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Entrevista Vasco Gonçalves

Como é que o Sr. Coronel vê as implicações imediatas na orientação do governo provisório e no


que diz respeito à política de descolonização, implicações imediatas derivadas da comunicação
de ontem ao país do Sr. Presidente da República?

Eu antes de mais queria salientar a importância histórica da comunicação que o


Sr. Presidente da República fez ontem ao país. O seu discurso, quer pela forma, quer
pelo conteúdo, deve ser lido e meditado, profundamente meditado por todos os
portugueses. Eu estou convencido, sem quaisquer laivos de retórica, que as
declarações feitas ontem pelo Sr. Presidente da República serão uma página da história
de Portugal. No que respeita à orientação do governo provisório nas operações do
processo de descolonização, as declarações do Sr. Presidente da República feitas ontem
abrem larguíssimas perspetivas. Os movimentos de libertação, em face dessas
declarações, não poderão ter qualquer dúvida sobre a sinceridade dos nossos
propósitos. O governo provisório prosseguirá os contactos que nunca foram
interrompidos, no sentido de iniciar, no mais curto prazo de tempo, tal como o Sr.
Presidente da República o afirma nas suas declarações ontem feitas, iniciar, portanto,
no mais curto prazo de tempo, o processo de descolonização.

Parece-lhe, Sr. Coronel, que será possível, nestas novas nações que vamos dar ao mundo,
manter Portugal para a Guiné, para Angola e para Moçambique, laços de profunda amizade e
não manter restos de neocolonialismo?

Esses são os sinceros propósitos do Sr. Presidente da República, do governo


provisório, do povo português. Nós pretendemos que este processo de descolonização
conduza a um estreitamente maior das relações económico, política e sociais com os
povos do ultramar. Nós temos presente as sequelas, as graves sequelas, de uma luta
injusta de 13 anos, da qual foram vítimas não só os povos do ultramar, mas o povo
português, e em particular os elementos das Forças Armadas.

E em relação aos tais rastros de neocolonialismo, acha que não vão subsistir?

Eu penso que, dada a sinceridade dos nossos propósitos, dado o caráter


eminentemente económico do neocolonialismo, que traduz uma exploração da mãe-
pátria em relação aos outros países, dado que nós procuramos edificar três pátrias que
esperamos venham a ser três pátrias-irmãs, tendo por base laços de muito respeito, de
estima, de interesse para ambas as partes, interesse que se traduza precisamente por
relações económicas em pé de igualdade, mas mesmo de igualdade, eu penso que nós
conseguiremos levar esse processo de descolonização, de modo que, no final, não haja
neocolonialismo em Angola, Moçambique e na Guiné. Isso é um ponto de honra, é um
dever histórico do povo português.

E parece-lhe possível que nessas pátrias possam subsistir, lado a lado, em paz, em ordem,
cidadãos de raças, de credos, de cor de pele diferente?

Eu acho isso absolutamente possível. O racismo traduz, sobretudo, relações de


superioridade económica em relação a povos menos desenvolvidos. Ora, aqueles que
ficam em Angola, Moçambique e na Guiné, que consideram essas terras a sua pátria,
independentemente da cor, do credo, etc., esses poderão, de facto, edificar uma
sociedade não racista. Aliás, o racismo nos territórios ultramarinos portugueses não
revestia o caráter agudo do racismo nos territórios de outras potências coloniais. Talvez
porque os portugueses nunca tiveram os meios económicos que tinham os outros
povos e que, portanto, lhes davam uma superioridade tal que o racismo era mais
desenvolvido nesses outros territórios de outras potências. Eu penso que,
precisamente, os portugueses estão empenhados na edificação de sociedades não
racistas. Nós, e os movimentos de libertação também. Nós pretendemos que sejam
criadas sociedades multirraciais, verdadeiras nações multirraciais, em que todos
convivam no mesmo plano de igualdade social, económica e política. Em particular, no
mesmo plano de oportunidades de igualdade social, económica e política.

Está, pois, quanto a isso, o Sr. Coronel, profundamente otimista. Sim, estou otimista.

Aliás, é também conhecido de todos, é do consenso geral, que os portugueses


têm um jeito especial de se dar com os povos de todas as raças e de todas as cores e
credes. Eu próprio, se de algum valor, tenho a minha experiência pessoal. Eu nunca fui
racista, sempre fui antirracista. Eu verifiquei sempre que os povos de outra cor, quando
sentiam que eram tratados como iguais, eram-nos de uma enorme dedicação, amizade.
Enfim, os povos africanos, tratados, quando tratados em pé de absolutamente
igualdade, são como o nosso povo. Eu não tenho quaisquer dúvidas que nós temos
enormes condições para se edificar sociedades antirracistas, sociedades não racistas.
Esse é um dever de honra do nosso povo. Ao fim de 500 anos em África, o povo
português tem o dever histórico de edificar ali pátrias irmãs, em que não haja
desigualdades baseadas na cor ou no credo, político ou religioso.

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