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Os paradigmas de Thomas Kuhn_1

Aqueles que, como Popper, afirmam que a ciência é objetiva, querem dizer
com isso que as teorias científicas podem descrever corretamente a realidade
e que, à medida que o conhecimento científico evolui, vamos obtendo uma imagem cada vez mais
fiel do mundo, isto é, uma imagem de coimo ele é realmente. Ora, Kuhn rejeita esta perspetiva.

O conceito de paradigma

O conceito central da filosofia da ciência de Kuhn é o de paradigma. Para Kuhn, a história


de uma disciplina científica é uma sucessão de paradigmas. Por exemplo, a física foi dominada
durante muitos séculos pelo paradigma aristotélico, que acabou por ser substituído pelo paradigma
coperniciano o qual, por sua vez, foi substituído pelo newtoniano, até que no século XX, também
este deu lugar a um novo paradigma, assente nas teorias de Einstein.

▪ Mas o que é, afinal, um paradigma?

∎ Um paradigma é toda uma forma de fazer ciência. Um paradigma centra-se numa


teoria que proporciona problemas e soluções exemplares a uma certa comunidade
de investigadores.

Para esclarecer este conceito, tomemos como exemplo o


paradigma newtoniano. Este paradigma centra-se na mecânica
de Newton, uma teoria capaz de explicar o movimento a partir
de diversas leis. A teoria de Newton fundou um paradigma
porque, por um lado, os cientistas encontraram nela soluções
exemplares para muitos problemas que os intrigavam e porque,
por outro lado, encontraram nela meios definidos para
desenvolver a investigação.

Um paradigma regula todo o trabalho científico numa certa área de investigação. Por isso,
inclui diversas espécies de regras, como as seguintes:

• Regras para aplicar a teoria à realidade.


• Regras para usar instrumentos.
• Regras para avaliar explicações.

Ao trabalharem sob o paradigma newtoniano, os cientistas aceitavam, então, regras para


aplicar as leis de Newton a objetos como os corpos celestes, regras para usar instrumentos como
o telescópio e regras para conseguir boas explicações a partir das leis.
Mas, um paradigma inclui também pressupostos filosóficos. Sob o paradigma
newtoniano supunha-se, por exemplo, que tudo o que acontece no universo físico decorre de leis
naturais rigorosas, sem que exista lugar para o acaso. Esta perspectiva filosófica, como vimos,
ficou conhecida por determinismo.

▪ Da ciência normal à mudança de paradigma

Vejamos, agora, como Kuhn descreve o processo histórico pelo qual se passa de um
paradigma para outro. Quando um paradigma surge, inicia-se um período de ciência normal.

• A ciência normal consiste na atividade de "resolução de enigmas" conduzida sob


um paradigma – ou, dentro de um paradigma.

Os enigmas (ou puzzles, para usar o termo de Kuhn) são os problemas especializados que
surgem com um novo paradigma. Num período de ciência normal, os cientistas não estão
interessados em refutar ou avaliar criticamente a teoria central do paradigma – ao contrário
do que propunha Karl Popper. O que lhes interessa, pelo contrário, é aumentar a credibilidade
dessa teoria, torná-la mais precisa, aplicá-la a novos campos e, para esse efeito, esforçam-se por
resolver as questões minuciosas/específicas que ela deixou em aberto.

A atividade de resolução de enigmas nem sempre corre da melhor forma. Por vezes, os
cientistas não conseguem ajustar a realidade ao paradigma, isto é, descobrem que os
pressupostos teóricos fundamentais do paradigma não estão de acordo com aquilo que se observa
na natureza. Quando as tentativas de resolver um enigma fracassam, surge uma anomalia.

As anomalias não são vistas pelos investigadores como refutações (como


“falsificações”, ao contrário do que afirmava Popper), nem como provas de que os seus
pressupostos teóricos fundamentais são falsos. Esses pressupostos continuam a ser aceites e
espera-se que, um dia, a anomalia seja resolvida.

Contudo, na história de um paradigma regista-se uma tendência para as anomalias se


acumularem.

Descobrem-se cada vez mais fenómenos que não estão de acordo com o paradigma, até
que este acaba por entrar em crise. Durante uma época de crise, a confiança no paradigma fica
seriamente abalada e a investigação tranquila que caracteriza a ciência normal dá lugar a um
período de ciência extraordinária.
Acabando por surgir uma teoria alternativa que proporciona um novo paradigma, uma
nova forma de fazer ciência dentro da área disciplinar em questão. A comunidade científica fica,
assim, dividida: os partidários do velho paradigma opõem-se aos defensores do novo. Opera-se
uma revolução científica quando estes últimos triunfam, levando a maior parte da comunidade
científica a aderir ao novo paradigma. Inicia-se, então, um novo período de ciência normal.

No paradigma do geocentrismo os epiciclos serviam para explicar a forma irregular (“planeta” = vagabundo) de movimento dos astros.

Mas se o trabalho do cientista em período de “ciência normal” consiste em encontrar


resultados que sejam conformes com o seu modelo, como explicar o surgimento de novos pontos
de vista científicos? Como explicar o surgimento de rupturas e, por vezes, de revoluções
científicas?

A própria ciência normal é, pelo extremo rigor e detalhe da sua informação, pela crescente
acuidade dos instrumentos utilizados, um extraordinário detector de Anomalias*. Será a
importância destas anomalias, e a sua resistência às soluções de que um paradigma dispõe, que
criam as condições para a abertura de uma Crise epistemológica.
A “Crise” é, por sua vez, a condição fundamental para a emergência de uma nova teoria.
Mas esta não surge imediata nem facilmente. Em primeiro lugar, porque os cientistas defendem
o seu paradigma, numa adesão tão profunda que os leva a negar as anomalias, o estatuto e o
valor de provas pertinentes. E, em segundo lugar, porque nenhum paradigma é abandonado
enquanto não houver um outro que o possa substituir com sucesso: o abandono de um
paradigma, sustenta Kuhn, é sempre simultâneo da adoção de um outro; “rejeitar um paradigma
sem lhe substituir simultaneamente um outro é rejeitar a própria ciência.” Diríamos mesmo que
seria rejeitar a possibilidade de discernir o mundo.
É aqui que a teoria de Kuhn parece manter toda a sua atualidade e toda a sua pertinência,
da mesma maneira que mais críticas recebe e maior discussão suscita – pelo que nos parece
representar o fulcro da sua teoria.
A persistência de anomalias e a sua acumulação pode dar origem a um período crítico a
que Kuhn chamou de Ciência Extraordinária”. O período de “ciência extraordinária” pode originar
uma de duas coisas:

*
Factos que contradizem os resultados esperados no quadro do paradigma que governa a “ciência normal”.
a) Ou conduz a ciência à sua normalidade anterior (o que pode acontecer eliminando as
anomalias ou “congelando-as”).
b) Ou dará origem à emergência de uma nova teoria com pretensões paradigmáticas.

Caso se verifique a situação b), então o novo paradigma não surgirá no desenrolar de um
processo cumulativo cuja origem se encontre no paradigma anterior, antes surgirá como algo de
radicalmente novo, em ruptura com o anterior – trata-se de um ponto central nas teses de Kuhn.
Onde antes dominava, por exemplo, a “teoria dos lugares naturais” (Aristóteles), agora
passa a dominar as leis da inércia e da gravidade (Newton); onde antes imperava o princípio da
causalidade, agora impera o princípio da incerteza (Mecânica quântica).

Tal como acontece no domínio histórico-político, a opção entre paradigmas distintos é, no


essencial, “uma escolha entre modos de vida da comunidade que são incompatíveis. É por
isso impossível que esta escolha seja simplesmente determinada pelos procedimentos de
avaliação que caracterizam a ciência normal, uma vez que estes dependem precisamente de um
paradigma que está posto em causa.”
A teoria que fornece o novo paradigma não é apenas mais ampla do que a anterior, já não
se trata de apenas de preencher o “puzzle”, ela transporta consigo uma diferença radical que as
torna inconciliáveis. Ela refaz o mapa dos enigmas, suscita a adoção de novos métodos, redefine
o próprio domínio da pesquisa, determina a legitimidade dos problemas assim como das soluções
propostas. O sucesso de um novo paradigma que se imponha ao anterior define uma revolução,
mas não só: traça entre os dois paradigmas um abismo que Kuhn explica através da noção de
incomensurabilidade.

A explicação mais simples que Kuhn nos dá


sobre o conceito de incomensurabilidade é
a de “Gestalt” (“forma”; configuração) –
Imaginemos Ptolomeu e Copérnico a
observarem o mesmo céu, os mesmos
astros, mas a verem realidades
completamente distintas.

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