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Olhai que há tanto tempo que, cantando Pois logo, em tantos males, é forçado
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos, Que só vosso favor me não faleça7,
A Fortuna me traz peregrinando, Principalmente aqui, que sou chegado
Novos trabalhos vendo e novos danos: Onde feitos diversos engrandeça:
Agora o mar, agora experimentando Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
Os perigos Mavórcios1 inumanos, Que não no empregue em quem o não mereça,
Qual Cánace2, que à morte se condena, Nem por lisonja louve algum subido8,
Nua mão sempre a espada e noutra a pena; Sob pena de não ser agradecido.
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Agora, com pobreza avorrecida, Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse
Por hospícios alheios degradado3; A quem ao bem comum e do seu Rei
Agora, da esperança já adquirida, Antepuser seu próprio interesse,
De novo, mais que nunca, derribado; Imigo da divina e humana Lei.
Agora às costas escapando a vida4, Nenhum ambicioso que quisesse
Que dum fio pendia tão delgado Subir a grandes cargos, cantarei,
Que não menos milagre foi salvar-se Só por poder com torpes exercícios9
Que pera o Rei Judaico5 acrecentar-se. Usar mais largamente de seus vícios;
Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. Costa Pimpão, Lisboa, MNE-IC, 2003, pp. 319-321.
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perigos Mavórcios: perigos de Marte (da guerra); 2 Cánace: filha de 16
capelas: coroas, grinaldas; 7 faleça: falte; 8 subido: figura
Éolo, que foi incentivada pelo pai a suicidar-se por ter cometido incesto importante; 9 torpes exercícios: atos vergonhosos;
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(é descrita por Ovídio a escrever ao irmão com a pena numa mão e a vulgo errante: povo inconstante; 11 Proteio: Proteu, deus que
espada na outra); 3 por hospícios alheios degradado: exilado em terras tinha a capacidade de se metamorfosear; 12 Camenas: Musas;
estranhas; 4 às costas escapando a vida: salvando a vida nas costas 13
hábito: aspeto; 14 experto: experiente; 15 taxar: lançar um
(depois de naufragar); 5 Rei Judaico: referência a Ezequias, rei de Israel, imposto sobre; 16 rapace: que tem o hábito de roubar, ávida de
que, estando a morrer, viu Deus prolongar-lhe a vida por 15 anos; lucro.
1. Com base na estância 78, aponta o motivo pelo qual o poeta sente necessidade de pedir
inspiração às Ninfas do Tejo e do Mondego.
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4. Considera os versos «Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado / Que não no empregue em quem
o não mereça» (estância 83, versos 5-6).
4.1 Identifica quem é que o poeta considera indigno de figurar na sua obra.
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