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Contextualização:

. Articulação entre objetividade e subjetividade:


- Objetividade presente no rigor da pormenorização
- Subjetividade presente na apreciação crítica e emotiva dos factos relatados (exs.:
interrogação retórica, frase exclamativa).
. Coloquialismo:
- Interpelação do interlocutor (narratário), recorrendo à 2.ª pessoa do plural e à
apóstrofe;
. Visualismo e dinamismo:
- Articulação entre planos gerais (focalização da cidade e dos atores coletivos a que
nela intervêm) e planos de pormenor (incidência em grupos de personagens e / ou em
situações particulares);
- Recriação dos acontecimentos de forma dinâmica;
- Emprego de recursos expressivos que conferem visualismo ao relato: comparação,
personificação, enumeração, hipérbole.
.Sensorialismo:
- Presença de sensações nas descrições, visualidade e oralidade

Fernão Lopes, Crónica de D. João I

1. Afirmação da consciência coletiva:


A crónica de D. João I constitui uma afirmação da consciência coletiva, no sentido em
que o verdadeiro herói que povoa na obra não é um herói individual como habitual
(não é um cavaleiro, um nobre…) mas sim um herói coletivo – o POVO. Fernão Lopes
mostram-nos com imenso realismo, vivacidade, pormenor descritivo e emotividade o
povo que se revolta, que irrompe as ruas de Lisboa à procura do Mestre, que
defende a cidade contra os castelhanos, que passa fome e privações por causa do
cerco.
A voz do povo, o sentir dos homens e das mulheres, dos mesteirais, dos homens-
bons, é muitas vezes transmitida através de uma voz anonima e da multidão.
O povo manifesta o seu patriotismo e o seu apoio ao Mestre. O povo é o verdadeiro
herói da revolução e da crónica de Fernão Lopes.
A ideia de ser português está enraizada na «arraia-miúda», isto é, o povo; porém,
dela comungam também a burguesia e a nobreza que se mantém fiel à causa
patriótica. De facto, o povo ganha a consciência coletiva de que tem um papel mais
ativo e quer participar na vida política do reino e na condução dos destinos da nação:
intervém para «salvar» o Mestre, mobiliza-se para enfrentar os castelhanos e quer
decidir quem será o próximo rei de Portugal

2. Atores individuais e coletivos:


▪ Atores coletivos: as gentes de Lisboa, quer como uma massa, uma coletividade, quer
como grupos sociais (Ex: lavradores, homens-bons, as mulheres).
▪ Atores individuais:

✓ Mestre de Avis- É um homem receoso, no seguimento do assassinato do conde


Andeiro. Apesar destes defeitos – que o tornam uma personagem profundamente

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realista –, D.João I mostra também ser capaz de atos espontâneos de solidariedade, o
que o converte numa figura cativante. Líder “desfeito”, mas também solidário com a
população, durante o cerco de Lisboa.

✓ Álvaro Pais- o burguês que espalha pelas ruas de Lisboa que estão a matar o
Mestre, influenciando o povo a correr a seu auxílio.

✓ D. Leonor Teles- a mulher que gera ódio na população e é apelidada de “aleivosa”


(traidora)

❖ Capítulo 115:
• Ao saberem da vinda do rei de castelo, o mestre e os habitantes de Lisboa começam
a recolher mantimentos e muitos vão buscar gado morto para alimentação.
• As populações movimentam-se: muitos lavradores deslocam-se para ao pé
das mulheres e dos filhos com tudo o que têm para dentro da cidade; outros vão para
Setúbal e Palmela; outros ficam em Lisboa e há quem permaneça em terras que
apoiam os Castela.
• Começa-se por preparar a defesa da cidade: primeiro pensa-se na defesa a nível das
muralhas e das torres, tarefa que o mestre dá aos fidalgos e cidadãos honrados, que
contam com a ajuda de homens de armas. O mestre mostra preocupação em defender
a cidade. As gentes estão em alerta e são cuidadosos.
• Depois, analisa-se a defesa das portas da cidade: quem vigia as várias portas e que
cuidados devem ter.
• Depois, na ribeira foram construídas estacas para impedir e dificultar a passagem
dos castelhanos.
• Ainda sobre a defesa, há uma construção de um muro à volta das muralhas da
cidade que com a ajuda das mulheres sem medo, apanham pedras pelas
herdades e cantam cantigas a louvar Lisboa.
• O narrador salienta a coragem e a determinação dos portugueses que defendem a
cidade ao mesmo tempo que construem uma muralha, comparando-os com os filhos
de Israel.
• Todos pensavam em sintonia, num bem maior, o que leva o cronista a
concluir o capítulo num tom elogioso. No final, Fernão Lopes, menciona a
superioridade do rei de Castela apenas para elogiar o povo português que defendeu a
cidade de Lisboa perante um adversário feroz.

Tópico de análise:

• O leitor começa, neste capitulo por presenciar:


→a descrição da cidade de Lisboa (quando o rei de Castela a cerca);
→a preparação da defesa da cidade pelo Mestre de Avis com a ajuda da população;
→o esforço, a valentia, a determinação que a gente de Lisboa mostrava.
• O cronista passa a relatar o que foi feito em relação aos mantimentos, mostrando
depois a sua preocupação por defender a cidade.
• A informação sobre a defesa da cidade é bastante detalhada: fala-se dos muros,
depois das torres, chegando-se por fim às portas da cidade (há referencia por exemplo
do numero de portas/ torres... e há termos associadas a “guerra”).
• A cantiga ilustra bem a solidariedade, o espirito de entreajuda, de patriotismo e de
orgulho que reinava entre as gentes. Esta atitude é várias vezes elogiada pelo
narrador . Há, assim, uma afirmação da consciência coletiva das gentes contra o
inimigo pela defesa da cidade.
• O mestre (ator individual) também recebe elogios pelo seu comportamento digno de
louvor, que merece uma caracterização favorável destacando a sua determinação bem
como todo o apoio dado ao povo.

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Linguagem e estilo:

• Registo coloquial- evidente nos apelos ao leitor e no uso da 2ª pessoa do plural


(vós); a transcrição da cantiga, ao reproduzir uma linguagem popular e cheia de
insinuações.
• Descrição viva e dinâmica - os preparativos da defesa são descritos minuciosamente
recorrendo a pormenores, a vocabulário técnico e a recursos expressivos, como a
enumeração e a adjetivação.

❖ Capítulo 148:
• A cidade está cercada e os mantimentos começaram a falhar, por causa da
quantidade de pessoas dentro das muralhas, o que leva a quem vá procurar comida
fora do cerco correndo perigo.
• As esmolas escasseiam e não há como socorrer os pobres. Começa se a
estabelecer quem deve ser colocado fora da cerca: as pessoas miseráveis, os que não
combatem, as prostitutas, os judeus... inicialmente os castelhanos recolhiam todos,
mas após verem que tal ato se devia à fome, recusaram.
• Na cidade há carência de todos os elementos (milho, vinho, trigo). O preço
dos produtos é elevado e por isso os hábitos alimentares alteraram-se, levando
pessoas a beberem água até à morte ou mesmo procurar apenas grãos de trigo na
terra. A carne e os ovos são outros alimentos caros e escassos.
• A criança não tem que comer e pedem pela cidade, mães já não têm leite para os
filhos e veem-nos morrer. A cidade está agora num ambiente de tristeza, de
pesar e de morte. As pessoas rezam. Circula um rumor de que o mestre vai expulsar
todos os que não tem comida, mas esse rumor é depois desmentido.
• O capítulo termina com um forte apelo ao leitor, representante da “geração que
depois vem”, que não teve de enfrentar os sofrimentos descritos anteriormente.

Tópico de análise:
• Mais uma vez, o capitulo começa com uma interpelação ao leitor através da qual
estabelece uma ponte com o capitulo anterior e se transmite uma ideia de
continuidade e de ligação ao centro da narrativa, o cerco.
• O protagonismo do capitulo é dado às gentes de lisboa (ator coletivo), que vivem
momentos atrozes por causa da fome que assola a cidade, devido ao grande numero
de pessoas que nela se acolheram
• Num estilo vivo e emotivo, o cronista narra e descreve pormenorizadamente, o
sofrimento da população: a procura arriscada de trigo, à noite e em barcos; a falta de
esmolas para socorrer os pobres; a expulsão de todos aqueles que não podiam
combater, bem como os judeus e das prostitutas; a recusa dos castelhanos ao
recolhimento dos que foram expulsos do cerco; a procura desesperada de algo para
comer ou beber. O sofrimento é evidenciado através de pormenores como o preço alto
dos alimentos.
• Perante este cenário, o narrador mostra-se solidário e pretende sensibilizar os
leitores. Por isso, dirige-lhes, repetidamente, perguntas retóricas carregadas de
intensidade.
• O mestre de Avis (ator individual) aparece-nos neste capitulo como o chefe que tem
de tomar decisões, algumas difíceis até, a bem da comunidade como a expulsão dos
inaptos. Por outro, mostra se solidário com as suas gentes.

Linguagem e estilo

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• Rigor do pormenor- descrição detalhada e minuciosa dos que saiam à noite de barco
e iam buscar trigo; informação precisa sobre o preço de alguns alimentos como o trigo,
o milho, o vinho, a carne- recurso à enumeração.
• Conjunção de planos – por um lado, é-nos dado um plano geral da cidade; por outro,
são-nos apresentados planos de pormenor.
• Coloquialismo – muito evidente nas interrogações retóricas e no uso do imperativo.

▪ Capítulo 148:
− Os mantimentos existentes na cidade gastam-se cada vez mais depressa,
tornando-se escassos, devido ao facto de o número de habitantes da cidade
aumentar cada vez mais, porque a ela se recolheu muita gente (lá estavam os
habitantes de Lisboa, pessoas que vieram dos arredores, famílias inteiras e os
que vieram numa frota do Porto para socorrer a capital).
− Tentativas de superar a situação:
- Procura de trigo do ribatejo:
Motivos: cerco à cidade, muita população, falta de alimento
Resultados: oposição castelhana, pouco trigo
Durante a noite, os sitiados embarcam em batéis e vão buscar trigo ao
Ribatejo para abastecer a cidade, correndo enorme perigo, pois são atacados
pelos castelhanos. Esta recolha de mantimentos obedece, aparentemente, a
um plano prévio, dado que parece existir uma partilha de tarefas e funções
distribuídas: há aqueles que vão recolher mantimentos que já estavam prontos
(“… ali carregavom de trigo que já achavom prestes, per recados que ante
mandavom…”), através do Rio Tejo; há sinais combinados para alertar para os
perigos, nomeadamente os decorrentes da presença dos castelhanos, etc.: “ali
carregavom”; “Os que esperavam…”; “… repicavom logo por lhe acorrerem.”;
“… aguardando quando veesse, e os que velavom, se viiam as galees remar
contra lá, repicavom logo por lhe acorrerem…”.
Apenas uma vez os galés foram tomadas, graças à denúncia de um
“homem natural d’Almadãa”, cujo castigo pela traição foi terrível: “el foi depois
tomado e preso e arrastado, e decepado e enforcado.” (enumeração,
polissíndeto e gradação).

-Expulsão da cidade de gente incapaz, fraca e pobre:


Consequências da fome: ausência de esmolas para pobres
Motivos: não podiam lutar ou defender, consumiam os mantimentos aos
defensores
Inicialmente, os castelhanos recebem bem as pessoas expulsas da
cidade, mas, quando percebem que Lisboa beneficia com isso, dado que
haveria menos pessoas para alimentar, mandam-nas regressar.
Todos os que se recusassem a partir seriam açoitados e obrigados a
retornar para a cidade. O seu desespero é total, pois certamente não seriam
acolhidos de volta, nomeadamente aqueles que tinham saído voluntariamente,
já que preferiam ser prisioneiros dos castelhanos do que morrer à fome.

− Fome da população: carência de pão e carne


.Valor alto devido à sua escassez
.Missas e preces
.Há mortes pela ingestão de determinados alimentos e água e pela fome

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− Resistência da população:
. o patriotismo e a solidariedade da população – apesar da situação extrema de
penúria e de desespero, do ambiente de tristeza e de conflitos ocasionais
banais, sempre que os sinos repicam, todos se aprestam para enfrentar o
inimigo castelhano; por outro lado, consolam-se uns aos outros naquele
momento de infortúnio.
.De facto, apesar de famintos e extenuados, são solidários uns com os outros e
corajosos contra os castelhanos, continuando a manifestar uma identidade
coletiva que os une num propósito comum: “Toda a cidade era dada a nojo”
(isto é, toda a cidade sofria, tanto os pobres como os ricos – “grandes pessoas
da cidade”). : AFIRMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA COLETIVA. (sente e age como
um só)
− Incapacidade de o mestre resolver a situação:
.O mestre, sabendo que nada pode fazer, sentem-se imponentes e ignoram os
lamentos do povo
.Neste passo, aparentemente Fernão Lopes critica a ação de D. João e do seu
Conselho, dado que “çarravom suas orelhas do rumor do poboo”, parecendo
assim o cronista cumprir a imparcialidade e a neutralidade.
.O Mestre e os do seu Conselho fecham os ouvidos "ao rumor do poboo", não
por indiferença ou hostilidade, mas porque lhes eram dolorosas "douvir taaes
novas (...) a que acorrer nom podiam";

− Tentativa de superar a fome:


. corre o boato de que o Mestre irá expulsar da cidade todos os que não
tenham alimentos, o que intensifica o desespero das pessoas, transformado
em alívio ao saberem que tal não é verdade.
− Conclusão:
. desabafo comovente de Fernão Lopes: congratula os que viverão no futuro,
porque não passarão pelos sofrimentos que lisboa teve de passar durante o cerco.
O capítulo termina com um forte apelo ao leitor, representante da “geração que
depois vem”, que não teve de enfrentar os sofrimentos descritos anteriormente.

− Povo de Lisboa:

.Sente e age como um só


.Determinada, solidária (ajuda os outros), esperançosos, resistentes, carentes
(?)
- disponibilidade total, "quando repicavom os sinos";
- coragem: a procura empenhada de alimentos (as idas de homens ao Ribatejo
e a sua defesa por parte dos que esperavam), colocando a vida em risco
- defesa corajosa da cidade, ultrapassando a fraqueza humana e revelando um
esforço sobrenatural;
- luta pela sobrevivência, procurando comida de forma degradante e bebendo
água até à morte e pedindo esmola pela cidade;
- crueldade: a punição do traidor;
- pedido de ajuda a Deus, face à situação de desespero reinante;
- população unida, solidária na desgraça, consciente no risco, sofre no presente
e receia o futuro, mas não desiste de lutar e tenciona resistir até ao fim;

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− Mestre de Avis:
.Governante responsável
Solidário
Sofre e resiste com o povo

NOTA: as sensações auditivas têm grande relevância na descrição, pois é


através delas que o narrador exprime a noção do perigo: os sinos repicam, tocam
a rebate, alertando a população, que acorre rapidamente onde é necessário
quando os ouve;

VER COMPARACÃO NO FINAL DO CAPÍTULO. (do teste)- A comparação


aproxima a tentativa de alivio psicológico do povo através do diálogo com quem
partilhava o seu sofrimento do ato de tentar abrandar uma dor física através da
pressão ou do mero toque da mão.

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