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CAPÍTULO CXLVIII

Das tribulações que Lisboa padecia per míngua de


mantimentos
O tema da fome na “Crónica de D.
João I” – o cerco de Lisboa
Personagem principal: a população da cidade que sofre as consequências do cerco
castelhano.
Neste momento da “Crónica de D. João I”, encontramos um dos momentos mais pungentes
da ação.
Se observares o esquema apresentado no teu manual (p.93), verificas que a estrutura
(circular) apresentada está adequada ao tema (fome), visto que está em consonância com a
vivência de um tempo lento, que se arrasta. A população protagonista enfrenta dificuldades
que ultrapassam a sua capacidade de ação, resistindo e sofrendo.
Repara que o 4º momento registado nessa estrutura (o mais curto), cumpre o propósito,
precisamente, de constituir uma espécie de ressalva (introduzida pela conjunção adversativa
“Pero” - mas ), pois o capítulo não incide sobre a luta contra o invasor.
O tema da fome na “Crónica de D.
João I”
Na construção deste momento, temos a referência a atos de grande coragem (por exemplo,
o risco de fazer chegar o trigo, “rompendo“ o cerco) e atos de grande crueldade (como a
referência à expulsão da cidade dos menos capazes para a defesa, nomeadamente daqueles
que socialmente eram mais desconsiderados, como as “mancebas mundairas” e os “judeus”).
De uma forma geral, a população é atingida, sobretudo, pelo desespero e pelo medo.
Ao compor este quadro, o narrador oscila entre uma visão geral da população e a distinção
de diversos grupos (como se verifica nas referências a “homens e cachopos”, “as pessoas
grandes da cidade”, “os moços de três e quatro anos”, as “madres”, as “que tinham crianças
aos peitos”, os “filhos” e, globalmente, “toda a cidade”).
A situação de carência é transmitida através de imagens de grande realismo, entre estas
destacam-se as das linhas 42 a 45 (a imagem de homens e mulheres “esgravatando a terra é
impressionante), das linhas 60 a 62 (é tocante o sofrimento das mães que não podem
alimentar os filhos), ou das linhas 91 a 94.
Em conclusão, verificamos, por parte de Fernão Lopes, a compreensão da importância dos
fatores psicológicos nos fenómenos históricos.
O tema da fome na “Crónica de D.
João I”
Personagem Individual destacada: O Mestre.
Neste momento, o estratega, o líder, emerge novamente na sua
dimensão humana, com as fragilidades que contribuem para a
credibilidade/realismo da obra. Repara que o 6º momento (ll. 85 a 87) é
bastante curto e coloca em evidência a impossibilidade de encontrar
soluções por parte do Mestre, embora sofra em conjunto com o seu
povo (não passando, eventualmente, de boato a solução expressa no
8º momento – ll. 98-103).
Esta constatação justifica o facto de se assinalar a população
(personagem coletiva) como protagonista do episódio.
Repercussões do cerco na vida da
cidade de Lisboa
De acordo com os aspetos verificados e a estruturação do episódio, podemos
destacar as seguintes consequências do cerco:

Consequências económicas • Falta de produtos alimentares (sobretudo trigo);


do cerco de Lisboa • Inflação (produtos demasiado caros).

• Aumento de doenças devido ao mau regime alimentar;


Consequências sociais • Subnutrição e consequências na saúde da população;
do cerco de Lisboa • Pobreza e mendicância;
• Aumento da taxa de mortalidade.

• Ambiente geral de tristeza e desespero;


• Discussões;
Consequências
• Desejo de morte;
psicológicas
• O sofrimento quotidiano não impede que a população
do cerco de Lisboa
se lance ao combate quando isso é necessário.
Repercussões do cerco na vida da
cidade de Lisboa
Vamos comparar as diferentes reações dos intervenientes…
- Postura da população face às dificuldades:
Postura introvertida: Postura dirigida para o exterior:
as pessoas choram sozinhas os habitantes dialogam e queixam-se
e lamentam-se; por saberem que sofrem pelo facto de
preferem a morte à desgraça quotidiana. não se renderem aos castelhanos.

- Reação do Mestre de Avis às circunstâncias em que a cidade se encontra:


Primeira referência: Segunda referência:
comoção com o sofrimento da população preocupação com a população
(o Mestre como um ser sensível (não se confirma o rumor de expulsar
e humano). de Lisboa quem já não tivesse pão).
A postura do narrador e o tom do
episódio
Mais uma vez, numa técnica semelhante à do cinema ou da reportagem, o narrador
percorre os espaços, detendo-se em figuras individuais ou em grupos, facto bastante
evidente na descrição do sofrimento do povo de Lisboa. Em colaboração com uma
linguagem vívida, alternando registos, recorrendo por vezes a marcas de oralidade, é
construída uma ação dinâmica retratada pelo uso seletivo e criterioso de verbos que
muitas vezes apelam às sensações, compondo descrições pautadas por um forte apelo
visual.
Com o recurso a todas estas técnicas, manifesta-se um estilo expressivo que,
particularmente neste episódio, põe em destaque pormenores patéticos (ou seja , de
sofrimento) da situação descrita.
A postura do narrador e o tom do
episódio
No último parágrafo, a forma verbal “esguardai” e o uso da apóstrofe evidenciam a
estratégia característica de Fernão Lopes no que concerne à implicação do leitor no próprio
relato. Neste passo, em particular, o narrador pede ao leitor que testemunhe a situação
descrita e, indiretamente, que o leitor se ponha no lugar dos portugueses de então.
Contudo, se a postura de envolvimento/solidarização com as personagens e os factos
relatados parecem imprimir subjetividade à narração, há uma abundância de dados
concretos e comprováveis , uma pormenorização criteriosa e cuidada, bem como uma
afirmação de aspetos/atitudes reprováveis (por parte dos portugueses) que sustentam o
realismo e a imparcialidade da narração.
Refira-se, não obstante, que diversos recursos expressivos, como a comparação, a
interrogação retórica , a metáfora, a exclamação e a inclusão da citação, aprofundam a
empatia do leitor e contribuem para o tom patético, anteriormente referido, do episódio.

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