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1ª.

Edição

2019

Copyright © Ana Caroline

Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Diagramação Digital:
Juju Figueiredo

Revisão: Evanilda Marins Almeida

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as

pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos


são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com

nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados. São proibidos o


armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o

consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime

estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código

Penal.
Sumário

Sinopse

DEDICÁTORIA

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Beck

Capítulo 8

Sophia

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Epílogo
Agradecimentos

Sobre a autora

Outras Obras
Sinopse
Sophia é a CEO de uma empresa especializada em análises

científicas, tem trinta anos, solteira e com um temperamento


explosivo. Ninguém atravessa seu caminho, nada a faz recuar ou
baixar a guarda. Sophia decidiu assumir a responsabilidade dos

estagiários, mas não está sendo fácil, ela é uma pessoa arrogante
demais para poder "cuidar" de um grupo de jovens curiosos, mas
sua guarda começa a baixar quando ela se depara com Bernardo,

um jovem portador de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

Bernardo tem um coração de ouro, sua inteligência vai além


da compreensão dos que o rodeiam, o fato de ter TEA o torna, aos

olhos dos outros, uma pessoa frágil, mas longe disso. Bernardo é
forte, determinado e o mais importante: o único capaz de domar a
fera Sophia Damasceno.
DEDICÁT
ORIA
Este livro é dedicado a todas (os) que em algum momento

teve seu coração partido e pode encontrar o seu Bernardo. A todos


que lutam por quem ama independente das circunstâncias.
Capítulo 1
Meu nome é Sophia, tenho trinta anos e sou dona de uma

empresa especializada em análises científicas. Devido à reputação


no mundo das pesquisas sempre há estagiários disputando uma
vaga na empresa. Normalmente os deixo por conta do meu

assistente, Roger, porém, ele me causou uma puta dor de cabeça


ao contratar Beck, sua namoradinha de infância. Bom, a menina
engravidou e hoje estamos respondendo a um processo por

assédio.

Roger não deu para trás com a menina, pelo contrário,


assumiu a responsabilidade. Ele realmente é apaixonado pela jovem

Aline Beck, mas isso não impediu a família dela, que não passa de
um bando de interesseiros, de me processar. Eles mandaram um
recado curto e grosso dizendo que não iriam recuar e tirariam o

máximo de dinheiro de mim.

Obviamente, tive que me envolver no caso, afinal sou a

dona da empresa e ele além de assistente é também meu irmão, no

entanto, não jogo para perder, bolei um enredo incrível, mas quando
fui apresentá-lo fui barrada pelo próprio Roger que não quis sujar a
reputação de Beck, acusando-a de tê-lo seduzido. Então, por

respeito a ele, decidi apenas pagar o que o juiz decidir. Não pense
que estou feliz com isso, perder dinheiro para um bando de

sanguessugas e ainda ser babá de um bando de jovens? Estou uma

fera! Tem um que é tão ousado que disse clara e abertamente que
se eu lhe desse uma oportunidade, faria de mim a mulher mais feliz

do mundo. Eu mereço!

Entre os novos estagiários há um autista, Bernardo. Achei


que me daria um trabalhão, mas de todos é o mais inteligente e

dedicado, fazendo sempre o melhor. Ele me intriga com as coisas

que diz, sem nem mesmo pensar ou medir para quem está falando.
Projetei uma sala para os estagiários, é bem grande e confortável.

Bernardo gosta de ficarperto da grande janela com vista para praia.

Confessoque amo essa vista também e assim como ele está agora,

às vezes me pego perdida olhando pela janela e pensando na vida.

— Boa tarde — digo obtendo a atenção de todos, menos a

dele, como sempre.

— Bernardo! — Chamo para ter certeza de que está

prestando atenção.
— Ouvi da primeira vez, dona Sophia, eu sou autista e não
surdo!

Nesse momento nem eu, que sempre tenho respostas para

tudo tive reação, ele disse aquilo tão tranquilamente sem se dar ao
trabalho de virar na minha direção que apenas suspirei e decidi

ignorar, depois pergunto o que o aborreceu.

— Gostaria de informar que esse fim de semana vocês não

terão trégua! Sexta, sábado e domingo trabalharemos normalmente,

e na próxima semana faremos uma viagem. O destino será

informados no domingo. Quem faltar não vai, quem me estressar

não vai e quem respirar fora do padrão normal não vai! Alguma
dúvida?

— Quem for menor de idade também poderá ir?

— Sinceramente, pretendo fazer uma nota proibindo me

mandarem estagiário menor de idade, porque só me dão dor de

cabeça. Mas enquanto isso não acontece, vou mandar Roger

preparar um documento de autorização para vocês apresentarem


aos pais, e caso eles não autorizem não quero choro na minha sala,

sem autorização não tem conversa.


Dito isso, vou até a mesa de Roger que desde a merda que

causou anda pisando em ovos comigo.

— Roger!

— Oi, chefe?

— Preciso que faça um documento de autorização para os


menores, para a viagem da semana que vem. Já deixei avisado que
sem autorização não tem conversa. Entendeu?

— Sim, senhora! Mais alguma coisa?

— Sim! Mande que o Bernardo venha até minha sala.

— Ia falar isso com você, há três dias ele vem chegado

atrasado.

— Que estranho, ele não é disso. Sabe o motivo?

— Parece que está tendo problemas com a moradia.

— Claro, ele é um autista morando em um albergue cheio

de maconheiros. Acho que também me atrasaria.

— Espera... Está justificando o atraso de um estagiário sem


gritar aos quatro cantos que isso é inadmissível?

— Há quantos anos você trabalha comigo, Roger?


— Dez anos.

— Bastante tempo... E quantas vezes se atrasou?

— Uma, quando já tinha cinco anos na empresa.

— Qual foi o motivo do seu atraso?

— Nossa mãe havia sofrido um acidente.

— E o que fiz em relação a isso?

— Disse que eu não era médico e não tinha por que ter
ficado com ela no hospital e no próximo atraso estaria no olho da

rua.

Caramba... Sou mesmo uma péssima chefe.

— O caso é diferente... Você não é autista, mande logo ele ir

até minha sala.

Nunca admitiria que errei. Fui escrota com o Roger? Fui!


Mas ele não precisa saber que me arrependi.
Capítulo 2
“O medo de nos ferirmos nos impede de seguirmos em

frente e experimentarmos novas oportunidades.”

Depois de mais ou menos uma hora Bernardo bateu à porta


da minha sala pedindo licença para entrar.

— Pela resposta que me deu na frente dos seus amigos,


entrar na minha sala sem pedir licença não me surpreenderia,

Bernardo.

— Falam que eu sou o único estagiário que a senhora


chama pelo nome certo. Zombam de mim porque sou o único a

quem cumprimenta. Por quê? — soltou tudo em um único fôlego,


esmagando as mãos uma na outra.

— Porque são um bando de inúteis sem noção, por isso


implicam com você.

— Não foi isso que perguntei, dona Sophia. Dizem que é


(devido ao) meu “pequeno defeito”.Quero saber da senhora por que

sou o único a quem cumprimenta e lembra o nome.


Parei por alguns instantes olhando para seu rosto sempre

sereno mesmo quando irritado, sua pele era tão branca que tinha
um tom rosado, olhos incrivelmente verdes e misteriosos. Ele não

me olha nos olhos, e encará-lo por muito tempo, como estou

fazendo o deixa nervoso e inquieto.

— Pode, por favor, parar de me encarar com esses olhos de

analista e me responder? Fiz uma pergunta...

— Gravei seu nome e pronto. Cumprimento porque diferente

do bando de puxa-sacos lá fora, você sempre me diz a verdade!


Lembra do seu primeiro dia? Quando chegou, todos estavam

elogiando meu casaco de pele e você foi o único que disse em voz

alta que eu estava ridícula, parecendo uma ursa polar grávida.

— E estava mesmo. — diz escondendo um sorriso.

— É por isso, Bernardo, que te trato diferente dos outros,

não é pela sua condição, é pelo seu caráter!

— Não é isso o que dizem... Não é isso...

— Então, diga o que dizem.

— Não! Não sou fofoqueiroe nem...— para um pouco para

pensar e depois de um tempo completa — X9, nem sou X9.


— Quem anda falando essas coisas para você?

— Já disse que não vou falar.

— Se não me falaragora, vou sair por aquela porta e demitir

todo mundo.

— A senhora não faria isso... Porque... Porque... Quem vai

trabalhar se a senhora demitir todo mundo?

— Não digo a mesma coisa mais de uma vez, Bernardo, ou

você me fala agora ou vou precisar renovar o quadro de estagiários

e funcionários.

Esperei por quinze segundos... Sim, eu contei! Quinze

segundos observando-o ficar cada vez mais nervoso, pois no fundo

ele sabia que eu o faria. Então levantei da minha cadeira dei a volta

na mesa o fitei como uma leoa raivosa e saí. Comecei com o


menino do café.

— Qual seu nome? — Ele gaguejou tanto que desisti. —

Esquece, não importa, você está demitido.

— Roger!

— Oi, Sophia. — disse apreensivo.


— Quero que demita todos os funcionários e estagiários. —

Roger mudou de cor tantas vezes que parecia um camaleão se


adaptando ao ambiente. — Vai fazer o que mandei ou vai ficar me

encarando feito um idiota? Quer ser um dos demitidos?

— Não, Sophia, claro que não! Só acho que você está se


precipitando, tem pessoas que trabalham aqui há muito tempo e...

— Não me importa! Quero todos na rua, você ganha muito


bem e acredite, não te pago para achar, pensar, ou se importar.

Você é pago para obedecer às minhas ordens.

—Sophia, por favor. — Tenta argumentar. Roger é mais que


um assistente, é meu irmão, confio a minha vida a ele, mas não

posso demonstrar muito afeto.

— Não quero ouvir mais a voz de ninguém. — Decreto. —


Roger, vá almoçar com Bernardo e veja se arranca a informação
que quero. Caso contrário, volte já assinando a sua demissão pela

incompetência e as dos demais funcionários.

Quando Bernardo ia abrir a boca Roger o puxou pelo braço


até o elevador impedindo-o que falasse. Pude ouvi-lo dizer:

— Se você não me contar e eu for demitido, juro que te


mato, moleque.
Tive de rir do desespero de Roger e da cara do Bernardo ao

ser puxado contra vontade. Uma hora e meia depois, os dois entram
na minha sala. Pela cara de orgulho de Roger, ele conseguiu a

informaçãoque eu queria e pelo ar de desgosto de Bernardo não foi


muito agradável.

— Nomes... — digo sem esperar que digam algo.

— Roberta, Bárbara, Rodrigo e Leandro. — Roger fala com


claro alívio enquanto Bernardo maneia a cabeça de um lado para o

outro mostrando seu desgosto pela situação.

— Como pode ver, Bernardo, você não é o único de quem


gravei o nome, o Roger se chamar Roger mesmo.

— É diferente! Ele trabalha como seu assistente pessoal há

dez anos, três semanas e dois dias. Seria burra se errasse o nome
dele, ou louca. Mas, você não é nenhuma das duas coisas. É só

uma pessoa muito má! Muito, muito má.

Quase ri. Roger segurou a gargalhada e chegou a ficar


vermelho.

— Quero que reúna funcionários e estagiários do setor,


Roger.
— Você ainda vai demitir todos? — Bernardo perguntou com
uma cara de choro que me fez mais branda.

— Não, querido, não todos. Mas todos têm de estar


presentes, os que zombaram de você, servirão de exemplo.

Roger saiu para organizar a reunião e Bernardo


permaneceu na sala mexendo na estante de livros.

— Então, me acha uma pessoa muito, muito má? —


pergunto quebrando o silêncio.

— Sim, eu acho. Mas não comigo, comigo a senhora é legal.

— Por que você acha que sou legal apenas com você?

— Não sei. Pode ser porque sou diferente e não finjo gostar
da senhora, as outras pessoas fingem e isso a deixa com medo. A

senhora tem medo de ser legal e acabar sendo machucada de novo.


Sei que já foi machucada, vejo nos seus olhos.

Sinceramente, não esperava aquela resposta. Ele conseguiu

mais uma vez me calar.

O que você tem Bernardo? Como consegue me desvendar


tão bem?
Capítulo 3
Assim que a sala de reuniões ficou pronta me dirigi para lá.

Bernardo já havia saído da minha sala depois de ter dito suas


verdades, como sempre fazia.

— Boa tarde a todos! — Não espero que me respondam e já

emendo — Roberta, Bárbara, Rodrigo e Leandro quem são?

Os quatro levantaram a mão um pouco receosos.

— Peguem seus pertences e caíam forada minha empresa,


vou pedir ao Roger que envie uma carta de rejeição por e-mail à
instituição de vocês. Espero que fiquem felizes, pois além de

lembrar perfeitamente dos seus nomes, ainda perdi parte do meu


tempo escrevendo o quanto desprezo pessoas invejosas, mal-

intencionadas e traiçoeiras como vocês.

Estava acostumada a ser o centro das atenções, mas nunca

havia visto tantos rostos perplexos, ao mesmo tempo, me olhando.

Eles abriram a boca inúmeras vezes, porém nada saía e isso era
bom, não estou aberta a discussões.
— Mais alguém contrariado por eu não lembrar o nome ou

não cumprimentar? — Esperei impaciente batendo com a ponta do


meu scarpin no chão. — Ótimo! Cadê o menino do café?

— Estou aqui, dona Sophia, sei que a senhora me demitiu,

mas (o) Roger me mandou ficar.

Olhei na direção de Roger que deu de ombros e disse — Ele


fez muito bem! Você foi demitido do serviço do café. Agora será o

assistente de Roger. Está pronto para ficar sob a minha mira todos

os dias, diretamente?

Pareceu pensar, mas vi o brilho nos olhos dele.

Precisava do emprego, e sabia que como assistente o salário seria


bem maior.

— Estou mais do que pronto, dona Sophia.

— Ótimo... Roger, passe tudo que ele precisa saber, se em

uma semana não se adaptar, transfira-o para outro setor em que se

adapte melhor. E menino do café... Por favor, não faça com que me

arrependa disso!

— É Felipo... — Levantei meus olhos para Bernardo que

estava no fundo da sala, assim como todos. Ele se encolheu com


tanta atenção em sua direção e olhando para os sapatos disse:— É
Felipo o nome dele, não menino do café.

Não consegui segurara a gargalhada, não as forçadasou de

deboches que solto, mas aquela gargalhada que vem solta e


espontânea. Todos me olharam como se estivessem vendo um

fantasma, então me recompus e disse: — Obrigada, Benedito. Eu

vou guardar o nome do Felipo por um bom tempo.

Bernardo riu e riu porque sabia que eu havia trocado o nome

dele de propósito, riu porque ficoufelizpelo que fizpor Felipo, vi nos

seus olhos, assim como vi raiva nos olhos das pessoas quando

demiti os quatro patetas.

Fui para casa pensando no que Bernardo havia dito tão

naturalmente.

Sei que já foi machucada, vejo nos seus olhos.

Caramba, já faz tanto tempo, será que ainda transpareço


minha dor?

Não, claro que não. Não demonstro emoção há anos, minha

mãe diz não me reconhecer mais.


Ao entrar no prédio, Bento ou Benjamin seja lá qual for o

nome do meu porteiro, me para.

— Boa noite, dona Sophia. O senhor Artur veio aqui e pediu


para lhe entregar isto.

Ergue um grande buquê de flores e me entrega. Ia dizer


para que o jogasse no lixo, assim como todas as outras coisas que

Artur insistentemente me tem enviado, mas gostei das rosas, eram


diferentes e tinham um aroma incrível.

— Obrigada, Ben. — Prefiro chamá-lo assim, melhor do que

trocar o nome dele que é sempre tão simpático comigo, mesmo


quando estou insuportável.

— De nada, dona Sophia. Tenha uma boa noite.

Respondi com um aceno de cabeça e peguei o elevador. Só

queria chegar a casa e tomar um relaxante banho de banheira. O


dia foi extremamente estressante.

Eram quatro da manhã quando o celular tocou. Estava

exausta, mas pela insistência parecia ser algo sério. Quando olhei
no visor xinguei mil palavrões.
— Espero que você tenha um motivo muito bom para me

ligar às quatro da manhã. Caso contrário, se considere demitido,


Roger.

— Eu estou no hospital, Sophia, e...

— E por que, diabos, não ligou para tua mulher? O que quer
que eu faça às quatro da manhã por você no hospital?

— Não sou eu que estou mal. Mais cedo os seguranças da

empresa me ligaram porque encontraram Bernardo nos fundos do


estacionamento todo ensanguentado. Corri para o hospital, não quis

te preocupar, mas agora ele piorou e achei melhor te avisar.

Paralisei, não sabia o que fazer, quando vi já estava de pé


indo para o banheiro.

— O que houve com ele?

— Parece que o agrediram até ele ficar inconsciente.

— Fique aí... Não saia daí enquanto eu não chegar, ouviu?

— O quê? Você vai vir para cá?

— ESTÁ SURDO? JÁ ESTOU INDO.

— OK. Vou te esperar, tome cuidado.


Joguei o telefone na cama e me olhei no espelho do
banheiro, vi uma lágrima e fiquei ali me admirando por um tempo.
Faz anos que não sei o que é chorar. Cheguei a pensar que estava

seca e não tinha mais lágrimas. Mas olha ela aí, o meu peito está
tão apertado, não sei explicar o que estou sentindo, mas isso não é

bom. Não é nada bom.

Faz três meses que Bernardo está na empresa, e desde o


primeiro dia ele consegue despertar em mim o que ninguém

consegue.
Capítulo 4
Cheguei ao hospital em tempo recorde, avancei uns três

sinais, quase atropelei uma pessoa e quase causei uns acidentes


pelo caminho, mas nada disso me importava, o meu peito estava
sendo esmagado, só de pensar que ele pode morrer.

Juro, por tudo que é mais sagrado, as pessoas que fizeram


isso com ele vão sofrer tanto, que vão implorar pela morte.

Antes de sair de casa, liguei para os responsáveis pela


segurança da empresa e mandei que verificassem as imagens de

todas as câmeras. Quando me certificar que ele ficará bem, vou


confirmar minhas suspeitas.

Assim que passei pelas portas do hospital avistei Roger

sentado na sala de espera.

— Roger... —Chamei já que ele parecia estar dormindo e

não me viu chegar.

— Olá, Sophia! Desculpe, acabei cochilando.

— Tudo bem! Como ele está? O que falaram?


— Está estável, porém, bem machucado. Fora as duas

costelas quebradas, o que foi o mais grave, há diversos ferimentos


pelo corpo e o rosto ficou bem machucado.

— FILHOS DA PUTAAAAA!

A sala de espera parou, os enfermeiros que passavam me

olharam com clara reprovação.

— Ahhh, vão se ferrar vocês também, vão logo fazer o

trabalho de vocês.

Eu iria continuar a dizer umas coisas, mas a mão de Roger

apertou o meu braço. Olhei para seu rosto e para a mão em meu

braço umas duas vezes e ele me soltou envergonhado.

— Desculpe! Mas aqui não é local para isso, Sophia,


respeite as pessoas que estão aqui pelo mesmo motivo que você!

— Não me importo! Quando viu me incomodar com a dor

dos outros?

— Estou vendo agora com Bernardo, depois de anos. Isso


realmente me surpreende.

Ele me calou. Em parte porque tinha razão e em parte por

que nem eu conseguia entender o que estava acontecendo comigo.


Simplesmente me calei e sentei em uma cadeira ao lado da que ele
estava quando cheguei.

— Tenho quase certeza que foi o grupo que você humilhou

hoje na frente de todos. — Disse quebrando o silêncio e me tirando


dos meus pensamentos.

— Está querendo insinuar que a culpa é minha?

— Estou dizendo o que acho que aconteceu. Achei certa a

atitude de mandá-los embora, mas não da forma como foi feita.

— Olha, Roger, realmente tenho a mesma opinião em

relação aos responsáveis pelo feito, mas nunca mais ouse insinuar
que tenho culpa por qualquer atitude alheia devido ao meu modo de

agir com as pessoas. Cada um é responsável por seus atos, e eles

vão pagar bem caro pelo que fizeram, isso eu garanto.

Passaram horas até que nos deixaram vê-lo. Estava

dormindo, por sorte Roger o trouxe para um bom hospital, eu o


demitiria caso o tivesse levado para um hospital qualquer.

Não entendo o que estou sentindo, mas meu coração está

ainda mais apertado vendo-o nesse estado. Seu rosto está quase
irreconhecível, são tantos hematomas, ele não se mexe, queria
tocá-lo, mas lembro das reações dele em relação ao toque, e Roger

está me encarando com uma expressão estranha, como se visse


em mim algo que nunca mais viu... Algo bom!

Existe uma parte da bíblia que diz:"O bem que quero fazer

eu não faço, mas o mal que eu não quero, esse eu faço e refaço."

Bom, há muito tempo não desejo fazer o bem a ninguém,

mas também não luto para fazer o mal, embora o faça com
facilidade. Essa é a primeira vez, em anos, que quero fazero bem!

É quase uma necessidade, Bernardo Drumond arranca o melhor de


mim, mesmo que isso nem exista.

— Roger, vá para casa. Tua mulher está grávida, não a

deixe sozinha por mais tempo, mas antes passe na empresa, pegue
as fitas e veja uma a uma, confirme nossas suspeitas e me avise.

— E você?

— Ficarei com ele, você avisou à família?

— Sim, mas eles disseram que não poderiam vir. Parece


que estão viajando e pediram para mandar notícias.

— Cambada de filhos da puta, isso sim. Como podem não

se importar com alguém tão especial?


Lá estava, o brilho de novidade nos olhos do Roger que me

encarava com um sorrisinho descarado.

— Vai ficar me olhando com essa cara de idiota ou vai fazer


o que eu mandei?

— Estou admirando você, a melhor patroa que eu poderia


ter, dona Sophia. Tenho certeza que Bernardo pensa assim também!

— Cale a boa e saia!

— Até daqui a pouco, minha irmã!

Disse e saiu. Desgraçado! Odeio quando fala isso. Quando


me lembra quem sou.
Capítulo 5
Meu mau humor está quase que palpável, já trocaram de

enfermeira umas quatro vezes e uma delas saiu quase que


atravessando as paredes, depois de me ter contrariado.

Poxa, Bernardo passou a maior parte da manhã gemendo

de dor, era agonizante vê-lo assim e ouvir a filha da mãe dizer que
estava tudo sobre controle e que logo os remédios fariam efeito.
Acontece que já era a terceira vez que falava aquilo e garanto que
não a chamava de meia em meia hora, aí eu perdi o controle,

peguei-a pelo braço e a virei para Bernardo, que estava se


contorcendo e chorando.

— Olha para ele, olha bem para cara dele e me diz se está

tudo sobre controle? É isso que chama de controle? Ele está assim
há horas e você só sabe falar isso, ou dá um jeito agora ou esse é

seu último dia de trabalho na vida, porque vou garantir isso


pessoalmente.

Depois disso, ela não apareceu mais no quarto, mas logo o

médico responsável pelo plantão apareceu e tomou providências.

Não me dirigiu a palavra, entrou e medicou Bernardo. Do mesmo


jeito que foi a entrada, foi a saída., não me dirigiu nem um olhar,

mas em menos de dez minutos Bernardo dormia tranquilo.

Não estou na merda de um hospital público, pelo contrário,

esse é um dos hospitais mais caros da região e é inadmissível esse

tratamento desleixado.

Já eram dez da manhã e eu estava olhando pela janela do


quarto o pátio imenso. Havia funcionáriossaindo, outros chegando e

alguns descansando. Já estive aqui tantas vezes e nenhuma delas

foiboa, nenhuma me traz boas lembranças. As três pessoas que eu


mais amava estiveram aqui e não sobreviveram e eu, por pouco,

não morri neste lugar também. Este é o último lugar no qual queria

estar, mas jamais o deixaria sozinho. A mãe de Bernardo me ligou


duas vezes, na primeira eu atendi na esperança de que ela

estivesse vindo, mas ficou claro que a viagem era mais importante

do que o filho. Disse que ele, apesar de doente, sempre foi

independente.

Que porra de mãe é essa?

O TEA nem mesmo é considerado doença. É um transtorno

mental que pode ser trabalhado, reabilitado para o convívio social e

atividades acadêmicas. Olhando para esse rapaz, ele se saiu muito


melhor do que muito marmanjo com plenas capacidades mental
física. A inteligência dele me deixa no chinelo e vem essa mulher, do

quinto dos infernos, falar uma asneira dessa. Nem de mãe merece

ser chamada. Na segunda ligação, eu a mandei para o inferno

quando veio com o papo de que o filho é doente e é minha

responsabilidade cuidar dele já que tudo aconteceu na empresa,

que nem deveria ter aceitado um estagiário que é retardado. O ódio


me subiu à cabeça, não por ter sido claramente ameaçada, mas por

ele ter sido chamado de retardado. Quando Bernardo estiver bem,

vou conversar com ele e saber se já sofreumaus tratos dessa infeliz

e se ele confirmar, juro que mato essa desgraçada.

Divagando no meu ódio não percebi o toque do celular,

quando dei por mim já havia caído na caixa postal, olhei a chamada

perdida e vi que era do Roger e retornei.

— Achou alguma coisa?

— Bom dia para você também, Sophia. Beck me ajudou a

olhar as imagens das câmeras de segurança, eles usaram um ponto

cego, porém, ela reparou uma coisa nas imagens.

Respirei fundo e disse: — O que ela viu?


— Nós comparamos os horários de saída de cada um, o

grupo que foi mandado embora e mais duas pessoas que ficaram na
sede foram vistas batendo o cartão, mas não saíram do prédio.

Quando Bernardo saiu do elevador, não foipara a saída do prédio e


sim para o estacionamento, o que é estranho já que ele não tem
carro e não pega carona com ninguém além de mim ou do Carlos, e

nenhum de nós estávamos no prédio. Enfim, um pouco antes dele


descer o grupo desceu e nenhum deles pegou seus carros, eles só

voltam a aparecer nas filmagens uma hora depois limpando as


mãos e correndo para os carros. Porém, uma pessoa não foi com

eles, ficou um pouco mais, e deduzo que foi quem acionou os


seguranças do prédio sobre Bernardo estar lá, assim como foi ela
quem o atraiu para a emboscada.

— Como assim, ela o atraiu?

— Bom, Beck reparou que um pouco antes dos quatro que


foram mandados embora sumirem das filmagens eles abordaram

uma menina, ela então procurou por Bernardo e lhe entregou um


bilhete. Ele leu, pôs no bolso da calça e voltou para seus afazeres.

Beck tem certeza que o bilhete era para ele ir ao estacionamento


quando saísse.
Meus dedos estão doendo de tanta força que estou usando

para segurar o celular.

— Quero nomes, Roger, e quero o endereço de cada um!

— Sophia, eu posso cuidar disso.

— Me passar os nomes e os endereços de cada um,


principalmente o da menina que entregou o bilhete.

— Vou com você e não aceito um não como resposta, eu

vou! E para que Bernardo não fique sozinho, Beck ficará com ele até
que voltemos.

— Beck está grávida, Roger, e nem sequer conhece

Bernardo direito.

— Ela não é uma estranha para ele e eu não estou aberto a

discussões, maninha, eu irei com você.

— Odeio quando me chama assim e você sabe disso, não


confunda as coisas, Roger.

— Até daqui a pouco, Sophia.

Ele desligou. O idiota desligou na minha cara.


Capítulo 6
Gostaria de dizer que estava errada, mas vendo as imagens

das câmeras fica óbvio quem são os responsáveis pela crueldade


feitaao Bernardo. Roger está ao meu lado demonstrando tanto ódio
quanto eu, ele se apegou ao Bernardo e Beck disse que as reações

dele em casa vendo as imagens foram surpreendentes, já que é


uma pessoa muito calma.

— Quero o endereço de cada um!

— Já fiz isso. Estão aqui, mas não podemos acusar

ninguém sem uma prova concreta.

— Que ideia?

— Vamos encurralar a garota para que ela entregue os

desgraçados.

— Ela veio hoje? Teve a audácia de vir?

— É sempre umas das primeiras a chegar e está, nesse


exato momento, no refeitório. Deve ter achado que levantaria

suspeitas se não comparecesse.


Não espero que ele termine de falar, levanto e vou a passos

largos até o refeitório. No caminho as pessoas me olham como se


vissem o diabo, uns desviam o caminho para não cruzar comigo,

outros se encolhem em seus cantos e todos abaixam a cabeça.

Ninguém é louco de atravessar meu caminho, ainda mais nesse


momento que sou o capeta em pessoa.

No refeitório há umas vinte pessoas, descontraídas, rindo e

falando besteiras, cada um em seu mundinho patético e sem graça.

— Quero que todos se retirem imediatamente! — falei em


um tom elevado e firme para que todos ouvissem, mas mantive

meus olhos na desgraçada.

O silêncio e a cara de espanto deles foram quase que

engraçados, se não estivesse nessa situação eu até iria rir, mas


hoje não.

— Estão surdos? Fora daqui. Agora!

Ninguém deu um pio, só se ouviu as cadeiras sendo

arrastadas e o barulho de passos apressados. Ela foi a última a

passar por mim, mas não a deixei ir. Você não, moça. Meu assunto
é contigo!
Segurei firme o braço dela e disse: — Você fica! — Ela me
olhou por um breve momento e então abaixou a cabeça, estava

gelada e tremia como um bichinho acuado.

— Pois, não, dona Sophia. Em que posso ajudá-la?

— Não se faça de maluca, eu vi tudo. Você vai me dizer


agora os nomes das pessoas a quem ajudou mandar o Bernardo

para o hospital.

— Co... Como assim hospital? O que aconteceu com o Beh?


Não estou sabendo de nada. — Quando ela o chamou de "Beh" se

fazendo de desentendida, perdi o pouco de paciência que me

restara. Joguei-a por cima da mesa e peguei seu pescoço!

— Tive uma manhã de merda no hospital e não estou aqui

para brincadeiras! Se não me falar agora os nomes de quem estava

lá contigo, vou mandar te prender por tentativa de homicídio, você

vai apodrecer na cadeia e se um dia sair, digo um dia, porque eu

tenho influência suficiente para te deixar o resto dos teus dias na

cadeia, então, se um dia você sair eu vou pessoalmente te caçar,


para o resto da porcaria da tua vida.

Ela já estava vermelha e sem ar, Roger que até então tinha
assistido a tudo calado pôs a mão em meu ombro, em sinal de que
eu deveria aliviar naquele momento. Apenas concordei com a

cabeça e soltei a infeliz. Ela tossiu e demorou uns segundos


buscando ar.

— Estou esperando!

— Olha... Eu não sabia, tá legal! Gosto do Bernardo de


verdade e sei que ele gosta de mim, eu...

— Daí usou os sentimentos de uma pessoa inocente, que

gosta de você para levá-lo a morte? — Roger falou indignado.

— Não! Eu não sabia o que iriam fazer, eles me procuraram


dizendo que iriam sair para beber, e mandaram convidar o

Bernardo, então entreguei o bilhete pedindo para que ele me


encontrasse no estacionamento, quando desci já os encontrei

agredindo o Bernardo.

— E você não fez nada!

— Fazer o quê? Apanhar também? Esperei eles saírem e

liguei para os seguranças, esperei até que o encontrassem e fui


embora, não tive coragem de ficar.

— Quero os nomes! E quero você fora da minha empresa!


— Não posso! Se disser vou ser a próxima agredida, e eu

não posso perder minha vaga, dona Sophia, tenho uma filha com
necessidades especiais para cuidar, ela depende de mim, preciso

do dinheiro do estágio para comprar os remédios dela.

— Você tem uma filha especial? — Roger perguntou


espantado.

— Sim! Ela tem uma doença rara nos ossos e nasceu com
síndrome de Asperger.

— Deveria se envergonhar de ter mandado um menino para

uma emboscada tendo em casa alguém tão especial quanto ele ou


até mais. — Roger se pronunciou mais uma vez. Acontece que todo

aquele papo não me comovia e pelo visto nem a ele.

— Se você não me der os nomes, eu mesmo irei te agredir,


você é uma péssima pessoa e mãe, mas se não falar será uma

péssima pessoa, uma péssima mãe arrebentada e sem sustento


para sua filha.

— Se eu falar a senhora me mantém aqui? Ou me transfere

para outra empresa?

— Não pense no que pode acontecer se você falar. Pense


no que pode acontecer se não falar!Porque eu juro que até sua filha
tiro de você e jogo em um orfanato qualquer. Ela não irá resistir,
porque ninguém irá cuidar dela. Você sabe como andam as coisas
por aí.

— Por favor, Roger, me ajuda! Não a deixa fazer isso.

— Fale os nomes, Débora, e garanto que nada de ruim irá te


acontecer ou a tua filha.

— Tudo bem! Foram as quatro pessoas que a senhora


mandou embora, juntos com o Fernando e o Patrick.

Eu tinha ódio circulando em minhas veias, não era sangue,

era ódio. Dei dois socos bem dados nela e mandei Roger preparar a
transferência. Saí do refeitório feito um furacão. Tenho uns vermes
para matar dentro da empresa e mais quatro fora dela. Roger me

alcançou assim que entrei na sala dos estagiários.

Controlei a minha voz e disse: — Fernando e Patrick, quero


vocês em minha sala imediatamente.

No caminho passei um rádio mandando quatro seguranças


irem para minha sala.

— Tem certeza do que vai fazer?

— Certeza absoluta!
— Sabe o que pode acontecer se eles nos denunciarem,
não é?

— Bem menos do que pode acontecer se eu os denunciar.

Os dois chegaram logo depois e foram pegos pelos


seguranças assim que passaram pela porta. Começaram a se
debater e a gritar.

— Calem a boca e ouçam as opções que vou lhes dar! Acho

que não preciso explicar o motivo por que estão aqui e por que
estão sendo tratados assim. O que acharam que iria acontecer?

Pensaram que eu não iria descobrir quem espancou um dos meus

estagiários dentro da minha empresa?

— Dona Sophia, por favor, deve estar havendo algum


engano, não fizemos nada!

— Calem a boca e escutem! Eles estão aqui para fazercom


que provem do próprio veneno. A diferença é que são quatro contra

dois e não seis contra um, então, creio que o prejuízo de vocês será

menor do que o de Bernardo.

— Sua vagabunda mal-comida! Não pode fazer isso com a

gente. Vou sair daqui e vou arrancar até sua calcinha com o
processo que vou abrir contra você, só por ter pensado em encostar

em mim! Você sabe quem é o meu pai?

Eu me aproximei do infeliz e comecei o meu discurso:

— Vagabunda mal-comida é a Fatinha da lanchonete que

tem coragem de dar para você na sala de almoxarifado.Eu conheço


o merda do seu pai, tão inútil e insignificante quanto o filho. O

primeiro erro do seu pai foi ter colocado você no mundo e o segundo

foi ter te colocado aqui, cruzando o meu caminho. Mas como já


disse, há opções, a primeira é: vocês saem daqui agora ilesos, sem

um arranhão, mas vou transformar suas vidas em um inferno e

assim como a da amiguinha de vocês. Farei questão de denunciar,

para que sejam presos e fiquem por lá durante muito tempo.


Quando saírem, estarei aqui para garantir que nem limpador de

privadas de posto de gasolina vocês sejam. E sobre a carreira do

pai de vocês... Deputado estadual, NÃO É MESMO? Acho que os


eleitores dos pais de vocês não irão ficarmuito felizesem saber que

os filhinhos dos deputados deles estão envolvidos em uma tentativa

de homicídio.

— Qual é a outra opção? — Um deles perguntou aflito.


— Vocês rolarem da escada, se machucarem um pouco e

nunca mais aparecerem aqui, mas com a vantagem de não serem

processados e nem expostos.

— Nós escolhemos as escadas!

— Ótimo, ainda bem que já as conhecem.

Rapazes, façam o melhor que puderem e terão uma boa

comissão este mês! Quando acabarem joguem-os atrás do prédio,

sejam discretos e o mais importante! Não sejam vistos. Vamos,


Roger.
Capítulo 7
Beck
— Ele acordou? — Sophia me perguntou pelo telefone.

— Sim, acordou meio atordoado, mas está bem, só não está

falando com ninguém, já tentei puxar assunto, o médico já tentou


chamar a atenção dele, mas ele está parado, olhando para o nada.

— Está em choque?

— Não, Sophia. Diria que ele está triste, que não quer falar
sobre o que aconteceu.

— Deve estar decepcionado com a pessoa de quem


gostava, acabou descobrindo da pior forma que ela não presta.

— Você já a encontrou? Conseguiu que ela falasse quem

foi?

— Tem alguma coisa nessa vida que eu não consiga? Vão


se arrepender de terem nascido, e vão se arrepender mais ainda de

terem cruzado meu caminho!


— Sou contra violência, mas se você puder acabar com eles

de alguma forma, faça. Nunca senti tanta raiva na minha vida.

— Ok, não se exalte, não estou a fim de ser tia tão rápido,

segure o pirralho dentro dessa barriga imensa.

— Muito obrigada, Sophia, por me lembrar o quanto estou

gorda.

— Sem drama! Vou desligar, daqui a pouco chego aí, estou

saindo da empresa.

— Você não está gorda, Beck! Diria que é a grávida mais

bonita que já vi. —Bernardo falou após horas em silêncio.

— Beh... Nossa, fiquei tão preocupada com você. Como se

sente?

— Violado, traído... Sabe, achei que ela era minha amiga,

que gostava de mim, mas me enviou para uma emboscada.

— Sinto muito que tenha passado por isso.

— A dona Sophia deve estar uma fera! Eu tinha umas

análises para concluir.


— Está mais fera do que já é, mas não é pelas análises que
não fez, Bernardo. Ela está uma fera pelo que fizeram com você!

— Eu me criei praticamente sozinho, Beck, tudo o que sei foi

porque estudei, me esforcei. A única coisa que lembro da minha


mãe é que ela era tudo, menos uma mãe. Lembro das coisas que

ela me dizia, mas sempre tentei provar que não é verdade.

— Tipo?

— Coisas ruins acontecem com pessoas boas, por isso nós


não podemos ser bons. Às vezes, eu penso que a dona Sophia

conheceu minha mãe, e ela ensinou tudo para dona Sophia, que

aprendeu muito bem.

Não contive a risada, mas ao ver que ele não riu, parei.

— A Sophia nem sempre foi assim, Bernardo, ela era uma


pessoa doce, amável, confiavanas pessoas. Amou profundamente,

tão profundamente que quando se decepcionou, esqueceu de

emergir e se afogou na amargura e desconfiança. Roger deixou de

ser irmão dela, a mãe deixou de ser mãe e a irmã... É proibido dizer

que ela teve uma.

— Eu não entendo. Por que Roger fica se submetendo a

tudo isso?
— Amor, Bernardo! A Sophia não acredita no amor, mas

Roger sim! Ele ama a Sophia como todo irmão deve amar a irmã, e
trabalhar com ela foi o único jeito que encontrou de ficar por perto e

cuidar dela.

— Acho que ela sabe se cuidar sozinha! O apelido dela lá


na empresa é a intocável.

— É triste, não é? Você iria gostar de conhecer a Sophia de


anos atrás.

— Então é verdade? A dor transforma as pessoas?

— Não sei se acontece com todas, mas a Sophia mudou

tanto, é como se a antiga nunca tivesse existido.

— Tenho pena dela.

— Ela era maravilhosa e todas as vezes que olho para você

eu vejo a chance de reencontrar um pouco daquela Sophia.

— Por quê?

— Porque desde que você apareceu na vida dela, ela não

tem sido mais a mesma.

— Isso prova que o que minha mãe falou também serve ao


contrário, mostra que pessoas boas também influenciam pessoas
ruins.

— Sem dúvidas você tem grande influência sobre ela, mas


não a deixe saber que eu disse isso.

— Isso deveria ser algo bom.

— Nada que é bom, no sentido de bondade, é bom para


Sophia.

— Você parece triste ao falar dela.

— Sinto falta da pessoa que ela era.

— Gostaria de conhecer essa pessoa um dia.

— Acredite, ela dá muito mais a você da pessoa que já foi


do que para qualquer outra pessoa.

— O que aconteceu com a mãe da Sophia?

— A mãe dela decidiu defendera pessoa errada e ficoucom


a outra parte da história que acabou com a Sophia.

— Acha que um dia ela vai me contar o que aconteceu?

Quando ia responder, ouvi a voz de Sophia atrás de mim!

— Não aconteceu nada demais, Bernardo. Minha mãe


decidiu defender minha irmã gêmea que fugiucom meu noivo no dia
do nosso casamento.

Meu coração acelerou quando ouvi a voz de Sophia, ela


nunca havia conversado isso com ninguém, desde que foi
abandonada no altar. Ela se isolou por meses, simplesmente sumiu,

e só depois de três meses soubemos que havia embarcado na


viagem de lua de mel que haviam programado.

Foi com a cara e a coragem e uma bagagem grande de dor.


Quando voltou estava mais magra, mais abatida e completamente

diferente do que era. Seu rosto e suas feições estavam duras,


simplesmente não ria de nada, nem para ninguém. Nada a agradava

e até sua voz doce se tornou dura, deixou de ser a doce Sophia
para se tornar a temida Sophia. A mulher temida por todos, até por
sua própria mãe que ao invés de apoiá-la ficoua favorda irmã ladra

de noivos, mas Roger se vingou por ela, deixou o traidor do


Fernando bem machucado. Nunca vi Roger tão transtornado como

quando ele saiu da igreja. Eu estava na porta, tentando entender o


que estava acontecendo, quando o vi sair correndo perguntei aonde
estava indo.

— Beck, entre e fique com seus pais. Irei achar esse safado
que traiu minha irmã. Por favor, se alguém perguntar por mim diga
que não sabe.

Ele os encontrou no aeroporto, prontos para fugir. Roger é


pacífico, o apaziguador, mas naquele dia ele bateu muito no

cunhado e bateu na irmã também, não tão forte quanto deveria,


mais para ver se conseguia fazê-la enxergar a merda que tinha feito,
mas não adiantou. Safira sempre foi cruel e invejava a irmã.

Continua casada com o verme, mas até onde sei, o casamento não

está indo muito bem já que a empresa dele quebrou e ela foi criada
no luxo e nunca se esforçou pra nada, ao contrário de Sophia que

desde que voltou se empenha em ficar mais rica.

Eu e Roger éramos apenas amigos, era muito novinha, mas

nutria por ele um carinho que com o tempo se transformouem amor,

e por ser mais velho ele se freava, até que a atração faloumais forte
e agora estamos juntos.

Quando cheguei à empresa como estagiária ninguém sabia

do nosso envolvimento, mas isso não é algo que dê para esconder

por muito tempo. Meus pais eram contra o nosso namoro, apesar

das nossas famílias se conhecerem há anos. O processo contra a


Sophia me fez ver que o dinheiro vale mais do que a minha

felicidade e por isso não tenho tido contato com eles.


Capítulo 8
Sophia
— Você me ama?

— Não sei, estou em dúvida.

— Sério, Fernando? Vamos nos casar daqui a uma semana.

— E se for sério? Casaria comigo mesmo assim?

— Não sei! Você ter dúvidas do seu amor por mim a essa
altura do campeonato é até engraçado.

— Não estou brincando, Sophia, não tenho mais tanta


certeza do meu amor e se a gente se casar semana que vem e na

outra a gente não estiver bem?

— É isso? Você está inseguro? Amor... Olha, isso é normal,


todo mundo passa por isso quando está perto do grande dia, relaxa

e confia em mim, eu te amo tanto e estou tão feliz.

Ele me abraçou forte e me aconchegou em seus braços,

jamais desconfiaria que aquilo não era insegurança, era ele


tentando terminar comigo porque estava apaixonado pela minha

irmã.

Atualmente

— A senhora ainda gosta dele?

— Não seja ridículo, Bernardo. Como está se sentindo?

— Não sou ridículo, e também não estou bem. Quero ir para

casa, mas o médico falou que não posso ir, disse que tenho de ficar

aqui, ou ir para casa de algum parente, mas sozinho não posso


ficar. Acontece que não tenho parentes e não quero ficar aqui. EU

NÃO QUERO FICAR.

— Ei! Não surta, tá legal? Respira e fica calmo que vou dar

um jeito de te tirar daqui.

— Dona Sophia, porque a senhora está fazendo isso tudo


por mim? — A voz dele estava mais calma, e a agitação repentina

passou.

— Sabia que sua curiosidade me deixa irritada?

— E o que não te deixa irritada?

— Pessoas que não fazem perguntas, que escutam e só!

— Então a senhora deveria ir ao psicólogo, eles só escutam.


Eu sorri. Um sorriso verdadeiro e espontâneo.

— A senhora gosta de mim, mentiu quando disse que não

gostava.

— Nunca disse que não gostava.

— E também nunca disse que gostava, mas se uma pessoa

te irrita é natural que não goste dela, mas a senhora é muito

confusa, porque eu te irrito e ao invés da senhora não gostar de

mim, a senhora sorriu, sorriu porque eu te irrito.

— Bernardo, faz um favor para nós dois antes que eu me

arrependa do que vou fazer daqui a pouco?

— Que favor? E o que a senhora vai fazer daqui a pouco?

— Fique calado!

Ele me olhou, abriu a boca umas três vezes e desistiu de

falar, deitou-se de lado e fechou os olhos. Sorri outra vez. Estava se

tornando um hábito quando estava perto dele, um hábito que havia

perdido. O simples ato de sorrir era difícil para mim, mas com

Bernardo por perto ficava quase que impossível não sorrir. Ele era
espontâneo e direto, uma pessoa verdadeira, sem mentiras ou falsa

modéstia, falava sem pensar e raramente se arrependia. Seu olhar


era puro e verdadeiro mesmo que não conseguisse me encarar por

mais de um minuto sem desviar os olhos.

Desde que chegou à empresa, eu o observo. O mais


dedicado, inteligente e esforçado. Sei que o que estou prestes a

fazer vai deixar as coisas um pouco confusas para algumas pessoas


e talvez eu não aguente nem um dia, mas farei!

— Dona Sophia.

—Ben. Vou trazer uma pessoa para ficar no meu


apartamento por uns dias.

— Ok, dona Sophia. Alguma recomendação?

— Ele é autista, não gosta de contatos físicos e não suporta


muito barulho.

— Entendo! Bom, irei cuidar para que não haja barulhos fora

do comum. Qualquer outra coisa, pode falar comigo.

— Irei buscá-lo daqui a pouco. Irene saiu para comprar


algumas coisas que estavam faltando, quando a vir peça que

arrume o quarto de hóspedes, quero cores neutras nas cortinas e


lençóis. No banheiro, peça que coloque sabonetes e sais próximos à

banheira

— Darei o recado. Quando a senhora voltar, estará tudo


pronto para receber seu hóspede.

Quando saí do hospital dizendo a Bernardo que veria o que


poderia ser feito para que não passasse outra noite no hospital, ele

ficou como uma criança quando a mãe promete um passeio no fim


de semana. Aquilo me fezver o quão frágil ele é, embora seja mais

determinado do que muitas pessoas que conheço. Vim em casa


tomar um banho, descansar um pouco e ver se conseguia agilizar
meu plano para pegar os outros envolvidos na agressão.

— Como assim, eu vou para sua casa? Não quero ir, eu

tenho casa!

— Acontece que foio único jeito de te tirar daqui, ou prefere

ficar? Eu posso dizer que você não tem para onde ir e eles vão te
deixar aqui até ter cem por cento de certeza de que você está bem,

e outra, o albergue onde mora não pode ser chamado de casa.

— É. Acho que é melhor ir para a casa da senhora ao invés


de ficar aqui.
— Foi o que pensei!

— O Roger e a Beck moram com a senhora?

— Não! Eu moro sozinha desde os dezoito anos, mas eles

moram perto.

— Muito perto?

— Na mesma rua, Bernardo.

— Talvez não dê certo.

— O que não vai dar certo?

— Nós dois na mesma casa!

— E porque você acha isso?

— A senhora é muito de mal com a vida e parece gostar da

solidão. A senhora gosta da solidão, dona Sophia?

— Prefiro não dar abertura para as pessoas, é mais seguro.

— Eu acho que...

— Você acha demais, Bernardo! Não dou trela para

achismos. Sou do tipo de pessoa que gosta de certeza.

— Tenho certeza que a senhora sente muito mais do que


demonstra Só tem medo que as pessoas saibam disso.
— Ainda nem saímos do hospital e já me arrependi da ideia
de te levar comigo.

— Eu disse que achava que não era uma boa ideia.

— Se você colaborar, vai dar tudo certo. Basta não fazer


tantas perguntas.

— Isso é praticamente impossível, a senhora sabe, não é?

— Só sei que se você se esforçar, consegue muitas coisas,

incluindo ficar calado.

Quando Bernardo ia abrir a boca para responder o médico

entrou fazendo-o calar.

— Boa tarde, senhorita Sophia, Bernardo.

— Boa tarde, doutor! Podemos ir? Tenho outros

compromissos e estou com pressa.

— Sim, Claro! Vou pedir que faça os procedimentos para


liberá-lo e tenho também algumas recomendações. Pode me

acompanhar?

Quando olhei para Bernardo, estava sorrindo, como da vez

em que me viu agradecendo um favor a Roger. Um sorriso de


surpresa e orgulho por eu estar sendo “educada”, como ele mesmo

disse quando o questionei.

Depois que o médico me passou as recomendações e


Bernardo passou pelas burocracias finais, seguimos para o meu

apartamento. Ele se manteve calado e confesso que estranhei.

Quando entrei no estacionamento do prédio, começou a ficar


inquieto.

— Aconteceu alguma coisa, Bernardo?

— Não, eu só... Nós podemos sair logo daqui, podemos ir


pela escada?

— Moro na cobertura, Bernardo, são vinte lances de escada.

— A senhora mora muito mal, já pensou se faltarluz? Como


vai descer?

— Está tudo bem aqui, você está seguro e ninguém vai te


atacar, ok?

— Ok. Então, vamos logo!

Fiquei pensando se deveria segurar o braço dele e ir até o

elevador ou simplesmente deixar que me acompanhasse. Fiquei


com a segunda opção. Ao entrar no elevador ele ficou mais tenso,

continuou em silêncio e inquieto.

Quando chegou ao meu andar, ele praticamente correu para

fora do elevador, mas estancou ao perceber que estava na sala.

— O elevador sai direto dentro da casa da senhora?

— Só o que pegamos na garagem, os outros dão para o

corredor.

— Isso é loucura, e se fosse um bandido? Já sairia direto

aqui.

— Acontece que não somos bandidos e só eu tenho acesso


a esse elevador.

— Isso é coisa de gente preguiçosa.

— Não, Bernardo! Isso é coisa de gente rica. Agora pare de


falar e de reclamar porque você está cada vez mais parecido

comigo.

— Teria que me amargurar muito para chegar a esse nível,

dona Sophia.

Era incrível como ele era bocudo, mas o mais incrível era

que tudo o que vinha dele me afetava, cada palavra, cada gesto.
— Onde é o banheiro?

— No final do corredor, à esquerda.

— Dona Sophia...

— Oi, Bernardo?

— Obrigado por estar fazendotudo isso por mim! A senhora

não é tão ruim e mesquinha quanto dizem na empresa. Eu queria

que eles a conhecessem assim também.

— Obrigada, Bernardo, mas na empresa serei sempre a

megera dona da porra toda e se não travar essa boca grande, vou
te demitir.

— Se a senhora me demitir, vou ter de morar aqui para


sempre já que não vou ter como pagar pelo albergue.

Disse tudo isso com a maior naturalidade, como se não

tivesse acabado de me ofender e foi para o banheiro. E agora me

pergunto, que merda eu fiz?

Rindo de mim mesma, vou à cozinha ver se Irene havia feito


a comida que mandei.
Capítulo 9
Hoje faz duas semanas que Bernardo está “morando

comigo” Quer saber se está mais fácil? Não Acredite! Não mesmo!
Quer saber se eu me arrependo ou se quero que ele vá embora?
Com toda certeza a resposta é não para as duas perguntas.

Duas semanas foram o suficiente para que eu descobrisse


coisas que em anos morando sozinha não sabia, como por exemplo,
que o nome do meu porteiro x capacho como o Bernardo fala não é
nem Bento, nem Benjamin. Sempre o chamei de Ben para não

correr o risco de chamar errado, mas meu hóspede bocudo fez


questão de me esclarecer a questão.

Uma semana atrás

— A senhora deveria ser menos arrogante e intolerante com

as pessoas, aquela menina não tinha culpa.

— Olha, Bernardo, você está na minha casa, mas isso não

te dá o direito de querer mandar na minha vida ou na minha


empresa. Sou a chefe ainda, sabia?
— Não estou nem aí. Ninguém é obrigado a aturar seu mau

humor, dona Sophia. A tua mãe está vindo te visitar, e daí? Grande
coisa, ela é uma péssima mãe mesmo, então o que ela falar não

deveria te afetar tanto.

— Acontece que ela ainda é minha mãe! E não sei o que o


fato de ter demitido uma pessoa por falta de profissionalismo tem a

ver com o fato da minha mãe vir me visitar. Não sei de onde você

tirou isso.

— A senhora simplesmente mudou da água para o vinho. E


outra, o coitado do teu irmão não deveria pagar o pato de tudo

também.

Eu freei o carro e o encarei, meus olhos estavam como fogo,

queimando e ele se encolheu no carro, não com medo, é claro, mas


com aquela aflição que sente quando o encaram.

— Já disse para não associar ao Roger nenhum parentesco.

Ele é meu assistente e está bem assim.

— Bem? Dona Sophia, desde quando uma pessoa fica bem

em ser humilhada em público? Tudo bem odiar a mulher que te pôs


no mundo, te virou as costas e ficou a favor de quem te roubou o

noivo, mas maltratar o Roger, o irmão que te defendeue largou tudo


para ser teu escravo é errado. É ruim. A senhora não tem noção da
gravidade?

— Sai do carro, Bernardo!

— O quê?

— Quero que você saia do meu carro, AGORA!

— Tudo bem, DONA Sophia, eu saio! Devo procurar um

lugar para passar a noite?

— Não, pode ir para o meu apartamento, mas vai andando e

nunca mais fale comigo nesse tom ou ouse tocar nesse assunto

novamente.

— Quando vai entender?

— Entender o que, Bernardo?

— Que eu sou diferente! A senhora não me manipula e


também não me intimida com essa cara de mal-amada que faz

quando é contrariada, não vou mais para o seu apartamento!

— E vai para onde? Esqueceu que não tem mais para onde

ir?

— Eu não tenho mais o albergue, dona Sophia, mas ainda

tenho amigos, ao contrário da senhora. No dia que não tiver para


onde ir, poderá falar a mesma coisa? Ou vai pegar o seu precioso

dinheiro e fazer de trunfo, pagando um hotel frio e sem vida para


dormir?

— Sai!

— Foi o que pensei! Fria e sem vida! Antes de eu ir... Sabe o


porteiro, aquele senhor simpático que você chama de Ben, para não

errar entre Bento e Benjamin? — Como não respondi, ele continuou:


— O nome dele é Paulo.

Atualmente

Naquele dia Bernardo não voltou para o apartamento. À


certa altura da noite, Roger ligou dizendo que ele estava lá. Estava
conversando com Beck, dizendo o quanto eu era intolerante e que,

muitas vezes, chegava a ser intragável. Bom, essa semana


discutimos, quando disse que alugaria um apartamento para ele.

Não quero que vá embora, mas nossas brigas estão me


desgastando mais que o normal. A vinda da minha mãe está me
deixando louca e ele tem razão, eu me faço de intocável, mas ela

mexe comigo, mexe com a minha autoconfiança,que todos pensam


ser inabalável. Só existem duas pessoas capazes de me
desestabilizar hoje, uma é a minha mãe e a outra é ele, mas

Bernardo ainda não sabe disso, muito embora para os outros seja
perceptível.

Não foi fácil trazê-lo de volta. Foram dias e dias de

discussão, até que percebi, cai em mim sobe o que estava


acontecendo, eu, Sophia Damasceno, estava quase implorando

para que ele voltasse a morar comigo, mesmo nossas “brigas”


sendo constantes.

Estava me apaixonando por cada gesto, por cada coisa


nova que me ensinava. Achava que ele deveria se adaptar ao meu
mundo, mas era ele quem estava me moldando, aos poucos. Outro

dia, em uma reunião, as pessoas ficaram surpresas ao me virem


pedindo desculpas ao novo menino do café,depois de ter esbarrado

nele e ele ter derrubado caféem minha blusa branquinha. Todos me


olharam como se estivessem vendo um fantasma, menos ele, que

me olhava com um sorriso e um brilho de orgulho nos olhos.

Não sei o que ele tem, nem o que faz, mas me hipnotiza.

Outra coisa que o irritou e o fez deixar de falar comigo,


mesmo morando juntos, foi quando descobriu o que fiz com as

pessoas que o agrediram. Chegou a brigar com Roger por ter me


ajudado. Foi um plano do mal? Foi, mas não deveria ter ficado com
raiva, pois nos vingamos de forma bem mais leve do que eles
mereciam. Roger e Beck foram alvo do discurso moralista dele, ao

contrário de mim que liguei o foda-se e deixei o ingrato e muito


ousado, diga-se de passagem, falandosozinho, o que o deixou com

ainda mais raiva, porque ele fala de mim, mas quando está em uma
conversa gosta de ser o centro das atenções.
Capítulo 10
— Não conseguiu dormir?

Ele sempre pisa em ovos, nunca o ouço se aproximar,


porém, já me acostumei.

— Não, acho que não vou dormir até que tudo passe.

— Medo? É isso que a senhora sente dela?

— Medo? Não, claro que não, Bernardo! Não sei definir o


que é, mas com certeza não é medo.

— É sim, acho que a senhora está sentindo nesse exato

momento. Medo de admitir o que sente em relação à sua mãe.

Virei para olhá-lo, estava com seu pijama de seda surrado,


apesar de eu ter comprado outros também de seda, ele não tira

esse que está se tornando uma segunda pele de tão gasto.

— Porque não usa os que eu te dei? — Ele parou e se olhou


com um sorriso lindo naqueles lábios tão bem desenhados.

— Gosto deste! E a senhora? Porque está fugindo, ou


melhor, do que está fugindo?
— De mim, acho! Você me acha uma pessoa ruim? Acha

que mereço passar por essas coisas?

— Que coisas? Ser traída? Ou ser visitada por sua mãe?

— Tudo! Eu era uma boa pessoa e não me deram valor, eu

me tornei uma pessoa ruim e continuo sem valor.

Bernardo se sentou ao meu lado dando um de seus sorrisos

que me deixavam encantada.

— E quem disse que a senhora é má? Se esconder atrás de


arrogância e friezanão te fazuma pessoa ruim, dona Sophia, te faz

uma pessoa covarde.

— Juro que não sei porque ainda converso com você,

Bernardo.

— Porque sempre digo a verdade!

— Sim, aquela do livro que me mandou ler, a verdade nua e

crua que você solta é muito impactante, sabia?

— Seria bom se surtisse efeito.

— Quero que me conte a história desse pijama, por que é

tão apegado a ele?


— Ganhei de uma amiga, ela me deu depois que me beijou,
mas depois nunca mais a vi.

Não sei como descrever o que senti naquele momento, meu

coração apertou e meu rosto esquentou, ele tinha uma pontada de


decepção na voz e um pouco de tristeza no olhar, mas foi algo

rápido e logo voltou a sorrir.

— Ela era importante, mas se foi!

— Sente falta dela?

— Não mais, mas gostaria de revê-la e saber como está, se

realizou os seus sonhos ou se teve de fazer outros planos.

— Para um autista você anda bem beijoqueiro.

Ele levantou, me olhou brevemente, riu e disse:

— Cuidado, dona Sophia, a senhora está quase deixando

transparecer o que todos dizem que não possui.

— E o que seria?

— Um coração! — ele deu mais uma risada, provavelmente

da minha cara de idiota depois de ouvir aquilo e se retirou da sala

indo em direção ao seu quarto. Tinha razão, estava quase


mostrando que tenho um coração e que esse coração traiçoeiro está

batendo cada vez mais forte por ele.

— Bom dia, Sophia! — Já eram oito horas quando fui tomar


café. Quando cheguei à sala, Beck e Roger estavam à mesa com

Bernardo.

— Você não acha que tem vindo muito a minha casa,


Roger? Beck não anda fazendo comida para você?

— Azeda logo pela manhã. O dia vai ser longo.

— Vai sim, Bernardo, mas pode ficar fora dele se desistir do

estágio e sair da empresa.

— O que não adiantaria muito já que moro com a senhora, a


não ser que esteja me expulsando da empresa e da sua casa.

— Não faria essa grosseria com você, senhor verdade.

— Bom, vejo que ainda tem senso de humor, quer que eu

conte uma piada com a chegada da sua mãe amanhã?

— Não se atreva! Você e Roger estarão no olho da rua se

chegarem atrasados.

— Não vai tomar café, Sophia?


— Perdi a fome. Dê carona para seu amiguinho e não se

atrasem.

Saí e fui direto para empresa. A pressão da vinda da minha


mãe está acabando comigo, não estou dormindo, não estou

comendo e o pior, estou cada hora mais insuportável. Não estou me


suportando e consequentemente, não suporto ninguém. Ao chegar à

empresa ponho todas as análises que devem ser feitas em ordem.


Como é sexta, o expediente começa um pouco mais tarde, estou em

minha sala, concentrada em um documento quando Bernardo entra.

— Preciso que a senhora venha comigo a um lugar.

— Não posso sair e você menos ainda.

— Dona Sophia, preciso que venha comigo, quero te

mostrar uma coisa, é importante.

— Estamos trabalhando, Bernardo. Você me mostra no fim


do dia.

— A senhora é a dona, quem vai falar se sair agora ou


depois?

— Tem razão! Sou a dona e posso entrar e sair à hora que

quiser, mas você não é. Aqui você é tratado como qualquer outro
funcionário, com horário de entrada e saída.
— Como se fora daqui eu não fosse tratado como qualquer
um.

Bernardo saiu e bateu a porta com força. Senti o peso de


suas palavras como se alguém tivesse acertado meu peito com uma

marreta. Eu o magoei de novo. Venho fazendoisso com frequência,


mas desta vez ele me mostrou que estou fazendo lhe mal, sendo

egoísta, não deixando que vá embora da minha casa mas não


permitindo que entre em minha vida. Ele já se sente em casa e tem

total liberdade, diferente do começo, quando se mostrava sempre


acuado em um canto ou trancafiado no quarto.

Não posso deixar que a vinda da minha mãe estrague o que


consegui até agora, Bernardo é o único, além de Roger e Beck que
fica ao meu lado e de certa forma me entende, mesmo quando nem

eu me entendo.

— Roger, venha até minha sala, preciso de você.

Não demorou muito para que ele entrasse.

— Pois, não, Sophia.

— Eu quero que você dispense todo mundo, mande todos


para casa.

— Posso saber se aconteceu alguma coisa?


— Sim, aconteceu! Eu preciso de um dia de folga e imagino
que todos aqui estejam precisando também.

Roger não sorriu, não questionou. Fez um sinal afirmativoe

saiu.

— Peça ao Bernardo que venha até aqui.

— Ok.

Diferente de Roger, Bernardo demorou a me atender. Vinte

minutos depois batem à porta.

— Posso entrar?

— Entre, Roger.

— Os funcionários já foram quase todos. Estou dispensado

ou vai precisar de mim?

— Pode ir também! Você viu o Bernardo? Falou para ele vir

aqui?

— Vi e dei seu recado, mas ele disse que era como

qualquer outro funcionário e se todos foram dispensados ele


também tinha o direito de ir e foi. Faz uns dez minutos que passou

por mim dizendo que estava indo embora.

— Ok! Você está dispensado.


Estava com tanta raiva que minha vontade era de jogar tudo

para o alto em minha sala, mas a raiva não era de Bernardo, ele
estava mais do que certo e em seu lugar, iria até meu apartamento,

pegaria minhas coisas e iria embora sem olhar para trás. Não...

espera... merda...

Saio correndo feito um furacão, quase caio, tropeçando no


meu salto. O elevador estava demorando uma eternidade, então me

cansei de esperar, corro pelas escadas, e agora sim vou ao chão, o

salto quebrou.

— Merda, merda, merda.

Recupero-me, tiro os sapatos e chego quase sem fôlego a

carro. No caminho tento manter o controle, mas é impossível, pois o

trânsito está lento e para piorar começa a chover forte. Na minha


frente dois carros se chocam e o trânsito para de vez. Meu

desespero aumenta, já estou com a mesma sensação que tive

quando fui deixada no altar, meu peito queimando e eu sufocando


com o choro. Sei o que tenho de fazer, mas como? Espero mais uns

minutos para ver se consigo sair do engarrafamento, mas não dá

para dar ré, nem ir para frente e nem virar. Cansei de esperar, não

tenho tempo para isso, então pego o celular, a bolsa, e descalça


com um vestido de seda rodado, encaro a chuva. Olho para os

lados desesperada e começo a correr. Corro como se estivesse

disputando uma maratona, mas se analisar bem, é uma maratona,


uma maratona da vida, da minha vida contra o abandono. Percebi

que estava fazendo tudo errado e agora que decidi ir para o lado

certo está tudo dando errado. Não sei o quanto corri, não façoideia,

só sei que os meus pés estão queimando, o meu peito arde


dificultando minha respiração, mas já consigo avistar o meu prédio,

está longe ainda, mas só de vê-lo ganho ânimo.

Paro um instante, buscando o ar, e reparo que há umas

pessoas me olhando, porém não me importo. Não me importava

com as pessoas antes, agora que estou em busca do que me faz


bem irei me importar menos ainda. Dou mais um suspiro e volto à

minha maratona.

Estou chegando próximo à entrada do prédio e o vejo com

uma mala grande e duas bolsas, indo em direção a um táxi.

— Bernardo. — chamei. Nesse momento, também vejo

Roger e Beck saindo do prédio.

— Sophia? O que houve? Foi assaltada? — Roger pergunta


se aproximando de mim.
— Não, só que o destino estava conspirando contra mim,

mas como quase tudo na vida, eu o venci também.

Bernardo ainda está parado sob a marquise do prédio me


olhando com curiosidade.

— Tive de correr por quase quarenta minutos, na chuva,


para te encontrar, Bernardo, e dizer, não, dizer não, implorar para

que você não vá.

Roger me encarou perplexo e Beck sorriu, mas ele apenas

inclinou a cabeça e com uma cara confusa perguntou:

— Por quê?

— Porque eu me apaixonei por você e não posso te perder

por ser tão covarde e arrogante.


Capítulo 11
— Como se sente, dona Sophia? — ele parecia temeroso ao

perguntar, tinha dúvida estampada nos olhos claros.

— Péssima! E você?

— Confuso.Não sei o que fazere nem como agir. Ninguém,


além de uma menina de oito anos disse que estava apaixonada por
mim antes, e a senhora não é uma pessoa muito legal para se

conviver, às vezes.

— Sei que é difícil para você entender, mas já fui tão ferida
que prefiro...

— Se esconder? Porque é isso que a senhora faz, se

esconde atrás dessa máscara fria e inflexível.

— É, pode-se dizer que sim! Mas as coisas mudaram desde


que você entrou na minha vida, e agora quero que fique. Na

verdade, preciso que fique.

— Por quê?

— Eu já te disse o porquê, Bernardo!


— Talvez eu não tenha ouvido direito, a senhora sabe...

Estava chovendo, muito barulho. — agora ele estava claramente


tirando sarro de mim.

— Ah, ah! Espertinho.

— Ué, é tão difícil assim admitir que me ama?

— Não disse que te amo, disse que talvez, esteja

apaixonada.

— Engraçado, não lembro de ter ouvido “talvez” Lembro da


senhora correndo na chuva igual uma louca só para dizer que me

amava e não podia me perder.

— Não seja ridículo, não ouviu o “talvez” porque você

sabe... estava chovendo, muito barulho...

Ele relaxou e se sentou ao meu lado na cama.

Depois que Roger me ajudou a subir para o meu

apartamento, simplesmente apaguei. Não lembro nem mesmo como

tirei a roupa molhada. Acho que foi o estresse, misturado com a


exaustão.

— A senhora acha que vai dar certo?

— Nós dois?
— Sim!

— Só vai dar errado se você não corresponder ao que sinto

por você.

— Eu gosto da senhora, mas não acho que as pessoas vão

aprovar nosso relacionamento.

— Bernardo, às vezes parece que você não me conhece!

Desde quando me importo com a opinião de alguém?

— Não se importar, não significa que não sinta.

— Sinto que você está me enrolando, e que não quer me

dizer se sou correspondida ou não.

Bernardo não respondeu, e como estava aflita não consegui

ficar ali parada, encarando seu olhos verdes cheio de indecisão,

então me aproximei com cautela, coloquei minha mão em seu rosto

com delicadeza e o acariciei. A pele estava macia, sem vestígio da


barba que até dois dias atrás estava crescendo. Lembro de como

ele ria quando impaciente enumerei os motivos pelos quais ele

deveria fazer a barba.

Aos poucos fui aproximando meu rosto do dele até que

nossas respirações se tornaram uma só. Podia ouvir nossos

corações acelerando igualmente, ele fechou os olhos e puxou uma


lufada de ar, aproveitei o momento em que seus lábios se abriram

de leve e com um toque suave o beijei. Ao contrário de Bernardo


não fechei os olhos, precisava ver suas reações. Foi o melhor beijo

que já dei, era tão doce e inocente que podia jurar que senti
pequenas borboletas em minha barriga e com esse pensamento
sorri com os lábios ainda nos dele, que também sorriu. Ele abriu os

olhos vagarosamente, e ainda sorrindo, com aqueles lindos olhos


verdes brilhando para mim respondeu:

— Acho que pode dar certo! Sim, eu também gosto da

senhora, seu sentimento é totalmente correspondido.

— Quer parar! Você vai fazer um buraco no chão. O que

aconteceu com a mulher que não liga para opinião alheia?

— É diferente, Bernardo, sabe quantos anos não falo com


essa mulher pessoalmente?

— Essa mulher é a tua mãe, dona Sophia, e uma hora ou


outra ia ter que enfrentá-la.

— Cadê o Roger? Aquele safado disse que viria me dar

apoio.
— Estou aqui, Sophia, me atrasei porque a Beck sentiu

umas dores à noite e estava tentando convencê-la a ficar em casa.

— Pelo jeito fracassou.

— Pois é, ela é muito teimosa.

— Querem parar de falar de mim como se não estivesse


aqui! Acha mesmo que eu perderia isso? Nem que nossa filha
nascesse hoje!

Beck passou por Roger e foi em direção a Bernardo.

— E aí, meu amigo? Está com medo?

— Claro que não, não tive medo da dona Sophia, por que

teria da mãe dela?!

— Deveria! Acredite, a Sophia é um anjo perto do demônio


da mãe dela.

— Ei, minha mãe, tua sogra! Vamos parar? — Roger

chamou a atenção de Beck.

— Desculpa, amor, esqueci que você é o filhinhoda mamãe.

— Já chega! Vocês não estão me ajudando.

— Sei que não é legal o que vou dizer, mas tem certeza que
quer anunciar a relação de vocês, Sophia?
— Acha que ela já não sabe? Às vezes parece que não
conhece a tua mãe, Roger.

— Nossa mãe!

— Tua! Tua e daquela outra cretina safada.

— Olha a boca, Sophia. E você, felizou não com o fato,sou


sua mãe e nada que faça irá mudar isso. Já você, deve ser

Bernardo, o menino com problemas mentais que minha filha decidiu


enfiar no apartamento dela. Bem diferente do que imaginei, para
uma pessoa com problemas mentais, você é bonito e parece normal

também. — ela o analisou dos pés à cabeça.

— Como a senhora entrou sem ser anunciada?

— Ah, por favor, Sophia, sou a sua mãe, desde quando

tenho de ser anunciada? E outra, acha mesmo que aquele senhor


de meia idade ia me impedir de subir?

— A senhora não entende, não é? Ou melhor, eu não

entendo! O que a senhora tem de tão importante para falar comigo


depois de tantos anos?

— Sophia, sou sua mãe, quer queira ou não e como já disse

me preocupo com você. Quando soube que estava se envolvendo


com um jovem deficiente mental, ficou claro que eu teria de intervir .
— Mamãe!

— Nada de mamãe, Roger. Ainda não engoli você por ter se


envolvido com essa menina, que te cerca há anos. Essa aí ganhou

pela insistência. Lutou, lutou e finalmente conseguiu te dar o golpe


da barriga.

E você Sophia? Quer competir “quem caga mais fedido”


arrumando um estagiário retardado para namorar e, se não

bastasse, ainda o enfiou dentro de casa? O que as pessoas irão

dizer? Como a impressa vai reagir à aberração? Uma das

empresárias mais bem-sucedidas do país, namorando um estagiário


com problemas mentais. É essa a nota que quer ver sobre você nos

jornais? Quer as pessoas rindo da sua cara?

— Eu quero que você saia da minha casa, agora!

— Tem que tirá-lo da sua casa, Sophia. Ninguém vai aceitar

esse relacionamento, minha filha. A sociedade é muito crítica, todos

sabem. Vão acabar com vocês, vão rir por onde passarem.

Não aguentava mais ouvir aquilo, mal estava respirando e


nem sei onde estava todo mundo, visto que ninguém falou nada,

ninguém sequer abriu a boca para mandá-la se calar. Como um ser

humano pode ser tão ruim?


— Sabe, mãe, vi as pessoas rirem de mim quando era

adolescente, à sombra daquela que dizem ser minha irmã gêmea.


Ela sempre saía na frente em tudo, com amigos, namorados, e eu

era só a nerd. Depois, vi as pessoas rirem de mim, de novo, quando

a mesma “irmã” fugiu com meu noivo no dia do meu casamento.


Naquele dia jurei que nunca mais ninguém iria rir de mim. Não sei

como vai ser a minha vida com o Bernardo, mas não vou deixá-lo só

porque a sociedade não aprova, ou pessoas, como você, acham

anormal. Sinceramente, quero que vocês se danem, eu quero que a


sociedade e você EXPLODAM.

— Não grite comigo, sua atrevida! Acabe com isso, Sophia,

ou irá se arrepender! Sei que foi frustrante perder o noivo para sua

irmã no dia do casamento, mas se você fosse...

— Já chega, mãe! A senhora passou dos limites. Por favor,

vá embora!

— Roger, filho, você apoia sua irmã nessa loucura? Ele tem
problemas mentais! Meu Deus! Será que só eu enxergo o problema

e a vergonha que é isso?

Não suportava mais ouvi-la falar de Bernardo daquela

maneira, então saí da inércia e agi.


— A única retardada que está dando vexame aqui é você!

— peguei-a pelo braço com nojo de tocá-la e a puxei até a porta,

ouvindo seus gritos. Quando a lancei porta afora, dei o aviso. —


Nunca mais ouse cruzar meu caminho! Você deixou de ser a minha

mãe há muito tempo, e se insistir, darei queixa a polícia, pedirei uma

ordem de restrição, e se não for o suficiente te mando para cadeia!

— Vai se arrepender disso, sua insolente irresponsável. Vou

fazer com que se arrependa amargamente do que está fazendo


comigo, ficar ao lado de um retardado e de uma golpista barata.

— CHEGA! Já faloubesteira demais. A única retardada aqui


é você, além de indesejada. Já avisei, fique longe da minha família,

eles são o que me sobrou depois de você e a tua semente,

igualmente maldita, me traírem.

— Então, Deus tenha piedade, porque juntando todos esses

imbecis, você ficará sozinha!

Não vi quando Roger se aproximou, mas foi ele quem teve


coragem de bater a porta na cara dela. Estava sentindo como se

uma avalanche tivesse caido sobre a minha cabeça. Não tinha

forças nem mesmo para respirar fundo, escorei-me na porta e


escorreguei até sentar no chão. O aperto no meu peito era tão forte,
que juro, por tudo que é mais sagrado, que posso sentir as mãos

dela segurando meu coração e apertando com toda força. Mal


posso respirar. Olhei para Bernardo e Beck, que estavam

igualmente transtornados, se aproximarem de mim e de Roger que

se sentou ao meu lado e chorou a mesma dor. Os dois se sentaram


de frente para nós. Ficamos calados por algum tempo, até que

consegui dizer:

— Sinto muito, juro que tentei ser forte, se pudesse impedir

o que aconteceu, teria impedido, mas se não fosse hoje, se não

fosse aqui, seria outro dia, em qualquer outro lugar.

— Passei a vida inteira ouvindo que sou retardado, dona

Sophia, ela não me magoou, sinto muito pela senhora, isso sim me
entristeceu, vê-la afetada desta maneira.

— Nunca mais vou deixar alguém fazer isso com você,

Bernardo, eu prometo!

— E a senhora vai fazer o quê? A tua mãe está certa em

alguns pontos. Não sou visto como uma pessoa normal perante a

sociedade. Tenho limitações.

— Que se dane a sociedade, que se dane o normal, eu me


apaixonei pela segunda vez e não vou deixar que uma sociedade
com padrões pré-estabelecidos decida se é certo ou não.

Amo você, Bernardo, e vou te amar, enquanto você quiser o


meu amor louco, torto e totalmente insuportável.
Epílogo
Beck e Roger estão em uma viagem a Paris. Foram

concretizar a tão sonhada lua de mel e deixaram a pequena Alice


comigo, ela é apaixonada por Bernardo, e eu, apaixonada pelos
dois. Beck liga toda hora, já o Roger consegue ser pior, fica o tempo

todo mandando mensagem, fora as chamadas de vídeo. Bernardo e


eu brigamos hoje, porque sentei mais uma vez no lado esquerdo do
sofá, o lado dele. Às vezes, me pergunto como consegui uma dose

de paciência tão grande desde que ele passou a fazer parte da


minha vida. Não me arrependo de tê-lo escolhido nem por um
minuto. É até engraçada nossa relação, ele com a língua solta e

cheio de desaforos é uma prova constante de que o amor é capaz


de mudar alguém.

— Dona Sophia, a Alice está agitada, não sei o que fazer, vá

pegá-la.

— Já te ensinei o que fazer, faça! Estou analisando umas

pesquisas.

— Fico aqui terminando a pesquisa e você vai lá acalmar a

ferinha.
— Você, senhor Bernardo, foidemitido, então pode tratar de

mexer esse traseiro lindo e ir olhar a afilhada.

— Não acredito que me demitiu, sério, como você demite o

namorado que diz amar?

— Foi fácil, o namorado que eu amo me desautorizou na

frente de cinco pessoas.

— A senhora ia demitir os cinco, por nada.

— E agora eu demiti os seis. Foi simples: te dei uma


escolha e você preferiu ser mandado embora junto com eles.

Entenda uma coisa, amor, não me tornei rica tendo pena de

funcionário lambão.

— Se tornou rica pisando nas pessoas?

— Não vou discutir. Eles mereceram, desrespeitaram a mim


e a você, e ainda assim ficoudo lado deles. Por favor!Combinamos

não trazer problemas da empresa para casa.

— Agora que fui demitido você não precisa mais se


preocupar, não é mesmo?

— Amor, olha, que tal a gente arrumar a Alice e ir passear

no parque um pouco? Vamos nos distrair e esquecer o dia horrível


que tivemos.

Ele abaixou a cabeça e eu me aproximei acariciando com

delicadeza o rosto mais lindo que meus olhos já viram.

— Amo você e mudei muito pelo nosso amor, mas não me

impeça de te defender quando vir alguém te tratando mal.

— Também amo a senhora, mas eu sei me defender. Não

preciso de cão de guarda.

— Espera! Você me chamou de cachorra?

— Bom. Você me mordeu ontem, ainda estou com a marca.

— Tem sorte que sou bem adestrada, ou iria sofreragora. —

Bernardo riu e subimos para pegar Alice.

Nosso passeio foi como tantos outros, uns olham e nos

cumprimentam, outros nos encaram por mais tempo do que

deveriam, e isso me irrita, as pessoas não sabem ser discretas.

Durante os meses que estamos juntos, já perdi a conta de

quantas brigas arranjei por causa da forma como o tratam, ou nos

olham. Muitas vezes Beck e Roger estavam conosco. Roger uma

vez chegou a brigar com um cara quando tive a péssima ideia de ir

a uma balada. Roger e Beck deixaram Alice com a babá e fomos


todos juntos. Não demorou cinco minutos para que Bernardo

surtasse com a quantidade de pessoas esbarrando nele e com a


música alta. Quando fui buscar água, um cara me segurou e tentou

me beijar, consegui me soltar e segui para onde eles estavam


próximos à saída. Quando abracei Bernardo, o homem que me
agarrou, apareceu falando que sabia quem eu era, a empresária

que namorava um estagiário com problemas mentais. Roger já


estava irritado e não se segurou, partiu para cima do cara. A briga

só não foi pior porque os seguranças da boate os separaram e nos


acompanharam até o estacionamento.

De certa forma,nos acostumamos. Essa será a nossa briga,

pelo resto da vida, não que nos importemos com o que dizem ser o
certo, mas por nosso espaço pessoal. As pessoas têm que aprender

a respeitar as escolhas das outras, por mais que fujam dos padrões
pré-estabelecidos por uma sociedade hipócrita.

Às vezes, Beck, Roger, Bernardo e eu vamos para o terraço

e ficamos admirando o céu. Bernardo conhece todas as


constelações, ele me ensina coisas incríveis.

Ele mudou a minha vida.

FIM.
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço a Deus pois sem ele não

estaria aqui construindo sonhos. Em segundo lugar, agradeço a


você, sim, você que neste exato momento está lendo e pensando:
'Como eu queria um desses personagens para mim', ou quem sabe

está pensando em como matar a autora que criou essa obra.


Agradeço o apoio dos meus pais, José Roberto e Liege Viana, que
são fundamentais em minha vida, e ao apoio dos meus amigos,

grande incentivadores. Agradeço em especial as minhas duas


assessoras que se desdobram para conseguir me entender e ajudar,
e acreditem, é muito difícil. Poliana Cunha e a Autora Juju

Figueiredo, vocês são duas pessoas que Deus colocou em meu


caminho e tem feitogrande diferença.Minha madrinha Evanilda que
fez a revisão mais corrida que já tive que fazer e saiu excelente.

Enfim, obrigada a todos que me apoiam torcem por mim. Deus nos

abençoe cada dia mais. Amém!


Sobre a autora
Ana Caroline, carioca, 29 anos, e atualmente, capixaba de

coração. Sempre foi apaixonada por leituras fortes e envolventes, e


aos 13 anos se entregou ao mundo das palavras. Seu primeiro livro
foiUm novo amanhecer, depois vieram Um Autista em minha vida, e

o Primeiro livro de sua Trilogia, O Sequestro de Katherine, todos


lançados na Amazon. Só que não para por aí, tem ainda os outros
projetos que seguem no wattpad, De volta ao cativeiro, o segundo

livro da trilogia. E Nicolau, o seu mais novo projeto da Série Homens


de Negócio.
Outras Obras

O sequestro de Katherine

TRILOGIA SEQUESTRO

Katherine tinha 23 anos quando foi sequestrada, uma hora

estava em uma festa e na outra ela, seu namorado, sua melhor


amiga e mais 10 amigos estavam acordando em uma casa repleta
de armadilhas.

Um ano inteiro de torturas físicas e emocionais, Katherine


viu todos os seus amigos e namorado serem torturados e mortos, e

só uma coisa a mantinha firme, seu filho cujo o parto foi realizado

ainda em seu cativeiro! A questão era... Até quando? Até quando

aguentaria aquilo, viu o pai do seu filho morrer, o cara aquém amou
e compartilhou tantas coisas, tantas dores, ele a traiu de tantas

formas diferentes que já não sabia dizer como se sentia com tudo
aquilo, só sabia que não reconhecia ele ao olhar para seu filho, ela

não entendia o porque não conseguia enxergar traços de Gustavo

no seu bebe, achava que sua mente se recusava a tal coisa devido
a tudo que havia descoberto.

Um de seus sequestradores se apaixonou por ela antes

mesmo de sequestra-la, ela se encantou por ele antes de passar os


piores dias de sua vida, sem mesmo saber quem era aquele homem

magnífico e miseravelmente encantador.

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