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1919

Moreira Telles — Notas de norte que tomou todo o nosso movi­


estu d o . (F ra gm en to s) — mento colonizador, quando defende
Livraria Classica Editora, os jesuitas e especialmente Vieira,
188 pags. — • Lisboa — 1 9 1 6 . quando mostra nós portuguezes o es­
pirito de aventura superando o espi­
“ No livro de bronze e ouro da hisr rito commercial, capaz de inspirar
toria universal, o Brasil não passará um Camões e inapto a fundar um im­
á im mortalidade pelos heroísmos pério; quando revela o s methodos op-
vãos de mortandades gigantescas em pressivos ou atrazados que a m etro-
campos de b atalh a . A sua gloria se­ pole sempre empregou na nossa ad­
rá o trabalho fecundo e honesto com ministração “ inepta”, onerosa e perdu-
que ha de sustentar o m undo. E ’ e s­ la ria ”, quando diz a preferencia pa­
te o nosso destino num continente tente do portuguez pelo commercio
uberrimo que demanda energias pa­ em prejuizo da agricultura e em m ui­
ra produzir riquezas” , assim Conclue tos outros pormenores, de que o au­
o auto*: este livro, que, se não é re- tor nunca descura.
çente, pois data de 1 9 16 , é de pen­ A idéa central do livro, essa apolo­
samento e actualidade prem entes. gia da agricultura precisa passar, de
O sr . Moreira Telles é nosso agen­ vez,, do dominio .theorico para a rea­
te consular no estrangeiro -O prim ei­ lização pratica. A questão mais gra­
ro beneficio que »oá traz s e u livro ve que Ora temos de enfrentar ---- a
é dar o bom exemplo aos companhei­ quçstão social — não teria attingido,
ros do autor, nas carreiras consular assim bruscamente, tal gráo de pre-
e diplom atica. E ’ certo que á “ car- mencia, se um prematuro progresso
riére” pertenceram alguns dos maio­ industrial não tem desequilibi*ado a
res vultos de nossa intellectualida- nossa falha evolução agricola. A s na­
de; Varnhagen, Araguaya, Rio B ran ­ ções não fogem , sem prejuizo, á con-r
co, Nabuco, Penedo, OliVeira Lim a o tinuidade em sua vida politica e eco­
tantos, o u tros. Não é menos exacto, nômica .
tam bem , que a massa dos nossos re­ Grande parte dos nossos males
presentantes no estrangeira é um im - vem da colonização portugueza, que,,
menso peso morto, uma flagrante iti- por tres séculos, só trabalhou pelo
utilidade. H a os elegantes ôcos, cujo nosso enfraquecimento econom ico. E
vernáculo ó uma hypothese, ou Intel- um povoj economicamente desequilir* |
ligentes e põem -se a fazer literatura' brado não pode cogitar dos outros
cosm opolita. Outros ha cujo ainor( á problemas essenciaes de sua vida: fi­
patria cresce com a distancia e lem ­ nanças, hygiene, instrucção. Um sim ­
bram-se delia apènas ctímo matéria ples golpe de vista por nossa histó­
para algum vago .ensaio com vistas ria mostra como os centros successi'-
á prom oção. E ’ incrível, em regra, a vos do progresso material, da vida
ignorância do Brasil e dos proble­ social, da obra de cultura e criação
mas naeiónaes, por parte de nossos intellectual oscillaram em funcção
diplom atas! Incrivel e doloroso! do progresso economico das reg iõ es.
Poucos são aquelles que, longe da­ Recife, Bahia, Ouro Preto e Rio fo ­
qui, versam questões nacionaes sem ram succèssivamente o ‘ centro do
diletantismo e com verdadeiro amor. paiz, conform e a adm inistração de
Ó sr. Moreira Telles está entre es­ Duarte Coelho, o estabelecimento do
ses poucos. São varios já os v olu ­ governo geral, o descobrimento das
mes que tem publicado sobre assum - minas, a vinda da Eam ilia Real e a
ptos de interesse nacional. E ’ com Independencia deram a cada um
proveito que occupa os seus lazeres. desses poritos a primazia economica
Este volum e, que o autor m odesta­ sobre o resto do paiz. H oje em dia,
mente appelida — Notas* de estudo— o centro está em via de deslocar-se
é um ensaio historico, e doutrinário para S . Paulo, graças ao seu espan­
sobre nossas questões econom icas. toso progresso econom ico.
Divide-se em duas partes - — Agricul­ Lem bra-m e, a este respeito, uma
tura no Brasil e Agricultura e Indus­ phrase de Stendhal, nas suas .Cartas
tria no B ra sil. A prim eira' é bem su­ sobre M etastasio: “ Eu comparo a si­
perior á segunda quanto ao methodo tuação desses patriotas, que vivem
de exposição. Sente-se que o autor a pensando nas leis e na balança dos
preparou longamente, com sérios es­ poderes, á de um homem que conti­
tudos prévios e muito tino historico. nuamente se interessasse pelo estado
Resénte-se a segunda de certa volu- de solidez da casa que habita. “ Es-.,
bilida<de de pensamento, que quer to- tou^disposto, uma vez por todas, a
' car em todos os assumptos sem po- escolher a minha residencia num edi-
j der aprofundar nenhum . Toda ^sta ficio solido e bem construído” ; mas.
| parte do livro, se contém grande ‘co- em fim , a casa foi construída para ahi
j pia de idéas acertadas e suggestões gozarmos tranquillam ente de todos
| uteis, parece ter sido esçripta com os prazeres da vida, e parece que ó
' certa pressa, como que para comple­ bem infeliz aquelle que, estando num
tar o volu m e. Por isso é de interesse salão com mulheres bonitas, tem de
desegual e ostenta um tom jornalisti- se preoccupar com o estado do tecto
I co, que nem sempre agrad a. Não po­ da casa — “ et propter vitam vivendi
li demos* tambem concordar com > as perdere. cau sas” .
! considerações que tece em torno de Nós não poderemos conversar
j nossa raça, dando-nos como “ povo tranquillam ente, em nossa terra, so­
formado pelo caldeamento das em i­ bre coisas altas e nobres, seny primei­
grações européas sobre os alicerces ro ter consolidado os alicerces, -os.
da raça portugueza” . Argumenta, co­ muros e o telhado de nossa casa -r—
mo se fossemos um puro rebento da economia, hygiene e instrucção.
“ raça latin a” . Não creio qjjje tenha No cogitar do problema economico.
razão e parece m esm o aos competen- serão de precioso auxilio livros bem
que a não pode ter . Existem upia pensados e esçriptos com sim plicida­
-* ação mediterrânea e uma men- de e correcção, cómo este do sr . IVÍo-
de latina, mas não uma raça reiça T elles. „ Oa&aláv *o,utrps volum e#
.. .A o lp u ro «trono romano tem lhe, vinham aecentuar a cultura bis*< j
vindo enxertar-se uma tal copia de toriça é o pensamento ' de publícist>^\{
influencias e *sangues estranhos que para gáudio ' dos leitores e
a raça extreme é hoje uma memória do paiz. .y ^
histórica e nada m a is. Se é exacto
que não existe hoje uma “ raça lati- j
jia ” — mesmo na Europa, como po- j
demos ser pretendentes a nobres li- ‘
nhagens ethnicas? Nós, americanos, |
do sul a norte do continente, temos
de carregar com a fatalidade do m es- i
ticism o. Somos verdadeiras encruzi- j
lhadas de sangues diversos. Aconte- j
ce, porém, que tenros uma “ m entali­
dade latin a” que nos herdou Pnrhu
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} da raça portugueza” . Argum enta co­ muros e o telhado de nossa casa — *
mo se fossem os um puro rebento da economia, hygiene e instrucção.
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j razão .e parece mesmo aos competen­ serão de precioso auxilio livros bem
tes que a não pode t e r . Existem uma pensados e escriptos com sim plicida­
civilização mediterrânea e uma men­ de e correcção, comò este do s r . Mo­
talidade latina, mas não um a raça reira Telles • vOxalá- .outros volum e»
A o 'p u w tro^cfí romano tem lh©; vsnlm m aecentuar a cultura his-
vindo' enxertar-se uma tal copia de tvOrlça é o pensamento de pubíicist^-’
influencias e rsangues estranhos que para gáudio dos leitores e
a raça extreme é hoje uma memória do paiz.
histórica e nada m ais. Se é exacto
que não existe hoje uma “ raça lati­
n a ” — mesmo na Euròpa, como po­
demos ser pretendentes a nobres li-!
nhagens ethnicas? Nós, americanos , 1
do sul a norte do continente, temos
de carregar com a fatalidade do mes-
ticism o . Somos verdadeiras encruzi­
lhadas de sangues diversos. Aconte- j
ce, porém, que temos uma “ mentali­
dade la tin a ” que nos herdou Portu­
gal e mórmente o intercâmbio com a
França e Ita lia . Esse pensamento la­
dino alimentado por um sangue mes­
clado, explica o desconcerto de nos­
sa evolução histórica, e o desequili- ;
hrio de nossa vida intellectual. San­
tiago de Rusifíol resumiu sua opinião
sobre os americanos - — “ Uma gente
qüe passou sem transição do papa­
gaio ao phonographo” . Nossa grande
tarefa é conciliar esses dois elem en­
tos para que crie raizes em nosso so­
lo uma civilização, que Nabuco dizia
ser* “ plantada de g alh o ” .
A fóra esses pequenos reparos e a
velha balela romantica da altivez e
outras virtudes dos nossos indios, o
livro é m agn ifico. Esboça, no segun­
do capitulo, um programma de acção
agricola que se pode dizer com pleto.
Instrucção, organização, transpor­
te, credito — são os pontos capitaes
desse, plano de excellente visão poli-
tica e economica e que “ realizado”
está apto a resolver ou attenuai* nos­
sas difficuldades, e orientar nossos
em prehendim entos. H,oje, no mo­
mento em que o paiz parece entrar
. numa ptyase de desenvolvimento
>agricola, são para ser meditadas es­
sas paginas avisadas.
A primeira parte do livro é a h is­
toria de nossa colonização... Fundado
em boas fontes, moderado por tem pe-
j«ramento, amigo da generalização* o
autor faz a synthese do nosso* movi-
; mento colonizador em pagihas que
fic a m . Não ha que r€trucar á sua
; these: a colonização $ portugueza no
Brasil foi um fra casso . E lla retardou
de séculos., a nossa evolução^ histórica,
dfesorientando-nos a formação eco-
; nom ica: pela falta de instincto colo-
3 nizador no portuguez; pelqs mãos
elementos que iniciaram o povoa-
m ento; pelo desamparo em que foi,
logo depois, deixada a colonia; pelo
intuito exclusivo de lucro que guiou
a metropole, mórmente em seguida
ao descobrimento das m inas; pelt>
exemplo da ín dia; pela oppressão e
atrazo em que era mantido o Brasil,
graças ao temor da independencia;
pelos monopolios que o reino reser­
vava para si ê ---- mais que tudo ----
pela escravidão. A introducção do e s ­
cravo negro e a fraca repressão do
bandeirismo escravizador viciaram as
fontes de irossa econom ia. Quando se
apagarão de nossa historia os desgra­
çados effeitos dos males que nos
trouxè a escravidão? •,
O sr. Moreira Telles diz com* m ui­
to acerto: ---- “ O trabalho não re-'
munérado do escravo foi a . causa
mórbida do nosso esquecimento his-
torico, conservando uma chaga can­
cerosa e archaica dentro das novas
instituições independentes. . . Essa
escravatura foi a causa primeira e
essencial da anemia da nossa agri­
cultu ra” . ' ’
O livro está cheio de idênticas ob­
servações, que revelam no autor um
espirito lúcido* e ponderado: assim,
quando accentua a orientação para o

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