Você está na página 1de 61

Bases Filosóficas

da Ciência
Primórdios da ciência moderna...
(Souza, 2005)

 A ciência, tal como é concebida na modernidade, nasceu por uma


demanda do modo capitalista de produção

Modo feudal de produção (Idade Média-Séc. V a XV)


•Economia essencialmente agrária para sustento próprio
•Primado da fé sobre a razão
•Teocentrismo: conhecimento fundado na revelação divina
Deus criando o universo
através de princípios
geométricos. Capa da
Bíblia Moralisée, 1215
 Excedente de produção e aumento populacional leva ao
surgimento dos burgos, nova divisão do trabalho.

 Inicia o comércio e a necessidade de dominar a natureza


pela 'experimentação’.

 Parte da população passa a ocupar-se com atividades


econômicas não vinculadas diretamente à terra (ex.
artesanato).

 Começo de novo modo de produção, o capitalismo, que


marca a passagem para o Modernismo (Séc. XV a XIX).
Burguesia vai se desenvolvendo e consolidando, e começa a
perceber
que tem poder sobre a natureza.

Iniciativa individual começa a ganhar importância e a pesar mais


do que a vontade divina.

Domínio da natureza faz-se necessário sob uma nova ótica, em


que a
experimentação substitui as pré-suposições.

O conhecimento se assenta no real, não mais no mundo das


ideias ou
na fé.
 Na itália: Galileu Galilei (1564-1642):

- Astrônomo e físico italiano


,,,

- Representante da fase inicial do capitalismo

- Corrobora a teoria heliocêntrica através do telescópio


(instrumento avançado para a observação científica) – 1610

- Marco separatório entre o domínio da fé sobre a razão


 Na Inglaterra: Francis Bacon (1561-
1626):

- Representante da ‘ciência burguesa’


- Ciência tem função transformadora da
natureza

 Para Bacon, ciência é


investigação empírica
nascida do contato com o
real:

 Defensor do método
empírico em oposição à
lógica
“Para que se penetre nos estatutos mais profundos
da natureza é preciso um método mais adequado e
seguro de abstração, que permita recolher os
axiomas dos dados dos sentidos e particularidades,
ascendendo contínua e gradativamente, até alcançar,
em último lugar, os princípios de máxima
generalidade”.

Indutivismo

Ciência como Conhecimento Derivado dos


Dados da Experiência
(Chalmers, 1993, Cap. I)

9
10
Bacon (1561-1626):

Pioneiro da ciência moderna e do empiricismo

Coleta de fatos com observação organizada,


derivando daí teorias

Para o Indutivismo, a Ciência começa pela observação:

Derivam-se as afirmações singulares

Formulam-se as afirmações universais (leis/teorias)


A generalização das afirmações singulares para as
afirmações universais é possível quando:

Número de observações for grande;

Observações forem repetidas sob varias condições;

Nenhuma observação singular se oponha à lei geral.

Na indução, o raciocínio parte do particular para o


todo.

O conhecimento é construído a partir da base segura


fornecida pela observação.
Pelo raciocínio:
Indutivo: chega-se as leis e teorias
Dedutivo: fazem-se previsões e explicações sobre
fenômeno

Indução Dedução
Observação
Leis e Previsão e
teorias explicação

Méritos do indutivismo:
Objetividade; Explicação e previsão;
Longo alcance; Confiabilidade.

Falsificacionismo

20
KARL POPPER (1902-1994)
•Nascido em Viena viveu muitos
anos em Londres;
•Paixões pela filosofia, ciência,
política e música.
•Militou na esquerda marxista,
marceneiro,
•Colaborou com centro social para
crianças pobres dirigido por Alfred
Adler
•Pianista amador

•Período de convulsões nos planos


científico, político e social
•Lógica da Pesquisa Científica
(1934)
• A ciência começa com um problema, que se constitui numa
discrepância entre uma teoria, convicção ou expectativa e os
dados de observação.

O conhecimento não tem início com a experiência mas com a teoria


que no confronto com a experiência é corroborada ou refutada.
•Popper recomenda:
- não se atenha só ao observável;
- invente hipóteses ricas;
- conjecturas audaciosas e fecundas;
- capazes de propiciar predições testáveis.
•Se cientistas não tivessem ousado formular hipóteses que
ultrapassassem o observável muitas descobertas não teriam
sido possíveis
• Comparou...
Teoria da Relatividade de X Teorias de Marx, Freud e
Einstein Adler
Aberta a refutação Aparente capacidade de
explicação
Podia, em princípio,
mostrar-se incompatível com Parecem poder explicar
resultados de observação tudo em seus campos
Ex.: teoria previa que luz de Exemplos confirmadores
estrela seria atraída pelo sol em toda parte
antes de atingir a terra. Casos confirmadores
sempre interpretados a luz da
teoria
Resultados da experiência
eram lidos de modo a se
acomodarem à teoria
Não eram capazes de
fazer predições que pudessem
colocar em risco as teoria.
FALSEABILIDADE

Seria o critério de demarcação para distinguir


ciência empírica das especulações pseudocientíficas

• O que distingue uma lei científica de outras proposições não


é que a lei seja verdadeira mas, ao contrário, que é falseável.

•Teoria científica proíbe certas coisas de acontecerem

•Quanto mais proíbe melhor

•Se não proíbe é pouco informativa


DOIS MOMENTOS NA PROPOSTA POPPERIANA

1º) da criatividade, da construção, da formulação de


hipóteses ousadas e ricas;

2º) teste dessas hipóteses na tentativa de refutá-las.


O modelo indutivista é substituído por uma concepção
hipotético-dedutivo.

• Tradicionalmente:
Observaçõe levaria a descobrir leis e
s repetidas regularidades teoria

•Para
Popper: Parte-se de um problema

Cria-se hipóteses

São deduzidas conseqüências

Corroboradas ou não pelas evidências

Leva a novo
problema
•A meta da ciência não é a busca de certezas e
fundamentos
inabaláveis, mas a elaboração de hipóteses férteis que
ofereçam soluções para os problemas.
•Conhecimento científico conserva caráter hipotético
conjectural.
•Nunca se pode ter certeza se ele é verdadeiro ou não.

“Somos buscadores da verdade,


mas não somos seus possuidores”
(Popper. Conhecimento objetivo, p. 100)

“A imaginação é mais importante que o conhecimento” (Einstein)


“Todo erro se apóia numa verdade da qual se tem abusado” (Willein Bousset)

Paradigmas

32
THOMAS
KUHN
 Físico teórico;
 Formou-se em Harvad (1942), Mestre em
1946; Doutor (1949). Acabou tendo que dar
uma aula de casos curiosos da ciência a contra
gosto.

 “A estrutura das revoluções científicas”


(1962).

A ciência é um fenômeno histórico e só


pode ser compreendida por uma teoria
que leve em conta sua dimensão
histórica.

▹ Quatro categorias
para entender a
ciência:

• Ciência normal
• Paradigma
• Crise
• Revolução

34
CIÊNCIA
NORMAL
 Nos primórdios de uma disciplina científica, encontra-se a
concorrência entre diversas idéias
 Não existe consenso quanto à natureza dos fenômenos nem quanto
aos métodos
 Emerge então uma construção teórica aceita como superior às
concorrentes
 Esta recebe adesão da maioria dos cientistas pondo fim a muitas
divergências e controvérsias
 Ciência normal refere-se a verificação rotineira da teoria dominante
num momento histórico

 São produzidos textos científicos que apresentam a teoria, suas


aplicações e seus sucessos

 Estes textos socializam estudantes e profissionais em uma


comunidade científica determinada

 Definem problemas a serem investigados, pressupostos e conceitos a


serem empregados e métodos a serem utilizados nas pesquisas
PARADIGMA

 Está relacionado com a idéia de ciência normal;


 Cientistas comprometem-se com as mesmas regras, normas e
padrões para sua prática científica.

 Ao invés de neutra, comunidade de cientistas defendem o paradigma


estabelecido.

 Contudo a ciência normal perpetua a si mesmo e, portanto limita


mudanças e inovações.

 Reprime, por vezes, novidades fundamentais que são necessariamente


subversivas.
Paradigma: caracteriza tudo aquilo que une os membros de uma
comunidade científica.

A aceitação de um paradigma implica:


• Que pesquisadores tendem a ignorar o que não se
ajusta à concepção paradigmática;
• Resistência frente a novas descobertas;
• Inovações são consideradas desviante;
• Abandono do discurso crítico.

Como se rompe com isto?


 Só os fortemente enraizados na tradição dominante tem chances
de romper e criar novo paradigma
CRISE E REVOLUÇÃO

 Envolveria o desenvolvimento de um paradigma rival;

 Mudança de paradigma é revolução em ciência e só é


aceito gradualmente

 A rejeição de um paradigma começa com as tentativas de testá-lo

 Surgem incongruências entre o paradigma e achados de pesquisas

 Surgem problemas não passíveis de solução pelo paradigma


existente
 Fracassam tentativas de dominar as dificuldades; impera o
ceticismo;

 Proliferam idéias sobre como resolver as anomalias.

 Como decorrência, surge paradigma rival;

 Surgem conflitos entre os defensores do antigo e do novo


paradigma;

 Difícil para cientistas se despojarem das convicções anteriores;

 Novo paradigma pode demorar anos para ser aceito;

 Voltam as atividades da ciência normal


 Fase revolucionária na ciência acontece raramente;

 Cientistas dedicam-se basicamente a ciência normal;

 Não ficam tentando refutar o paradigma dominante;

 Existe uma lógica da descoberta?

 Anomalias e inconsistência abundam na ciência;

 Um paradigma assegura as atividades da comunidade


científica até aparecer uma crise;

Para Kuhn não há uma lógica da descoberta, mas uma disputa


entre grupos da comunidade científica.

Vale-Tudo
Anarquismo Científico

45
PAUL FEYERABEND (1924-1994)
Pensador austríaco, doutor
em física

Doutor honoris causa em


Letras e Humanidades

Conhecedor de teatro,
assistente de Bertold Brecht

Profundo conhecedor de
Filosofia

Contra o Método (1975);


Adeus à Razão (1987).
CARACTERÍSTICAS CHAVES DA
PROPOSTA
(Feyerabend, 1975; Chalmers 1982)

Vale-tudo

Incomensurabilidade

Ciência não é superior a outros conhecimentos

Liberdade do indivíduo
VALE-TUDO

 Defende o pluralismo metodológico

 “Todas as metodologias, mesmo as mais óbvias, têm


limitações”.

 “O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale”

 Cientistas não devem ser restringidos pelas regras da


metodologia.

 “Cabe, por exemplo, recorrer a hipóteses que


contradizem teorias confirmadas e/ou resultados
experimentais bem estabelecidos”.
 Qual a diferença entre o cientista e o
charlatão? Esta na pesquisa realizada.

Charlatão: adota ponto de vista e não está preparado para


testar sua utilidade.

Cientista: adota ponto de vista mas investiga, aceita


objeções.

“A proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao


passo que a uniformidade lhe debilita o poder crítico.

“Qualquer idéia, embora antiga e absurda, é capaz de


aperfeiçoar nosso conhecimento”.
INCOMENSURABILIDADE

 Conceitos e observações dependem da teoria

 Por vezes princípios fundamentais de duas teorias


podem ser tão diferentes que não é possível formular
os conceitos de uma teoria nos termos da outra

 Neste caso não é possível comparar logicamente as


teorias rivais
 Exemplos:

 Freud: Inconsciente, pré-consciente e consciente.


Inconsciente constituído por conteúdos recalcados,
representantes das pulsões.
 Jung: Inconsciente coletivo, idêntico em todos os
indivíduos. Relacionado às experiências milenares da
humanidade (exprime-se nos arquétipos)

 Por vezes o novo sistema conceitual que surge não


compartilha afirmações com seu predecessor
 As duas são incomensuráveis
 Alternativas para comparar teorias:

 Confrontá-las com situações observáveis e


registrar o grau com que cada uma é
compatível com aquelas situações;

 Coerência ou incoerência;

 Uma pode oferecer mais oportunidades de


desenvolvimento (Chalmers) 
 A escolha entre teorias incomensuráveis é em última
análise, subjetiva.

 Depois da possibilidade de comparar logicamente as


teorias, o que permanece são julgamentos estéticos,
de gosto, preconceitos metafísicos, desejos
religiosos.

 O que permanece são nossos desejos subjetivos


CIÊNCIA NÃO É NECESSÁRIAMENTE SUPERIOR
A OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO

 Defensores da ciência a julgam superior as outras


formas de conhecimento sem investigar estas outras
formas

 Para comparar deveria se investigar a natureza,


objetivos e métodos da ciência e destas outras formas
de conhecimento e, se alcançam estes objetivos
Suposição de que há método científico universal a que devem
se conformar todas as formas de conhecimento é prejudicial
O conhecimento....

“...É, antes, um oceano de alternativas mutuamente


incompatíveis (e, talvez até mesmo incomensuráveis), onde
cada teoria singular, cada conto de fadas, cada mito que
seja parte do todo, força as demais partes a manterem
articulação maior, fazendo com que todas concorram,
através deste processo de competição, para o
desenvolvimento de nossa consciência.”
“A ciência é uma das muitas formas de pensamento
desenvolvidas pelo homem e não necessariamente a
melhor...”
LIBERDADE DO INDIVÍDUO

 “A ciência é um empreendimento essencialmente


anárquico: o anarquismo teórico é mais humanitário e
mais suscetível de estimular o progresso do que suas
alternativas representadas por ordem e lei”.

Encoraja remoção de todas as restrições metodológicas

Encoraja a liberdade dos indivíduos escolher entre ciência e


outras forma de conhecimento
Referências
▹ Chalmers (1993). O que é Ciência Afinal?. Editora Brasiliencia

▹ Bombassaro, L C. (1995). Ciência e Mudança conceitual: notas sobre


epistemologia e história da ciência. Porto Alegre: EDIPUCRS.

▹ Souza, A. A. de (2005). O surgimento da ciência moderna e a história: as


contribuições de Galileu Galilei e Francis Bacon. Ágora, 1(4), Campo Grande.

Você também pode gostar