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ANNO I — NUMERO.

3 5 0 0 RS JULHO - 1928

Revista de Antropofagia
Direcção de ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO Gerencia etc. de RAUL BOPP

Endereço: 13, RUA BENJAMIM COHSTANT - 3.° Pav. Sala 7 - CAIXA POSTAL V 1.269 - S Â O PAULO

C A R N I Ç A N O MEIO D O CAMINHO
Numa conferência há pouco realizada na
Faculdade de Direito de São Paulo Baptista
Pereira esguichou um pouco de Cruzwaldina
na epidemia positivista que assolou e ainda
hoje assola este país condoreiro. Pode parecer No meio do caminho tinha uma pedra
bobagem a gente ainda se preocupar com tal
cousa. Pode parecer só: porque não é. Nin- tinha uma pedra no meio do caminho
guém está claro vai se dar ao trabalho de com-
bater o positivismo hoje em dia. Mas é preciso tinha uma pedra
de uma vez por todas liquidar com esse cadá-
ver que enterrado desde muito na Europa foi no meio do caminho tinha uma pedra.
exumado por meia dúzia de fivelas e trazido
para o Brasil onde continua empestando o
ambiente.
Quási todas as tolices iniciais da Repú-
blica a gente deve aos austeros namorados
póstumos de dona Clotilde. Assim como entre Nunca me esquecerei desse acontecimento
nós sujeito mal cheiroso é para todos os efei-
tos filósofo bastava alguém fazer parte da na vida de minhas retinas tão fatigadas.
igrejinha Ordem e Progresso para ser consi-
derado logo sábio, gênio, armazém de virtu- Nunca me esquecerei que no meio do caminho
des, torre de honestidade.
Não digo que se coma semelhante carne. tinha uma pedra
E' cousa que já a cozinha ref ugou, o cachorro tinha uma pedra no meio do caminho
não quiz, os corvos não aceitaram protestan-
do virar vegetarianos caso insistissem. Tam- no meio do caminho tinha uma pedra.
bém deixar na dispensa envenenando as vare-
jeirxs não é possível.
Daí o melhor é pôr a carniça num tanque
de creolina e recambia-la para a Europa. Com
este bilhete: Preferimos sardinha. Que marca
vocês querem? Amieux, Philippe & Canaud (BELO-HORIZONTE)
ou aquela de saudosa memória d- Pedro Fer-
nandes inexplicavelmente desaparecida do
mercado desde 1556?
ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

"A BARBÁRIE DURA SÉCULOS. PARECE


QUE SEJA ELA O NOSSO ELEMENTO: A
RAZÃO E O BOM-GOSTO NÃO FAZEM
SENÃO PASSAR"
D ' A L E M B E R T - Discurso preliminar da ENCICLOPÉDIA
Revístado^Antroppfa^^

B A L C Ã O INDIFFERENÇA
a Oawald de Andrade

Paris — Nova-York — Roma!


Cabarets — correria de casarões — arte?

A partir deste número a REVISTA DE O sol de meu paiz tem os longos cabellos de ouro
ANTROPOFAGIA publicará gratuitamente As palmeiras do meu paiz são verdes
íruto amar
todo e qualquer anúncio de compra e venda * eiios
de livros que lhe for enviado. N o s {roncos h u m i d o s d a s b a n a n e i r a s
vivem curiangos
~" nas folhas molengas
passeiam tatouranas cabelludas
LIVROS A' VENDA: Quintaes!
Amarellos
Na Livraria Universal (r. 15 de novem-
bro n. 1 9 — S . Paulo):
— S.Leopoldo — Província de S. Pedro VOuro sobre verde
erde e ouro sob azul
,
do Rio Grande do Sul - 2.' ed.
Monteiro Baena — Compêndio — Pará. c , , ,
Sob ns palmeiras do meu paiz
meu pensamento
busca sonhos
Nesta redacção:
como passos de namorados nas calçadas
— Blaise Cendrars — L'Eubage — Com _ , ,
5 gravuras de J. Hecht - 1/ ed. - ex. n. 698 ° so1 d o m e u p a i z t e m o s l o n g o s c a b e I l o s d e o u r o
— 1926 — preço: 15$000. (BELO-HORIZONTE)
— Jean Cocteau — Le gfand écart —
1924 — preço: 5$000. ACHILLES VIVACQUA
— André Breton — Les pas perdus —
1924 —preço: 5$000.
LIVROS PROCURADOS: sahiu e custa
A Livraria Universal (r. 15 de novembro ^\J\JXJ
n. 19 — S. Paulo) compra, pagando bom o FIOVO IÍVI"0 d e
preço:
— Revista do Instituto Histórico Brasi-
^-R^re^to1-22^»,». • « • • • • »f «LCAMAAA MACHADO
— Ruy Barbosa — Replica.
— Oliveira Lima — D. João VI no Bra-
sil — 2 vs.
Além disso, adquire bibliothecas.
Yan de Almeida Prado (av. Brigadeiro
LARANJA DA CHINA
Luiz Antônio n. 188 — S. Paulo) compra: —
— Balthasar da Silva Lisboa — Annaes
da Província do Rio de Janeiro — em bom
estado. n JIJ
— Mello Moraes — Chorographia Histo- ™ a i a o s P a r a
rica -^- 5 vs. . ,
CAIXA POSTAL
Esta redacção compra: KI A of&Q
— Simão de Vasconcellos — Vida de Jo-
seph de Anchieta.' S 9O P â UIO
R e v i s t a de A n t r oppooffaaggii a

CONVITE AOS ANTROPÓFAGOS

Meu caro Antônio de Alcântara Machado.

Vocês não estão cumprindo por exemplo, meteu-se a de- — "Alvorada dei Gracioso"
bem os seus deveres de antro- vorar o Mario, não digeriu e e o "Jeux d'eau". Lamenta-
pófagos. E' verdade que você revesou aquele ra eu, entretanto, que o
enguliu num átimo o dr. Fer- programma estivesse mes-
nando de Magalhães e que o 0 meu amor, rapazes, clado com aquelles produ-
nosso querido Mario, no espa- que me embrulhou o estôma- ctos de uma inspiração en-
ço de uma só manhã, deglutiu go de uma vez. Assim não se fezada, nascidos exclusiva-
perfeitamente Gandi, Lenin e pode comer! mente do calculo, sem que
Luis Carlos Prestes (com Mas o principal assunto por elles passassem os ef-
grande nojo do Graça Aranha, desta carta não c nada disso. fluvios do coração, è cujo
que viu nesse valor .único de-
petit déjeuner pende somente
canibal uma es-
candalosa con- de um execu-
fusão de valo- tante de brilho,
res) . Mas para a dotado de uma
sanha de quem technica como
via vindo a nos- a do temido vir-
sa comida pu- tuose, sob cujos
lando, confesse dedos aquellas
que é pouca a paginas alcança-
aferração men- ram um colo-
tal dos compa- rido que até es-
nheiros. te momento eu
0 jovem An- desconhecia."
tônio de Santa O dr. Imbas-
Engracia, reda- sahy é critico
ctor de sueltos musical do "Jor-
no 'Jornal do \ ^ " - -77 nal do Brasil".
ÂX/0c£
Brasil", tem ra- 77* r vixA^' p Há dez anos se
zão: os antropó- ' N 9ôLP' bate pela aspira-
aspira-
fagos estão abu- ção de ver le-
DESENHO de ROSÁRIO FUSCO de CATÁGUAZES vantada a tam-
sando da goia-
bada. O Brasil pa dos pianos
corre, neste momento de bra- Eu queria apresentar aos an- nos números de acompanha-
silidade modernista, o risco de tropofagos o dr. Arthur Im- mento. Tem, como se vê, in-
degenerar em Republica de bassahy, autor deste pedaço contestável competência em
Pesqueira. Ora, eu apesar de de prosa estampado no "Jor- assuntos musicais. Antropófa-
pernambucano, não gosto nal dò Brasil" de 28 de ju- gos, eu proponho a deglutição
muito da goiabada de Pesquei- nho: imediata do dr. Imbassahy!
ra: prefiro a de Campos que Verdade que a carne é du-
tem cascão. Admito a goiaba- "Cario Zecchi é um pia- ra. Mas pode-se entregar o
da (como sobremesa), mas nista de tão diamantina pior pedaço ao empresário Fe-
exijo o cascão. tempera que chega a fazer licio Mastrangelo, que tem
Convém, outrosim, chamar supportar sem enfado e até bons dentes, ar feroz ,e exce-
a atenção para a dispepsia pre- mesmo a se ouvir com cer- lente estomagp.
coce de alguns curumins an- to interesse aquellas duas Seu, muito cordealmente,
tropófagos. O Rosário Fusco, estravagancias de Ravel: MANUEL BANDEIRA.
Revistade^Antropofagia

3 POETAS E 2 PROSADORES

RUY CIRNE LIMA — Co- cual si fuera gaúcho altanado. Com cheiro de fléte
lônia Z e outros poemas un travieso cabrito.. • suado, estrupicio de rolo nos domingos
— Porto Alegre — 1928. Assim queira Deus. vadios, riso do chinaredo cosquilhoso,
Acho que Ruy Cirne Lima faz versos logros contrabandistas nos guitas da
JÚLIO PATERNOSTRO — fronteira.
como criança faz barquinhos de papel. Olha o café! — São Paulo
Distrai, não irrita ninguém e chega Se o estilo fosse menos acadêmico e
mesmo a interessar a gente. A água — 1928. mais humano, se o autor escrevesse
da chuva leva os barquinhos. Pronto: Diz Júlio Paternostro apresentando com o sabor que tem a fala de suas
desapareceram. De vez em quando um seu primeiro livro: Gosto de ver as personagens, a maneira dele fosse mais
deles dá voltas divertidas, a gente tor- cousas sozinho sem me apontarem. Tem directa de forma que os contos saíssem
ce — afunda! não afunda! —, vai pu- bom gosto. E é ótima regra para quem da pena dele e não da boca de um
lando que é uma boniteza. Não sai principia. Mas apesar da declaração a palrador entre duas mordidas no ma-
mais da memória. . gente percebe o dedo de Ribeiro Couto tambre sangrento (como quási sem-
mostrando ao autor as cousas ou al- pre acontece no livro) e ainda houves-
Paisagista simples da terra gaúcha o gumas cousas que estão no Olha o ca-
poeta detesta violências e alturas. Não se mais novidade nos assuntos e me-
se afasta do quotidiano sossegado, gos- fé! Mostrando só. Sem descrever. O re- nos adjectivos e anexos enfeitando- os
ta que se regala dos quadrinhos ino- cheio é mesmo de Júlio Paternostro. períodos, No galpão por mais de um
centes. Não entusiasma os leitores. E agrada. Mais de uma vez agrada motivo seria obra d« se lhe tirar o
Mas os leitores lhe ficam querendo bastante. Tarde começa assim: chapéu.
bem. Uma casa amarella Mas tal como é já marca a nankin o
Madrugada (que esta revisteca dos está parada nome do autor. Darcy Azambuja tem
meus pecados publicou no seu segundo deixando a faca e o queijo na mão.. O géito de
número) é excelente: a melhor cousa as jancllas pegarem fogo. cortar e servir a roda faminta é que
do Colônia Z. Mas o livro tem outras Assim acaba Zé Cabra o: decidirá de sua modernidade daqui pa-
cousas boas: Moleque, Negro velho. O sol vermelho ra deante. E' bom no entanto inda-
Canção dos pescadores, Lirismo. Os apertava o morro gar primeiro se êle faz questão de ser
poemas são quási todos assim: que nem o lenço carimbado moderno.
A veneziana deixa entrar o sol molhado que ANTÔNIO DE ALCÂNTA-
e o vento cheio de perfumes frescos. o Zé Cabrão RA MACHADO — Laranja
As aves acordaram, no quintalejo. tinha no pescoço... da China — São Paulo —
Ha revoadas varando o asul. Imagens e o mais do estilo não fal- 1928.
Ha marulhos de arroio nas folhas tam no livro. Paternostro é brasileiro. Alcântara ganhou fama (ou cousa
Depois é mocinho. Com a idade dirá as parecida) de gozador e de seco desde
verdes. 0 Pathé-Baby. Brás, Rexiga e- Barra
cousas mais directamente. E deixará
O galo vae cantar. esse lugar-comum da nossa poesia Funda não deu para desfazer essa fa-
As estilizações de Ângelo Guido não actual (já censurado por Mario de An- ma (ou cousa e tal). Bom. Vamos ver
me agradaram nem um pouco. drade): meninice. E outros lugares-co- agora o que dirão do Laranja da Chi-
NICOLÁS FUSCO SAN- muns: circo de cavallinhos, cidadezi- na. No fundo (desconfio muito) Alcân-
SONE — La trompeta de nha do interior, preto velho, Brasil tara não está fazendo questão de pa-
Ias vocês alegres — Mon- dos primeiros anos o assim por deante. recer seco ou molhado, gozador ou so-
tevideo — 1925. Das qualidades evidentes do poeta fredor. Além de ser e parecer quanto
0 livro é de três anos atrás. Mas destaco esta: Júlio Paternostro é mali- possível Alcântara acho que nada mais
como vem de fora pede ser considera- cioso. Vejam Escola c Bento Manuel o preocupa.
do novidade aqui. Ribeiro. Reproduzo aquela: Laranja da China tem um geito de
O poeta tinha dezenove anos quando Hoje houve casamento catálogo brasileiro. E' uma imitação-
o escreveu: diez y nueve trampolines de gambá com raposa! zinha de tipologia nacional. Isso não
de voluntad y de alegria diz Juan Par- E foi de tardezinha quer dizer que o desembargador La-
ra dei Riego num prefácio em que eu quando a guryzada marüne de Campos ou o guri Cícero
encontro frases que bem poderiam ter sahia da Escola... Melo de Sá Ramos (para só citar dois)
sido escritas por Graça Aranha. Porém E as meninas e os meninos sejam produtos privilegiadamente in-
isso .não vem ao caso. O que importa pareciam dígenas. Lá fora também nascem. Mas
é a maneira desenvolta com que o poe- uma porção de letras acontece çom eles o que acontece com
ta solta sua poesia o café: têm sabor quando são daqui.
a-e-i-o-u Dito isso está dito tudo sobre as in-
como una bandera dependuradas dansando tenções do autor (se é que houve in-
para que jueguen con ella nos fiozinhos de ouro tenções). Querer descobrir mais não
ei sol, ei viento y ei mar. do sol... adianta nada. Principalmente tratan-
0 livro tem mocidade até dizer che- Também havia do-se de histórias que podem ser tudo
ga: é exaltado, ágil, contente e baru- um guarda-chuva menos pretenciosas. O melhor portan-
lhento. Está cheio de imagens, de ar- era... a professora! to é aceitar o volume realizado sem
rancos, de odes. Em todas as suas pá- Fiozinhos de ouro do sol e horrível. procurar saber porque foi realizado
ginas há mar, há estréias, há frutas, Mas há no resto qualquer cousa que en- assim e nao assado. Depois quem pu-
há manhãs, crianças correndo, pássa- che a gente de esperança no futuro blica hbros trata primeiro de passar
ros voando. No meio de tudo isso Ni- poético de Paternostro. De forma que um pano nele para enxugar o suor que
colásjoga seu coração pára que tam- eu acredito que essa e outras descui- custou.
bém pule
das tenham o seu lado útil: tropeçando , O ponto de vista do autor desapa-
de vibrante ansiedad nueva é que se aprende a andar (não reivin- rece impressa a obra se esta é de pura
hasta encontrar dico para mim a paternidade da frase). invenção. Gosto ou não gosto é ainda
ei canto más sano que renueva A naturesa-alegre de Paim compensa o modo mais certo da gente dar sua
e impulsa Ia sangre y ia vida na capa a feiúra do título. opinião em matéria de arte. Eu que
en una carrera audaz. acompanhei a construção do Laranja
DARCY AZAMBUJA — No da China palavra por palavra não pos-
Naturalmente esse febre a estas ho- galpão — 3." ed. — Porto
ras já deve ter baixado um tanto. Essa so evidentemente separar o resultado
Alegre — 1928. — do caminho percorrido para chegar
força ainda incontida no La trompeta Obra coroada pela Academia Brasi-
dè Ias vocês alegres com certeza hoje até ele. Meu JUÍZO seria fatalmente par-
em dia se poupa mais è tem assim leira de Letras. No entanto a gente cial por várias razões de ordem afecti-
maiores reservas de energia para proe- pode abrir o livro sem medo. E' bom.
Muito bom até. Seria ótimo se tivesse n?A,í?íem a s s l s t l u a o e s f o r c ° aprecia o
zas futuras. • Seja como fôr poeta que produto sempre em relação a esse es-
começa desse modo é certo que conti- sido escrito mais ou menos pela época
nue sempre do Pedro Barqueiro de Afonso Arinos.
Em todo o caso não atingiu ainda vinte f j ? i £ ? 3 U e *?t* é i u s t a m e n t e uma das
saltando edições porque nem todos os dias apa- funções da crítica: desmanchar o brin-
todoB los obstáculos quedo para ver o que tem dentro. Podo
rece um Rui Barbosa camarada. ser. Eu nao entendo nada de criUca.
dei jnondç São historias puavas dos pagos do
A. DE A. ML
JRejfJ^adeAniropofaala

COMIDAS
MARIO GRACIOTTI

0 sr. Coelho Netto foi co- ra de palmeiras. Gosado mes- um Churrasco. Pra não des-
roado. Quem fez a bruta fes- mo. agradar a vista, mandei tirar
tança foi a redacção do Ma- Antes de comer a comida os pelinhos brancos. Assim,
lho. Botaram na cabeça delle principesca: a gente tem a impressão de
uma coroa. Dizem que é de "Meus irmãos. 0 dia de ho- coisa nova. E tudo o que é
príncipe. Tinha louros e espi- je é dia santo para as tabas. novo, inclusive carne, tem sa-
nhos cahindo pelas costas. Tem carne de príncipe. Ve- borosa attracção.
Depois, encheram os pés com lha, mas não importa. Nós te- Coroado, tornou-se comple-
perfumes. E um sujeito gros- mos dentes de aço. E o fogo tamente inoffensivo. Comido,
so lascou uma falação virgu- cozinhou que é uma boniteza. esse indivíduo, que andou fa-
lada, que ninguém entendeu. Pois bem, a gente comendo o zendo muita malandragem
Eu tive vontade de pegar Coelho Netto, sem allusão ao em papel innocente, não. tem
no pescoço do Coelho Netto e quadrúpede veloz das matta- mais razão de ser. Felizmente,
botar elle no espeto. Para as- rias, tem duas gostosuras: se desse estamos livres. Em-
sar, feito churrasco. E comer. enche a barriga e se presta quanto fazemos a digestão do
E dar a coroa de príncipe ao um servição, deste tamanho, sr. Coelho Netto, vamos espe?
Adelmar Tavares. Pra engor- ás letras nacionaes. Ha sujei- rar que o Adelmar engorde
dar mais o bicho. tos que tem só um destino: mais. Aquillo é outra comida.
Infelizmente, o Brasil teve serem comidos. 0 nosso prín- E das boas. Tem carne e ba-
um príncipe na prosa. Teve. cipe tinha esse, mas foi demo- nha que não acaba mais. E
Hoje, feito comida, elle está rando, demorando, até que ainda não tem coroas e espi-
ahi. E foi votadissimo. Se foi. envelheceu. Mas, agora, está nhos pela cabeça."
Aos milhares. Intensamente ahi, nuzinho, meio tostado, Rapazes, podem trazer os
votado pelos mirins desta ter- no espeto, quente que nem palitos!

A Revista de Antropofagia
publicará em seus próximos números trabalhos de:

Mario de Andrade. A. C. Couto de Barros,


Sérgio Milliet, Augusto Meyer, Antônio
Gomide, Henrique de Resende, Plínio
Salgado, Cassiano Ricardo, José Amé-
rico de Almeida, Carlos D. de Andrade
e outros.
B R e v i s t a de A n t r o p o f a g i a

SANGUE BRASILEIRO

As matas espessas eram noites escuras de breu E os homens novos ousados


com sacis cachimbando de cócoras. cruzaram os rios largos molengos
e sonharam com pedras verdes numa serra encantada
Os tições dos olhos de braza das onças pintadas e com ouro nos riachos cantantes
espreitavam por traz dos troncos das arvores. e com maravilhas no -mato assombrado.

Na beirinha dos rios as mães dágua traiçoeiras No sangue deles havia ímpetos violentos
penteavam os cabelos verdes molhados. e seus músculos de cordilheira ansiavam lutas tremendas
e o sangue deles quente ímpetuozo vibrante
E' butindo na treva um assombramento estuava nas artérias com rios encachoeirados reprezos.
enchia de pavor os índios hravios.
E o sol quente dos trópicos
Mas os homens de sangue azul saltaram das naus tornou vermelhinho esse sangue
•e pízaram o paiz encantado. temperou a alma dos homens heróicos
na fornalha escaldante da terra.
Um homem disse que a terra era boa
B que o. solo, virgem daria de tudo. Alma selvajem de lutas aventuras encanto.":
sangue selvajem borbulhante nas veias.
E 09 descobridores guerreiros de sangue azulado Sangue dos desbravadores da terra verde da Amazônia
misturaram seu sangue com o sangue
pasto dos negros retintds sangue dos plantadores de ruas alinhadas de café
como sangue vermelho nas terras roxas de Piratininga
dés'homens vermelhos de bronze. sangua dos cavaleiros dos pampas
sangu; dos cavaleiros heróicos das cavalhadas
sangue dos vaqueiros das correrias no sertão enorme
B do solo virj em da terra sangue herança dos negros dos borocotós
brotaram homens novos possantes sangue herança dos Índios dos pajés e Cunhambebe
oom músculos de cordilheira sangue dos homens que não possuindo terras
a Ímpetos violentos de luta no sangue asssnhado de febre. vieram arrancal-as do seio verde do mar.
E eles desceram pelas serras e rios Brasileiro!
dominando quebrantos
domando selvagens Esse é teu sangue
brigando com onças que circulou' nas veias dos domadores de indios
despertando sacis e dos bandeirantes sonhadores valentes
«sustando mães dágua e que estua que ruje nos nossos corpos amorenados pelo
varando florestas cheirosas sol vermelho e quente
pulando cachoeiras saltos e quedas. que ha de vibrar nas artérias de nossos filhos
para que eles possam continuar a obra imensa do domínio
Iam jogando sementes na terra da .terra
e'da sola áspera de seus pés as cidades brotavam. — a epopéa da raça.
As mães dágua fujiram da beira das águas
C acabaram os feitiços e bruxedos da terra (CATAGUAZES)
e o-negrume. negrinho das florestas escuras.

Só a mulo sem cabeça inda corria os caminhos... ASCANIO LOPES

>o^»o«»o«=>oc=:»o^^<: «O

Brevemente: LEIAM:

MACUNAIMA MARTIM " CERERÊ — versos de


(Historia) Cassiano Ricardo
de COLÔNIA Z e outros poemas de
MABIO DE ANDRADE Ruy Cirne Lima

e CANTO DO BRASILEIRO — (poema)


Augusto Frederico Schmidt
Antologia de 4 poetas mineiros
NO GALPÃO — contos de
JOÃO ALPHONSUS Darcy Azambuja
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
POEMAS CRONOLÓGICOS — de
EMÍLIO MOURA Henrique de Rezende
Rosário Fusco e
PEDRO NAVA Ascanio Lopes
J^v^stade^Antropofagia

(Episódio da revolução de 1924 em S. Paulo)


CAPITULO 1.*: por
YAN DE ALMEIDA PRADO
O JARDIM PUBLICO
Em S. Paulo, na primeira semana juntos seguirem em demanda de al- organizadas por gente, movida pela
de Julho de 1924, as noites aquecidas guma casa de tolerância situada em ambição e capitaneada por alguém que
por prolongada estiagem assemelha- porão ou cortiço das redondezas. já estivera no sul, e cs levas lamentá-
vam-se ás da primavera. Favorecida O mulherio freqüentado pela solda- veis dos que fugiam da seca e da- fo-
pela temperatura, acorrera grande desca, morava em quartos escassamen- me. Os primeiros tinham um esboço
afluência ao Jardim da Luz na ultima te mobiliados, com as paredes forra- de organização; as mulheres, os bens e
vez em que a banda da Força Publi- das de fotografias d.* amantes. Eram as vidas, iam garantidos.
ca tocava antes da revolução. Em re- do lugar, do Rio, ou de norte e sul do As caravanas, que eram enxotadas
dor do lago central. cruzavam-se ope- paiz, raarujos, soldados da Brigada Po- pelo perigo da morte, só tinham uma
rários e soldados com mulheres de to- licial, soldados do exercito, pessoal do norma: o direito do mais forte. Quem
da a casta, em que havia desde a me- Lóid, sós ou aos pares, muito sérios,, tem maior força ou valentia manda.
nina das visinhanças acompanhada' da na melhor farda, no cenário do par- Os fracos ou cobardes são escrãvisa-
família até pretas empregadas em ca- que publico onde um fotografo econô- dos; as mulheres pertencem ao senhor
sas burguezas, que depois do trabalho mico lhes tirara o retrato. Alguns eram do bando. 'O trajeto do extremo norte
vinham ali buscar amores. Outras ne- mais pródigos, tiravam fotografia num até S. Paulo representa um rosário in-
gras passeavam falando alto, mostran- "Fotografo de verdade" como diziam. finito de dores, de sacrifícios, de ini-
do aos homens o rosto enfarinhado de Pela parede havia morenos com cabe- quídades, abusos e martírio. Àquela
pó de arroz. Quedavam-se sob os re- los corredios brilhante;, como alcatrão gente nada possue, nem bens, nem
verberos da iluminação antiquada, nu- a luzir, mulatos degenerados ou robus- meios de vir a obtol-os graças a um
merosos soldados vintío-, <>•; quartéis tos; uns com a face re chupada, outros oficio ou conhecimento qualquer. Che-
circunvisinhos. Os que paravam de- de rosto largo, ambos sensuaes; bran- gam até a não dispor dos braços tal a
baixo das arvores ou sentavam nos cos loiros, castanhos ou ruivos sar- quantidade de mazelas' que os moles-
bancos, eram os veteranos freqüenta- dentos, junto da inextricavermixordia tam. Muitos da caravana não sabem o
dores do Jardim, que se contentavam de todas as cores e matizes do branco que é uma casa de tijolos, utensílio em-
em dirigir gracejos ás mulheres. Os com preto, preto com indio, indio com bora rudimentar de lavoura, padre,
novatos, pouco antes saídos do Corpo mulato, onde as vezts surgia um tipo igreja, par de sapatos. Entre eles ha
Escola, preferiam armar algazarra pelo atlético. Tinham também as raparigas senhores e escravos.
caminho dando encontrões nas "tias" amantes pretos que davam retratos, De' uma feita o dirctoi da hospedaria
á guiza de divertimento. Algumas riam, mas que as envergonhavam. Escondiam de Imigrantes do Brás, perguntou a cer-
outras zangavam-se revidando a ofen- essas fotografias, embora fossem me- to matuto porque se deixava dominar
sa com palavrões do bordel gritados nos rebarbativas do que as de muito por outro, por que razão consentia em
em voz aguda. Variava a intensidade portuguez, hespanhol ou italiano, des- ser despojado sem protesto nem velei-
do melindre pelo aspéto de quem o ageitados no trajo domingueiro que dade de defeza. A resposta foi simples:
causava. Si o gaiato caia na simpatia lhes apertava o pescoço numa gravata "Vancê me garante da faca dele? Si
da mulher, diminuíam os palavrões até amarrotada, c lhes cobria as mãos com não garante prefiro fica ansim mêma".
se diluírem num sorriso promissor; as mangas do paletó. Atravez dificuldades sem nome eles
então, ao se depararem novamente no A mobília das mulheres era preten- vêm a pé desde o lugarejo natal até a
decurso do passeio á roda do tanque ciosa e miserável. Sobre a cama a Baia, onde embarcam em imundas al-
dos cisnes, aparentava a rapariga um colcha pelintra, cheia de rendados e varengas que os levam pelo S. Francis-
resto de zanga para dizer "que não laçarotes, ocultava nódoas. Cobriam co á Pirapóra. Chegam esqueléticos de
repetisse mais aquela estupidez". Fin- as cadeiras mancas, requifes de cro- tantas provações, morrem pelo cami-
gia-se a principio ainda irritada, por chet semelhantes aos dos salões, cm nho, enlouquecem. Para se manterem,
fim abrandando até aceitar as propos- que as raparigas uma vez na vida ti- trabalham aqui e acolá a troco de ní-
tas de passeio ou de bebidas que lhe nham ensaiado trabalhar. queis ou de miserável alimentação.
faziam. Pelo aposento corriam baratas das Causa espanto que, no lugar perdido
Fechava o Jardim depois dos núme- frestas da parede ao soalho disjunto e onde nasceram, conheçam o nome de
ros da banda. Escoava-se a multidão sujo. Os muros caiados de cores ber- S. Paulo, e que no percurso não des-
aos poucos pelos portões do parque, rantes, levavam flores complicadas on- animem ante tanta dificuldade. Chega-
enchendo as calçadas próximas. Era o de havia sinal dos escarros dos "fre- dos refazem-se em pouco, fortificam-se
momento em que logo adeante, na ave- tes". Enlaçavam o fio da lâmpada elé- e civilizam-se. Assombram pela destre-
nida Tiradentes ou do lado das ruas trica rendados de papel enegrecidos za com que abatem florestas virgens e
da estação, iam se encontrar os que pelo pó e pelas moscas. O quebra luz resistem a tudo, ás maleitas, ás águas
tinham compromisso para "depois da de setineta, estava rasgado ao meio, salobras, á má alimentação. Houve o
musica". O soldado parava á esquina, devido ao projétil que numa noite de caso de um matuto acreano aprender a
junto de um.poste de bonde, á espera briga o atingira. ler, a guiar automóvel, e aparecer nas
da conquista que fizera. A conquista- Muitas das mulheres tinham vindo a ruas de S. Paulo no seu carro de alu-
da, vinha de braço dado com uma ami- pé do Nordeste, no meio de trabalha- guel — que pagava em prestações—
ga para mostrar o conquistador, todo • dores que se destinavam ás derrubadas dois anos depois de chegar numa leva
ancho na farda azul ferrete. Quando de matas em'S. Paulo e no Paraná. No de imigrantes analfabetos, sem outro
o militar percebia as mulheres, tufava principio tinham andado certo numero meio de vida do que os braços. Do mes-
a túnica ponteada de botões de metal, de leguas e descançado, para que os mo modo, ainda mais facilmente, a ca-
fazia tinir as esporas c rebrilhar as es- pés inchassem e desinchassem, a se- boclada que chegou com fome e com
camas do boné sob e luz das lâmpadas guir rumavam para o sul era jornadas os pés sangrentos aparece seis mezes
de arco. Despediam-se as amigas ao de dez leguas diárias tal como faziam depois com rouge nos lábios e meias
chegar á sua altura. Nesse momento os homens do rancho. Era diversa a de seda no Jardim Publico.
ele travava o braço da que ficava, para situação das que vinham em caravanas (Continua)
e Revista de Antropofai

B R A S I L I A N A FATALIDADE
III
ATITUDE — Sabes, Nanoca? Zé de Chanoca casou-se!
De uma correspondência de Santos para o Diário Na-
cional de S. Paulo, n. de 2-6-1928: — O que é, mulher de Deus! tão bandoleiro!!
" Circunstancia curiosa! Mau grado as enormes propor-
ções que assumiu a ventania, fazendo lembrar um verda- — Simsinhora... E o turumdumdum foi feio!...
deiro simoum, o Monte Serrat permaneceu impassível. Dir-
se-ia que elle só pretende cahir numa noite tranquilla, en- — Cala a tua bocca creatura... lá vem o homem.
luarada, cheia de estrellas.
Não deixa de ser interessante essa attitude fleugmati-
ca, britannica, do Monte Serrat."
MÚSICA — Hó-hó... que geito!
Anúncio publicado no Diário Popular de S. Paulo
(1928): — Mas homem de Deus, como foi isso?!
"A CRUZ DA TUA SEPULTURA ENCERRA UM MYS-
TERIO. — Valsa com letra; foi escripta junto a uma campa. — Ora lá como foi isso... tudo tem seu dia.
Vende-se á rua do Theatro, 26."
— Anh!... nem todo cão é sem dono, Zé de
CIVISMO
De uma correspondência de Tietê para o Diário Nacio- Chanoca...
nal de S. Paulo, n. de 3-5-1928:
"Em dias da semana passada, uma caravana do P. R. P., Nem todo cão é sem dono!
composta de alguns membros do directorio e de Antônio
Malagueta, cidadão lusitano, dirigiu-se com destino ao bair-
ro do Mato Dentro, na doce ilusão de encontrarem algum
Joaquim Silverio.
Lá, o sr. Luiz Gervonetti, que é membro influente do — Mas Zé de Chanoca
Partido Democrático, recebeu-os com altivez c depois de lhes
dar algumas lições de lealdade e de civismo, offereceu o Conta-me lá como se deu este successo...
livro de Affonso Celso "Porque me ufano do meu paiz".
Será que esses pretensos imitadores de Paulo de Tar-
so continuam com as suas caravanas?"
FILIAÇÃO — "Eu vou contar meu casamento como foi:
AVISO AO PUBLICO publicado na secção livre da
Folha da Noite de S. Paulo, n. de 6-9-1927: Amarrado pelo pé
"A firma do "Ao. Café Moka'^, dei Moro & Cia., não
se responsabiliza dé dividas feitas por seu filho Attilio Inquirido como um boi!
Del Moro. — Subscrevo-me, Nicolau Del Moro."
Amarrado pelo pé
LITERATURA COMERCIAL
De um anúncio publicado no diário A Manhã do Rio, Inquirido como um boi"!...
n. de 13-11-1927:
"Venci... ou não venci?
Venci, sim, pelo meu esforço e pela rainha honesti- (RECIFE)
dade.
Salve 8 de novembro!
E por isso a. CASA MATHIAS festejou mais um feliz JAIME GRIZ
anniversario.
Ha muita gente que encabula com o 13. Pois, amigos,
cabula não pega. Só pega nos cabulosos, que andam mes-
mo pesados, bufando ao peso da "Zizinha"... O dia 8 foi
um grande dia para a gloriosa CASA MATHIAS que com-
pletou o seu 13.° anniversario. Treze annos de lutas e de
bons negócios.
Lembram-se Vocês, oh! Lanfranhudos, Lambões e Pa-
tegos cabulosos, lembram-se Vocês do que diziam em 1914, A REVISTA DE
quando o Mathias, pobre e humilde, veiu abrir a sua casa
de negocio? Por certo que se lembram. Entre cusparadas
esvèrdeadas de inveja, aos saltos, e com risos de maltezes, ANTROPOFAGIA
Vocês disseram: — qual! Este não vae lá das pernas... —
Dentro de mezes estará fallido... — Vae dar com os bur-
ros n'agua... — Pedirá concordata no fim do mez... — PEDE A' GENTE NOVA DAQUI E
Vae dar um "Uro" na praça...
Assim faltavam os invejosos e attrazados. Novas bur-
ras da Balaão, queriam adivinhar o futuro! Oh! Zizinhas DE FORA:
estragadas! O Mathias não morreu! Tem os ossos duros!
Mas, apesar de tudo, eu venci. Trabalhei, lutei, esfor-
cei-me e .graças aos meus methodos de commerciar e á
minha honestidade, fui para a frente, venci todos os obstá-
culos e, para maior inveja dos invejosos, o Mathias tem COLABORAÇÃO (PROSA,
hoje um dos mais freqüentados estabelecimentos dó seu
gênero no Rio, não deve nada a ninguém e tem muito di- POESIA, DESENHO)
nheiro na burra...
Os invejosos devem se estar, comenda. Comidas, mi- ENDEREÇOS (ESCRITO-
nha gente!... Mas é melhor deixar esse pessoal engulir-se
sozinho. E' coisa tão ruim!
Para commemorar essa data vamos offerecer aos bons
RES, LIVRARIAS, JOR-
amigos uma novidade: é o BANQUETE SECCO, com todos NAIS, REVISTAS, ASSO-
os acepipes e pertences: Ficam todos á roda da mesa, nas
respectivas cadeiras, mas comidas... "no hay"J"
CIAÇÕES LITERÁRIAS).

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