Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tempo esquecidos
O amor tudo pode
1
-Libby.
-O que? - pronunciou aquela palavra com um vaio de zango
antes de voltar-se -. OH.
Viu cal, pálido e tremente, apoiando-se com uma mão no
marco da porta e com a outra na parede.
-O que faz levantado, Hornblower? Disse-te que me
chamasse se necessitava algo.
Irritada com ele e com aquela interrupção, levantou-se
para ajudá-lo a sentar-se. Mas assim que lhe tocou o braço,
ele retrocedeu.
- O que leva na cara?
Seu tom de voz fez que Libby se umedecesse os lábios
com gesto de preocupação. Havia fúria e um deixe de terror
em sua voz. Uma combinação perigosa.
- Óculos. Uns óculos para ler.
- Já sei o que são, maldita seja. Mas por que as leva?
«Tranqüila», advertiu-se Libby a si mesmo. Agarrou-o
brandamente do braço e lhe falou como se estivesse
tentando tranqüilizar a um leão ferido.
- Necessito-as para trabalhar.
-E por que não lhe arrumaste isso?
-Refere aos óculos?
Cal apertou os dentes.
- Os olhos. por que não lhe arrumaram a vista?
Com receio, Libby se tirou os óculos e as escondeu atrás
de suas costas.
Cal sacudiu pesaroso a cabeça.
- Quero saber o que quer dizer isto.
Libby olhou o livro que Cal sustentava na mão e blandía
beligerante frente a seu rosto. esclareceu-se garganta.
- Não sei o que quer dizer porque ainda não o tenho lido.
Suponho que o deixou ali meu pai, é muito aficionado à ficção
científica.
- Isso não é o que... - paciência, disse-se a si mesmo.
Nunca lhe tinha demasiado e aquele era um bom momento
para fazer provisão da pouca que pudesse reunir -. Abre-o e
olhe o copirraite.
- De acordo. Farei-o se se sinta. Não tem bom aspecto.
Cal alcançou a cadeira com duas grandes pernadas.
- Abre-o e lê a data.
Ferida-las na cabeça freqüentemente provocavam
condutas erráticas, pensou Libby. Não acreditava que fora
perigoso, mas de todas formas decidiu que era preferível lhe
seguir a corrente.
- Mil novecentos e oitenta e nove - tentou esboçar um
sorriso -. Acabado de sair de imprensa.
-supõe-se que isso é uma brincadeira?
- Não estou segura - estava furioso, compreendeu Libby. E
assustado -. Caleb - pronunciou brandamente seu nome
enquanto se sentava a seu lado.
-Esse livro tem algo que ver com seu trabalho?
-Com meu trabalho?
Aquela pergunta a deixou tão desconcertada que o olhou
com o cenho fruncido.Después se voltou para o ordenador
que tinha atrás dela.
- Sou antropóloga. Isso significa que estudo...
- Já sei o que significa - a paciência podia ser uma
maldição. Indignado, arrebatou-lhe o livro -. O que quero
saber é o que significa isto.
- Só é um livro. Tratando-se de meu pai, certamente será
uma obra medíocre de ficção científica sobre invasões
procedentes do planeta Kriswold. Já sabe, mutantes,
pistolas laser e guerreiros do espaço. Esse tipo de coisas -
tomou a mão -. E agora me deixe te levar outra vez à cama.
Depois te prepararei uma sopa.
Cal a olhou, viu seu doce olhar transbordante de
preocupação e seu consolador sorriso. E seus nervos. Seus
olhos voaram para a mão que descansava quase
protectoramente sobre a sua, apesar de que era evidente
que a tinha assustado. Havia uma conexão entre eles. Mas
era absurdo acreditar algo assim, quase tanto como
acreditar na data do livro.
- Ao melhor tornei louco.
- Não.
Libby se esqueceu imediatamente do medo e elevou a mão
para o rosto do Caleb, tentando tranqüilizá-lo como tivesse
feito com qualquer que parecesse tão terrivelmente perdido
como ele.
- Só está ferido.
Cal fechou os dedos com uma força surpreendente sobre
sua boneca.
-Terá saído de um banco de lembranças? Sim,
possivelmente. Libby... - seus olhos tinham adquirido uma
repentina intensidade; pareciam quase desesperados -. Que
dia é hoje?
- Vinte e quatro ou vinte e cinco de maio. perdi a conta.
- Não, a data completa -lutou para imprimir alguma calma a
sua voz -. Por favor.
- De acordo, provavelmente seja terça-feira, vinte e cinco
de maio de mil novecentos e oitenta e nove. O que te parece?
- Estupendo.
Fazendo provisão de até a última fibra de controle que
ficava, sorriu-lhe. Um deles estava louco, e adoraria que
fora ela.
-Tem algo de beber, além de infusões?
Libby franziu o cenho um instante. Mas logo seu rosto se
esclareceu.
- Brandy. Há brandy no piso de abaixo. Espera um
momento.
- Sim, obrigado.
Cal esperou até que a ouviu baixar as escadas. Então, com
muito cuidado, levantou-se e abriu a primeira gaveta que
encontrou à mão. Tinha que haver algo naquele ridículo lugar
que pudesse lhe indicar onde estava.
Encontrou lingerie, perfeitamente dobrada a pesar do
caos da habitação. Franziu o cenho um momento, enquanto
observava os estilos e materiais. Libby lhe havia dito que
não tinha casal, mas era evidente que levava roupa interior
que gostava aos homens, Aparentemente, preferia o
romantismo de outras épocas no que se referia à roupa
interior. Mais nervoso ainda ante a imagem do Libby com
aqueles minúsculos objetos escuros de encaixe, empurrou a
gaveta.
A seguinte gaveta estava tão ordenada como o anterior.
Nele havia jeans e calças esportivas. Fixou seu atônito olhar
em uma cremalheira, subiu-a e a baixou lentamente e depois
voltou a deixar os jeans em seu lugar. Zangado, voltou-se e
se aproximou do escritório, onde continuava zumbindo o
ordenador. Teve tempo de pensar que se tratava de uma
máquina ruidosa e arcaica antes de tropeçar com a pilha de
periódicos. Não leu os titulares nem estudou as fotograflas.
Seus olhos voaram imediatamente para a data.
Vinte e três de maio de mil novecentos e oitenta e nove.
Lhe encolheu o estômago. Ignorando o repentino zumbido
dos ouvidos, agachou-se para tomar um periódico. As
palavras dançavam diante de seus olhos. Algumas faziam
referência a conversações sobre armamento... Sobre
armamento nuclear e perigos no Oriente Médio. Havia uma
piada sobre a derrota dos Brave à mãos dos Mariner. Muito
lentamente, sabendo que as pernas podiam lhe falhar em
qualquer momento, deixou-se cair em uma cadeira.
Era terrível para ser verdade, pensou aturdido. Muito
terrível, mas não era Libby a que se tornou louca.
-Caleb? - assim que viu seu rosto, Libby entrou
precipitadamente na habitação e esteve a ponto de derramar
o brandy -. Está branco como o papel.
- Não é nada - teria que ter muito cuidado a partir de seu
descobrimento. Muito cuidado-. Acredito que me levantei
muito rápido.
- Isto te virá bem - sustentou a taça até que Caleb a
agarrou com firmeza com ambas as mãos -.Beba-lhe isso
devagar - começou a dizer, mas para então Cal já o tinha
terminado. Balançando-se sobre os talões, Libby o olhou com
o cenho franzido -. depois disto, ou te põe bem, ou volta a
te deprimir outra vez.
O brandy era um artigo autêntico, não uma alucinação,
decidiu Cal. Sentia-o como uma língua de fogo aveludado
descendendo por sua garganta. Fechou os olhos e deixou que
o fogo se estendesse por seu corpo.
- Ainda estou um pouco desorientado. Quanto tempo
estive aqui?
- Traga-te ontem de noite.
A cor tinha voltado para seu rosto, advertiu Libby. Sua
voz soava mais tranqüila, mais controlada. Quando seus
músculos se relaxaram, Libby foi consciente de quão tensa
tinha estado até então.
- Suponho que quando vi que te estrelava deviam ser perto
das doze.
-Viu-o?
- Bom, vi o resplendor e ouvi o golpe - sorriu e estava
tomando o pulso quando Cal voltou a abrir os olhos -. Por um
momento, pensei que era um meteoro, um OVNI ou um pouco
parecido.
-Um... Um OVNI? - repetiu Cal, aturdido.
- Não é que eu cria em extraterrestres nem em naves
espaciais e esse tipo de coisas, mas a meu pai sempre o
fascinaram. Em seguida me dava conta de que era um avião -
Cal voltava a olhá-la fixamente, advertiu Libby, mas era
curiosidade mais que zango o que mostravam seus olhos -.
Encontra-te melhor?
Cal não podia nem começar a lhe explicar como se
encontrava. E tinha a vaga sensação de que para todos seria
o melhor. Tinha que pensar antes de poder dizer nada.
- um pouco - esperando ainda que todo aquilo fora um
estranho engano, sacudiu o periódico que tinha na mão -. De
onde tiraste isto?
- Estive no Brookings faz um par de dias. Isso está a uns
cem quilômetros daqui. fui comprar comida e alguns
periódicos - olhou com ar ausente o exemplar que sustentava
Cal na mão -. Ainda não pude ler nenhum, assim quase tudo
são notícias atrasadas.
- Sim - olhou o resto de periódicos que continuava no chão
-. Notícias atrasadas.
Com uma gargalhada, Libby se levantou e começou a
ordenar a habitação.
- Nesta casa, sempre me hei sentido muito isolada, mais
inclusive que quando estou fazendo trabalho de campo a
centenas ou milhares de quilômetros de minha casa.
Poderíamos ter estabelecido uma colônia em Marte e eu não
me inteiraria até que não terminasse a tesina.
- Uma colônia em Marte - murmurou Cal, sentindo que lhe
afundava o estômago enquanto voltava a olhar o periódico -.
Acredito que ainda terá que esperar perto de um século.
- Sinto ter que me perder algo assim - com um suspiro,
olhou para a janela -. Está chovendo outra vez. Talvez
podemos ver o prognóstico do tempo no teledíario da manhã
- depois de abrir-se passo entre os livros, aproximou-se de
um pequeno televisor portátil.
Ao cabo de uns segundos, apareceu uma imagem imprecisa
na tela. Libby se passou a mão pelo cabelo e decidiu ver a
televisão sem óculos.
- O tempo deveriam dá-lo em... Caleb? - inclinou a cabeça
para um lado, fascinada pela expressão estupefata de Cal -.
Juraria que não viu um televisor em sua vida.
-O que?
Caleb recuperou a compostura ao tempo que desejava que
lhe oferecessem outro brandy. Um televisor. Tinha ouvido
falar deles, é obvio, da mesma forma que Libby teria ouvido
falar dos carros de cavalos.
- Não sabia que tinha um televisor.
- Somos um pouco rústicos - explicou-lhe -. Não
primitivos - olhou-o com os olhos entrecerrados ao oir sua
gargalhada engasgada -. Talvez deveria te tombar outro
momento.
- Sim - e quando voltasse a despertar, descobriria que
todo aquilo tinha sido um sonho -. Importa-te que me leve
esses periódicos?
Libby se levantou para ajudá-lo a levantar-se.
- Não sei se deveria ler.
- Acredito que essa é a última de minhas preocupações.
Descobriu que naquela ocasião a habitação não lhe dava
voltas, mas continuava sendo um grande consolo poder
acontecer o braço por seus ombros.
- Libby, se me acordado e descubro que tudo isto foi uma
ilusão, quero que saiba que foste a melhor parte dela.
- É muito amável.
- Digo-o a sério.
O brandy e sua própria debilidade estavam apoderando-se
novamente dele. Sentia a mente como se tivesse sofrido
uma insolação e não estava em condições de resistir. Libby
não teve muitos problemas para levá-lo a cama. Mas quando
chegaram, Cal continuou com o braço ao redor de seus
ombros, e ali o deixou enquanto se aproximava dela para
roçar seus lábios.
- A melhor parte.
Libby retrocedeu imediatamente. Cal se tinha ficado
dormido e ela sentia o pulso lhe pulsando a toda velocidade.
3
Cal se sentia virtualmente normal à manhã seguinte.
Normal, disse-se, se se tinha em conta que ainda não tinha
nascido. Era uma situação muito estranho. E altamente
improvável se se atendia às mais recentes teorias
científicas. Além disso, no fundo, continuava aferrando-se à
possibilidade de que todo aquilo fora uma espécie de
comprido sonho.
Se tinha um pouco de sorte, despertaria em um hospital,
ainda impactado e com algum dano cerebral. Mas pelo
aspecto que foram cobrando as coisas, o mais provável era
que tivesse sido arrojado duzentos e sessenta e três anos
atrás, até o primitivo e freqüentemente violento século
vinte.
A única lembrança que tinha do que tinha ocorrido antes
de seu despertar no sofá do Libby, era que estava voando em
sua nave. Não, isso não era de tudo exato. Estava tentando
que sua nave voasse. Tinha ocorrido algo. Algo que ainda não
era capaz de recordar com nitidez. Mas, fora o que fora,
tinha sido algo importante.
chamava-se Caleb Hornblower. Tinha nascido no ano dois
mil duzentos e vinte e dois. Por isso o dois era seu número
da sorte, recordou entre risadas. Tinha trinta anos,
desemparelhado, era o major de dois filhos e antigo membro
da Força Internacional Espacial. Tinha sido capitão, mas dos
últimos dezoito meses, voava como independente. Estava
realizando um trabalho rotineiro para a Colônia Brigston de
Marte e se desviou da rota habitual por culpa de uma chuva
de meteoritos. E depois tinha ocorrido. Fora o que fora,
tinha ocorrido então.
Nesse momento, tinha que enfrentar-se ao feito de que
algo o tinha feito retroceder no tempo. estrelou-se, e não
só contra a atmosfera terrestre, a não ser contra dois
séculos e médio. Ele era um piloto são e inteligente que tinha
ido parar a uma época em que os cientistas consideravam as
viagens interplanetárias como uma tolice da ficção científica
e se dedicavam, incrivelmente, a jogar com a fissão nuclear.
O melhor daquela experiência era que não tinha morrido e
que tinha aterrissado em uma zona solitária à mãos de uma
maravilhosa moréia.
Supunha, portanto, que a situação podia ter sido muito
pior.
O problema nesse momento era averiguar como ia
retornar a seu próprio tempo. E vivo.
colocou-se o travesseiro, esfregou-se brandamente o
queixo e se perguntou como reagiria Libby se baixasse ao
piso de abaixo e lhe relatasse sua história.
Provavelmente, em questão de segundos, tiraria o chapéu a
si mesmo fora da casa, levando em cima somente as calças de
seu pai. Ou Libby chamaria as autoridades e o arrastariam ao
equivalente, em mil novecentos e oitenta e nove, a uma
clínica de descanso e reabilitação. E não acreditava que
dispor de excessivos recursos.
Uma das coisas que mais o irritavam naquele momento era
ter sido tão mau estudante de história. O que ele sabia
sobre o século vinte logo que podia encher uma tela de
ordenador. Mas imaginava que teriam uma maneira um tanto
primitiva de tratar com um homem que dizia ter estrelado
seu F27 contra uma montanha em uma viagem de rotina para
Marte.
De modo que ia ter que manter seu problema em segredo.
E para isso, a partir de então teria que ter muito mais
cuidado com tudo o que dizia. E fazia.
Era óbvio que a noite anterior tinha dado um passo
equivocado. Em mais de um sentido. Fez uma careta ao
recordar como tinha reagido Libby ante a simples sugestão
de que passassem a noite juntos. Era evidente que as
coisas se faziam de maneira diferente no passado... Não,
corrigiu-se, no presente. E era uma pena que não lhe
tivesse emprestado mais atenção a essas antigas romances
de amor que tanto gostava de ler a sua mãe.
Em qualquer caso, seu problema era muito mais grave que
o ter sido rechaçado por uma mulher atrativa. Tinha que
retornar à nave e tentar reconstruir mentalmente o
ocorrido. Depois teria que convertê-lo em realidade. Por
isso podia ver, aquela ia ser a única forma de voltar para
casa outra vez.
Libby tinha um ordenador, recordou. Por arcaico que
fora, entre aquele aparelho e o miniordenador que levava
ele na boneca, poderia calcular uma trajetória.
Mas nesse momento o que gostava de era tomar banho,
se barbear e comer um par de ovos. Abriu a porta justo no
momento no que Libby estava a ponto de entrar.
A taça de café fumegante que levava a jovem nas mãos
esteve a ponto de terminar sobre o peito nu de Cal. Libby
conseguiu sustentá-la, embora no fundo pensava que Caleb
se merecia que lhe tivesse escaldado o peito.
- pensei que ao melhor gostava de um café.
- Obrigado - advertiu que sua voz era fria e tinha as
costas tensa. A menos que se equivocasse, as mulheres não
tinham trocado muito. A atitude de fria indiferença nunca
tinha passado de moda.
- Quero me desculpar - começou a dizer, oferecendo a
melhor de seus sorrisos -. Acredito que ontem à noite me
saí um pouco de órbita.
- É uma forma de dizê-lo.
- O que quero dizer é que... tinha razão e eu estava
equivocado - se isso não funcionava, era que não sabia nada
sobre a natureza das mulheres.
- De acordo - nada a fazia sentir-se mais incômoda que
manter o mau humor -. Esqueceremo-lo.
-E te parece bem que cria que tem uns olhos muito
bonitos? - viu-a ruborizar-se, e lhe pareceu ainda mais
encantadora.
- Suponho que sim.
As comissuras de seus lábios se elevaram para dar passo a
um sorriso. Não se tinha equivocado com o do sangue celta,
refletiu. E se aquele homem tinha antecedentes irlandeses,
teria que procurar uma forma diferente de tratar com ele.
- Se não poder evitá-lo.
Cal lhe tendeu a mão.
-Amigos?
- Amigos.
Assim que suas mãos se roçaram, Libby se perguntou por
que teria a sensação de que tinha cometido um engano. Ou de
acabar de saltar ao vazio. Bastava que aquele homem a
roçasse com a gema de seus dedos para que o pulso lhe
acelerasse de forma vertiginosa. Lentamente, desejando
que Caleb não tivesse sido tão obviamente consciente de sua
reação, apartou a mão.
- vou preparar o café da manhã.
-Parece-te bem que me dê uma ducha?
- Claro. Ensinarei-te onde está tudo - sentindo-se mais
tranqüila ao ter algo prático que fazer, dirigiu-se para o
corredor -. Tem toalhas podas no armário - abriu uma porta
-. E aqui tem cuchillas, se por acaso quer te barbear -
ofereceu-lhe uma cuchilla e um tubo de espuma -. Ocorre-te
algo?
Caleb estava observando aqueles utensílios como se
fossem instrumentos de tortura.
- Suponho que estará acostumado ao barbeador elétrico
elétrico, mas aqui não temos.
- Não - conseguiu esboçar um débil sorriso. Esperava não
cortar o pescoço -. Isto bastará.
- E escova de dentes - tentando não olhá-lo, tendeu-lhe
uma escova de dentes sem estrear -. Tampouco temos
escovas elétricas.
- Eu... me posso arrumar isso sem esse tipo de
comodidades.
- Estupendo. Pode usar toda a roupa que encontre no
dormitório que 0fique bem. Suponho que há jeans e
pulôveres. dentro de meia hora, terei o café da manhã
preparado. Terá tempo suficiente?
- Claro.
Cal ainda tinha o olhar fixo no instrumental que tinha
entre as mãos quando Libby fechou a porta.
Fascinante. Uma vez superado o pânico, o medo e a
incredulidade, começava a encontrar fascinante tudo o que
lhe estava ocorrendo. Estudou a caixa da escova de dentes
sonriendo como um menino que acabasse de encontrar um
quebra-cabeças sob a árvore de Natal.
supunha-se que terei que usar esses objetos umas três
vezes ao dia, recordou. Tinha ouvido algo a respeito. Havia
massas de diferentes sabores e terei que escová-los dentes.
Soava repugnante. Cal estendeu uma pequena quantidade da
nata de barbear no dedo. Tocou-a tentativamente com a
língua. Era repugnante. Como podia tolerar alguém uma coisa
assim? É obvio, isso ocorria em uma época em que ainda não
se erradicaram as enfermidades dos dentes e as gengivas
com a fluoratina.
depois de abrir a caixa, passou o dedo polegar pelas
cerdas da escova. Interessante. Fez uma careta frente ao
espelho, para estudar seus dentes. Possivelmente não
deveria desperdiçar aquela oportunidade.
Deixou tudo sobre o lavabo e se voltou para o banho. Era
como aqueles que se viam nos vídeos antigos. A banheira
oval, com uma solitária ducha pendurando em uma de- as
paredes. Começaria a encher a de todas formas.
Possivelmente, quando retornasse a seu lar, poderia começar
a escrever um livro.
Mas de momento era mais importante averiguar como
funcionava a ducha. Sobre o bordo da banheira, havia três
pomos. Em um deles aparecia uma C, no outro uma F e no
terceiro uma flecha. Caleb os olhou com o cenho franzido.
Podia averiguar sem problema que queriam dizer Quente e
Fria, mas estava muito longe de compreender como se
conseguiam as temperaturas individualizadas às que ele
estava acostumado. Naquele caso, não podia meter-se na
banheira e lhe dizer à unidade computerizada que queria
desfrutar de uma temperatura de trinta graus.
Ali teria que consegui-la ele mesmo.
Ao princípio se escaldou, depois ficou gelado. Voltou a
queimar-se uma vez mais, antes de que a ducha e ele
começassem a entender-se. Uma vez começou a correr a
água apreciou a sensação do jorro quente correndo por sua
pele. Encontrou um bote no que punha «xampu», entreteve-
se um momento observando o divertido desenho do frasco e
derramou um pouco sobre sua cabeça.
Cheirava como Libby.
Quase imediatamente, os músculos de seu estômago se
esticaram e uma quebra de onda de desejo fluiu sobre ele,
tão quente como a água de suas costas. Era estranho.
Desconcertado, baixou o olhar para o atoleiro de espuma que
se formava a seus pés. A atração sempre tinha sido algo
fácil, simples, básico. Mas aquilo era doloroso. levou-se uma
mão ao estômago e esperou a que passasse aquela sensação.
Mas continuava.
Provavelmente, tinha que ver com o acidente. Isso era o
que se dizia a si mesmo e o que preferia acreditar. Quando
voltasse para casa, iria a um centro de repouso e se faria
uma verificação completa. Mas acabava de perder o prazer
pela ducha. secou-se rapidamente, A fragrância a sabão,
xampu... e ao Libby, estava por toda parte.
4
Era educativo. Cal passou algumas horas cativado frente
ao televisor. Cada dez ou quinze minutos, trocava de canal,
passando de um concurso a um culebrón, de um programa de
entrevistas à publicidade. Os anúncios lhe pareciam
especialmente entretidos, freqüentemente de uma
intensidade e uma viveza surpreendentes.
Ele preferia os musicais, com suas canções enérgicas e
alegres. Mas outros lhe faziam perguntar-se pela gente que
vivia naquela época, naquele lugar.
Alguns mostravam a mulheres exaustas, lutando contra
coisas como as manchas de graxa ou o brilho dos chãos. Cal
não podia imaginar-se a sua mãe, nem a nenhuma outra
mulher, preocupadas com saber qual detergente lavava mais
branco. Mas mesmo assim, os anúncios eram um
entretenimento delicioso.
Havia outros nos que homens e mulheres particularmente
atrativos resolviam seus problemas bebendo bebidas
carbonatadas ou café. Parecia que todo mundo trabalhava,
os homens fora de casa, em trabalhos exaustivos, e ao final
da jornada se foram ao bar a tomar uma cerveja. Os trajes
que levavam a Cal lhe pareciam maravilhosos.
Em uma espécie de representação teatral, observou a uma
mulher mantendo uma conversação breve e intensa com um
homem sobre a possibilidade de estar grávida. Uma mulher
estava grávida ou não o estava, refletiu Cal enquanto trocava
de canal e se fixava em um homem de volumosa barriga e
com um traje a quadros que ganhava uma semana de férias
no Hawai. Pela reação do ganhador, Cal imaginou que devia
ser algo muito importante no século vinte.
Assombrou-o, ao ver o resumo das notícias do meio-dia,
que a humanidade tivesse sido capaz de sobreviver mais à
frente do século vinte. O assassinato, obviamente, era um
esporte popular. E também as discussões sobre o controle
de armamento. Aparentemente, os políticos não tinham
trocado muito após, pensou enquanto dava conta de uma
caixa de bolachas que tinha encontrado na cozinha do Libby.
Continuavam desfrutando de uma grande verborréia, dizendo
meias verdades e esgrimindo radiantes sorrisos. Mas
imaginar que os lidere políticos do século vinte tinham sido
capaz de negociar sobre quantas armas nucleares construir
era absolutamente ridículo. Quantas pensavam que
necessitavam?
Não importava, decidiu, enquanto retornava a um dos
culebrones. Com o tempo, recuperariam o sentido comum.
Os culebrones eram o que mais gostava. Embora a imagem
era má e o som trocava de volume quando menos se esperava,
desfrutava vendo as reações da gente, sofrendo com seus
problemas e observando divórcios e aventuras amorosas. Ao
parecer, as relações amorosas eram um dos problemas mais
importantes de mil novecentos e oitenta e nove.
Observou a uma voluptuosa loira com lágrimas nos olhos e
a um homem de aspecto duro e o peito nu fundir-se em um
comprido e apaixonado beijo. A música o cheio tudo até que
desapareceu. Obviamente, os beijos eram um costume que
se aceitava naquela época, pensou Cal. Então, por que se
teria zangado tanto Libby quando a tinha beijado?
Inquieto, levantou-se e se aproximou da janela. Ele mesmo
tampouco tinha reagido como esperava. Aquele beijo o tinha
feito sentir-se zangado, inquieto e vulnerável. Algo que não
lhe tinha ocorrido até então. E nenhum daqueles
sentimentos, admitiu, tinha diminuído em nada seu desejo
por ela.
Queria saber tudo o que terei que saber sobre o Liberty
Stone. O que pensava, o que sentia, o que mais queria e o
que menos gostava. Havia dúzias de perguntas que queria lhe
formular, dúzias de formas nas que desejava acariciá-la. E
sabia que quando o fizesse, seus olhos adquiririam aquela
expressão sombria, confusa, profunda. Podia imaginar-se,
fazendo o mais ligeiro esforço, a textura de sua pele na
parte posterior do joelho ou em suas costas.
Mas era impossível. Havia uma só coisa em que deveria
estar pensando naquele momento. Em voltar para casa.
O tempo que ia passar com o Libby era sozinho um
interlúdio. E apesar do pouco que sabia sobre as mulheres
daquela época, não podia evitar estar seguro de que Liberty
Stone não era uma mulher a que um homem pudesse amar e
depois deixar sem grandes preocupações. Bastava olhá-la
aos olhos para ver neles não só paixão, a não ser o fogo de
um lar.
Cal era um homem que ainda não tinha intenção de sentar
cabeça. Era certo, seus pais se emparelharam muito em
breve e se casaram sendo também muito jovens, aos trinta
anos. Mas ele não tinha vontades nem de emparelhar-se nem
de casar-se ainda. E quando o fizesse, recordou-se a si
mesmo, teria que fazê-lo em seu terreno. Pensaria no Libby
como em uma distração, e muito agradável, por certo, em
meio de uma tensa e delicada situação.
Tinha que sair dali. Pressionou as mãos contra o frio
cristal da janela, como se fora uma prisão da que fora fácil
escapar. Aquela era uma experiência que muitas pessoas
teriam ansiado, mas ele preferia manter-se nos limites de
sua própria época e de seu próprio mundo.
Era certo que tinha aprendido coisas lendo os periódicos e
vendo a televisão. Em mil novecentos e oitenta e nove, o
mundo ainda tinha que percorrer um comprido caminho para
alcançar a paz, a gente tinha que tomar-se muitas moléstias
para comer e as armas compravam e utilizavam com um
pavoroso abandono. podia-se comprar uma dúzia de ovos por
um dólar, que era a moeda dos Estados Unidos, e todo mundo
estava a dieta.
Dados muito interessantes todos eles, mas não acreditava
que aquela informação o pudesse ajudar. Tinha que
concentrar-se no que tinha ocorrido a bordo de sua nave.
Mas queria pensar no Libby, no que tinha sentido ao
estreitá-la contra ele. Queria recordar como se rendeu seu
corpo, como se tinham suavizado seus lábios quando se
fundiram com os seus.
Quando o tinha abraçado, Cal tinha tremido. Algo que
jamais lhe tinha ocorrido. Ele gozava do que considerava um
normal e saudável histórico com as mulheres. Desfrutava
com elas, tanto de sua companhia como da possibilidade de
proporcionar-se prazeres mútuos. E como ele acreditava que
não só terei que receber, mas também dar, a maior parte de
seus amantes tinham contínuo sendo seus amigas. Mas
nenhuma delas tinha conseguido que seu corpo se derretesse
com um só beijo, como lhe tinha ocorrido com o Libby.
Com um só beijo, Libby o tinha levado muito além do que
ele até então conhecia para arrastá-lo a um torvelinho
selvagem. Inclusive nesse momento podia recordar o que
havia sentido quando os lábios do Libby se estreitaram
ávidos e ardentes contra os seus. Seu equilíbrio tinha
perigado. Tinha estado inclusive a ponto de acreditar que
via luzes girando frente a seus olhos. Tinha sido como ser
empurrado para algo que possuía uma força enorme,
ilimitada.
Sentiu que lhe debilitavam as pernas. Lentamente, elevou
uma mão para apoiar-se contra a parede. Passou o enjôo, lhe
deixando um estranho e palpitante vazio na base do crânio.
E de repente recordou. Recordou as luzes. Umas luzes
resplandecentes, cegadoras no interior da cabine. O sistema
de navegação tinha falhado. Os mandos não funcionavam. E
o sinal automático de perigo se pôs em funcionamento.
O vazio. Podia vê-lo. Um suor gelado perló sua frente.
Um buraco negro, largo, profundo, escuro e sedento. Não
aparecia nas cartas de navegação. Jamais se tivesse
arriscado a voar tão perto se tivesse aparecido nas cartas.
Simplesmente estava ali, e sua nave tinha sido arrastada
para ele.
Não tinha cansado nele. O fato de estar vivo e,
indubitavelmente na Terra, o fazia estar completamente
seguro disso. Era possível que, de algum jeito, tivesse
conseguido roçar o bordo e depois tivesse sido disparado
através do espaço e o tempo. Os cientistas de sua época
questionariam aquela hipótese. As viagens através do tempo
eram somente uma teoria, uma teoria da que normalmente a
gente ria.
Mas ele o tinha feito.
Tremendo, sentou-se aos pés da cama. Tinha sobrevivido
ao que ninguém na história tinha conseguido sobreviver.
Elevou as mãos, voltou as Palmas para cima e as olhou
fixamente. Estava inteiro e tinha saído relativamente ileso
daquela aventura. E estava perdido. Lutou contra uma
renovada quebra de onda de pânico e apertou os punhos.
Não, não estava perdido, isso não podia aceitá-lo. Se tinha
sido disparado em um sentido, também poderia ser disparado
no contrário. Solo era questão de lógica. Voltaria para seu
lar.
Contava para isso com sua mente e suas habilidades. Olhou
seu ordenador de bracelete. Poderia realizar alguns
cômputos básicos com ele. Não seria suficiente, logo que
bastaria, mas quando retornasse à nave... Se era que tinha
ficado algo da nave.
Negando-se a considerar a possibilidade de que estivesse
completamente destroçada, começou a caminhar pela
habitação. Era possível que pudesse conectar sua unidade de
bracelete com o ordenador do Libby. Teria que tentá-lo.
Ouviu-a no piso de abaixo. Parecia que estava outra vez
na cozinha, mas certamente não estaria lhe preparando
outra comida. O arrependimento voltou, muito rápido para
que pudesse bloqueá-lo, e a imagem do Libby sentada na
mesa frente a ele apareceu como uma chama em sua mente.
Não podia permitir o luxo dos arrependimentos, recordou-se
Cal. E se podia impedi-lo, não lhe faria nenhum dano.
Voltaria a desculpar-se, decidiu. De fato, se tinha êxito
com o ordenador do Libby, poderia sair de sua vida sem
causar nenhuma dor.
dirigiu-se rápida e sigilosamente a sua habitação. Já solo
cabia esperar que Libby se mantivera ocupada na cozinha até
que ele tivesse terminado de fazer os cálculos preliminares.
Teria que conformar-se com isso até que pudesse encontrar
sua nave e utilizar seu próprio ordenador. Embora a
impaciência o urgia, vacilou um instante e ficou escutando no
marco da porta. Sim, definitivamente, estava na cozinha, e,
a julgar pelo estrépito que estava montando, continuava
zangada.
O ordenador, com aquela torpe tela e o pitoresco teclado,
estava sobre o escritório, rodeado de livros e papéis. Cal se
sentou na mesa de llbby e lhe sorriu.
- te acenda.
A tela continuava em branco.
- Ordenador, lhe acenda.
Impacientando-se consigo mesmo, Cal se lembrou do
teclado. Pulsou uma tecla e esperou. Nada.
recostou-se contra o respaldo da cadeira, tamborilou com
os dedos no escritório e pensou. Libby, por razões que Cal
não podia compreender, tinha desligado o ordenador. Isso
era facilmente remediável. Removeu uns quantos papéis
procurando o cartão de abertura. Deu a volta ao teclado,
disposto a começar a desmontá-lo. Então viu o interruptor.
Idiota, disse-se a si mesmo. Naquele lugar tinham
interruptores para tudo. Obrigando-se a conservar a calma,
voltou o teclado e procurou mais interruptores. Quando o
ordenador começou a zumbir, teve que reprimir um grito de
triunfo.
- Agora já chegamos a alguma parte. Ordenador... -
interrompeu-se a si mesmo, sacudiu a cabeça e começou a
teclar.