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1 CIÊNCIA E FÍSICA

1.1 FILOSOFIA E CIÊNCIA

Desde a Grécia antiga, a Filosofia (“amor pela sabedoria”) compreendia essencialmente


todas as áreas do conhecimento. Em particular, o estudo das leis da natureza por muito
tempo foi chamado de Filosofia Natural.

Pouco a pouco, as disciplinas, ou Ciências, foram se separando da Filosofia. A primeira foi a


Matemática, ainda na Antiguidade. Apesar de a Matemática ser uma ferramenta
fundamental para a Ciência, há discussão sobre se ela própria ser considerada uma
Ciência. As contribuições de Galileu e Newton marcam o surgimento da Física. O fato de a
obra seminal de Newton se chamar Principia Mathematica Naturalis Philosophiae
(Princípios Matemáticos da Filosofia Natural) evidencia que, à época, a Física era ainda
parte da Filosofia. Depois seguiram-se a Astronomia, a Química, a Geologia e a Biologia.

Hoje em dia a interface entre a Filosofia e Ciência está principalmente na chamada


Filosofia da Ciência, que trata, entre outras coisas, de refinamentos de questões sobre o
que é possível saber sobre a realidade dentro do paradigma científico, e como se pode
chegar a esse conhecimento.

1.2 A ATITUDE CIENTÍFICA

A palavra fato nos remete à ideia de algo verdadeiro e imutável. Um fato científico, grosso
modo, pode ser descrito como um consenso entre observadores qualificados dos mesmos
fenômenos. Portanto, não é necessariamente imutável, pois este consenso pode mudar.
Isso não é um defeito da Ciência, mas uma característica intrínseca dos métodos
científicos, como será explicado adiante.

1.2.1 Hipóteses, Leis e Teorias; Refutabilidade

Uma hipótese científica é um palpite bem-informado (educated guess) que se presume


verdadeiro até que seja testado por experimentos ou observações. Karl Popper sugeriu
que uma hipótese científica deve ser refutável, ou seja, deve haver um meio de verificar
que a hipótese é falsa; caso contrário, não há o que dizer do ponto de vista científico. Esse
é um dos principais aspectos nos quais a Ciência difere, por exemplo, da Religião.

Quando uma hipótese sobrevive repetidamente a testes que podem refutá-la, ela pode se
tornar uma lei ou princípio. Caso contrário, a hipótese deve ser abandonada ou modificada.
Um conjunto de princípios científicos que tratam de certo aspecto da realidade é dito uma
teoria científica. Note que o significado difere do uso cotidiano, em que usamos a palavra
“teoria” para nos referirmos a uma hipótese não testada.

Ex.: Quais dessas hipóteses são científicas?

a) Átomos são os menores componentes da matéria.


b) Existem infinitos universos, indetectáveis com a tecnologia atual.
c) Albert Einstein foi o maior físico do século 20.
É importante observar que a Ciência é limitada à porção da realidade que é acessível pela
tecnologia disponível1. Não faz sentido falar, por exemplo, que a Ciência se opõe à
existência dos ditos “fenômenos sobrenaturais” (“acima da natureza”). Se tais fenômenos
pudessem ser investigados cientificamente, estes fariam parte do corpo de conhecimento
científico. Por exemplo, os fenômenos relacionados à eletricidade e à radioatividade
inicialmente pareciam sem explicação. Entretanto, foram formuladas hipóteses e feitos
experimentos para testá-las, de modo que as teorias que explicam estes fenômenos
constituem parte bem estabelecida do conhecimento científico. O mesmo não pode ser dito
sobre os fenômenos “sobrenaturais”, como a telepatia ou as curas psíquicas. Se
sobrevivessem ao escrutínio científico, estes passariam a ser fenômenos simplesmente
“naturais”.

A princípio, essa refutabilidade das teorias científicas parece ser uma fraqueza, parecendo
dar a impressão de que a Ciência não tem certeza dos fatos. Entretanto, é muito raro que
uma teoria seja refutada em favor de outra que a contradiga completamente (embora em
princípio isso possa acontecer, como no caso da Seleção Natural ou da determinação da
idade da Terra); o mais comum é que haja refinamentos da teoria anterior. Com o passar
do tempo, a tendência é que haja uma convergência em direção a teorias que se
aproximem cada vez mais da realidade natural.

Na Física, por exemplo, poderia se dizer que a Teoria da Relatividade de Einstein refutou a
Mecânica Newtoniana vigente até então. Na verdade, o que houve foi uma generalização.
Para a maioria dos fenômenos cotidianos, a Mecânica Newtoniana é uma excelente
aproximação da Teoria de Einstein. Para levar astronautas à Lua, por exemplo, não foi
necessário aplicar correções relativísticas; entretanto, a aplicação dessas correções ao
sistema GPS melhorou consideravelmente sua precisão.

1.2.2 O Método Científico

Seguindo as ideias vindas desde Galileu, no século 16, o método científico busca adquirir,
organizar e aplicar novos conhecimentos, com base no pensamento racional e na
experimentação, seguindo os seguintes passos:

1. Identificar uma questão ou problema;


2. Formular uma hipótese em resposta;
3. Fazer uma previsão sobre as consequências de a hipótese estar correta, e que não
existiriam se estivesse incorreta;
4. Realizar experimentos ou observações para verificar essas consequências;
5. Formular leis que organizem os resultados.

Algumas características são desejáveis para esses itens. A hipótese, como já citado, deve
ser refutável. Cada experimento ou observação devem ser reprodutível, de modo que haja
uma boa descrição dos procedimentos utilizados, que possa ser utilizada por outros
cientistas para realizar sua própria verificação.

Ex.: Um caso interessante e recente em que foi feita uma hipótese que depois foi
descartada é o do processo de formação de sistemas planetários e da descoberta dos
planetas extrassolares2.

1 https://oyc.yale.edu/ecology-and-evolutionary-biology/eeb-122/lecture-23
2 https://oyc.yale.edu/astronomy/astr-160/lecture-4
1.2.3 Pseudociência

Uma pseudociência3 é um conjunto de ideias postas como científicas quando na verdade


não o são. Ideias pseudocientíficas tem um ar de científicas, mas falham em algum aspecto
do ponto de vista do método científico. Alguns tópicos que são caracterizados como
pseudociências são:

 Astrologia
 Criacionismo
 Homeopatia
 Misticismo Quântico
 Terraplanismo

A seguir falaremos um pouco mais sobre alguns destes tópicos. O caso da Astrologia é
peculiar, pois e inegável a importância da verificação de padrões do movimento dos
astros; nesse aspecto, foi uma precursora da Astronomia, parte importante da Física atual.
Entretanto, a hipótese de que os astros influenciam no comportamento humano não é
científica. Diversos estudos mostram que não há correlações entre características
humanas e signos (aliás, estes nem estariam certos atualmente, pois a posição das
constelações muda com o passar dos séculos).

Em Física, termos como “relatividade” e “indeterminação” têm significados técnicos


precisos, que não coincidem com o significado dessas palavras no cotidiano. Por isso, têm-
se abusado do uso desses termos na acepção errada. Recentemente, há uma tendência
usar o adjetivo “quântico” para emprestar um ar científico a certas hipóteses, populares
em livros que falam, por exemplo, em “cura quântica”. E o dito Misticismo Quântico tem
vendido muitos livros. É difícil determinar até que ponto isso vem de um mau
entendimento da teoria, e onde começa o charlatanismo e a ganância.

Por mais que a Ciência avance, com um método consolidado que oferece inúmeros
resultados e aplicações, periodicamente aparecem movimentos anticientíficos, que
revolvem ideias há muito suplantadas, ou mesmo rejeitam o método em si ou seus
resultados. Tipicamente, esses movimentos têm motivações religiosas, políticas ou
financeiras. O Criacionismo e a hipótese da Terra plana, por exemplo, têm motivação
claramente religiosa. Já a negação do Aquecimento global interessa a corporações e
governos cuja economia está baseada na emissão de poluentes. O movimento
antivacinação combina vários fatores, como negação dos dados sobre a eficácia das
vacinas e teorias conspiratórias sobre a indústria farmacêutica, tendo também a influência
religiosa como componente.

1.3 MATEMÁTICA, FÍSICA E CIÊNCIA

De certa forma, podemos dizer que a Biologia é baseada na Química, que por sua vez está
baseada na Física, de modo que a Física é considerada a mais fundamental das ciências
naturais. Ela trata de elementos básicos da natureza, como movimento, forças, energia, a
matéria e suas partículas básicas. Assim, uma boa compreensão da Ciência começa com
uma boa compreensão da Física.

A Física, por sua vez, está fundamentada na Matemática. Como já dito, a Matemática é tida
mais como uma ferramenta científica que uma ciência em si. Uma diferença essencial da

3 http://skepdic.com/pseudosc.html
matemática é que uma verdade matemática será verdadeira em todo tempo e lugar,
enquanto o mesmo não pode ser assumido de uma teoria científica, como vimos
anteriormente, embora o objetivo do método seja chegar o mais próximo da verdade sobre
a realidade natural.

Quando ideias científicas são expressas em termos matemáticos, elas podem ser
interpretadas sem ambiguidade, e fica mais fácil comprová-las ou refutá-las por
experimentos e observações.

Este grande livro, o Universo, não pode ser entendido sem que
antes aprendamos a linguagem em que está escrito, que é a
linguagem da Matemática. Sem isso, vaga-se em vão em um
labirinto escuro. -Galileu

A estrutura matemática da Física está evidente nas diversas equações que descrevem os
mais diversos fenômenos. Ao longo da História, vários matemáticos se envolveram com
problemas de Física, e vários físicos se viram aplicando métodos de matemática antes tida
como “pura” em problemas físicos.

Talvez o melhor exemplo dessa relação íntima entre a Física e a Matemática seja o legado
de Newton, que descreveu os princípios da Mecânica ao mesmo tempo que coinventava o
Cálculo Diferencial. Mais recentemente, métodos de álgebra abstrata têm encontrado
aplicações na Mecânica Quântica.

1.3.1 Quebras de paradigma na Física

Podemos, grosso modo, definir três momentos principais da Física, ou três “Físicas”: a
Aristotélica, a Clássica e a Moderna. O advento das Físicas Clássica e Moderna marcam
duas quebras de paradigma, em que revisões substanciais da visão da realidade natural
foram levadas a cabo.

Como já dito, inicialmente a Física era parte da Filosofia, a chamada Filosofia Natural. O
principal expoente até antes da Renascença foi Aristóteles. A crença corrente era de que
tudo no Universo era composto por quatro elementos: terra, água, ar e fogo. Cada objeto
teria seu lugar apropriado conforme sua “natureza”; se estivesse fora de seu lugar, o objeto
se “esforçaria” para voltar a esse lugar. Uma pedra solta no ar caía porque era feita
principalmente do elemento terra, e quanto mais pesada a pedra, mais terra, e portanto
maior o “esforço” para voltar à terra, caindo mais rápido. A exceção eram os corpos
celestes, que se constituíam de um quinto elemento, a “quintessência”, e seguiam leis
próprias.

Esse paradigma começou a ser quebrado com os trabalhos de Copérnico e principalmente


Galileu que, como já dito, foi um dos pioneiros do método científico, tendo demonstrado,
no famoso experimento da torre de Pisa, que os objetos de pesos bem diferentes caíam no
chão ao mesmo tempo, contrariando a crença aristotélica. Também são famosos os seus
experimentos com planos inclinados, que inspirariam a primeira lei de Newton.

Pouco tempo depois de Galileu, Newton formulou uma série princípios matemáticos para a
Física, como explicitado no título da já mencionada obra fundamental Principia
Mathematica Naturalis Philosophiae (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural). Entre
as diversas contribuições de Newton, está a Teoria da Gravitação Universal, que mostra
que a mesma força que faz uma pedra cair também mantém os planetas em suas órbitas,
unificando, por assim dizer, as leis que regem “o céu e a terra”.

A Física Clássica, ou Newtoniana, dominou a cena até o início do século 19, quando duas
novas revoluções, a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica, foram introduzidas para
explicar certos princípios que escapavam à análise clássica, embora essa ainda seja
suficientemente adequada para explicar a maior parte dos fenômenos cotidianos.

Infelizmente, ainda que a Relatividade e a Mecânica Quântica generalizem a Física Clássica,


certos fenômenos só podem ser analisados por uma teoria ou pela outra. Atualmente,
estamos possivelmente à beira de uma terceira quebra de paradigma, com o possível
surgimento de uma teoria que unifique essas duas abordagens, a “Teoria de Tudo”.

1.4 MEDIDAS

As medidas são um indicador da boa ciência.

Quando se pode medir algo, alguma coisa se sabe sobre isso.


Senão, o conhecimento sobre isso é estéril e insatisfatório.
– Lord Kelvin

Medições melhores, feitas por tecnologias melhores, frequentemente levam a novos


avanços científicos.

1.4.1 Notação científica

Considere as afirmações a seguir:

Estima-se que na Terra há 1.260.000.000.000.000.000.000 litros de água

A massa de um próton é 0,00000000000000000000000000167262178 kg

Para escrever esses números de uma forma mais palatável, concisa e padronizada,
utilizamos potências de 10. Por exemplo:

Em geral, para natural, é igual a 1 seguido de zeros, e é igual a 1 precedido de


zeros, incluindo o zero antes da vírgula. A notação científica é uma convenção para se
escrever números como múltiplos de potências de 10, na forma

onde é chamado de coeficiente ou mantissa, e é chamado de expoente ou potência.

Notação científica normalizada: a parte inteira do coeficiente é composta de apenas um


algarismo ( ).

Notação científica de engenharia: o expoente é um múltiplo de 3

1.4.2 Grandezas

Grandeza: é tudo que pode ser medido. Ex.: comprimento, massa, tempo, força, energia.
Medir: atribuir valor numérico e unidade a uma grandeza.

Unidade: padrão de medida.

Grandezas fundamentais: conjunto de grandezas escolhido para servir de base para as


demais grandezas (chamadas então de grandezas derivadas). Ex.: se tomarmos
comprimento e tempo como grandezas fundamentais, grandezas como área, volume,
velocidade, aceleração e vazão serão grandezas derivadas destas.

Grandeza Escalar: definida, além da unidade, apenas por um número (magnitude ou


módulo). Ex.: distância.

Grandeza Vetorial: além da unidade e da magnitude, também possuem direção e sentido,


sendo portanto melhor representadas por vetores. Ex.: deslocamento, força.

1.4.3 Sistema Internacional (SI)

É um conjunto padrão de unidades de grandezas fundamentais, definido pela 14ª


Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM), em 1971.

Exemplos de grandezas/unidades derivadas do SI: velocidade (m/s), aceleração


(m/s²), área (m²), força (newton, N=kg m/s²), pressão (pascal, 1 Pa=N/m²).

Unidades não-SI

- Unidades “toleradas” pelo SI: múltiplos de unidades SI usados no cotidiano. Ex.: hora
(1h=3600 s), are (a = 100 m²), litro (L = dm³).

- Unidades de outros sistemas: ex.: sistema britânico ou imperial. Ex.: pé (ft), “libra” (libra-
força por polegada quadrada, lbf/in² ou psi).

Prefixos: são colocados antes das unidades, agindo como multiplicadores, e são
associados a potências de 10.

Potência
Número bilhão milhão mil cem dez um décimo centésimo milésimo milionésimo bilionésimo
Prefixo giga mega kilo hecto deca - deci centi mili micro nano
símbolo G M k h da d c m n

Exemplo: 5 MW (5 megawatts) = W (5 milhões de watts)

30 nm (30 nanômetros) = m (30 bilionésimos de metro)


1.4.4 Fórmulas de definição e de proporção

Existem basicamente dois tipos de fórmula em Física: as de definição e as de proporção.


Fórmulas de definição são “diferentes” de cada lado da igualdade, isto é, não são as
mesmas grandezas envolvidas. Ex.:

Já fórmulas de proporção são “iguais” dos dois lados da igualdade, pois as mesmas
grandezas estão sendo multiplicadas e divididas, tipicamente identificadas por índices (1,
2) que identificam duas situações ou objetos diferentes. Ex.:

Saber com que tipo de fórmula se está lidando pode ajudar principalmente no trato com as
unidades. Nas fórmulas de proporção, basta cuidar para que as mesmas grandezas tenham
a mesma unidade. Por exemplo, na fórmula , poderíamos colocar as massas
em gramas e as velocidades em km/h ou mph, sem problema, desde que todas as massas
usem a mesma unidade.

Já nas fórmulas de definição, deve-se ter um cuidado maior, pois as unidades devem ser
consistentes entre si. Por exemplo, na fórmula , se a massa por dada em kg e a
densidade em kg/m³, o volume estará em m³. Se a densidade estivesse em g/cm³,
deveríamos, por exemplo, converter a massa para g. Na dúvida, recomenda-se utilizar as
unidades do SI.

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