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Português – Ficha de trabalho ANO LETIVO

2023/2024

Domínios: Leitura (Artigo de opinião) e Gramática

Leitura e Gramática

1. Lê o texto.

Quantos espectadores tem uma guerra?

Somos um bicho curioso, que tanto consegue ser


inteligente e hábil, como perverso e rasteiro. Temos
características sublimes, e outras tão perto da
podridão que nos envergonham quando as
5 descobrem. Conseguimos o melhor e o pior; somos
reles e somos a força bruta capaz de virar tudo do
avesso e tornar o mundo melhor. Somos feitos de
contradições que tentamos tapar com um manto,
porque se não as conseguirmos ver, está tudo bem.
1 Somos espectadores das desgraças, porque
0 sentimos um conforto perverso por estarmos
seguros na nossa casa, com comida na mesa, e paz
no nosso país. As guerras lá muito longe não nos interessam, porque essas não podíamos
ser nós.
A cor da pele é diferente, os hábitos estão longe dos nossos, as religiões fogem-nos ao
1 conhecimento, e as imagens entram-nos numa zona do cérebro mesmo ao lado do
5 compartimento do esquecimento. O caso só muda de figura quando as bombas rebentam
em sítios que podiam ser os nossos, e provocam mortes em corpos de pessoas que
podiam ser as nossas. Quando vemos os familiares das vítimas a falarem e vemos que
moram numa casa como a nossa, com uma roupa como a nossa, e com um corpo e cara
que podiam ser nossos ou de alguém próximo de nós. Nós e os outros, essa é a primeira
2 de todas as guerras. É a que nos afasta da vontade de entender e de agir. [...] Dentro das
0 guerras, há uma outra luta entre guerras – que acontece em território de paz –, para ver
qual é a que dá mais audiência.

Neste preciso momento, a guerra da Ucrânia e da Rússia está num conflito mudo com a
2 guerra em Israel e na Palestina. O conflito israelo-palestiniano passou para a dianteira por
5 ser mais recente. Tem a frescura de uma guerra que, apesar de antiga, tem episódios
novos. [...] Os relatos de uma e outra guerra são atrozes, vão para lá daquilo que
conseguimos suportar. Mas, apesar do horror, não conseguimos mudar de canal e

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esquecer o que de tão monstruoso está a acontecer. Não conseguimos afastar os olhos de
imagens que nos confrontam com o facto de alguém humano como nós ser capaz de
3 cometer crimes tão desumanos. Diz-se muitas vezes que somos o único animal que mata
0 os que são da mesma espécie, como forma de nos confrontarmos com o horror daquilo
que somos capazes; mas esta afirmação está longe da verdade. Os lémures matam-se
entre a própria espécie, as hienas fazem o mesmo, os lobos, os leões, os cangurus – todos
estes animais atacam e matam animais da mesma espécie. Mas há uma coisa que nos
difere destes outros animais: somos os únicos que fazemos disso um negócio.
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Matar e morrer são negócios desde sempre, mas ser espectador disso é uma coisa
nova, com poucos anos. Estas guerras são as piores que alguma vez vimos, porque estas
são das primeiras que vemos filmadas por populares nos sítios mais inacessíveis para as
4 equipas de filmagem. As outras guerras estão escondidas na memória de quem as viveu, e
0 nas terras onde as equipas de filmagem não se atrevem sequer a entrar. Há outros países
em guerra – quer sejam guerras civis ou conflitos entre grupos terroristas – onde neste
preciso momento se cometem atrocidades inimagináveis. Nenhuma dessas outras guerras
tem neste momento a audiência das duas que nos chegam cá diariamente. Os jornalistas
arriscam a vida num corajoso trabalho que implica saírem da paz de onde vivem e viajarem
4 para uma zona perigosa onde podem ser eles as vítimas a qualquer momento. Fazem-no
5 para nos mostrarem o que se passa nas guerras que mais nos sensibilizam neste
momento. [...]

A Ucrânia continua a ter mortes de crianças e adultos todos os dias, mas neste
momento não chega para a guerra que está a começar. Esquecemos o que não vemos,
5 porque vemos o que escolhem por nós; e escolheram-nos estas. Nas capas dos jornais já
0 há uma batalha que está à frente das outras, porque tem o sangue fresco que as outras já
não têm. No meio de todos os conflitos, há um mais escondido que não tem imagens de
mortes nem de edifícios destruídos, mas que causa feridos diariamente: o de tentar
perceber qual é a guerra que os espectadores querem ver hoje.
Bruno Nogueira, in Sábado, 26 de outubro de 2023 (texto com supressões)

2. Seleciona a única opção correta de acordo com o sentido do texto.

2.1. No primeiro parágrafo, o autor descreve o ser humano como “um bicho curioso”
(linha 1), adotando uma perspetiva

(A) crítica, ao evidenciar as contradições da vida humana e a falta de


consciência das mesmas.

(B) intransigente, ao revelar que o ser humano é repleto de contradições.

(C) condescendente, ao assumir que é humano ter sentimentos contraditórios.

(D) irónica, ao mostrar que o ser humano tem tanto de inteligente como de
perverso.

2.2. Através da enumeração que introduz o segundo parágrafo, o autor pretende

2
(A) satirizar a tese apresentada no primeiro parágrafo.

(B) contradizer a tese apresentada no primeiro parágrafo.

(C) retomar a tese apresentada no primeiro parágrafo.

(D) reforçar a tese apresentada no primeiro parágrafo.

2.3. A referência aos “lémures” (linha 33) constitui um

(A) argumento, para atestar a ideia de que o ser humano não é o único animal
que mata os da sua espécie, mas é o único que o faz por dinheiro.

(B) argumento, para contrariar a ideia de que o ser humano não é o único
animal que mata os da sua espécie, mas é o único que o faz por dinheiro.

(C) contra-argumento, para reforçar a ideia de que o ser humano não é o único
animal que mata os da sua espécie, mas é o único que o faz por dinheiro.

(D) exemplo, para corroborar a ideia de que o ser humano não é o único animal
que mata os da sua espécie, mas é o único que o faz por dinheiro.

2.4. Na linha 38, ao afirmar que “Estas guerras são as piores que algumas vez
vimos”, o autor revela

(A) indignação, porque estão a ser filmadas por populares.

(B) tristeza, porque estão a ser transmitidas de modo sensacionalista.

(C) amargura, porque as equipas de filmagem não conseguem chegar a todos


os lugares.

(D) pessimismo, porque a guerra não passa de um negócio.

2.5. No contexto em que ocorre, a expressão “sangue fresco” (linha 51) constitui uma

(A) metáfora, para realçar o número de mortos provocados pela guerra.

(B) hipérbole, para evidenciar o sensacionalismo das capas de jornais.

(C) metonímia, para destacar a guerra de audiências que está por trás dos
conflitos mundiais.

(D) sinestesia, para mostrar o que distingue algumas capas de jornais.

2.6. Todas as expressões abaixo transcritas constituem um exemplo de coesão


gramatical referencial, exceto a expressão

(A) “as nossas” (linha 18).

(B) “as piores” (linha 38).

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(C) “outras guerras” (linha 40).

(D) “Fazem-no” (linha 46).

2.7. No enunciado “Esquecemos o que não vemos, porque vemos o que escolhem por
nós” (linhas 49 e 50), a expressão “o que” introduz

(A) uma oração subordinada substantiva completiva, no primeiro caso, e uma


oração subordinada adverbial causal, no segundo.

(B) uma oração subordinada substantiva relativa, no primeiro caso, e uma oração
subordinada adverbial causal, no segundo.

(C) uma oração subordinada substantiva completiva, em ambos os casos.

(D) uma oração subordinada substantiva relativa, em ambos os casos.

2.8. Nas linhas 47 e 54, o pronome relativo “que” desempenha a função sintática de

(A) complemento direto e sujeito, respetivamente.

(B) sujeito e complemento direto, respetivamente.

(C) sujeito, em ambos os casos.

(D) complemento direto, em ambos os casos.

Soluções
2.1. (A)
2.2. (D)
2.3. (D)
2.4. (B)
2.5. (C)

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2.6. (C)
2.7. (D)
2.8. (B)

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