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03/09/23, 11:35 Tópicos introdutórios sobre filosofia da ciência

Tópicos introdutórios sobre filosofia da ciência


Prof. Dr. Silvio Seno Chibeni
Departamento de Filosofia, Unicamp
www.unicamp.br/~chibeni

Tópico 3. Limites do conhecimento científico

3.1. Limites contingentes do conhecimento científico


3.2. Limites intrínsecos do conhecimento científico
3.3. Sites e livros recomendados

3.1. Limites contingentes do conhecimento científico

Na percepção popular, a imagem da ciência é tão exaltada que certamente


parecerá estranho falar-se em limites do conhecimento científico. Sendo tão
poderosa, a ciência desconheceria limites. No entanto, há diversos sentidos em
que se pode dizer que o conhecimento científico é limitado. Indicar e comentar
brevemente esses sentidos é o objetivo desta aula.
Num sentido fácil de entender, o conhecimento científico exibe limites
simplesmente pelo fato de que nem tudo no mundo foi investigado pela ciência.
Parece certo, ao contrário, quando se considera a riqueza imensa de fenômenos no
universo, desde o micro até o macrocosmo, que a porção já investigada pela
ciência, em seus diversos ramos, é diminuta. Mesmo quanto aos tópicos em que já
há algum progresso feito – o estudo da luz, por exemplo – é evidente que muita
coisa ainda é desconhecida, muitos processos não são previstos e muito menos
explicados por nossas melhores teorias científicas.
Nesse primeiro sentido, os limites do conhecimento científico são
contingentes, isto é, dependem de circunstâncias diversas que, se fossem outras,
os limites seriam outros. Entre essas circunstâncias podem-se enumerar o interesse
efetivo que os cientistas tiveram em investigar tais e tais fenômenos, mas não
outros; o talento que eles tinham; os recursos financeiros e tecnológicos a seu
dispor; a sorte; as pressões externas à ciência (por exemplo, pressões políticas,
religiosas, econômicas, etc.), e muitos outros fatores que fizeram com que o
conhecimento científico tenha, atualmente, os contornos que tem. Em cada
momento histórico, a ciência está limitada por esses contornos, que vão se
modificando gradualmente à medida que ela progride.

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3.2. Limites intrínsecos do conhecimento científico

Há, porém, outra classe de limites que não são contingentes, e sim
intrínsecos ao próprio conhecimento científico. São limites em princípio
incontornáveis. Um dos mais importantes desses limites já foi mencionado de
passagem no início da seção 2.2: as teorias científicas não podem, por princípio,
ser provadas a partir de fenômenos, da mesma forma em que, na matemática,
podem-se provar teoremas a partir de conjuntos de proposições básicas, os
chamados axiomas.
A conclusão é que o conhecimento científico encapsulado em teorias nunca é
absolutamente seguro, estabelecido de uma vez por todas. Ele está
permanentemente exposto a possível evidência experimental contrária, que
obrigue os cientistas a rejeitarem ou, ao menos, ajustarem suas teorias. Isso desfaz
a idéia de infalibilidade usualmente associada à ciência. Mas tal constatação não
deve levar ao erro oposto, de desqualificar o conhecimento científico, igualando-o
a formas menos sistemáticas e cuidadosas de obtenção de conhecimento.
Esse equívoco pode ter consequencias tão nefastas como o da crença na
infalibilidade da ciência, conduzindo, por exemplo, a uma posição que ganha
espaço hoje em dia em certos círculos intelectuais, e que os filósofos chamam de
relativismo. Segundo essa perspectiva, a crença em teorias científicas estaria no
mesmo nível que qualquer outra crença. Exagerando um pouco, o argumento
seria: como não são absolutamente seguras, as teorias científicas não são nada
seguras; vão e vêm ao sabor de circunstâncias fortuitas e variadas.
Essa posição só parece plausível quando se ignoram alguns fatos
importantes. Um deles, ainda não comentado explicitamente, mas que está
subentendido no que já vimos, é que a ciência, qualquer que seja, tem como
fundamento fenômenos, ou seja, observações experimentais. Ora, apesar do que
dizem alguns relativistas radicais, essa base empírica é, num sentido preciso que
não será detalhado aqui, sólida e estável. Por mais que mude a compreensão
científica de um fato, o fato continuará sendo fato. Tomemos um exemplo
simples: a concepção do que é um planeta, e do que explica seu movimento nos
céus, mudou muito com a chamada “revolução científica” dos séculos XVI e
XVII; mas as trajetórias dos planetas – que são propriamente fenômenos – não
mudaram. Tampouco mudaram suas cores e brilhos, que também são fenômenos.
O que mudou foram as teorias astronômicas e físicas que se propunham a predizer
e explicar tais fenômenos.
Outro ponto ignorado pelo relativismo é que, embora as teorias científicas
não desfrutem do mesmo tipo de solidez epistemológica que os fenômenos, elas se
beneficiam indiretamente dessa solidez, na medida em que, para serem
genuinamente científicas, têm de exibir relações específicas e bem definidas com
os fenômenos que formam a sua base empírica. Vimos, na aula precedente, que a
mais importante dessas relações é uma relação lógica entre a teoria e os

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fenômenos, a extração de implicações empíricas da teoria. Tal relação impõe


severas restrições às teorias admissíveis na ciência: teorias que tenham
implicações empíricas falsas não podem ser aceitas.
Agora, mesmo as teorias que passam nesse critério básico não são todas
igualmente boas. A ciência desenvolveu, ao longo de sua história, uma série de
critérios complementares que auxiliam a escolha teórica, quando mais do que uma
teoria alternativa está disponível: são consideradas melhores as teorias mais
abrangentes (i.e. que cubram um maior e mais diversificado número de
fenômenos), mais precisas, mais coerentes (i.e. cujos princípios teóricos
suportem-se mutuamente), mais simples, e, sobretudo, que sejam capazes de levar
a predições de fenômenos de tipos novos (i.e., que favoreçam o avanço do próprio
conhecimento experimental, ao invés de virem sempre a reboque dele).
Portanto, a ciência – especialmente seus ramos mais maduros, como a física
– possui um arsenal de critérios e métodos de avaliação de teorias que, embora
não estabeleça verdades definitivas e completas no campo teórico, tem
efetivamente permitido uma filtragem severa das teorias propostas, de forma que a
ciência não é, como pensam alguns de seus críticos, uma terra de ninguém, onde
qualquer coisa valha. Isso significa que, embora limitado, nesse sentido
epistemológico, não contingente, a ciência oferece garantias bastante razoáveis,
que permitem que, em cada momento da história da ciência, o conhecimento
científico se apresente como o melhor de que dispomos para nos guiar tanto na
predição como na explicação dos fenômenos naturais.
Podemos agora ter uma visão melhor de um ponto já mencionado, o critério
de demarcação entre ciência e não-ciência, ou pseudo-ciência. O que caracteriza o
conhecimento científico não é sua infalibilidade, mas o cuidado permanente que
há (ou deve haver), na ciência, em explorar ao máximo as implicações
experimentais das teorias, em busca quer de confirmação, quer de refutação, e a
tomada de providências resolutas neste último caso, rejeitando-se ou modificando-
se a teoria, de forma a que se compatibilize com todos os fenômenos conhecidos.

3.3. Sites e livros recomendados

• Notas de aula “Algumas observações sobre o ‘método científico’”, Prof.


Silvio S. Chibeni,
http://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/textosdidaticos.htm
• Hempel, C. G. Filosofia das Ciências Naturais. Trad. P. S. Rocha. Rio,
Zahar, 1974. (The Philosophy of Natural Science. Englewood Cliffs,
Prentice-Hall, 1966.)
• Notas de aula sobre os capítulos 3 e 4 (sobre teste de hipóteses) de
Philosophy of Natural Science, de Carl Hempel. Prof. Silvio S. Chibeni.
http://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/hempel-3e4-notas.htm

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