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Baldassari
ISBN: 978-65-00-63888-2
(Lord Byron)
1.
Helena
— Helena…
— É o Vitor…
Depois que nossa mãe morreu, Lara, minha irmã, foi trabalhar
comigo e acabou gostando, mais do que ela mesma imaginava, do
trabalho. Foi então que percebi que finalmente teria tempo para me
dedicar a um outro negócio em paralelo — eu nunca deixaria o
Grupo Lancellotti nas mãos da Lara. Eu não sou maluca!
— LGBTQIAP+.
— Foi o que eu disse — revido, sem nem olhar para ele. Pati
deixou aqueles terroristas jogarem ela na piscina de roupa e tudo e
está perguntando se pode tomar banho na minha casa. Deus, como
essa mulher é molenga com esses dois, eles fazem gato e sapato
dela. Respondo que sim e volto minha atenção para Vitor. — E se
você estivesse tão interessado na “causa”, não lançaria no mesmo
mês em que absolutamente todas as empresas lançam apenas para
lucrar e passar imagem de modernas. Já teria lançado antes e não
estaria aqui choramingando no meu tapete persa.
— Eu sei que você está pagando alguém da minha companhia
para ter informações privilegiadas.
— Isso não vai ficar assim, Helena! Se você quer jogar sujo, eu
também sei!
◆◆◆
Essa palavra!
Deus me livre!
Sei que ela tem um carinho especial por eles. Ela foi a sua
monitora por três anos seguidos no Luneta, esse ano incluso. Talvez
porque eu tenha ameaçado a Mila, minha irmã que toma conta do
lugar, se ela deixasse meus filhos com alguém pouco qualificado, ou
talvez porque Pati mesma tenha pedido.
— Mas, tia…
— Pena que você não pode vir com a gente — Júlio comenta
com certo desapontamento para mim.
— Acho que você não tem mais a escolha de falar não — digo
para ela com certa ironia.
Eu não gosto de dormir sem eles em casa, mas sei que é por
uma boa causa e que eles adoram brincar com os primos.
Mila abre um sorriso na tela. Eu sei que é importante para ela ter
a família toda reunida no dia do nascimento da filha. Já tentei
convencer ela inúmeras vezes de ter esse parto em um hospital
como uma pessoa normal, mas Mila é uma destrambelhada e quer
ter no meio do mato cercada da família.
Conversamos todas por mais alguns minutos, Sofia se junta a
conversa depois de um tempo.
◆◆◆
— Helena Lancellotti!
— Te procurando.
— Amanda.
— Porque eu tô pedindo.
— Cite uma.
— Vitor, meu anjo, o fato de você ser insuportável não tem nada a
ver com você ser gay… E tudo que eu falei era verdade!
Não sei exatamente o que ele quer que eu “admita”, mas seja lá o
que for, jamais darei esse gostinho a ele.
Não sei mais o que fazer para esse homem me deixar em paz.
Resolvo apelar e tentar resolver no método mais rápido.
— E quem disse que eu não pertenço?
— O quê?
— Sim!
— Desde quando?
◆◆◆
— Cretino, miserável!
Pati?
— Preciso desligar!
— Boa sorte.
MILF?
— Sobre isso…
— Mas…
— Hm… uhum.
Dou de ombros, também não sei por que disse o nome dela.
Seja como for, essa é uma ligação que definitivamente não quero
atender. Eu amo a minha vózinha, mas eu me lembro muito bem de
como ela reagiu quando soube que eu estava namorando a
Fernanda, minha ex. E tudo bem ter que passar horas tentando
explicar para uma senhora de setenta e tantos anos que não têm
nada de errado em amar quem você ama, mas me recuso a perder
esse tempo tentando justificar uma mentira!
Pepa me liga pela nona vez e decido atender, porque, a meu ver,
conversar com ele ou ficar criando conjecturas na minha cabeça dá
no mesmo. Na verdade, falar com ele é mais simples, uma vez que
ele produz menos pensamentos que uma pessoa normal.
Estou pronta para negar quando me dou conta de que não posso.
Helena jurou o meu couro se eu desmentisse e, embora eu saiba
que essa atitude autoritária é mais pose do que qualquer outra coisa
e que no fundo ela é incapaz de fazer mal a uma mosca, nesse
momento, sinto que talvez seja melhor não arriscar.
Mas, para ser sincera, não sei de onde ele tirou essa ideia.
Helena é o epitome da mulher inalcançável. Na minha opinião, ela
não curte nada nem ninguém. Só ela mesma.
Embora eu não negue que seria de fato uma vitória descobrir que
ela se relaciona com mulheres.
O quê?
— Para você ver! — digo. — Mas, Pepa, não posso falar agora,
tô atrasada.
Respiro fundo e tento não ser rude com ele, porque é o mesmo
que ser rude com um filhote de capivara ou de lontra.
Literalmente.
Ela me trocou por uma acrobata que fazia o número do trapézio
em um circo chique que fez umas apresentações aqui na ilha dois
anos atrás. Pelo que vejo no Instagram da Fernanda, elas ainda
estão juntas.
◆◆◆
Nem um “olá”, “que bom que você pôde vir”, ou “como você está”.
Tenho para mim que ela também está nervosa. Mas o seu jeito de
disfarçar é sendo ainda mais intransigente.
Ela está com uma calça social justa preta, uma camisa de seda
também preta e salto agulha que a deixa pelo menos cinco
centímetros mais alta do que eu. Já eu estou com um short de
corrida laranja, tênis e uma camiseta de malha com estampa do
circuito californiano de surf, em que trabalhei como staff de uma
surfista brasileira no ano passado.
Sinceramente não sei por que pergunto isso, mas ela parece
cansada e não sei mais o que falar. Percebo que ela se esforça para
não revirar os olhos, mas falha.
— Acho que talvez seja melhor irmos direto ao ponto — ela diz.
— Está bem…
— Como é que é?
— Eu… eu…
— A única saída?
— A não ser que você queira me ver indo a falência e tendo que
demitir você.
Golpe baixíssimo.
— Você tem?
— Não…
— Então…
— E o Ju e a Juju?
— Vamos ter que mentir para eles também. Você sabe como eles
são, dariam com a língua nos dentes na primeira oportunidade.
— É claro que acreditariam, eles adoram você, por que eles iriam
achar que eu teria algum sentimento diferente?
— Por favor.
Ela mais uma vez rola os olhos, mas vejo um sorriso escapando.
— Tem certeza?
— Então, hoje.
— Como assim?
— Creio que você tenha razão — ela diz por fim, balançando o pé
de forma pouco paciente.
Pai amado!
— Fiquei?
— Por que a gente não diz que nós duas nos interessamos uma
pela outra ao mesmo tempo?
— Argh, tá! Nos interessamos uma pela outra esse ano quando
você veio treinar os gêmeos. Melhor assim?
— Muito!
Continuo a história:
— Está bem.
— Você “crê”?
— Sim, seria a primeira mulher, mas o que quero dizer é que não
sei se um mês se categoriza como “namorada”.
— Não.
— Por quê?
— Como por quê? Olha para você! — Aponto com as duas mãos
para ela. — E olha para mim!
— Tá, tá, a gente dá um jeito — falo por fim, já que ela não vai
me deixar mesmo contar para alguém. — Tem mais alguma coisa
que você quer anotar aí?
— Não sei, o que mais temos que saber?
— Acho que ninguém vai nos interrogar tanto, mas você pode
fazer um resumo das coisas mais importantes e me mandar por e-
mail e eu faço o mesmo.
— Até depois.
3.
Helena
Confesso que foi melhor do que imaginei; ela quase não impôs
resistência e foi até bem razoável nas ponderações. Se bem que,
para ser sincera, eu nem esperava que fosse impor muita coisa, ela
é mesmo meio molenga. Como dizem, há males que vem para o
bem e talvez tenha sido uma sorte eu ter falado o nome dela para o
Vitor, pelo menos ela é alguém que eu consigo… eu não queria usar
a palavra controlar, mas, bem, é alguém que eu consigo controlar.
Solto uma risada com esse. O que me conforta é saber que o tiro
de Vitor saiu pela culatra.
Tinha esquecido que Luísa era famosa na internet. Ela tem uma
legião de seguidores tanto no Instagram como no Twitter e TikTok,
acho que ela posta vídeos tocando, cantando e, sei lá, vivendo. A
Lara já me mostrou alguns vídeos, mas nunca entendi direito o
propósito.
Não posso evitar pensar que a minha mãe estaria achando tudo
isso engraçadíssimo, ela adorava essas confusões com a mídia.
Teve uma vez que um jornal local anunciou que ela estava tendo um
caso com o Amado Batista, e ela levou mais de um mês para
desmentir. A cada nova fofoca, ela me ligava, se divertindo com as
teorias.
O perfil dela é bem pessoal, com fotos do dia a dia. Tem pouco
mais de dois mil seguidores e mais de trezentas fotos.
Ela tem um story e clico na foto do perfil para ver. Assim que
abre, vejo uma imagem dela no espelho, abraçando um gato laranja
como se fosse um bebê, com a bochecha sobre o topo da cabeça
dele. O gato parece desesperado para sair do abraço, tem os olhos
arregalados e as patas contra o peito dela.
Abro a última foto, que foi postada há dois dias, é uma foto da
Pati sentada na areia da Praia Mole no fim da tarde, o sol ilumina os
cabelos loiros e ela segura um coco com um canudo de inox. Ela
está sorrindo, seu nariz e olhos estão um pouco franzidos por causa
da claridade e noto os olhos dela um tom mais claro por causa do
sol. Percebo também o osso levemente protuberante do nariz e, de
alguma forma, ele agrega um certo charme.
Foco no sorriso. Ela tem dentes bonitos, porém não são perfeitos,
o que indica que provavelmente nunca usou aparelho. Ainda assim é
o tipo de sorriso que você espera de uma professora de jardim de
infância ou de uma princesa da Disney.
Deus, me dê forças.
Pati: amor?
Helena: Helena
Por fim, jogo meu celular sobre uma pilha de toalhas e resolvo
tentar relaxar de verdade no meu banho.
◆◆◆
— Ei, ei — falo, rindo deles. — Calma aí, vocês vão ter tempo de
me contar tudo. Mas cadê o meu beijo?
— E você, Juju?
— Olha que legal. Você sabia que fui eu que ensinei ela?
— Ela falou! Mas ela disse que você foi menos paciente.
Por fim, beijo Mila no rosto e coloco a mão sobre a barriga dela.
Não entendo nada de gravidez, mas sei que ainda deveriam faltar
dois meses para essa criança nascer.
— Eu te falei que ela ia adorar a ideia, Mila — Lara fala com certo
sarcasmo.
— A Pati.
— Argh, tá, tá, não estamos namorando. Mas vamos fingir que
sim.
— É a única solução.
É a primeira vez que paro para pensar que talvez ela tenha
aceitado por causa dos dois. De fato fiz certa chantagem ao falar que
minha marca poderia ir à falência, coisa que não é verdade. E que
isso afetaria a vida dos dois, mas não achei que isso fosse a motivar.
— Tá, mas só para a Luísa. Não vai dar com a língua nos dentes
para o Murilo ou para o Chiquinho. Porque aqueles dois não sabem
guardar um segredo nem se a vida deles depender disso.
— Está bem — Mila diz. — Lara, agora você tem que deixar de
desculpas.
E ela tem razão. Lara vive arrumando desculpas para falar com
ele, liga para perguntar coisas que poderiam ser resolvidas por e-
mail ou mensagem. Sempre vai mais arrumada nos dias que sabe
que ele irá no Grupo Lancellotti e sempre se oferece para ir ao
fórum, na certa, achando que pode encontrar com ele.
— Talvez.
◆◆◆
— Hm, a Pati.
— Eu achei que vocês iriam gostar de ela vir jantar com a gente.
Vocês mesmos pediram na quarta-feira, lembra?
Argh.
Essa palavra.
Por alguma razão, o clima fica tenso nos minutos que antecedem
as 19h. Ju e Juju parecem um pouco apreensivos e eu me sinto
impaciente.
Penso que não teremos escolha senão parar de enrolar logo, mas
ainda não sei ao certo como abordar o tema.
Ela dá de ombros.
Acho que não posso culpá-la, ela já me viu agindo dessa forma
vezes o suficiente para saber que eu não tenho moral para
repreendê-la.
Às vezes.
Pati observa nós duas com uma expressão enigmática, mas ela
ainda tem o sorriso permanente, aquele que em nenhum momento
sai do seu rosto.
Que diabo, essa mulher parece uma hiena! O que tem de tão
bom assim acontecendo para ela sorrir tanto?
— Eu acho legal, a gente pode jogar tênis mais vezes — Júlia diz,
animada.
— Eu não quero jogar tênis mais vezes! — Júlio refuga. — Mas
eu acho daora!
— Vocês que são daora — Pati diz e estende a mão para um high
five com cada um dos dois.
— Acha?
— A tia Luísa fica sempre mais feliz com a tia Sofi e a tia Mila
também fica mais feliz quando o tio Murilo tá junto.
Ela dá de ombros.
— É porque é o melhor.
— É nojento igual.
Ela até que está bem tranquila. Mas isso, eu imaginei que iria
acontecer. Helena pode até ser gentil como um javali com dor de
dente a maior parte do tempo, mas com os gêmeos por perto, ela
sempre mantém um tom mais doce.
Mas o bom de ter duas crianças de onze anos é que você não
precisa se preocupar com falta de assunto, porque esses dois não
param de falar nem por um segundo.
Tomo um gole de vinho e tento puxar algum assunto que sei que
ela vai interagir também.
— O Aberto Floripinha tá chegando — falo com um sorriso para a
Juju. — Animada?
Ele pode até não gostar tanto de jogar, mas é um ótimo torcedor
da irmã. Ele torce tanto por ela que quando jogam em dupla, ele joga
muito melhor do que solo, só para não ser o culpado de ela não
ganhar.
Mas eu sei que Júlio está doido para surfar, então, já que ela está
me obrigando a fazer parte dessa farsa toda, posso pelo menos
ajudar o Ju.
— Quando a tia Helena deixar — ele diz, olhando para ela igual o
gato de botas do Shrek, então, de novo para mim. — Agora que
vocês tão namorando você podia convencer ela, né?
— Não faz nem cinco minutos que você tá sabendo e já quer tirar
vantagem? — Helena pergunta.
Faz sete meses que eles estão com ela e já tem os mesmos
trejeitos e a mesma habilidade de sair por cima em uma conversa.
Tento não levar pro lado pessoal, sei que as mães, de modo
geral, morrem de medo de deixar os filhos surfar, então, acho que é
compreensível. Mas ela deveria se lembrar de que eu cuido dos
filhos dela há vários anos no Luneta e ambos estão aí firmes, fortes e
sarcásticos… igual a ela!
Acho que ela tem medo mesmo desses dois na água. Confesso
que acho fofo a preocupação, mas é bem tranquilo, vamos em uma
praia mais calma e vamos começar com uma prancha de bodyboard.
— Vem, Pati — Juju diz, fazendo um gesto com a mão para que
eu me levante também.
Um sorriso.
Juro que não imaginei que ela levaria esse fingimento tão a sério.
Não a ponto de ser vista sorrindo ao meu lado! Imagino que deve
estar lhe custando bastante, mas vou te falar, até que o sorriso
combina com ela.
— Hm, sim?
Mas o que eu posso fazer se é tão fácil irritar ela? E se ela irritada
é tão charmosa?
Fico sem saber o que fazer, meu instinto diz que eu deveria
abraçá-la, ou sei lá, me despedir com um beijo no rosto, como
adultos civilizados. Mas assim que faço a mínima menção de me
aproximar, Helena estende a mão, quase me acertando o estômago,
e não tenho escolha, senão estender a mão também.
Meu Deus.
Estou namorando a Helena Lancellotti!
◆◆◆
— Sei?
— Sei!
— Então.
Sinceramente, não faço nem ideia do que ele está falando, mas
julgo mais sábio não contrariar ou negar.
— Exatamente!
— Vocês vieram aqui pra pegar onda ou pra falar da minha vida?
Por “mais”, quero dizer até as 7h, ou até Júlia e Júlio invadirem
meu quarto. Quando escuto o toc toc na porta, me viro para o
relógio. 6h49.
— Você disse que a gente ia fazer alguma coisa hoje! — Júlio diz,
se aconchegando por cima da coberta.
— Eu disse?
— Uhum!
— Porque ela vai falar que é uma prisão de animais e que eles
deveriam estar soltos.
— Muito esperto.
Essa era uma das partes que mais tinha medo enquanto rolava
os papéis da adoção, de que eu não seria uma boa pessoa para dar
a eles esse tipo de experiência. Eu não sou como meu pai, que
adorava levar eu e minhas irmãs para cima e para baixo e inventava
mil atividades para nos entreter.
Mas não nego que enquanto os dois passam quase vinte minutos
discutindo em qual dos restaurantes temáticos querem almoçar, eu
entendi a minha mãe e o ato desesperado dela em juntar eu e
minhas irmãs com aquela cláusula da herança. É realmente
enlouquecedor ter que aguentar irmãos discutindo, num looping
eterno com os mesmos argumentos.
Por fim, tomo a decisão por eles e escolho uma terceira opção.
Ambos acatam e acham divertido.
Domingos como esse é algo que nunca pensei que teria, mas tem
sido uma grata surpresa.
◆◆◆
Eu acho.
— Isso não tem importância, um bom fotógrafo vai conseguir
deixar vocês à vontade na frente das câmeras. Vocês são o casal do
momento, nada mais justo do que vocês serem a cara da campanha.
Pondero um pouco.
— Isso é verdade.
Cristo!
Maldito.
— Espero.
— Quais?
— Não me surpreende.
— Que é, Lara?
— Como é?
— Com a Pati?
— Está bem.
— Manda.
— Eu também não.
— Hm… não?
— Agora é tarde.
Pati: Tá.
Helena: Não
É tudo que ela responde.
Pati: Obrigada :$
Em seguida mando:
Helena: Eu sei!
Solto uma risada, porque essa é a resposta mais Helena que ela
poderia dar.
◆◆◆
Pati: Tô nervosa
Helena: Ah
Pati: Tô?
Respondo apenas, porque não sei mais o que falar. Mas espero
que ela esteja certa.
Pati: Tá
— Como é?
— Estava?
— Ué, é claro!
— Vocês deveriam falar sobre isso com ela, porque ela merece
saber como vocês se sentem, mas eu posso garantir pra vocês que
ela não vai se cansar!
— Você acha?
— Tenho certeza.
Por que aqueles dois tinham que me contar que viram a Helena
sorrir com as mensagens?
Assim que a vê, Júlia retarda o saque para abanar para ela, que
sorri e abana de volta, ela caminha até mim no banco ao lado da
quadra. Os gêmeos continuam olhando para a gente e sinto que
Helena também percebe.
Como eles esperam até ela chegar ao meu lado, acho que
Helena sente que não tem escolha, então planta um beijo na minha
bochecha, e posso sentir o cheiro do perfume dela. É um cheiro meio
cítrico, meio floral intenso, mas elegante. Exatamente o cheiro que
você espera sentir de uma mulher como a Helena. Em seguida, ela
se senta ao meu lado.
Acho que não foi bem isso que ela imaginou quando decidiu fingir
esse namoro, mas cá estamos.
— Tá, vou falar com ela — Helena diz. — Deus, como essa
menina é competitiva!
— O quê?
Vou?
Podemos?
— Hm, eu tenho que ir! — digo, meio sem saber o que fazer.
— Hm, ok…
— Nós?
Típico Helena.
— Isso me deixa mais tranquila, não nego.
— Hm, obrigada?
— Isso é um elogio?
— Veremos.
— Até amanhã.
◆◆◆
Mais jovem.
A saia que eu visto é bem tradicional, com pregas que dão fluidez
e liberdade de movimento. É o modelo que prefiro usar para jogar
mesmo. Já a que a Helena usa é um modelo reto e moderno, as
laterais arredondadas deixam as pernas bem à mostra e é a cara
dela.
— Não precisa ficar nervosa, vai ser mais fácil do que você
imagina.
— Vai dar tudo certo — Helena concorda com ele, e coloca a mão
sobre o meu ombro.
Olho para ele e vejo Helena ao seu lado, olhando uma das fotos
no visor da câmera. É difícil ler a expressão dela, mas acho que está
satisfeita.
Ela para na minha frente. Subo meu olhar para o seu e, mais uma
vez, fico sem saber o que fazer.
Bento nos analisa por algum tempo, não sei o que ele está
fazendo, mas chego a pensar que notou que não somos namoradas
de verdade.
Eita.
Helena troca um olhar comigo e sei que é uma bronca.
Então, me posiciono.
Cristo!
Respiro fundo.
— Viu, não é tão difícil — ela diz, ainda com as mãos firmes na
minha bunda.
Helena me solta tão rápido que tenho que dar um passo para trás
para não me desequilibrar. Limpo a garganta e me viro em direção
ao camarim para trocar o uniforme.
— Uhum.
Certo?
7.
Helena
Como prometi ontem para os meus filhos, vamos sair para jantar
com a Pati esta noite. Então aproveito enquanto dirijo para casa e
peço para Elisa, a babá, mandar Ju e Juju tomar banho e se vestir.
Por outro lado, pensei que eu acharia mais difícil ter que aguentá-
la, mas ela é uma pessoa fácil de lidar e mostrou que é confiável e
que sabe guardar um segredo.
Pati assente e sei que ela tem que se esforçar para não virar a
cabeça e olhar para as pessoas que nos observam.
— Talvez.
— Olha só, você realizou o seu sonho com o bônus de ser uma
celebridade nacional.
Ela sorri e nos indica uma mesa na janela com vista para uma
praça, que é geralmente a mesa que ficamos quando viemos aqui.
— Eu não sou tão curiosa — ela diz e arranca uma risada da Pati.
— É?
— Uhum — Pati exagera uma cara de pesar —, mas por ora você
pode comer quanto queijo quiser.
— Ah — Júlia resmunga.
— Com lava e fumaça e tudo mais. Vai ser irado! — Júlio explica.
Olho para ela procurando algum vestígio de que ela apenas falou
por falar, mas percebo que ofereceu de forma genuína. Na verdade,
ela sempre se oferece para ajudá-los e realmente tem muito jeito
com crianças, e essa é uma característica dela que sou muito grata.
— Deixa pra lá, tia — Júlio diz para Pati. — A gente não liga.
— Festinha de quem?
— Do Enzo.
Está tudo errado nessa situação e fico irritada comigo mesma por
não saber direito como agir.
— Nada!
— Tá bom, tia.
— A gente promete.
Ela leva um susto, mas depois relaxa quando vê que não estou
sendo séria.
— Ah, é?
— Ainda assim, não faz meu tipo — ela diz, e dá mais uma
mordida no hamburguer. — Mas é a minha avó.
— Pelo menos, ela vai ficar feliz daqui a dois meses — falo no
ouvido dela, para que os gêmeos não escutem, embora os dois
estejam entretidos com a TV, que ainda passa o campeonato de
skate.
—Vai mesmo, porque se não for pra me ver com um homem, ela
prefere me ver sozinha.
— O quê?
— De nada.
Fico sem saber ao certo o que falar e percebo que Pati também.
— Até.
Pati entra no carro e fico com a sensação de que deveria ter me
despedido de alguma outra forma. Mas, ao mesmo tempo, não tem
ninguém nos olhando, então não há necessidade.
8.
Pati
— Oi, mãe.
— Eram sim. Aquelas velhas são uma mais safada que a outra!
— Lá vem…
— Você acha mesmo uma boa ideia se envolver com uma moça
com tanta bagagem?
— Ela é seis anos mais velha que eu, mãe, não sessenta!
— Além disso, ela tem uma penca de filhos que nem são dela!
— Eu vou fingir que a senhora não disse isso, pra gente não
brigar logo cedo.
Que inferno!
◆◆◆
Fico feliz de saber que vamos surfar no domingo, sei que Júlio
está louco para aprender. Ele já manda super bem no skate, então
acho que vai se sair bem na prancha também.
Eu nunca vi Helena tão furiosa antes. Mas ela tem todo o direito
de estar.
— Ainda não sei — ela diz. — Não tenho como provar que ela
não os convidou por racismo. Mas vou levar essa pauta para próxima
reunião de condomínio.
— E de verdade?
— Que eu falei com ela e que não tenho como controlar a reação
dela e da família, mas que o importante é não deixar isso passar. E
que se continuar, vamos tomar atitudes legais.
— Você tá certa.
— Acho que lá pelas nove, mais cedo vai estar muito frio para as
crianças.
— Eu te encontro aí domingo?
◆◆◆
Imagino que esse dia será uma loucura. Mas tem algo de familiar
em eu e a Helena com uma penca de crianças. A diferença é que,
dessa vez, a Helena parece estar com mais boa vontade do que
quando éramos monitoras no Luneta.
Mila e Murilo caminham até nós. Helena avisou sua irmã ontem
que passaríamos o dia na praia e a convidou para vir também. Para
ser sincera, acho que só convidou para que ajudasse com as
crianças e para que se acontecesse algo com a Lili ou o Lucas, a
Lara não pudesse culpar só ela.
Mila está com uma barriga tão grande que espero que essa
criança não nasça aqui. Murilo já parece o pai mais babão do mundo
antes mesmo de Luna nascer. Ambos têm um sorriso permanente e
exalam uma felicidade que pode ser sentida a quilômetros.
Helena tira o vestido de linho branco que está usando como saída
de praia, e sinto o mundo em câmera lenta por um momento. Ela
está com um biquíni com estampa de folhagens e, não sei o que eu
estava esperando, um maiô elegante talvez. Mas ela está
absurdamente gata nesse biquíni. Sinto minha boca seca de repente.
Confesso que tenho medo do dia que o Pepa falar algo assim
para alguma mulher com um namorado mais ciumento. Nesse dia,
sei que vou ter que levar ele para o hospital.
— Você tá com filtro solar no rosto, Pati — Helena diz para mim,
quase com tom de reprovação, me tirando do devaneio com o Pepa
hospitalizado.
Sinto os olhos da Mila em mim e não sei se ela sabe que estamos
fingindo ou não. Mas me sinto desconfortável quando ela sorri com a
cena. Como eu disse, ela é meio bruxa, então nunca se sabe o que
está captando.
É verdade que já faz mais de um ano que não saio com ninguém.
Mas estou de boas com isso! De verdade! Também estou de boas
com esse namoro falso, mesmo não tendo nem a mais ínfima
fagulha de romance real na minha vida.
— Pronto.
— Hm, valeu.
Ela não esboça grandes reações, mas acho que posso ter visto
um sorriso amigável em algum lugar. Fico ali, sentada na cadeira
dela, sem saber o que fazer agora. Por sorte, Pepa chama as
crianças para dar as instruções básicas de surf.
— Como você não confia nada no Pepa, não sei se chega a ser
um elogio, mas obrigada mesmo assim! — brinco, e ela abre um
sorriso.
Ainda é uma surpresa toda vez que ela sorri para algo que eu
falo.
— Pode deixar!
— Agora, deita aí!
— Agora!
Ela estende a mão para ele dar um high five e depois o puxa e dá
um beijo na bochecha. Ao mesmo tempo que é estranho ver a
Helena tão amorosa e casual, é absolutamente natural vê-los nessa
situação.
— Nem acredito que a Lara finalmente deu uma chance pro boy
— Mila diz, espalhada na cadeira, sob o guarda-sol.
— Nem acredito que ela largou os filhos para fazer isso — rebato.
— Sei. Mas é uma coisa boa ela deixar os filhos com a gente, não
é?
— E vocês?
— Sabe? Como?
Escuto Mila soltar uma risada.
Acho que esse foi o jeito mais educado que a Mila encontrou de
falar que sabe que eu jamais namoraria com a Pati.
Vejo pela câmera que ela está um pouco tensa ainda. Ela sempre
fica quando o tema do nosso namoro vem à tona. Creio que não seja
muito fã da vida pública.
— Que isso — Mila diz. — Nem a Elvira iria acreditar que vocês
estão namorando.
Olho para Pati e vejo ela rindo e sacudindo a cabeça. Pelo menos
as maluquices da minha irmã a ajudaram a relaxar um pouco.
Apesar disso, sei que Mila tem razão — sobre a foto, não sobre a
Elvira ser a nossa avó —, preciso vender essa relação se quiser que
a campanha faça sucesso. Então, me viro e planto um beijo na
bochecha da Pati antes de disparar a câmera.
O rosto dela tem gosto de sal por causa da água, mas a pele é
macia. Confiro a foto na tela do celular e vejo que ela estava
sorrindo, aquele sorriso que me lembra a Miss Honey de Matilda.
Aproveito e subo também uma foto que tirei dela saindo do mar
com a prancha sob o braço. Novamente, marco o seu nome de
usuário e, como não tenho tempo para tentar ser original ou criativa,
coloco um emoji de sereia e outro de surfista ao lado do nome.
— É pra eu repostar?
— Sim.
— A água me empurrou.
Pati pega uma garrafa de água e limpa o rostinho dela que está
cheio de areia.
— Vamos sentar com a tia Pati e tomar uma água de coco — Pati
diz e faz um gesto para o garçom.
— Não, não quero mais ser surfista! Quero jogar tênis que nem a
Juju.
— Mas você já faz balé e natação, não é muita coisa? —
pergunto.
◆◆◆
Se não fosse pela alegria estampada nos rostos dos meus filhos,
já teria convencido todos a voltar. Mas tento aproveitar a sombra e
minha água de coco enquanto espero as crianças se cansarem.
Mas, como disse, sou ótima observadora e já faz umas três horas
que sei que tem um carro parado na orla com um homem dentro
olhando na minha direção. A princípio pensei que pudesse ser uma
coincidência ou que estivesse vendo coisas. Mas está quente, o
homem está a metros da praia e o único foco de interesse parece ser
os meus passos. Então, por via das dúvidas, anoto a placa do carro
no meu bloco de notas.
Aproveito que ela está com eles para tomar um banho, porque
eu, por outro lado, me sinto exausta depois desse dia de praia.
Quando volto a área da piscina, o sol já está se pondo e começa a
ficar frio para estar na água. Pati está sentada na borda, passando
as mãos pelos braços e tentando convencer os pestinhas a sair da
água.
Ainda bem que tem banheiro para todos eles, porque tá muito frio
para ficarem fora da água esperando e não quero ninguém doente
amanhã. Eles saem correndo para dentro. Alicia e Lucas já estão
acostumados a passarem o dia aqui na piscina e sabem exatamente
para onde devem ir.
Ela solta uma risada, mas cede por fim. Mostro para ela o
caminho e sigo até o quarto de hóspedes para dar banho na Alícia.
◆◆◆
Não tenho tempo nem de ler uma página inteira antes de ser
interrompida por uma batida na porta.
— Entra!
O rosto do Júlio aparece na fresta. Ele está com uma expressão
meio apreensiva e logo imagino que ele deva ter quebrado alguma
coisa jogando futebol no quarto, coisa que já pedi várias vezes para
ele não fazer.
— Por que você não me falou antes, Ju? Vocês não precisam
fazer nada que não tenham vontade.
— Eu achei que você queria que a gente fizesse tênis por causa
da marca…
— A marca não é responsabilidade de vocês, meu amor, vocês
não precisam fazer nada por ela — digo e puxo ele para mais perto
de mim e o abraço pelo ombro.
Outro detalhe foi a Pati ter incentivado ele a ser sincero comigo.
— Bom, ela era a sua treinadora, ela devia notar que você não
gostava.
— Teve aquela vez que eu empurrei ela na piscina, acho que ela
sabia que era porque eu não queria treinar.
Assim que nos despedimos, eu caminho até meu carro e Vini até
a lanchonete. Os treinos dele são feitos no Jurerê Club, já que ele
não tem quadra em casa como alguns dos meus alunos.
— O quê? Ah! As fotos, bom, não tem pressa, depois você olha
— ela diz, um pouco agitada. — Onde você tá agora?
— Hm, em casa.
A primeira coisa que penso é que ela vai terminar comigo, então
me lembro que não namoramos de verdade.
— Tá.
— Acho que estou sendo seguida — ela diz, com a testa franzida.
— E talvez você também esteja.
— Oi?
— Um detetive?
— Pra quê?
Ahhh!
Já? Parecia tão longe quando ela falou a primeira vez desse
evento.
Ela continua:
— Tá bem.
— Como?
— Fit-zen-rai-ter.
— Pra você ver que eu tinha motivos para mentir naquele vídeo.
— Eu só não sei por que você tinha que falar meu nome, mas
tudo bem.
— Fica?
Puta merda!
Eu amo minha mãe, mas ela nunca aceitou meu namoro com a
Fernanda, e se tem um encontro que adoraria evitar é o dela com a
Helena.
Respiro fundo.
— Pati? — minha mãe grita mais uma vez do outro lado da porta.
Ela nem entrou ainda, e já sei que ela não está de bom humor.
Me viro para Helena e lanço um olhar que acho que ela entende
que é um “boa sorte”.
— Susana — acrescento.
— Helena Lancellotti.
— Sétimo, eu acho.
— Pai amado!
— MÃE!
QUÊ?
Ela sabe que vamos terminar em um mês e eu vou ter que ficar
aguentando as indiretas da minha mãe.
Quer dizer, ela não sabe dessa parte, porque nunca contei como
era minha mãe. Mas ainda assim, porra, Helena!
— Então!
Helena parece ser a única pessoa calma nessa sala. Ela e Guga,
que não se mexeu um milímetro desde a hora que cheguei.
— Mas nós não vamos nos casar — falo de uma vez, tentando
cortar essa conversa. — Não agora pelo menos. Nós acabamos de
nos conhecer. Quer dizer, nos conhecemos há quase dois anos, mas
acabamos de começar a namorar.
— Até porque isso não deve durar muito — minha mãe alfineta.
Não sei por que achei que ela pudesse ser civilizada na frente da
Helena. Acho que porque esqueci de como ela realmente tratava a
Fernanda.
E quanto ao tênis e ao surf, ela sabe muito bem que não foi assim
que aconteceu. Ou talvez não saiba mesmo, já que nunca presta
atenção nas coisas que eu conto a não ser que seja do seu
interesse.
— Eu não sei se a senhora conhece bem a sua filha — Helena
diz em um tom grave, mas calmo. — A Pati é uma excelente
treinadora e tenho certeza de que tem um futuro promissor.
Agora ela acertou a ferida. Minha mãe sempre enche a boca para
falar que só quer ver os filhos felizes, mas sempre critica tudo que eu
ou o meu irmão fazemos.
— Porque essa Sueli, com o seu sétimo marido, deve ter uma
moral imensa para julgar as relações alheias — Helena responde.
— Não entendo por que vocês tinham que tornar isso público!
Porque não podiam ser mais discretas.
— Ué, não é isso que você tá sugerindo para ela? Viver a vida
escondida dos outros? Se você acha um bom conselho para dar para
a sua filha, deve ser bom para você seguir também.
— O que você quer que eu fale, mãe? ‘Me desculpa por ser
assim’?
— Já vi que é inútil tentar falar com vocês! A sua vó tem razão,
disse que essa mulher que fez sua cabeça pra querer ficar famosa.
Ela não diz nada, mas sei que tem um “sinto muito” na maneira
como ela me olha.
— Bom, pra sua mãe a gente pode falar que foi você que
terminou comigo.
— Obrigada.
— Ai que dramático!
— Eu acho romântico!
— Tem certeza?
— Pode deixar.
Levo ela até a porta, fico mais uma vez sem saber como me
despedir. Mas meu pensamento é interrompido quando ela se
aproxima e me puxa para um abraço.
Sinto meu rosto afundando no pescoço dela. Helena tem o
abraço forte e apertado, como eu esperava que fosse. Consigo sentir
mais uma vez o cheiro do seu perfume, dessa vez identifico algo de
amadeirado no cheiro. É bom.
◆◆◆
O meu prédio não tem interfone nem portaria, o que significa que
qualquer um pode subir para os apartamentos. Já aconteceu umas
duas vezes de baterem na minha porta por engano e imagino que
deva ser o caso agora.
— Hm, eu não pedi nada, moço. Deve ser pra outro apartamento.
— Você é a Pati?
— Sou.
— Do 202? — ele pergunta, olhando para o número na porta.
— Sim.
Não estou acostumada com essa versão dela e não sei nem o
que pensar, mas, sinceramente, é mais fácil ignorar o meu crush por
ela quando ela está me xingando e não me mimando.
Salvo apenas umas duas fotos dessas, porque sei que tanto
Bento, quanto Flávio e Helena querem as que estamos parecendo
mais um casal. Dessa forma, avanço rapidamente para frente para
ver as tais fotos.
Envio para ela as fotos que gostei, incluindo a que passei mais
tempo do que deveria olhando.
Pati: Combinado
Um emoji!
De beijo!
Mas confio na Pati e sei que ela não contou nada para ninguém.
Até porque, depois daquele escândalo de terça-feira, a primeira
pessoa para quem ela diria que é tudo uma farsa seria a sua mãe.
Mas Pati manteve a história mesmo custando uma briga com a
família e eu sou muito grata por isso.
Sei que não pensei no lado dela nem por um segundo quando a
arrastei para essa confusão e, mesmo assim, ela aceitou me ajudar.
Tenho que compensá-la de alguma forma, embora ainda não saiba
como. Mas talvez um bom começo seja me esforçando para tratá-la
melhor.
— Beleza.
Compreensível.
A Pati tem mesmo muito jeito com criança, e sei que a Alícia se
divertiu bastante brincando com ela na água.
Rolo os olhos.
— E por que você acha que ela não poderia perceber uma coisa
tão óbvia sozinha?
Não vou negar que ele ficou bonito, quando era criança era
magricela e meio desengonçado, mas Lara já tinha um crush nele
naquela época. Hoje em dia ele é alto, tem ombros largos e me
lembra muito o Christopher Reeve como Clark Kent, só que com o
cabelo um pouco mais claro. Mas apesar de bonito, é meio nerd
demais para o meu gosto.
Ele cumprimenta nós duas com um educado beijo no rosto. Um
pouco mais demorado na Lara.
Eu não menti para eles, tenho mesmo que voar para Tennis&Co
para acertar os últimos detalhes da nova campanha com o pessoal
do marketing, já que vamos lançar sábado e estampar os painéis de
publicidade do Aberto Floripinha.
Aliás, eu daria qualquer coisa para ver a cara do Vitor quando ele
chegar no complexo e se deparar comigo e minha namorada como
as modelos da campanha.
◆◆◆
— E você entende?
— Ahh!
Dou graças a Deus por Lara estar com pressa e não querer
entrar, sei que se tivesse tempo iria me atormentar com perguntas
sobre esse encontro.
Assim que meus filhos saem, tenho que correr para ficar pronta a
tempo. Ainda tenho que me vestir, me maquiar e chegar ao centro,
tudo isso em menos de uma hora.
◆◆◆
Uau!
— Tô? — ela pergunta com aquele sorriso meio miss Honey, que,
nesse vestido, a faz parecer mais uma das fadas de Sonho de uma
Noite de Verão, para ser sincera.
Essa é uma das vilas mais antigas da ilha e isso fica evidente
para qualquer um que chegue aqui e se depare com as casinhas
centenárias, as ruas de pedra e essa aura meio parada no tempo.
Eu nem lembro quando foi a última vez que saí com alguém. Faz
tempo. Bastante.
E na maioria das vezes que saí, nunca foi algo com essa
conotação romântica. Sempre preferi ir a um bar, algo mais casual,
nunca vi sentido em jantar com uma pessoa com a qual eu não tinha
intenção nenhuma de aprofundar laços.
Não entendo essa pressão para que uma mulher adulta namore,
noive e se case. Por quê?
— Aqui?
— Não… quer dizer, sim. Mas digo, na vida. Nunca saí para
jantar para conhecer alguém. Conheci minha ex e as outras meninas
que fiquei na praia, bares, baladas… e nunca fui a um encontro
romântico assim, mesmo quando começamos a nos conhecer, íamos
para a praia, bar, essas coisas. Primeiro encontro com jantar
romântico parece meio coisa de filme.
— Você entendeu.
Pati eleva os ombros e brinca com suas pulseiras. Ela tem várias
no pulso, a maioria são fitinhas coloridas.
— Isso.
— Doze anos.
— Faz sentido o seu apego pelas músicas que ele gostava — ela
diz com um sorriso, que, sem perceber, retribuo.
— Por quê?
— Quanto a música, acho que tudo com essa vibe surf music,
reggae, folk ou música acústica... sei lá.
— Parcialmente certa.
— Não, meu pai não tem nada de surfista! Nem a minha mãe.
— A gente era sim, mas ela morreu uns anos atrás surfando.
— Vai por mim, se o Ju quiser aprender, ele vai atrás assim que
tiver uma oportunidade, mas quanto mais cedo ele aprender e mais
segurança tiver, melhor. Quando eu aprendi, ninguém me ensinou os
procedimentos de segurança, só me levaram pra água e eu tive que
me virar. Tomei uma cacetada de caldo por bobeira e por não saber
nada direito.
Olho para a mão dela sobre a minha, ela acaricia o meu dorso
com o polegar.
— Não sei por que ele não poderia querer virar mestre de xadrez,
em vez de surfista! — resmungo. — Mas acho que você tem razão,
se é para aprender, melhor aprender direito e em segurança.
— Com certeza — ela diz de forma encorajadora, depois de
alguns segundos ela continua: — Tá, e os meus filmes?
— Tenho, é?
— Por que todas as suas concepções sobre mim têm a ver com
personagens animados?
Dou de ombros.
— Animação. Singular.
Solto uma risada porque me lembro de ter visto esse com a Mila
e ter achado muito ruim.
— Como assim?
Vejo ela ficar sem graça e tomar um gole de vinho para disfarçar.
Não sei ao certo como lidar com essa versão gentil da Helena,
mas sinto um quentinho no coração com o elogio.
A noite está fresca e sinto uma brisa fria no meu rosto. Apesar de
o céu estar bem estrelado, não vejo a lua e me lembro que estamos
na lua nova.
— A sua é presente.
— Claro.
Sem nenhum tipo de aviso, ela pega mais uma vez a minha mão
livre e entrelaça nossos dedos.
— Tadinha da babá.
— Era uma velha odiosa mesmo — ela diz ácida. — Não deixava
a gente fazer nada, nem comer direito, eu tinha que pegar bolacha
escondida na despensa. A Lara chamava ela de Miss Trunchbull.
— Eu tinha uns doze e a Luísa de dois pra três. A Lara uns oito
eu acho.
— E a Mila?
— Eu já notei.
Ela dá de ombros.
— Não sei, é só uma impressão. Parece que gosta de manter as
pessoas por perto — ela diz. — Por que outro motivo você seria
amiga do Pepa até hoje?
Na boca!!!
Essa é uma das coisas que mais gosto sobre morar aqui, sempre
tem um novo lugar para conhecer. A ilha é cheia de pontos
escondidos a serem descobertos e meus filhos sempre fazem essas
descobertas serem ainda melhores.
— Não!
◆◆◆
Eu acho.
Pati grita mais alguma coisa para ela, em seguida Júlia mais uma
vez vai para o saque, mandando a bola na diagonal no limite da
linha, a adversária não consegue chegar a tempo e Juju marca um
ace. 30 a 40.
— Vai, Juju! — grito para ela, e acho que ela escuta, porque abre
um sorriso em meio a expressão séria de concentração.
O ponto seguinte é um rali. Júlia quer fechar logo o game e a
adversária quer impedir a todo custo. Eu e Júlio estamos assistindo
de pé, tamanho nosso nervosismo.
Não sei se é coisa de mãe, mas essa menina tem muito talento!
◆◆◆
— Eu não dou tanta importância pra sua vida como você acha,
Helena.
Apesar de ser um evento que não tem nada a ver com esporte,
sei que Vitor estará lá, porque esteve nos outros anos em que fui.
Além de celebridades, o evento sempre reúne empresários de vários
segmentos e todos vão pelo mesmo motivo: fazer contato e
aparecer.
É por isso, inclusive, que vou levar a Pati. Sei que terá vários
fotógrafos e colunistas e será a oportunidade perfeita para divulgar
massivamente nosso namoro. Depois, se terminarmos, não terá
tanta repercussão assim, e o posicionamento já vai ter sido feito.
Quer dizer, eu não meti a mão pra saber, né? Mas dava pra ver
que era dura. Parece até que ele encheu as bochechas com aquele
negócio de encher balão que a tia Lara tem. A tia Helena disse que é
uma coisa boa as pessoas serem diferentes umas das outras e que
elas são bonitas de formas diferentes, mas eu não achei ele bonito
de forma nenhuma.
A tia Helena não gosta dele e se ela não gosta eu também não
gosto. Também não gosto do jeito que ele olha pra mim e o pro Ju.
Nem do jeito que ele olha pra ela.
— É o dono da VP Sports.
E acho que a tia Pati também acha, porque ela sempre fica
olhando pra tia Helena quando ela vê os meus treinos, e esquece de
me mandar fazer as coisas.
— Sabe que eu não sei quantos anos ele tem — a tia Helena fala,
limpando a ponta do nariz do Ju com um guardanapo.
Ele sempre se suja comendo pudim, não sei como ele faz, mas
sempre tem pudim no rosto.
— Deve ser quase isso — ela fala. — Juju, você não quer mesmo
sobremesa, meu amor?
— Não, brigada! A tia Pati disse que atleta tem que cuidar com o
que come.
Olho pro Ju tentando explicar que tenho que falar uma coisa pra
ele. Acho que ele entende. Ele sempre entende.
— Que elas não tão namorando e que tão fingindo pra... essa
parte eu não entendi. Mas ele acha que elas tão fingindo.
Ele faz uma careta. A mesma que faz quando tem que ler os
números romanos na aula da professora Sônia.
— Eu não sei.
— Eu nunca tinha visto elas juntas até aquele dia que elas
contaram pra gente — ele diz.
— Como?
— Não sei, a gente pode perguntar alguma coisa que elas deviam
saber se estão namorando e comparar.
— A gente pode perguntar quando elas começaram a namorar e
como foi.
— Não sei, mas acho que ele não gosta da mam... tia Helena.
◆◆◆
— Tá.
— Tá.
— É isso, você é melhor que ela, é só ficar concentrada e não ter
pressa de fechar os pontos.
— Tá!
— Tia Pati…?
— Hm?
— Claro, manda!
— Você não lembra o nome do café que saiu a primeira vez com
a sua namorada?
— A tia Mila disse que com ela e o tio Murilo foi amor à primeira
vista.
— Curiosidade.
— Vamos!
15.
Júlio
Cada vez que ela erra, a tia Helena aperta meu ombro ou a
minha mão com força. Ela fica estressada, eu acho. Espero que a
Juju comece a ganhar logo, porque capaz da tia Helena quebrar os
meus dedos.
Acho que não sabe se dá atenção pra mim ou pra Juju, mas foi a
Juju que me mandou investigar, então acho que é o mais importante.
— Na Juju?
Essa é a mesma cara que o Pedro fez quando a tia Betina pegou
ele jogando papel higiênico molhado no banheiro das meninas lá no
Luneta.
Mas não sei por que a tia Helena fez essa cara. E não sei se ela
tá com medo ou não sabe o que falar.
◆◆◆
— Acho que o homem da cara dura tá certo, Ju! Elas não tão
namorando.
Depois de mais duas partidas, a tia Helena diz que a gente tem
que dormir porque amanhã a Juju tem mais dois jogos no torneio e a
gente tem que acordar cedo.
16.
Pati
Nas últimas semanas parece que minha vida virou uma sucessão
infinita de acontecimentos e que não tenho tempo para mais nada.
Eu costumo ter muita energia e raramente me sinto cansada. Mas
hoje eu estou exausta!
— Esquece esse set, não deixa ele te atrapalhar — falo para ela
com calma. — Respira!
◆◆◆
Sinto o meu maxilar apertando. Sei que esse sujeito não é flor
que se cheire e não gosto dele falando com a Júlia. Pelo jeito,
Helena pensa a mesma coisa e abraça a Juju pelo ombro, trazendo
ela para mais perto.
Mas vou te falar, esse homem tem muita coragem para sair na
rua com esse cabelo. Parece uma mistura de cacatua com Jimmy
Neutron.
— Eu consegui participar da final na minha primeira competição.
— Júlia diz, canalizando sua melhor versão de mini-Helena.
Assim que Vitor se vira, vejo uma coisa rosa grudada no cabelo
dele.
Quanto mais ele tenta puxar, mais o chiclete parece grudar. Ele
olha irritado para os gêmeos, que mantêm as suas melhores caras
de anjinhos. Sem conseguir uma resposta, Vitor apenas bufa e vai
embora.
Vejo Júlio rindo, ele ergue a mão para a irmã dar um high-five.
Helena prende o riso, mas vejo um pouquinho de orgulho da
travessura dele.
— Mas é diferente!
— Pra isso a gente teria que ter nossos próprios celulares — Júlia
pondera —, só assim a gente poderia falar com a tia Lu e a tia Sofi e
dar com a língua nos dentes.
Família.
Não é preciso ser um gênio para saber que essa fala é importante
para ela.
Saber que eles de fato a consideram sua família é algo que ela
ainda busca ter certeza. Embora, para mim seja óbvio que eles já a
consideram há tempo, eu entendo a sua insegurança.
— E qual é então?
— E quando não vai mais ser cedo? — Júlia pergunta dessa vez.
Oh.
Sei que o gesto é para demonstrar para os filhos dela que está
tudo bem, mas de certa forma ele acaba me tranquilizando junto.
Como se tivéssemos finalmente voltado ao normal depois de quinta.
◆◆◆
— Então tá — respondo.
— Vem, Ju, a gente precisa fazer uma plaquinha que nem nos
filmes! — Júlia puxa o irmão para uma mesa onde estão amontoados
uma quantidade enorme de itens de decoração.
A casa é enorme.
Eu não diria que chega a ser uma mansão, mas é uma casa
grande naquele estilo cubo característico dos anos 80, com janelas
enormes e venezianas de madeira e, apesar de antiga, dá para ver
que acabou de passar por uma reforma.
O ponto alto, entretanto, é o jardim em que estamos, que parece
até um daqueles jardins de grã-fino das novelas do Manoel Carlos,
com gramadão, piscina e área de festa… Tenho a impressão de que
a qualquer momento a Susana Vieira vai aparecer com uma taça de
champagne na mão e, no aparelho de som, vai começar a tocar
Corcovado do Tom Jobim.
Com certeza!
— Hm, talvez.
— Talvez?
— Foi, é?
— Foi, porque vocês namoram, faz sentido isso.
— Uhum.
— Eu sei! — concordo.
— Por quê?
Luísa não está mais com as pontas do cabelo rosa e tirou o loiro
também. Já Sofia manteve as luzes castanhas, mas está com o
cabelo mais comprido. Elas estão lindas como sempre, mas no
momento posso ver que estão cansadas da viagem.
Entre vários, “como você cresceu”, “você está linda”, “eu estava
com saudades”, escuto um “como você está gay” da Luísa para a
Helena.
Ela sabe.
— SURPRESA!!!
— Você não tem muita moral para reclamar não, Lu — Lara diz,
se sentando ao lado de Mila depois de terminar de fazer… o que
quer que ela estivesse fazendo.
— Ah, aquela vez que fomos para Buenos Aires, lembra? Foi em
2007, eu acho, você nem era tão pequena, já tinha uns 4 anos. Ficou
chorando e gritando o voo inteirinho. O papai já não sabia mais o que
fazer para você ficar quieta e a mamãe não sabia onde enfiar a cara.
— Mas tirando o voo, foi uma viagem bem legal — Lara diz sobre
a viagem à Buenos Aires. — A gente até pegou neve na semana que
estava lá.
Ela sorri para mim daquele jeito que faz quando acha que está
certa. Um sorriso ao mesmo tempo gentil e prepotente.
— Eu nem sabia que você era tão boa atriz, Lena — Luísa
provoca.
— O quê?
— É SÉRIO?
— Shh — Ele faz com a mão um sinal para falarmos baixo. — Ela
não sabe ainda. Pretendo pedir só depois do parto, para não
sobrecarregar ela agora.
— Obrigada.
— Aí, foi mal por isso — Pepa diz, coçando a cabeça. — É que,
sei lá, ela é diferente, não quero levar um toco, então tenho que ter
certeza antes.
— Você não toma jeito, né, guri — Sofia diz, mas tem um sorriso.
Ela então se vira para mim: — E você vem comigo… desculpa aí,
meninos.
— Foi por causa daquele vídeo que viralizou, você não viu?
— Pati, Pati... cuidado para não sair mal dessa história — ela me
fala, e posso perceber que sua preocupação é genuína.
— Claro, Juju!
— Hum, não — Júlia diz. — Você, hm, você tem que ficar na
festa, porque a gente organizou pra você!
— Você fez certo — Mila diz. — Quando bate o vento sul, essa
área fica muito gelada.
— Teve aquela vez que a Lara deu uma lavada na Lena no Banco
Imobiliário — Mila conta —, e a Lena ficou puta da cara porque
achou que a Lara estava roubando, você lembra, Lena? — ela
pergunta para mim.
— Sei.
— Não sei como ela deu conta de nós quatro — Lara diz. — Eu já
passo trabalho com dois. E eles são uns anjinhos comparados com a
gente.
— Claro.
— Não é aqui?
— Não!
Assim que entro pela porta, vejo Júlia e Pati olhando alguma
coisa embaixo da cama. Quando Júlia me vê, ela abre um sorriso
travesso, e ela e Júlio saem correndo e fecham a porta atrás de mim.
Pff!
— É?
Parte da família.
— Bom, acho que vamos ter que pular a janela — digo, tentando
mudar de assunto.
— A gente espera, ué, alguma hora alguém vai dar a nossa falta.
Pelo jeito os dois pensaram bem antes de nos trazer para cá,
porque além da rede de proteção, o quarto é virado para a frente da
casa e a festa está acontecendo na piscina, que fica nos fundos.
— Esse?
— Uhum.
— É claro!
— Pfuetzenreiter!
— Você entendeu.
— Então!?
— Por quê?
— E daí?
— Eu vou estar com você — ela diz com mais gentileza do que
estou acostumada vindo dela.
— Acha?
— É mesmo?
— Hm, o quê?
— Ué, se você estava tão apertada por que não usou o da Lili? —
Lara pergunta, mas ignoro.
— É isso aí!
— Quer dizer que você não gosta da tia Pati de verdade? — Júlia
pergunta.
Não sei por que simplesmente não digo que não gosto da Pati
desse jeito. Mas alguma coisa me impede e não quero decepcionar a
Júlia.
— Não sei direito, meu amor, eu não tenho muita experiência com
isso.
Ontem tive treino com a Júlia, mas Helena não apareceu para
assistir no final como já tinha se tornado comum nas últimas
semanas.
Ela está usando um terninho rosa que faria qualquer outra mulher
parecer uma irmã perdida do Rosa & Rosinha ou um cosplay de A
Garota de Rosa-Shocking, mas ela está absolutamente linda, como
sempre.
— Bom, achei melhor passar para dar um oi, mas se você tiver
livre a gente pode tomar um café.
— Que pena — ela diz e parece, não sei, sincera?! Será? Ela
continua: — Se você tiver tempo essa semana, podemos ver os
vestidos para o MASP Gala, o que você acha?
Odeio avião!
Mas já?
Espera!
Se concentra, Pati!
E como!
Penso que esse pode ser o beijo que não aconteceu na festa de
boas-vindas e que Helena, no fim das contas, não se arrependeu
como pensei a princípio, apenas fomos interrompidas.
Acho que ela foi pega de surpresa pela minha reação, mas não
parece nem um pouco em dúvida agora e, como não recuou,
entendo que ela também quer.
Passo uma mão pela sua cintura e a trago para mais perto.
Escuto um som baixo de aprovação escapar pela sua garganta e não
consigo me lembrar de um beijo me causar tantas sensações antes.
— Duvidar do quê?
— Não olha — ela sussurra, ainda muito próxima de mim,
segurando minhas duas mãos. — Mas o detetive que o Vitor
contratou esteve me seguindo o dia todo e posso apostar qualquer
coisa que ele está por aqui nos observando.
— O quê?
— Agora quero ver ele duvidar — Helena diz mais uma vez, como
se eu fosse demente e já tivesse esquecido.
— Hã?
Como essa mulher pode ser tão sem noção, meu Deus?
Ela tem a decência de ficar sem jeito e não olhar para mim.
Eu estou chorando?
Não!
Não vou chorar por uma coisa tão besta. De jeito nenhum!
Enxugo as lágrimas na munhequeira e me recomponho. Ainda tenho
uma aula pela frente.
Graças a Deus meu aluno logo chega, e pela hora seguinte não
penso em nada mais que não seja o treino. Deixo boa parte da
minha raiva e frustração na quadra.
◆◆◆
O mar não está fácil hoje, mas coloco toda a energia na remada e
chego nela bem a tempo, começo o dropping e logo consigo
executar algumas manobras. De repente, na minha cabeça, existe só
esse momento.
— Foi demais!
— PATI???
É uma ideia estúpida. Ficou claro que ela não quer me ver tão
cedo, e acho que talvez seja uma boa ideia começar a respeitar as
vontades dela também. Creio que a Pati tenha razão em estar
irritada. Eu não posso sair beijando ela sem avisar. Embora eu tenha
tido a impressão de que poderia.
Que inferno, guria, será que você não está vendo que eu preciso
de espaço?
— Hm… o-ok.
Bem melhor.
◆◆◆
— Tomografia?
— Eu tentei falar pra ela que o tempo não tava bom, mas ela
disse que precisava surfar e que iria de qualquer forma, aí achei
melhor ir com ela.
Sinto uma fisgada de culpa me acertando. Será que ela falou isso
por causa de ontem? O que teria acontecido se o Pepa não tivesse
ido com ela?
— Pô, ela é minha melhor amiga! — ele diz e posso ver como
está preocupado, nunca o vi assim sério antes.
— Tá, se você quiser, pode ir, eu fico aqui e te aviso quando tiver
notícias.
— Aviso, eu prometo.
— Alguma novidade?
— Nenhuma ainda.
— Pode, mas é melhor que receba apenas uma visita por vez.
Pepa está branco como uma vela e é a primeira vez na vida que
o vejo tão sério. De repente, percebo a areia sob meu corpo e o
barulho das ondas estourando e me lembro de que eu estou na praia
e, pelo que parece, levei um caldo.
Tento me sentar, mas fico zonza. Escuto Pepa falar alguma coisa
antes de tudo escurecer de novo.
— Ah.
— Vou?
— Você acordou!
— Ah, é verdade.
— Quem é Amanda?
— Minha assistente.
— Ela é bonita?
— O quê?
— Ela é bonita?
— Uhum.
Ela ainda segura uma das minhas mãos e sinto o seu polegar
acariciando a minha pele.
— Cadê o Ju e a Juju?
— Patrícia Borges.
Ela ergue a outra mão na minha frente e tento focar o olhar ali.
— Você receberá alta hoje — ela diz com cautela. — Mas terá
que ficar em repouso absoluto.
— Eu tô morrendo de fome!
◆◆◆
— Que entrada?
— A da minha casa.
— Você tá maluca? Eu não vou te deixar sozinha, você vai pra
minha casa!
— É o quê?
— Foi só um caldo!
— Ah, preciso ligar para o Pepa, falando nisso. Acho que foi ele
que me tirou da água, não foi?
— Tá, tipo, meio azul, meio preto e meio verde! — Júlia completa.
— Não encosta — Helena diz, voltando para a sala e se sentando
ao meu lado. — Vocês já jantaram?
Sei lá, também não estou tão mal assim para ser paparicada
desse jeito.
— Vocês dois fazem companhia para ela? — ela diz aos filhos,
ignorando meu protesto.
Fico feliz com isso, porque me lembro muito bem como ficaram
chateados com o episódio do aniversário do tal Enzo.
— Eu sou melhor que ela — Júlio diz. — Mas ela é melhor que eu
em matemática!
— E o que é?
— Eu não.
Como é?
— Hã?
Ah! É verdade!
Parece que todo mundo teve o dia cheio por minha culpa.
— Desculpa!
— Pelo quê?
— Sim, obrigada.
Fico sem saber o que fazer com a toalha que está na minha mão.
Mais uma vez fico sem saber o que fazer. Helena se levanta e
caminha até mim.
— Uhum.
Ela leva uma das mãos ao meu queixo e com a outra, afasta meu
cabelo com cuidado. Novamente sinto meu rosto franzindo, porque o
simples movimento do cabelo faz a pele sensível doer.
Sinto uma das suas mãos tocar a minha nuca, longe da parte
lesionada.
— Desculpa.
— Da próxima vez que for fazer uma coisa estúpida dessas, não
faça!
Está na hora de eu aceitar que não é sua culpa ela não sentir o
mesmo por mim. Eu sabia que ela nunca tinha se envolvido com
mulheres, aliás, eu sabia que não se envolvia com ninguém quando
aceitei fingir. Também sabia que ela tentaria vender essa farsa a todo
custo.
A culpa foi minha por ter me iludido quando a Helena sempre foi
apenas ela mesma o tempo todo.
— Me desculpa, mesmo assim, eu prometo que não vai mais
acontecer!
— Uhum.
— Você vai dormir nessa cama nem que eu tenha que te colocar
à força.
Eita!
Minha vontade é de dar uma surra na Pati por fazer uma coisa
estúpida dessas, como se não tivesse um monte de gente que se
importa com ela. E ainda tem coragem de fingir que não foi nada.
Insuportável, é isso que ela é. Insuportável e idiota!
Apesar disso, tem uma outra parte de mim que quer poder cuidar
dela e garantir que mais nada de ruim aconteça… nunca.
Depois que ele morreu, Luísa passou a jogar com um pouco mais
de frequência, mas para ser sincera, acho que era mais para se
sentir próxima a ele do que por vontade de jogar.
Júlio me deixa vencer, mas finjo que não percebo. Jogo mais uma
partida com a Júlia, então vejo que está na hora do remédio da Pati.
Falo para os dois irem dormir em meia hora e sei que eles vão
obedecer sem eu precisar vir checar, porque, apesar de levados,
eles são muito obedientes e quando querem algo, me pedem em vez
de fazer pelas minhas costas. Dou boa noite aos dois com um beijo
na testa e, hoje, ganho um abraço apertado da Juju.
Não sei como ela sabia que era exatamente o que eu estava
precisando, mas aceito sem questionar.
◆◆◆
— Ué, não foi você que resolveu surfar num dia que tinha um
ciclone extratropical passando pela costa?
— Tinha!
— Hm. Entendo onde você quer chegar! Bom, pelo menos ele é o
herói do filme.
Não seria?
— E daí?
Ela continua:
— Fiquei tonta.
Espera!
Percebo que não tenho muita escolha senão acordá-la. Tento ser
delicada, sacudindo-a de leve.
— Helena?
— Hm?
— 6h45!
O quê?
Eu achei que ela iria falar com eles lá fora. Me apresso para me
ajeitar também.
Tem frutas, suco e alguma coisa pastosa que prefiro não tentar
identificar, mas acho que é mingau… ou um creme de tofu. Talvez
seja canjica.
Como?
Levo a minha mão até a sua e ela não pensa duas vezes antes
de entrelaçar nossos dedos.
É um filme engraçado.
Hilário até.
◆◆◆
— Nova em folha!
— Pô, mas ela tem razão, feia, você levou um baita caldo.
Oh.
Helena volta com uma jarra de suco e oferece para todo mundo,
e Pepa passa mais algum tempo com a gente. Depois que ele sai,
decidimos pedir comida em vez de sair para comer.
Pelo que pude entender, elas não se falavam desde aquele dia na
casa da Pati e pude notar que estava arrependida da maneira que
haviam deixado as coisas. Ela não hesitou nem um segundo antes
de aceitar o convite.
Não desminto a Pati, porque como mãe, sei que ela só vai ficar
mais preocupada.
Susana fica algumas horas com a gente e, assim que ela vai
embora, percebo o sorriso estampando o rosto da Pati.
— Eu confio.
— Você pode ficar com a janela — falo para Helena assim que
chegamos às nossas poltronas.
— A janela é sua.
— Eu prefiro o corredor.
Apenas dou de ombros, não quero ter que falar em voz alta que
tenho medo de que essa lata de sardinha caia, e que ficar olhando
para as asas e turbo só me deixa mais ansiosa. Ainda mais para a
Helena, que até agora não descobri ter um único medo. Ela vai me
achar patética. Então apenas me sento na poltrona no corredor e
coloco meu celular no modo avião.
— Ué, você acha que os celulares ainda viriam com essa função
se não fosse? Você quer mesmo causar uma obstrução na
comunicação do comandante com o solo?
— Pra quem nem queria ir a essa festa até que você tá com
bastante pressa.
Sinto que é uma pergunta genuína, que ela não está perguntando
apenas para tirar sarro da minha cara.
— Obrigada.
Ela apenas abre um sorriso gentil e leva minha mão à boca antes
de plantar um beijo no dorso, então, se vira para a janela para olhar
a paisagem.
Agora eu não posso fazer mais nada além de rezar para que eu
sobreviva a essa noite, mesmo já sabendo como é difícil ignorar o
efeito que a proximidade dessa mulher me causa.
Comemos sem muita pressa porque ainda falta algum tempo para
o nosso horário no spa. Helena aproveita para me contar sobre os
eventos dos anos anteriores que ela participou e me conta que
costumava vir com a sua mãe quando ela era viva.
Por mais que eu me esforce para não olhar para a Helena, não
consigo e quando dou por mim, meus olhos estão passeando pelo
corpo dela. Não é como se eu já não a tivesse visto na praia, mas de
alguma forma, essa é uma experiência muito mais íntima.
Helena se deita na maca ao lado da minha de bruços e a
massagista cobre a sua bunda com uma toalha — que pena — e
abre o biquíni, deixando as suas costas nuas.
— Obrigada.
Não satisfeita, ela faz mais uma foto beijando minha bochecha.
Tenho a impressão de que ela se demora um pouco mais no beijo,
talvez seja só porque estava posando para a foto, mas a respiração
dela no meu rosto me deixa até meio zonza.
◆◆◆
Pedimos uma salada no quarto mesmo, porque nenhuma de nós
estava com muita fome, em seguida, apesar do meu protesto, temos
que descer para fazer cabelo e maquiagem para o evento.
Uau.
— Claro.
27.
Helena
◆◆◆
— Espumante, eu acho.
— Então eu também.
Eu sei que ela ainda não está se sentindo à vontade. E para ser
sincera, não sei se alguém se sente à vontade nesse tipo de evento,
mas espero que logo ela relaxe e aproveite um pouco.
Vejo ela segurando o riso e não sei direito no que está pensando.
— Você acha, é?
— Acho!
Não demora nem dois segundos para eu ouvir meu nome sendo
emitido por aquela voz irritante e prepotente.
— Helena!
Ao lado dele, está um rapaz que não deve ter mais do que 25
anos. O acompanhante parece absolutamente entediado e observa
as pessoas ao seu redor, talvez procurando alguma celebridade ou
apenas tentando dissociar da figura ao seu lado.
— Pelo menos eles vão ter inúmeras fotos para usar quando
forem anunciar que as pombinhas se separaram.
As mesas são todas para seis pessoas e nos sentamos com mais
dois casais, que conheço apenas de vista.
Não demoro muito para perceber que a bolsa não está mais onde
deixei. Imagino que a equipe de segurança deva ter guardado
quando a viu ali. Caminho até um dos seguranças para perguntar se
está com eles e ele me diz que irá verificar e me retornar assim que
tiver uma resposta.
Cristo.
◆◆◆
— Perdão?
— Obrigada.
— Claro.
— Oh!
— Queria?
— Uhum.
— Eu também queria.
Não preciso ouvir mais nada antes de trazê-la para mais perto e a
beijar.
Eu sei que demorei bem mais do que deveria para ser honesta
comigo mesma, mas agora que fui, não quero perder mais um único
segundo. Levo minha mão livre à sua cintura, puxando-a para ainda
mais perto.
Coloco todo meu sentimento nesse beijo e deixo que ele fale por
mim.
Ela está sempre sorrindo, eu sei. Mas esse sorriso… esse sorriso
é diferente. Único.
Ela é perfeita.
— Não tem ninguém na face da terra que iria concordar que você
é um anjinho, mas é bem desse jeitinho que eu gosto de você.
Rolo para cima dela e não me escapa seus olhos desviando para
o meu busto quando o lençol desliza um pouquinho para baixo.
Dessa vez é Helena que rola por cima de mim invertendo nossas
posições. Reconheço o brilho nos olhos dela, mas meu estômago
ronca tão alto que quebra qualquer clima.
Logo de cara, vejo um tweet com mais de dez mil curtidas em que
há um vídeo de uma conversa por áudio no WhatsApp.
“Nem posso culpar a ex dela por ter fugido com o circo! Acho que
eu faria o mesmo!”
Me sinto paralisada. Não consigo correr até ela para pausar esse
monte de barbaridade que sei que disse, mesmo com todos meus
instintos me mandando fazer isso.
— Pati…
— Pati…
— Vai pra merda, Helena! — diz e abre a porta. Antes de sair ela
se vira mais uma vez. — Eu vou te dar a oportunidade de não
precisar fugir com o circo. Eu mesma vou! E nem se atreva a me
seguir!
Sei que ela não vai mais falar comigo. Não depois de ser
humilhada dessa forma.
Por que eu sou tão idiota? Por que eu insisto em fingir que não
me importo?
Fui eu que falei o nome dela aquele dia! Eu que coloquei ela
nessa situação. E se eu for sincera comigo mesma pelo menos uma
vez nessa minha vida miserável, vou admitir que falei o nome dela
porque eu queria que fosse ela!
Porque eu sempre gostei do jeito que ela traz luz para qualquer
lugar que entre, do jeito que ela sempre acha o lado positivo da
situação, do jeito que ela trata os meus filhos, do jeito que ela
sempre me tratou mesmo eu pisando nela. Do jeito que ela
conseguiu entrar no meu coração antes mesmo de eu perceber.
Não sei por quanto tempo fico aqui, abraçada ao travesseiro dela
e às lembranças da noite passada, mas só volto a me mexer quando
o telefone do quarto toca.
— Alô?
Hã?
— Manda.
- Vitor.”
Nesse momento não consigo nem sentir raiva dele, porque sei
que a culpa de tudo isso é apenas minha.
Assim que acendo a tela, vejo que tem mais de vinte chamadas
das minhas irmãs e muitas mais dos acionistas da Tennis&Co. Ignoro
os acionistas e abro a conversa com a Lara para ver se tem alguma
coisa a ver com o Ju e a Juju.
Sem saber o que fazer nessa fila, coloco as mãos nos bolsos. É o
primeiro minuto que não estou frenética desde que saí do quarto do
hotel. E até agora não tive coragem de olhar meu celular, muito
menos acessar o Twitter. Ainda assim, não consigo pensar em mais
nada que não seja isso.
Por quê?
Deus!
A ex ter fugido com o circo foi foda. A guria deve ser mto chata
mesmo.
Ela tem mó cara dessas mina lesada que acha tudo lindo.
Odeio esse tipo de gente que acha que tudo se resolve com
~amor
Respondo apenas:
Odeio voar!
◆◆◆
Ele não faz nenhuma piadinha, não tira onda com a minha cara e
não me pergunta nada, apenas me acompanha até o seu carro e
espera que eu fale.
Pepa se vira para mim mais uma vez. O carro ainda estacionado
no aeroporto.
Continuo:
— Ontem ela disse que não queria mais fingir e meio que
concordamos de, sabe… namorar de verdade. Mas aí hoje…
— Não muito.
Pepa não é tenista, mas joga bem o suficiente e sei que ele
oferece o tênis porque o clima está péssimo para surfar.
— Brigada, feio.
É isso.
Não com a Pati que faz meu coração acelerar, meu estômago
revirar e meu cérebro apagar. E que me odeia e nunca mais vai olhar
na minha cara…
— Ela já nasceu?
Sinceramente, não sei por que essa guria quer passar por isso
em vez de ir para um hospital com anestesia. Não importa quão
confortável seja sua casa, nunca se sabe o que pode acontecer,
ainda mais aqui, a horas do hospital mais próximo.
Credo!
Minha filha, agora é tarde para se arrepender. Você que quis isso.
Fico ali mais alguns minutos, até Luísa comentar que está com
fome, então aproveito a desculpa para sair dali.
— Eu sei…
— Eu sei.
Sim, sou.
Como é que é?
— E eu sei que você gosta dela! — Luísa continua. — Senão não
estaria aí com essa cara miserável agora.
— E como foi?
Por mais estranho que pareça, o tom natural da Luísa faz meu
desconforto diminuir e vou me sentindo mais à vontade.
— Perfeito! — digo. — Eu nem sabia que podia ser tão bom. Pra
ser sincera, eu achava que nem gostava tanto assim de sexo. Não é
que tenha tido experiências péssimas ou algo assim, é só que nunca
me interessei tanto quanto o resto das pessoas parecia se interessar.
E isso nunca foi um problema.
— Bom, isso não importa agora, o que importa é que eu fiz merda
e a Pati nunca mais vai falar comigo!
— Não, isso é!
— Ah!
— Você sabe como eu sou. Falei aquilo para não dar o braço a
torcer e admitir que gostava da personalidade dela.
— Você faz a sua vida ser muito difícil — ela diz, levando a mão
ao topo do nariz, como a nossa mãe fazia quando estava estressada
comigo ou com uma de nós.
— Não me diga!
— Bom, você precisa falar para ela o que sente de verdade. Ela
vai te perdoar porque apesar de toda essa situação, ela tá
apaixonada por você.
Gosto de falar com a Luísa porque ela é igual a minha mãe para
dar conselhos. Joga tudo que você fez na sua cara e depois manda
você consertar.
— Essa é a Lena que eu conheço — ela diz, se afastando da
bancada em que estamos. Planta um beijo na minha cabeça e
anuncia: — Eu vou ver se a Luna já resolveu dar o ar da graça.
Resolvo ligar.
Chama duas vezes antes de cair na caixa postal. Sei que isso
significa que ela desligou. Tento de novo e dessa vez nem chega a
chamar antes de cair novamente na caixa postal.
— Maldição!
Mais uma vez, sinto o nó na garganta e apenas faço que sim com
a cabeça.
— Gosto!
— Ela não quer falar comigo agora! — digo com a voz trêmula e
as lágrimas começam a escorrer.
Por que eles tem que ser tão amorosos e querer me consolar?
— Posso?
Vejo Mila olhar para ela arregalada. Depois do que parece horas,
mas creio que foram apenas segundos, Luna finalmente termina de
sair. Mila coloca ela sobre o peito, e Murilo abraça as duas com
cuidado.
Ela é roxa e gosmenta. Mas é tão bonitinha!
Mila está chorando, mas tem um sorriso tão grande que acho que
já esqueceu das seis horas que esse bebê sádico fez ela esperar.
◆◆◆
Ju e Juju estão encantados com a Luna, Mila até deixou que eles
segurassem ela um pouquinho, apesar das contraindicações da
Lara.
Mila e Lara são a prova viva de que não existe um jeito certo de
ser mãe. Porque está na cara que Mila vai ser o oposto da Lara em
quase tudo. Ainda assim não tenho dúvidas de que ambas são mães
incríveis.
Mila solta uma risada e consigo ver que ela está cansada, mas ao
mesmo tempo, completamente hipnotizada pela filha.
Sei que ela deveria estar aqui também, fazendo parte desse
momento comigo e com as crianças.
◆◆◆
Ignorei todas as ligações até essa manhã, mas agora não tenho
mais como adiar.
— Helena…
— A não ser que você tenha alguma coisa boa para me falar, eu
prefiro tomar meu café primeiro. Sozinha.
— Para?
— Bom, a não ser que a sua ideia sirva para eu recuperar minha
namorada, eu realmente prefiro tomar meu café primeiro.
Assim que ligo meu celular, há, simplesmente, vinte e três áudios
dela. Escuto todos dentro do carro, enquanto mato tempo antes do
meu próximo aluno, que eu espero que não me demita também.
Uma mulher!
Além dos vinte e três áudios da minha mãe, tem mais oito da
minha avó.
“A Alcides disse que a neta dela disse que tu podes processar por
danos morais e tirar ainda mais”
“Tu não seja boca móli, né, tua mãe me disse que essa mulher é
um câcu mesmo.”
“Onde já se viu falar essas coisa de ti, uma querida que nunca fez
mal pruma mosca, deve de ser uma jaguára mesmo”
“Se tu precisar de alguma coisa, fala com a vó, filha, que a vó faz,
tá?”
Solto uma risada com o último áudio. Por alguma razão esperava
que minha mãe e minha vó fossem me repreender, mas fico feliz em
ver que elas estão do meu lado.
Mas antes disso tenho a semana inteira pela frente e hoje ainda
tenho vários treinos, inclusive o da Juju.
— Não!
— Claro que é, feia! Você acha que ela iria me contratar para ser
treinador dos filhos dela? Mesmo eu sendo qualificado para isso?
— Ela não estava, não. Eu sempre soube como ela era, eu que
sou uma masoquista de ter um crush numa mulher que pensa essas
coisas de mim.
— Sempre supus que você sabia o mesmo nada que eu, já que
está sempre solteiro também.
Até que minha segunda-feira nem está tão bosta assim, no fim
das contas. Pepa e a minha família me animaram um pouco.
◆◆◆
As palavras do Pepa ecoam pelos meus pensamentos à tarde
toda.
Quando meu relógio anuncia que a aula das 15h está chegando
ao fim, sinto meu corpo todo agitado. O próximo treino é o da Juju.
Não sei qual ideia me deixa mais aflita, a de ela estar ou de ela
não estar!
Mas me controlo.
Hoje, Ju fica para assistir ao treino, coisa que ele não fez
nenhuma vez desde que parou de treinar também. Tenho para mim,
que eles estão com pena de mim e querem me fazer companhia.
Nada da Helena.
Nem mesmo no fim do treino, e tenho que deixar os dois com a
Elisa, que também me olha com certa pena.
Nada mais.
◆◆◆
Não sei por que estou assim, deveria estar zangada com ela, mas
só estou triste. Toda a raiva que senti já passou e ficou só o
sentimento de perda, o que é ridículo porque a Kate Hudson tem
razão, você não pode perder o que nunca teve!
“Pati entrou”.
— Tudo começou com uma Live, que eu não sabia que estava
acontecendo, então, nada mais justo do que responder em uma Live
também. E sim, eu menti naquele primeiro depoimento.
“Então, estou aqui para dizer que, sim, nosso namoro começou
de mentira, mas o que a gente viveu foi de verdade. E, Pati, se você
estiver vendo isso, me desculpa por não ter dito antes e por ser uma
babaca. Mas eu te amo!
“De verdade!
“Eu sei que você tem o direito de não querer falar comigo, mas eu
não vou deixar de te amar por causa disso!”
Continuo:
— Cinquenta mil?
— Quase.
— Hã?
Sinto meu peito se agitar e lanço um sorriso para ela e digo antes
de sair:
Eu tenho certeza!
Toda a empatia de Guga por mim some e ele pula do meu colo e
se aconchega nas almofadas no sofá.
Tadinho.
— Ótimo!
Sua mão sobe pelas minhas costas com a intenção de tirar minha
blusa.
— Não, a Lara pegou os dois mais cedo, eles vão dormir lá — ela
diz com um sorriso mal-intencionado.
— Mamãe…
— Falta o seu voto — ela diz assim que entro na sala com duas
bacias de pipoca. — Encanto ou Viva: A Vida é uma Festa?
— Viva!
Muito menos animação, mas não falo isso porque não quero
decepcionar os dois.
Talvez.
Durante todo o filme, quando ela acha que Ju e Juju estão bem
entretidos com a história, Pati se vira para mim para ganhar um beijo
ou um chamego, e nos esquecemos do filme por alguns minutos. Ju
e Juju soltam gargalhadas de tempos em tempos, seguidos de
inúmeros comentários sobre a trama e o que vai acontecer.
Júlio por outro lado, ainda pensa em surfar, mas é muito bom com
música também, o que me deixa feliz. Então dei para ele o ukulele
que era do meu pai. Admito que o ukulele é também uma tentativa
desesperada de fazer ele trocar a bateria por um instrumento menos
barulhento, mesmo assim, ele é muito bom percussionista.
— E daí se eu chorei?
— Com o quê?
— É!
— Não parece.
— Meu Deus, você implica com tudo — ela diz, me puxando para
ainda mais perto. Consigo sentir aquele cheiro de maresia e de pasta
de dente.
Pois não é!
Faz sete meses que nos mudamos para cá e dois que esse
filhote estúpido apareceu. O Pudim — sim, até o nome é idiota —, foi
presente de aniversário para o Ju que queria um cachorro.
Traidor!
Psicologia reversa.
Sempre funciona.
Não queria dizer nada, mas a Pati tá certa. A Helena tem mesmo
uma personalidade difícil. Não que a minha também seja difícil, é
claro… bem, é melhor mudar de assunto.
Estamos.
Fim.
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