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sem maias?"
DANUZA
LEÃO
“Não me esqueço do que diz
unia dumy minha, vegetariana
convicta. que se regala com
os presuntos espanhóis: 'Pero
esto no es carne, cs alma. fazendd
"Acho que deve ser um deleite
viver em Portugal: se eu morasse
AS MALAS
lã. seria a pessoa mais feliz do
mundo, e pesaria uns no quilos."
capa B Insônia
WARRAM.0UREIR0
12 As inalas
imagem de capa e miolo
SEVILHA 1B A Feria de Sevilha
FILIPE JARDIM
endereços
23 A Judería
L in Z A LEMOS 26 Plaza de Toros e a noite de Sevilha
preparação de texto 31 As horas de Sevilha
m A rcia COPOU
37 Um tapa nas tapas
checagem de nomes próprios
ADRIANA CORTEZ L IS B O A 42 Primeira noite em Lisboa
revisão 51 Queijadas e pastéis
ISA B E L JORGE CURY Como falam e comem os portugueses
CARMEN S DA COSTA
60 Queluz, fado e bochechas de porco
P A R IS 66 Paris mudou?
70 A Paris dos muito ricos
Dadas Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 76 Caviar e George v
Leão. Danuza 81 Os oásis dos bistrôs
Danuza Leão Jazendo as malas. — São Paulo :
Companhia das Letras, 2008. v^ ) 89\ E por falar em sapatos
ISBN978-85-559-1343-9 91 E a elegância, por onde anda?
1. Viagens — Narrativas pessoais t. Título.
95 Paris muda
08*09766 COD*9io-4
100 Breguice boa
índices para catálogo sistemático :
1. Relatos de viagens 910.4 2. Viagens: Relatos 910.4 103 Altas horas
105 As manchetes do jornaleiro do Café de Flore
109 Os grandes magasins
112 Brincando de morar em Paris
117 Meu quartier amado
ROM A 124 Signori e signore, Roma
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roupa, e, como moro sozinha, se tivesse que sair do ba tão telefônico noturno, e soube que chegar a Sevilha seria
nho nua, ninguém ia me ver, só meus gatos, e esses não fácil, havia um vôo com conexão em Lisboa. Aí pensei:
estão nem um pouco interessados. faz tanto tempo que não vou a Lisboa, vou aproveitar para
passar uns dias lá. E imediatamente veio outro pensamen
Foi bom enquanto durou, mas havia um problema: to: é ridículo não ir também a Paris, afinal, são apenas
como ao lado da minha cama fica meu laptop, os dois duas horas de vôo de Lisboa, pouco mais que uma ida e
telefones, o celular, e, bem perto, a televisão e a geladei volta daqui do Rio a São Paulo. E, já que iria a Paris, por
ra, eu, que já sou preguiçosa, chegava da ginástica e pas que não dar um pulinho em Roma, aonde não vou há
sava o dia ali, na maior felicidade. Comecei a achar que anos? Veja no que pode resultar uma simples insônia.
aquilo não era muito saudável.
Marquei as datas, dividi a passagem em cinco vezes no
Curvei-me à opinião geral, e a cama voltou para o cartão de crédito, reservei pela internet hotéis que já co
quarto, onde agora durmo. Mas botei uma cama igualzi nhecia, e pronto. Não pensei mais no assunto; o tempo foi
nha onde estava a minha (na sala), é nela que passo meus passando, e um dia abril chegou. Fiz a mala — as ma
dias, e só vou para o quarto na hora de dormir. Uma so las — e embarquei em busca de novas emoções.
lução que todos aprovaram; quando eu dormia na sala,
era chamada, no mínimo, de excêntrica.
to
AS MALAS cabelos? Praticamente perdi o fim de semana, e jurei que
nunca mais. Não adianta, não consigo: mesmo que vá
para a Sibéria, levo um biquíni. E se de lá resolver ir até o
Caribe? E biquíni lembra sandália, saída-de-praia, filtro
solar etc. etc. etc., um problema.
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Resumo da história: fiquei sem uma só mala, e, como Sei que é um erro, coisa de outros tempos, falta de
me recuso a comprar uma de náilon preto, fiquei tam civilidade, mas este é apenas um dos meus defeitos: a
bém impossibilitada de viajar, o que considero trágico. bagagem excessiva. E , como a viagem seria em abril,
Afinal, o que é uma mulher sem malas? Além de tudo, as pior, pois a previsão era de sol e calor em Sevilha, e
minhas precisam ser enormes, porque, se levo tanta coisa Paris um pouco frio ainda, excelente desculpa para le
para passar meras 24 horas em São Paulo, imagine o que var todo tipo de roupa. Foram três malas — que remé
não carrego para uma viagem de três semanas. É um dio _t todas grandes, e cheias, claro. Mas, como não
absurdo, eu sei, mas é tarde para mudar. Já me aconse pretendia comprar nada — nunca pretendo , levei, se
lharam a levar o mínimo e comprar roupas nas viagens, gundo meus critérios, 0 m ínimo possível. Devo confes
no entanto, quando eu quero aquele suéter preto, é aque sar que meus critérios são sempre exagerados.
le que eu quero. E onde vou encontrar um igual?
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SEVILHA
A FERIA DE SEVILHA toras de ópera são contratadas para entoar a saeta, a cape
la, no decorrer da visita, e depois a procissão recomeça e
segue pela madrugada, sempre acompanhada de gêneros
distintos de música.
is 19
são decoradas com muitas luzes, panos e flores. No fun
do, ficam o bar e uma cozinha. Existem ainda casetas
abertas aos que não têm acesso às particulares, onde se
come, bebe e dança — mas se paga. Nas casetas não se
vende nada. Nelas só acontecem cantos e danças.
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beliscam tapas, petiscos que os espanhóis comem o dia A JUDERÍ A
inteiro, entre elas fatias de presunto bellota (um dos me
lhores do mundo, curado por 36 meses, divino).
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feitadas de azulejos, com quintais e pequenos jardins. um copo na mão. É séria, a Feria. A marquesa me aco
Foi nesse bairro que viveu Fígaro, o barbeiro de Sevilha, lheu com a maior simpatia, foi logo me oferecendo um
e é lá que mora grande parte da nobreza sevilhana. Uma fino e me apresentando a várias pessoas. Dava para ver
curiosidade: o autor da ópera, Rossini, escapou por pou que eram de classe bem alta. Garçons passavam o tempo
co de ser castrado, o que era a vontade de seu pai. Se o todo servindo bebidas e tapas, e alguém me contou que
fosse, sua voz não mudaria durante a adolescência e ele dali a alguns minutos ia se apresentar Concha Tara, uma
poderia continuar cantando no coro da igreja, sendo as famosíssima dançarina de Sevilha.
sim uma fonte de recursos segura para toda a família.
Mas a mãe não deixou. Quando ela chegou com seus guitarristas, mesas e
cadeiras foram afastadas para dar lugar à dança, mas,
De volta à Feria: como freqüentá-la? Como entrar antes que o espetáculo começasse, os convidados se pu
numa caseta? Fui ver Gola, a quem já conhecia de outra seram a gritar: “Beatriz, Beatriz”, e a marquesa acedeu
viagem, e pedi ajuda. Gola é de uma simplicidade extre aos pedidos. De salto alto e brincos de brilhantes, dan
ma. e na casa dela você se sente absolutamente à vontade. çou um flamenco de fazer gosto; um homem se levan
O casal tem sempre amigos no almoço, em que só se passa tou e dançou com ela, e eu soube que se tratava do dono
à mesa depois de beber um fino. O primeiro prato é inva de uma importante ganadería (ganadería é o lugar onde
riavelmente um gaspacho, sopa fria típica da Espanha. os touros são criados). Perguntei se naquela caseta só ti
Num almoço em sua casa (marcado para as três horas), ela nha nobres, e me responderam que não, só amigos. Mui
me explicou que as casetas são particulares e que, para to chiques, esses espanhóis.
entrar numa delas, é preciso ser convidada, mas que não
havia problema: ela providenciaria tudo. Santa Gola. Concha fez um rápido espetáculo de flamenco, uma
dança sensual que se assemelha a uma tourada, com os
Em cada uma das casetas, que são 1500 e estão locali participantes se provocando e se enfrentando, e em se
zadas numa área de ruas largas (com nomes e números) guida o grupo foi dançar em outra caseta. Pessoas entra
que se cruzam, acontece uma pequena festa. Procurei 0 vam e saíam, se alternando nas casetas de amigos.
endereço da minha, e, quando encontrei, um segurança
enorme me fez entender que, sem convite, nada feito. Depois houve o desfile de cavalos produzidos com
Tirei o meu da bolsa e fui muito bem recebida. cn eites e bordados, montados por garbosos espanhóis ou
spanholas vestidos a caráter, e também de carruagens.
A caseta era de Beatriz, marquesa de las Torres, e, por s cinco e meia da tarde a Feria se esvaziou: foram todos
ver a tourada.
volta de três da tarde, já estava cheia — e animadíssima.
As mulheres muito elegantes, com belos vestidos e cola
res de pérolas, os homens de terno e gravata, todos com
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PLAZA DE TOROS volta na arena, a multidão aos gritos, e, quando saem,
E A NOITE DE SEVILHA faz-se silêncio, para a entrada do touro: silêncio para ou
vir os ruídos dos cascos do animal e o desafio do toureiro,
que provoca dizendo: “Ei, toro’. Se o touro parece bravo,
é aplaudido; se parece manso, é vaiado.
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tanclo não haver nascido e morado a vida toda em Sevi- Existe também no bairro de Santa C ruz o Las Tere
lha para ter aquela energia. Mas no caminho passam sas, onde foi a festa de casamento da infanta de Espanha;
pelo mais animado restaurante da cidade, o Modesto, 0 Las Piletas, de ambiente taurino, cuja especialidade é o
meu predileto, onde não há lugar para uma mosca. E rabo de touro e todos os etc.; e o incrível El Tamboril,
sucumbem à tentação de tomar outra copa e comer. onde ocupa lugar de destaque, como num altar, a ima
gem da Virgem do Rocio, venerada pelos sevilhanos. To
Aliás, come-se sem parar, em Sevilha. Comece com das as noites, à meia-noite, as luzes se apagam, os fre-
um gaspacho, em seguida encare uns huevos revueltos qüentadores fazem uma oração à Virgem e cantam a
con chorizo, e encerre com uns camarões fritos no alho, música (sacra) “ Salve Rociera” em sua homenagem; de
acompanhados por um vino de verano; foi o que fiz, e pois as luzes voltam a se acender, e as pessoas recome
paguei por esse banquete 21 euros. Uma ceia inesquecí çam a dançar o flamenco, e fazem isso até o dia clarear.
vel, e, se quando cheguei ao hotel houvesse encontrado
um touro, teria tirado meu xale e toureado em plena rua, Uma amiga minha cismou com um toureiro, item
e depois dançado um flamenco, a tal ponto tinha me que, segundo ela, ainda não havia em seu currículo. T i
tornado uma sevilhana. nha porque tinha que ter um affair — mesmo que duras
se apenas uma noite — com um deles. E lá foi ela (fomos
A noite de Sevilha é vibrante, em qualquer época do nós), para o tal bar que eles freqüentam.
ano. O restaurante considerado o melhor da cidade é o
Egana-Oriza, mais puxado para a gastronomia moderna. Só que os toureiros se vestem de maneira normal, fi
Afinal, não vamos esquecer que foi na Espanha que sur cam em mesas cheias de homens, comentando cada lan
giu 0 chef Ferran Adrià, que revolucionou a cozinha com ce da tarde, e desgraçadamente a vida real não é como
suas espumas, hoje copiadas no mundo inteiro. nos filmes: apesar de a minha am iga ser bem bonita, o
interesse deles eram os touros e tudo o que lhes dissesse
Já o antigo Sol y Sombra oferece a melhor comida respeito. Ela olhou, fez caras e bocas para quase todos,
tradicional da Andaluzia. Quem quer comer angulas — fi mas sem nenhum sucesso. E não teve nem tempo de se
lhotes de enguias, finas como um espaguete, servidas, a exibir muito: toureiros não bebem e dormem cedo.
um preço astronômico, numa pequena caçarola em azei
te fervente e alho — deve ir ao El Espigón, sempre cheio Minha amiga ficou decepcionada, porém não desis-
e animadíssimo. Mas, para os que preferem ver os tourei ían o um deles estava de saída, ela tomou cora-
ros, basta passar no bar da Bodeguita Antonio Romero, gem e ped,u um autógrafo Q analjsou^
aonde vão todos após as touradas. (Dica para as mais afoi
disse- “ivf11 n0me’ ^eu 0 autógrafo olhando-a nos olhos e
tas: é no hotel Meliá Colón, antigo Tryp Colón, em fren
de fci;„:J ° SiVem0S mafiana”- P° r pouco ela não desmaiou
te à plaza de toros, que eles se hospedam.)
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Passou o dia seguinte na cama, aplicando cremes no AS HORAS DE SEVILH A
rosto e sem comer, para não engordar. A noite, mais des
lumbrante que nunca, foi ao mesmo bar, e esperou (espe
ramos). Ele chegou, se dirigiu à mesa dos colegas, conver
sou com eles, tomou um fino, mais outro, e foi embora,
tão na dele quanto na véspera — e como se jamais a tivesse
visto. Minha amiga quase chorou, de tanta frustração, e
eu passei a noite ouvindo-a falar mal dos homens.
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lá há pelo menos dez anos que continua impecável, e, a o altar exibe mais de mil figuras de cenas da vida de Je
cada dia que passa, o couro fica mais bonito. sus e a catedral tem apenas — apenas — 25 sinos, que às
vezes tocam todos ao mesmo tempo. Quem tiver fôlego, o
De resto, a moda é adaptada às tendências flamencas, que não foi meu caso, pode subir a La Giralda, torre com
alheia à ditadura do que está se usando no mundo. As es quase cem metros de altura, e de lá vislumbrará a mais
panholas não têm o menor pudor de carregar na maquia linda e completa vista da cidade. Mas para isso é preciso
gem, sobretudo a dos olhos, e se produzem como Carmen, ter no máximo trinta anos e jamais ter fumado um só ci
com flores nos cabelos e imensos xales bordados. garro, nem ao menos convivido com quem fuma.
Pressa e estresse são palavras ignoradas na cidade. Mas No caminho entre a catedral e os Alcáceres — con
é preciso conhecer melhor Sevilha, que é o verdadeiro junto magnífico de palácios que foram sendo erguidos
coração da Andaluzia, centro da tauromaquia e do fla- aos poucos desde a época dos reis árabes —, vá parando
menco; quem a conhece fica apaixonado para sempre. nos conventos, que são muitos, para comer os doces feitos
Tirando-se o período de uma às quatro horas da tarde, pelas freiras, e também nas taperías, para una copita de
quando nas ruas só há turistas (e os restaurantes estão vinho Rioja e umas tapas; faz parte.
cheios), tudo é desculpa para os sevilhanos saírem de
casa. Eles vivem e convivem na rua, todos parece que se E não deixe de passar pela Universidade de Sevilha,
conhecem, se falam, e não há nada mais fácil do que onde era a fábrica de tabacos em que trabalhava Car
conversar com eles num bar. men, cantarolando mentalmente “ Lam our est enfant de
Bohème”. Lembre da história da mais bela e famosa ciga
No entanto, chega um dia em que você acorda e diz: na de todos os tempos, que enfeitiçava os homens, e
“Não é possível ficar passeando sem rumo, tenho que ver emocione-se: ela merece. No fim da tarde você vai ouvir,
os lugares turísticos”. Não adianta, mesmo quem não vindo dos pátios azulejados das casas, o canto dos pássa
curte turismo sente essa obrigação, e não se arrepende. ros, e, ao longe, os 25 sinos da catedral tocando.
Alugue uma charrete, sem nenhum pudor — são quase
tantas quantos os táxis —, e peça ao cocheiro que leve Os ciganos são parte integrante da população de Sevi-
você para um tour fazendo, de quebra, o papel de guia. f' Foram eles que melhor absorveram e preservaram as
raízes do flamenco. As ciganas, quando bonitas, são en-
Preste atenção na cidade: durante sete séculos os mou o ventes, ardentes, e os homens se sentem perturbados
ros estiveram presentes ali, o que se sente na arquitetura e m sua presença. Uma cigana pode mostrar os seios, mas
especialmente na música. E comece logo pelo mais im )amais as pernas, daí a razão de só usar saias longas. As
portante, a catedral. Você sabia que ela é a terceira maior me ores dançarinas de flamenco são ciganas. O cigano
do mundo? Construída em 1400, tudo nela é exagerado. mac ista, protege a família, é fiel; a mulher é doce.
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Porém, existem exceções, e Carmen é o símbolo maior
delas. Não há olhar igual ao de um cigano: é um olhar
sempre cheio de paixão. Quando bonitos, são irresistíveis;
não queira nunca estar a sós com um cigano bonito: você
se renderia. Fico pensando por que esse povo me atrai tan
to: acho que é porque os ciganos são nômades, não gostam
de ter chefes e são totalmente livres.
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A Macarena é um desatino, um desatino fundamen
UM TAPA NAS TAPAS
tal para quem tenta compreender Sevilha ma* rr.
assim abriga espaços de devoção religiosa I á Pv;c*
varias capelas, sendo que numa delas se encontra a
droeira da cidade, a Virgem da Macarena. ^
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V
No restaurante em que eu estava, o Modesto, eram 52 sunto ou de queijo, para evitar que nela caísse alguma
tipos de tapas. Vou descrever duas, só para dar água na bo impureza e permitir ao cliente que tomasse a bebida jun
ca: uma delas consiste numa finíssima fatia de pão, coberta tamente com algo sólido. Essa foi a origem das tapas, que
por uma finíssima fatia de presunto serrano e, coroando, tapavam as jarras de vinho, em geral o fino.
um ovo de codorna frito; você põe tudo na boca de uma
vez. Outra tapa consiste em pedacinhos de peixe frito, deli Qualquer produto pode fazer parte das tapas, mas as
ciosos, típicos da cidade. Alguns nomes não dá para tradu receitas seculares são as tortillas de batatas, os bolinhos
zir, pois designam tapas feitas de ingredientes que existem de bacalhau, escabeches, chorizos, torresmos, lulas com
somente na Espanha, mas aí vão eles, para vocês sentirem o ou sem recheio e inúmeros tipos de azeitonas, queijos e
clima: boquerones en vinagre, bunuelos de chorizo, huevos uma variedade de presuntos. Falando neles, não me es
en salsa de anchoa, montaditos de roquefort a la sidra, pan de queço do que diz uma amiga minha, vegetariana convic
brioche crocante, patatas bravas, sandalia de caravaca. ta, que se regala com os presuntos espanhóis: “Pero esto
no es carne, es alma”.
Volta e meia um garçom passa no bar, pega um copo
de vinho, dá um bom gole e continua seu trabalho. Eles
conversam normalmente com os clientes; quando se
pede alguma coisa numa quantidade exagerada, são os
primeiros a dizer: “ E demais, a senhora não vai agüen-
tar”, e, se alguém pede uma lagosta, eles dizem que vão
trazer a fêmea, cuja carne é mais tenra.
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‘j LISBOA
PRIM EIRA NOITE Quando peguei o táxi no aeroporto, uma decepção:
EM LISBOA o motorista era brasileiro, de Mato Grosso, o que me
deu a impressão de, depois de tantas horas de vôo, não
ter saído do Brasil. Aliás, a maioria dos motoristas, gar
çons, das pessoas que trabalham em lojas é formada de
brasileiros.
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livro no avião, e vai compreender mais esse país do que Voltando a Lisboa: como ainda eram seis da tarde e o
se lesse sobre ele em qualquer enciclopédia. restaurante estava marcado para as nove, liguei para a
recepção e perguntei se sabiam de algum endereço onde
Quando cheguei ao quarto, o rapaz que levava mi vendessem perucas. Perguntaram se eu queria de cabelos
nhas malas mostrou, em cima da cômoda, uma bandeja naturais ou sintéticos; disse que naturais, e daí a cinco
de prata com dois cálices e uma linda garrafa redonda de minutos estava com o endereço na mão.
cristal com vinho do Porto, dizendo que eram as boas-
vindas do hotel. Muito gentil. Pedi um táxi, fui parar numa pracinha no centro, e
encontrei a peruca mais perfeita que tinha visto na vida.
Foi uma delícia sentir a calma da cidade, seus si Como ela era um pouco longa, corri até um cabeleireiro,
lêncios, ver os bairros onde as roupas ainda são esten que fez um excelente corte, e já saí para jantar me sentin
didas nas sacadas para secar; tomei a decisão, firme do outra pessoa, com os cabelos no ombro. E no que dá,
de não passar nem perto do famoso shopping das Amo me deixar sem nada para fazer.
reiras, orgulho dos portugueses mais modernos. É um
shopping — e eu tenho uma certa alergia a todos eles. Feliz, me sentindo a mais gloriosa das criaturas, antes de
sair resolvi conhecer o bar do hotel. Era uma sala muito, mas
Liguei para um amigo, e, como naquela noite ele tinha muito bem mobiliada, com sofás, poltronas, lareira, como se
um compromisso, resolvi começar a ver Lisboa pelo que fosse uma casa de família, varanda com vista para o Tejo.
ela possuía de mais luxuoso: pedi à recepção que reservas
se para mim uma mesa no Tavares, explicando que eu era Numa mesa enorme, todas as bebidas imagináveis,
jornalista, que estava escrevendo uma matéria sobre Lis inclusive uma garrafa de champanhe dentro de um bal
boa — imaginei que eles não dariam uma mesa a uma de de gelo. Todo tipo de copos, gelo, claro, e garrafinhas
mulher sozinha. Fiquei descansando, fazendo hora para de água com e sem gás, água tônica, Coca-Cola, guarda-
minha primeira noite na cidade. Mas sou um perigo quan napinhos de linho etc. Não há barman; cada pessoa se
do estou sem fazer nada. Então, um parêntese. serve do que quer, anota num bloquinho o que bebeu,
bota o número do quarto, assina, e, quando vai acertar a
Há uns três anos, eu, que a vida toda usei uma juba de conta do hotel, a nota do bar está incluída. Eu teria fica
leoa, resolvi cortar os cabelos bem curtos, mas bem curtos do lá a noite inteira, mas o Tavares me esperava.
mesmo. Meses depois, tinha enjoado, claro. E foi um tal
de botar megahair (uns três), tirar megahair (um dia intei As nove em ponto estava na porta do restaurante,
ro para cada operação), usar perucas (acho que quatro), e °ndle um segurança perguntou se eu tinha reserva; o
não me acertava com nada. O dinheiro que gastei com maítre, atento, veio me buscar, e aí teve início uma noite
minhas tentativas daria para comprar um apartamento. rigorosamente luxuosa.
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K preciso dizer que o 'lavares é o mais antigo e presti ia, ele adivinhou. A í, chegou a hora da escolha,
giado restaurante de Portugal, e foi inaugurado em 1861. que foi, confesso, uma grande dificuldade. M as o
Nas suas paredes e no teto não há um só centímetro de al maitre estava sempre com o m elhor dos sorrisos, para
venaria: tudo é dourado, mas dourado mesmo, dourado Ijudar na empreitada. D etalhe: nesse restaurante, mú
trabalhado, brilhando, com lustres de cristal, espelhos ve- sica, nem pensar.
nezianos, estátuas de bronze com tochas na mão, cadeiras
de veludo vermelho, copos de cristal lapidado; ah, e os vi Vem o menu, com a primeira proposta: menu do de
dros das janelas são todos bisotados. O Tavares chegou a sassossego, o que significa menu degustação. O nome de
figurar entre os dez melhores do mundo, mereceu a nota alguns pratos, não vou esquecer nunca: leitão da cabeça
máxima de um restaurante português pelo Gault et Millau, aos pés, peixe cozido na água do mar, costeletas de bor
e está incluído no restrito clube dos dez mais cotados do rego _ que é o cordeiro. E vieiras, as maravilhosas vieiras
Guia Michelin. Nele, cabem 45 pessoas, apenas, e todos os de Portugal, para mim as melhores do mundo.
homens usam gravata; nem combinaria, se não usassem.
Tomei dois copos de vinho, não quis sobremesa, mas
Há alguns anos o restaurante mudou de mãos, e os só de gentileza trouxeram três rolinhos — como se fos
novos proprietários resolveram dar uma “refrescada” na sem três sushis — de sorvete: de rosas, de limão, de cho
decoração. O resultado é que os dourados envelhecidos colate apimentado. C onta: 225 euros. (Vou aproveitar
pelos anos ficaram novos em folha — ouro de 24 quila para dizer que, em qualquer lugar do mundo, se pede
tes, não de dezoito —, os espelhos, idem, e há quem la um copo de vinho, um copo de cham panhe — un verre
mente essa mudança: o restaurante tem mais ouro que de vin, un verre de champagne, a glass o f wine, a glass o f
a igreja de São Francisco, em Salvador. Já o freqüenta- champagne —, e por aí vai. Só no Brasil existe o hábito
ram Eça de Queirós, Guerra Junqueiro e Ramalho Or- de pedir uma taça de vinho, ou uma tacinha, pior ainda.
tigão, mas não Fernando Pessoa, que não tinha dinhei Taças eram aquelas da nossa infância, que ficavam na
ro. Ele ia ao famoso Café A Brasileira, e só pisava no cristaleira, com haste longa e a borda larga.)
Tavares quando convidado.
Duas coisas que notei, no Tavares: quando o garçom
Logo que você entra no restaurante, o maitre, im traz o prato e os talheres, ele põe a faca, por exemplo, do
pecável, de terno e gravata, lhe dá as boas-vindas; os ado direito, e faz a volta — pela frente ou por trás da
garçons se vestem de preto da cabeça aos pés e são to mesa — para colocar o garfo à esquerda, isso para não
dos extremamente simpáticos. Quando um deles veio passar o braço pela frente do cliente.
me perguntar se queria beber algum a coisa, eu hesitei,
e então ele sugeriu: A senhora não gostaria de um O que me fez lembrar que, no velório do dr. Roberto
Porto branco, seco? . Pois era exatamente o que eu arinho, a viúva, Lily, ficou o tempo todo sentada de
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um lado do caixão, e, quando chegou um presidente da Mas que agito! Várias lojas ficam abertas até de ma-
República — não vou dizer qual porque sou discreta —, dmeada inclusive a de Alexandre Herchcovitch, outra
ele se postou do outro lado, guardou os cinco minutos m os mais inacreditáveis tênis All Star, e muitas, mui-
regulamentares em silêncio e passou a mão por cima do C° outras Os bares são um ao lado do outro, e, como a
caixão — portanto, do corpo — para cumprimentar Lily. multidão não cabe lá dentro, os jovens ficam nas calça
Se o presidente tivesse feito um estágio no Tavares, isso das e até no meio da rua, bebendo e zoando. Para eles, a
não teria acontecido. noite começa tarde - meia-noite, uma hora - e em ge
ral termina de manhã, em três bares vizinhos: o Oslo, o
A outra curiosidade: na mesa ao lado, de seis pessoas, Tokyo e o Jamaica. Até um príncipe de um dos países da
quando o sommelier chegou, começaram uma conversa África costuma freqüentá-los.
que não acabava nunca, para decidir o vinho que iam
tomar. Enfim, veio a garrafa; o sommelier botou um dedo Não demorei para perceber que aquela não era minha
da bebida num copo, rodou o copo, cheirou, provou, praia e tomei um táxi, mas ele mal podia andar, a tal
aprovou, e deu ao cliente para que ele provasse. O cliente ponto a rua estava lotada. No fim, cheguei sã e salva ao
também aprovou, e o vinho foi colocado delicadamente sossego do hotel, onde entrei com a minha chave, me
num decantador, para respirar. Momentos depois foi ser sentindo totalmente em casa. Deliciosa, minha primeira
vido, e todo mundo ficou feliz. noite em Lisboa.
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q u e ija d a s e p a s t é i s
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k
O convento é de uma austeridade total, e, pela graça toalhas brancas impecáveis, onde com i um borre-
divina, não foi restaurado; está como quando foi cons mesa’m arroz de cabidela. Esse arroz é feito com os mm-
truído, no século xvi. As celas dos monges são mínimas j ° C<An borrego D e sobremesa, claro, as célebres queija-
com um catre e uma janelinha de madeira; as portas são £ de Sintra recém-saídas do forno. Ah, com o se com e
muito baixas, e, para passar de um cômodo a outro é em Portugal! Na hora de ir embora, para melho-
preciso se curvar, em sinal de humildade. Todo o con _ 0U iorar _ as coisas, o dono do restaurante trouxe
vento é forrado de cortiça, para evitar a umidade, e a sala 1 embrulho “pra m 'nina” (era eu): um prato de queija
de refeições são dois bancos e uma tábua de madeira ve das. iá que eu tinha gostado tanto. A fidalguia portugue-
_ ^ J ri «nn i o l
lha; lá fora, um pequeno pátio com uma fonte no meio.
Deitei-me numa mureta de pedras, fiquei olhando o Antes de deixar Sintra, passei pelo palácio da Pena,
céu por entre as árvores, e pela primeira vez na vida me uma das sete maravilhas de Portugal, antiga residência
senti em comunhão com o Absoluto, numa paz comple de verão da realeza. Um a alucinação, imperdível. A noi
ta. Fiquei ali, quieta, não sei por quanto tempo, e ali teria te, desmaiei na cam a do m eu hotel, exausta de tantas
continuado até hoje, se António não viesse me dizer que sensações. Precisava descansar, pois no dia seguinte en
era hora de irmos. frentaria os famosos pastéis de Belém .
Nunca esqueci aquele momento, e, toda vez que visi É preciso dizer que os pastéis de Belém são uma ins
to Portugal, vou a Sintra e aos Capuchos, procurando tituição em Lisboa. A confeitaria se cham a Pastéis de B e
pela mesma paz. No entanto, Sintra, cheia de ônibus de lém, claro, existe desde 1837, e vende um a m édia de 14
turistas na sua pracinha, hoje está irreconhecível; a mo mil pastéis por dia. A receita é um segredo só conhecido
dernidade já chegou lá. Tentei voltar aos Capuchos, mas pelos donos do lugar, e jam ais foi revelado (mas sabe-se
agora é assim: em primeiro lugar, paramos numa cance que os chineses — sempre eles — conseguiram , por uma
la, onde se paga a entrada; depois, andamos uns duzen fortuna, comprar a receita, e os pastéis de Belém já estão
tos metros; ao redor do convento, um monte de gente fazendo o maior sucesso na C hina). A casa é linda, com
conversando alto, crianças correndo e gritando. Foi uma azulejos da época que, a partir do chão, cobrem cerca de
frustração, quase chorei. Será que nunca mais vou des um metro de cada parede, e às onze da m anhã não se
frutar momentos como aquele? a uma mesa vazia. A massa do pastel é folhada, o re-
eio é de ovos, e não tem nada melhor neste mundo.
Mas continuei nosso tour e segui até o Cabo da Roca,
o ponto mais ocidental do continente europeu. Dali fui Encontram-se pastéis de nata em muitos cafés, mas
alm oçar no Dom Pipas, delicioso restaurante, bem sim lí! ^ 0 sak ° r do original, servido quentinho, pol-
ples e bem português, com jarrinhos de flores em cada o com açúcar e canela. E você ainda pode levar
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consigo — já estou falando como os portugueses — al COMO FALAM E COMEM
guns pastéis, juntamente com pacotinhos de açúcar e OS PORTUGUESES
canela, numa caixa com o logotipo da fábrica. Aliás, an
tes de ir embora, dê uma volta pela fábrica e se encante
com os painéis de azulejos que adornam algumas salas
abertas ao público; veja também os tabuleiros, enormes
que não param de sair do forno para atender à clientela
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aeroporto Charles de G aulle —, e em certas ruas eu me astronomia. Os restaurantes, por exem plo: um anti-
esqueci de onde estava. gQ qUe se tornou m oderníssim o (um dos sócios é o
ator John M alkovich), continua com o mesmo nome:
Pertinho uma da outra, a Richards, a Osklen, a Die Bica do Sapato - ali perto há uma pequena bica e um
sei, a Fnac; mas onde eu estava, afinal? Então eu olhava
s a p a t e ir o .
para a rua vizinha e via escrito “ Rua dos Retroseiros” É
a rua dos armarinhos, aqui chamados retrosarias, aquelas Esse restaurante é o orgulho dos deslumbrados de
lojas onde se vendem aviamentos de costura: botões fiti Lisboa, que não saem de lá. Pelo que me contaram, é
nhas de veludo e de cetim, e rendinhas de todas as largu daqueles que servem pratos quadrados grandes com um
ras, a metro, fivelas para cinto, bordado inglês, agulhas pouquinho de comida no meio, e cujos garçons são esco
de tricô e de crochê, novelos de lã. M as onde estava eu lhidos pela aparência: jovens, bonitos, com gel no cabe
afinal? Numa cidade moderna ou numa cidade antiga? lo. Com o esse film e foi mais do que visto, risquei a Bica
do Sapato da minha lista.
Até a Alfam a mudou; como quase todas as casas eram
cobertas de azulejos que estavam, em sua maioria, que Em Lisboa praticamente não existem restaurantes
brados e que era impossível restaurar, as autoridades re com nomes estrangeiros, e, se existem, são tão poucos
solveram descascá-las e pintá-las de uma cor aguada pu que nem se sabe. A lguns restaurantes portugueses: Faz
xando para o pêssego. Sobraram apenas algumas, e a Figura, Já C á Estou, Tripa-Forra, Já Disse, O Bem Dis
Alfama ficou parecendo um conjunto residencial; foi-se posto, O Farta Brutos, Sem N om e, Faz Frio, O Barriga’s,
o charme. M as é obrigatório visitar o castelo de São Jorge Cova Funda, Vá e Volte, e outros tão insólitos quanto.
e se extasiar com a luz de Lisboa, pois mais linda não há, (Aproveitando, adorei o cartaz que um dentista pôs na
em qualquer estação do ano. porta do seu consultório: “ Construím os sorrisos”.) Nes
sa primavera abriram bares ao ar livre, à beira do Tejo,
E , uma tarde, passe pela Rua das Portas de Santo An- onde a partir de seis horas se pode tomar um drinque
tão e procure um botequim mínim o, onde nem mesas sentindo a brisa do rio. Um deles, de um brasileiro, se
existem, só um balcão. Peça uma ginjinha, aguardente chama M eninos do Rio.
feita de uma fruta chamada ginja, e vá beber na rua. Mas
não se esqueça de dizer se quer uma ginjinha com ou Antes que me esqueça: é fundamental ir à praia do
sem elas; com elas, vêm dentro as frutinhas, que são uma Guincho, num restaurante chamado Meste Zé, comer
os melhores mariscos e lagostas que podem existir. Com
delícia. Sem elas — bem, sem elas é sem elas.
a agua do mar gelada, tudo o que vem dele tem um sa-
°r inesquecível. E o nome do restaurante é Meste Z é
Portugal está com o pé no futuro; mas, apesar de se
mesmo.
m odernizar a passos largos, conserva sua cultura e sua
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Agora, um lugar aonde não se pode deixar de ir de díram ao serviço de quarto um balde de gelo. O balde
maneira alguma em Lisboa é o Pavilhão Chinês. Trata- chegou, coberto por um guardanapo, num carrinho. D e
se de um bar instalado numa casa com muitas salas, cujas baixo do guardanapo havia uma garrafa de cham panhe
paredes são cobertas por vitrines fechadas. E , dentro das vazia no meio d o gelo quebrado. S abe para quê? Para que
vitrines, tudo, mas tudo o que se pode imaginar. a garrafa cheia pudesse ser colocada com facilidade no
1 nplfl vazia. Seia sincero: você
sa 59
QUELUZ. FADO „ como a casa é pequena - cabem somente 24 pessoas -
E BOCHECHAS DE PORCO ’ -0 se escolhe o que se vai comer, o mais aconselhável e
rmwidar 23 amigos, porque os garçons vão trazendo as tra
vessas Vão trazendo, e é preciso ser muito sensato para nao
exagerar e depois se sentir mal. Só é pena que, nos dias de
hoje se vá pelas auto-estradas, deixando-se de passar pelas
adoráveis aldeias. Mas preste atenção nos pratos que vão te
servir.
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existem outros estabelecimentos semelhantes ao
quinha do Oliveira passando mal. Mas guardando uma Por pe.' fadistas passam a noite num troca-troca d
das mais agradáveis recordações da vida, em matéria de Cataplana, ° ; f d puro prazer, e é a ,sso que
bem comer. restaurantes, d ^ sorte de saber desse costume
se chama fa ven(Jo a satisfação e a sincen-
Mas e o fado? Em uma semana em Lisboa não fui a
uma tasca e não ouvi um acorde de fado. Onde estavam
eles. afinal? Depois de muito perguntar, descobri duas coi pra ver que eu adoro fados.
sas. Uma, que as tascas estão se acabando. Antigamente
Amália Rodrigues foi uma fadista m agnífica conheci
eram botequins com mesas de mármore, altas, onde as pes
da no mundo todo. Seu corpo, dois anos depois de ter sido
soas tomavam seu vinho em pé, comendo tremoços e azei
tonas. O vinho era o Carrascão ou o Mancha Mármore — e enterrado no Cemitério dos Prazeres, foi trasladado para o
não é preciso explicar por quê. Só que as tasquinhas foram Panteão Nacional. Mas, isso, só depois de uma grande dis-
n a r t p do Dovo dizia que ela queria — e
virando restaurantes, e agora são raras em Lisboa.
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PARIS
• _ de cinco em cinco minutos se ouve um a voz forte
PARIS MUDOU? V* tando- “ Silêncio”. Não, positivamente, essa não é a
minha. Mas um am igo me contou que uma vez por ano
^ iste uma noite em Paris (e na Espanha também) em
que os museus ficam abertos até as três da m anhã; cha
ma-se La Nuit Blanche.
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Não tenho nenhuma vocação para ser milionária, mas tra ra moutro d i a : que, em quase todos os cruzamentos
queria ter muito dinheiro somente para, quando viajasse , ns edifícios formam uma espécie de quina, o
das TUdOf w
poder mandar na véspera minha secretária, que falaria ie não só cria grandes espaços como areja a cidade.
francês, com a bagagem; assim, eu pegaria o avião só Mas se Paris não mudou em muitos aspectos, lamenta
com uma bolsinha mínima, e, quando chegasse ao hotel velmente mudou em outros - a tal da globalização está
os vestidos estariam passados e pendurados, as gavetas chegando la a passos largos.
arrumadas, tudo no lugar. Durante a viagem, ela arru
maria meu quarto e minhas roupas, e na hora de voltar
faria as malas, despacharia tudo e embarcaria junto, tam
bém na véspera; quando eu chegasse em casa, as roupas
estariam passadas e penduradas nos cabides — cabides
iguais, claro, e virados para o mesmo lado.
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A PARIS DOS MUITO RICOS cão é melhor nem olhar o resto; especialmente as
eqU1 s que resolveram se modernizar, de um mau gosto
Vltnn Os preços? Uma bolsa Birkin tem que ser encomen-
7 2 leva um ano para ficar pronta e custa cerca de 5 mil
eurol Não estou falando das de crocodilo, claro, E, fora os
artigos de couro, nada mais me emociona.
Houve um tempo em que o Faubourg Saint-Honoré As grandes marcas vão atrás do dinheiro, e, como exis
era o máximo, em matéria de elegância. Hoje, as vitrines tem muitos hotéis de luxo nas imediações da Avenue
das lojas só exibem horrores, que você (eu) não vestiria Montaigne, as lojas foram para lá, a fim de facilitar as
nem por montes de euros. compras das madames. Tirei um dia para percorrer essa
avenida de cima a baixo — e vi.
No prolongamento do Faubourg há a Colette, templo
dos jovens deslumbrados do mundo todo. “La très chère Começamos — eu e josée, claro — com um delicioso
Colette”, como é conhecida, que pode ser traduzido como almoço no Tong Yen, restaurante chinês na Rue Jean
A caríssima Colette”. Lá só tem supérfluos, e uma pul- Mermoz; lá se come muito bem, e Thérèse, a patronne,
seirinha de prata não sai por menos de 6500 euros. A continua com o sorriso de quarenta anos atrás. Uma se
moda, no primeiro andar, é infame, mas a coleção de mana depois estiveram nesse mesmo restaurante Chirac
revistas é interessante. e Sarkozy, que, aliás, é bem rive droite; ele gosta do Crillon
e ^ouquet s, enquanto os presidentes anteriores eram
0 Hermès, no Faubourg, continua firme; agora, ti
OK, mais rive gaúche, mais chegados a um bistrô daqueles tra-
rando-se seus clássicos — bolsas, cintos, relógios, foulards, icionais. Mas, segundo Boni, o melhor chinês do mun-
as agendas, claro — como viver sem uma? — e tudo para ° é o Chen Soleil d’Est, mais conhecido por Chen, que
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f r um cinto a 1250 euros, um cardigã a 2700 e um a
fica na Rue du Théâtre, perto do Sena. Para quem não
sabe, Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, foi 0
calça comprida a 3450 talvez seja um certo exagero.
grande chefão da Globo, e é considerado o homem que
mais entende de gastronomia e vinhos no Brasil. Alguns metros adiante, Eres e seus mais lindos e caros
maios e a mais bela lingerie de Paris, e, aí, a surpresa: um
Pausa para uma historinha: uma noite estávamos jan que volta. É Em ilio Pucci, furor nos anos 60, que está
tando, eu e um grupo, com Boni, no Chen — éramos cerca chegando devagarzinho, com seus mesmos jérseis de
de dez pessoas. Evidentemente deixamos o menu para ele seda, seus mesmos estampados coloridos, dando um up
escolher — comemos umas rãs no alho e um pato laqueado nos beges, cinzas e pretos que im peram em Paris. Sem
inesquecíveis —, e, na hora de pedir os vinhos, fez-se um pre igual ao que sempre foi, mas um choque cheio de
silêncio que dava para ouvir do outro lado do Sena. Claro: chique; entra-se, compra-se um vestido, e se sai elegante
quem vai ousar falar em vinho na presença de Boni? Mas o e feliz. Atravessei um a pequena rua, e estava na Dior; foi
garçom foi perguntando discretamente, a cada um de nós, entrar por um a porta e sair pela outra, e esquecer o que
se queríamos água com ou sem gás, e nem sei se alguém vimos, para não sofrer. Na Bottega Veneta, um a bolsa
ousou responder. Eis senão quando a extrovertida Lou, mu muito, muito simpática, que eu adoraria ter: 4400 euros.
lher de Boni, pede uma cerveja. Convenhamos: é preciso
ter muita personalidade para, na mesa de Boni, casada com Na vitrine de Arm ani (black labei), um vestido borda
Boni, pedir uma cerveja. Palmas para ela, de quem, a partir do bastante usável mas não essencial, 10 70 0 euros, e che
desse dia, fiquei totalmente fã. gamos à Prada, onde a única coisa que, se tivesse ganho de
Natal, eu talvez usasse num dia de delírio, talvez, era uma
Voltando: depois de atravessarmos o Rond-Point des bolsa de crocodilo rosa, a 6 mil euros. Para terminar, Un-
Champs-Elysées, todo florido, atacamos a Avenue Mon- garo, se eu estivesse procurando um vestido para um co
taigne. A esquerda, Dolce&Gabbana, onde é fundamental quetel numa embaixada em que iria morrer de tédio.
entrar; é até possível encontrar algumas peças bem corta
das, mas o resto, só rindo. Bem ao lado, Barbara Bui, onde Por toda a Avenue M ontaigne, cruzam os com m ulhe
eu talvez comprasse um par de sandálias, nada mais. res e burca, sabendo que estas encobrem os mais lin-
e caros vestidos dos mais famosos costureiros,
E chegamos à inevitável Chanel, e suas vitrines ina que elas mostram só quando estão entre elas.
creditáveis: manequins com tops bordados super-habillés,
chapeuzinhos de palha cheios de flores e botinhas amar nda cheias de gás, atravessamos a avenida e demos
radas com fitas, enormes plataformas e saltos torre-eiffel, pletoentra^a °^ eZ ^ ent*no’ ® preciso fazer o tour corn
um verdadeiro pesadelo. Felizmente não se usam esses a i ’ P j fa, encontrar’ com sorte, um vestido habillé razoá-
horrores na vida real. Chanel nunca foi barata, mas, p °r Vd’ sandahas, e belas bolsas.
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Depois dessa maratona, foi fundamental tomar um
chá perfumado e gelado na galeria do Plaza, para des
cansar os pés e sobretudo criticar os horrores que vimos
(criticar evita o infarto).
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Paris e Los Angeles a distância cultural é imensa, e o Geor- tudo) e aquela cara decidida de quem vai comprar, não
ge v, cuja marca registrada era um imenso buquê de flores roblema, a porta é aberta com um simpaticíssimo
no hall de entrada, agora tem, espalhados por todos os seus “ Bonjour, madame”. É uma loja enorme, onde tem abso
espaços, vasinhos deitados com flores estranhas, o que até lutamente tudo o que possa levar a marca lv. São diversos
iria muito bem na Califórnia, mas em Paris é um insulto andares, com muitos, muitos seguranças em cada um, e
fiquei tonta com a quantidade de artigos - de chaveiri-
Apesar de todos os confortos que o hotel oferece — pis nhos a porta-níqueis, lenços e malas de todos os tamanhos,
cina, vários tipos de massagens, limpeza de pele, e uma tudo de todas as cores, e cores misturadas.
sala de ginástica aberta dia e noite —, uma pessoa de
bom gosto não pode deixar de se sentir agredida por A lv se tornou um luxo banal não no preço , e
aquela visão horrenda das flores, da qual ninguém esca de uma vulgaridade absoluta. E preste atenção na cria
pa. Precinhos: quarto normal, 695 euros, suíte especial tividade: pegaram vários m odelos de bolsas lv, de várias
4800, suíte real, 11 mil. C om o em Paris você passa pelo cores e formatos, cortaram em pedaços — uns retangu
menos doze horas do dia na rua, cada hora na suíte real lares, uns quadrados, outros em triângulos —, fizeram um
sai por quase mil euros. patchwork e montaram um novo modelo de bolsa — hor
renda, por sinal. Preço: 50 m il dólares.
No hall do hotel havia uma mulher envolta em pa
nos, com aspecto muito simples. Levava uma sacolona Foi demais para m inha cabeça; precisei sair correndo
de tecido e um bebê no colo. Achei estranho que ela es dali. Aquele Vuitton clássico, de bom gosto, não existe
tivesse ali, no hall de um hotel tão chique. Logo depois mais. Saí, passando m al, e, quando olhei para o Fouquet s
encontrei a mesma m ulher na loja da Louis Vuitton, (agora é também hotel), do outro lado da rua, quase des
confortavelmente instalada, tirando da sacola uma garra maiei: a porta de entrada eram uns arabescos feitos de
fa térmica e fazendo uma m am adeira para o bebê. Devia alumínio, im agine por quem ? Philippe Starck. Quero
ser uma princesa árabe — ou babá de algum a riquíssima, declarar, a quem interessar possa, que tenho pavor a tudo
o que é feito por Philippe Starck.
pois, nos dois lugares, foi muito bem tratada.
E agora vou ter que falar da loja Vuitton. Vocês enten Fui descendo a Avenue G eorge v, e felizmente encon
trei a filial do Hermès, para me refazer de tantas agruras;
deram bem: vou TER que falar.
passei por Jean Paul Gaultier — se procurar muito, dá até
para achar algo interessante ali — e cheguei à Agnès B.,
Na calçada, um grupo esperava para entrar. Tive a im
|}ue só tem coisas clássicas, com preços acessíveis, discre-
pressão de que os seguranças esperam que saia uma leva
as e sempre de bom gosto. Respirei aliviada. O mundo
para entrar outra, mas, se você está bem-vestida — e eu ainda é possível.
estava —, com uma bolsa de grife (o porteiro conhece
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Mas. como tinha tirado a tarde para percorrer aqu 1 OS OÁSIS DOS BISTRÔS
quartier, o v i i i ^ , e já eram mais de sete horas, resolvi ir^r
o amargo fim e tomar um drinque no bar do Plaza- decor6
do por quem? Por um discípulo de Philippe Starck ^
F
d N aê° ra’ Uma exce^ente notícia: aquele restaurante
°va York e de Los Angeles, o Nobu, pretensioso até
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mais não poder, abriu em Paris — nesse quartier, é cia fatia de pão de campagne tonado, depois salpica e m cim a
ro — e fechou, por não ter feito nenhum sucesso Deu o saJ que está na m oda, a fle u r d e sei d e G u ém n de. D ê a
existe e às vezes é justo. A-do-rei. primeira dentada, tome um gole d e vinho tinto, e vai
morrer de prazer. E tem m ais: que eu con h eça, é o ú n ico
Ainda no v i n ^ se encontram diversos pequenos res restaurante d e Paris qu e prepara esse prato.
taurantes italianos, todos simpáticos como os italianos
sabem ser. Um deles é na Rue du Boccador; chama-se Le Frequento o C laude Sainlouis faz m ais de trinta anos
Relais Boccador, e o dono, Mario, apelidou-o de “Bocca- e a decoração é a m esm a, o serviço é o m esm o, apenas o'
doro” Com o na entrada do restaurante há um degrau menu muda um pouco, conform e a estação do ano E m e
bem alto, Mario segura a cliente pela cintura para ajudá- lhor ainda: não é nada caro. N as paredes, fotos dos presi
la a entrar, e também a sair. Outro dia, ele ajudava a en dentes que frequentaram o bistrô; só não tem Sarkozv a u e
trar uma mulher muito chique, que tive a impressão de e modernmho e, com o dissem os, prefere o C rillo n ’
reconhecer. Perguntei, e recebi a confirmação: era Lee
Radziwill, irmã de Jacqueline Onassis. Magra — como )á se estiver com um desejo lou co de com er ostras, o
elas conseguem? —, com um tailleur branco com gola Restaurant des Beaux Arts, na R ue M a z arin e, vai te dei
tipo Mao, sapato de duas cores, cabelos no ombro, numa xar bem feliz. Agora, se você for um expert em ostras,
elegância de dar inveja. daqueles que conhecem todas as qualidades e tem suas
preferências, então vá ao C E c a ille r du Bistrot, na Rue
Claro que olhei muito para ela (disfarçadamente), e Paul Bert. E um pouquinho longe, precisa reservar, m as
refleti sobre o que faz uma mulher ser elegante. Elas se lá você encontra todos os tipos de ostra que podem exis
vestem sempre de maneira bastante discreta, e é raro usa tir, e frutos do mar tam bém ; e só, não espere por m ais
rem cores fortes. M as voltando aos bistrôs, e saindo um nada. Se pedir um plateau, com diferentes q u alidades, o
pouco do v iii ^ , existem dezenas, em Paris, onde se maitre vai dizer a você em que ordem deve co m er — e
come magnificam ente bem. haja memória para lembrar.
Vamos supor que você seja daquelas pessoas que pe Mais lugares para ir. se você perdeu a hoTa do alm oço
dem um ossobuco só pensando no tutano. Então seu bis- e quer comer um a coisinha ligeira, vá ao D a R osa, na u e
trô é, sem dúvida, o Claude Sainlouis, na Rue du Dra- de Seine. L á você escolhe porções m aiores ou m enores,
gon, uma rua que com eça logo em frente ao Café de salmão defumado, um a das diversas qualidades de presun
Flore. Há um prato cham ado os à la moelle (pronuncia- to, inclusive o bellota, gaspacho, pedaços de parm esão
se “m oale” ): são três ossos enormes, cheios de tutano, para molhar no vinagre balsâm ico, salada, risotos, ch ou ri
que você tira com uma faquinha fina (sai inteiro), corta ço — como eu poderia m e esquecer do chouriço? , tudo
em rodelas pequenas e vai pondo cada uma sobre uma é de matar, de tão bom. E isso rapidinho, com u m copo de
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do, e preste atenção nos detalh es da arquitetura e nas „
vinho, e bem barato. No Da Rosa só tem comidinhas pe
jilastras pintadas q u e continuam firm es em se 1 33
quenas, mas da melhor qualidade. Eu, que não gosto de
4 ____ n «■C - e mais parisienses - da cidade^'
horários, não saio de lá. Ah, e depois dos salgados peça
para provar umas bolinhas de chocolate au sauterne e ou
Há lugares tradicionais aonde não se pode deixar de
tras só um pouco apimentadas, e chore de alegria. E peça
também para ir à cave onde guardam os presuntos, basta ir; primeiro faça suas contas e, se der, reserve um a mesa
descer um lance de escadas. Vale a pena. no C h ez 1’A m í L o u is, na R u e du Vertbois. É fora de mão,
a decoração é sim ples, m as lá você vai se regalar com o'
Outro bistrô que freqüento porque é um bistrô de ver melhor foie gras d e Paris; com o segundo prato, peça algo
dade, singular, não globalizado, é o Vins et Terroirs, na aparentemente banal — um frango assado —, e, quando
Rue Saint André des Arts. Você é bem recebido, o lugar ele chegar inteiro e for trinchado na sua frente, você vai
é pequeno, aconchegante, o patron vem à mesa aconse acreditar na existência de D eus. Acom panhando, uma
lhar o vinho, é uma delícia total. montanha das m elhores batatas fritas. E não se espante
se, na m esa ao lado, estiverem quatro caminhoneiros de
E tem também o Les Éditeurs, no Carrefour de m acacão com endo exatam ente a mesma coisa. E , na
1’Odéon, rodeado de estantes com livros, onde você pode mesma lin h a, não deixe escap ar o Benoit, excelente bis-
sentar e ficar horas lendo o livro que escolher numa das tro na R u e Sam t-M artin ; você não vai se arrepender.
estantes, tomando um copo de vinho bem devagar. Ofe
rece um pouco de tudo, e tudo é bom, mas tem um a so }á no terreno das excentricidades, vá um dia ao Mu-
bremesa quente de chocolate, que vem acompanhada de sée Baccarat, n a P lace des États-U nis; você verá todas as
um sorvete de rosas, que é um espetáculo. Recomendo. preciosidades criadas por essa fábrica de cristais, e ainda
vai poder a lm o ça r ou jantar no C ristal Room Baccarat,
Uma brasserie que está meio fora de moda mas é um com endo e b eben d o nas m ais belas peças da grife — o
esplendor de beleza é a Fio, na C ou r des Petites Ecuries, que não é coisa que aconteça todo dia. Há um dedo de
com seu precioso décor art nouveau, e as moças mais bo Philippe Starck na con cep ção do m useu, mas distraia
nitas de Paris. Não é a grande gastronomia, trata-se ape se e esqueça. A cozin h a não é fabulosa; horrível tam
nas de uma brasserie onde se com e bem.
bém não é. A liás, onde foi que você, algum dia, comeu
muito m al em Paris?
E, no capítulo brasseries, é impossível ir a Paris sem
passar pela Coupole, nem que seja para tomar um drin Se você já foi — ou até se não foi — ao Marrocos, e es^
que no bar e imaginar o que ela deve ter sido nos anos 20, com vontade de com er um bom cuscuz, 0 endereço
com seu elenco de pintores, poetas e escritores, e suas é Rue de Bretagne, C hez Omar, no Marais. Não v a js p -
modelos. Esqueça um pouco deste insensato m un rando grandes serviços nem muita elegância, e o ug
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Os que gostam da cozinha d e N ic e n ão p recisam ir
não faz reservas — fica tão cheio que seu ombro toca no até lá para se deleitar. E m pleno coração d e P aris, u m
ombro do seu vizinho. Quem sabe não é o ombro que —durante excelente é o L e Petit N iço is, na JRue A m é -
restauram<- ~~ •— el egante. A esco lh a é d ifíc il:
você procurou a vida inteira? Ornar é a simpatia em pes íie, cujo décor é simples e elegam ^. ,„ __ ^ '■ 'O TV
soa, e o cuscuz, dos melhores que existem. Peça com tudo beignets d e berinjela tão leves que só falta vo arem , sar
a que tem direito: salsichas apimentadas, frango, carneiro dinhas e anchovas com m olho d e o uriço-do-m ar, e u m a
e. para acompanhar (e ficar no clima), um vinho marro bouillabaisse fantástica. C o m o sobrem esa, um s u flê d e
quino ou argelino. Você vai passar uma noite bastante di framboesas qu e vai te fazer ver co m o a vid a é cor-de-
vertida e vai, sobretudo, comer muito bem. rosa. E a felicidade nos pratos é co m p letad a p ela g e n ti
leza dos garçons. Preste atenção n u m g ra n d e q u a d ro n o
Agora, se quiser fazer um programa diferente mes fundo da sala: um a dan çarin a d e n tro d e u m a e n o rm e
mo — e para isso é preciso gostar de vinho —, vá qual
quer dia da semana ao Le Baron Rouge, na Bastille; a taça de cham panhe.
hora boa é onze, meio-dia. Lá dentro, não mais que três
mesas, além de um grande tonel à guisa de mesa, em
fome, o lugarldeal é o {^^dolioterRa3^ ^ 1 ^
volta do qual os clientes se amontoam; a bebida vai sendo
servida diretamente dos tonéis. Embora algumas pessoas
beber drinques perfettos , comer
~ — «"h» a o terraço para ver a
levem suas garrafas para comprar o vinho, a maioria fica
bebendo em pé, e, quando a coisa esquenta, dois ou três
tonéis são postos na calçada, onde a festa continua. Quem
Um dia faça tudo diferente: não tom e café, não alm o-
quiser, pode pedir um pouquinho de foie gras ou um pra
to de cochonneries — vários tipos de salsichas — (o mais ce, atravesse a pé os lindos jardins das d u lh erias e vá até
simples custa cinco euros), que são partilhadas por todos. as arcadas da Rue de Rivoli. Procure o núm ero 226; é o
Essas manhãs costumam ser muito alegres (claro), e há Angelina, uma casa de chá que existe desde 19 0 3, onde
quem saia de lá trocando as pernas. Mas é um progra- você vai tomar o m elhor chocolate do m undo: denso,
mão, e mais tipicamente francês, impossível. cremoso, divino. E , se tirou m esm o o dia para ser feliz,
peça, para acompanhar, um mont-blanc, crem e de casta
Um lugar ótimo para jantar é o Le Voltaire, no Quai nha, com bastante chantilly, um delírio. Só aí devem ser
Voltaire, a dois passos de onde mora o ex-presidente Chi- umas 5 mil calorias, mas tudo b em ; tudo ótim o.
rac. Os pratos são deliciosos: se você for chegado a comi
das menos banais, peça beignets de cervelle (miolos empa Uma noite, éramos quatro am igos e decid im os u
nados), rognons fatiados, rosados, ou um filé Rossini, com Pigalle, meio sem rumo. Entram os num bistrô, só qu e
foie gras-, vai se regalar. De sobremesa, baba fondant. Nes estavam fechando. M as a patronne, sim pática, resolveu
se restaurante você se sentirá um verdadeiro francês. nos servir. Enquanto isso, os poucos garçons fa z ia m as
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con tas e m volta da caixa, bebendo seu bom rou a , ,
N a o set com o, eles com eçaram a se anim ar e le m b r fd , ar° '
ç o e s antigas. U m disse: “ Lem bra dessa?”, e « J í
ran ce, ch er pays d e m on en fen ce”, e todos acom panh*
ram . D epots veio "Q u e reste-t-il de nos amours” „ „ e w '
m u n d o con h ecia e cantou junto. ’ q
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Com o toda mulher que se preza, sou louca por sapatos eA S deandá?
e otas. E , como jurei que não usaria mais salto alto, quase pOR
desmaio quando, de repente, vejo uma sandália salto u-
fico entre ela e uma bota de cobra (tudo a ver) — compro'
não compro —, acabo levando as duas. Corro então para ó
Café de Flore, ali pertinho, e peço um copo de Chablis e
um croque-monsieur para me refazer da emoção. Que ma
nhã divina, essa. E pago o mico de abrir os pacotes e ficar
olhando para meus tesouros. Mas que mulher não enten
de isso? Que garçom já não presenciou uma cena assim? , „ . á tão decadente, onde se vestem as elegan-
Mf r ™ , s t e L n t e s guardaram seus esplêndidos Saint
Detalhe: quando voltei para o Rio, vi que jamais usaria
Laurent seus fantásticos Balenciaga. seus inacreditáveis tarl-
a sandália, até porque, como perdi o hábito, não sei mais
t a s Chanel, e usam, no dia-a-dia, jeans com uma camrsa
me equilibrar em cima de saltos. Mas rapidamente soube
divina ou um blazer sensacional, um sapato maravilhoso e
o que fazer: ela foi para a estante, onde posso vê-la o tem
uma bolsa idem, um belo suéter, e assim vão a qualquer lu
po todo (e lembrar das minhas loucuras). E lembrar tam
rar nara os erandes jantares, tiram do baú um a de suas pre-
bém que mulheres elegantes nunca usam salto muito
alto. Alguns exemplos: Jacqueline Onassis; Lee, sua irmã;
Audrey Hepburn; a duquesa de Windsor; Katharine vestidos às filhas ou às sobrinhas — e estas nunca sabem onde
Hepburn, com suas calças masculinas e camisas de seda, eles estão —, soluçam de arrependimento quando pensam
chiquérrima. Não estou me referindo às modelos quando que, agora, nem com todo o dinheiro do mundo poderão re
desfilam, esse é outro universo, e sim à elegância verdadei cuperá-los. A não ser que freqüentem as lojas vintage, onde se
ra, sólida, que atravessa os anos. Aliás, na minha listinha vende roupa usada; e assim mesmo se tiverem sorte.
esqueci de botar Chanel, que dizia que, se a mulher é
pequena, não deve usar salto alto; uma simples questão de A moda mudou. Adeus à alta-costura, adeus aos vestidos
proporção. E , se Chanel falou, está falado. que embelezavam as mulheres. O que existe hoje deveria
ter outro nome, diferente d e “m oda”, pois essa term inou
co A ° ^|.Venc^ ’ ^alentino, Saint Laurent saíram do pal-
gora é outra coisa, em algum as ocasiões até divertida.
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não anunciam, não saem nas revistas de moda, e ficam co Laurent Paco Rabanne, Azzedine Alaía, Issey Miyake,
nhecidas pelo boca-a-boca. No ano seguinte podem ter per além de raridades como as primeiras peças desenhadas
dido seu rumo, mas aí surgem outras, e assim tem sido A Kenzo. Há ainda salas só de acessórios e sapatos. Mas
minha preferida ultimamente é a Yuki Torii, escondida na ter acesso a esse tesouro custa caro. Para entrar e percorrer
Galerie Vivienne, perto da Place des Victoires. Agora, se ela o brechó são quinhentos euros, e é preciso marcar hora.
sobreviverá no ano que vem é uma perfeita incógnita. Você deve estar se perguntando por que eles alugam as
roupas- é para que os novos criadores aprendam como
As lojas vintage são caras. Uma das mais famosas, no eram feitos os vestidos, os tailleurs, os casacos.
Palais Royal, é a de Didier Ludot. Nela você encontra os
mais lindos vestidos, bolsas, sapatos, bijuteria dos anos Existem também brechós para os jovens que não es
50, mas prepare seu cartão de crédito: é tudo mais caro tão nem aí para grifes. Na Rue des Rosiers (a rua é peque
do que nas lojas de alta-costura atuais. Porém, existem na, você encontra logo), há um sem nome, que tem escri
outras, até acessíveis à nossa modesta bolsa. Se estiver na to em cima “ C oiffeu r” (cabeleireiro). A média de preço
Avenue Montaigne, vire na Rue Clém ent Marot e, uns dos vestidos, casacos, saias, blusas, suéteres é cinco euros.
vinte metros depois, na calçada da direita, vai logo en É, cinco euros. Não tem um a vez que eu vá a Paris e não
contrar uma delas — cujo nome não sei; mas você encon dê minha passada pela Rue des Rosiers. E volto sempre
tra fácil. Outra fica em Saint-Germ ain, numa pequena com um pacotinho, do qual jamais me arrependo.
transversal da Rue de Buci; cansei de procurar o endere
ço no meu guia, sem achar, mas, se você quiser realmen As francesas são elegantes, estão sempre bem pentea
te, você acha. E nesse dia não deixe, mas não deixe mes das — o clima seco ajuda —, e a cada esquina você vê um
mo, de ir ali ao lado, a três passos, à pequena praça de salão de cabeleireiro. M as a coisa mais difícil é encontrar
Fürstenberg, para mim um dos lugares mágicos e mais uma m anicure; a não ser que você vá a um grande salão.
E , quando encontra um a, vai pagar no m ínimo trinta
belos de Paris, onde foi rodada a últim a cena do filme A
euros. Aliás, o que mais existe em Paris são salões de ca
época da inocência, em que Daniel Day-Lewis prefere
beleireiros; as francesas são incapazes de botar o pé na
não subir à casa de sua amada, M ichelle Pfeiffer, e fica
rua despenteadas. Nos mais simples, você é sempre mui
sentado num banco, enquanto o filho dele sobe. Deta
to bem tratada, também. Um a vez fui a um deles fazer
lhe: a praça na verdade não tem bancos.
uma escova, e o cabeleireiro me disse: “ Se precisar, passe
aqui amanhã que eu dou um retoque no seu cabelo, é
Voltando aos frufrus: tem também a coleção de roupas
uma oferta da casa”.
vintage mais sofisticada de Paris, Quidam de Revel, um
brechó fechado que apenas aluga — que pena! — roupas
E tem os chiquérrimos, caríssimos, dos quais só co-
para os estilistas mais importantes do mundo. As salas sao
eÇo Carita. E assim: todos os profissionais vestem um
divididas por décadas, e nelas há araras inteiras de Sain
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conjunto escuro com gola tipo Mao, e são bonitos ma PARIS MUDA
gros e elegantes. Lá não se escuta um único passo, unia
umca voz, apenas música clássica, bem baixinho.E Se
um funcionário precisar falar com outro, faz um sina^
discreto e vão falar longe da vista das clientes. Os cabelei
reiros também não dirigem a palavra a elas, somente para
perguntar como desejam ser penteadas. É um oásis de
paz, frequentar Carita. E a iluminação? Você se olha no
espelho e se sente uma deusa. Custa caro: para um pe
queno corte, xampu, escova, manicure, pedicure, conte
, . , também para melhor. E m matéria de
250 euros — fora a gorjeta. Mas vale a pena, ah, se vale.
MaSP“ 'S r Í a G a r e du N o,d há um novo ehamado
r S Am óm - - b t d o n .,K onde o balcão do bar é
H 1 -An em eelo- com as recentes tecnologias, o gelo
r t r e t e nunca! Para um hotel cham ado Am our no
entanto, não seria mais adequado um bar “ m uma bela
lareira? Se você for lá para alm oçar, nao deixe de pedir os
macarroni recheados de queijo, crocantes, um a verdadei
ra delícia. E , dependendo da com panhia, reserve um
quarto para fazer a sesta, na m elhor cam a que pode exis
tir, com almofadas e edredons de todas as cores. Isso é
que é a vida — a boa.
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Um hotel não muito conhecido .
O Pavillon de b Reine, em f* .é verde ou vermelha, dependendo da estação, e a recep
com eçar falando sobre a praça, ,a|vez a «■ V „„ ção é um encanto. São só 56 quartos, cada um deles
ns. Nao se, bem por quê, mas sempre dehÕ n de Pa' decorado de maneira diferente, e dando para deliciosos
domingos. Construída em r6oo í l m ,: para,rláaos jardins floridos. De um luxo discreto, a atmosfera não
de; lindam ente sim étrica, suas casas são' ^ C'da' pode ser mais romântica. Se você puder, passe três dias
um a arcada a circunda. Ali moraram Victor H '' lá com seu amor, pois serão três dias inesquecíveis. E, se
cardeal R ichelieu, e aos dom ingos tem sem H“ 8° e 0 não puder, passe também.
últim a vez que estive lá, um j o t e m A
Uma amiga minha — um pouco louca — estava hos
tão bonita num a harpa que perguntei do que seTrata™
pedada no Pavillon de la Reine. Passou por uma dessas
E le respondeu só o que sabia; era uma mazurca que ™
feirinhas de rua, viu uma galhada de alce e comprou. O
am igo lhe ensinara. H m
comprimento da peça alcançava quase dois metros, e ela
a traria para o Brasil. No hotel, falou com o concierge,
M ais adiante, um a pequena orquestra de doze pessoas mostrou o objeto, chamemos assim, e disse que ele preci
executava a abertura da Carm en. Parei e fiquei ouvindo, sava ser embalado da melhor maneira possível, para não
lem brando de S evilh a, é claro. Sob os arcos existem gale haver risco de acidente durante a viagem. E não é que o
rias de arte, lojinhas de m oda, cafés, restaurantes. Assim, Pavillon de la Reine dispunha de um funcionário só para
se você quer passar um dom ingo maravilhoso, não hesi isso? Pois ele embrulhou o objeto com plástico-bolha,
te: vá para a Place des Vosges, sem hora para voltar. pôs espuma de borracha na ponta de cada chifre e pape
lão em volta. E mais: recusou-se a receber gorjeta, já que
D ê um grande passeio sob a arcada; você vai encon sua função era aquela.
trar a butique de Issey M iyake, a Mademoiselle Vegas,
definitivam ente rock-rT-roll, onde poderá fazer uma O pacote foi primeiro para Londres, e chegou ao Bra
tatuagem (fake) tão perfeita que ninguém dirá que não é sil em perfeitíssimo estado. Detalhe: na galhada havia os
verdadeira. T am b ém poderá com er um peixe ou uma nomes dos cachorros que tinham perseguido o alce e a
data da morte do animal.
carne por dez euros no L e Rouge-Gorge, ou comprar a
bolsa dos seus sonhos na U E ch oppe à Sacs. Tem
Bem perto desse hotel fica um dos grandes restau
na P lace des Vosges e no seu entorno, é só estar com
rantes de Paris: o LAmbroisie. Uma das melhores cozi
olhos bem abertos. nhas da França, três estrelas no Guia Michelin; e o décor
italiano, todo florido e com tapeçarias, faz reinar uma
A go ra, o hotel: um grande P °r tã ° d< - e m atmosfera ideal para um romance, jantar no terraço é
para um lin d o jardim , e é lá o Pavi on e chagem um sonho, quando o tempo está bom. O menu traz, entre
frente ao Pavillon du Roi. A casa é coberta de folh 8
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I
por uma musse de aspargos verdes, com uma colher de P°de V R esposta: “ P o d e ser até u m e le fa n te , n ã o h á ne-
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BREGUICE BOA • w i è r e s na Rue Liancourt. Só para lembrar: ela
fof chef do famoso Ledoyen, que já teve três estrelas.
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bateau-mouche, também logo antes de escurecer
de outro ângulo, as luzes de Paris se acenderem
e veja, ALTAS horas
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traindo com uma m ania que tenho: conto aua„
AS m a n c h e t e s do jo r n a l e ir o
soas ha no lugar e quantas servindo. Resultado 1 ^ Pes‘
geni: um só funcionário para servir dar Q ,, ? 3 c° nta-
dinheiro, dar o troco. Quantos clientes? Vinte ' * r 0
todos homens. e e~ ~
Nessa noite eu tive muita vontade de ser homem; po Ainda estávamos de pé, esperando pelos retardatários,
der percorrer as ruas desertas, com suas vitrines fechadas, olhando a decoração e as flores, quando nos foi servido
e adm irar Paris vazia, sem enfeites, sem nada do que nos um copo de champanhe rosé, acompanhado de finíssi
im pede, durante o dia, de ver a maravilhosa cidade que mos grissini enrolados em finíssimo presunto defumado.
ela é: bela com o um a bela m ulher nua. Atravessar o Sena E preciso que fique claro: no Laurent, esteja você vestida
como estiver, vai achar que não está suficientemente ele
e descer o C ham ps-Élysées, depois ir à Place Vendôme,
gante. O décor é tão lindo, as luzes rosa tão perfeitas, os
subir a Avenue de 1’O péra e ver a Opéra lá no fundo, sem
garçons tão gentis, que você vai se sentir sempre aquém.
um a só pessoa ou um só carro poluindo o visual. Com
Mas, quando os pratos começam a ser servidos, você es
seria bom , com o seria lindo. E u sentiria que Paris
quece de tudo.
toda minha.
Primeiro vieram os raviólis de foie gras, depois uma
araignée de mer — espécie de siri gigante — em geléia, e
langoustines en beignets tão leves que só faltava voarem.
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I
para continuar, um filé de peixe com creme de erva-doce
e um pequeno pombo praticamente dourado (desossado,
bien sür), recheado de champignons. Deixaram apenas os
ossos das perninhas, para que os clientes pudessem co
mer com as mãos. As sobremesas, bem leves: creme de
amêndoas com framboesas, um esplêndido soufflé au
Grand Marnier e calda de tangerina, e todas as variações
em torno do chocolate. Ah, e os vinhos, cuja escolha foi
do sommelier do restaurante, que tem um ar muito bizar
ro (não o restaurante, o sommelier). Num lugar desses, é
para se deixar levar e esquecer da conta no banco — feliz
mente éramos convidados.
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m anchetes do dia, e, se você não o conhece, acredir 0S GRANDES m a g a s i n s
com pra o jornal. Os que o conhecem , riem e tam h' 6
com pram , até por simpatia pela sua esperteza E x e m n ^
de m anchetes que ele costuma gritar, alto e sério P ° S
cafés e até na rua: “C arla Bruni encontrada na camaVn° S
seu segurança”; “ Está provado: Barack Obama é J " ?
Sarkozy fazendo show num bar de travestis” - “ Berl ° ^ ’
ni preso por pedofilia”. ’ * USC0‘
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vezes por ano há as grandes liquidações: a d e verão e a
grandes m arcas, o que está em liquidação, e isso com
de inverno. E las costum am aco n tecer nos prim eiros
centenas — ou seriam m ilhares? — de m ulher,^
dias de janeiro e de ju lh o , e a í é um a loucu ra sem fim ,
do tudo, mexendo em tudo. l3n'
tal a quantidade d e gente que espera para com p rar d e
tudo com 40% , 50% d e desconto.
E tem mais: a dois quarteirões de distância fica o
Printem ps, tão enorm e quanto, e tam bém com tudo
Se você for, tome antes um tranquilizante e um ener-
o que se possa desejar. A liás, já que você está tão per
gizante, e vá disposta a talvez enfrentar um a briga — físi
to, por que não aproveitar e dar um pulinho no Prin
ca, de verdade - com alg u ém q u e q u er a peça q u e vo cê
temps? Resultado do dia: um a m ulher destruída, arrasa
escolheu (ou vice-versa). É um a gu erra, tão violenta
da, querendo só uma coisa na vida: sossego, e nunca
quanto qualquer guerra, m as vo cê p o d e sair d e lá co m
mais ouvir falar de compras. E vendendo a alma ao dia
bo para arranjar um táxi. trofeus que não terão custado qu ase nada.
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b r in c a n d o
d e m o r a r e m p a r is de tudo. É o bufê (que lá se chama traiteur) mais fa-
êalT1 pariS) e que costuma servir jantares para até 4
" P e s s o a s — ó que não será seu caso, acredito. Porém, se
f°r essa sua vontade, alugue a Conciergerie, onde poderá
0f vidar até 1200 pessoas, ou um bateau-mouche. E até
COn castelo, como fez Ronaldo Fenômeno para seu casa
mento. São muitos, é só escolher. Mas, se preferir brincar
de dona-de-casa, vai se divertir muito mais.
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ventre do salmão, é divino), todas as vodcas e
te aconselhar. Aproveite para saber também qual
um bom foie gras. ’ ate mesmo
^ 7 tomar com cada queijo, porque isso é de extre-
n’ a importância. E paramos por aqui, ou não vamos
Chocolates: os chocólatras não podem de<rn u
acabar nunca.
Hediard. Não deixe de provar os chocolates rech T *
de am êndoas e no.seftes, e leve u ma boa quantj i d° S
Outro endereço precioso é o da Ferme de Saint-Hu-
para casa, para com er à noite, vendo televisão Mas e , bert cujo dono é um (outro) profundo conhecedor de
tem divergências: há quem diga que os melhores I ' eijos peça sua opinião, diga que tipo prefere, e não
m undo são os da La M aison du Chocolat. Prove d deixe de levar um pequeno Saint-Marcellin, dos melho
dois e depois m e conte. os
res que há. Você não vai se arrepender, garanto.
Foie gras: Am bassade du Sud-Ouest oferece todo Aves: são muitas, são tantas, que não acredito que al
tipo de foie gras: de ganso, de pato, cru, em terrina, em guém de passagem por Paris ouse querer fazer uma gali
sem iconserva ou em conserva. Informação cultural: nha assada. Mas pode comprar um poulet de Bresse, bran
quando foi inventado o foie gras, os gansos só eram ali co, que vem lindo, com as penas todas em volta do
mentados com figos; por isso, se você encontrar um foie pescoço, como se fosse uma vedete do Folies Bergère, e a
gras recheado de figos, não hesite. Mas, por via das dú crista vermelha dando o toque final. E pendure na cozi
vidas, com pre tam bém o recheado de trufas, que parece nha, só para enfeitar.
feito pelos anjos.
Ostras: Charlot — Roi des Coquillages. Charlot faz
Q ueijos: a í com eça a com plicar. São tantas as es chegar à sua casa, na hora exata que tiver sido marcada,
plêndidas from ageries de Paris, que é impossível dizer uma bandeja de ostras, o que seria uma bela entrada para
qual a m elhor. La M aison du From age é muito presti um jantar. Mas você tem que saber que tipo de ostras
giada; G iscard d ’E stain g até deixou uma dedicatória quer, pois a variedade é enorme — ou peça um plateau
na casa, falando da diversidade dos queijos, que fazem variado. E não se esqueça do vinho branco.
a França “ tão agradável para viver e tão difícil para
governar”. M as a equipe de A ndrouét tem tanta paixão Sobremesas: vá direto ao ponto e encom ende chez
pelos queijos, que viaja pelo país inteiro em busca dos cnôtre, são das melhores de Paris.
pequenos produtores; em sua maison, produtos in us
trializados, jam ais. E não se acanhe, nunca, de per de ° ^ ar'a§e Frères tem mais de duzentos tipos
guntar que queijo deve levar, pois existem aqueles pa do ^ 6m SUa c^arrnosa lojinha, chás de todas as partes
ser degustados em janeiro, outros, em fevereiro, outr ^ léi ^ ^Ue ^ aPrec'ador, leve também uma ge-
em m arço etc., e ninguém m elhor que um fromag e c á, para passar na torrada. É uma total delícia.
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V in hos: com o não domino o assunfn . m Eu q u a r t ie r a m a d o
Fauchon e se aconselhar com um especialista H° Ír 30
deixara errar. E aproveitando: se tiver uma s ú b i ^ ^ te
de com er um a feijoada, Fauchon tem absolut
dos os produtos estrangeiros, da couve ao m a^cuF t
feijão ao quiabo, da tapioca ao azeite de dendê e aò^ í
de coco. D e lá você não sai de mãos vazias. e
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E atenção: a metros de distância há outro café dizia que, vindo de qualquer viagem , só chegava de fato
D eux M agots, bem parecido com o Flore, mas em Parjs a Paris depois de alm oçar no Lipp.
é preciso escolher: ou você é Flore, ou você é Deux Ma
gots. Eu sou Flore. Se bater um a fome pequena, você Você também pode, se preferir, andar não mais que
resolve seu problema ali mesmo, mas, se for daquelas dez metros e comer uma salada com um copo de vinho no
maiores, é só atravessar a rua e entrar chez Lipp café Armani, no segundo andar do Emporio Armani. Lá é
tudo uma delícia, e, se for final de novembro, início de
Lipp é a brasserie mais tradicional de Paris, e existe des dezembro, será tempo das trufas brancas, que, raladas na
de 1880. Até hoje nada foi m udado: nem as cadeiras hora em cima de um espaguete na manteiga ou de um
nem as mesas, nem a soberba cerâm ica da sala do fun risoto, têm que ser provadas pelo menos uma vez na vida.
do, à qual só têm acesso os famosos ou os muito elegan Para você não dizer que não avisei: são bem caras. Caras
tes. Os freqüentadores do Lipp sempre foram artistas, porém inesquecíveis. Aproveite para fazer um tour pelo
políticos, jornalistas e literatos, entre eles Malraux, Emporio e vai ver que ele deu uma caída (o Emporio, não
Saint-Exupéry, V erlaine, G id e, Proust, Cam us, que se os preços). Mas basta atravessar a rua (de Rennes) para
m isturavam — dependendo da época, é claro — a Mi- cair de boca na Zara, que é uma loja perigosa, pois, de tão
chelle M organ, Françoise Sagan, D anielle Darrieux. barata, faz com que se compre aquilo de que não se preci
Presidentes da R epública tam bém iam ao Lipp, como sa e nem se gostou tanto. Eu costumava sair dali cheia de
Pom pidou, G iscard , M itterrand e C hirac. sacolas, mas agora já aprendi: guardo as notas fiscais, para
poder trocar tudo, se quiser. E sempre quero.
Mitterrand estava almoçando lá quando soube da morte
de Pompidou. Saiu correndo, e o garçom atrás, com a nota. O Welcome, hotel em que me hospedo há vinte anos,
“ Mandem para o Elysée”, disse ele, tal a certeza de que su é simples — até simples dem ais. O quarto é m ínim o, não
cederia a Pompidou, o que, aliás, não aconteceu. Outro epi tem frigobar, m inha garrafa de água mineral sou eu
sódio que incendiou Paris foi quando o líder nacionalista quem compra no superm ercado, mas em compensação
marroquino Ben Barka chegou ao Lipp para almoçar, em sou tratada com o um a rainha. Fica bem na esquina da
1965. O almoço era uma cilada: seqüestraram Ben Barka, Rue de Seine com o Boulevard Saint-G erm ain, e lugar
ele desapareceu, e seu corpo nunca foi encontrado. melhor eu não conheço.
O Lipp é freqüentado por todo tipo de gente, um ver Grudada à parede do hotel existe uma casa de queijos,
dadeiro patrim ônio nacional; no entanto, não tem ne n e posso sentar a qualquer hora e escolher entre as de-
nhum a pretensão de pertencer ao altar da alta gastrono enas de qualidades; o vinho para aquele queijo será reco-
mia. M as come-se bem , lá; o entrecôte é excelente, o c Cn a<^° Pelo dono da casa. Na porta seguinte uma taba-
steak tartare, idem, e o famoso playboy Porfirio Rubirosa la>muito prática para o tempo em que eu fumava, depois
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uma casa de chocolates, logo depois o Da Rosa, espanhol No Boulevard Sain t-G erm ain, virando à esquerda,
com deliciosas tapas, em seguida uma farmácia e 10 ° ê chegará a Saint-M ichel, bairro dos estudantes, onde
depois um mercado de legumes e frutas da época Corn° v0Ce s orbonne. O com ércio vai m udando, os artigos
pro sempre um punhado de cerejas e levo para comer no ficando mais baratos, mais dirigidos para a garotada. Já
quarto; esse é dos meus grandes prazeres. lC virar à direita, vai parar no centro do consum o de
kixo onde estão as mais lindas butiques, cada um a com-
Do outro lado da rua, um enorm e supermercado com “ tindo com a outra, trocando as vitrines todos os dias,
absolutamente tudo o que você possa querer, e a partir baixando os preços, fazendo liquidações fora de hora,
das cinco da tarde chegam os sanduíches, fresquinhos para vender, vender, vender.
de salm ão, presunto cru ou cozido, crudités, que, se bater
aquela fome de antes do jantar, são providenciais. Logo Se tiver um am igo padre e quiser levar um presente
depois é o C h ez Paul, um a casa de chá onde se comem para ele — um a batina, por exem plo —, é só subir a Rue
os melhores croissants e brioches da cidade, e onde num Bonaparte até chegar a Saint-Sulpice, onde estão con
dia de frio (e de loucura) você pode pedir com um cho centradas as lojas de artigos religiosos. E , se der sorte, até
colate quente coberto por um a montanha de creme. Já cruza com Catherine D eneuve, que mora bem ali.
estamos na esquina da Rue de Buci.
Se am anhecer num daqueles dias em que não pode
Virando à direita e atravessando a rua, temos o pâtis- nem ouvir falar em consum o, suba a Rue des Tournons,
sier, o homem do sorvete Háagen (impossível eu saber esse onde foi a primeira butique de prêt-à-porter de Saint Lau-
nome), a lojinha que vende somente foie gras, outra que rent, vire à esquerda, e estará num dos mais belos jardins
vende qualquer tipo de m eia, e que te acode quando você de Paris, o Luxem bourg, com seus vários casais de nam o
rasga sua última, uma livraria só de livros de arte desses rados. No inverno, as árvores ficam nuas, sem uma só
bem modernos, um pequeno restaurante chinês onde folha; no outono, as folhas ficam verm elhas, e o chão
você com e por quinze euros — com o vinho incluído. De também coberto de verm elho — as famosas feuilles mor
talhe: todo esse comércio fica aberto até as nove da noite. tes; no início da prim avera, elas são verde-clarinhas, e, no
verão, escandalosamente verdes. Seja qual for a estação
Há então o carrefour onde se encontram as ruas Ma- do ano, o jardim é sempre um passeio deslumbrante, e
zarine, a Saint André des Arts, que é a rua das crepes, a de um bom freio no frenesi que é Paris.
TAncienne C om éd ie, e a D auphine. Em qualquer uma
que você virar, vai ver galerias de arte, lojas étnicas, livra E , descendo a Saint-M ichel, você pode ir até o Sena,
rias — cada um a especializada num determinado genero aminhar pela m argem , vendo em frente a Notre-Dam e
de livros —, e o C arrefour de 1’O déon, onde poderá esco guardando no coração esse momento precioso. Você
lher entre uns quinze filmes. e>agora, por que amo tanto esse quartier.
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RDMA
SIGN O RI E SIGNORE, Meus primeiros momentos em Roma foram no táxi.
ROM A havia perguntado qual seria o preço da corrida até o
1 Ufel ele me disse sessenta euros. Quando chegamos, es-
10 d ú m a nota de cem euros, e o motorista, cheio de sor-
tenos‘ agradeceu muito a gorjeta. Eu disse que estava espe-
nSndo o troco, que ele me deu, com a mesma cara-de-pau
Tos mesmos sorrisos. Pronto, estava mesmo em Roma.
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(todos sabem), e, assim que ele com eçar todo ,
cantará também. Sempre que Ana M agnani ia ando vi, numa mesa vizinha, dois padres, de batina e
tudo tomando um drinque. Aliás, padres e freiras nas
vere, pediam que cantasse, e ela respondia que s i m ^ '
que precisava jantar antes. E , quando cantava
acom panhavam , e a noite virava uma festa ’ d° S
Depois do jantar, Luciano — esse é o nome dele —,
muito gentil, deu uma grande volta de carro comigo, me
M as a famosa Via Veneto, onde está situado o hotel
mostrando os hits de Roma, como o Coliseu, 0 Pantheon,
xcelsior, onde ficavam as estrelas de cinema (foi lá m,
a Via Appia, o Vaticano. Encantei-me com tudo, como a
Anita Elcberg levou uma bofetada do marido, devida
cada vez. E ele me fez ver uma curiosidade: na Piazza
mente fotografada, e que correu mundo) e onde surgi Venezia, de onde discursava Mussolini, num palazzo
ram os papamzzi, que faziam plantão dia e noite à espera que faz esquina com a Via dei Corso, há uma pequena
da entrada e da saída dos artistas, está mais calma e silen varanda fechada com treliça que não tem nada a ver com
ciosa que um cemitério. Os hotéis continuam lá, mas a a arquitetura do restante. Trata-se de um apêndice que
rua, a partir das onze horas, fica deserta. Na Piazza Na- Napoleão mandou fazer para que sua mãe, Letizia, pu
vona e no C am po dei Fiori ainda há algum bochicho, desse ver a rua, sem ser vista. Napoleão podia tudo, claro.
mas nada de fazer cair o queixo. Só para lembrar, nessa praça há um dos monumentos
mais feios que podem existir, homenagem a Vittorio
C heguei a Rom a muito bem recomendada a um ami Emanuelle. Passemos.
go de uma am iga, um ainda belo homem de 83 anos,
elegantíssimo, que me convidou para jantar. Mora em Todas, absolutamente todas as construções do centro
Frascati, cidadezinha de 3 mil habitantes a trinta quilô histórico continuam lindas a qualquer hora do dia e da
metros de Rom a, pois tem horror a grandes cidades. noite. Fui dormir cedo, já com um programa para a noite
seguinte: uns amigos da filha de Luciano, Jennifer, esta
Ele chegou pontualmente às nove horas, de blazer de vam deixando Roma e dando um coquetel para se despe
cashm ere, gravata, suéter também de cashmere, lindos dir do apartamento, já sem móveis.
sapatos, num carrinho Morris do último tipo, de teto
transparente. Ela foi me buscar com o marido, mas como estacionar
0 carro, naquelas ruas estreitas? Ora, ninguém está nem
Fomos ao tradicional Hotel Eden, na Via Ludovisi, de aí: estacionam em qualquer lugar, bloqueiam a saída dos
cujo restaurante, no último andar, se vê Roma inteira, outros carros; quando os donos desses outros carros che
gam, eles começam a gritar, empurram o que está atrapa
um deslumbramento. O hotel existe há anos, mas 01
lhando, e este passa a atrapalhar ainda mais o trânsito,
todo reformado, e o bar e o restaurante têm uma decora
pois acaba ficando bem no meio da rua. Detalhe: é por
ção discreta mas de extremo bom gosto. E levei um susto
127
126
esse motivo que na Itália ninguém usa freio de mão e é uma vida duríssima com as italianas, que os tratam no
um insulto querer que um italiano obedeça a qualquer chicote — é a terra da mamma —, e, quando vêem uma
regra de trânsito. E compreensível a tolerância dos poli estrangeira, ficam loucos. Os homens romanos, lindos,
ciais, eles sabem que não podem multar a Itália inteira são veramente, um caso à parte. Românticos até quando
mentem — ou não mentem, porque acreditam no eterno
Subimos alguns lances de escada e chegamos ao apar amor que juram naquele momento. E todos amam de
tamento, e que apartamento! Eram os três últimos anda paixão, mas no dia seguinte não sabem se suas amadas da
res de um palazzo, com vários terraços, e de cada um véspera estão vivas ou mortas.
deles se via um dos lados de Roma. O elenco da festa
parecia escolhido por Fellini. Havia mulheres chiquérri-
mas, mulheres discretas, outras louquíssimas, com cabe
los desgrenhados, roupas tiradas não sei de onde, bocas
vermelhas de coração que iam quase até as orelhas e
olhos pintados de carvão. Todos muito simpáticos, gar
çons servindo todo tipo de bebidas, deu para conhecer
um pouco do bei mondo de Roma.
129
128
UM PLAYBOY
so. Aliás, os casamentos italianos são sólidos, mas não é raro
TIPICAM ENTE ITALIANO
que os homens tenham mais de uma família, porém nunca
na mesma cidade; de preferência, em outro país.
130 131
vona, é um oásis em pleno centro de Rom a, com seu Não demorou muito, chegou o barbeiro, com uma
grande jardim e duas piscinas, uma interna, a outra ex malinha contendo tudo de que precisava. Pôs uma espé
terna; um lugar tranqüilo, silencioso, onde se esquece o cie de toalha branca no peito do garoto, que calm am ente
frenesi da cidade. continuou a almoçar, cortou os cabelos dele e se retirou
do restaurante, levando outro bolo de notas. Os demais
É o hotel onde ficam as celebridades, como Leonardo clientes foram discretíssimos e não olharam, como se
DiCaprio, Tom Cruise, Steven Spielberg. Construído em aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
1816, foi recentemente remodelado, e todos os seus quar
tos têm nas paredes fotos autênticas — não reprodu Quando eles foram embora, não resisti e perguntei ao
ç õ e s— de Robert M applethorpe; os banheiros são de maítre de quem se tratava; um potentado árabe, claro. E
mármore, claro. Importantíssimo: o hotel dispõe de ma o maítre me contou também que o menino estudava na
nobrista e parking, o que em Rom a é o luxo dos luxos. Europa, para receber uma educação ocidental — tomava
até aulas de m andarim , a nova coqueluche entre os m i
No hotel há um jardim que é chamado de Secreto, lionários —, e tinha a m ania, depois que todos dormiam,
onde existe um lindo borboletário, criado em colaboração de misturar os sapatos que os hóspedes deixavam na por
com a wwf, a World W ildlife Foundation, que até 1996 foi ta dos quartos para engraxar: uma bota ficava ao lado de
presidida pelo príncipe Philip, duque de Edimburgo, e um sapato alto, um mocassim fazia par com uma sandá
você pode escolher entre um quarto normal, de 55 metros lia, enlouquecendo o engraxate.
quadrados, cuja diária é 1380 euros, e a suíte Nijinsky, no
último andar, com 239 metros quadrados e terraço. Esta Os romanos, de uma certa maneira, são parecidos com
custa um pouquinho mais: 9 mil euros, mais 10% de ta os brasileiros — sobretudo com os cariocas. Falam mal da
xas. Mas, se você pensar que lá de cima terá uma vista de cidade o tempo todo, dos políticos, da burocracia, do que
360 graus da cidade, vai até achar barato. não funciona, dos turistas que infestam as ruas, mas ai de
um estrangeiro que ouse falar mal de Roma. São capazes
Um dia, alm oçando no restaurante do hotel, o Jardin de brigar feio, pois, no fundo, adoram a cidade.
du Russie, assisti a uma cena insólita. Chegou um ara-
be, vestido a caráter, com um garoto de uns dez, doze Outra coisa curiosa é que os do norte — Milão, por
anos, provavelmente seu filho, vestido à maneira oci exemplo — não suportam os napolitanos, que por sua vez
dental (até tênis ele usava), com os cabelos muito com detestam os milaneses, e assim é na Itália inteira. Talvez
pridos. Teve início uma discussão entre eles; o mais ve porque o país tenha sido unificado há pouco tempo, relati
lho chamou o mattre, colocou um monte de notas em vamente — 1848 —, cada região se considera melhor do que
sua mão (sem contar) e, num francês perfeito, exigiu a a outra, acha que a sua gastronomia é melhor, que seus ha
presença de um barbeiro. bitantes são melhores, que suas mulheres são mais bonitas.
132 133
r
Se você está na região cie Alba e pede um queijo par de alfaiataria, e nunca vulgares. As romanas, como as mi-
mesão. pode receber como resposta: “ Parmesão? Mas não lanesas, são o clássico puro; costumam se vestir de cinza,
estamos em Parma”. Já na Toscana, sua pasta será servida bege, branco e preto, mas usam jóias poderosíssimas.
automaticamente com um pecorino. Não que não tenham
outros queijos, mas cada região é fiel ao seu. Aliás, se for a Mas no fim da Condotti, na Via dei Corso, Roma vol
Alba. escolha o mês de novembro, quando vai se regalar ta a ser a Roma de cinquenta anos atrás, parecida com a
com as trufas brancas. Elas não podem ser conservadas, só Avenida Copacabana: conservadora, com lojas de luvas
podem ser comidas frescas; portanto, essa é a sua chance curtas, até mesmo de crochê, de todas as cores, lingerie
de comer uma das maravilhas deste mundo. feita à mão, lencinhos bordados de renda, roupa de cama
daquelas que não existem mais, e lojas só de camisas ou
A Via Condotti continua sendo o centro de tudo o que só de gravatas, nada a ver com o comércio moderno — fora,
há de mais chique em Roma, um vaivém geral, e espe evidentemente, Zara, Gap, Foot Locker, Nike, Adidas,
cialmente dos italianos paqueradores, isto é, todos. Lá M cDonalds — dessas não se escapa.
estão as lojas mais famosas, as joalherias mais lindas, co
piadas no mundo inteiro, com peças coloridas, cheias de O melhor alfaiate de Roma continua sendo Caracen-
estilo; mas alguns dos endereços mais tradicionais, infe ni, o melhor camiseiro, Batistoni, e Luciano ainda se lem
lizmente, desapareceram. A Sadlers, onde se faziam as bra, com uma ponta de nostalgia, da loja Red and Blue,
mais esplêndidas sandálias de couro cru, já não existe; onde mandava fazer seus lenços sob medida. Porque para
Franceschini, a elegante camisaria, também desapare os muito chiques, como ele, um lenço não pode ter me
ceu, e no lugar desses preciosos artesãos entraram as no nos de 65 cm x 65 cm, deve trazer as iniciais bordadas à
vas grifes, vocês sabem quais. E nelas que não se encon mão, claro, em marinho ou vermelho, e também a bai
tra o que se quer e se compra o que não se quer. Esse é o nha feita à mão. Já os romanos, que fazem questão de se
retrato de Roma. calçar maravilhosamente bem, vão a Londres encomen
dar seus sapatos.
Fiquei com a impressão de que lá não existem novos
points — é ainda no Caffè Greco, em cujo banheiro o Os homens vestem-se de maneira impecável, mesmo
príncipe Dado Ruspoli entrava para se drogar, que se mar quando estão de roupa casual, com mocassins lindos,
cam encontros para tomar o melhor cappuccino da cida sempre sem meias, suéteres jogados nos ombros, camisas
de, um gelato ou mesmo um suco. Seis da tarde é a hora imaculadamente brancas ou azuis da cor do céu. As mu
lheres, no verão, usam sandálias infradite, de couro natu
do célebre aperitivo, sempre bastante animado. E, se voce
ral e inspiradas nas dos frades. Todos amam muito, co
estiver procurando por uma bolsa Birkin da Hermès, me
mem muito, compram muito, e têm sorrisos lindos. Os
talizada, linda e absurdamente cara, vá direto à Eleonora,
romanos costumam passear de manhã nas praças e jar
na Via dei Babuino. Os jeans italianos são perfeitos, quase
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dins. como a Villa Mediei ou a Villa Borghese, e evitam AVE-M ARIA
transitar onde há turistas.
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na garupa. Aliás, a Pia/./.a Navona para mini será sempre jovem, tocava piano e cantava num desses navios que fa
inesquecível. Koi lá que. procurando os óculos na bolsa zem cruzeiros pelo Mediterrâneo. E alguns juram que o
botei a máquina fotográfica cm cima da mesa e em se viram cantando, e que ele tinha até uma bela voz.
gundos ela havia desaparecido. São rápidos, os garotos
que circulam por ali. Eu passava pela Via dei Babuino quando vi uma mu
lher deslumbrante que demorei alguns segundos para
O trânsito de Roma é uma alucinação. Com o as ruas reconhecer. Levando pela coleira três galgos exatamente
são muito estreitas, os carros e as charretes quase se to iguais, ela dava ordens ao pessoal que descarregava mó
cam. e as Vespas nunca ouviram falar em mão e contra veis de um caminhão: sofás, poltronas, mesas, cômodas,
mão. E tem mais: nas calçadas (também estreitas) os tu contribuindo assim para a desordem do trânsito romano.
ristas cam inham com seus bebês e respectivos carrinhos, Mas ela podia: era Vanessa Redgrave, que parecia estar
as pessoas andam tranquilamente no meio da rua, ouve- instalando ali um novo lar.
se uma barulheira infernal de buzinas, todo mundo gri
ta. e as mesas das trattorias são na rua; um caos total. Os turistas são uma praga em Roma, tal a sua quanti
dade; em outros lugares eles se misturam mais, chamam
Uma vez, ia atravessando a rua — o sinal estava verde menos atenção, mas em Roma, talvez por ela ser uma
para mim e eu acreditei — quando veio um carro, passou cidade relativamente pequena e cheia de monumentos
o sinal vermelho e quase me atropelou. Sabe quem esta mais do que históricos, mal dá para andar. Tentei ir à
va ao volante? Um padre. Será que isso não é pecado? Fontana di Trevi, porém foi impossível.
Se você está comendo sozinha numa trattoria e passa Mas Roma é uma cidade, eu diria, quase provinciana.
um homem, ele abre um sorriso e te diz buon giorno. E Lá não existem shoppings, e a única loja grande é La
não é paquera, porque ele continua seu caminho, dizen Rinascente, aberta em 1867; e sabe quem lhe deu esse
do buon giorno a todas as m ulheres; é uma maneira de nome? O poeta D ’Annunzio. E os antigos conventos es
tão todos virando hotéis.
viver, faz parte. E , quando estão parados numa esquina e
passa uma mulher, os homens fazem cara de grandes
O Pantheon é o lar dos gatos; são dezenas, centenas,
conquistadores e dizem : “ Belíssim a”. Tam bém para nada,
que escolheram esse lugar para morar — gatos sempre ti
só pela alegria de viver.
veram bom gosto. Conta a lenda que numa antiga caser
na havia muitos ratos e muitos, muitos gatos, que se en-
Desprezam a tecnologia, imersos numa burocracia
carregavam da limpeza geral. Mas um dia chegou um
monumental, numa politicagem tão enlouquecida que
novo comandante, que achou que tinha gatos demais ali.
Berlusconi voltou ao poder nos braços do povo, aliás, na
Os soldados puseram os pobrezinhos em sacos e levaram
há um italiano que não conte que Berlusconi, quan
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138
todos para o Pantheon. Resultado: a multidão de ratos foi E VIVA BOMA
crescendo, e a caserna ficou tão infestada que à noite
mandaram os soldados de volta, com os mesmos sacos,
para buscar os gatos. M as muitos ficaram, e, como se re
produzem com facilidade, o Pantheon passou a ser a casa
dos gatos de Roma.
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Uma instituição nacional, em Roma, são os guaglioni,
grupos de rapazes entre quinze e vinte anos que não fa
zem absolutamente nada e ficam sentados na barque-
ta — a fonte em forma de barco — da Piazza di Spagna,
mexendo com as mulheres que passam.
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por uma casa em construção e que todos os operários AVISO AOS NAVEGANTES
pareciam manequins de Armani.
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154
agradecimentos
-.
bem-vinda”, saúda o dónÓ^Ó^CÉI^S
da rua. Mas, embora niuitãÇGp^-
permaneça — o Café de F l o r e - ^
e a Brasserie Lipp dos anos 50 estão
iguais —, após uma maratona pelas
butiques das grifes mais famosas
a autora conclui que a alta-costura
acabou e que já não há vestidos
que embelezem as mulheres.
A culinária francesa, porém, até
nos bistrôs modestos, continua
a mesma. Assim como as belezas
históricas de Roma. e como os
romanos, os homens mais galantes
Esta obra foi composta cm e bonitos do mundo, na opinião
Electra por warraklourciro
c impressa em ofsete pela
de Danuza. K quem vai contestar
RR Donnelley sobre papel sua sabedoria?
Pólen Bold da Suzano Papel
e Celulose para a Editora Schwarcz
em dezembro de 2008