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OS PROBLEMAS DA EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA E DA

OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO


Para a maioria das pessoas, não parece haver dúvida quanto ao progresso e à objetividade da
ciência. A ciência é entendida como uma atividade racional, sustentada em métodos, capaz de produzir
conhecimento objetivo, no qual podemos confiar – racionalismo científico. Mas para muitos filósofos o
mesmo não se verifica e permanecem com dúvidas. Dois deles são Karl Popper e Thomas Kuhn.
A PERSPETIVA DE POPPER SOBRE A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA
1 - O progresso científico através das refutações e corroborações das conjeturas, assim como a atitude
crítica do cientista, permite uma aproximação objetiva à verdade.
É a possibilidade de as teorias científicas serem falsificadas, que permite à ciência avançar
progressivamente, detetando erros ou falhas e propondo novas teorias. Os erros constituem
oportunidades de aprendizagem e, à medida que vamos aprendendo com eles, o nosso conhecimento
aumenta.
Popper faz uma analogia com a teoria da evolução por seleção natural de Darwin para explicar como
evolui a ciência. As teorias científicas que mais vão resistindo aos testes são as mais fortes e as que se
mantêm vigentes; as teorias menos aptas – as que não resistem aos testes experimentais – são
eliminadas e dadas como erros.
* Falsificacionismo - Popper pensa que a ciência, na verdade, procura falsificar as teorias que propõe. O
cientista é aquele que propõe hipóteses e as testa para saber se são falsas.
A nova teoria – preserva alguns dos melhores aspetos da teoria anterior e, ao mesmo tempo, desfaz-
se dos defeitos. Mas isto só é possível porque se procuram ativamente os erros.
Popper acreditava que a ciência evolui progressivamente de modo irregular- por afastamento
sucessivo do erro (através da refutação de conjeturas) em direção a uma compreensão mais
aproximada da realidade tal como objetivamente ela é.
Segundo Popper, nunca podemos afirmar que uma teoria científica é verdadeira. Mesmo no caso das
teorias corroboradas, há sempre a hipótese de virem a ser refutadas no futuro.
Objetivo da ciência – é encontrar a verdade, embora apenas haja uma aproximação à verdade porque
as teorias são cada vez melhores. Uma vez que a ciência é conjetural apenas se aproxima da verdade –
verosimilhança.
Popper recorre ao conceito de verosimilhança para explicar este aspeto da sua perspetiva:
Uma teoria científica, ou uma conjetura, é mais verosímil do que outra quando implica um menor
número de falsidades e permite explicar um maior número de fenómenos do que a sua concorrente.
A PERSPETIVA DE POPPER SOBRE A OBJETIVIDADE DA CIÊNCIA
Embora nunca possamos dizer que alcançamos a verdade, podemos saber que certas teorias
científicas (ou conjeturas) são falsas, o que significa que as teorias científicas atuais possuem um maior
grau de verosimilhança do que aquelas que já foram empiricamente refutadas e, por conseguinte,
estamos hoje mais perto de conhecer a realidade.
Logo, as teorias atuais são mais aptas para explicar a realidade.
Com Popper, o progresso da ciência faz-se por um processo em que conjeturas arrojadas são
submetidas a testes com o objetivo de as refutar.
Deste ponto de vista, uma previsão da teoria que não esteja de acordo com a realidade refuta a
teoria e leva à sua substituição por outra mais próxima da verdade.
Popper considera que o conhecimento científico é objetivo:
O cientista não é um observador indiferente ou descomprometido com o mundo. A observação não
é pura. O cientista é um observador comprometido com ideias, valores, princípios que funcionam como
um quadro teórico do seu trabalho. O cientista é ativo e crítico.
Atitude crítica do cientista:
Segundo Popper só através de uma atitude crítica do cientista em relação às teorias científicas a
ciência pode avançar: em vez de as encararmos como dogmas, devemos sujeitá-las conscientemente a
testes genuínos que possam resultar na sua refutação.
A CRÍTICA é … o critério racional de progresso da ciência que permite a eliminação de erros e o
progresso em relação à verdade.
Apesar destes aspetos subjetivos, eles estão afastados do contexto de justificação da teoria ou do
modo como a teoria é avaliada por meio de testes de falsificação.
Estes testes são rigorosos e objetivos, isto é, podem ser levados a cabo por qualquer cientista,
independentemente das suas convicções pessoais, etc. Neste processo não intervêm qualquer aspeto
subjetivo, como por exemplo, crenças religiosas ou preferências políticas.
CRÍTICAS A K. POPPER
1. Nem todas as teorias científicas são falsificáveis.
•A falsificabilidade não constitui uma condição necessária para que uma teoria seja cientifica, porque
algumas teorias científicas referem-se a objetos que não são diretamente observáveis ( é o caso da
Astronomia).
•Logo, não é possível conceber um teste experimental capaz de mostrar a sua falsidade.
•Mas o papel que estas teorias têm no desenvolvimento científico faz com que seja altamente
implausível classificá-las como não científicas.
2. O falsificacionismo não está de acordo com a prática científica.
•Na história da ciência, concluímos que os cientistas não passam a vida a tentar mostrar que as suas
teorias são falsas, para que possam surgir novas teorias. Antes pelo contrário, preocupam-se sobretudo
com a demonstração da precisão e do alcance das teorias existentes.
•Na prática, os cientistas trabalham no sentido de confirmar as suas teorias e continuam a defendê-las
mesmo quando as suas previsões não se confirmam.
3. Não é razoável abandonar uma teoria apenas porque foi refutada por um teste experimental:
•O facto de um procedimento experimental não correr de acordo com o que era previsto por uma
dada teoria ou hipótese, não é suficiente para estabelecer de modo conclusivo a sua falsidade. O
problema pode estar precisamente no processo de falsificação e não na teoria.
4. O falsificacionismo subestima a importância das confirmações no progresso da ciência.
5. Popper tem uma conceção idealizada e irreal da atividade científica:
•Popper não diz como a ciência efetivamente é mas como deve ser. Por isso se diz que Popper se limita
a apresentar uma perspetiva normativa e descritiva da ciência.
•A ciência não é tão objetiva como Popper supõe, não existe conhecimento sem um sujeito
conhecedor: as teorias são construídas por pessoas, com virtudes e defeitos.
6. O falsificacionismo de Popper não torna a ciência mais racional pois destrói a nossa confiança
nas teorias científicas:
•Isto porque confiar numa teoria é ter boas razões para acreditar que é verdadeira e não por ela nunca
ter sido refutada.
•A lógica da refutação das teorias não permite justificar racionalmente as teorias.
A PERSPETIVA DE THOMAS KUHN SOBRE A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA
Thomas S. Kuhn rejeita a ideia, defendida por Popper, de que a ciência evolui ou progride em direção
à verdade.
Interessou-se especialmente pela revolução copernicana e pelo que parecia ser um debate desigual
entre a racionalidade científica associada à teoria heliocêntrica, defendida por Galileu, e a superstição
conservadora associada à perspetiva geocêntrica, defendida pela igreja católica.
A análise deste e de outros momentos da história da ciência levaram Kuhn a desenvolver uma teoria
em que se destaca a ideia de que a ciência não tem a objetividade que usualmente se lhe atribui.
Kuhn considera que o desenvolvimento cientifico consiste numa sucessão descontinuada e não
cumulativa de períodos de relativa estabilidade e de consenso alargado, interrompidos por processos
revolucionários.
Por um lado, a sua análise do problema da evolução da ciência é histórica, pois valoriza o contributo
da história da ciência, tal como a evolução da ciência é histórica, pois valoriza o contributo da história, e
por outro lado é sociológica, pois procura compreender o contexto em que a ciência se faz.
1 - Os paradigmas científicos são influenciados por fatores históricos, sociológicos, psicológicos e estéticos.
É um conjunto de crenças, técnicas e valores compartilhados por uma comunidade que serve de
modelo para a abordagem e soluções de problemas.
É uma teoria amplamente aceite e com grande poder explicativo, que põe fim aos desacordos
profundos entre investigadores e escolas e reúne os diversos investigadores de uma determinada área
numa comunidade científica.
É o paradigma que fornece as regras, os objetivos, os métodos, os princípios teóricos e práticos.
É dentro do paradigma que se faz ciência e é de acordo com o paradigma que a atividade científica
se organiza. Sem paradigma não haveria ciência, no sentido habitual deste termo. Mas como se chega a
um paradigma?
Kuhn apresenta-nos diferentes etapas do desenvolvimento da ciência (ciência normal e ciência
extraordinária):

Fase pré-paradigmática, em que ainda não há ciência propriamente dita; é uma


Pré-ciência (Ciência
situação marcada por divergências e por tentativas avulsas de resolução dos
pré paradigmática)
problemas.
Investigação que ocorre no âmbito de um dado paradigma aceite pela
Ciência Normal ou comunidade científica. Consiste essencialmente na resolução de enigmas
Ciência paradigmática (puzzles) de acordo com a aplicação dos princípios, regras e conceitos do
paradigma vigente.

A aceitação quase dogmática e acrítica do paradigma por parte dos cientistas revela-se um aspeto
crucial para o desenvolvimento científico no período de ciência normal: só assim se pode avançar na
investigação sem se estar permanentemente a rever os fundamentos da sua disciplina.

• A ciência determinada segundo as regras e modelos de um paradigma;


• Tais regras da ciência normal não são apresentadas no sentido de um conjunto de métodos que
prescreverão a pesquisa científica, mas como práticas convencionais que serão adotadas e
condicionadas a fatores sociológicos e culturais.
Contudo, por vezes, certos enigmas constituem verdadeiras ameaças à pesquisa científica, como
puzzles cujas peças parecem não encaixar. Trata-se de irregularidades – anomalias – dados observados
ou resultados experimentais que não são explicáveis.

Problemas ou enigmas que os cientistas não conseguem resolver a partir dos


Anomalias pressupostos teóricos fundamentais de um paradigma, dentro do qual era suposto
serem resolvidos.

Ao contrário do que se poderia pensar, os cientistas não abandonam o paradigma ou as teorias


vigentes imediatamente após surgir uma anomalia. Na verdade, num período de ciência normal, a
atitude da comunidade científica é de conservadorismo e de resistência à mudança: a maioria dos
cientistas tudo faz para resolver as anomalias inesperadas.
Quando já não é possível responder às exigências dos factos e há uma acumulação de anomalias
persistentes, é que a ciência entra em crise. Entrar em crise significa viver um período de insatisfação,
desorientação e instabilidade, num clima de desconfiança e insegurança face às fragilidades detetadas
no velho paradigma.
A crise instalada leva a ciência para uma nova fase do seu desenvolvimento, a que Kuhn dá o nome
de ciência extraordinária ou revolucionária.

Fase de questionamento dos pressupostos e fundamentos do paradigma


Ciência extraordinária vigente. Gera-se o debate sobre a manutenção do paradigma (velho) ou a
escolha de um novo paradigma.

Surgem assim, diferentes grupos de cientistas, uns mais conservadores, que persistem na defesa do
velho paradigma, e outros mais inovadores ou revolucionários, que argumentam em favor de um novo
paradigma. Findo o debate, e existindo condições para tal, opera-se a revolução científica, que impõe
uma mudança de paradigma. Logo que o consenso em torno do novo paradigma se estabelece um
novo período de ciência normal.
As revoluções científicas são episódios de desenvolvimento não-cumulativo.
Esta mudança radical, leva Kuhn a defender a tese da incomensurabilidade dos paradigmas, ou seja,
a perspetiva segundo a qual não existem, entre os paradigmas, pontos comuns a partir dos quais eles
possam ser objetivamente comparados.
No fundo, não é possível afirmar a superioridade de um paradigma relativamente a outros. A
verdade das teorias científicas estará sempre dependente do paradigma em que elas se inserem.
A tese da incomensurabilidade
A incomensurabilidade dos paradigmas é a impossibilidade de compará-los objetivamente de
maneira a concluir que um é superior ao outro. Para defender a tese da incomensurabilidade dos
paradigmas, Kuhn recorre ao seguinte argumento:
a) Argumento baseado na insuficiência dos critérios objetivos
Segundo o argumento baseado na insuficiência dos critérios objetivos:

• se os paradigmas fossem comensuráveis, seria possível justificar a preferência por um


paradigma através de critérios puramente objetivos.
• não é possível justificar a preferência por um paradigma através de critérios puramente
objetivos. Logo, os paradigmas são incomensuráveis.
Para Thomas Kuhn, a ciência não é inteiramente objetiva porque é influenciada por elementos
irracionais e subjetivos. Defende que a mudança de paradigmas não é um processo racional:
• Um paradigma não é melhor do que o seu anterior então também não se pode dizer que a ciência
evolui para melhor quando muda o paradigma.
• O novo paradigma não descreve melhor a realidade. A ciência não evolui de um modo contínuo e
cumulativo. As mudanças de paradigma não implicam uma aproximação à verdade.
b) Um outro argumento é o de que se a realidade da pesquisa científica é determinada pelos
paradigmas, então cada teoria científica descreverá uma realidade diferente.
Se a tese da incomensurabilidade for correta, então o paradigma em vigor não está mais próximo da
verdade do que o paradigma que ele substituiu.
CRÍTICAS A KUHN
- A tese da incomensurabilidade é desajustada e pouco plausível.
- Objeção baseada na resolução de anomalias. Se um paradigma resolve as anomalias de outro, então é
falso que os paradigmas são incomensuráveis. Logo, e falso que os paradigmas são incomensuráveis.
- Objeção baseada no crescente sucesso da ciência.
A PERSPETIVA DE THOMAS KUHN SOBRE A OBJETIVIDADE DA CIÊNCIA
Kuhn acredita que a avaliação e a escolha das teorias científicas obedecem a determinados critérios
que são conhecidos e partilhados no seio da comunidade científica.

Critérios objetivos de escolha das teorias:


Exatidão Consistência Alcance Simplicidade Fecundidade
Refere-se à Refere-se à
Refere-se às Refere-se à Refere-se à
abrangência da sobriedade e
previsões que a coerência interna capacidade da
teoria, ou seja, à elegância na forma
teoria permite da teoria e à sua teoria para
quantidade e à como a teoria explica
fazer: as compatibilidade impulsionar
diversidade de os fenómenos, ou à
consequências com outras teorias novas
fenómenos que quantidade de leis de
que se podem aceites dentro do descobertas de
ela é capaz de que ela necessita para
deduzir da teoria. paradigma vigente. investigação.
explicar. os explicar.
Na escolha entre teorias rivais interferem não só fatores objetivos como também fatores subjetivos.
Fatores que interferem na escolha de teorias:

Objetivos Subjetivos
Critérios partilhados pela comunidade científica; Critérios individuais; aspetos idiossincráticos,
princípios, regras ou características como a dependentes de aspetos biográficos e da
simplicidade ou a exatidão das teorias. personalidade dos cientistas.

A ciência não é totalmente objetiva.

COMPARAÇÃO DAS PERSPETIVAS DE POPPER E KUHN


KARL POPPER THOMAS KUHN
Como evolui a ciência?
- A ciência evolui através da eliminação de erros - A ciência apresenta um desenvolvimento
ou da refutação de teorias. As hipóteses sofrem cumulativo dentro de cada paradigma (na fase
uma espécie de evolução seletiva: as teorias mais de ciência normal) e um desenvolvimento não -
fortes - as que resistem às várias tentativas de cumulativo nas mudanças de paradigma
refutação - são as melhores. As teorias menos (revoluções científicas).
aptas são eliminadas e dadas como erros.
- Os episódios revolucionários são muito raros no
- O progresso significativo na ciência é sempre desenvolvimento da ciência.
revolucionário.
- Não podemos dizer que a ciência evolui
- A ciência evolui progressivamente em direção à progressivamente em direção à verdade.
verdade.
- A mudança de um paradigma para outro, não
- As teorias falsificadas são substituídas por sendo cumulativa, significa apenas um modo
outras melhores e que mais se aproximam da diferente de entender o real
verdade (maior grau de verosimilhança). (incomensurabilidade).
O conhecimento científico é objetivo?
- O conhecimento científico é independente dos - O conhecimento científico é dependente dos
valores, opiniões, crenças dos cientistas. valores, opiniões e crenças dos investigadores
integrados numa comunidade científica.
- A escolha e a avaliação das teorias dependem
apenas de critérios objetivos. Por isso, a ciência é - A escolha e a avaliação das teorias dependem
objetiva. de critérios objetivos e de fatores subjetivos. Por
isso, a ciência não é totalmente objetiva.
- O conhecimento científico é um "conhecimento
sem conhecedor". - "Conhecimento sem conhecedor" é uma
contradição.
- A ciência é conjetural, ela não atinge a verdade,
mas a verdade é a sua meta (verdade como - A verdade é sempre relativa ao paradigma
correspondência aos factos). vigente; só pode ser entendida dentro dos
limites que ele impõe.

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