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Contexto histórico e cultural

Almeida Garrett
Almeida Garrett é o autor mais representativo do primeiro Romantismo
português. Teve uma educação clássica mas o seu envolvimento nas
convulsões políticas leva-o até Inglaterra, onde contacta com a literatura
romântica. São dele os primeiros textos desta corrente na literatura
portuguesa.

Poesia
Nas suas primeiras composições poéticas, Lírica de João Mínimo (1819) e o poema
Retrato de Vénus (1821), Garrett é ainda um árcade. Só com o exílio, em Inglaterra,
contacta com a literatura romântica e, no prefácio do poema Camões (1825),
proclama a sua independência face à poética neoclássica: «A índole deste
poema é absolutamente nova; e assim não tive exemplar a que me arrimasse,
nem norte que seguisse». São afirmações excessivas, pois, na realidade, a versifi-
cação e a própria linguagem revelam, ainda, a persistência da marca neoclássica.
A temática é, no entanto, inspirada no romantismo europeu: Camões, o génio
incompreendido, na sua busca do ideal, experimenta o destino adverso e a soli-
dão no meio da indiferença dos seus contemporâneos. É uma obra sem paralelo
no panorama literário nacional daquele tempo, assim como outro poema, de
ambiente medieval, editado no mesmo ano, D. Branca, em que se narra uma
história de amor entre uma infanta portuguesa e um rei mouro. Manifesta-se
pela primeira vez neste texto, através do aproveitamento do maravilhoso tirado
Almeida Garrett. das fábulas e das crenças populares, um profundo interesse do autor pela literatura popular.
Este interesse levará, mais tarde, à compilação dos três volumes do Romanceiro (1851).
Numa carta endereçada a Duarte Lessa, que serve de prefácio a um breve poema,
BIOGRAFIA
«Adozinda» (1828), reelaboração do romance tradicional «Silvaninha», Garrett lembra
como foi justamente o contacto com a literatura romântica que lhe despertou o gosto
Almeida Garrett
(1799-1854)
pela poesia popular experimentado na infância: «Tinha um prazer extremo de ouvir
João Baptista da Silva Leitão de
uma criada nossa […] recitar-nos meio cantadas, meio rezadas, estas xácaras e roman-
Almeida Garrett nasceu no Porto, ces populares de maravilhas e encantamentos, de lindas princesas e esforçados cava-
em 1799. Estudante de Direito leiros. Veio outra idade, outros pensamentos, ocupações […] tudo isto passou […].
na Universidade de Coimbra, alcança Lendo depois os poemas de Walter Scott […], as baladas alemãs de Burguer, as ingle-
notoriedade pública pela ousadia
com que defende as ideias liberais.
sas de Burns, comecei a pensar que aquelas rudes e antiquíssimas rapsódias nossas
Em 1823, perante o golpe de Estado continham um fundo de excelente e lindíssima poesia nacional e que deviam ser
que abolira a Constituição, exila-se aproveitadas».
em Inglaterra e, depois, em França.
Três anos mais tarde volta a Portugal,
Em 1853, Garrett publica Folhas caídas, livro que escandaliza a alta sociedade lisboeta,
mas, em 1828, quando D. Miguel sobe porque os leitores relacionaram os poemas de amor apaixonado com a ligação amo-
ao trono, emigra de novo, para rosa entre o autor e a viscondessa da Luz. A linguagem de tom coloquial e a simplici-
ingressar no exército liberal que dade de expressão, por vezes de sabor popular, fazem dessa obra lírica a mais signifi-
desembarca no Mindelo, em 1832.
Após a derrota dos miguelistas,
cativa e conseguida do primeiro Romantismo.
desempenha funções diplomáticas
e é nomeado inspetor-geral dos Prosa
Teatros. Com o advento do Cabralismo
é afastado da política, à qual volta, Garrett começou a escrever o romance histórico O arco de Sant’Ana durante o cerco
mais tarde, no período da do Porto, em 1832, mas a primeira parte só foi publicada em 1845, seguindo-se, seis
Regeneração: nomeado visconde anos mais tarde, a edição da segunda. A ação desenrola-se no século xiv: o Porto está
e par do Reino, é-lhe confiado o cargo
de ministro dos Negócios Estrangeiros.
sob o domínio despótico e licencioso de um bispo. Vasco, um jovem cavaleiro, chefia
Morre, com 55 anos, em 1854. o motim que põe cobro aos abusos do tirano, descobrindo ser ele o seu pai. No final,

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o rei D. Pedro condena ao exílio o bispo e o protagonista casa com a sua amada. O romance
de Garrett afasta-se do modelo dominante da ficção histórica portuguesa, quer por uma menor
preocupação em recriar com rigor arqueológico a época retratada, quer por ter escolhido
como matéria ficcional um episódio histórico com a finalidade de o atualizar e de o contrapor
à situação política da época, o Cabralismo.
A obra Viagens na minha terra, publicada como folhetim na Revista universal lisbonense, entre
1843 e 1845, e, mais tarde, editada em livro, parece ser pelas primeiras páginas o simples relato
de uma excursão a Santarém. À medida que a narração avança, porém, multiplicam-se as diva-
gações sobre vários assuntos, a situação política, a sociedade, a literatura, etc., num tom por
vezes jocoso, instituindo um franco diálogo com o leitor.
A visão de uma janela no vale de Santarém é o ponto de partida para uma novela sentimental,
a triste história da Joaninha dos olhos verdes, que ocupa grande parte da obra. A história, que
o autor prometera «simples e singela», revela-se, na verdade, melodramática e não desprovida
de «incidentes raros», e a personagem feminina, «ideal e espiritualíssima figura», não passa de
mais uma representação convencional da mulher-anjo, típica de muita ficção e poesia român-
ticas. Pelo contrário, na criação do protagonista, Carlos, personagem complexa, em perma-
nente conflito, por causa de contraditórios sentimentos e paixões, Garrett demonstra uma
penetrante análise psicológica deveras invulgar nas letras portuguesas do tempo. O aspeto
mais válido do romance reside na própria prosa, dúctil e aberta a múltiplos registos discursivos.
Garrett, de resto, tinha plena consciência da novidade que ela representava:
«As Viagens na minha terra são um daqueles livros que só podiam ser escritos por quem […]
possui todos os estilos e dominando uma língua de imenso poder, a costumou a servir-lhe e a
obedecer-lhe, por quem com a mesma facilidade sobe a orar na tribuna, entra no gabinete nas
graves discussões e demonstrações da ciência, voa às mais altas regiões da lírica, da epopeia e
da tragédia, lida com as fortes paixões do drama, e baixa às não menos difíceis trivialidades da
comédia.»

PARA SABER MAIS

A morte de Camões
A figura do poeta genial, perseguido pelos
contemporâneos que o não compreendem
e condenado a uma vida de solidão
e desterro, faz parte da galeria dos heróis
românticos. A vida de Camões, que encarna
este trágico destino, deu origem a poemas,
dramas, romances e obras plásticas.
Eis como Garrett retrata os últimos instantes
da sua vida:
«Fecha languidamente os olhos tristes.
Ansiado o nobre conde se aproxima
Do leito… Ai! Tarde vens, auxílio do homem.
Os olhos turvos para o céu levanta;
E já no arranco extremo: — “Pátria, ao menos
Juntos morremos…” e expirou coa pátria.»

Columbano Bordalo Pinheiro,


Últimos momentos de Camões.

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Contexto histórico e cultural
Prosa romântica
O romance histórico, em que se distingue Alexandre Herculano,
e a narrativa da actualidade, cujo autor mais significativo é Júlio Dinis,
são os géneros fundamentais da narrativa romântica.

O romance histórico
No princípio do século xix a prosa não gozava, em Portugal, do prestígio dado à poesia
ou ao teatro e continuava a ser cultivada nos moldes estilísticos e temáticos do Neo-
classicismo ou até do Barroco.
O contraste com outras literaturas, como a inglesa ou a francesa, era grande, pois nelas
assistira-se, no século anterior, a um notável florescimento da prosa, acompanhado
por uma extensa experimentação formal, o que levou à criação de subgéneros, como
o romance epistolar, filosófico, gótico, o novel, etc. Estas experiências, que desenvol-
veram várias técnicas de representação, preparam a plena consagração da narrativa no
século xix.
Em Portugal nada disso acontecera e, no começo do Romantismo, os escritores tive-
ram de criar ex novo uma linguagem adequada à escrita romanesca. Foi Alexandre
Herculano quem deu os primeiros e decisivos passos, ao publicar no jornal O panorama,
no fim da década de 1830, algumas ficções, sucessivamente recolhidas no volume
Lendas e narrativas (1851), que marcam o verdadeiro início da narrativa moderna.
Na senda das obras do escocês Walter Scott e do francês Victor Hugo, Herculano
Alexandre Herculano escreve romances, Eurico, o presbítero (1844), O monge de Cister (1848), que fixam o
(pormenor de um modelo da ficção histórica. Este passa a ser seguido por outros autores: Rebelo da Silva, Oliveira
painel de Columbano Marreca, Andrade Corvo e Coelho Lousada. Nestes textos faz-se uma reconstituição cuidadosa,
Bordalo Pinheiro na dir-se-ia mesmo arqueológica, do passado, com base numa segura erudição, que visa instruir
Sala dos Passos Perdidos
e educar o leitor.
na Assembleia da
República). Concebe-se o romance histórico como uma nova épica que deve guardar e transmitir os valo-
res que presidiram à fundação da nação. Um tom melodramático e até folhetinesco, também
usado pelo próprio Herculano, e o excesso de descritivismo acabaram por ditar o esqueci-
mento em que caiu depressa a maior parte dessa produção literária.

O romance da atualidade
PARA SABER MAIS
Na década de 1840, aparecem os primeiros romances de atualidade. Mendes Leal, mais
O folhetim conhecido como dramaturgo, publica Estátua de Nabuco (1846); António Lopes de
Com esta palavra indica-se uma Mendonça, que foi igualmente notável crítico, as Memórias de um doido (1849);
secção na imprensa periódica e D. João de Azevedo, O céptico (1849).
do século xix, geralmente no rodapé
da primeira página, dedicada É na obra de Júlio Dinis (1838-1871), Uma família inglesa (1868), A morgadinha dos cana-
à crónica ou à publicação viais (1868), que encontramos, no entanto, a melhor realização do romance da actuali-
de romances. Dado o género dade, apesar da visão elementar e harmoniosa da realidade que exprimem. A cuida-
de histórias publicadas, que, por
dosa construção dos enredos, a hábil descrição de paisagens e ambientes domésticos,
um lado, procuravam ir ao encontro
do gosto mais fácil do público e, a criação de personagens credíveis, do meio mercantil da cidade do Porto ou da bur-
por outro, viviam de mirabolantes guesia rural, e um estilo simples e sóbrio permitiram-lhe alcançar um êxito imediato
golpes de teatro e de suspense, que perdura no tempo.
para cativar o leitor, o termo acabou
por ganhar um valor depreciativo.

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LEITURA

A mulher-anjo
A mulher-anjo é a figura feminina dominante na ficção romântica. Eis como Júlio Dinis descreve
a protagonista do seu romance A morgadinha dos canaviais.
«Era uma mulher muito nova ainda. Uma graciosa figura de mulher, suave, elegante, distinta; um desses
tipos que insensivelmente desenha uma mão de artista, quando movida ao grado da livre fantasia;
a cor, essa cor inimitável, onde nunca dominam as rosas, mas que não é bem o desmaiado das pálidas,
encarnação surpreendente, a que ainda não ouvi dar o nome apropriado. Os cabelos em fartas tranças,
em ondas naturais, não de todo pretos, porém, mais distintos ainda dos louros; a estatura esbelta,
sem ser alta; o corpo flexível, sem ser lânguido, um vulto de fada, enfim, com a majestade a graça
que deviam ter estas criações da poesia popular, se fosse certo tomarem forma de virgens, para matar
de amores.
Não se concebe atenção tão distraída, que esta mulher não fixasse; olhos, que se não voltassem
para segui-la, depois de a ver passar; coração, que se não perturbasse na sua presença.
Trajava um singelo vestido de xadrez branco e preto, adornado no colo e punhos apenas por
colarinhos lisos. Descaía-lhe natural e elegantemente dos ombros
um xaile de casimira escura, sem lhe ocultar as belezas da airosa
conformação; o chapéu de palha, de largas abas, cobrindo-lhe
a cabeça, espelhava pelo rosto as meias-tintas, tão favoráveis
às belezas delicadas.»
Entre as raras representações da mulher que fogem a este padrão,
destaca-se a protagonista de um conto de Álvaro de Carvalhal.
«Vinte e três anos! Eram os anos de Florentina. O poema cifra-se
nisso. Robustecida, vigorosa e cheia de si largava, ouso assegurá-lo.
largava velas pandas ao desejo pelas auríferas e perfumadas
ondas de mundanismo. […] Florentina não era dessas donzelinhas
de baladas e dos romances, etéreas e impalpáveis, que se
alimentam com uma lágrima, que se confortam com um suspiro,
e que pouco mais duram do que essa lágrima ou esse suspiro.
Protuberantes seios, docemente arredondados; largas espáduas;
dilatados quadris; confluía nela, enfim, todo o luxo dos frutificantes
dons que fazia respeitada a virgem lacedemónia.»

Visconde de Meneses, Retrato


duma filha do visconde de Meneses.

O conto
No âmbito da narrativa breve, sobressai ao lado do conto rural, cultivado por Rodrigo Paganino
(1835-1863) nos Contos do tio Joaquim (1861), o conto fantástico. Este, numa primeira fase, apre-
senta-se como simples reelaboração de matéria folclórica, segundo o exemplo dado por Ale-
xandre Herculano na lenda «A Dama Pé de Cabra». Posteriormente, sob a influência das obras
do alemão Hoffmann e do norte-americano Edgar Allan Poe, tem como seus melhores intér-
pretes os autores seguintes: Álvaro do Carvalhal (Contos, 1868), Teófilo Braga (Contos
fantásticos, 1865) e Gomes Leal. Na obra do primeiro, manifesta-se o lado mais obscuro e
inquietante do ser humano através de uma linguagem singular repassada de ironia.

BIOGRAFIA

Alexandre Herculano
(1810-1877)
Poeta, romancista e historiador, nasceu em Lisboa em 1810. As suas ideias liberais tornam-no suspeito
ao regime miguelista, e, em 1831, emigra para Inglaterra. Em 1833, desembarca no Mindelo com as tropas
de D. Pedro e após o triunfo dos liberais regressa a Lisboa, onde dirige o jornal O panorama.
Em 1839 é nomeado bibliotecário-mor da Biblioteca da Ajuda, cargo que desempenha durante vinte anos,
dedicando-se à investigação da qual resultam os volumes da História de Portugal e a coleção
de documentos Portugaliae monumenta historica. Em 1859 muda-se para uma quinta em Vale de Lobos,
onde passa os últimos anos apartado da vida social e política.

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Contexto histórico e cultural
Camilo Castelo Branco
Singular pela sua carreira e pelo seu percurso biográfico, Camilo
é uma das figuras de destaque da literatura do século xix.

A obra
Camilo é o primeiro profissional das letras em Portugal. Durante 45 anos viveu dos direitos de
autor cedidos às editoras e da colaboração em jornais e revistas. Escreveu inúmeros artigos,
folhetins, novelas, poemas, peças teatrais, e também livros de erudição histórica, de memórias,
etc. A sua extraordinária versatilidade e riqueza de vocabulário permitiam-lhe, em qualquer
altura, abordar os assuntos mais variados e ficcionar o que quer que fosse, como ele próprio
orgulhosamente afirmou: «Eu posso escrever romances jesuítas, romances franciscanos,
romances carmelitas, romances jansenistas, romances despóticos, monárquico-representativos,
cabralistas e até romances generadores: o que eu quiser e para onde me der a veneta.»
A necessidade de honrar compromissos editoriais, a redação muitas vezes apressada e tam-
bém o público ao qual se destinavam as suas novelas, composto maioritariamente por mulheres
pertencentes à burguesia, explicam a desigualdade qualitativa das suas obras.
Na abundante produção novelesca, apresenta, porém, uma galeria de personagens bastante
limitada, constituída, quase invariavelmente, pelo morgado, pelo barão, pelo padre, pelo
«brasileiro», ou seja, o comerciante que fez fortuna no Brasil e regressou rico à sua terra, e por
algumas figuras populares. O autor privilegia como espaço cénico a província nortenha do
princípio do século xix.
Podem ser identificados alguns subgéneros na sua obra: o folhetim (Anátema, de 1850,
e Mistérios de Lisboa, de 1854), em que se sucedem os lances teatrais, melodramáticos, embora
não falte o distanciamento irónico e até a paródia; a novela histórica (O senhor dos paços de
Ninães, O santo da montanha, 1866); a novela de costumes; e, finalmente, a novela sentimental
e a novela humorística, em que o autor alcançou os resultados mais significativos da sua arte
narrativa.

BIOGRAFIA

Camilo Castelo Branco


(1825-1890)
Nasceu em Lisboa em 1825. Órfão de mãe aos 2 anos,
e de pai aos 10, é educado por uns parentes em
Trás-os-Montes. A partir de 1848, fixa residência no Porto,
onde inicia a sua atividade de jornalista e publica
as primeiras novelas. A relação amorosa com Ana Plácido,
uma mulher casada, leva-o, primeiro, a uma fuga e, depois,
à prisão e ao tribunal, onde foi absolvido da acusação
de adultério. Em 1864, Camilo e Ana Plácido mudam-se para
S. Miguel de Seide. Os últimos anos de vida são marcados por
dissabores familiares, a loucura do filho Jorge e a leviandade
do filho mais novo, assim como graves problemas de saúde.
Em 1890, já sem esperança de recuperar a vista, suicida-se
com um tiro de pistola.

Camilo Castelo Branco.

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A novela sentimental
A novela sentimental de Camilo configura-se como uma variação sobre temas constantes:
o amor contrariado, por distinção de classe, de riqueza, ou por rivalidade entre as famílias;
o amor não correspondido; o casamento forçado. O motor das histórias é o amor, entendido
romanticamente como uma paixão absoluta à qual as personagens sacrificam tudo, até ao
martírio e à morte.
Este sentimento avassalador, ao entrar em conflito com o mundo que rodeia as personagens,
desencadeia uma ação narrativa cujo desfecho, na maioria dos casos, é trágico. O pai tirano,
que quer impor à força a sua vontade, a jovem mulher, que se apaixona perdidamente, o herói,
que só obedece ao seu coração, e o rival, geralmente um fidalgo ou um brasileiro, que se
destaca pela mesquinhez e boçalidade dos seus intentos, são as figuras típicas destas novelas.
A obra-prima de Camilo, Amor de perdição, foi publicada em 1862, tendo sido escrita de jato em
15 dias, segundo testemunho do autor, quando se encontrava na prisão do Porto. A história
narra o amor contrariado entre Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, que o pai prometera
ao primo Baltazar Coutinho. Para afastar a filha do amante indesejado, Tadeu de Albuquerque
enclausura-a num convento. Simão mata o rival e é condenado ao degredo. Nas páginas finais
do livro, sucedem-se de forma rápida as mortes dos protagonistas: Teresa morre após ter visto
das grades da sua cela o barco que leva o amado para a Índia, Simão expira pouco depois, ao
sexto dia de viagem, e Mariana, a jovem que o assistira e que se apaixonara por ele, suicida-se
atirando-se ao mar.

A novela humorística
Enquanto na novela sentimental triunfa o idealismo, na novela humorística domina uma visão
materialista da vida, que vê nas ações humanas o reflexo dos apetites mais vulgares e do
desejo desmedido de supremacia social. O romantismo e o sentimentalismo dão lugar ao
sarcasmo, à sátira e à ironia que moldam algumas das mais brilhantes e memoráveis páginas
camilianas.
Em A queda de um anjo, de 1866, acompanhamos a transformação radical do protagonista,
Calisto Elói, morgado da Agra de Freimas, homem conservador e paladino dos valores tradi-
cionais, que, depois de ter sido eleito deputado, é totalmente conquistado pela vida moderna
de Lisboa. No desfecho, o protagonista, que descobrira o amor nos braços de Ifigénia, parte
para uma viagem no estrangeiro da qual regressa definitivamente convertido ao progresso das
capitais europeias e desgostoso com o atraso do País.

Língua e estilo
Não sendo propriamente um inovador, como fora antes Garrett e seria depois Eça de Queirós,
Camilo ocupa um lugar proeminente na história da prosa portuguesa pelo seu estilo incon-
fundível, que permanecerá como modelo ou referência para muitos prosadores posteriores.
No rico léxico camiliano — o autor privilegia o termo exato mais do que a adjetivação — Cartaz do filme
encontram lugar, ao lado de latinismos e arcaísmos, os termos populares e regionais. Na sintaxe Amor de perdição,
destacam-se os períodos complexos, herança da prosa do século xvii, que contrastam com a de Manoel de Oliveira
vivacidade e a naturalidade do diálogo. (Cinemateca Portuguesa).

LITERATURA E ARTE

Amor de perdição
A primeira adaptação cinematográfica de Amor de perdição data de 1921 e foi realizada por
Georges Pallu. Seguiu-se, em 1943, a de António Lopes Ribeiro; em 1979, Manoel de Oliveira, numa
experiência de «adaptação total», realizou um filme de 4 horas e 20 minutos, que marca a consagração
internacional do autor português. Recentemente surgiu uma nova versão assinada por
Mário Barroso (2008). A própria vida de Camilo já foi alvo de ficção. Na série «A Ferreirinha», escrita
por Francisco Moita Flores e emitida pela RTP em 2004, as personagens de Camilo e Ana Plácido
constituem um dos eixos da história.

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