O suicidio da £>urguezia é o espectáculo mais dolo
roso e significativo dos dias que vamos vivendo. Nos dois últimos números desta revista passamos os olhos por duas formas radicaes desse suicidio colle- ctivo: o economico e o biologico. Biologicamente suicida-se a burguezia por aquillo que os theoristas dessa decadencia inconsciente chamam a racionalisação dos nascimentos. Uma sciencia nova, a Eugenia, que em si nada tem de nocivo, pois sendo a sciencia do corpo humano é um ramo muito logico da anthropologia completa — essa sciencia, porém, fundada sobre uma philosophia falsa — qual seja a do naturalis mo materialista -— vai levando ao aniquilamento biolo gico essa classe orgulhosa que julgou, no século XIX, dominar para sempre o universo. Economicamente^ suicida-se a burguezia pelos fal sos princípios em que se fundou a sciencia economica por ella adoptada desde o seculo XVIII, sciencia essa que se julgou uma sciencia physica quando era uma sciencia moral. O capitalismo foi a consequencia pratica desse erro scientifico inicial. E o capitalismo representou a separação radical entre o trabalho e o capital e, por con seguinte, entre as duas classes representantes de ca d a um dessses factores: o proletariado ,e a fmrguezia. O aniquilamento d â burguezia pelo proletariado é uma consequencia logica do liberalismo economico, philoso phia economica da burguezia, fundada apenas sobre a força que levou á tyrannia do capital sobre o trabalho e com elle ao suicidio economico da classe burgueza, no dia em que o proletariado adquirir força sufficiente pa ra derrotal-a. Tanto biologicamente, como economicamente, o espectáculo que o mundo moderno nos offerece é o da* liquidação precipitada ou lenta de uma classe, em conse- quencia dos seus proprios .erros passados. Vejamos agora mais um aspecto dessa agonia bur gueza: o aspecto politico. Jacques Maritain, em seu ultimo livro, que é um pequeno mas luminoso ensaio sobre “ ReITgião e Cultura”, divide em tres phases a cultura moderna, iniciada com o Renascimento humanista e com a Reforma protestante. A primeira- phase é o que elle chama de naturalis mo christão. Foi a phase classica de nossa cultura Occi dental moderna, quando a seiva christã ainda alimenta va os mais bellos fructos de uma civilisação, que entre tanto julgava fundar “ pela simples virtude da razão uma certa ordem humana” . A segunda phase foi a do optimismo racionalista. Foi exactamente, com o accrescenta Maritain — “ o mo mento burguez de nossa cultura. . . que lhe solicita a ins tauração de uma ordem fundada apenas sobre a natu reza, que devera libertar o homem e assegurar ab espi rito de riqueza a posse tranquilla da terra.” A terceira phase, aquella em que começamos a en trar, como apenas estamos sahindo da phase burgueza de nossa cultura, essa phase é a do pessimismo materia lista. E* — “ o momento revolucionário de nossa cultu ra, quando o homem, transferindo para si mesmo o seu fim u ltim o... intenta fazer surgir de um atheismo ra dical uma humanidade inteiramente nova.” (1) Raramente tenho visto panorama mais nitido da nossa civilisação, nestes tres ou quatro séculos passa- (i) — ■Jacques MariVain — • Religion et Culture. ed. Desclée de Brouwer & Cie. — Paris, — J930, pags. 35-36 et passinii dos e neste momento trágico que estamos vivendo. E* a própria imagem da realidade. E a passagem do opti- mismo racionalista da phase burgueza de nossa cultura Occidental, para o pessimismo materialista da phase revolucionaria é exactamente o que vemos em todos os 'successos dos dias que correm . L á fora como aqui entre nós. E nada mais instructivo, nesse sentido, do que ver o alvoroço com que toda essa nossa burguezia agnóstica adoptou, de um momento para outro, o termo revolução, como sendo a própria expressão do que ella julga ser o seu triumpho e que não é senão a sua agonia. Seria gro tesco, se não fosse trágico, ver o açodamento com que os políticos mais burguezes do miindo, até hontem consi derados como innocuos conservadores e apoiando os grandes partidos conservadores da Ia Republica, hoje em dia proclamam urbi et orbi a sua “ mentalidade revolu cionaria” , os seus “ ideaes revolucionários” , os seus “ princípios revolucionários” ! (2) Seria grotesco, se não fosse trágico, ver os jornaes
(2) — Apresentando a Revolução liberal de 1905 como prefa
c io necessário e indispensável da Revolução communista de 1917* doutrinou. L e n in : “ Todas ãs classes entram francamente na pe leja. Todas as concepções elaboradas em programma ou em tactica foram verificadas na acção das massas. A arma da gréve toma uma amplitude e uma acuidade sem exemplo no mundo. A gréve economica, no termo do seu desenvolvimento, chega á greve políti ca, á insurreição- Verificação pratica das relações que devem s e ' -estabelecer entre o proletariado dirigente e a classe lavradora di rigida, hesitante, vacillante. . . A successão incessante dos metho-v dos de lucta parlamentar e não parlamentar, da tactica da boico- tagem e da tactica de utilisação do parlamentarismo, das fôrmas legaes e das fórmas illegaes, as relações e a còllaboração dessas fórmas entre si, tudo isto é caracterisado por uma riqueza sur- prehendente de conteúdo. Cada m ez deste periodo vale, no que se: refere â aprendizagem dos princípios essenciaesda sciencia px>li- iica, para as massas e para os chefes,'para as classes e para os partidos, um anno' de desenvolvimento “ P A C IF IC O B CONS T I T U C I O N A L ” . Sem a repetição geral de 1905;, a victoria da Revolução de Novembro de 1917 teria sido impossível” . N . Lenin — La maladie infantile du communisme-— ed. THumanité. Paris. 1924. pgs. 16-17. mais burguezes do mundo, defensores das classes con servadoras, inimigos do communismo e do fascismo* por serem regimens radicaes, — abrirem as suas paginas, com os titulos mais radicaes do mundo, em que as pa lavras “ revolução triumphante” ”r evolução victoriosa” ,, “ triumpho da revolução” são os termos mais modera dos do seu revolucionarismo rubro da hora que passa! Não vemos, em tudo isso, nem opportunismo, como á primeira vista occorreria, nem mesmo a anarchia; mental apenas, se bem que esta seja em grande parte culpada desse immenso confusionismo do nosso mo~ mento politico. O que vemos, porém, antes de tudo, é a agonia inconsciente da burguezia, é o suicídio sorri dente da burguezia. A ordem politica burgueza, no Brasil, da I a Repu blica, repousava sobre aquelle optimismo racionalista de que fala Maritain. A Constituição de 91 julgava que o laicismo individualista bastava para dar ao Brasil um regimen .de “ ordem e progresso” . E se o regimen que nos deu foi de desordem material e regresso moral, a causa vem justamente daquillo que a ideologia republi cana de 89 julgara ser o elemento essencial da renova ção patria: a separação do espiritual e do temporal, que começou com a lei de separação, de Ruy Barbosa e terminou com a reforma laicista do ensinq, do Sr. Fer nando de Azevedo. Foi o agnosticismo opportunista ou positivista de 1889 que, em vez de ordem material e progresso moral, nos trouxe a desordem material e o regresso moral, que to dos podemos verificar. E com isso só fez a burguezia brasileira imitar o erro das burguezias estrangeiras, eu- ropéas ou americanas. Separando a ordem politica da ordem espiritual, commetteu a burguezia Occidental o mesmo erro que commetteu ao separar a ordem econo- mica da ordem politica, e ao separar tambem a ordem biologica da ordem theologica. A decadencia biologica da burguezia, o seu lento *desapparecimento, como as estatísticas começam a re velar de modo alarmante, provém de ter ella feito do ho mem o fim de si mesmo, da sáude physica um bem em isi, da alma um simples appendice do corpo. Separação radical entre a ordem biologica e a ordem theologica. A decadencia economica da burguezia provém de ter ella desejado o mundo para si e de ter feito do bem estar physico, do descanço terreno, da aposentadoria capitalista ou burocratica, o seu ideal social. Separação entre a ordem material e a ordem formal da vida. A decadencia politica da burguezia provém de ter ella tentado uma construcção politica baseada em um direito secularisado, em partidos agnosticos, em consti tuições laicistas. Separação entre a* ordem juridica e a *ordem moral. A separação entre a Igreja e o Estado foi conside rada, durante a phase burgueza de nossa civilisação, com o sendo a panacéa da ordem e da liberdade. A “ Kultur kampf” de Bismarck, que foi a maior expressão politica dessa phase burgueza, durante o seu triujnpho, marcou nitidamente essa ambição de omnipotencia anti-christa que o Estado moderno veio adquirindo, á medida que se ;repaganisava. — “ O Estado moderno, como o antigo Estado pa- ,gão e o Estado christão da Idade Media, considerando-se como o sustentaculo da civilisação em seu conjuncto, regeita por simplès negação os elementos que estejam <em contradicção com o seu proprio principio. E desde que nega a própria base da sociedade christã não póde ser indifferente ou neutro, mas deve tornar-se anti- christão”, — isso escrevia com lucidez prophetica um sociologo suisso, em 1876, durante a “ Kultur kampf” de Bismarck e quando este se apresentava não como adver- sario, mas como defensor do christianismo e apenas co mo inimigo da Igreja Catholica, que elle considerava anti-christã. (3) Rismarck, como figura culminante da phase bur- gueza da nossa cültura, julgava defender a civilisação christã, arrancando-a da submissão á Igreja e subordi- nando.a ao Estado. Hoje em dia, essa omnipotencia do Ejstado buirguez agnostico levou á decadencia desse mesmo Estado e ao inicio do Estado proletário, cuja omnipotencia já não é apenas agnóstica mas anti-christã, como lúcidamente previa Segesser em 1876. Aquillo que Bismarck julgou ser o elemento capital do seu trium- pho, foi a sua ruina. O Estado burguez agonisa por falta de espiritualidade. A ordem juridica secularisada- mostra-se cada dia mais precaria pois não dá ao direito- senão uma base abstracta de justiça racionalista, que se resolve numa base concreta de força e com esta é a phase revolucionaria que começa e a phase burguezar que se dissolve. A política pura, (isto é, sem philosophia alguma confessada,) baseada no suffragio universal, que o optL mismo agnostico da concepção burgueza da vida tentou instaurar, começa a desmoronar-se. E uma nova philo sophia pretende apoiar a nova phase politica da nossa cultura: a philosophia materialista da vida apoiando o Estado proletário e revolucionário. Eis o que está vendo, no mundo moderno, qüenr tem olhos para ver. E é nesse momento que a nossa burguezia em peso, e uma pequena parte do nosso pro- prio Clero, só parece ter uma ambição na vida : ser chama da de revolucionaria! E’ o grande orgulho da hora... Vi mos, ainda ha pouco, padres com galões na bátina, lenço vermelho ao pescoço e kepi á testa! Vimos annun- cios de missa em que celebrava um “ capitão padre re- volucionario,M (3) — A . Ph. de Segesser — La Lutte Civilisatrice (Der Kulturkampf ) . trad. franc. çd> Ch. Dònniol. Paris. 1876. pàg. 141* E ;ainda veremos muita coisa mais neste carna val politico que a nossa incultura vai mascarando com nomes pomposos e que aos olhos dos observadores se renos vai revelando essa tremenda, tragica e dolorosa agonia de uma classe que julgou conquistar ò mundo para si e ha-de morrer pensando que o conseguio.. . Pobre burguezia! Pobre classe ambiciosa e cega, que julgou poder organizar o mundo sem Deus -e que hoje vai se entregando sorridente aos braços dos seus proprios algozes, julgando que as palavras terão o dom de exorcisar os máos fados. Chamando-se de revolu cionaria, ella julga vencer a revolução! Orgulhando-se de sua origem revolucionaria, recusa-se a ir ao extremo logico de seus princípios. Aspirando a ser revolucionaria, em todos os sentidos, julga que com isso impede o seu aniquilamento. Pobre burguezia! Teu fim será inevitável? Terá começado tua agonia? Separando-te do teu destino transcendental, terás cavado o teu proprio tumulo? Que rendo tornar omnipotente o teu Estado, só terás assa nhado contra ti as potências obscuras que irritavas? Am bicionando para teus ocios, as riquezas da terra, só terás conseguido apressar tua miséria? Eis as perguntas que ardém em todos os labios - christãos, e a qüe tentaremos responder em nosso pro- ximo artigo.
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