão molhada…
— Por favor…
Ele trinca os dentes e movimenta o corpo na minha direção,
me abrindo, me enchendo, se enterrando dentro de mim.
— Sim…
— Porra, isto é bom pra caralho.
— Me fode… forte.
— Lembre-se que foi você quem pediu — rosna, se
afastando devagar, só para voltar todo caminho.
Nem parece que gozei alguns minutos atrás.
Cada movimento parece roçar em milhares de terminações
nervosas.
— Não está te machucando? — pergunta, não sei se
preocupado com a perna ou com a gravidez.
— Não, vai machucar se você parar — gemo, tentando
mover meu quadril ao seu encontro.
Ele sorri, firmando sua mão ali, me mantendo sob seu
ataque, então passa a me foder rápido, duro, entrando e saindo sem
descanso.
— Sim, sim…
No quarto apenas o som dos nossos corpos batendo e dos
meus gemidos. Gustavo leva a mão entre nossos corpos e passa a
provocar meu clitóris sensível. Fecho os olhos e agarro o lençol,
querendo que dure, mas prazer constrói rápido em mim.
— Não vou durar — resmungo.
— Goza para mim, Valentina, goza para mim, pirralha —
comanda, sem diminuir o ritmo.
Cada estocada me deixa mais perto.
Minhas coxas começam a tremer.
— Vem, linda, deixa vir…
— Ahhh… — grito quando o prazer rasga por mim.
— Isso, ordenha meu pau! — rosna, bombeando sem parar,
enquanto gemo, enlouquecida.
O homem é minha perdição.
— Minha — grita, gozando, me marcando como sua, e cada
célula feminista abandona meu corpo neste momento.
Porque, sim… sua… é exatamente o que eu quero ser.
Porque ele… ele é meu.

Desperto com uma sensação estranha.


Abro os olhos, só para descobrir duas coisas: 1) que já deve
ser tarde, a dizer pela claridade que inunda o quarto. 2) Gustavo
está com o rosto enfiado no meio dos meus cabelos, a mão apoiada
na minha cintura.
Fecho os olhos, aproveitando mais um pouquinho o
momento, quanto sinto de novo.
Mas o quê?
Me mexo, virando de barriga para cima.
Será?
De novo.
Oh, meu Deus!
Coloco minha mão sobre a minha barriga e fico imóvel.
Então eu sinto o movimento.
Minha filha.
— Oi, meu amor, bom dia para você — falo, a voz carregada
de emoção.
— Hum… — ele resmunga ao meu lado, e me apresso a
acordá-lo.
— Gustavo — chamo baixinho, para não o assustar.
— Bom dia, linda.
— Me dá sua mão — peço, já puxando-a na minha direção.
— O que houve? — questiona, mais desperto.
— Aqui! — Apoio exatamente no mesmo lugar.
— Você está bem?
— Xi… espera.
Então acontece de novo, desta vez mais forte.
— Isso é o que estou pensando? — Arregala os olhos.
— Sim! — quase grito, tamanha minha empolgação.
— De novo — ele comenta, apoiando a outra mão, sorrindo
feito bobo. — Oi, meu amor, aqui é o papai.
Como que respondendo, minha barriga pulsa. Olho na sua
direção e ele não diz nada. Lágrimas escorrem pelo seu rosto, e eu
as seco com o polegar.
— É a nossa menininha…
— Nossa — fala devagar, parecendo saborear as palavras.
— Obrigado por não desistir de mim, linda. Você e a Giovanna são
meu mundo. — Roça seus lábios nos meus.
— E você, o nosso — devolvo.
Gustavo se mexe, e numa fração de segundos, estou presa
entre seus braços.
— Alguém acordou animado? — brinco, mas ele continua
sério, me fitando com tanta intensidade que começo a achar que há
algo errado.
— O que houve?
— Casa comigo? — dispara e, por uns segundos, acho que
escutei errado.
— Como assim?
— Casa comigo, linda?
— Gustavo… — Não sei o que dizer, meu coração bate
descompassado no peito.
— Eu sei que não é nenhuma superprodução, jantar ou
viagem romântica, somos apenas eu e você, na nossa casa, mas
droga, eu não aguento mais guardar isso dentro de mim. Quando eu
disse para sua mãe que estava só esperando você me perdoar, não
menti.
Oh, meu Deus, isto está realmente acontecendo? Tento
manter a emoção sob controle, mas está difícil.
— Eu quero tudo com você, Valentina Fonseca Bianchi. Eu
quero encher o peito para falar, essa é a minha mulher, minha
esposa, a mãe dos meus filhos.
— Filhos?
— Sério que você só focou nisso? E o nosso time de
futebol? — Arqueia a sobrancelha.
— Você perdeu o juízo, é isso.
— Não sou bom com palavras — continua. — Eu ensaiei
isso umas mil vezes, nos últimos meses, mas nada parece o
suficiente.
Acaricio o seu rosto.
— Podemos pensar nisso depois.
— Você tem dúvidas?
— Nenhuma! — respondo de pronto, o coração quase
transbordando de felicidade.
— Eu também não. Eu tentei resistir, tentei seguir um
caminho diferente, mas a vida… ela sempre me levou até você, me
empurrou na sua direção, porque você era para você ser minha,
porque eu… eu sou seu, pirralha. — Mordo os lábios, tentando
conter o choro. — Você tinha só dez anos, mas me acolheu, tornou
a vida de um moleque de quinze anos, numa cidade nova, um
inferno mais fácil, você me fez rir… me conquistou com suas
incríveis habilidades no Guitar Hero. — Ele pisca e eu sorrio com a
lembrança. — E sepultou de vez o seu lugar no meu coração,
quando me deu aquela camisa do Metallica — brinca —, aquela que
você descobriu que eu guardo até hoje.
— Eu… — tento falar algo, mas ele coloca o indicador sobre
meus lábios e eu assinto, deixando-o falar tudo que quiser.
— Foi preciso o acaso, ou uma tia-avó fofoqueira, para
colocar você no meu caminho pra valer, na garupa da minha moto,
nos meus braços, e de vez no meu coração. Eu juro que tentei lutar
contra tudo isso, tive medo, fui cabeça-dura, fiz merda, quase te
perdi… — Uma lágrima escorre pelo meu rosto, e nem me importo
em secá-la, sou um caso perdido. — E, desde então, eu não
consigo pensar em mais nada, que não seja passar todos os dias da
minha vida com você, te provando o quanto eu te amo, o quanto eu
sou perdido sem você. — Sua voz falha e um soluço sacode meu
corpo.
— São os hormônios, juro que não sou tão chorona assim…
— Faço uma careta e ele ri. — Para quem é ruim com palavras,
você realmente fez um bom trabalho.
— Casa comigo, pirralha… aceita ser minha mulher, a mãe
dos meus filhos, a minha parceira, aquela que vai dividir minhas
vitórias e derrotas, aceita construir um futuro comigo, o nosso,
porque eu não consigo pensar em ninguém mais perfeito, do que
você: a menina-mulher que conquistou meu coração.
— Caramba, qualquer coisa que eu disser, vai ser fichinha
perto disso — brinco.
— Diz, sim… diz que me ama e que me aceita, com todas as
minhas falhas, que não são muitas, claro — brinca, dando uma
piscadinha.
— Sim. Sim. Sim. Mil vez sim. — Agarro seu rosto. — E, sim,
eu amo você — começo, a voz embargada. — Amo a forma como
você me abraça dormindo e me faz sentir a mulher mais feliz deste
mundo, amo os barulhos que você faz quando está capotado depois
de um dia de trabalho, amo acordar e sentir seu rosto enfiado nos
meus cabelos, amo a forma como você me faz rir, amo a forma
como você faz meu peito se agitar só de estar ao meu lado e, ainda
assim, é a minha tranquilidade, meu porto-seguro, amo saber que
você será o pai da minha filha, porque nunca poderia pensar em
ninguém mais perfeito que você, amo o quanto você me faz sentir
viva a cada toque, a cada beijo, amo ser amada por você, amo você
inteiro. Gustavo dos Santos Correia, o meu mês janeiro, o meu
calendário inteiro. Sempre foi você… sempre.
Numa fração de segundos, sua boca está na minha,
explorando, selando o nosso compromisso, o nosso amor.
— Promete que nunca mais vai me assustar igual ontem?
Tipo, te ver pendurado numa corda, desbloqueou sérios medos de
altura.
Ele ri.
— Estou falando sério. — Tento soar brava.
— Prometo fazer o impossível, para sempre voltar para casa,
para você… vocês. — Beija minha barriga. — Porque não há lugar
no mundo onde eu seja mais feliz que nos seus braços.
— Ok, é uma boa resposta. Vou deixar passar, por ora.
Volta a rir e eu me pego sorrindo também.
— Te amo, pirralha.
— Te amo, Guto.
— Agora que você disse sim — afasta uma mecha de cabelo
do meu rosto —, o que acha de fazermos uma chamada de vídeo
com seu irmão e dar a boa notícia?
— Ligar pro Enzo? Tipo, agora?
— Ele quase arrancou minhas bolas, por ser o último a saber
sobre nós e o bebê… não quero correr mais nenhum risco —
devolve e nem tento segurar a risada.
— Eu topo, não podemos correr risco algum. — Olho na
direção das suas joias e pisco. — E já que estamos falando de
avisos, acho que teremos sérios problemas para escolher os
padrinhos.
— Problemas?
— Aham… — começo. — Claro que eu quero a Lau, você
pode chamar meu irmão, é o mínimo fazê-lo gastar uns dólares e vir
nos visitar — brinco.
— Ainda não vi o problema?
— Amo todos do batalhão, mas eu queria muito chamar o
Dutra e a Carol. — Dou uma piscadinha. — Eu adoro eles e, sei
lá… quem sabe, isso seja o empurrão que eles precisam… foi o
nosso!
— Já disse o quanto você é inteligente e terrível, hoje?
— Hoje? Não.
— Você é…
— E você me ama, mesmo assim.
— Muito! — Roça seus lábios nos meus. — Se bem conheço
a Prado, ela deve estar enlouquecendo lá, então, acho que
podemos passar mais tarde para checar como estão, e dar a notícia,
o que acha?
— Ótima ideia!
— E quanto ao problema?
— Não faço a mínima ideia de quem podemos chamar, para
fecharmos o número de padrinhos. — Faço uma careta e Gustavo
mordisca meu queixo.
— Acho que isso pode ser resolvido depois, no momento
temos problemas mais sérios.
— Temos?
— Aham… — Abaixa o lençol, expondo meus seios. — Eu li
em alguma revista que a gravidez faz aumentar o tesão, muito… —
Sua língua, circula o bico e mordo os lábios. — E não posso deixar
minha mulher com vontade.
— Hummm.
— O que você tem a me dizer, futura sra. Correia? —
questiona, pairando a poucos centímetros da minha boca.
Sra. Correia, eu gosto de como isso soa.
— Que você leu certo, muito certo! — retruco, puxando seu
rosto junto ao meu, unindo nossas bocas, num beijo faminto,
necessitado e intenso, como tudo entre nós.
FIM.
“Amor é quando o acaso vira destino.
Que o nosso acaso se transforme no
destino mais belo e cheio de
felicidade. Eu amo, você. – Autoria
desconhecida “o Pensador”

Photograph – Ed. Sheeran


Still Falling for you – Ellie Goulding
Heaven – Boyce Avenue & Megan Nicole
Três meses depois – junho de 2024
— Caramba, Valentina.
— Eu sei, estou imensa e horrorosa. — Parece realmente
preocupada.
— Eu ia dizer, gostosa pra caralho.
— Você está dizendo isso só porque é meu marido. — Faz
careta.
A abraço, puxando seu corpo junto do meu.
— Estou dizendo isso porque é a mais pura verdade —
sussurro na sua orelha. — E já estou fazendo planos envolvendo
você fora deste monte de pano e deitada toda aberta na cama, só
para mim.
— Gustavo, se comporte. — Ela ri. — Sério que estou bem?
Ergo os dedos num juramento e seu sorriso aumenta.
Valentina está com trinta e oito semanas, o que significa que
nossa filha pode chegar a qualquer momento.
Por mim, nem íamos a este baile, mas ela insistiu muito, e
reconheço que estou curioso, para ver o resultado do Calendário do
21º grupamento para o ano de 2025.
Se o do anterior foi um indício, este também estará foda.
— Só preciso colocar meus brincos e já estou pronta.
— Tome seu tempo, linda. Estarei na varanda, estou
derretendo com essa roupa.
— Terno, e você está muito gostoso, melhor ficar longe
mesmo, senão não me responsabilizo por chegarmos atrasados.
A gargalhada que solto deve ter sido ouvida pelos vizinhos,
mas quem liga?
— Posso ficar?
— Fora… vai, esses hormônios estão acabando comigo.
Tenho que aguentar até o fim da festa. — Dá uma piscadinha e faço
meu caminho em direção à sala pra lá de espaçosa.
Muita coisa aconteceu nos últimos meses.
Compramos um apartamento maior, entrega no final do ano,
e lá teremos mais espaço, por ora, continuamos no meu
apartamento e o antigo escritório/quarto da bagunça virou o quarto
da Gio. Está tudo lindo. Valentina fez tudo sozinha e cada cantinho
tem seu toque.
Ah, contamos para todo mundo que íamos nos casar.
Enzo foi o primeiro a saber e teve a cara de pau de dizer que
“sempre soube que isso iria acontecer” e algo como “Valentina
sempre foi louca por você”. Nessa parte, sua irmã quase o matou
com o olhar, e eu… apenas o agradeci por ter insistido tanto no
lance de namoro de mentira e ainda acho que preciso visitar a tia-
avó da Nina e agradecer pessoalmente.
Resolvemos o problema com os padrinhos, chamamos todos
do batalhão.
Dutra e Prado, já estava certo; assim como o Carvalho e sua
esposa. Santos entrou com sua esposa, Mendonça levou a
namorada de longa data; e o Melo, ah, o cabo entrou com a sócia
da Nina, a tal de Bia.
No fim, deu tudo certo.
Casamos mês passado, em maio.
Praticamente, dois meses depois do meu pedido nada
chique.
O casório também foi simples. Exigência da Valentina.
Ela não queria nada elaborado e disse que se recusava a
casar quando não estivesse mais vendo seus pés.
Foi a noiva mais linda.
E só de me lembrar dela chegando de braço dado com seu
pai, fico emocionado.
Casamos numa chácara em Araçoiaba da Serra, cidade
vizinha, numa cerimônia íntima, no pôr do sol. Não havia muitos
convidados, apenas amigos, família, quem realmente importa.
Enzo veio do Canadá, ele não perderia o casamento da
irmãzinha por nada. Minha mãe veio de São Paulo com seu
namorado e foi bom ter toda a família reunida. Fazia anos que meus
pais não ficavam sob o mesmo teto, e vê-los bem, felizes, e
conversando… fez este momento ainda mais especial, para mim.
Sinto seu perfume e sei que está na sala.
— Estou pronta, desculpe a demora. — Me viro para
encontrá-la ajeitando o cabelo.
Absolutamente maravilhosa.
Minha mulher.
— Tem certeza que precisamos ir?
— Sim — retruca rindo, e então acaricia a barriga. — Já
conversei com nossa mocinha, e falei para esperar mais um pouco
no forninho, que a mamãe e papai têm uma festa importante para ir.
— Conversou?
— Claro, você sabe que ela escuta tudo.
Eu sei.
Tenho lido muito sobre gravidez e bebês. Quero estar
preparado.
Quero ser um bom pai.
E li que eles reconhecem a nossa voz. Se for verdade, a voz
do papai ela está até cansada de ouvir.
Converso todas as noites com ela.
— Ela deve estar achando que é só festa por aqui.
Faz uma careta.
— Acredito que nossos próximos meses serão mais
tranquilos, sem festas, em casa, apenas curtindo ela. — Seu olhar
fica marejado.
— E eu não poderia estar mais animado e ansioso — friso,
segurando seu rosto em minhas mãos, roçando meus lábios nos
seus.
— Vamos, linda.
— Vamos.

Chegamos ao centro de eventos às vinte horas. E parece


loucura pensar em quanto as coisas mudaram desde a última vez
que estive aqui.
Grávida, casada… feliz.
Quem diria.
— A dizer pelo estacionamento, o local já está cheio —
Gustavo comenta ao meu lado, a mão apoiada no final das minhas
costas.
— O outro calendário foi um sucesso, já era esperado que
este atraísse mais atenção.
— Esperemos que atraia também bastante dinheiro, o
hospital certamente precisa.
— Com certeza! Que venham muitas doações.
Dentro tudo está finamente decorado e me atrevo a dizer
que até organizaram melhor a disposição das mesas.
Lau está feliz que desta vez não há um palco, mas apenas
um pequeno púlpito, onde a cerimonialista em breve deve começar
seu discurso.
Falando nela…
— Onde o pessoal está?
Gustavo está com o celular na mão, a ponto de mandar uma
mensagem para alguém, quando eu os vejo.
— Ali — gesticulo, apontando o local.
Laura, Cadu e a ursinha que parece uma princesa num
vestido cheio de tule.
Linda.
Melo e… espera um minuto.
— É a Bia, ali?
— Parece que sim.
— A safada nem me contou nada.
— Às vezes, estão só se conhecendo. — Faz uma careta.
— Aham, claro. E agora eu acredito no Papai Noel, também?
Ele ri.
— Você é demais, pirralha.
— Seu amigo está pegando a minha sócia, Gustavo. É bom
que ele não a machuque e interfira nos meus negócios.
— Tô ferrado.
— Engraçadinho.
Continuamos a nos aproximar e vejo que Mendonça veio
com a namorada, céus, qual é o nome dela mesmo? Ah, lembrei,
Gisele. Isso, Gi. Uma fofa.
Santos está com a mulher, que é outra maravilhosa, Daniela.
Nossa, não vejo a hora de nos mudarmos para o
apartamento novo, e fazer um churras de inauguração, com todos.
E, por fim, Dutra, muito elegante, e Carol, matadora num
vestido azul-marinho, que deveria ser proibido e, finalmente, livre do
gesso.
Eles insistem que não estão juntos, mas é só olhar para eles
para saber que tem algo muito errado nesta declaração.
Enfim…
A família do 21º grupamento.
— Ora, ora… se não é o mais novo sargento deste
grupamento — Dutra cumprimenta o Gustavo e meu peito falta
explodir de orgulho.
Sim, ele não é mais cabo.
Nos últimos meses, ele retomou os estudos, foram muitas
noites acordado até de madrugada, ele se dedicou, ajudei como
pude, fazendo perguntas, incentivando, o motivando, e ele
conseguiu.
Semana passada, saiu o resultado.
Sargento Correia.
— Boa noite, sargento Dutra — ele aceita o cumprimento.
— Sargento Correia.
— Meu Deus, a quinta série não sai de você, Felipe — Prado
zoa e todos caem na risada.
— Ela fala isso, mas ela gosta. — Trocam um olhar, que
senhores e senhoras, alguém chama o bombeiro.
Pigarreio, atraindo a atenção de todos.
— Alguém já foi ver nossos modelos?
— Estávamos esperando vocês chegarem.
— A espera acabou então, vamos que estou ansiosa.
Uma forte pressão no baixo ventre me faz parar no lugar.
— Valentina… — Na mesma hora, Gustavo está ao meu
lado. — Tudo bem?
— Sim, acho que só preciso ir no banheiro, do contrário,
grandes riscos de eu fazer xixi nas calças.
— Mãe, por que a tia Nina vai fazer xixi nas calças? — Manu
pergunta baixinho, mas eu escuto e quase realmente faço, de rir.
Lau me dá um olhar mortal e pedimos mais um minutinho
para o pessoal.
— Já voltamos, gente, só uma paradinha no banheiro e
vamos ver a exposição — ela sinaliza e eu agradeço.
Gustavo acompanha eu me afastar com minha amiga e a
ursinha, com um olhar preocupado.
Homens…
É só a bexiga cheia.
— Tudo certo, aí?
— Tudo — tranquilizo, depois de usar o banheiro.
— Tia Nina, você conseguiu segurar?
Oh, meu Deus!
— Sim, Manu, consegui — respondo, chocada com sua
preocupação. Tão fofa.
— Que bom. A minha amiguinha, a Luísa, outro dia nós
estávamos brincando no parquinho de areia e… não deu tempo, ela
chorou, mas não precisa chorar, às vezes acontece. — Dá de
ombros.
— Isso aí, não precisa chorar. Assim que começar a ficar
com vontade, tem que ir, né, Manu? — Laura questiona e ela
assente.
Ai, Deus…
Pelo menos, desfralde não é uma preocupação minha agora,
só as fraldas, pelos próximos anos.
— Vamos?
— Vamos que não aguento mais de curiosidade.
Voltamos até o pessoal e estamos prontos para ir até a área
da exposição, quando percebemos que está fechada, ainda não
abriu.
Mas que droga.
— Boa noite, senhores e senhoras — uma mulher começa a
falar no púlpito, atraindo a atenção de todos. — Em nome da
prefeitura de Sorocaba, do corpo de bombeiros… — Elenca todos
os patrocinadores, e fico chocada com a quantidade de apoio. —
Quero agradecer a presença de todos e, principalmente, as doações
que estamos recebendo, desde que iniciamos o evento.
Resolvemos repetir este projeto, não só pelo grande sucesso de
vendas que foi o calendário anterior, mas principalmente porque é
uma forma de divulgar o trabalho destes homens e mulheres
incríveis, que todos os dias se arriscam em prol da sociedade. Aqui
estão os bombeiros do 21º grupamento, mas eles certamente
representam muitos outros por aí. Guerreiros, lutadores, nossos
heróis. E sem mais delongas, eu declaro aberta a exposição
“Bombeiros verdadeiros heróis” e a venda do calendário 2025.
Uma salva de palmas explode.
Caramba, até arrepiei.
E nem tenho tempo de me recuperar.
Atrás dela uma tela gigante ganha vida.
— Meu Deus…
— Eu falei que tinha surpresa — Lau sussurra ao meu lado.
Um filme, uma montagem, sei lá o que é isso, mostrando o
batalhão, eles descontraídos, conversando, fazendo a checagem
dos caminhões, mangueiras, a rotina deles… e então a sirene toca,
a música de fundo fica agitada e logo eles surgem, vestindo os
uniformes com rapidez, correndo em direção aos veículos, uma
corrida contra o tempo.
A edição está a coisa mais perfeita.
Logo surgem imagens de ocorrências diversas, incêndios,
resgates no trânsito, enchentes… crianças, famílias reunidas,
salvas.
Todos estão em silêncio.
É chocante e emocionante demais ver o quanto eles, e
tantos outros, de dedicam, se doam todos os dias e, no final, a
mensagem, reforçando o nome do projeto e o que eles são. Heróis.
Minha maquiagem já era.
Que droga.
Gustavo me puxa para junto de si e mordo os lábios,
tentando me controlar.
Uma nova salva de palmas explode e eu estou tão, tão
chocada.
O vídeo acaba e aí, surge a chamada promocional do
calendário. Mostrando os bastidores, as zoeiras… e o resultado.
— Caramba, Lau, você se superou, amiga.
Cada foto, cada momento registrado, está absolutamente
perfeito.
Não é só sobre homem bonito sem camisa. Cada foto
transmite emoção. Não parece que foram poses pré-feitas, foi…
— Foi espontâneo, se é o que você está pensando. Eles
sabiam que estávamos lá, mas depois de um tempo, esqueceram.
Foram as melhores fotos. Foi até difícil escolher — minha amiga
comenta ao meu lado e vejo lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
— Você é maravilhosa.
— Não sei quanto a vocês, mas eu já vou garantir alguns
calendários, da última vez, dona Marlene quase me matou — Cadu
brinca e todos sorriem.
— Vocês estão todos incríveis — comento, mirando cada
um. — Muito mesmo.
— E aí, Dutra, a agenda vai ficar lotada agora! — Santos
zoa e toda atenção está nele, aguardando sua típica piadinha de
pegador, mas ela não vem.
— Minha agenda já está fechada, cara. Na verdade, ela já
tem dona — retruca e Prado fica tensa ao seu lado.
— Eita, que eu não achei que fosse viver para ouvir isso —
Gustavo tem que provocar, senão, não seria ele.
— Sei que estamos todos chocados com esta informação —
o subtenente brinca e também dá uma alfinetada no pobre sargento
—, mas o que acham de irmos comemorar, 21º grupamento?
— Vamos!!! — gritam… e o baile está apenas começando.
Uma hora depois, estou esgotada e olha que fiquei a maior
parte do tempo sentada. Não adianta, meus pés estão inchados.
Tente imaginar uma bisnaguinha gigante, é isso.
Lau puxa a cadeira ao meu lado. Cadu e Manu estão
dançando na pista e é a coisa mais linda de se ver.
— Gustavo?
— Consegui que parasse de bancar a babá e fosse
conversar um pouco com o pessoal. — Pisco. — Na volta, ele me
traz mais água. Quem diria que nossos maridos estariam sendo
expostos aqui, para todo mundo olhar — disparo, observando de
longe toda atenção em torno das fotos gigantes.
—Tudo pela arte, não é mesmo?
— Você nunca vai me deixar esquecer isso?
— Nem por um segundo — retruca, mal contendo a risada.
— Bem, pelo menos no final do dia, é a gente que aproveita
todo o material.
— Com certeza! Mudando totalmente de assunto, como você
está? — questiona, olhando meu barrigão.
— A ponto de explodir, mas bem.
— Logo ela estará no seu colo, te olhando, dá para acreditar
nisso?
— Parece que voou, Lau, ela nem nasceu e sinto que vou
sentir falta dela se mexendo na minha barriga.
— Nossa, não consigo nem imaginar como deve ser a
sensação.
— Logo será você, amiga — brinco, me lembrando do seu
discurso sobre “se Deus enviar”.
— Acho que tem razão — retruca, me dando um sorriso
bobo.
Me ajeito na cadeira.
Será que ouvi certo?
— Você está querendo dizer… — Meus olhos devem ter
ficado do tamanho de pratos, e seu sorriso aumenta. — Lau…—
Levo as mãos à boca.
— Sim, você vai ser titia — sussurra para mim, e não perco
tempo, a abraço forte.
Meu Deus, que emoção.
— Nada de titia, só aceito ser dinda — brinco, secando as
lágrimas que escorrem pelo meu rosto.
— Dinda será…
— Você ouviu, Gio? Você vai ganhar uma amiguinha ou
amiguinho. Ai, meu Deus, não creio.
— Creia…
— Já está tudo confirmado?
— Tudo, estou só esperando passar mais algumas semanas
para avisar todo mundo, mas não conseguia guardar mais este
segredo de você.
— Vou guardar esta informação comigo, por mais que eu
queira gritar para o mundo… de tanta felicidade.
— Sem gritaria — ela brinca e caímos na risada.
— Estou muito feliz por você, Lau, pela família linda que
você tem e que vai aumentar.
— Obrigada, Nina, eu também estou por você, muito.
Me levanto para pegar minha bolsa, que está pendurada
numa cadeira um pouco mais distante.
Pego um lencinho e começo a secar, com cuidado, o rosto.
— Tudo bem por aqui? — Gustavo questiona, me olhando
com atenção.
— Tudo ótimo, só a Lau me fazendo chorar, de novo. Poxa,
achei que já tinha dado por hoje.
De repente, sinto uma pontada forte de novo na bexiga e
quando percebo, estou toda encharcada.
— Oh, meu Deus. — Vejo uma poça enorme nos meus pés.
— Odeio avisar, mas acho que sua bolsa estourou, amiga,
separa os lencinhos, porque certeza que vem muito choro pela
frente… da mais pura felicidade.
— Ou dor?
— Foque no positivo.
Olho para Gustavo e ele está me olhando em choque.
Nem parece o bombeiro experiente.
— Gustavo, amor, acho que a festa acabou para a gente.
— Para vocês? Está louca que vou perder isso? Vou deixar
a Manu na dona Marlene e encontramos vocês lá— Lau avisa e vai
correndo na direção do Cadu.
​— Minha filha vai nascer — sussurra. — Minha filha vai
nascer.
— O que acha de nos levar para o hospital, hein? Não estou
a fim de ter esta criança no meio do baile — brinco, tentando
descontrair, mas uma contração chega forte, e me curvo, agarrando
o braço da cadeira. — Oh, Deus, isso dói.
— Hospital, sim…
Todo o pessoal se reúne ao nosso redor.
— Vou levá-la para o Hospital e Maternidade Santa Lucinda
— ele avisa, me pegando no colo.
Nem reclamo, porque dói tanto, que não conseguiria ir
andando.
— Encontramos vocês lá — Dutra fala.
— Não quero estragar o baile de vocês, aproveitem —
começo, mas outra contração me faz ficar muda.
— Não sei quanto a vocês, mas eu já vi as fotos e vídeo,
agora eu quero ver a minha sobrinha — Carol avisa, dando um
sorriso enorme.
Ah, meu coração.
— A criança nem nasceu e já ganhou um monte de tia e tio
babão, aguente, Nina — minha sócia fala e meu peito falta explodir
com tanto carinho.
— A família do 21º vai crescer! — Mendonça grita e todos
vibram.
Olho para este grupo, para essas pessoas maravilhosas, e
só consigo pensar: amo tanto vocês, mas sério, preciso ir para o
hospital… tipo, para ontem.
Gustavo percebe que estou com muita dor e com cuidado
me leva para o carro. O hospital fica a poucos quilômetros, mas
parece uma eternidade.
A cada contração, aperto a mão do Gustavo e ele não
reclama, tentando me tranquilizar que estamos chegando.
Quando finalmente estaciona, alívio me invade.
Gustavo deve ter cruzado todos os sinais vermelhos no
caminho, mas chegamos.
— Já avisei seus pais e os meus.
— Ok… — gemo.
Mal terminamos de fazer a ficha na recepção, as contrações
se intensificam, mais ritmadas e doloridas. Me curvo e uma
enfermeira chega com uma cadeira de rodas.
Obrigada.
Respira… inspira e expira.
Sou levada para um exame de toque e então chega a
informação esperada: trabalho de parto em andamento, seis
centímetros de dilatação.
É hoje!
Mal chegamos ao quarto, uma nova contração chega com
tudo.
— Puta merda — grito, agarrando a lateral da cama.
— A dra. Sandra está chegando, linda.
Gustavo massageia minha lombar, tentando ajudar.
A próxima hora passa num piscar de olhos, a doutora chega
e, de alguma forma, fico mais tranquila, afinal, é a médica que está
me acompanhando, eu confio nela.
As dores vêm em intervalos cada vez mais curtos. Perco a
noção de tudo. Só consigo pensar que a cada contração, estou mais
perto de conhecer o rostinho da minha filha.
É o que me move.
Vou para a banheira, na esperança de que a água quente
ajude.
Gustavo permanece todo tempo ao meu lado, me
confortando, me acalmando, segurando na minha mão.
— Ela está vindo, Valentina, na próxima contração, preciso
que você empurre — a médica avisa.
Aceno que sim, incapaz de falar.
— Estou aqui com você, amor — ele sussurra no meu
ouvido. — Te amo, tanto…
Fecho os olhos e me preparo.
Quando a dor chega, vem rasgando, agarro com força suas
mãos, cravando minhas unhas nele, e grito, grito alto, empurrando,
fazendo o que a médica pediu.
— Isso, Nina, isso, já estou vendo a cabeça.
— Eu não vou conseguir — murmuro, suor cobrindo minha
testa.
— Claro que vai, pirralha. — Beija minha mão e me olha com
tanto amor, tanta adoração. — Vamos, amor, só mais um pouco e
estaremos com a Gio em nossos braços.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto e respiro fundo.
— Vamos lá, empurre! — a médica comanda.
Obedeço.
— Ahhhh! — grito e então o chorinho mais lindo deste
mundo inunda a sala; meu coração erra uma batida.
— Sejam bem-vinda, mocinha! — anuncia a doutora,
entregando-a direto para mim, toda sujinha e ainda presa no cordão
umbilical.
— Oi, meu amor, sou eu, sua mamãe. — Minha voz está
embargada, mas ela reconhece. Para de chorar e fica me olhando.
— Seu papai está aqui também. — Lágrimas caem sem descanso,
mas o sorriso não deixa meu rosto.
Viro o rosto para o lado, e Gustavo está chorando
copiosamente, olhando para nós duas. Não consigo descrever o
mar de sentimentos que me assola.
—Meus amores — sussurra, beijando minha testa e a da
nossa filhota.
Nós nos entreolhamos e juntos dizemos:
— Seja bem-vinda, Giovanna Bianchi Correia.
Que Deus te abençoe e guarde hoje e sempre, pequena.
— Obrigada! — digo e atraio sua atenção. — Por me dar
meu melhor presente… eu… amo você, Guto!
Me fita com tanta intensidade, os olhos ainda marejados que
nem precisa dizer nada.
— Dizem que ninguém entra na vida de alguém por acaso,
mas sim, que é o nosso destino sendo moldado. Destino ou acaso…
eu não sei, só sei de uma coisa, o meu é você, você é o meu melhor
acaso, eu te amo, pirralha. Eu amo vocês.
FIM!

Acaso (s.m.)
É o que faz a gente se encontrar.
quando acontece o inesperado. é a
vida tentando fazer surpresa.
presente fora de época. é quando
eu esbarro contigo na fila do
cinema. é quando encontro sem
querer alguém que faz muita falta. é
o sorriso mais gostoso. é um show
da Florence + The Machine. o
melhor amigo de amantes que
moram longe. o pior inimigo do
destino.
A melhor forma de se apaixonar,
por acaso.
[João Doerderlein]
É isso!
Mais um livro…
E aquela sensação gostosa de dever cumprido!
Há tanto para agradecer!
Obrigada, Deus, por iluminar o meu caminho... e por acalmar
meu coração quando eu precisei.
Obrigada, Léo, pelo apoio continuo, por aguentar meus
surtos e conversas sobre personagens e enredos à meia-noite.
Obrigada por me acalmar e me fazer entender... que tudo bem,
continuar no outro dia.
Às minhas filhas, que ficam quietinhas (na medida do
possível), quando estou escrevendo… amo vocês!
Obrigada às minhas betas: Luana Dias (mais uma hein
Lu... espero que tenha curtido a surpresinha) e a recém-
chegada Bruna Renata. Obrigada pelo tempo, carinho, por lerem
algo cru e cheio de errinhos de português. Obrigada pelas dicas,
sugestões e principalmente pelos surtos. Vocês me fizeram
confiante que a história estava no rumo certo!
Obrigada à minha revisora, Barbara Pinheiro, pelo cuidado e
profissionalismo de sempre! 😊
Obrigada, Ariel @leiturasdaariel, por estar comigo, em
mais este lançamento! Obrigada por me incentivar (com seu jeitinho
todo peculiar e delicado de ser..., ok, talvez eu esteja forçando a
barra, no delicado...kkk). Brincadeiras, à parte, você é fantástica,
criativa... sempre preocupada em inovar, melhorar... não se deixe
abalar por críticas, só tem hater quem faz sucesso... e você faz
amiga! Tamo, junto!
Obrigada às minhas parceiras, por toparem este desafio
comigo! Eu juro, que toda vez fico com medo de não ter ninguém
inscrito e vocês sempre me surpreendem. Obrigada por não
largarem a minha mão. Vocês são demais!
Obrigada às minhas Ceciletes, um grupo de mulheres
MARAVILHOSAS, cada uma a sua maneira, desde as mais tímidas,
as mais extrovertidas, mulheres de vários cantos do Brasil, e de fora
também!!! Juntas, tagarelando, apoiando uma à outra. O grupo pode
até ter como objetivo inicial falar sobre os meus livros, mas vocês
criaram algo maior, uma rede de apoio, só nossa e que cresce a
cada dia. Saibam, que amo tagarelar com vocês, mesmo quando
não param de cobrar livros de personagens secundários... kkkk
Obrigada aos meus leitores queridos... Obrigada por não
soltarem a minha mão, por acolherem meus livros... e as histórias
que vão desde tiro, porrada e bomba, até romance fofinho...Sempre
digo e é verdade, sem vocês não há Cecília. Cada mensagem, cada
surto, direct… é o que me motiva a continuar, a escrever novas
histórias… amo vocês!!!
Obrigada a VOCÊ, que está lendo! Sim, você! Espero que
tenha curtido a história do Gustavo e Valentina… deixe sua
avaliação e recado, é importante para minha evolução e para que a
história chegue a outros leitores. Ahhh, e se gostou deste, veja
meus outros livros, quem sabe, algum outro pode te conquistar!
.
Um grande Beijo e até a próxima!

Cecília Turner .
Cecília Turner é o pseudônimo de uma advogada paulista.
Leitora voraz desde a adolescência, costumava ir até a casa
das tias buscar livros e mais livros para devorar, após a lição de
casa.
Hoje, casada, com duas filhas, continua devorando livro
atrás de livro.
A vontade de escrever surgiu há alguns anos.
Após quase quatro anos, conciliando a carreira, criação das
filhas, o maridão, pós-graduação e as inúmeras séries que adora
assistir, finalizou seu primeiro romance “Viciada em Você”, em 2021,
desde então não parou mais.
Gosta de criar histórias para deixar o coração quentinho e
garantir umas boas risadas.
Instagram: @ceciliaturner_autora
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Site:
www.ceciliaturner.com.br
Grupo zap:
https://chat.whatsapp.com/GCLoZTSSynC711X1EMSfZM
AGE GAP + PAI SOLO + SLOW BURN + BOMBEIRO
RANZINZA + MOCINHA INOCENTE + HOT
Carlos Eduardo Moreira de Carvalho, ou simplesmente
Cadu, vive para sua filha, Manuela e para o trabalho no 21º
grupamento do corpo de bombeiros de Sorocaba.
Com 39 anos, não está atrás de relacionamentos.
Quando quer, procura mulheres maduras, com o mesmo
interesse que o dele: Uma boa foda e nada mais.
Laura Alves Godoi, tem 24 anos e viveu praticamente a vida
inteira reclusa, por motivos de saúde.
Agora curada, o que mais quer, é viver, cada dia,
intensamente.
Um projeto de final de curso e uma ação solidária colocará
os dois, frente a frente:
Uma sessão de fotos: Um calendário com o corpo de
bombeiros mais quente da região.
Deveria ser simples, algumas fotos e arrecadar verba para a
ala de queimados do hospital regional, mas a realidade é outra.
Ele quer resistir, ela quer viver.
Era para ser apenas sexo, mas nem sempre as coisas
funcionam como a gente quer.
Ainda mais, quando está escrito no nosso Destino!
Afinal, o que é Destino?
Karl Heinrich não teve uma infância fácil.
Dizem que tudo tem um lado positivo, se isto é verdade, seu
passado lhe ensinou uma única coisa, a não acreditar no amor.
Ex-militar das forças de elite alemã atualmente trabalha na
USC, empresa de segurança especializada em contraterrorismo e
operações de resgate, com os irmãos que a vida lhe deu.
Todos forjados em sangue, suor e lágrimas.
Desde jovem soube que não gostava de relações
tradicionais. Gosta de exercer controle em todos os aspectos da sua
vida, inclusive na cama.
Não é porque não acredita no amor, que não gosta de foder,
pelo contrário, gosta e muito.
Uma missão no Brasil, um encontro inusitado que mudaria
sua vida para sempre.
Mariana Medeiros é uma jornalista que sonha em investigar
grandes escândalos.
A realidade não poderia ser mais cruel, já que passa dia
após dia, cuidando das fofocas da região.
Com seus próprios traumas e frustrações para lidar, se vê
envolvida numa investigação de homicídio, ela só não contava que
passaria a ser o alvo.
Ele terá que protegê-la, mas para isso, terá que mostrar
todas as suas facetas.
Ela terá que entrar num mundo do qual nunca imaginou
fazer parte.
Conseguirão proteger seus corações?
Vale tudo para encontrar os culpados?
Inclusive perder o próprio coração.
AGE GAP + MOCINHO MILITAR E PROTETOR +
MOCINHA PLUS SIZE EM PERIGO + HOT…
Thorsten Muller, ex-militar das forças de elite alemã.
Trabalha na USC, empresa de segurança especializada em
contraterrorismo e operações de resgate.
Se teve algo que aprendeu com seus pais foi que não existe
"felizes para sempre".
Não quer desperdiçar tempo com algo fadado a fracassar.
É conhecido como homem de gelo.
Relacionamento é tudo o que mais repudia.
Uma fraqueza.
E ele só quer ser forte.
Elise Stein já teve sua cota de relacionamentos
fracassados.
Divorciada, vive para o trabalho e lutando contra a balança.
Depois de testemunhar um crime federal, precisa de
proteção.
O protetor? Um homem sério, lindo e dono dos olhos mais
azuis que ela já viu na vida e que faz seu coração acelerar…
Seu único foco deveria ser sobreviver e ter sua vida de
volta, mas como resistir a atração devastadora?
Ele viu sua mãe abandonar a família e não acredita em
relacionamentos.
Ela vem de um relacionamento tóxico e tem problemas de
autoestima.
Eles terão que conviver…
A missão dele é apenas protegê-la…
O problema é resistir.
Ele quer cada
Pe-da-ci-nho dela.
FRIENDS TO ENEMIES TO LOVERS + MOCINHO
MILITAR E PROTETOR + MOCINHA EM PERIGO +
CONVIVÊNCIA FORÇADA + HOT…
Yannik Bauer, tem 34 anos, e trabalha na USC com os
irmãos que a vida lhe deu.
Teve que logo cedo assumir as rédeas em casa. Pai morto
em serviço e mãe em uma batalha contra o vício. Vivia para cuidar
do irmão.
Vestia uma máscara e não queria a pena de ninguém.
Para o mundo era o jogador alegre, o pegador.
Sua escuridão e caos guardava dentro de si.
Canalizou a raiva e frustração que sentia, no seu trabalho.
Era bom pra caralho no que fazia: Pegar os bandidos e
foder.
Sua fama o precede.
Isso ajudava a parar de pensar no passado, em coisas que
não vale mais a pena.
Sua mãe está bem agora, Luke está bem...
Ele está bem...Ou achava que sim, até reencontrá-la.
O destino fez seus caminhos cruzarem novamente.
Sophie Meyer precisa de proteção... só não contava que o
guarda-costas fosse o garoto que foi embora, sem nunca olhar para
trás...
Ele vai protegê-la... inclusive dele mesmo.
Nem que isso signifique fazê-la odiá-lo ainda mais...
NEW ADULT + Friends to lovers + Haras
Ana Clara Telles tem 19 anos e acabou de se formar no
ensino médio.
Seu pai quer que ela curse direito, mas ela odeia a ideia
com todas as forças.
Negocia seis meses de descanso…
Destino: A Fazenda de seu avô, um haras no interior de São
Paulo.
Lá sempre foi seu lugar preferido.
Foi onde conheceu seu melhor amigo… Joaquim.
Na verdade EX-MELHOR AMIGO…
Ele disse "amigos para sempre", mas ele mentiu!
Joaquim Alberto Lopes Saraiva tem 23 anos.
Não teve uma infância fácil.
Sua vida foi virada do avesso do dia para a noite.
Encontrou na Fazenda um novo lar, uma nova família, e sua
melhor amiga…
Pelo menos era o que achava, mas ela foi embora e ele
ficou SOZINHO, de novo.
Depois de 06 anos, ela vai voltar para onde nunca quis sair.
Vai em busca de respostas, encontrar o seu caminho.
Não é mais uma menininha…
Mas estaria mentindo se dissesse que seu coração não
acelera, só com a ideia de revê-lo.
Pode uma amizade permanecer após uma longa distância?
Seu coração de menina sempre foi dele, mas isso é
passado ou deveria ser…
É sobre amizade…
É sobre reencontro…
É sobre descobertas e escolhas.
É sobre não estar mais sozinho.
É sobre AMOR…

[1]
Competição nacional entre os corpos de bombeiros militares.
[2]
Trecho com tradução livre da música Hungry Eyes do Eric Carmen, parte da
trilha sonora do filme Dirty Dancing.

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