Você está na página 1de 8

O que é ciência: tudo o que você precisa saber!

 Por Danniel Figueiredo

Você certamente se depara, toda semana, com algum produto ou pesquisa que
se diz científica. Isso porque a ciência, desde o século XVI, vem ganhando
cada vez mais espaço em nossa sociedade. Hoje, com as grandes conquistas
por ela alcançadas (como a possibilidade de você ler esse texto e ter acesso a
bilhões de informações em um computador, tablet ou smartphone, por
exemplo) é muito difícil pensar o mundo sem seus constantes avanços.
Mas você sabe como surgiu esse modo de pensar e como foi se modificando
ao longo da história? Entende quais são as bases hoje para a construção de
um “conhecimento científico”? Quer saber como o Brasil tem se colocado
nesse meio? Nesse texto, o Politize! traz isso e muito mais para você.

A construção da ideia de “ciência”


Definir o que se entende por ciência não é tarefa das mais fáceis. O termo foi e
continua sendo muito debatido por diversos pensadores de variados lugares e
épocas. Uma forma de tentar chegar a um conceito, portanto, é olhar para a
ciência a partir da ideia do que ela não é.
Desse modo, podemos dizer que a ciência não é uma crença
inquestionável. Isso a difere, por exemplo, de uma religião. Enquanto uma
religião se baseia em um dogma, ou seja, uma hipótese incondicional, que
deve ser aceita pela fé, toda afirmação científica necessita ser fundamentada
e passível de testes, de forma que qualquer pessoa, independente do que
acredita ou não, possa chegar as mesmas conclusões ou refutá-las ao analisar
a forma como ela foi construída.
A afirmação de que existe um paraíso depois da morte, por exemplo, não pode
ser considerada científica, porque não pode ser testada. A única forma de
chegar a ele seria após a morte, mas não há como realizar um experimento de
morrer para averiguar sua existência ou não, ou morrer uma série de vezes, em
condições diferentes, para ver se em todas o resultado seria o mesmo.
A ciência também não é um argumento de autoridade. Ou seja, não é
suficiente para um conhecimento ser considerado científico que, por si só, um
grande pensador reconhecido, como Sócrates, Platão, Aristóteles, Tales de
Mileto, etc. o tenha sustentado. Dizer, por exemplo, que existe um “Mundo das
Ideias” porque Platão assim afirmou não garante que esse mundo exista.
Acreditar nele depende de uma fé semelhante à fé religiosa.
Da mesma forma, as práticas de curandeiros, monges, cartomantes,
feiticeiros e quaisquer outros seres que se auto-caracterizem como “místicos”
também não é ciência porque não pode ser racionalmente garantida. Se uma
cartomante faz uma previsão sobre o futuro e acerta, por exemplo, não há
como garantir se ela realmente acertou ou se foi uma simples coincidência,
nem como averiguar quais fatores a levaram a fazer aquela previsão, de forma
que outras pessoas também possam fazer.
Por fim, a ciência também não é o senso comum, ou seja, saberes adquiridos
e transmitidos socialmente – pelas nossas experiências de vida – que oferecem
respostas prontas para questões corriqueiras e frequentes no nosso dia a dia.
Em um exemplo simples, sabemos que se colocarmos a mão no fogo ou em
uma superfície quente, ela irá queimar e, por isso, evitamos de fazer isso.
Sabemos isso não porque colocamos a mão no fogo um numero incontável de
vezes (apesar de podermos ter feito algumas), mas porque isso é um saber da
sociedade, muito provavelmente transmitido pelos pais e que transmitiremos
aos nossos filhos.
Dito isso, portanto, podemos tentar estabelecer uma definição nossa de
ciência como uma explicação possível de ser testada, racionalmente válida e
justificável, que possa ser replicada, e obtida por meio de estudos,
observações e experimentações feitas sobre a afirmação ou o objeto estudado.

A História da Ciência
A história da ciência é composta por uma série de pensadores – muitos deles
cujos nomes se perderam ou são pouco lembrados – que, por seus trabalhos,
foram fornecendo contribuições para os métodos científicos que utilizamos
hoje. Citaremos aqui alguns nomes importantes.

Aristóteles
Nascido em 384 a.C, em Estagira, na Grécia, Aristóteles foi discípulo de Platão,
mas, diferente de seu mestre que focou seus estudos no mundo das ideias,
como médico, Aristóteles estava mais  interessado no mundo natural.
Desse modo, foi um dos pioneiros a introduzir a observação metódica da
natureza, com descrições precisas do que observava. Ao tentar entender as
causas dos fenômenos que observava, foi também responsável por introduzir
a lógica a ciência.

Galileu
Quase dois mil anos depois, em 1564, em Pisa, na Itália, nascia outro grande
nome para a ciência. Galileu Galilei, mais do que físico, astrônomo, inventor do
telescópio, escritor, entre diversas outras qualidades, foi um dos responsáveis
por introduzir ao método de observação de Aristóteles uma característica
fundamental, a da experimentação metódica.
Dessa forma, hipóteses derivadas da observação precisariam ser testadas
através de experimentos. Diversas teses físicas de Aristóteles, como a de que
corpos com maior massa cairiam mais rápido, puderam, com isso, ser
provadas falsas.

Newton
Um ano após o que morreu Galileu, 1643, nasceu, no Reino Unido, Isaac
Newton. Indo além de Galileu, ao estudar os movimentos dos corpos, Newton
conseguiu esquematizar suas observações e experimentos em um sistema de
equações que montava um quadro de análise a partir do qual poderiam ser
tiradas conclusões exatas. Em sua obra “Princípios Matemáticos de Filosofia
Natural” ele cria e demonstra as ferramentas matemáticas que sustentam sua
lei da gravitação universal, que serviam tanto pra explicar o porque de objetos
caírem quando soltos quanto o movimento de corpos celestes.

Karl Popper
As descobertas e leis de Newton prevaleceram por séculos e contribuíram para
visões deterministas (de que a ciência poderia determinar o comportamento de
qualquer fenômeno físico) que só viriam a ser desfeitas com nomes como
Einstein e Heisenberg, respectivamente, com a Teoria da Relatividade e o
Princípio da Incerteza, no século XX, que demonstraram erros na teoria de
Newton.
Entre esses séculos, sobretudo no século XIX, predominou um “cientificismo”,
ou seja, uma supervalorização da ciência como capaz de determinar qualquer
coisa. É num ambiente assim que nasce Karl Popper, na Áustria, em 1902.
Popper é o responsável por estabelecer o princípio da falseabilidade, segundo
o qual uma teoria só é científica se for possível prová-la falsa. Ou seja, ela
deve ser capaz de ser testada.
Enquanto os testes não demonstrarem que ela é falsa, ela pode ser
considerada válida. Abandonava-se assim o caráter de infalibilidade da ciência,
dominante nos momentos cientificistas.

Thomas Kuhn
Thomas Kuhn, por sua vez, nascido nos Estados Unidos, em 1922, traz a ideia
de paradigmas e revoluções científicas.
Olhando mais para fatores sociológicos, Kuhn estabelece o progresso da
ciência no esquema abaixo, conforme trazido por Alam F. Chalmers no livro “O
que é Ciência, afinal ?”:
pré-ciência – ciência normal – crise-revolução – nova ciência normal – nova
crise
A pré-ciência seria uma atividade desorganizada e diversa. Ela se torna
estruturada e dirigida quando a comunidade científica atém-se a um
paradigma. Um paradigma pode ser entendido como relações científicas
passadas reconhecidas pela comunidade científica como legítimas para uma
prática posterior, como resumido por Nuno Borja Santos, no artigo “A
aprendizagem segundo Karl Popper e Thomas Kuhn”.
Dessa forma, a mecânica de Newton pode ser considerado um paradigma e os
cientistas que trabalhavam tendo ela como base praticam o que Kuhn chama
de ciência normal. Ao fazê-lo, eles se aprofundarão e realizarão uma série de
experimentos. Quando esses experimentos encontram uma série de
falsificações, têm-se uma crise naquele paradigma. Essa crise levará a uma
revolução científica, como a Teoria da Relatividade de Einstein, por exemplo,
que gerará um novo paradigma, no qual se dará uma nova ciência normal, a
espera de uma nova crise.
Dessa forma, para Kuhn, se constrói o progresso da ciência. Assim, mesmo
que um paradigma se prove falso, sua existência é importante pois só através
dela poderão ser feitos estudos aprofundados que concluirão que ele é falso. A
ciência é vista, dessa forma, como um constante avanço baseado em tentativa
e erro.

E o que seria o Método Científico?

No já citado livro “O que é Ciência, afinal?”, Alan Chalmers traz uma série de
abordagens, discussões e críticas interessantes sobre as formas de se pensar
ciência atualmente. Aqui nós nos limitaremos a mostrar três das abordagens
trazidas por ele: o indutivismo (mais comum), o falsificacionismo (já citado,
mas que merece um reforço) e o anarquismo do conhecimento (em oposição
a ambos)

O indutivismo
O indutivismo tem suas origens justamente com as experimentações de
Galileu, que trouxemos anteriormente.  Para ele, a teoria deveria se adequar
aos dados e não o contrário. Assim, primeiro se observa os  dados derivados
observados, deles se tiram conclusões, e dessas conclusões são construídas
as teorias.
Essa é a concepção mais aceita de ciência, pois, de acordo com ela, qualquer
observador poderia chegar às mesmas conclusões ao realizar o experimento.
Partiria, assim, de afirmações singulares (sobre o objeto de análise) para,
através da observação, chegar a afirmações universais (generalizações) que
teriam capacidade de explicação e previsão. Para isso, como traz Chalmers,
seriam necessários três passos
1. O número de observações que forma a base de uma generalização deve ser
grande
2. As observações devem ser repetidas sob uma ampla variedade de
condições
3. Nenhuma proposição de observação deve conflitar com a lei universal
derivada
O processo pode ser demonstrado na figura abaixo, retirada da página 23 da
obra de Chalmers.

Assim, um grande número de observações em condições variadas gera


uma teoria e, a partir dessa teoria, podem ser feitas previsões dedutivas. O
exemplo clássico é o do cientista que observa 1000 cisnes e todos eles são
brancos. Conclui, então, que “todos os cisnes são brancos”. Como derivação
disso, esperaremos que o próximo cisne que ele encontrar será branco. Basta,
contudo, que um cisne preto surja para refutar por completo a teoria.
As criticas a essa perspectiva são em torno tanto de questões como “qual seria
o ‘grande número’ de observações adequado?” ou sobre o quanto as
percepções do observador interferem na observação quanto à possibilidade de
que, de premissas verdadeiras, surja uma conclusão falsa. No exemplo do
“peru indutivista”, dado por Bertrand Russel, isso se ilustra bem.
Durante toda a sua vida, o peru indutivista foi alimentado às 9 da manhã. Disso
ele deriva que sempre é alimentado às 9 da manhã e espera que receberá a
próxima às 9h do dia seguinte. No entanto, o dia seguinte é véspera de Natal e,
para a tristeza do peru, o alimento, dessa vez, será ele.

O falsificacionismo
O falsificacionismo, por sua vez, diferente do indutivismo, “abandona qualquer
afirmação de que as teorias podem ser estabelecidas como verdadeiras ou
provavelmente verdadeiras à luz da evidência observativa (Chalmers, p.56).
As teorias, a partir dessa perspectiva, são vistas como especulações ou
suposições criadas livremente através do intelecto humano para superar
problemas encontrados por teorias anteriores.
A questão aqui está que, uma vez pensadas, as teorias devem ser
incessantemente testadas sob observação e experimento. As que não resistem
aos experimentos devem ser abandonadas ou substituídas.
Na luz do falsificacionismo, uma teoria nunca pode ser garantida como
verdadeira, pois sempre se espera que alguém, algum dia, a refute. Contudo,
pode-se afirmar que ela é a melhor teoria disponível para aquele momento,
uma vez que foi capaz de refutar tudo aquilo que veio antes dela. Foi assim
com a teoria de Galileu frente a de Aristóteles, ou a de Einstein, frente a de
Newton.
Dessa forma, para que uma hipótese possa ser considerada científica, ela deve
ser passível de ser falseada ao máximo possível. Desse modo, teorias como a
Psicanálise freudiana (que explica os acontecimentos com base no
inconsciente) não poderiam ser consideradas científicas, uma vez que
poderiam se adaptar a qualquer tipo de questionamento (o inconsciente
poderia levar a qualquer atitude) sem nunca ser falsas.

O anarquismo
Da mesma forma que existem aqueles que tentam estabelecer métodos para
alcançar o conhecimento científico, também existem aqueles totalmente
contrários a sua adoção. É o caso de Paul Feyerabend, em sua obra Against
Method.
Para ele, nenhum dos métodos da ciência utilizados até hoje foram bem
sucedidos. Ele faz isso ao demonstrar que essas metodologias são
incompatíveis com a história da física. Uma das justificativas para isso é
apontada em seu ponto de vista sobre a incomensurabilidade. Em alguns
casos, os conceitos de teorias podem ser tão diferentes que é impossível
pensar uma em termos da outra. Como então poderiam ser comparadas teorias
rivais a fim de falseá-las?
Newton, por exemplo, constrói sua teoria com base em forma, massa e volume
dos corpos. Para Einstein, forma massa e volume não mais existem. Dessa
forma, qualquer observação feita com base na mecânica de Newton terá um
significado completamente diferente na teoria da relatividade. A base lógica se
perderia, ganhando espaço a subjetividade do cientista.
Feyerabend, em sua perspectiva anarquista, portanto,”aumenta a liberdade dos
indivíduos, encorajando a remoção de todas as restrições metodológicas, ao
passo que, num contexto mais amplo, ele encoraja os indivíduos de escolher
entre a ciência e outras formas de conhecimento”. (Chalmers, pág. 185)
Apesar de questionamentos como esses, no entanto, para a grande maioria
dos pesquisadores do mundo, a ciência e os métodos científicos continuam
sendo amplamente utilizados e são base para grandes descobertas.

E quais os tipos de ciência?


São vários os tipos de ciência. Apesar de suas diferenças, todos tentam se
adequar a algum tipo de método para sustentar suas afirmações e o sonho de
toda nova disciplina é ser reconhecida como científica. Os principais “tipos” de
ciência são: ciências humanas, ciências exatas e ciências biológicas.
As ciências humanas, como o próprio nome diz, tratam das relações entre
diferentes grupos de pessoas, tentando compreender hábitos, acontecimentos
o funcionamento da sociedade, do Sistema Internacional, a política, a história,
entre diversos outros fenômenos. São exemplos a História, Filosofia,
Sociologia, Economia, Relações Internacionais, Direito, entre outras.
As ciências exatas, por sua vez, são baseadas em raciocínios lógicos
sustentados com base em aplicações quantitativas, com a utilização de
números, fórmulas, equações, etc. São exemplos a matemática, a química, a
física.
Já as ciências biológicas envolvem a aplicação da biologia para o estudo de
organismos vivos (espécies, reprodução, sistemas, saúde, etc.). Envolvem toda
espécie de organismos vivos, independente de seu reino, filo, classe, ordem,
família, gênero ou espécie.

Ciência no Brasil e no mundo


A ciência se distribui de forma desigual no mundo contemporâneo. Grande
parte disso é por conta do elevado grau de investimento  que demandam as
descobertas científicas. Apesar disso, quando descobertas, geram grande
impacto. Não é sem razão que Estados Unidos, Europa e Japão foram pivôs da
Terceira Revolução Industrial e lucram com seus efeitos ainda hoje. Eles foram
capazes de desenvolver novos paradigmas científicos.
Da mesma forma, também não é sem razão que a Alemanha recentemente
anunciou um incremento de 160 bilhões de euros aos valores destinados ao
seu investimento em pesquisa. “Com isso estaremos garantindo a prosperidade
de nosso país no longo prazo”, afirmou a ministra da educação alemã. Ou seja,
o país tenta se utilizar da ciência para manter sua posição de destaque no
mundo.
Isso parece reforçar ao quadro levantado pelo Excellence Mapping, que
mapeia as publicações científicas pelo mundo. De acordo com ele, elas ainda
se concentram na Europa e nos Estados Unidos.

Mesmo nesse quadro, contudo, o Brasil tem apresentado bons números


recentemente. De acordo com estudo realizado pela Capes (Coordenação e
aperfeiçoamento de pessoal de nível superior), entre 2011 e 2016 o Brasil
publicou mais de 250.000 pesquisas, sendo o décimo terceiro país mais citado
do mundo e o mais citado da América Latina.
Apesar de o impacto dessas publicações ter se mantido abaixo da média
mundial, apresentou, no período analisado, um crescimento de 15%.
É importante ressaltar que, de toda a pesquisa científica brasileira, 95% se
localiza em Universidades públicas, modelo de universidade que o país
estabeleceu há décadas e ao qual focou seus investimentos. Por conta disso,
recentes políticas de contingenciamento de gastos com universidades tem
levantado polêmicas dentro e fora do país.
Independente do que for escolhido no Brasil, é fato que nenhum país aumenta
sua riqueza sem grandes descobertas e nenhuma grande descoberta surge
sem uma grande pesquisa. A construção científica é trabalhosa, é fruto de
grandes debates e contradições, mas ainda é, em nossos tempos, o principal
meio de organizar e construir conhecimento.
Conseguiu entender o que é ciência? Conta pra nós nos comentários o
que você pensa sobre o assunto! 

Você também pode gostar