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PREFÁCIO

Este livrinho, pensado e escrito no Brasil, vem à luz em


Portugal, depois de m il peripécias que não interessam ao leitor.
Ê resultado de uma longa meditação sobre coisas brasilei­
ras e fruto, por assim dizer imediato, de cursos que dei em
Niterói, no Instituto de Letras da Universidade Federal Flumi­
nense, e na Faculdade de Letras de Coimbra.
Destinava-se ele a facilitar o «Estudo dos Problemas Brasi­
leiros», matéria tornada obrigatória em todos os currículos de
ensino superior no Brasil.
Disse «facilitar», e isto pode parecer jactância de minha parte.
Mas não é. Porque só se podem estudar bem os problemas
brasileiros — demográficos, económicos, políticos, sociais— se
eles forem colocados na pauta correcta, na clave certa, se eles
forem equacionados à base da nossa realidade histórico-cul-
turci.
Por estranho que pareça, m uitos dos que enchem a boca
com o sonoro nome do nosso país e colam frases patrióticas nos
vidros de seus automóveis realmente não sabem o que de facto
seja essa grande Nação, surgida nos trópicos como obra-prima
da expansão portuguesa no mundo.
Ê preciso amar o Brasil, diz-se. E é verdade. Não só para
brasileiros mas também para portugueses: uns amam a sua
pátria; outros amam o mais belo resultado do seu melhor
momento histórico.
M as não convém que o amor fique só terreno sentimental
ou emocional: cumpre pesquisar e explicar as razões da dilec-
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ção. E elas existem, válidas tanto para os nacionais como para


os seus irmãos europeus, variando apenas a perspectiva.
O Brasil realizou uma cultura própria, intimamente ligada
à cultura lusitana e à cultura ocidental; conseguiu jazer surgir
aquilo a que chamo «humanismo vivo e vivido»; form ou uma
solidíssima unidade nacional, não extrínseca, não mantida pela
força das armas, senão intrínseca, decorrente de um mesmo
espirito e uma mesma língua; resolveu todas as suas pendências
de fronteira (que por aí fora têm gerado tantas guerras!) por
arbitramento, acatando sempre o laudo arbitrai, ainda quando
contrário às suas pretensões e alegações.
Por outro lado, é o único país do mundo que teve sua
Independência proclamada pelo colonizador, sem sangue, sem
ruptura, sem dilaceramento, por natural continuação, de modo
que a famosa «comunidade luso-brasileira» tem indiscutível
base histórica.
E não ficou nisso o resultado da transferência da Corte,
com D. João VI; da elevação do Brasil à categoria de Reino
Unido, no mesmo nível de Portugal; da resistência de D. Pedro
no «Fico»; do remate meio coreográfico do grito do Ipiranga:
criou-se um estilo. Daí por diante, todos os grandes problemas
do Brasil têm sido resolvidos «na conversa». O que, pelo resto
do mundo, produziu graves conflitos ou grandes convulsões
— no Brasil se distende e se dissolve. Sem guerra civil e sem
comoção interna foi a Abdicação, a Regência, a Maioridade
antecipada, a abolição da escravatura (que dividiu sangrenta­
mente os Estados Unidos), a proclamação da República, a
libertação do iminente Comunismo em 1964.
Isto são títulos de glória e m otivos de amor ao país natal.
Mas há outros: no domínio das artes plásticas, temos um
dos maiores escultores da humanidade, o Aleijadinho; temos
Ouro Preto, considerado pela UNESCO o melhor conjunto
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arquitectónico barroco do mundo; temos um escritor de escol,


grande em qualquer literatura. Machado de Assis. O Brasil,
por sua fortíssima unidade nacional, possui extraordinário poder
de assimilação do imigrante, de tal modo que a segunda geração
de ádvenas já é inteiramente brasileira, e não raro nem sequer
fala a língua dos antepassados.
Por tudo isso, e mais ainda, podemos oferecer algo de
im portante à Civilização e especialmente à Cultura Ocidental.
E esse «algo de importante» é herança, ou desdobramento
da herança portuguesa. De Portugal, que nos legou uma vivên­
cia cristã, uma formosa e plástica língua románica (já perfei-
tamente unificada à época do Descobrimento) e uma generosa
predisposição à boa convivência inter-racial.
Se esses valores, aqui tumultuadamente recordados, têm
raiz na Weltanschauung lusitana, sobram m otivos aos portugue­
ses para amar o Brasil e para se alegrarem com sua grandeza
e seu progresso.
Este pequeno livro é de um brasileiro brasileiríssimo, que
não tem nas veias outro sangue senão o dos avoengos lusos,
estabelecidos na banda de lá desde os primordios do séc. X V lll.
De um brasileiro que sempre lutou por ver sua pátria dignifi­
cada, livre dos inimigos internos, que queriam destruí-la pela
corrupção, pela demagogia e pelo desligamento com o passado,
para aventuras loucas e desnacionalizantes. De um brasileiro
que ama estremecidamente a sua terra, mas não tem qualquer
laivo de xenofobia, vendo no estrangeiro que vem trabalhar
connosco um irmão e um colaborador. É que, sendo profunda­
mente patriota, é também cidadão do mundo, porque sabe que
as nações, agrupamentos naturais, devem trabalhar todas para
o engrandecimento da humanidade, para a progressiva e ver­
dadeira libertação do homem, reflexo, no temporal, da única e
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definitiva Libertação conquistada por Cristo, Principio e Fim


da História.
Não trago aqui novidades materiais: trago pensamento,
crítica, elaboração de idéias sempre a partir de factos, preocupado
sempre em ver a Verdade, acima dos preconceitos, acima das
pressões massijicadoras.

* *

Habent sua fata libelli: a circunstância, quase fortuita, de


vir esta obra à luz em Portugal é para mim altamente significa­
tiva. E ouso dizer que o é em si mesma. Porque ela se publica
num momento em que muitos portugueses, do melhor quilate,
se abrem para um real e proveitoso colóquio com os brasileiros,
uns e outros libertos de «complexos» de colonizador e de colo­
nizado. Num momento em que, nos dois países, se aviva a
consciência de um destino comum e de uma responsabilidade
comum ante a nossa ameaçada Civilização Ocidental.
Estou certo de que tanto mais estreitos serão os laços que
nos unem quanto mais nos conhecermos uns aos outros. Este
livro foi escrito com a intenção de fazer o Brasil mais conhe­
cido aos brasileiros e já agora aos portugueses. Conhecido nas
linhas-mestras de sua formação e de sua realização.
Se o conseguir, terei cumprido um dever de patriotismo e
terei lavrado dois tentos no desempenho da grata missão que
me trouxe a esta encantadora terra.

G. C. M.

Lisboa, Natal de 1973.

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