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Karl Popper e a Falseabilidade

Karl Popper nasceu em 1902, praticamente junto com o século 20. Nessa época, a ciência parecia ter atingido o
auge do prestígio. A revolução industrial iniciada na Inglaterra do século 18 se fundamentou na divisão e
organização do trabalho e nas novas tecnologias que aproveitaram as possibilidades abertas pela ciência
determinista de sir Isaac Newton. A utilização maciça das aplicações técnicas do conhecimento científico produziu
um período de progresso material acelerado, no qual a humanidade avançou mais em dois séculos neste campo
do que nos quatro mil anos anteriores. Esse progresso acelerado colocou o conhecimento científico numa
posição de destaque, que, no século 19, culminou no cientificismo, a crença de que tudo poderia ser explicado
pela ciência, que deveria ser colocada acima de todos os outros modos do saber.

 Supervalorização da ciência

Essa combinação de fatores sócio-históricos gerou grandes distorções, como o fato de a ciência, tornada laica
pelo iluminismo europeu, ganhar status religioso em doutrinas como o positivismo e outras, durante o século 19 e
início do 20. É neste ambiente de supervalorização do progresso científico e de deturpação da natureza original
da ciência que surge Karl Popper, que se tornaria o mais influente e respeitado filósofo da ciência entre os
homens que a fazem nos dias de hoje. Austríaco de nascimento e britânico por opção, Popper é o autor da
definição atualmente mais aceita de teoria científica: "Uma teoria científica é um modelo matemático que
descreve e codifica as observações que fazemos. Assim, uma boa teoria deverá descrever uma vasta série de
fenômenos com base em alguns postulados simples como também deverá ser capaz de fazer previsões claras as
quais poderão ser testadas."

Com esta definição, a simplicidade e a clareza voltavam a ser virtudes identificadoras da boa ciência, que assim
se separa das mistificações que nos dois séculos anteriores tentaram pegar carona em seu prestígio.

Observação e teorização

Popper defendeu que, se a ciência se baseia na observação e teorização, só se podem tirar conclusões sobre o
que foi observado, nunca sobre o que não foi. Assim, se um cientista observa milhares de cisnes, em muitos
lugares diferentes e verifica que todos os cisnes observados são brancos, isto não lhe permite afirmar
cientificamente que todos os cisnes são brancos, pois, não importa quantos cisnes brancos tenham sido
observados, basta o surgimento de um único cisne negro para derrubar a afirmação de que eles não existiriam.
Assim, qualquer afirmação científica baseada em observação jamais poderá ser considerada uma verdade
absoluta ou definitiva. Uma teoria científica, no máximo, pode ser considerada válida até quando provada falsa
por outras observações, testes e teorias, mais abrangentes ou exatos que a original.

Falseabilidade

A possibilidade de uma teoria ser refutada constituía para o filósofo a própria essência da natureza científica.
Assim, uma teoria só pode ser considerada científica quando é falseável, ou seja, quando é possível prová-la
falsa. Esse conceito ficou conhecido como falseabilidade ou refutabilidade. Segundo Popper, o que não é
falseável ou refutável não pode ser considerado científico. As teorias da gravitação universal de sir Isaac Newton
são científicas, por que além de se enquadrarem na definição ao propor equações simples que descrevem os
modelos cósmicos gravitacionais, também é possível se fazer previsões acertadas com base nelas. E as teorias
de Newton também são falseáveis. Tanto que o foram, quando Albert Einstein com sua Teoria da Relatividade
demonstrou que a mecânica newtoniana não era válida em velocidades próximas à da luz.

Teoria da relatividade

O clássico experimento do eclipse, no qual Einstein provou que a luz era afetada pelos campos gravitacionais e o
experimento posterior, que provou que cronômetros de altíssima precisão postos em alta velocidade em relação à
Terra apresentavam pequenos atrasos quando comparados a cronômetro idêntico mantido imóvel na superfície,
trouxe a ciência aos novos tempos em que o tempo não mais era absoluto. Mesmo assim, as teorias de Newton
continuam válidas para a maioria das aplicações cotidianas, quando a influência da velocidade pode ser
considerada desprezível para as aplicações práticas. A ciência mais uma vez mostrava seu poder de se renovar e
melhorar a partir de suas próprias definições. Por outro lado, seguindo as definições e o conceito da
falseabilidade de Popper, a astrologia de horóscopo moderna não pode ser considerada científica. Todo o
gigantesco arcabouço da mecânica newtoniana, o mais prestigiado modelo científico de todos os tempos, foi
falseado por dois experimentos simples e uma equação magistral (E = mC 2). Mas não existem experimentos
possíveis que possam falsear a teoria de que a posição de determinados corpos celestes afetam a vida de
pessoas nascidas em determinado período de determinada forma. A abrangência das previsões e a falta de um
modelo simples e claro que as expliquem tornam a astrologia de horóscopo não falseável e, portanto, não
científica.
Limites da ciência

Com Popper, os limites da ciência se definem claramente. A ciência produz teorias falseáveis, que serão válidas
enquanto não refutadas. Por este modelo, não há como a ciência tratar de assuntos do domínio da religião, que
tem suas doutrinas como verdades eternas ou da filosofia, que busca verdades absolutas. O melhor no velho
filósofo, que se opôs ao nazismo e dedicou sua vida à defesa de boas causas, é que suas teorias se aplicam a
elas próprias. Assim, se amanhã alguém redigir uma melhor definição de teoria científica, as ideias de Popper
humildemente sairão de cena para tomar seu lugar na história da ciência. Entre as muitas virtudes que nossa
ciência adquiriu dos grandes sábios que lhe deram grandeza, Popper nos mostrou uma ciência que se faz grande
na virtude da humildade.

Principais ideias de Thomas Kuhn - A estrutura das revoluções científicas.

A principal ideia de Thomas Kuhn é a oscilação da ciência ao longo da história. Para ele, ora o período é de
normalidade, ora é de crise. Veja a seguir os principais conceitos abordados por Kuhn.

 Paradigma: a princípio, paradigma significa um exemplar ou um modelo. Para Kuhn, a noção de


paradigma tem uma base historicista, ou seja, a ciência deixa de ser vista de forma ampla e
generalizada pela comunidade científica (um conjunto de cientistas que partilham de um mesmo
paradigma) e passa a depender de um período datado na história. Para Kuhn, o conceito de paradigma
pode ser usado tanto de forma geral quanto de forma restrita. Quando usado de modo geral, abarca a
noção de matriz disciplinar (conjunto de compromissos de pesquisa de uma comunidade científica).
Quando utilizado de maneira restrita, diz respeito aos paradigmas exemplares, a base da formação
científica. O paradigma, quando restrito, é a base porque é por meio dele que o pesquisador acessa e
domina determinado conteúdo da ciência, por meio de experimentação desses exemplares
compartilhados pela comunidade científica.
 Ciência Normal: é o período em que se desenvolve uma atividade científica fundamentada em um
determinado paradigma. Essa fase é o processo rotineiro em que os cientistas não questionam (ao
contrário, colocam à prova a estrutura paradigmática e corroboram) o paradigma em uso, por isso,
acaba ocupando a maior parte da comunidade científica. De acordo com Kuhn, existem três
classificações para a constituição da ciência normal: determinação do fato significativo (ou seja, os
constructos teóricos e práticos a respeito de leis da natureza), articulação da teoria (momento em que
se resolve as ambiguidades e os problemas) e a harmonização dos fatos com a teoria.

 Crise: diferentemente do período da Ciência Normal, o período de Crise é quando o atual paradigma
não é capaz de resolver todos os problemas (esses problemas podem levar anos ou até mesmo
séculos para serem resolvidos). Quando isso acontece, o paradigma é questionado – ou seja – a
comunidade científica começa a debater se esse paradigma precisa ser reformulado ou abandonado.
Esse momento é chamado de Crise. Dá-se o nome de anomalias para os objetos estudados ao longo
desse processo.

 Ciência Extraordinária: é quando novos paradigmas são criados e eles começam a competir entre si,
de modo a impor o mais adequado à resolução do problema.

 Revolução científica: momento no qual um dos novos paradigmas substitui o paradigma anterior,
tradicional. Cada revolução alimenta o ciclo de quebra e instituição de novo paradigma. A partir do
momento em que o novo paradigma é aceito pela comunidade científica, ele inicia o processo da
Ciência Normal; até que surjam novos problemas, novos questionamentos, novos paradigmas e assim
sucessivamente.

 Estabelecimento de um novo paradigma: o novo paradigma é aquele que ganhou a disputa e


assumiu o status da Ciência Normal. No entanto, a teoria de Kuhn – por considerar o fenômeno
histórico – demonstra que as escolhas paradigmáticas não são puramente científicas e objetivas, haja
vista que a ciência não é um campo isolado da realidade. Desse modo, o filósofo aponta a existência
de debates, tensões e disputas dentro da ciência. A atividade científica não está isenta dos aspectos
subjetivos, pois esses cientistas fazem parte de uma determinada realidade social que influencia no
seu modo de ver e pensar o mundo e, portanto, na sua escolha por um paradigma em detrimento de
outro.

O mais importante é entender que, para Kuhn a ciência é subjetiva e as mudanças paradigmáticas acontecem
não só por demandas científicas, mas também por demandas sociais e históricas. Os motivos para se escolher
um paradigma em função de outro são motivos que vão além do campo científico, perpassando a política, a
ética e a economia. Um paradigma pode ser um modelo a ser seguido “objetivamente”, mas sua criação e sua
escolha são feitas conforme os interesses subjetivos daqueles que detêm o poder para tomar essas decisões.

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