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2.

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa

Conteúdos essenciais
Vídeo
a. Contextualização histórico-literária
João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasce a 4 de fevereiro de 1799, no Porto, mas cedo

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parte para os Açores, em consequência das Invasões Francesas. Na ilha Terceira, inicia os seus estudos hu-
manísticos, de marcada influência clássica e arcádica, com um tio bispo, D. Alexandre da Sagrada Família, o
que contribui para o seu gosto pelo teatro. Forma-se em Direito e escreve Retrato de Vénus (do qual terá
que se defender devido à alegada imoralidade desta obra).
Entre 1823 e 1824, devido à instabilidade política dos primeiros anos do regime liberal, esteve exilado,
primeiro em Inglaterra e depois em França, onde contacta com a nova estética romântica. Conclui o poema
Camões (publicado em Paris um ano mais tarde) e inicia D. Branca, publicado em 1826, poemas narrativos
de temática nacionalista e considerados os introdutores do Romantismo em Portugal.
Após a revolução setembrista, integra o novo governo de esquerda liberal e Passos Manuel incumbe-o
da restauração do Teatro Nacional. Em 1844, publica a tragédia Frei Luís de Sousa e, dois anos mais tarde,
Viagens na Minha Terra.
Folhas Caídas (1853) é uma coletânea de poemas reveladores da sua paixão carnal pela Viscondessa da Luz.
Morre em Lisboa, a 9 de dezembro de 1854, aos 54 anos, depois de uma vida plurifacetada e umbilical-
mente ligada à Pátria, revelando, nas suas obras, a pedagogia de um liberalismo que deveria conduzir os
leitores à valorização estética, cívica e política do país.

Contexto político Contexto cultural

A primeira metade do século XIX, em A publicação do poema narrativo de Garrett, Camões (1825),
Portugal, é caracterizada por acontecimentos corresponde à introdução e difusão do Romantismo em Portugal,
marcantes, dos quais se destacam: indissociavelmente ligadas à vitória do liberalismo e à ascensão de
• as Invasões Francesas (1807 a 1810), que uma nova classe dominante – a burguesia.
determinam a fuga da família real para o No decurso das lutas liberais, intelectuais portugueses como Garrett
Brasil, em 1807; e Herculano exilaram-se, por motivos políticos, em Inglaterra e
• a crise da sucessão dinástica, após a morte França, onde tomaram contacto com as novas ideias.
do rei D. João VI; O Romantismo opõe-se ao Neoclassicismo do século XVIII,
• a guerra civil e a consequente ruína caracterizando-se pelos seguintes aspetos:
económica (1828-1834); • valorização do "eu" face ao coletivo e ao social;
• a sequência de violentas reações políticas – • exaltação do sentimento face ao convencionalismo;
o setembrismo (1836); o golpe de Estado • defesa dos ideais de liberdade individual e política;
desencadeado por Costa Cabral, no Porto,
• valorização da pátria e das características nacionais;
em 1840, que leva à instauração de uma
ditadura; a revolta da Maria da Fonte (1846);
• preferência pelos ambientes noturnos;
a guerra civil da Patuleia (barões do • crença no progresso;
cabralismo vs. liberais). • carácter didático dos textos, devido ao nascimento de um novo
público de origem burguesa e pouco letrado;
Apesar da turbulência política, assiste-se a
um desenvolvimento industrial, que se • reinvenção da História;
concretizaria com a Regeneração, a partir de • libertação da rigidez das normas clássicas, entre as quais o
1850, com a figura de Fontes Pereira de Melo, abandono das fronteiras entre os géneros literários;
cuja ação promove a ascensão política e • valorização da prosa enquanto discurso literário;
cultural da burguesia, bem como o • adoção de uma linguagem com um carácter coloquial e mais
crescimento da classe média. oralizante.
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2 · Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa

Circunstâncias de produção e apresentação da obra Frei Luís de Sousa


Em 1844, Garrett publica Frei Luís de Sousa, obra que consolida o triunfo do Romantismo na dramatur-
gia portuguesa e que exalta as virtudes nacionais e cívicas.
Relativamente às condições que envolveram a apresentação pública de Frei Luís de Sousa, poder-se-ão
referir as condicionantes políticas que fizeram com que o texto garrettiano, escrito em 1843, apenas fosse
levado até ao grande público em 1850, no Teatro Nacional de D. Maria II, devido à ditadura de Costa Cabral
(inimigo político de Garrett), cuja censura impediu a representação da obra, considerada como um sím-
bolo da liberdade e da afirmação individuais, incómodas para o regime de então.
A obra-prima do teatro romântico português teve origem, em parte, na influência que uma representa-
ção sobre a vida do prosador português de Seiscentos, Manuel de Sousa Coutinho, teve em Garrett e desde
essa altura ficou com vontade de escrever sobre ele.
Frei Luís de Sousa foi apresentado publicamente, pela primeira vez, a 6 de maio de 1843, no Conservató-
rio Real. Não se trata de uma representação – que só aconteceria a 4 de julho do mesmo ano, na Quinta do
Pinheiro, em Lisboa, de carácter muito privado –, mas sim de uma leitura dramatizada.

Nota
• De acordo com as Aprendizagens Essenciais, a obra Frei Luís de Sousa deve ser lida na íntegra.
• Todas as citações da obra Frei Luís de Sousa seguem a edição da Coleção Educação Literária, da Porto Editora,
2015.

b. Características do texto dramático

Nota
• Como as características do texto dramático já foram analisadas aquando do estudo da obra vicentina, sugere-se
a consulta da página 78 para revisão dos conteúdos.

c. O drama romântico: características


O teatro grego clássico esteve na origem dos dois grandes géneros de texto dramático que vigoraram
desde o século XVI até ao século XIX – a tragédia e a comédia. Vejamos as características gerais:
• tragédia – texto dramático que aborda a relação do ser humano com o destino e as forças divinas; a
ação culmina num desfecho funesto;
• comédia – texto dramático que, baseando-se nos diferentes tipos de cómico (situação, linguagem,
personagens), denuncia e critica aspetos da sociedade; este tipo de texto mimetiza costumes ou fac-
tos da vida social.
Com o Romantismo, verifica-se a abolição de regras rígidas separadoras dos diferentes géneros tex-
tuais, surgindo um novo tipo de texto dramático: o drama romântico.

Frei Luís de Sousa – tragédia ou drama?


O texto teorizador que acompanha a obra dramática, Memória ao Conservatório Real, funciona como
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chave para a leitura e compreensão da obra, pois nele o dramaturgo aponta as características específicas
de Frei Luís de Sousa, o que revela a dificuldade que Almeida Garrett sentiu em integrar a sua obra num
determinado género. Assim, convém explicitar as características gerais da tragédia clássica e do drama ro-
mântico.
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Capítulo III · Educação Literária · 11.º ano

Características da tragédia clássica


• Efeitos sobre o público: inspirar sentimentos de terror e piedade.
• Categorias do texto dramático:
› personagens de alta estirpe (social ou moral);
› presença de um coro: conjunto de personagens que não intervêm diretamente na ação, cuja fun-

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ção é comentar determinados momentos da ação à medida que esta se vai desenrolando;
› lei das três unidades:
• unidade de ação – a intriga deve ser simples, sem ações secundárias, de modo a evitar dispersão,
aumentando assim a tensão dramática;
• unidade de espaço – toda a ação deve desenrolar-se no mesmo espaço;
• unidade de tempo – a duração da ação dramática não deverá exceder as 24 horas.
› estrutura tripartida da ação:
• exposição – apresentação das personagens; esboço do conflito que surge associado a um mistério
na origem das personagens, provocado pela força oculta do destino (esta força oculta – anankê –
revela-se através de indícios que apontam para um desfecho trágico e para o desvendar do mistério);
• progressão dramática – desenvolvimento do conflito, originado pelo desafio das personagens à
ordem estabelecida – hybris; o conflito encaminha-se progressivamente para um clímax (ponto
culminante da ação trágica), em que se desvenda o mistério ligado a uma relação oculta (reconhe-
cimento – anagnórise); o sofrimento das personagens – pathos – intensifica-se;
• desenlace/catástrofe – o fim das personagens é a morte (física, social ou afetiva).

Tendo em conta as características enunciadas, Frei Luís de Sousa apresenta, de facto, características
da tragédia clássica, tal como Garrett afirma no texto teorizador Memória ao Conservatório Real:
• índole (assunto) trágica – “pela índole há de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico”;
• ação simples – “há toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga”;
• inexistência de cenas excessivas – “sem uma dança macabra de assassínios, de adultérios e de inces-
tos, tripudiada ao som das blasfémias e das maldições”;
• existência de poucas personagens – “uma ação que se passa entre pai, mãe e filha, um frade, um
escudeiro velho e um peregrino que apenas entra em duas ou três cenas”;
• possibilidade de comparação entre as personagens de Frei Luís de Sousa e algumas personagens
célebres de tragédias clássicas: Manuel de Sousa Coutinho e Édipo1, Madalena e Jocasta2 – as per-
sonagens de Frei Luís de Sousa “revolvem mais profundamente no coração todas as piedades”.
1  Édipo – Segundo a mitologia grega, mata seu pai, Laio, e casa com a própria mãe, Jocasta. Após ter descoberto que esta era
sua mãe, Édipo furou os próprios olhos.
2  Jocasta – Mãe de Édipo, suicida-se após ter sido confrontada com a verdade: ter casado com Édipo e ser mãe dele.

Características do drama romântico


O drama romântico:
• revela conflitos emocionais, muitas vezes em situações do quotidiano;
• valoriza os sentimentos humanos das personagens;
• apresenta acontecimentos de cariz sentimental e amoroso;
• recorre à prosa em substituição do verso e utiliza uma linguagem mais próxima da realidade vivida
pelas personagens (diferente do tom solene da tragédia clássica).

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2 · Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa

Tendo em conta as características enunciadas, Frei Luís de Sousa apresenta também características
do drama romântico:
Vídeo
• preferência pela liberdade poética em detrimento do rigor histórico – “Eu sacrifico às musas de
Homero, não às de Heródoto: e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo de melhor
verdade!”;
• justificação do uso da prosa em vez do verso, pois não acredita no verso como linguagem dramá-
tica para assuntos recentes e porque lhe desagrada “pôr na boca de Frei Luís de Sousa outro ritmo que
não fosse o da elegante prosa portuguesa que ele, mais do que ninguém, deduziu com tanta harmonia
e suavidade”;
• o patriotismo e o nacionalismo consubstanciados na escolha de um momento da História de
Portugal.

Garrett refere também outros aspetos que justificam e contextualizam a sua obra dramática, tais como:
• a missão social da literatura – o romance e o drama devem fornecer a verdade ao povo:
› “é povo, quer verdade. Dai-lhe a verdade do passado no romance e no drama histórico […] e o povo há
de aplaudir, porque entende: é preciso entender para apreciar e gostar”
• o contributo do literato, do poeta – revestir os factos do homem das formas mais populares, de modo a:
› “derramar assim pelas nações um ensino fácil, uma instrução intelectual e moral”
• a afirmação das suas convicções político-sociais:
› “Este é um século democrático; tudo o que se fizer há de ser pelo povo e com o povo… ou não se faz.”
• a oferta de Frei Luís de Sousa ao Conservatório Real de Lisboa:
› “Ofereço esta obra ao Conservatório Real de Lisboa” e “[…] que eu venha entregar como oferenda ao
Conservatório Real de Lisboa este meu trabalho dramático.”
Pelo hibridismo do texto dramático (característica tipicamente romântica) atrás constatado e referen-
ciado, poder-se-á concluir que a obra sintetiza, de forma notável, aspetos da tragédia clássica e do drama
romântico.

d. A estrutura da obra
A obra Frei Luís de Sousa apresenta o drama que se abate sobre a família de Manuel de Sousa Coutinho
e D. Madalena de Vilhena. As apreensões e os pressentimentos de D. Madalena de que a paz e a felicidade
familiar poderiam estar em perigo tornam-se, gradualmente, numa realidade. O incêndio, no final do Ato I
da obra, permite uma mutação dos acontecimentos e precipita a tensão dramática. É no palácio que fora
de D. João de Portugal que a ação atinge o seu clímax, quer pelas recordações de imagens e de vivências,
quer pela possibilidade que dá ao Romeiro de reconhecer a sua antiga casa e de se identificar a Frei Jorge.

Espaço
O espaço constitui um elemento fundamental para o desenrolar da ação dramática, não só no que diz
respeito à construção da cor epocal, como no que se relaciona com a criação do efeito de verosimilhança.

O espaço físico
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A construção do espaço físico em Frei Luís de Sousa parte das indicações presentes nas didascálias que
iniciam cada um dos atos. O espaço não constitui, neste texto garrettiano, apenas um simples enquadra-
mento da ação, desempenhando igualmente um papel simbólico importante.
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Capítulo III · Educação Literária · 11.º ano

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Atos Indicações cénicas Dimensão simbólica

Palácio de Manuel de Sousa Coutinho, • A família vive em paz e aparente harmonia.


em Almada: • O retrato de Manuel de Sousa Coutinho transmite
• luxo e elegância da época; a serenidade da sua personalidade.
• porcelanas, charões, sedas, flores, etc.; • O incêndio e a consequente destruição do seu
• duas grandes janelas donde se avista o Tejo e retrato tornar-se-ão um prenúncio da catástrofe
Ato I final.
Lisboa;
• retrato de Manuel de Sousa Coutinho vestido com
o hábito da ordem de S. João de Jerusalém;
• comunicação com o exterior e o interior do
palácio.

Palácio de D. João de Portugal, também • A ausência de luz pressagia a catástrofe final –


em Almada: o círculo fechado em que as personagens vão
• salão antigo de gosto melancólico e pesado; ficando encerradas, entregues à sua própria
angústia, separadas do mundo e da luz, impedidas
• retratos de família e, em lugar de destaque,
de fugir.
os de D. Sebastião, D. João de Portugal e de
Camões; • Os retratos, para além do carácter nacionalista que
Ato II
transmitem (D. Sebastião, Camões), evocam um
• reposteiros que impedem a vista para o
passado extinto mas ameaçador, que inviabiliza o
exterior e a luz;
presente e, também, o futuro.
• comunicação com a capela da Senhora da
Piedade.
• A comunicação com a capela da Senhora da
Piedade indicia já o final trágico e demolidor
do Ato III, que aí ocorre.

Parte baixa do palácio de D. João de Portugal: • O espaço é símbolo da morte e da impossibilidade


• lugar vasto e sem ornato algum; de a superar.
• comunicação com a capela da Senhora da Piedade; • A única saída para uma família católica que
Ato III assume as suas convicções religiosas e sociais de
• decorada com símbolos de morte (esquife) e
forma clara e rígida é a renúncia ao mundo e à luz.
de dor (cruz, ornamentos característicos
da Semana Santa);
• existência de um hábito religioso.

Os espaços vão-se progressivamente obscurecendo e afunilando (concentração espacial e progressivo


escurecimento), tornando-se severos e despojados. O círculo que se vinha fechando desde o início do
Ato II encerra-se definitivamente, atirando as personagens para um abismo do qual é impossível sair. Maria
morre, não suportando a vergonha de se saber filha ilegítima e sabendo que a vida, sem o amor dos pais,
lhe seria insuportável. Madalena e Manuel morrem para o mundo, renunciando à paixão que os unira.
Tal como o tempo, o espaço assume, logo desde o início, um carácter pressagiador do desenlace final,
contribuindo também para a intensificação progressiva da tensão dramática.

Tempo
A ação dramática de Frei Luís de Sousa reporta-se ao final do século XVI, mais concretamente 1599, em-
bora a didascália inicial do Ato I se refira à “elegância” portuguesa dos princípios do século XVII. Assim, a
ação decorre durante o domínio filipino, 21 anos após a batalha de Alcácer Quibir, que aconteceu a 4 de
agosto de 1578. A cena 2 do Ato I assume especial importância para a definição dos limites da ação dramá-
tica, em especial as seguintes réplicas de Madalena:
• “[…] D. João ficou naquela batalha […]. Sabeis […] como durante sete anos […] o fiz procurar”
(1578 + 7 = 1585);
• “[…] a que se apega esta vossa credulidade de sete… e hoje mais catorze… vinte e um anos?”
162 (1585 + 14 = 1599);
2 · Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa

Síntese de conteúdos
• Características da tragédia clássica:
› a simplicidade
› a estrutura da ação
› a nobreza das personagens
› o fatalismo
Hibridismo
de géneros › o valor dos presságios
• Características do drama romântico:
› a liberdade poética em detrimento do rigor histórico
› a utilização da prosa
› o nacionalismo

• Mudança de espaços
O espaço • Afunilamento e obscurecimento
• Dimensão simbólica: opressão, fatalidade, desgraça

• Concentração
O tempo
• Simbolismo de algumas referências temporais

• Estrutura tripartida – exposição, conflito e desenlace (macro e microestruturas)


A ação
• Carácter trágico da intriga

• Número reduzido
• Características românticas: dualidade razão/paixão, nacionalismo, presença do mito
Personagens (sebastianismo), carácter excessivo, defesa da liberdade, “eu” vs. sociedade, obsessão
da morte
• Simbologia

• Os retratos
• A concentração espacial
Valor simbólico • As referências temporais
de alguns elementos
• A numerologia
• As papoilas

• Inovação romântica: carácter oralizante e coloquial


Linguagem • Sintaxe afetiva (frases interrogativas, imperativas, exclamativas, reticentes; repetições)
• Tiradas hiperbólicas

• Conflito “eu” vs. sociedade


Atemporalidade • Conflitos interiores
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e universalidade
• Denúncia das arbitrariedades e da tirania
da obra
• Defesa da liberdade

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Exercícios resolvidos

Exercício 1
Leia com atenção o texto que a seguir se apresenta e responda de forma clara e bem estruturada às questões.

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Cena XIV
Madalena, Jorge, Romeiro
[…]
Madalena (espavorida) – Meu Deus, meu Deus! Que se não abre a terra
debaixo dos meus pés… Que não caem estas paredes, que me não se-
pultam já aqui?…
Jorge – Calai-vos, D. Madalena! A misericórdia de Deus é infinita. Esperai.
5 Eu duvido, eu não creio… estas não são coisas para se crerem de leve.
(Reflete, e logo como por uma ideia que lhe acudiu de repente.) Oh!
Inspiração divina… (chegando ao romeiro) Conheceis bem esse
homem, romeiro, não é assim?
Romeiro – Como a mim mesmo.
10 Jorge – Se o víreis… ainda que fora noutros trajos… com menos anos, pin-
tado, digamos, conhecê-lo-eis?
Romeiro – Como se me visse a mim mesmo num espelho.
Jorge – Procurai nesses retratos, e dizei-me se algum deles pode ser.
Romeiro (sem procurar, e apontando para o retrato de D. João) – É aquele.
15 Madalena (com um grito espantoso) – Minha filha, minha filha, minha
filha!… (em tom cavo e profundo) Estou… estás… perdidas, desonra-
das… infames! (com outro grito do coração) Oh! Minha filha, minha
filha!… (foge espavorida e neste gritar)

Cena XV
Jorge e o Romeiro, que seguiu Madalena com os olhos e está alçado
20 no meio da casa, com aspeto severo e tremendo
Jorge – Romeiro, Romeiro, quem és tu?
Romeiro (apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal)
– Ninguém!

(Frei Jorge cai prostrado no chão, com os braços estendidos diante


25 da tribuna. O pano desce lentamente.)

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa,


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Exercícios resolvidos

1. Explicite a importância do excerto apresentado para a construção da atmosfera trágica da obra.

Sugestão de resposta Percurso de resposta


As cenas apresentadas são muito importantes, visto que constituem o clímax da • Explicitação da importância das
ação dramática, com a revelação da verdade sobre D. João de Portugal. cenas – clímax da ação dramática,
Assiste-se, igualmente, ao reconhecimento, visto que o Romeiro se assume como anagnórise do Romeiro enquanto
D. João de Portugal ao apontar para o retrato deste enquanto profere a frase D. João.
“Ninguém”. É precisamente o aparecimento do primeiro marido de Madalena • Referência aos acontecimentos
na pele do Romeiro que desencadeia a atmosfera trágica na obra e provoca o desencadeados por este
previsível desenlace trágico. A partir desse momento, os acontecimentos reconhecimento: ingresso na vida
sucedem-se rapidamente e dá-se a tomada de hábito pelos pais de Maria, religiosa e morte física de Maria.
a morte desta e a destruição da família.

2. O diálogo estabelecido entre as personagens cria um ambiente de suspeita e de expectativa.

2.1 
Tendo em conta o discurso das personagens, prove que há um crescendo de intensidade nestes excertos.

Sugestão de resposta Percurso de resposta


Existe um crescendo de intensidade ao longo deste excerto, como podemos ver • Explicitação do crescendo de
a partir das didascálias. Inicialmente, Madalena está “aterrada”, depois “na maior intensidade nas diferentes
ansiedade”, a seguir “espavorida”. Quanto a Frei Jorge, uma personagem sempre personagens:
tão racional, cai no chão no final da cena XV. – Madalena – de curiosa e expectante
Esta intensidade crescente é também nítida no discurso das personagens através a aterrorizada.
do maior número de exclamações a partir do momento em que as personagens – Frei Jorge – de calmo, ponderado,
se apercebem de que o Romeiro está a falar de D. João de Portugal e do gradual pragmático a preocupado.
aumento do uso de reticências, que dão ideia de uma incapacidade de expressão, • Identificação dos recursos ao serviço
de sufoco provocado pelo medo e pelo nervosismo. desse crescendo: repetições, frases
A repetição de certas expressões como “Meu Deus! Meu Deus!” também confere exclamativas, reticências…
dramatismo ao discurso.

3. O aparecimento do Romeiro vem precipitar os acontecimentos.

3.1. Aponte as consequências da sua chegada.

Sugestão de resposta Percurso de resposta


O aparecimento do Romeiro desencadeia uma série de acontecimentos que • Explicação da importância do
precipitam o desenlace trágico: Madalena é bígama e Maria fruto do pecado. aparecimento do Romeiro para a
Consequentemente, é ele o responsável pela tomada de hábito de Manuel e de tragédia: implica diferentes “mortes”,
Madalena, que simboliza a sua morte social, mas também a morte de Maria, que, a morte da família.
órfã, nunca teria um lugar na sociedade setecentista. Também Telmo é afetado por
este regresso, pois fica sozinho.

4. Explique o sentido e o alcance da última fala.

Sugestão de resposta Percurso de resposta


A última fala do II Ato é simbólica e talvez a mais importante de toda a obra. • Simbolismo da última fala do
Ao proferir a frase “Ninguém”, D. João de Portugal intui que já não tem o seu lugar Romeiro: D. João já não tem lugar
na nova ordem estabelecida. Sem família e sem amigos (até Telmo já gosta mais na sociedade atual.
de Maria), D. João percebe que não passa de um fantasma que todos querem • Reflexão sobre a mensagem
esquecer. progressista veiculada pela obra:
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A partir desta fala, concluímos que este nobre já não tem lugar naquela casa, o saudosismo inviabiliza o presente.
naquela sociedade; daí a mensagem progressista (e até anti-sebastianista) que
Garrett pretende veicular – o saudosismo excessivo inviabiliza o presente e
o futuro e D. João, fazendo parte desse passado, é, por isso, “ninguém”.
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Capítulo V · Exames

Prova Escrita de Português

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10.°, 11.° e 12.° Anos de Escolaridade
Exame-tipo 1
Duração da Prova: 120 minutos. Tolerância: 30 minutos.

GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

PARTE A

Leia, atentamente, o texto a seguir transcrito.

Ocidente

Com duas mãos – o Ato e o Destino –


Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.

5 Fosse a hora que haver ou a que havia


A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal


10 A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.
Fernando Pessoa, Mensagem, Assírio & Alvim, 2012

1. Explique a identificação das mãos como “Ato” e “Destino” (v. 1).

2. 
Comente o significado dos versos: “Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia / Da mão que desvendou.”
(vv. 7-8).

3. Justifique a integração deste poema na segunda parte de Mensagem.

418
Exame-tipo 1

PARTE B

Leia o texto.

MANUEL
– Meu pai morreu desastrosamente caindo sobre a sua própria espada. Quem sabe se eu morrerei
nas chamas ateadas por minhas mãos? Seja. Mas fique-se aprendendo em Portugal como um homem
de honra e coração, por mais poderosa que seja a tirania, sempre lhe pode resistir, em perdendo o
amor a coisas tão vis e precárias como são esses haveres que duas faíscas destroem num momento…
5 como é esta vida miserável que um sopro pode apagar em menos tempo ainda! (Arrebata duas tochas
das mãos dos criados, corre à porta da esquerda, atira com uma para dentro; e vê-se atear logo uma
labareda imensa. Vai ao fundo, atira a outra tocha, e sucede o mesmo. Ouve-se alarido de fora.)
[…]
MADALENA
– Que fazes? que fizeste? Que é isto, oh meu Deus!
MANUEL
(tranquilamente)
10 – Ilumino a minha casa para receber os muito poderosos e excelentes senhores governadores
destes reinos. Suas Excelências podem vir, quando quiserem.
MADALENA
– Meu Deus, meu Deus!… Ai, e o retrato de meu marido!… Salvem-me aquele retrato! (Miranda e
outro criado vão para tirar o painel: uma coluna de fogo salta nas tapeçarias e os afugenta.)
MANUEL
– Parti! parti! As matérias inflamáveis que eu tinha disposto vão-se ateando com espantosa velo-
15 cidade. Fugi!
MADALENA
(cingindo-se ao braço do marido)
– Sim, sim, fujamos.
MARIA
(tomando-o do outro braço)
– Meu pai, nós não fugimos sem vós.
TODOS
20 – Fujamos! Fujamos!
(Redobram os gritos de fora, ouve-se rebate de sinos: cai o pano.)
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa. Porto: Porto Editora, 2016

4. 
Explique em que medida as afirmações “Quem sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por mi-
nhas mãos? […] como é esta vida miserável que um sopro pode apagar em menos tempo ainda!”,
proferidas por Manuel, podem constituir presságio de tragédia.
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5. 
Analise os comportamentos manifestados por Madalena e por Manuel no excerto transcrito, funda-
mentando a sua resposta com elementos textuais pertinentes.

6. Analise um dos efeitos de sentido produzidos pela polissemia do vocábulo “Ilumino”. 419
Capítulo V · Exames

PARTE C

7. 
À luz do estudo da poesia de Camões, redija uma breve exposição (entre cento e cinquenta a cento

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e setenta palavras) sobre a temática da reflexão sobre o Amor e a experiência amorosa.

A sua exposição deve incluir:


– uma introdução ao tema;
– um desenvolvimento no qual explicite esta temática, referindo dois aspetos concretos da mesma
e, pelo menos, um poema exemplificativo;
– uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

Leia, atentamente, o texto que se segue.

Descobrimentos

As primeiras tentativas portuguesas de explorar o Atlântico devem poder datar-se do reinado de


D. Afonso IV, que em 1336 e 1341 lança duas expedições que chegam às Ilhas Canárias. Mas foi só
após a conquista de Ceuta em 1415 que se desenvolveu sistemática e persistentemente o esforço de
exploração dos mares desconhecidos e das novas terras, sempre sob a liderança de membros da fa-
5 mília real, entre os quais avulta o infante D. Henrique, filho de D. João I, que durante os primeiros
decénios centralizou todas as decisões.
As motivações para a empresa de descoberta foram essencialmente, embora não unicamente, de
carácter económico: procurar acesso direto a fontes de fornecimento de trigo, de ouro ou de escravos
e, mais tarde, das especiarias orientais. Para além da necessidade de alcançar as fontes de bens escas-
10 sos ou caros na Europa, havia a intenção política de atacar ou debilitar pela retaguarda o grande po-
derio islâmico, adversário da Cristandade (neste desiderato se confundindo a estratégia militar e di-
plomática e o espírito de evangelização herdado das Cruzadas).
A consecução desses objetivos genéricos só foi possível mediante um estudo rigoroso do regime
de ventos marítimos e da astronomia, e o aperfeiçoamento de métodos de orientação, num esforço
15 científico sem precedentes na época. As novas terras descobertas ao longo da costa africana e sul-
-americana, as novas rotas passaram a ser minuciosamente registadas em cartas geográficas que vão
assinalando com rigor antes desconhecido o progresso do conhecimento científico. Em simultâneo
com os avanços científicos e com o alargamento do saber náutico, da astronomia e da cartografia,
desenvolvia-se o conhecimento da fauna e flora africana, sul-americana e asiática (o que permitia
20 progressos e inovações na farmacopeia e na medicina), bem como das novas etnias e seus usos, cos-
tumes, tradições e sistemas políticos e sociais. Em todas estas áreas o conhecimento científico acu-
mulado em Portugal e dado a conhecer por toda a Europa legitimou a afirmação de que se aprendia
então mais num dia com os portugueses (o “saber de experiência feito”) do que em toda a Antigui-
dade.
25 O impulso inicial das descobertas levou os navegadores a percorrerem toda a costa ocidental da
África, contactando com as respetivas populações e estabelecendo feitorias e outros pontos de apoio
ao comércio intercontinental, mas foi a entrada no oceano Índico, no final do século XV, com o do-
brar do Cabo da Boa Esperança (Bartolomeu Dias, 1487-1488) e com a viagem de Vasco da Gama até
à Índia em 1498 (viagem de descoberta, mas também empresa diplomática com bem claros objetivos
420
Exame-tipo 1

30 políticos e comerciais), que permitiu um maior alargamento dos horizontes, abrindo o caminho à
influência e ao domínio portugueses num vasto mundo que ia da costa de Moçambique ao Japão.
Pouco depois do regresso de Vasco da Gama, uma armada acha ou descobre a costa do Brasil (Páscoa
de 1500), dando maior dimensão de grandeza a um império que a partir de então se espalha por três
continentes.
“Descobrimentos”, in Infopédia, https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$descobrimentos (consultado em 17-06-2019)

1. O texto apresentado pertence ao género


(A) exposição sobre um tema.
(B) texto de opinião.
(C) artigo de divulgação científica.
(D) síntese.

2. A aventura dos Descobrimentos tem início


(A) com a chegada às Canárias.
(B) com a ação dos filhos de D. João I.
(C) sob a égide do Infante D. Henrique.
(D) sob o poderio de D. João I.

3. Os Descobrimentos estão diretamente ligados


(A) a fatores religiosos.
(B) a fatores sociais.
(C) a fatores políticos.
(D) a fatores económicos.

4. 
No contexto em que ocorre, o vocábulo “consecução” (l. 13) pode ser substituído por
(A) determinação.
(B) glória.
(C) perda.
(D) conquista.

5. O recurso a “mas” (l. 2 e l. 26) contribui para assegurar a coesão


(A) interfrásica.
(B) referencial.
(C) lexical.
(D) frásica.

6. 
A oração iniciada por “que” no segmento “num vasto mundo que ia da costa de Moçambique ao
Japão” (l. 31) é
(A) subordinada adjetiva relativa explicativa.
CPEN-P12 © Porto Editora

(B) subordinada adjetiva relativa restritiva.


(C) subordinada substantiva completiva.
(D) subordinada substantiva relativa. 421
Cenários de resposta

Exame-tipo 1 conduzir a família para a casa de D. João de Portugal, onde


se dará o reconhecimento que levará à morte da família,
Grupo I – Parte A não sem antes destruir o seu próprio retrato, naquilo que é
um indício trágico do seu desaparecimento enquanto Ma-
1. N
 a concretização da epopeia marítima, foi preciso ter a nuel de Sousa Coutinho, marido de Madalena e pai de
ação – o “Ato” – e a sorte ou o acaso – o “Destino”. Por um Maria, o que mostra que tudo pode ser destruído por um
lado, há o Ato que rasga os horizontes, que realiza “sopro” que “pode apagar em menos tempo ainda” a vida
(“afasta o véu”); por outro lado, há o “Destino”, que per- de uma família.
mite erguer a luz da crença, o facho trémulo e divino. Se
a ousadia dos Portugueses deu corpo a esta realização, 5. A
 s duas personagens apresentam comportamentos dis-
a ajuda da “Ciência” e de “Deus” permitiu que se cum- tintos, já que Madalena é extremamente emotiva nas
prisse o destino português. Portugal estava predesti- suas falas e Manuel apresenta-se com uma determinação
nado, necessitava apenas do “Ato”, ou seja, de rasgar o desconcertante.
véu ousadamente. Efetivamente, Madalena é a típica mulher romântica, in-
capaz de controlar as suas emoções e reagindo com pâ-
2. A
 ciência e a ousadia são elementos necessários para des- nico à ação de seu marido de incendiar a casa – “Que
vendar o que está para lá do véu que foi rasgado. A ciên- fazes? que fizeste? Que é isto, oh meu Deus!”. As interroga-
cia, porque garante os conhecimentos e os instrumentos ções, as exclamações e as interjeições estão ao serviço da
necessários, é, portanto, a alma. A ousadia, porque sem a caracterização desta personagem feminina, acentuando
coragem e a vontade não seria possível pôr em prática a sua incapacidade de reagir de forma racional. O facto de
aquilo que nos leva a rumar ao desconhecido e que trans- o seu terror subir de tom quando percebe que o retrato
formou os Portugueses em heróis, é o corpo, pois está do marido será destruído revela a sua crença em agouros
relacionado com a execução dos feitos. – “Meu Deus, meu Deus!… Ai, e o retrato de meu marido!…
Como a ousadia foi fundamental, não menos importante Salvem-me aquele retrato!”.
foram os seus conhecimentos, a sua “Ciência”. Esta contri- Por outro lado, Manuel, homem de ação, firme e deci-
buiu, com a ajuda divina, para a construção da intencio- dido, ignora a angústia de Madalena e revela-se um
nalidade, da “Vontade”; com a “Ousadia”, Portugal agiu, homem pragmático e racional nas suas decisões, mos-
desvendando os mares, afastando o véu e realizando a trando que os valores do patriotismo estão acima de
missão das descobertas. qualquer valor material e até de qualquer superstição –
“(tranquilamente) – Ilumino a minha casa para receber os
3. M
 ensagem, de Fernando Pessoa, é constituída por três muito poderosos e excelentes senhores governadores destes
partes que traduzem as etapas da evolução do Império reinos. Suas Excelências podem vir, quando quiserem.”
Português – nascimento, realização e morte.
Na segunda parte, Mar Português, há o sonho marítimo 6. N
 o sentido denotativo, o verbo “iluminar” refere o ato de
com a realização do Império português, graças aos Des- conferir luz/luminosidade a algo. No entanto, neste ex-
cobrimentos, na qual este poema se insere, ao referir-se certo, a fala de Manuel é irónica, já que este nobre pre-
aos Descobrimentos, que exigiram ousadia, ciência, von- tende dar uma lição de patriotismo aos outros nobres
tade de Deus e o ato dos Portugueses. O próprio título que, ao contrário dele, esqueceram os valores nacionais e
pode ser entendido como a concretização da descoberta apoiam a governação espanhola. Assim, Manuel pre-
do caminho marítimo para o Brasil. Portugal conquistou tende esclarecer estes “excelentes senhores governadores”,
o Oriente, chegando à Índia; agora desvenda o Ocidente, mostrando que os seus valores são indestrutíveis e que
chegando ao outro lado do Atlântico, graças ao destino e não é conivente com traições à pátria.
à ação dos navegantes comandados por Pedro Álvares
Cabral.
Grupo I – Parte C

Grupo I – Parte B 7. U
 ma das temáticas estruturantes da lírica camoniana é,
sem dúvida, a do Amor, dado que, para o poeta, este sen-
4. N
 o momento em que estas reflexões são produzidas, Ma- timento superior norteava a sua existência, chegando a
nuel está prestes a levar a cabo uma ação que irá precipitar ser considerado o responsável máximo pela sua vida des-
a ação trágica. Sendo assim, e de modo a provar que ainda graçada, como é referido no poema “Erros meus, má for-
há patriotas em Portugal, que ainda há quem não esteja do tuna, amor ardente”.
lado dos Filipes, o marido de Madalena decide dar uma Assim, nos poemas referentes à experiência amorosa, Ca-
CPEN-P12 © Porto Editora

lição aos governadores que esqueceram o valor do nacio- mões dedica-se, fundamentalmente, à reflexão sobre o
nalismo. Deste modo, ao decidir incendiar a casa da famí- seu percurso de vida, em que o Amor é visto como fonte
lia, provando que os valores nobres estão bem acima dos de sofrimento e de mágoa, pois a forma “ardente” como
valores materiais, Manuel irá precipitar a ação trágica, ao sempre viveu trouxe-lhe dissabores. Apesar deste quadro

423
Capítulo V · Exames

negro, o poeta procurou o Amor, embora nem sempre merecem, como qualquer outro ser humano. Nesse célebre

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tenha conseguido compreender este sentimento tão pa- discurso, defendia a urgência de união e a coexistência har-
radoxal e tão contraditório, como afirma no soneto “Amor moniosa entre brancos e negros. A luta foi longa, mas muitos
é um fogo que arde sem se ver”, mas que causa a “simpatia comportamentos mudaram, efetivamente.
humana”. O poeta T. S. Elliot afirmou que “só aqueles que arriscam ir
Neste sentido, as composições inseridas nesta temática demasiado longe ficarão a saber até onde podem ir”. Deve-
apresentam um tom essencialmente melancólico e in- mos, pois, arriscar, traçar objetivos ambiciosos e lutar pela
quietante, uma vez que Camões se baseia nas suas pró- sua concretização, para sabermos quais são os nossos limi-
prias vivências para escrever sobre esse sentimento supe- tes. Só assim veremos se o nosso mundo “pula e avança”.
rior e abstrato que é o Amor e que o conduziu à “perdição”. (278 palavras)
(174 palavras)

Grupo II

1. (A).

2. (C).

3. (D).

4. (D).

5. (A).

6. (B).

7. (C).

8. Valor de posterioridade.

9. Complemento direto.

10. Valor explicativo e valor restritivo, respetivamente.

Grupo III
Se assumirmos como verdadeira a afirmação de Fer-
nando Pessoa, segundo a qual, quando Deus quer e o
Homem sonha, “a obra nasce”, então é naturalmente ver-
dade que “sempre que um homem sonha / O mundo pula e
avança”. Mais ainda: segundo o poema de António Gedeão,
o mundo não se limita só a pular e a avançar, mas consegue
fazê-lo com a leveza e a beleza de uma “bola colorida entre as
mãos de uma criança”.
De facto, sinónimo de desejo, de ideal, “o sonho comanda
a vida”, mantendo viva a esperança no futuro, ajudando-nos
a aguentar as adversidades que cada dia nos coloca. Cons-
cientes das dificuldades que nos esperam até atingirmos,
por exemplo, o curso universitário que queremos, se centrar-
mos a nossa atenção na concretização de um sonho, ou seja,
ao definirmos objetivos sólidos e alcançáveis, estaremos a
ganhar forças para realizar os nossos desejos, os nossos mais
profundos anseios.
Num outro patamar, o ativista político Martin Luther
King pronunciou, em 1963, em Washington, a frase “Eu tenho
um sonho” e lutou por ele, fazendo discursos, alertando ou
exigindo que aqueles que à época eram discriminados pas-
sassem a ser tratados com o respeito e a dignidade que
424

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