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Os Maias

1.1. O homem e o escritor


José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa de Varzim, a 25 de novembro 1845.
Filho do magistrado José Maria de Almeida Teixeira de Queirós e de D. Carolina
Augusta Pereira de Eça, foi registado como filho de mãe incógnita, situação que só
foi regularizada após o casamento dos seus pais, quatro anos depois do seu
nascimento. Viveu os primeiros dez anos da sua infância em Verdemilho, em casa
dos seus avós paternos. Em 1855, foi estudar para o Colégio da Lapa, no Porto,
instituição dirigida pelo pai de Ramalho Ortigão. Em 1861, concluída a escolaridade
obrigatória, ingressou na Universidade de Coimbra.
Em Coimbra, formou-se em Direito e contactou com o grupo académico conhecido
como Escola de Coimbra que, sob a liderança de Antero de Quental e de Teófilo
Braga, se notabilizou na «Questão Coimbrã». Em 1866, Eça de Queirós começou a
viver em Lisboa, juntou-se a esta elite intelectual, que viria a constituir o
«Cenáculo», grupo que promovia tertúlias literárias, dando continuidade às
atividades iniciadas em Coimbra. Nesse mesmo ano, iniciara a publicação de artigos
no jornal Gazeta de Portugal, onde conheceu Jaime Batalha Reis. Seguidamente,
partiu para Évora, onde fundou e dirigiu o jornal Distrito de Évora. Em 1867,
começou a sua atividade como advogado e regressou a Lisboa, retomando a
publicação dos folhetins, no Gazeta de Portugal e integrando as reuniões do
«Cenáculo», nas quais participaram Jaime Batalha Reis, Antero de Quental,
Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, José Fontana, entre outros.
Em 1869, Eça de Queirós realizou uma viagem à Palestina, Síria e Egito, espaços
que o fascinavam, tendo também assistido à inauguração do Canal do Suez,
acontecimento relevante no contexto histórico-político e social da época. Após ter
regressado a Portugal, publicou os relatos da viagem, no Diário de Notícias, com o
título «De Port-Said a Suez».
Em 1871, veio a lume o primeiro número de As Farpas, folhetos publicados em
colaboração com Ramalho Ortigão. Nesse mesmo ano, realizaram-se as
«Conferências Democráticas do Casino Lisbonense», cujo programa foi proibido
pelo Governo, após a quinta Conferência, facto que foi contestado publicamente
pelo grupo do «Cenáculo». Decidido a entrar na carreira diplomática, Eça de
Queirós candidatou-se para o efeito, mas, para cumprir os requisitos do concurso,
teve de passar pelo cargo de Administrador do Concelho de Leiria. A partir de 1872,
o escritor começou a viver no estran-geiro, tendo sido nomeado cônsul em Cuba.
De 1874 a 1878, desempenhou funções diplomáticas em Inglaterra e,
seguidamente, foi transferido para Paris, concretizando o seu grande sonho no
âmbito da diplomacia. Este afastamento físico de Portugal não o levou a
desinteressar-se dos factos que ocorreram no seu país, mas permitiu-lhe a análise
mais desapaixonada e rigorosa da pátria.
Vítima de prolongada doença, Eça de Queirós faleceu em Paris, no dia 16 de
agosto de 1900. Em setembro, o corpo foi transladado para Portugal, realizando-se
a cerimónia fúnebre para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.
Da sua intensa criação literária destacam-se, entre outras publicações, O Crime do
Padre Amaro (1875), O Primo Basílio (1878), O Mandarim (1880), A Relíquia (1887),
Os Maias (1888) e, postumamente, A Correspondência de Fradique Mendes (1900),
A Ilustre Casa de Ramires (1900), A Cidade e as Serras (1901) e Contos (1902).

1.2. Contexto histórico-literário


O romance Os Maias, escrito entre 1880 e 1888, é uma das obras mais
conhecidas da literatura portuguesa e um exemplo do Realismo e do Naturalismo,
em Portugal, impondo-se, por isso, o conhecimento de aspetos gerais que o
contextualizem histórica e literariamente.
Os grandes progressos materiais da Europa, na segunda metade do século XIX,
também se fizeram sentir em Portugal, através das políticas implementadas por
António Maria Fontes Pereira de Melo, que mandou construir estradas, pontes e
inaugurou o primeiro troço de caminhos de ferro portugueses, bem como a rede
oficial de telégrafo elétrico, em 1856, o que facilitou a comunicação e a propagação
dos ventos da mudança.
Assim, influenciados pelo progresso das ciências e pelas novas ideias que se
difundiam em outros países da Europa, um grupo de intelectuais portugueses
manifestou o desejo de inovar, opondo-se aos velhos temas dominantes no
Romantismo. Em Coimbra, liderados por Antero de Quental, alguns estudantes
atacaram António Feliciano de Castilho, criticando o que consideravam uma
literatura sem originalidade, para defenderem uma literatura inovadora, de
comprometimento social e de maior abertura à evolução científica daquela época.
Esta geração que desde 1861 vinha manifestando a sua rebeldia à disciplina
universitária, inconformada com os valores da sociedade em que vivia,
desencadeou, em 1865, a chamada «Questão Coimbrã», polémica literária que
significou a dissolução do Romantismo em Portugal.
Na origem da «Questão Coimbrã» esteve a publicação de Poema da Mocidade, da
autoria de Pinheiro Chagas, jovem poeta ultrarromântico. A obra, apadrinhada por
António Feliciano de Castilho, foi acompanhada de uma carta-posfácio, na qual
Castilho tecia grandes elogios ao escritor, indigitando-o, também, para docente de
uma cadeira de Literatura e ironizando a poesia de Antero de Quental e de Teófilo
Braga. Em resposta a esta afronta, Antero de Quental escreveu o opúsculo, «Bom-
Senso e Bom-Gosto», atingindo sarcasticamente o mestre Castilho.
Eça de Queirós, que se tinha mantido como espetador desta polémica, teve,
posteriormente, um importante papel nas «Conferências Democráticas do Casino»,
realizadas em Lisboa, para onde a geração de académicos de Coimbra se tinha
deslocado, após a conclusão dos seus cursos. Privilegiando a leitura de escritores
como Michelet, Hegel, Vico, Proudhon, Balzac, Darwin, entre outros, e influenciados
pelas ideias que chegavam de França e da Alemanha, o grupo que saíra da escola
de Coimbra defendia a reforma do estilo de vida e da literatura do país. É então que,
em 1871, a chamada «Geração de 70», constituída por romancistas, poetas,
ensaístas, historiadores e até cientistas, nomeadamente, Eça de Queirós, Teófilo
Braga, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, e na qual Antero de Quental continuava a
ter um lugar de destaque, tentou difundir os novos ideais literários e culturais,
proferindo algumas conferências que afirmavam uma perspetiva crítica
relativamente à vida social portuguesa. Nesse mesmo ano, Eça de Queirós abraçou
um projeto literário com Ramalho Ortigão e ambos escreveram vários folhetos
mensais intitulados As Farpas, nos quais farpearam, isto é, criticaram
sarcasticamente vários aspetos da vida política e social, em Portugal.
A «4ª Conferência» do Casino lisbonense, proferida por Eça de Queirós, define o
Realismo como:
«A negação da arte pela arte; a proscrição do enfático e do piegas, (..) uma reação
contra o romantismo: o romantismo era a apoteose do sentimento; o realismo é a
anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos
próprios olhos - para nos conhecemos, para que saibamos se somos verdadeiros ou
falsos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade.>>
Desta forma, o Realismo é apresentado contra o Romantismo, opondo-se ao
egocentrismo e ao sentimentalismo piegas e defendendo o método analítico da
apreensão da realidade, para condenar e reformar os aspetos negativos da
sociedade.
Paralelamente, surge o Naturalismo, estética literária que se pode considerar como
um Realismo mais científico, que procura analisar os factos com base em
explicações científicas e filosóficas. Um exemplo disso é o Positivismo de Taine,
segundo o qual o comportamento do homem é determinado por fatores como o
meio social, a raça/hereditariedade e pelo seu momento histórico/educação
Os objetivos de crítica e de moralização da sociedade portuguesa da época,
através de uma caricatura do velho mundo, causaram um escândalo nacional,
levando, inclusivamente, a que o Governo proibisse as «Conferências do Casino»

2. Os Maias - resumo dos capítulos


Capítulo |
Os Maias eram uma antiga família pouco numerosa da Beira, reduzida a duas
pessoas: o senhor da casa, um senhor idoso, chamado Afonso da Maia e o seu neto
Carlos, que estava a estudar medicina em Coimbra.
Afonso adorava o silêncio da quinta de Santa Olávia, e Vilaça, procurador e amigo
de longa data dos Maias, aprovara a venda da Tojeira, mas não da casa de Benfica,
pois, para ele, quando Carlos terminasse o seu curso, deveria exercer medicina e
certamente não iria querer ficar nas margens do Douro, em Santa Olávia. Como tal,
meses antes de Carlos terminar o seu curso, Afonso anunciou que queria habitar o
Ramalhete. A casa de Lisboa estava inabitável e, para que tal fosse possível,
necessitava de muitas obras. Para além disso, constava que as paredes do
Ramalhete traziam desgraças para a família. Contudo, Afonso manteve a decisão e
solicitou que se realizassem as obras
Um ano mais tarde, o Ramalhete estava pronto, mas continuou vazio até Carlos
regressar da viagem pela Europa que fez depois de terminar o seu curso de
medicina. Assim, apenas no Outono de 1875 Afonso e o seu neto Carlos da Maia
foram habitar o Ramalhete.
Havia vinte e cinco anos que Afonso não via Lisboa e não passaram muitos dias
até suspirar pelas sombras de Santa Olávia. Mas nem admitiu sequer viver
separado do neto e este tinha intenções de fazer carreira ativa na capital.
Outrora, Afonso, filho de Caetano da Maia - um português absolutista e fiel -, havia
sido expulso pelo pai devido às suas ideias liberais, sem mesada e renegado como
um bastardo. Contudo, amolecido pelas lágrimas da mulher, limitou-se a desterrá-lo
para a Quinta de Santa Olávia. Alguns meses depois, Afonso voltou a casa do pai,
em Benfica, pedir-lhe a bênção e algum dinheiro para poder ir para Inglaterra. O pai,
que viu tal ato como um milagre divino, aceitou e Afonso partiu, tendo apenas
regressado a Lisboa por altura da morte do pai. Foi nessa altura, em Portugal, que
conheceu D. Maria Eduarda de Runa, com quem veio a casar e a ter um filho, Pedro
da Maia. Ficou a habitar em Portugal, mas uma noite, devido às suas ideias
revolucionárias, a polícia invadiu a sua casa em Benfica à procura de papéis e
armas escondidas. Desde essa manhã, não mais se abriram as janelas e os portões
até que, passado algum tempo, Afonso da Maia e a Sua família partiram para
Inglaterra, onde viveram abastadamente. Meses depois, a morte da mãe levou a tia
Fanny a ir viver com Afonso, em Richmond. À exceção de Maria Eduarda, todos
pareciam gostar daquele exílio dourado. Devido à sua saúde frágil e ao ódio à
língua e à religião, a mulher de Afonso da Maia não se adaptara nem ao clima inglês
nem aos costumes. Nem sequer permitiu que Pedro fosse estudar num colégio
inglês, mesmo sendo católico. Para providenciar a educação do filho, mandou vir de
Lisboa o padre Vasques, que lhe dava uma educação tradicional e muito
religiosa.Afonso, por vezes, interrompia a doutrina, levava Pedro a passear, apesar
de grande alvoroço da mãe, que tinha medo que se constipasse. Tal era a proteção
da mãe e das criadas que Pedrinho tinha medo do vento e das árvores. Afonso
acabou por desistir de libertar Pedro dos braços maternos. pois a sua mãe ficava
com acessos de febre. Após a morte da tia Fanny, a melancolia de Maria Eduarda
aumentou ainda mais. Para a distrair, Afonso levou-a para Itália, onde havia sol e o
Papa, mas Maria Eduarda choramingava pelos ares de Lisboa e, para a acalmar,
voltaram a Benfica.
Em Portugal, Maria Eduarda não melhorou. Definhava, imóvel, sentada num
canapé e recebia a visita do Padre Vasques e de outros clérigos que controlavam
aquela alma aterrada, ao mesmo tempo que comiam, bebiam e recebiam chorudas
mesadas. Pedro crescia pequenino e nervoso como a mãe, sofrendo crises de
melancolia que o traziam murcho, com grandes olheiras e fraco. A única coisa que o
animava era a paixão pela mãe. Quando a mãe, por fim, morreu, Pedro ficou muito
abalado, quase louco caindo numa angústia, num luto pesado que o levava a visitar,
todos os dias, a sua sepultura. Seguiu-se, depois, um período de vida dissipada e
turbulenta. Após um ano a voltar a casa de madrugada, exausto e bêbado, Pedro
retomou a vida melancólica até que, um dia, estando Pedro no Mar-rare, viu, parar
uma caleche azul, onde seguia uma jovem loura e de olhos maravilhosos - Maria
Monforte. O seu amigo Alencar, testemunhando o interesse de Pedro nessa mulher,
contou-lhe quem era: vinha dos Açores, tinha chegado havia dois anos com seu pai
Manuel, pois este havia morto um homem. Andara pelos Estados Unidos e
carregara cargas de negros para o Brasil, Havana e Nova Orleães. Fizera fortuna e
era proprietário. No entanto, quando em Lisboa se soubera desse passado de
tráfico de negros. foram apelidados de negreiros. Tal, contudo, não impediu a
paixão de Pedro e, uns tempos mais tarde. Pedro e Maria começaram a namorar,
sem Afonso saber. Afonso desconfiava, mas apenas teve confirmação quando Vilela
lhe disse que Maria não era apenas amante de Pedro - era solteira e namorava com
ele. Toda a Lisboa falava da paixão de Pedro da Maia pela «negreira».
No verão, Pedro partiu para Sintra, atrás dos Monforte que lá tinham alugado casa
e os jovens continuaram o seu idilio. Depois disso, numa manhã de inverno, Pedro
resolveu pedir licença ao pai para casar com Maria Monforte. Afonso desaprovou o
casamento, pois era filha de um assassino e de um negreiro. Pedro, furioso, jurou
que haveria de casar com ela e abandonou a casa paterna. Dois dias depois, Vilaça,
em lágrimas, informou Afonso que Pedro se havia casado naquela madrugada e
que partiria com a noiva para Itália. Afonso, desgostoso, afirmou que, dali em diante,
só haveria um talher à mesa e, a partir, daquele momento, nunca mais se falou de
Pedro da Maia.
Capítulo II
O casal vivia feliz em Itália mas, um dia, Maria sentiu vontade de ir para Paris e ali
habitar um ninho de amor nos Campos Elísios. Mudaram-se mas, quando Maria
engravidou, Pedro não descansou enquanto não a retirou daquela cidade agitada
que já só falava em revolução. A pedido de Maria, Pedro escreveu a seu pai uma
terna missiva na esperança de que os acolhesse e os perdoasse, no entanto,
Afonso da Maia partiu para Santa Olávia dois dias antes de Pedro e Maria
chegarem.
Uma separação profunda cavou a relação entre pai e filho e, quando nasceu uma
filha, Pedro não comunicou o acontecimento ao seu progenitor. Quando a pequena,
linda, loura e com os belos olhos negros dos Maias, completou um ano, houve um
grande baile na casa de Arroios, onde compareceram as pessoas que outrora
tinham horror à negreira.
A partir dessa festa, muitas outras festas luxuosas se seguiram. Eram as soirées
mais alegres de Lisboa. Todos os amigos de Pedro amavam Maria, fazendo-lhe,
inclusive, declarações de amor. Pedro, embora não sentisse ciúmes, fartava-se
daquele clima luxuoso e de festa.
Quando Maria teve um segundo filho, Pedro pretendeu reconciliar-se com Afonso.
Para tal, surpreenderia o pai em Santa Olávia, com os dois filhos. Quis até dar ao
pequeno o seu nome mas Maria não consentiu. Como andava a ler uma novela cujo
protagonista era o romanesco príncipe Carlos Eduardo, nome que lhe parecia conter
um destino de amores e aventuras. E assim ficou: Carlos Eduardo da Maia.
Contudo, quer o batizado, quer a partida para as margens do Douro foram
atrasados. Enquanto caçava, Pedro feriu, sem intenção, um príncipe napolitano de
nome Tancredo, que acabou por ficar alojado em sua casa para recuperar. Este
homem esplêndido foi entrando na vida de Maria e, mesmo já restabelecido, voltava
a visitar a casa de Pedro e a abrilhantar as suas soirées.
Tempos depois, no regresso de Pedro, que tinha estado ausente de Lisboa
durante dois dias, descobriu-se que Maria tinha fugido com o italiano e levado a filha
pequena. Pedro procurou consolo junto do pai, que ficou indignado com aquela
situação. Segundo Afonso, o filho estragara o sangue da raça e cobria, agora, a
casa de vexame. Mas como pai, lamentava o estado deplorável do filho e tentou
com ternura obviar tamanha dor.
Pedro trazia consigo o pequeno Carlos Eduardo que rapidamente conquistou a
atenção e o amor do avô. Depois de desabafar com Afonso, contando a história da
traição da mulher, Pedro retirou-se para o seu quarto onde, de madrugada, se
suicidou com um tiro de pistola. Afonso, dias depois, fechou a casa de Benfica e
partiu com o neto e os criados para Santa Olávia. Segundo Vilaça, que o visitou dois
meses mais tarde, Afonso não teria mais de um ano de vida.
Capítulo III
No entanto, passaram vários anos. Vilaça regressou a Santa Olávia onde
encontrou Carlos já crescido, saudável, alegre, muito parecido com os Maias, e
Afonso, feliz, entregue à suprema missão de o educar. O avô contratara um percetor
inglês, Mr. Brown, que educava o pequeno segundo o modelo inglês: ainda não
tinha cinco anos e já dormia sozinho e todas as manhãs tomava banho de água
gelada. De igual modo, praticava exercício físico no exterior e estava subordinado a
uma alimentação bastante controlada. Muita dureza, segundo Teixeira, o mordomo,
que explica a Vilaça que o inglês até o tinha ensinado a remar e a fazer habilidades
no trapézio. Teixeira era contra este tipo de educação liberal, dizia que não se
adequava a um fidalgo português. O abade Custódio, que se encontrava para jantar,
também não concordava, afirmando que o latim deveria ser a base da educação.
Mas Brown discordava totalmente desta conceção de educação e repetia que o
primeiro dever do homem era viver e que, para isso, era necessário ser forte e
saudável.
No final de um jantar, Carlos anunciou que ia buscar «a noiva», Teresinha, da
família Silveira. No serão estavam D. Ana Silveira, a mais velha e talentosa da
família, uma grande autoridade em Resende em etiqueta e na doutrina, D. Eugénia,
viúva e excelente senhora, que tinha dois filhos, Teresinha, uma rapariguinha magra
e viva com cabelos negros, e Eusebiozinho, um rapaz tímido, medroso, frágil e
muito estudioso - o oposto de Carlos da Maia. Também lá estava o doutor delegado,
que quase fazia parte da família, um amigo que tinha ponderado casar com D.
Eugénia, mas que nunca se tinha decidido.
O serão decorria na saleta, entre jogos, conversas sobre a dor do doutor juiz de
direito e as malhas indolentes do crochet de D. Eugénia quando Carlos rompeu pela
sala, arrastando Teresinha no ar e vermelha de contentamento. A agitação e o
barulho levou D. Ana, com voz severa, a interromper a brincadeira. Carlos voltou-se,
então, para o Eusebiozinho e provoca um motim, fazendo com que este solte gritos
medonhos e que a sua mãe quase chore.
Afonso obrigou o neto a ir para a cama, sublinhando que era necessário método na
educação das crianças e que estas à noite devem dormir. Depois de uma discussão
sobre os processos educativos ingleses e portugueses, D. Ana, para demonstrar os
benefícios da educação nacional, pediu a Eusebiozinho que declamasse uns versos
que havia decorado prometendo que, se o fizesse, dormiria com ela naquela noite.
Eusebiozinho recitou todo o poema, sempre com os olhos pregados na sua tia.
Vilaça ficou muito impressionado com a capacidade de Eusebiozinho e logo o
elogiou junto de Afonso. Este contou como era a educação à portuguesa deste
Silveirinha: ainda dormia no choco com as criadas, não o lavavam para que não se
constipasse e passava os dias nas saias da tia a decorar versos e a ler um
catecismo que ensinava que o Sol andava em torno da Terra e que Nosso Senhor
todas as manhãs dava ordens ao Sol.
Vilaça riu-se e falou-lhe sobre Maria Monforte, que estaria em Paris como
prostituta. E para que o seu testemunho fosse mais fiável, Vilaça mostrou a Afonso
uma carta de Alencar, o poeta das «Vozes de Aurora», narrando como se
encontrara com Maria. Tinha vivido três anos em Viena de Áustria com um
Tancredo, mudando-se depois para o Mónaco, onde aquele fora morto em duelo.
Depois de uns tempos em Londres, fixara-se em Paris. Ninguém sabia, contudo,
notícias da filha, e Vilaça acreditava que estaria morta, pois, se estivesse viva, a
Monforte teria tentado reclamar a herança que lhe pertencia.
Na véspera da partida do administrador para Lisboa, Afonso revelou-lhe os seus
planos: iria pedir a um primo de Paris que procurasse Maria Monforte e lhe pagasse
para que devolvesse a filha, no caso desta se encontrar viva, e pediu a Vilaça que
conseguisse, junto de Alencar, a morada da mulher em Paris. Passadas duas
semanas, Afonso recebeu uma carta de Vilaça que continha não só a morada de
Maria Monforte mas também a revelação de que a filha tinha morrido em Londres.
No entanto, Afonso escreveu na mesma a seu primo. André de Noronha, que lhe
revelou que Maria Monforte fora para a Alemanha com um acrobata de circo. Afonso
remeteu esta carta a Vilaca que Alenometeu ir com o seu filho Manuel visitar Santa
Olávia. Contudo, dois dias depois, chegava um telegrama de Manuel Vilaça
anunciando a morte do pai.Afonso ficou afetado com esta morte do seu
administrador e ofereceu ao filho o cargo do pai.
Uns anos mais tarde, Carlos realizou o seu primeiro exame em Coimbra. Foi um
excelente exame, que deixou todos os professores muito impressionados. O
resultado deixou Afonso comovido a ponto de não conseguir evitar as lágrimas.
Capítulo IV
Carlos ia formar-se em Medicina. A vocação revelara-se num dia em que
descobrira no sótão um rolo de estampas anatómicas que pregou nas paredes
durante dias, exibindo fígados, intestinos e cérebros abertos. Esta inesperada
carreira não merecia a aprovação dos fiéis amigos de Santa Olávia, sobretudo das
senhoras, que achavam um desperdício um jovem tão formoso a receitar
emplastros.
O que seduzia Carlos nessa profissão era efetivamente o lado militante e heróico
da ciência que permite dar batalhas à morte. Para os longos anos de estudo em
Coimbra, o avô preparara-lhe uma linda casa em Celas que um amigo de Carlos,
João da Ega, apelidou de «Paços de Celas» por causa dos luxos raros na
Academia. Afonso vinha, às vezes, passar um tempo com o neto e convivia com os
seus amigos com um ar simpático de patriarca boémio.
Ega cursava Direito mas sem grandes preocupações, pois chumbava anos a fio.
Sua mãe, uma viúva rica e beata, retirada numa quinta ao pé de Celorico de Basto,
não tinha uma ideia precisa sobre o que o seu filho fazia tantos anos em Coimbra.
Na verdade, João da Ega era considerado na Academia como o maior ateu e o
maior demagogo que jamais aparecera nas sociedades humanas. Boémio, sempre
enleado em amores com filhas de empregados, esgrou-viado e rebelde, a sua fama
de fidalgote rico tornava-o apetecido nas famílias.
Tal como Ega, também Carlos se havia enredado em episódios românticos com a
mulher de um empregado do Governo Civil e com uma soberba rapariga espanhola
que, ao fim de umas férias, ele trouxera de Lisboa.
No ato de formatura de Carlos houve uma alegre festa em Celas. Depois, Carlos
partiu para uma longa viagem pela Europa. Um ano mais tarde, no outono de 1875,
Afonso esperava ansiosamente pelo neto no Ramalhete.
Os amigos da casa foram unânimes em considerar que a viagem fizera bem ao
rapaz: estava magnífico, com os cabelos pretos em anéis e os olhos dos Maias,
ternos e graves. A barba e o bigode davam-lhe uma fisionomia de belo cavaleiro da
Renascença.
Carlos tencionava montar um consultório e um laboratório em Lisboa, vontades
que depressa satisfez com a ajuda do avô: o laboratório foi montado num velho
armazém e o consultório num primeiro andar em pleno Rossio. Num dia em que
estava preguiçando no consultório lendo uma revista, Carlos recebe a visita de João
da Ega, agora um dandy vistoso, exibindo um casaco de príncipe russo com uma
rica e fofa pele de marta. Depois de contarem pormenores dos últimos tempos em
que não se viram, Ega anunciou que ia publicar o livro que há tanto tempo andava a
escrever, intitulado «Memórias de um átomo», obra que os seus admiradores, em
Coimbra, consideravam uma bíblia.
Capítulo V
Os serões do Ramalhete decorriam entre conversas, jogos de cartas e bilhar.
Muitos amigos convergiam para estes encontros, entre eles Euzebiozinho, Vilaça e
vários políticos, diplomatas, artistas e representantes da aristocracia. Falava-se de
tudo um pouco, da política às mulheres.
Carlos começava a ser conhecido como médico, no entanto não tinha tempo para
se ocupar do laboratório, apesar de estar concluído e ricamente decorado.
Escrevera dois artigos para a Gazeta Médica e tinha um projeto para fazer um livro
de ideias gerais intitulado «Medicina antiga e moderna». Para além disso, ocupava-
se dos seus cavalos e do seu luxo. Atraía-o, de igual modo, uma antiga ideia de Ega
de criar uma revista que fosse a forca pensante de Lisboa. Queria discutir essa ideia
com o amigo mas este andava focado em Raquel Cohen, mulher do diretor do
Banco Nacional, Jacob Cohen e, em Lisboa, todos falavam «do arranjinho do Ega».
Os seus companheiros eram agora Dâmaso Salcede, amigo de Jacob Cohen, e um
primo de Raquel. Um dia em que Ega o visita no consultório para lhe mostrar o
manuscrito do seu Átomo, Carlos recebe uma proposta para ir «gouvarinhar», isto é,
para fazer uma visita aos condes de Gouvarinho, que o desejavam conhecer,
especialmente a condessa.
Em casa, Carlos fala com o criado de quarto que tinha desde os onze anos, o
Baptista (familiarmente o "Tista") sobre os condes de Gouvarinho e consegue
recolher algumas informações: o conde não era nada cavalheiro, ela e a condessa
não se davam nada bem e as questões eram sempre por causa de dinheiro.
Foi numa noite no teatro de S. Carlos que Ega apresentou Carlos aos senhores
condes de Gouvarinho. tendo a condessa informado Carlos que recebiam às terças-
feiras, num convite implícito deixado no ar.
Capítulo VI
Desde que chegara a Lisboa, Ega tinha-se instalado na Vila Balzac para, num
ambiente campestre e silencioso dos subúrbios, findar as suas Memórias de um
Átomo. Carlos resolve visitar o seu amigo, que lhe mostra a casa, e Carlos conta-lhe
o que se passara dias antes em casa dos Gouvarinho, afirmando que tinha Cido
uma «seca». Ega adianta que a Gouvarinho era uma mulher deliciosa e que o
amigo era uma espécie de Don Juan, à procura da mulher ideal. E se cada homem
tinha necessariamente de encontrar «a sua mulher», Carlos e a sua estavam
«irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro».
Saem no coupé de Carlos e, ao entrar no Largo da Graça, encontram Craft, que
Ega apresenta ao amigo. Combinam um jantar no dia seguinte no Hotel Central.
O iantar, contudo, foi adiado pois Ega resolveu convertê-lo numa festa de
homenagem a Cohen. No dia combinado, entravam os amigos no átrio do Hotel
Central quando uma senhora alta, loura e muito bela lhes chamou a atenção. Esta
senhora foi motivo de conversa dos homens que se juntaram para o jantar, entre os
quais Dâmaso Salcede, apresentado nessa ocasião a Carlos da Maia.
Dâmaso Salcede informou que havia chegado de Paris e que havia conhecido a
bordo do navio a família Castro Gomes que, segundo ele, era gente muito chique.
Em Paris vivia um seu tio, o Sr. de Guimarães que, segundo Ega, «governava a
França».
Um dos participantes do jantar no hotel Central era Alencar, poeta romântico, que
fora amigo do pai de Carlos da Maia. Alencar contou a Carlos várias histórias da sua
infância, entre as quais a do dia em que tinha sugerido à mãe de Carlos o nome
com que o havia de registar - Carlos Eduardo.
Vários foram os assuntos de discussão ao jantar mas o principal foi o do
naturalismo, essa literatura que Alencar abominava por ser romântico e a que
chamava «o excremento». Ega horrorizava-se com as ideias de Alencar e a
discussão tornou-se intensa até que derivou para outros assuntos, como a finança e
a política portuguesa.
Mais tarde, Carlos não resistiu a perguntar a Dâmaso mais informações sobre a
senhora loura que tinha visto no átrio do hotel, a Castro Gomes.
Quando o jantar acabou, Alencar acompanhou Carlos a casa e fala-lhe com muita
nostalgia do seu passado, desses «grandes tempos» da sua mocidade e, em
especial, da sua amizade com Pedro da Maia e da história de Maria Monforte.
Nessa noite, Carlos adormeceu tarde e sonha com a deusa deslumbrante com
quem se cruzara à porta do Hotel Central.
Capítulo VII
Craft tornara-se íntimo no Ramalhete por ter gostos idênticos aos de Carlos e
porque Afonso sentia por ele elevada estima.
Carlos saía pouco de casa. No consultório, tinha poucos clientes e trabalhava no
livro sobre medicina antiga e moderna. Também Dâmaso se tornara frequentador do
Ramalhete, procurava imitar Carlos e seguia-o para todo o lado. Ega, por seu lado,
andava ocupado com a tentativa de organizar um baile de máscaras na casa dos
Cohen.
Um dia, depois de uma lição de esgrima no Ramalhete, Carlos convida Dâmaso
para jantar no dia seguinte, mas este falta e Carlos, estranhando esta ausência,
procura-o por todo o lado. Ao chegar ao fim da Rua do Alecrim, encontra o conde de
Steinbroken, que se dirigia a pé para o Aterro, e resolve acompanhá-lo. Nessa
altura, vê, pela segunda vez, a mulher maravilhosa com que se cruzara no Hotel
Central. E embora o conde lhe dissesse que o Aterro não era um lugar divertido,
Carlos desloca-se ali várias vezes durante a semana, na esperança de encontrar
Castro Gomes.
Ao fim dessa semana, estava Carlos no consultório quando a condessa de
Gouvarinho o procura com a desculpa da doença do filho. Carlos mostra-lhe e esta
convida-o para tomar chá consigo em sua casa.
Carlos vem a saber que o desaparecimento do Dâmaso se devia ao facto de ele
andar a frequentar a casa dos Castro Gomes e Taveira informa-o o que eles estão
de visita a Sintra. Durante um serão no Ramalhete, Carlos convida o maestro
Cruges a ir a Sintra no dia seguinte, impulsionado pela informação que acabara de
receber.
Capítulo VIII
Na manhã seguinte, estava um lindo dia de sol quando Carlos da Maia e Cruges
partem para visitar Sintra. Este confessa que desde os seus nove anos que não vai
a Sintra e prepara-se para desfrutar do passeio. Quando chegam ao Ramalhão,
Carlos informa o amigo de que não vão hospedar-se no hotel Lawrence, mas não
Nunes, porque aí se come muito melhor. Na verdade, Carlos queria evitar um
encontro imediato com os Castro Gomes, o que perturbaria as suas intenções.
No Nunes encontram Eusebiozinho com o amigo Palma e duas espanholas, suas
acompanhantes. Depois de cumprimentos e embaraços. Carlos e Cruges decidem
dar um passeio a Seteais. O maestro estava encantado até aí com todos os
recantos, e de vez em quando recordava que tinha de comprar queijadas para levar
a sua mulher. Pelo caminho, encontram Alencar que, satisfeito com este encontro,
resolve voltar a Seteais com eles.
Cruges não conhecia o local e ficou desapontado pelo estado de abandono em
que se encontrava. Alencar, contudo, apontou os pormenores do Local e a beleza
da paisagem, sobretudo do Palácio da Pena visto através do arco de Seteais. Este
cenário impressionou deveras o maestro.
De volta ao Lawrence, Carlos pergunta a dois burriqueiros se Dâmaso e os Castro
Gomes tinham ido à Pena. Veio a saber mais tarde, por um criado do Lawrence, que
tinham partido na véspera para Mafra. Carlos decide, então, voltar para Lisboa, mas
não sem antes jantarem. Depois de jantar partiram, dando boleia a Alencar, que
também regressava a Lisboa. No caminho, Cruges dá um berro que assusta os
companheiros de viagem: esquecera-se das queijadas!
Capítulo IX
Carlos recebe um convite do conde de Gouvarinho para jantar no sábado seguinte.
Entretanto, chega Ega à procura de uma espada que complete o fato para o baile
dos Cohen. Mais tarde, já Ega tinha saído, aparece Dâmaso esbaforido, pedindo a
Carlos que fosse ver um doente com urgência - a menina de seis anos, filha
«daquela gente brasileira», que ficara no hotel com a governanta enquanto os pais
se tinham deslocado a Queluz.
Já no Hotel Central, Carlos observa Rosa e tranquiliza a governanta, Miss Sara,
quanto ao estado de saúde da criança. Passa uma receita e diz que a criança está
bem, não havendo necessidade de a ver outra vez.
Quando saem do hotel, Carlos e Damaso falam sobre a família brasileira. Dâmaso
informa que o marido tem de partir por uns tempos para o Brasil e que a mulher
ficará em Lisboa. Bom pretexto para encetar um romance com ela, tal era a vontade
de Dâmaso. Durante a conversa, Carlos fica a saber que a mulher de Castro Gomes
é, desde pequena, amiga íntima do tio de Dâmaso, o Sr. de Guimarães.
À noite, quando se preparava para o baile dos Cohen, Carlos é surpreendido pela
presença aflita de Ega, mascarado de Mefistófeles, dizendo que Cohen o expulsara
de casa, à frente de várias pessoas e chamando-o de infame. Tudo indica que
Cohen havia descoberto o romance entre ele e a sua mulher. Ega está fora de si,
grita que o quer matar e que o vai desafiar para um duelo. Carlos tenta dissuadi-lo
de tamanho disparate.
No dia seguinte, a criada de Raquel Cohen vai à Vila Balzac anunciar que aquela
tinha sido espancada pelo seu marido e que tinham partido para Inglaterra. Ega
dorme nessa noite no Ramalhete e decide deixar Lisboa.
Durante a semana seguinte, Carlos fica cada vez mais íntimo dos condes de
Gouvarinho. No entanto, o seu pensamento recaía na mulher de Castro Gomes e no
desejo que tinha que lhe fosse apresentada. Visita a Gouvarinho e, finalmente a sós
com ela, beija-a, mesmo antes da chegada do marido.
Capítulo X
O capítulo inicia com a narração de um encontro entre Carlos e a condessa de
Gouvarinho, num coupé de praça transformado em ninho de amor. Até então,
encontravam-se numa casa da Rua de Santa Isabel, pertencente a uma tia da
condessa que fora para o Porto. Carlos começava a sentir-se farto daquela relação,
por a condessa ter ideias de fugir com ele e tentar aprofundar o sentimento que os
unia.
Depois de se ter apeado à esquina da Patriarcal, Carlos desceu a Rua de S.
Roque quando encontrou o marquês de Souselas, tristonho e com um embrulho na
mão, que o informou que as corridas de cavalos tinham sido antecipadas para o
domingo seguinte. Carlos ficou radiante, pensando que seria nesse dia que iria
conhecer a mulher de Castro Gomes, pois certamente Maria Eduarda não faltaria a
esse grande evento social. Ambos continuaram o caminho falando das corridas até
que, adiante do Grémio, Carlos viu dentro de um coupé da Companhia, a pequena
Rosa, que o reconheceu e lhe estendeu a mão dizendo adeus, e sua mãe, a
magnífica mulher de Castro Gomes. Tirou o chapéu de forma reverente, num
momento único que não passou despercebido ao marquês.
Enquanto se dirigem ao Ramalhete, Carlos vai pensando em estratégias para
conhecer aquela maravilhosa mulher. Ao serão, em casa de Afonso da Maia, fala-se
das tão esperadas corridas de cavalos e de outros entretenimentos tão portugueses
como as touradas. Carlos pede a Dâmaso que convide os Castro Gomes para ver
as coleções de Craft e para discutir bricabraque.
O domingo estava quente e radioso, dia propício para assistir às corridas de
cavalos. Carlos e Craft resolvem ver o aspeto geral do espaço do evento, a tribuna e
a pista. Carlos cumprimentou algumas pessoas conhecidas e falou com D. Maria da
Cunha, uma velha amiga. A medida que o tempo ia passando. compreendia que
nem a condessa de Gouvarinho nem a Castro Gomes estavam presentes. Sentiu-se
desanimado e as corridas deixaram de ter interesse para ele. De repente, um
reboliço e uma algazarra chamaram a atencão de todos. Uma discussão com
acusações de «compadrice e ladroeira» tinha cau-todo uma grande desordem e
aquele, que era um evento da alta socredade. dava a conhecer «a linha postiça de
civilização e a atitude forçada de decoro».
Pouco depois, a pista fechou para se correr o Grande Prémio Nacional. Carlos viu
a Gouvarinho, que decerto acabara de chegar e conversava com D. Maria da
Cunha. Assim que teve oportunidade, a condessa explicou a Carlos um plano que
imaginara: ela tinha de ir ao Porto, Carlos tomava o mesmo comboio, ambos
desciam em Santarém e ficavam num hotel. Ele encolheu os ombros, indignado com
este plano. Quando procurava saber mais detalhes, chegou o conde de Gouvarinho
junto deles.
Carlos, por divertimento e para animar as corridas, decidiu apostar no cavalo
Vladimiro, que aparentemente não prometia ser vencedor, mas que
surpreendentemente foi o primeiro a cortar a meta.
Carlos procurou Dâmaso e finalmente conseguiu encontrá-lo. Este conta-lhe que
Castro Gomes partira para o Brasil e que a mulher estava instalada no primeiro
andar do prédio do Cruges. Carlos pensa numa desculpa para falar com Cruges, só
para passar pelo prédio da Rua de S. Francisco. No entanto, quando lá chega, a
criada informa que o amigo não se encontra em casa.
Carlos regressa ao Ramalhete, onde encontra Craft. Para sua surpresa, um criado
entrega-lhe uma carta da senhora Castro Gomes, pedindo-lhe para con-sultar, na
manhã seguinte, uma pessoa de família que se encontrava doente. Carlos estava
resplandecente e até Craft comentou que algo de muito bom tinha acontecido ao
seu amigo.
Capítulo XI
Na manhã seguinte, Carlos deslocou-se a pé do Ramalhete até à Rua de S.
Francisco. O criado Domingos (conhecido de Carlos) introduziu-o numa sala alta e
espaçosa e pediu-lhe que aguardasse, pois ia informar a Sr. D. Maria Eduarda da
sua presença. Pela primeira vez, Carlos ouvia o nome dela. E que coincidência:
Carlos Eduardo e Maria Eduarda!
Era a governanta inglesa que estava doente. Maria Eduarda veio ao seu encontro
e a sua presença pareceu-lhe mais radiante, de uma beleza nobre quase
inacessível. Depois de consultar a envergonhada Miss Sara, Carlos volta à sala
anunciando que a governanta tinha uma bronquite ligeira, com pouca febre, mas
que precisava de resguardo.
Na conversa que se seguiu, Carlos fica a saber que Maria Eduarda é portuguesa.
Quando se despedem, ela exclama que ele deve lá ir no dia seguinte.
A ideia de lá voltar tornou-se grandiosa, mas no seu quarto, no Ramalhete,
Baptista entregou-lhe uma carta da condessa de Gouvarinho. Não se voltara a
lembrar dela, mas devia partir com a Gouvarinho no comboio dessa noite. Não iria,
estava certo, mas tinha de ir a Santa Apolónia e dar-lhe uma desculpa qualquer.
Teve-lhe ódio naquele momento.
Quando à noite se dirigiu para a sala de espera da estação de comboios esbarrou
com Dâmaso, que julgou que Carlos estava ali para se despedir dele. la de viagem,
pois tinha morrido o seu tio Guimarães, o mais velho, o de Penafiel. Ambos
avistaram os Gouvarinho. Afinal, o conde insistira em acompanhar a mulher ao
Porto, aos anos do papá. A condessa estava furiosa!
Durante semanas, visitou a governanta inglesa e foi-se tornando mais íntimo de
Maria Eduarda. Falaram de Dâmaso e do seu tio Guimarães de Paris, conhecido da
mãe dela, de histórias do passado de ambos e de afeicões. Uma tarde, o próprio
Dâmaso apareceu em casa de Maria Eduarda quando Carlos lá estava. Este,
furioso, resolveu ir-se embora. Mais tarde, Dâmaso vai a casa de Carlos perguntar
como é que Carlos tinha conhecido Maria Eduarda.
No final do capítulo ficamos a saber que Ega está de regresso a Lisboa, assim
como os Cohen, vindos de Inglaterra. Na opinião de Dâmaso, vinha aí escândalo.
Capítulo XII
No sábado seguinte, quando Carlos regressava da Rua de S. Francisco, Ega
esperava-o no seu quarto do Ramalhete. Vinha a Lisboa só por uns dias para comer
bem e conversar bem e contava com Carlos para o acompanhar e lhe disponibilizar
um quarto onde ficar. Informou Carlos que viera com a Gouvarinho, que só lhe
falara de Carlos, e que estavam ambos convidados para jantar na segunda-feira.
Carlos deu-lhe a novidade da chegada dos Cohen.
Enquanto seguiam para o jantar em casa dos Gouvarinho, Ega pergunta a Carlos
quem era a brasileira que ele visitava todas as manhãs. Carlos pergunta ao amigo
quem lhe tinha contado e fica a saber que Dâmaso contava histórias sobre as suas
idas à Rua de S. Francisco, repetindo-as por todo o lado. Carlos ficou furioso com
esta situação.
Conversou-se muito durante todo o jantar, mas Carlos e a condessa, sentados ao
lado um do outro tinham-se mantido reservados até que ele, em voz baixa, lhe
perguntou quem lhe tinha falado da brasileira. A condessa respondeu-lhe que fora
Dâmaso e Carlos explicou-lhe que tinha lá ido como médico da governante e que
tinha sido o próprio Dâmaso a levá-lo como médico. A condessa rejubilou e acabou
por lhe propor encontrarem-se no dia sequinte na casa da tia.
No dia seguinte, Carlos, que se demorara mais do que queria com a condessa em
casa da tia, voou para a Rua de S. Francisco receando que Maria Eduarda tivesse
saído. Encontra-a em casa, acolhendo-o com uma carinhosa repreensão e um
convite para tomar chá. Conversaram animadamente na presença de Rosa, até que
esta saiu e Domingos veio anunciar que Dâmaso estava à porta. Maria Eduarda,
irritada, disse que não o recebia e pediu encarecidamente a Carlos que lhe
arranjasse outro lugar para morar, longe do centro e inacessível aos importunos.
Carlos lembrou-se logo da bonita casa de Craft, nos Olivais, que este manifestara
intenções de vender. Entre descrições da casa e projetos de a habitar, acabam
fazendo declarações de amor e Carlos propõe-lhe que fujam. Maria Eduarda repete
que tem algo para lhe dizer e que não se conhecem bem, mas acaba por se deixar
enlear na expressão arrebatadora daquele amor.
No dia seguinte, Carlos fechou negócio com Craft: este cedia todos os seus
móveis, e como Carlos não tinha, no Ramalhete, lugar para tudo, Craft alugava-lhe,
por um ano, a casa dos Olivais com a quinta. Correu, então, à Rua de S. Francisco,
a anunciar a Maria Eduarda que lhe arranjara a casa de campo que ela
ambicionava.
Carlos não tinha segredos para Ega e acabou por contar, com grande surpresa do
amigo, toda a história desde o momento em que vira Maria Eduarda na entrada do
Hotel Central.
Capítulo XIII
Baptista avisa Carlos que Ega lhe queria falar de uma coisa grave. Antes de subir
ao quarto do amigo, Carlos vê o correio e lê uma carta da Gouvarinho que, num tom
amargo, se queixava de que, por duas vezes já, Carlos faltara ao rendez-vous em
casa da tia. Mostra a carta ao Ega, que vê nela um pretexto para o amigo acabar o
romance com a condessa e, num tom sério, informa o amigo que Dâmaso andava
por toda a parte a falar da relação de Carlos e de Maria Eduarda. E o assunto era
tagarelado pelo Grémio e pela Casa Havaneza com detalhes insultuosos. O mesmo
lhe confessou Alencar, quando o encontrou mais tarde, no momento em que saía da
casa de Maria Eduarda. Assim que vê Dâmaso descendo a rua ao lado de Cohen e
de Gouvarinho, Carlos dirige-se-Lhe, ameaçando arrancar-lhe as orelhas se
continuasse a falar mal dele e das pessoas das suas relações.
No dia seguinte, Carlos aguardou Maria Eduarda na quinta do Craft para uma visita
à sua futura residência. Percorreram os aposentos, observaram todos os
pormenores, apreciaram a paisagem, fizeram projetos para o seu ninho de amor.
Decidiram atribuir-lhe um nome - a Toca. Mas o quarto desagradou a Maria Eduarda
pelo luxo estridente e sensual. Os ornamentos, as cores, um painel antigo com uma
cabeça degolada, uma coruja empalhada que fixava o leito, tudo lhe pareceu
excessivo e assustador. Carlos propôs-lhe mudar tudo o que ela não gostava.
Afonso da Maia festejava o seu aniversário no dia seguinte. Quase todos os
amigos da casa jantavam no Ramalhete. Afonso anunciou a sua intenção de ir
passar uma temporada em Santa Olávia. Carlos jogava bilhar com o marquês
quando foi interrompido por Baptista, anunciando que estava uma senhora dentro
de uma carruagem que lhe queria falar. Surpreendido, Carlos descobre que é a
Gouvarinho que, desesperada, lhe pede que defina de uma vez por todas a sua
relação. Carlos explica-lhe que, para bem dela, devem transformar o sentimento que
os une numa amizade agradável e nobre. Ela chora, pede-lhe que a não deixe,
beija-o, o que a fez repelir Carlos para o canto do coupé. Estava cansado e aquilo
era um absurdo. E aos gritos da Gouvarinho de que a brasileira só o queria por
dinheiro, Carlos saiu e abalou, trémulo, a grandes passadas, para o Ramalhete.

Capítulo XIV
No mesmo dia em que Afonso da Maia partia para Santa Olávia, Maria Eduarda
instalava-se nos Olivais. No dia seguinte, Baptista informa Carlos que Ega partira
para Sintra. À noite, depois do jantar, Carlos vai ao Grémio, onde encontra Taveira,
que o adverte sobre as ameaças de Dâmaso do escândalo que se prepara
envolvendo Carlos. Deslocam-se até ao Price, mas Carlos não se demora e, ao sair,
encontra Alencar e o tio de Dâmaso, o Sr. Guimarães, a quem Alencar o queria
apresentar.
No regresso ao Ramalhete, Carlos pensava no pai e na sua amizade com o
Guimarães. E pensava ainda no desgosto que poderia ter o avô, vendo-o envolvido
com Maria Eduarda. Tornava-se forte o desejo de fugir para Itália com a mulher
amada. Carlos visitava-a todos os dias nos Olivais, mas esses encontros diurnos
tornaram-se insuficientes para o seu amor e ambos combinaram encontros
noturnos. Para esse efeito, Carlos tratou de alugar uma casita, à beira da estrada e,
a partir daí, começaram a encontrar-se todas as noites.
No início de setembro, Craft visita Carlos vindo de Santa Olávia e diz-lhe que o avô
está magoado por ele não o ter ido visitar. Nessa noite, Carlos falou a Maria da
visita que tinha de fazer ao avô e ela confessou-lhe o desejo de conhecer o
Ramalhete. Esta visita ficou combinada para o dia em que Carlos partia para Santa
Olávia.
Assim aconteceu. Maria ficou encantada com a casa, em especial com o escritório
de Afonso e o jardim. Manifestou-se angustiada pelo facto de Carlos ter de deixar
todo aquele conforto para fugir com ela. Ao jantar, Maria comentou que Carlos era
parecido com a sua mãe, em certos jeitos e na maneira de sorrir. De repente,
apareceu Ega, regressado de Sintra, e Carlos achou melhor que o encontro se
desse ali, de forma natural. Depois de conversarem sobre o que Ega andara a fazer
em Sintra, Carlos e Maria Eduarda saíram de casa, instalando-se num coupé que
levaria Carlos a Santa Apolónia e Maria à Toca.
No sábado seguinte, Carlos regressou de Santa Olávia. Ao almoço, com Ega,
confidenciou que ambicionava instalar Maria em Itália e visitar regularmente
Portugal para ir revelando, progressivamente, o seu amor por aquela mulher. Mas
Ega achava que a melhor cidade para viver o amor era Paris. Baptista, entretanto,
interrompeu os amigos para entregar a Carlos um bilhete que anunciava a presença
do Castro Gomes. Carlos, surpreendido e intrigado, recebe-o no salão grande.
Castro Gomes mostrou a Carlos uma carta anónima que tinha recebido no Brasil, a
denunciar a relação de Carlos com Maria Eduarda. Revelou a Carlos que Maria
Eduarda não era sua mulher e que Rose também não era sua filha, portanto, para
não passar pela fama de marido atraiçoado, se limitava a retirar-lhe o seu nome,
deixando-a com o nome de madame Mac Gren, que ela usava anteriormente.
Uma revolta furiosa apoderou-se de Carlos, ferido no orgulho e na sua
ingenuidade. Ao contar a Ega o sucedido, este compreendeu que a situação era
horrível, mas simplificou a questão pragmaticamente dizendo que o facto de Maria
Eduarda não ser casada com Castro Gomes solucionava os obstáculos que
impediam aquele amor.
Carlos pensou em escrever uma carta a Maria Eduarda a terminar a relação entre
eles, enviando-lhe dinheiro. Mas após muito refletir, decidiu deslocar-se aos Olivais.
Ega assegurou-lhe que teria sido Dâmaso o autor da carta anónima dirigida a
Castro Gomes, e Carlos lembrou-se da conversa com Taveira, em que este lhe
contara sobre o propósito de preparar um grande escândalo em Lisboa, envolvendo
tiros e um duelo.
Carlos dirigiu-se, então, aos Olivais, mas antes de chegar a quinta, encontra
Melanie, transtornada, que o informa que a senhora estava aflita, perdida de choro e
desejando morrer. Confidencia ainda que Maria Eduarda já não levantava o dinheiro
que Castro Gomes lhe enviava, por isso Carlos a tinha encontrado um dia à porta do
Montepio, onde fora empenhar uma pulseira da senhora.
Ao chegar aos Olivais, Carlos encontrou Maria Eduarda em pranto e com vontade
de lhe contar o seu passado, mostrando que tinha sido a mãe a culpada da sua
desgraça. Em choro, pediu perdão a Carlos, relembrando o dia em que tentara falar
com ele, insistindo que tinha algo para lhe dizer. Carlos mostrava-se ultrajado com a
sua mentira mas, por fim, não conseguindo resistir mais e tomado pela emoção,
pediu-a em casamento.
Capítulo XV
Carlos e Maria viveram momentos de enlevo e até confessaram a Rosa que iriam
viver juntos e que ele iria ser o seu novo pai. Maria, por fim, contou toda a sua
história, a sua vida no estrangeiro com a mãe e com Mac Gren, o nascimento de
Rosa, a relação com Castro Gomes. E jurou-lhe que apenas por vartos se tinha
apaixonado. A Ega, Carlos contou o impulso da paixão que o lançara de novo nos
braços de Maria. No entanto, não escondeu a preocupação com o avo e a sua
reação ao saber da história. Ega aconselhou-o a não casar, a esperar que o avo
morresse, visto já estar tão idoso.
Carlos começou a levar os seus amigos à Toca, para jantar e para longas
conversas ou serões. Maria tudo aprimorava para receber os amigos de Carlos.
Organizavam-se solenidades e celebravam-se datas históricas e até o marquês
dizia que ir à Toca era «dia de civilização».
Um dia, Carlos recebeu o correio do qual constavam uma carta de Ega e dois
números de jornal. Na carta, Ega fazia referência a um artigo na primeira página do
jornal e afiançava ao amigo que tinha conseguido suprimir toda a tiragem. Carlos
pegou no jornal A Corneta do Diabo e leu, num relance, o artigo salpicado com o
seu nome e que conspurcava a sua relação com Maria Eduarda. Carlos sentiu asco
e novas dúvidas sobre a viabilidade da sua ligação com Maria o assaltaram.
Carlos e Maria Eduarda decidem ir a Lisboa e encontram Ega no caminho que,
constrangido, não podia desabafar diante de Maria sobre o caso do jornal. Lembrou
que deveriam comparecer no sarau da Trindade, onde Cruges iria tocar e Alencar
recitar. No momento em que a tipola estanca junto ao passeio, dão de caras com o
tio de Dâmaso, o Guimarães, que pareceu assombrado ao ver Maria.
Carlos e Ega vão falar com Palma Cavalão, diretor do jornal, e propõem-lhe que, a
troco de dinheiro, identifique a pessoa que encomendara o artigo difamatório contra
Carlos, conseguindo a confirmação que tinha sido Dâmaso com a cumplicidade de
Eusebiozinho. Carlos envia Ega e Cruges a casa de Dámaso, desafiando-o para um
duelo ou a retratar-se. Dâmaso opta cobardemente por assinar uma carta, redigida
pelo próprio Ega, afirmando que a publicação no jornal Corneta fora invenção
gratuita e se devia ao seu estado de embriaguez. Para se salvaguardar
relativamente a futuras maledicências, Ega fê-lo declarar que não o deviam levar a
sério, devido à sua tendência para abusar da bebida que era, aliás, hereditária.
Afonso da Maia regressa, entretanto, de Santa Olávia e Carlos e Ega contam-lhe o
episódio com Dâmaso, omitindo, contudo, a parte dos amores de vartos.
No teatro, Ega descobre Raquel Cohen num camarote, acompanhada do marido e
de Damaso. Este acena a Ega com um gesto petulante, o que o feriu como um
insulto. Ega resolve subitamente dirigir-se à redação do jornal. À tarde, com o
objetivo de pedir a publicação da carta do Dâmaso. Dias depois, não se falava mais
do escândalo e o assunto da carta foi depressa esquecido em Lisboa. Na véspera
do sarau da Trindade, leu-se no jornal A Tarde, a notícia de que «o distinto
sportman Dâmaso Salcede» partia em breve para uma viagem de recreio a Itália.
Capítulo XVI
Maria Eduarda encontrava-se de novo instalada na Rua de S. Francisco.
Terminado o jantar, Ega insistia para irem ao sarau do Teatro da Trindade, mas
Maria declinou o convite por se encontrar cansada. Juntamente com Ega, Carlos
suportou estoicamente o discurso de Rufino, um deputado arrebatado, ouviu a
atuação de Cruges, tocando ao piano a Sonata Patética de beethoven, e assistiu ao
triunfo de Alencar recitando um poema da sua autoria, dedicado à Democracia. No
botequim, Ega travou conhecimento com o tio do Dâmaso, Guimarães, que tinha
demonstrado vontade de falar com Ega, porque se sentia atingido pelas declarações
do sobrinho que Ega redigira e o fizera assinar.
Mais tarde, já Ega tinha saído do teatro e passava à porta do Hotel Aliança com
Cruges, quando o Sr. Guimarães o chamou para lhe perguntar se ele e o Carlos da
Maia eram muito amigos. Perante a resposta afirmativa do seu interlocutor,
Guimarães começou a contar a história da sua amizade com a mãe de Carlos e
afirmou ter uns documentos para entregar à família, agora que se iria ausentar de
Lisboa. Atento a todos os pormenores dessa história, Ega fica a saber dos lacos de
parentesco entre Carlos e Maria Eduarda: são irmãos.
Atordoado com o relato, Ega vai ao hotel onde Guimarães se hospedava para este
lhe entregar os documentos que comprovam a sua história. De posse do cofre,
correu para o Ramalhete tomando consciência da crueldade da situação: Carlos era
amante da própria irmã! Sem saber como reagir, toma a decisão de contar tudo a
Vilaça, o procurador dos Maias, para que este providencie o modo de contar tudo a
Carlos.
Capítulo XVII
No Ramalhete, Ega tinha acordado cedo e sempre a pensar na melhor estratégia
para revelar ao seu amigo aquele segredo que mudaria a vida de todos para
sempre. Ainda colocou a hipótese de ser ele a fazê-lo e não incomodar o Vilaca com
essa tarefa medonha. Carlos foi ao seu quarto para conversar e o amigo ficou em
pânico que ele desse pelo cofre que ali se encontrava. Assim, sem coragem,
inventou uma ida a Sintra com o Taveira. Procurou Vilaça, que se encontrava
ausente de casa.
Quando Ega finalmente se encontrou com o procurador, contou-lhe toda a história,
incumbindo-o de revelar a verdade a Carlos. Vilaça, contudo, começou por duvidar,
sugerindo que tudo se tratava de uma forma de extorquir dinheiro aos Maias. Mas
depois de analisar os documentos do baú que Guimarães entregara, tomou
consciência da situação. Tinha de revelar a verdade a Carlos e, para isso, dirigiu-se
ao Ramalhete ao final da tarde. Carlos, contudo, não teve tempo para o receber
nesse dia e tudo ficou adiado para o dia seguinte.
Tinha Vilaca acabado de expor a situação a Carlos, quando Ega apareceu no
Ramalhete. O procurador resolveu abandonar a sala e Ega contou o encontro com
Guimarães e a sua longa e terrível conversa. Afonso da Maia apareceu na sala e
reparou na face transtornada do neto. Este desabafou com o avô, na esperança de
ele contrariar a versão dos factos dada pelo Guimarães e sem pensar no abalo que
lhe podia provocar. O velho leu a declaracão de Maria Monforte e vergou-se à dor
de imaginar o neto cometendo incesto, pois sabia que Carlos tinha uma amante na
Rua de S. Francisco. Carlos estava também perturbado com o facto de no caminho,
imaginava os diferena, mas decidiu que só ele O devia fazer. E, no caminho,
imaginava os diferentes cenários que poderiam suceder e as atitudes a tomar face a
essas reações.
Maria estava deitada, sentindo-se muito cansada, e Carlos anunciou que iria por
uns dias a Santa Olávia. Ela estranhou a decisão repentina e puxou-o para si.
Carlos não soube resistir-lhe e cometeu incesto conscientemente, por vontade
própria.
Durante uns dias não conseguiu dizer-lhe nada e continuou a não conseguir resistir
à paixão. Ao mesmo tempo, tentava evitar Ega e o avô. Uma noite, quando
regressava de um encontro com Maria Eduarda e procurava entrar em casa sem ser
notado, cruzou-se com o avô, que o esperava com olhar reprovador para o acusar
em silêncio. Na manhã seguinte, os criados chamaram Carlos ao jardim, onde
tinham encontrado Afonso morto, caído sobre a mesa.
Atormentado pelo remorso que sentia pela morte do avô, Carlos partiu para a
quinta de Santa Olávia e deixou dinheiro a Ega para que o entregasse a Maria
Eduarda, juntamente com a carta de Maria Monforte. Combinaram ainda que Ega
fosse ter com ele a Santa Olávia e daí partissem para uma viagem à América e ao
Japão.
Tal como Carlos tinha proposto, Maria partiu para Paris. Ega, que também partia
para Santa Olávia, avistou Maria em Santa Apolónia e, no Entroncamento, viu-a
pela derradeira vez.
Capítulo XVIII
Semanas após a partida de Maria Eduarda para França, Carlos e Ega encetaram
uma longa viagem pelo mundo. Um ano e meio depois, Ega regressou a Lisboa,
cheio de histórias e aventuras do Oriente, e com a notícia de que Carlos alugara um
apartamento nos Campos Elísios e não tinha intenção de regressar a Portugal.
Contudo, dez anos depois, os dois amigos encontraram-se para almoçar num salão
do Hotel Bragança. Carlos não pretendia demorar-se muito tempo, apenas tratar de
alguns assuntos e matar saudades dos amigos. Ega contou as últimas novidades: a
sua mãe morrera, tendo-lhe deixado uma boa herança; a condessa Gouvarinho
tinha herdado uma fortuna de uma tia e Passeava nas melhores carruagens,
continuando a receber às terças-feiras. Apareceram então o poeta Alencar e o
maestro Cruges e Carlos convidou-os para jantar, às seis horas.
Entretanto, Carlos e Ega decidiram visitar o Ramalhete. Passaram pelo Largo do
Loreto e Carlos espantou-se com o facto de nada ter mudado. Ao descerem o
Chiado, Carlos teve também a mesma impressão, reconhecendo, às portas dos
cafés, as mesmas pessoas que por lá estavam, dez anos atrás, com o seu ar triste e
apagado.
Pelo caminho cruzaram-se e cumprimentaram Dâmaso, que casara com a filha
dos condes de Águeda, uma gente arruinada. Dâmaso sustentava a família e, além
disso, a mulher traía-o, mas ele parecia dar-se bem com isso, uma vez que até tinha
engordado. Passaram em frente do consultório de Carlos, onde agora havia uma
tabuleta de modista, e reviveram momentos do passado, quando se tinham
instalado em Lisboa, cheios de projetos.
Chegaram depois à avenida, que tinha sido renovada, mas Carlos espantava-se
com o aspeto molengão dos rapazes que por ali passeavam, vestindo segundo os
figurinos franceses mas faltando-lhes o sentido estético.
Os dois amigos concluíram então que o que se mantinha genuíno em Lisboa era o
alto da cidade, o casario pelas encostas, os palacetes, os conventos e as igrejas.
Cruzaram-se com Charlie, o filho da Gouvarinho e viram Eusebiozinho, que subia a
avenida, de braco dado com uma mulher muito forte. Tinha um aspeto ainda mais
triste e molengão, e dizia-se que a mulher lhe batia. Carlos, recordando o artigo
publicado no jornal A Corneta do Diabo, a mando de Dâmaso e de Eusebiozinho,
perguntou por Palma Cavalão e Ega esclareceu que ele tinha deixado a literatura e
se dedicava à política.
Apanharam depois uma tipoia para o Ramalhete. Viram Alencar ao longe e Ega
explicou a Carlos que se tornara amigo dele, por ser um dos poucos homens que se
mantinha genuíno e com sentido de honestidade, lealdade e generosidade. O
procurador Vilaça já os esperava e apresentou-lhes o jardineiro que ali vivia com a
mulher e o filho, guardando o Ramalhete.
Os dois amigos percorreram as diversas salas, onde se guardavam os móveis e os
objetos trazidos da Toca. Ficaram emocionados ao visitar o escritório de Afonso e
romperam em espirros, devido a um pó que Vilaça colocara sobre os móveis e os
lençóis que os tapavam. Alguns móveis estavam preparados para serem levados
para Paris, onde Carlos fixara a sua morada. Relembraram o reverendo Bonifácio, o
gato de estimação de Afonso, e Carlos falou sobre a sua morte em Santa Olávia.
Carlos comunicou então ao amigo que Maria Eduarda ia casar com Mr. de Trelain,
vendo nisso a união de dois seres desiludidos da vida que queriam afrontar juntos a
velhice.
Já no quarto de Carlos, os amigos concluíram que haviam falhado na vida, não
tendo levado por diante os seus projetos. Carlos comoveu-se, verificando que só
vivera dois anos naquela casa, mas que era ali que estava toda a sua vida. Ega
reconheceu que, afinal, não tinham passado de uns românticos, governando-se na
vida mais pelo sentimento do que pela razão.
Por fim, decidiram fixar a sua teoria sobre a vida, o «fatalismo muculmano»: nada
desejar e nada recear, não ter ambições nem esperanças e tudo aceitar com
resignação e com a consciência acerca da impossibilidade de se ter qualquer
controlo sobre a vida.
Concluíram que não valia a pena correr para nada, «nem para o amor nem para a
glória nem para o dinheiro nem para o poder», mas, já na rua, aperceberam-se do
adiantado da hora e correram desesperadamente para apanhar um americano'.
Afinal, tendo eles decidido que não valia a pena correr fosse para o que fosse,
apenas apressavam o passo para satisfazerem os apetites do estômago, pois
estavam atrasados para o jantar que Carlos tinha marcado no Hotel Bragança.

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