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Temas dos

«Episódios da vida romântica» (adaptado)

Pierre-Auguste Renoir, O moinho de la Galette (1876).


A representação de espaços sociais
e a crítica de costumes
Os Maias dão-nos uma visão caricatural da sociedade portuguesa do
século XIX. Fazendo uma crónica dos costumes da época, Eça traça um
retrato vivo e dramático da Lisboa da época da Regeneração, permitindo-
nos observar características ainda hoje visíveis e passíveis de serem,
igualmente, criticadas/caricaturadas, se compararmos a cidade de outrora
com os mesmos ambientes sociais atuais.
Retratando a alta sociedade lisboeta, Eça serve-se de determinados
tipos de personagens (desvalorizando a personagem individual) para
apresentar os vícios, a postura e a mentalidade das últimas décadas do
século XIX.
Descrevendo de forma pormenorizada, fazendo uso da ironia e da sátira
mordaz, atribuindo trejeitos ou particularidades físicas às personagens
sempre que estas interferem na ação, Eça consegue recriar ambientes que
dão vida à crónica de costumes dos Episódios da Vida Romântica.
I. O jantar no Hotel Central (Capítulo VI).

II. Corridas no Hipódromo de Belém (Capítulo X).

III.O jantar dos Gouvarinho (Capítulo XII).

III. A corneta do Diabo e A tarde (Capítulo XV).

IV. Sarau literário no Teatro da Trindade (Capítulo XVI).

V. O passeio final (Capítulo XVIII).


I. O jantar no Hotel Central
(Capítulo VI)
• O episódio retrata o primeiro contacto social de
Carlos com a sociedade lisboeta.
• É um jantar de homenagem a Cohen, banqueiro da
alta finança, organizado por Ega, o amante de Raquel
Cohen. As conversas entre as diferentes personagens
presentes no jantar abordam temas fundamentais da
vida política e cultural lisboeta: a literatura e a crítica
literária (Ultrarromantismo versus Realismo), o mau
estado das finanças do país, assim como a decadência
em que o país se encontrava, permitindo a denúncia
da mentalidade retrógrada deste grupo social.
Apresentação de diferentes
conceções sobre a arte e a literatura

• p. 160 - “- Que grande Cena, Alencar… a rever o


passado”.
• p. 162 - “Falou-se logo do crime da Mouraria … Não
discutamos o excremento ”.
I. O jantar no Hotel Central (Capítulo
VI)
• Propósito do jantar: Ega pretende adular Cohen, para poder estar
mais perto da mulher deste, Raquel.

Apresentação de diferentes
conceções sobre a arte e a literatura

Conceção naturalista/realista Conceção ultrarromântica Conceção


(Ega) (Alencar) de Carlos e Craft
A realidade deve ser apresentada A literatura não deve tratar A arte é sempre
como é, sem idealização. assuntos obscenos. idealização e deve

A arte deve aspirar à A literatura realista mostrar uma humanidade


cientificidade. é o «excremento». «aperfeiçoada».
Diagnóstico da situação do País
(economia e política)
• pp. 165 - 166 - “- Então, Cohen, diga-nos você…há
saber”.
• pp. 166 - 171 - “E lembrando-se que algumas
dessas bestas…o jantar terminara alegremente”.
I. O jantar no Hotel Central (Capítulo VI)

• Diagnóstico da situação do País (economia e política).

Economia Política
«Carlos não
O País produz pouco Irresponsabilidade entendia de finanças:
e não gera riqueza suficiente. e despreocupação mas parecia-lhe que,
desse modo, o país
O Estado só pode das classes
ia alegremente
aumentar impostos. dirigentes.
e lindamente para
O Estado está endividado, e o Falta de empenho a bancarrota.»

País caminha para a bancarrota. e de propostas. (Capítulo VI)


Intencionalidade crítica
• Perspetivar a opinião e a visão das classes
dominantes sobre temas da atualidade:
• A literatura e, por extensão, a crítica literária;
• O confronto entre as ideias do ultrarromantismo e
as do Naturalismo;
• A má situação financeira do país, mas que não
causa inquietação.
Columbano Bordalo Pinheiro, O Grupo do Leão (1885).
II. Corridas no Hipódromo de Belém (Capítulo x)

• O episódio está ao serviço da crítica à sociedade portuguesa


e à sua tendência para imitar tudo quanto é estrangeiro.
Numa perspetiva muito crítica, Eça evidencia o
provincianismo português e o seu desejo de cosmopolitismo.
Carlos assiste a este evento com o objetivo de rever Maria
Eduarda.
• O cenário é descrito como desajustado e vê-se nele desfilar
a alta sociedade lisboeta, e mesmo o rei, todos evidenciando
desajuste relativamente a acontecimentos daquela natureza.
Neste momento, Dâmaso Salcede é a personagem mais
criticada, sendo destacados todos os seus vícios.
• Pretende-se proporcionar um momento de lazer e de
distração junto da elite lisboeta.
Os resultados das corridas são desastrosos e verificam-
se a vários níveis.
• desinteresse generalizado e clima humano sem motivação nem
vitalidade:
- p. 308 – “O marquês arrastara…mas as corridas tinham outro
chique”.
- pp. 312-313 – “Era um dia já quente…melancolia e de mal-estar”.
• espaço inadequado – a entrada, as tribunas, a falta de balcão de
apostas e o bufete:
- pp. 313 - 315 – “À entrada…pulverização fina de luz”.
• comportamentos desajustados das senhoras e dos concorrentes:
- p. 316 – “- Vamos nós ver as mulheres…lama nas saias”.
- p. 318 – “- E este hino…de rabona”.
- p. 321 – “ O bufete…sem uma flor”.
• o ridículo das roupas: no meio de toda esta mediocridade,
destacam-se Carlos e Craft pelo seu à vontade e pela sua
familiaridade com este tipo de acontecimentos sociais.
Também Dâmaso, o novo rico endinheirado, ávido de copiar
Carlos, se destaca, mas pela negativa, “pelo seu podre de
chique” bem representado pela indumentária escolhida:
sobrecasaca branca e véu azul no chapéu. Denota-se a falta
de desportivismo dos participantes nas corridas, a ignorância
do público relativamente ao início das várias corridas ou a
apatia do ritual das apostas:
- p. 323 – “Enquanto a si estava contente…rebentava”.
- pp. 324- 326 – “ Craft sorria…aí está o que é”.
- pp. 332 - 333 – “ Então todo o rumor…substância preciosa”.
- pp. 334-338 – “ Agora começava a divertir-se…Então até já”.
II. Corridas no Hipódromo de Belém (Capítulo X)

• Artificialismo e incapacidade organização. Pretende-se reunir a


sociedade, a elite política e intelectual.

Imitação de um evento desportivo britânico

Os participantes O espaço
Os portugueses não conseguem
Num grande silêncio Tribuna real forrada como organizar devidamente um
e numa «pasmaceira uma mesa de repartição.
acontecimento importante
tristonha», com Tribunas que se
roupa inadequada assemelham a palanques
para a ocasião. de arraial. Requinte e elegância
Os jóqueis não têm Uma tribuna por pintar, artificiais
desportivismo. mostrando as fendas.
Intencionalidade crítica
• Mostrar a necessidade de imitar os estrangeiros
(franceses e ingleses) e os seus comportamentos;
• Criticar a mentalidade e os comportamentos da alta
sociedade lisboeta que evidencia uma contradição
entre o “ser” e o “parecer”.
Fotogramas do filme Os Maias, realizado
por João Botelho, em 2014, com produção da Ar de Filmes.
O jantar dos Gouvarinho (Capítulo XII).
• O jantar do Conde de Gouvarinho foi oferecido a Carlos,
propiciando a reunião de diferentes elementos da alta
burguesia e da aristocracia portuguesa.
• Neste jantar, os temas discutidos são, novamente,
denunciadores do estado intelectual decadente do país,
bem como da inequívoca falta de valores sociais: a
educação das mulheres, a falta de cultura e de
inteligência de personagens como Sousa Neto, ligado ao
poder político, e do próprio conde de Gouvarinho, que
aparece associado a comentários que denotam a sua
pouca cultura e incompetência política.
• Pretende-se reunir a sociedade pensante, a elite política
e intelectual.
A conversa, durante o jantar, toca múltiplos assuntos.
• a “estreiteza” de pontos de vista do Conde de Gouvarinho:
- p. 388 – “A condessa…tanta relaxação...”.
- p. 390 – “País de grande prosperidade…excessivamente instruído”.
- p. 391 – “- Está claro…Não lhe parece, Maia?”.
• a opinião desajustada sobre as mulheres e a ignorância e a falta de
inteligência de Sousa Neto - diálogo com Ega sobre as supostas teorias de
Proudhon sobre o amor e sobre a literatura em Inglaterra. Além disso, refere-
se a incompetência dos políticos (o conde de Gouvarinho já tinha passado
por vários ministérios; Sousa Neto era oficial superior da Instituição Pública,
mas nunca tinha ouvido falar de Proudhon e punha em causa a existência de
“literatura amena” em Inglaterra).
- p. 393 – “- Talento robusto…Teresa?”.
- p. 394 – “- Ah! – gritou de repente o conde…era isto”.
- pp. 397-402 – “E de repente…Da Instrução Pública!”.
Intencionalidade Crítica
• Caricaturar a lata burguesia e a aristocracia (Sousa
Neto representa a alta administração pública e
Gouvarinho os políticos – ambos se revelam
ignorantes e néscios).
• Evidenciar a falta de reflexão, o caráter
conservador, racista e machista das opiniões sobre
determinados assuntos, como a educação da
mulher e o desenvolvimento dos povos africanos.
III. A corneta do Diabo e A tarde
(Capítulo xv).
• Os episódios da “Corneta do Diabo” e da redação do
jornal “A Tarde” são situações que denunciam um
jornalismo corrupto, parcial, comprometido com
apadrinhamentos políticos. A mediocridade ressalta
quando se constata que os artigos publicados versam,
essencialmente, assuntos sensacionalistas e
degradantes da sociedade portuguesa.
• Pretende-se denunciar a falta de isenção da imprensa
ao permitir a publicação de insultos, acusações e
“justificações” entre Dâmaso e Carlos da Maia.
“A Corneta do Diabo”
• Destaca-se o jornalismo corrupto e desprovido de ética - os jornalistas deixavam-
se corromper, motivados por interesses económicos (é o caso de Palma Cavalão,
do Jornal A Corneta do Diabo);
• A apetência pelos assuntos “escabrosos” e o sensacionalismo jornalístico: Carlos
dirige-se, com Ega, a este jornal, que publicara uma carta, escrita por Dâmaso
Salcede, insultando e expondo, em termos degradantes, a sua relação amorosa
com Maria Eduarda. Palma Cavalão revela o nome do autor da carta e mostra aos
dois amigos o original, escrito pela letra de Dâmaso Salcede, a troco de “cem mil
réis”:
- pp. 530 - 534 – “Inquieto Carlos…tanta incerteza e tanto tormento”.
- pp. 538-539 – “- Mas então, Dâmaso…pálido e parando”.
- p. 540 – “- Vamos ao ponto essencial… «Corneta»?”
- pp. 541-542 – “Palma, com a cabeça baixa…está aí a arrefecer!”.
- p. 544 – “Carlos já esboçara…contava com Ega”.
- p. 556 – “- Assim nunca acabamos, Dâmaso…mão aos sapatos”.
III. A corneta do Diabo e A tarde (Capítulo XV)

• Corrupção, sensacionalismo e parcialidade no jornalismo.

A corneta do Diabo
 Homem sem carácter,
hipócrita e bajulador
Dirigido por Palma «Cavalão»,
publica um artigo em que
Crítica ao jornalismo de má qualidade
Carlos e Maria Eduarda
e de pendor sensacionalista, que
são difamados
se dedica a assuntos mesquinhos,
como a divulgação de mexericos
Artigo encomendado
e a difamação de figuras da sociedade
por Dâmaso
“A Tarde”
• Os jornais evidenciavam uma parcialidade comprometedora,
originada por motivos políticos (é o caso de Neves, diretor do
Jornal A Tarde);
• Os compadrios políticos: Neves, o diretor do jornal A Tarde,
acede a publicar a carta em que Dâmaso Salcede se confessa
embriagado quando a redigiu, mencionando a relação de
Carlos e de Maria Eduarda; Neves publica a carta ao concluir
que, afinal, não se tratava do seu amigo político Dâmaso
Guedes, o que o teria levado a rejeitar essa divulgação.
- pp. 571-573 – “Ao ver o Ega…d’«A Tarde»”.
- pp. 575-580 – “- Nada!…publicação da carta”.
- p. 581 – “Mas dias depois…amáveis palavras”.
III. A corneta do Diabo e A tarde (Capítulo XV)

• Corrupção, sensacionalismo e parcialidade no jornalismo.

A tarde

Dirigido pelo deputado Neves

Representa
o jornalismo tendencioso
e parcial
Intencionalidade crítica

No caso da Corneta do Diabo:


• Jornalismo sensacionalista; bisbilhotice, corrupção
(o Palma deixa-se subornar para publicar e deixa-se
corromper para suspender a venda dos jornais).
No caso da d’A Tarde:
• “politiquice” jornalística, ausência de ética e
proteção dos correligionários.
IV. Sarau literário no Teatro da Trindade
(Capítulo XVI).
• O sarau literário do Teatro da Trindade permite constatar o
problema cultural da sociedade portuguesa, a sua
superficialidade, bem como a sua ligação à retórica fácil e de
sentimentalismo excessivo, marcada pelo Ultrarromantismo,
movimento aqui representado pelo poeta Alencar.
• O desinteresse manifestado pela música de Cruges é
evidente e reflete a insensibilidade cultural da suposta elite
nacional. É neste cenário humano e social que gira a
personagem central de Carlos da Maia, sendo ele que
evidencia a falta de espírito crítico, a decadência e a
degradação da sociedade portuguesa, bem como a sua
apatia e incapacidade de reação.
• Ajudar as vítimas das cheias do Ribatejo.
• O Sarau revela o apreço e a admiração pela verborreia oca e
inqualificável do Rufino e a ausência da família real num
espetáculo de beneficência;
- p. 586 – “Pararam à porta do Teatro…atrás das costas”.
- pp. 587-588– “No entanto…O renascimento da fé”.
- pp. 588-589 – “Mas ambos se voltaram…«Muito bem muito
bem…»”.
• a total falta de sensibilidade estética para apreciar o verdadeiro
talento, encarnado por Cruges;
- pp. 596-597 – “- Um amigo meu…debandada”.
- p. 604 – “Depois, muito sério… bocado do infinito!”
• a lágrima fácil, “a paixão meridional do verso, da sonoridade, do
liberalismo romântico” exacerbados pelos versos de Alencar.
- p. 510 – “Palmas mais numerosas…República”.
- p. 512 – “As rosas…todo de emoção”.
IV. Sarau literário no Teatro da Trindade (Capítulo XVI)

• Crítica ao discurso vazio e retoricamente exuberante.

Rufino: Reação do público:


discurso impressionado,
inflamado entusiasmado
e teatral e comovido

Crítica à alta sociedade lisboeta:

falta de sentido crítico; pouco instruída


e fútil; profundamente inculta (refere-se à Sonata
Jean-François Raffaëlli, Georges Clemenceau
patética, de Beethoven, como a «Sonata pateta») discursando no Circo Fernando (1883).
Intencionalidade crítica
• O provincianismo e a falta de desenvolvimento do
país;
• A prevalência do gosto romântico;
• A falta de cultura (desconhecimento da música
clássica).
V. O passeio final (Capítulo XVIII).

• Dez anos após a tragédia que se abate sobre a família, Carlos


visita Lisboa e, acompanhado por Ega, dá um passeio pelos
espaços da capital que pertenceram ao seu passado.
• Este passeio é simbólico, uma vez que os dois amigos
constatam que a cidade está parada no tempo, que nada
mudou, que o passado glorioso, representado pela estátua
de Camões, foi engolido por um presente de estagnação e
de marasmo. A cidade está decadente, ociosa e parada no
tempo.
• Os dois amigos concluem que também eles falharam, pois
acabaram por viver dominados pelo sentimento, como dois
românticos.
• O retrato da capital é o espelho do Portugal da Regeneração
e da decadência da família Maia espelha o declínio do país.
O desencanto do passeio final evidencia a sensação de total imobilismo da
sociedade portuguesa:
- p. 697 – “Estavam no Loreto…na confeitaria”.
• o provincianismo da sociedade lisboeta;
- p. 699 – “Com duas pernadas…nenhum conhecia”.
• a aceitação do fracasso e do desencanto por parte dos dois amigos – o
vencidismo;
- pp.700- 701 – “Era o consultório…cavalinhos”.
• a falta de fôlego nacional para acabar os grandes empreendimentos;
- pp. 701 - 702 – “Ora aí tens tu…de cascalho”.
• a imitação acrítica do estrangeiro;
- p. 703 – “- Isto é fantástico…à caricatura”.
• a decadência dos valores genuínos.
- p. 704 – “- Resta aquilo …ainda pior!”.
- p. 706 – “ – Ouve cá…luvas amarelas”.
- p. 704 – “- É curioso…luar que subia”.
V. O passeio final (Capítulo XVIII)

• Último diagnóstico do país: epílogo.

Regresso de Carlos e Ega a Lisboa

«Ainda falavam de Imobilidade, ociosidade, melancolia


Portugal e dos seus males,
e tristeza, provincianismo e imitação
quando a tipoia parou.»
do estrangeiro
(Capítulo XVIII)

Visão pessimista de Portugal


no presente (1888)
V. O passeio final (Capítulo XVIII)

• Último diagnóstico do país: epílogo.

«estátua triste
de Camões»

Símbolo
da glória perdida

Monumento a Camões, Praça de Luís de Camões,


Lisboa, da autoria do escultor Vítor Bastos (1868).

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